Com a devida vénia transcrevemos artigo publicado na edição do Jornal de Negócios
Dívida pública detida pelos bancos atingiu máximo histórico em Novembro de 2012
Lusa
A dívida pública portuguesa detida pela banca atingiu máximos históricos em Novembro de
2012, um recorde que os analistas atribuem ao financiamento barato do BCE, que os bancos
aproveitam para aplicarem em dívida com elevada rentabilidade.
Os bancos a operar em território nacional tinham, em Novembro do ano passado, 32.499 milhões de
euros de títulos soberanos de Portugal. Este é o valor mais alto desde 1997, primeiro ano de que há
registos do Banco de Portugal, e ultrapassa em 39% o valor de em Abril de 2011, quando os presidentes
dos maiores bancos privados portugueses sugeriram que Portugal devia pedir ajuda externa e alertaram
que o sector não podia continuar a financiar o Estado através da compra de títulos de dívida.
Após esse mês, a dívida soberana nas mãos dos bancos ainda subiria ligeiramente, mas na
segunda metade do ano iria descer e chegaria aos 22.847 milhões de euros no final de Dezembro de
2011. Desde então, a tendência é de subida.
Segundo um analista contactado pela Lusa, que preferiu não ser identificado, o aumento da dívida
nas carteiras dos bancos é o resultado de dois fatores. Por um lado, da perceção de que a dívida
portuguesa estava subvalorizada no mercado e, por outro, da capacidade financeira dada pelas
operações de financiamento a três anos do Banco Central Europeu (BCE), que permitiram aos bancos
ter capital para investirem em títulos soberanos e realizarem mais-valias.
Nas duas operações de financiamento do BCE (em Dezembro e Março, à taxa de 1%) os bancos
portugueses ficaram, no total, com 40 mil milhões de euros do bilião de euros concedido à banca da
zona euro.
"Os bancos acharam que para maturidades na casa de três, quatro ou cinco anos [comprar dívida
pública portuguesa] poderia ser um negócio interessante e revelou-se de facto, com valorizações de 30
ou 40%", afirmou o mesmo analista.
Em Setembro, segundo os últimos dados dos principais bancos privados, 16% dos ativos do BPI
eram títulos de dívida soberana, os quais ascendiam a 7.462 milhões de euros. Destes, mais de 80% era
dívida de Portugal (6.073 milhões de euros).
No BCP e no BES a dívida soberana era de cerca de 5% dos ativos em balanço. No entanto, em
termos do total de títulos soberanos, os números são ainda mais significativos: 95% do total no banco
liderado por Nuno Amado (4.788 milhões de euros) e 98% no banco presidido por Ricardo Salgado
(4.204 milhões de euros).
Já a Caixa Geral de Depósitos (CGD), segundo a imprensa, tinha no final do primeiro semestre do
ano passado 8,1 mil milhões de euros em dívida soberana de Portugal, isto em termos consolidados.
Francisco Almeida, gestor de ativos da corretora Orey Financial, considera que, além das
remunerações elevadas, os títulos de dívida portuguesa são atrativos para os bancos porque têm a
vantagem de "servirem como colateral para entregar ao BCE por empréstimos".
Mas não é só o financiamento do BCE que os bancos estão a utilizar para comprar dívida
portuguesa.
Paulo Soares Pinho, professor da Universidade Nova de Lisboa, refere também que parte
importante do capital público que o Estado português tem injetado nos bancos é canalizada para dívida
pública. Isto porque, explicou, o facto de os instrumentos de capital convertível em ações (as chamadas
'CoCo bonds') serem "onerosos" (com taxas a partir de 8,5%) leva os bancos a utilizarem "esses
montantes para comprar dívida pública de longo prazo, cujas 'yields' [rendimentos] elevadas permitem
compensar o custo dos CoCos".
Depois dos 4.500 milhões de euros injetados no BCP e no BPI em 2012 para os recapitalizar, até
final deste mês o Estado vai pôr 1.100 milhões de euros no Banif, onde ficará como acionista. O Estado
investiu ainda 1.650 milhões de euros na CGD, neste caso enquanto seu único acionista.
Os analistas encontram neste processo quase que um círculo vicioso que está, pelo menos de
momento, a financiar tanto os bancos como o Estado.
"Os bancos estão a ir buscar fundos ao Estado em parte por força de terem exposição a divida
soberana e com esse capital vão comprar mais dívida soberana. É um ciclo estranho, resolver apagar o
fogo com mais lenha", afirmou o analista que prefere não ser identificado.
Já segundo Soares Pinho, o "Estado encontra, via banca, uma fonte de financiamento estável", ao
mesmo tempo que assiste a uma queda das taxas de juros da dívida pública através dessas compras. Já
os bancos têm melhorado "bastante" a sua liquidez, o que lhes permite baixar as taxas de juro
agressivas que chegaram a oferecer pelos depósitos a prazo, enquanto o BCE se mantém como uma
fonte fundamental de financiamento.
Crédito à economia penalizado
A concessão de crédito à economia tem sido penalizado pela aposta da banca em dívida pública,
consideram os analistas contactados pela Lusa, baseando-se no aumento da dívida detida pela banca e
na diminuição dos empréstimos às empresas e famílias.
Os bancos a operar em território nacional tinham, em Novembro do ano passado, 32.499 milhões
de euros de títulos soberanos de Portugal, o valor mais alto desde 1979, o primeiro ano de que há
registos do Banco de Portugal, e quase 10.000 milhões de euros a mais desde o início de 2012.
Já nos empréstimos, Novembro foi o 14.º mês em que o crédito concedido às empresas caiu, para
106.672 milhões de euros. Nos particulares, a queda repetiu-se pelo 9.º mês consecutivo para 134.407
milhões de euros em Outubro.
No total, desde o início do ano de 2012 e até Novembro, o crédito às famílias e empresas caiu
12.334 milhões de euros (4,87%).
Para os analistas contactados pela Lusa esta queda da concessão de crédito pelos bancos não é
completamente independente do uso da sua liquidez para a compra de títulos soberanos.
"É uma solução fácil para qualquer banqueiro [investir em dívida soberana], isto se não houver
uma reestruturação da dívida. Já nos empréstimos há risco de crédito", considerou à Lusa Francisco
Almeida, gestor de ativos da corretora Orey Financial.
Outro analista contactado, que preferiu não ser identificado, também disse que as operações de
financiamento a três anos que o BCE fez em Dezembro de 2011 e Março de 2012 (a que bancos
portugueses foram buscar 40 mil milhões de euros) tinham como objetivo dar aos bancos "uma folga
para começarem a conceder mais crédito", quando isso, "na realidade, se traduziu pela compra de mais
dívida pública".
Para o professor da Universidade Nova de Lisboa, Paulo Soares Pinho, vive-se mesmo uma
"situação de 'crowding-out'", em que o "Estado se apropria da quase totalidade" do financiamento do
BCE e do capital injetado pelo Estado nos bancos para os recapitalizar. Em consequência, afirma,
"pouco ou nada chega à economia real, exceção feita às grandes empresas".
Apesar de a banca estar neste momento a dirigir a liquidez que tem sobretudo para a compra de
títulos soberanos em vez de para o crédito à economia, é provável que essa tendência venha a esbaterse, considera o analista que preferiu não ser identificado.
Por um lado, justificou, porque a dívida portuguesa "tem hoje taxas de remuneração muito menos
interessantes do que tinha há um ano atrás" e, por outro, porque o negócio dos bancos é emprestar
dinheiro dos aforradores.
"Aos bancos também interessa conceder crédito e se não o fazem é porque, no curto prazo, acham
que as condições a que teriam de emprestar implicariam perdas que não querem correr. A tendência
normal, a prazo, será isto começar a diminuir à medida que a economia começar a recuperar", afirmou.
Além do crédito às famílias e empresas, também os empréstimos à administração pública têm
estado a cair nos últimos meses.
Os empréstimos dos bancos à administração central - que em Abril de 2011 atingiram o recorde
(desde 1979) de 12.502 milhões de euros - estavam em Novembro de 2012 em 3.115 milhões de euros,
sendo esse o quarto mês consecutivo de queda.
Os empréstimos à administração regional também desceram em Novembro último, pelo terceiro
mês consecutivo, para 1.487 milhões de euros.
O valor mais elevado de crédito concedido nas administrações públicas era, em Novembro, o
destinado à administração local, com 4.568 milhões de euros. Ainda assim, é também nesta rubrica se
regista a maior queda consecutiva, estando a ceder há 19 meses, desde Abril de 2011.
2013-01-23
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