REVISTA VIRTUAL DE INVESTIGACIÓN EN HISTORIA, ARTE Y HUMANIDADES
Año 2012. Vol. 3 - Nº 6. Agosto - Noviembre
ARTE OU ARTESANATO INDÍGENA?
Ana Raquel Portugal
Professora de História da
América – UNESP – BRASIL.
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REVISTA VIRTUAL DE INVESTIGACIÓN EN HISTORIA, ARTE Y HUMANIDADES
Año 2012. Vol. 3 - Nº 6. Agosto - Noviembre
ARTE OU ARTESANATO INDÍGENA?
A conceituação de arte aplicada ao material produzido por grupos indígenas independe da etnia
a que pertencem. Os artefatos produzidos por esses povos continuam a ser considerados artesanato,
ou seja, o artesão apenas repete modelos pré-existentes, caracterizando assim uma arte menor. Porém,
não podemos esquecer que esses ditos modelos representam o resultado da confluência de
concepções coletivas e individuais, não privilegiando o individualismo como na arte ocidental.
Os produtos artesanais, em geral, são fabricados em grande escala, o que acarreta uma
tendência à homogeneização e seus produtores transformam seu trabalho em mercadoria. Dificilmente
um artesão consome seu próprio produto. Ao contrário, os objetos produzidos por indígenas podem
ser chamados de artísticos, pois muito embora possam ter uma utilidade prática, possuem a qualidade
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do belo e portam códigos sociais e conteúdos mágicos e religiosos das comunidades que os produzem .
Percebemos então, que a melhor maneira de examinar essa peculiaridade dos materiais
produzidos por grupos indígenas é à luz da “etno-estética”.
A etno-estética dá ênfase à necessidade de estudar em sua totalidade o contexto da arte para
poder entender sua estrutura simbólica e sua integração com outros domínios da cultura. Seu propósito
é apresentar a arte e a estética de outras culturas desde o ponto de vista de seus criadores2.
Para estudarmos peças indígenas, temos que entender a história do grupo étnico analisado, seu
modo de vida, sua cosmovisão e o significado de seus códigos de conduta, que muitas vezes não dizem
respeito apenas ao grupo em questão, mas também àqueles com quem praticam o intercâmbio.
Para exemplificarmos tal estudo, analisaremos algumas peças produzidas pela cultura Inca que
habitou grande parte da zona andina no final do século XV e início do XVI, quando chegaram os
espanhóis. Para entendermos a complexidade de suas obras, precisamos antes conhecer um pouco da
história da formação do Tahuantinsuyu (Império Inca).
Os incas são provenientes da região próxima ao Lago Titicaca e segundo seus mitos são filhos do
deus Sol, que os enviou numa missão “civilizadora” para o Vale de Cuzco, de onde prosseguiram em seu
projeto expansionista. Para que isso acontecesse foi fundamental a reciprocidade praticada com as
demais etnias a serem assimiladas pelo Tahuantinsuyu. Essa reciprocidade era uma característica de
todos os povos que habitavam a região andina e se dava dentro dos grupos de parentesco, ou seja,
quando indivíduos de ayllus intercambiavam produtos e serviços3.
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R. HERRERA, Neve Enrique. Artesanía y organización social de su producción. Estructura de su organización
gremial. Centro de Investigación y Documentación de Artesanías de Colombia “Cendar”, Santafé de Bogotá, 1992,
p.27.
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WHITTEN JR., Norman E., WHITTEN S., Dorothea. Reflections on ethnoaesthetics and art worlds. In: GUCHTE,
Maarten van de (Ed.). Masquerades and Demons. Tukuna Bark-Cloth painting. Krannert Art Museum and Kinkead
Pavilion. Urbana-Champaign: University of Illinois, 1992, p.31.
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"La reciprocidad se ejercía, entonces, a través de la mutua prestación de energía humana para la producción
comunitaria; a esto llamaron los cronistas ayni, considerándolo como una suerte de ayuda mutua y no como la
obligación que era, originada en los lazos del parentesco” PEASE, Franklin. Los Incas. Lima: PUC, 1992, p.60.
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A inexistência de dinheiro e comércio no mundo andino foi substituída pela reciprocidade e
redistribuição que ajudaram a organizar a economia e a estrutura social incaica. A terra era o elemento
mais importante para a população andina, mas durante o domínio inca foi repartida em terra do Inca, do
Sol e do povo. Cada família recebia seu pedaço de terra para plantar e criar animais, tirando daí o seu
sustento. O tamanho da área territorial que o Estado tomava para si de cada grupo étnico variava, pois
de acordo com as palavras de Polo de Ondegardo, isso se dava em conformidade com a natureza das
terras e de sua população. As terras dedicadas ao culto eram cultivadas e administradas separadamente
e o produto da colheita armazenado em depósitos próprios4.
Quando o Tahuantinsuyu se formou foi indispensável contar com a força de trabalho dos
diversos grupos étnicos anexados aos domínios incas através da reciprocidade. A posse da terra
centralizou o poder na figura do Inca, o que propiciou o controle de toda a produção necessária para a
redistribuição. Dessa maneira, as bases da economia incaica, a reciprocidade e a redistribuição,
prosseguiram funcionando tanto nos ayllus, como em relação ao Estado, beneficiando, em parte, a
integração do território inca, já que algumas etnias prosseguiram insatisfeitas ante o domínio incaico.
Para que esse sistema funcionasse era necessário que o Inca visitasse esporadicamente todos os
chefes locais de seu território presenteando-os com artigos de luxo, como cerâmicas, tecidos, arte
plumária e outros. Sendo assim, os chamados artesãos eram fundamentais não só pela alta qualidade de
seus produtos, mas porque as suas tarefas eram fundamentais para o funcionamento da reciprocidade.
Porém, como podemos observar nas peças abaixo, esses produtos não eram apenas uma
realidade material, e sim, formas de pensamento, pois expressavam a necessidade de legitimação do
poder Inca. Serviam para explicar a cosmovisão incaica e principalmente, o seu desígnio divino para
dominar tais populações, visto serem eles os portadores dos ensinamentos agrícolas que propiciaram a
sedentarização daqueles povos outrora “selvagens”.
Começamos com a imagem do “orejone” inca, que deverá ser visto como “aquele que manda” e
a simbologia do poder é expressa através dos grandes orifícios nas orelhas, que eram preenchidos por
discos de madeira ou de ouro.
Qero Inca
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POLO DE ONDEGARDO, Juan. Informaciones acerca de la religión e gobierno de los incas. In: URTEAGA,
Horacio H. CLDRHP. Lima: Imprenta y Librería San Marti, 1916, p.58.
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No campo sagrado, temos a representação do deus Viracocha em ouro, que é uma das principais
figuras da religião incaica e que numa amostra da soberania desse povo, conforma uma faca de
sacrifícios, que tanto poderiam ser de animais como de seres humanos. Percebemos desse modo, que o
Tahuantinsuyu não utilizou apenas a reciprocidade para garantir a sua expansão, mas também as
crenças nos deuses e principalmente, o temor de uma vingança destes, caso o povo não se submetesse.
Tumi5 em ouro
Percebemos que as idéias não se desprendem da matéria e os conceitos indígenas se expressam
diretamente através de elementos materiais, sejam eles naturais ou feitos pelo próprio homem. Assim,
seus produtos cristalizam o mundo cultural, material e ideal de suas sociedades.
Outros exemplos, são os huacos6 eróticos produzidos para explicar o funcionamento do corpo
humano, a sexualidade e o quanto ela deve ser bem aceita entre os povos andinos, pois a reprodução é
fundamental para a sobrevivência de sociedades que vivem do trabalho coletivo da terra. Esses objetos
não podem ser vistos como mero artesanato, pois sua essência é pedagógica e demonstrativa da
simbologia e necessidades incaicas e de grupos pré-incaicos.
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Faca de sacrifício.
Objetos sagrados de cerâmica.
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Huacos eróticos em argila
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Hoje sabemos que isso está se perdendo, pois as comunidades indígenas inseridas no sistema
capitalista estão convertendo sua arte em artesanato. Aquilo que antes era expressão de um mundo
simbólico não dissociável do mundo real, agora é apenas um produto para participar do processo
comercial, o que leva, por vezes, à perda do sentido tradicional. Esses produtos retirados de seu
contexto perdem o sentido de sua confecção original, pois passados a mãos alheias se distanciam de
seus significados e importância e se convertem em artesanato. Quem adquire uma peça dessas, nada
sabe sobre a vida de quem a produziu e muito menos, sobre o que representa para quem a elaborou e
isso leva à descaracterização cultural e social dos grupos indígenas.
Originalmente, os povos indígenas criaram peças artísticas e não somente artesanato, visto
como uma mera repetição do mesmo padrão tradicional. A produção cultural indígena é dinâmica e sua
plasticidade é resultante de confluências culturais e inquietações coletivas. Se hoje alguns grupos são
levados a produzir suas obras em série, distanciando-se por completo das antigas particularidades de
suas culturas e esquecendo o sentido original das mesmas, isso se deve à luta pela sobrevivência
impingida pelo colonizador branco, que ainda hoje continua expropriando terras e confinando grupos
indígenas a parcos territórios, onde eles sequer conseguem o material outrora utilizado na confecção
de suas peças.
FONTES E BIBLIOGRAFIA
PEASE, Franklin. Del Tawantinsuyu a la Historia del Perú. Lima: IEP, 1978.
______________. Los Incas. 2.ed. Lima: Pontificia Universidad Católica del Perú, 1992.
POLO DE ONDEGARDO, Juan. Informaciones acerca de la religión e gobierno de los incas. In:
URTEAGA, Horacio H. CLDRHP. Lima: Imprenta y Librería San Marti, 1916.
ROSTWOROWSKI DE DIEZ CANSECO, María. Etnía y sociedad. Costa peruana prehispánica. Lima:
IEP, 1977.
______________. Historia del Tahuantinsuyu. 2.ed. Lima: IEP, 1988.
______________. Ensayos de historia andina: élites, etnías, recursos. Lima: IEP/BCRP, 1993.
ROWE, John H. Inca culture at the time of the spanish conquest. In: STEWARD, H. Julian.
Handbook of South American Indians. New York: Cooper Square Publishers INC, 1963. V.2: The
Andean Civilizations, edited by Julian H. Steward.
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organización gremial. Centro de Investigación y Documentación de Artesanías de Colombia
“Cendar”, Santafé de Bogotá, 1992.
WACHTEL, Nathan. Sociedad e ideología; ensayos de historia y antropologia andina. Lima: IEP,
1973.
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In: GUCHTE, Maarten van de (Ed.). Masquerades and Demons. Tukuna Bark-Cloth painting.
Krannert Art Museum and Kinkead Pavilion. Urbana-Champaign: University of Illinois, 1992.
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