A CRIANÇA E O LIVRO [Fevereiro/2003] Pra mim, livro é vida, desde que eu era muito pequena os livros me deram casa e comida. Foi assim: eu brincava de construtora, livro era tijolo; em pé, fazia parede; deitado, fazia degrau de escada; inclinado, encostava num outro e fazia telhado. E quando a casinha ficava pronta eu me espremia lá dentro pra brincar de morar em livro. (Lygia Bojunga Nunes) Os Pais Como Modelos A relação criança/livro só ocorre com essa intensidade se os estímulos forem dados desde os primeiros anos de vida. Assim, incalculáveis iniciativas por parte de profissionais - entre eles professores, bibliotecários e livreiros - têm sido tomadas, visando aproximar a criança do livro, despertando nela o prazer pela leitura. Porém, esses esforços podem rolar água abaixo se no dia-a-dia os pais, os maiores modelos, não se mostrarem interessados pelos livros. Por mais simpáticos e atenciosos que sejam os profissionais do livro, nada substitui a relação afetiva entre pais e filhos no momento da leitura. Se o pai e a mãe entram numa livraria para comprar um livro ou numa biblioteca para emprestar um livro e lê para seu filho, torna-se cúmplice dele. E essa cumplicidade é o toque mágico que aproxima, que une, que apaixona, que completa, que amplia uma relação. E esse comportamento passa a ser copiado. Essa criança tem tudo para ser um leitor. Histórias para dormir A prática de se contar estória antes de dormir debaixo dos cobertores, se perdeu... Hoje, a maioria das mães trabalha fora e no final do dia está exausta. Hoje, a televisão ocupa o pouco do tempo de lazer que os adultos possuem. Assim, raras são as crianças que têm o privilégio de dormir mergulhando no mundo maravilhoso das estórias infantis. Logo hoje, que os livros brasileiros estão cada vez mais ricos em texto e ilustração. Campanhas estão sendo feitas para voltar-se a esses hábitos. Professores também Outro modelo para as crianças e jovens são os professores e deles depende também o estímulo à leitura. A indicação precisa estar envolta numa nuvem de emoção. E para que atinja o seu objetivo, o professor precisa estar atento às necessidades e interesses dos seus alunos e, no mínimo, gostar de ler. Muitos professores, na ânsia de cumprir etapas de currículos, acabam por escolher livros desinteressantes e massantes, afastando o leitor do livro. Leitor adulto Se o adulto sente o desejo de recuperar o tempo e iniciar suas leituras, deve procurar leituras curtas, em geral com temas do cotidiano e de humor. O mais importante, é que cada leitor faça o seu próprio ritmo, encontre seu caminho e consiga uma vivência prazerosa com os livros. ERA UMA VEZ... [Março/2003] Era uma vez uma história de verdade, onde tinha uma tia de verdade, que curtia pra valer o seu sobrinho Fernando de sobrenome Spagnuolo. Fernando morava em Londrina e estudava numa Escola chamada Pequeno Polegar, mas o Fernando era grande. Ele tinha 9 anos e tinha uma paixão... Fernando era maluquinho por livros, lia todos os livros que caíam em suas mãos (os que não caíam ele pegava). Essa tia, que era muito especial, leu na Folha de Londrina sobre o livro Eu e a minha luneta da Editora Formato e quis comprar o livro para dar de presente ao Fernando. Na livraria a dona não queria vender, pois estava apaixonada pela luneta do livro e tinha comprado só um, pra ela (muito egoísta). A insistência de Marta fez a dona da livraria ficar curiosa (ela é sempre muito curiosa) e a tia acabou contando que além de ler muito, Fernando escreve coisas incríveis. - Vou trazê-lo aqui, para você conhecer! Aí, a história continuou e eu conheci o Fernando. E eu também fiquei fã dele. Virei tia coruja também. Descobri as coisas criativas que ele escreve... Idéias de Fernando ... uma pequena zebrinha que estava cansada de usar pijama listrado, só preto e branco... resolveu comprar tecido vermelho e outro branco. Foi para a loja comprar uma máquina de costura. Voltou para a floresta e deu uma roupa branca com bolinhas vermelhas para todas as zebras... Ou ... e caí num planeta com seres bem diferentes! Eles tinham poderes e raios. Um deles com 6 pernas me atingiu com um RP (raio paralisante). Eu fiz amizade com um extraterrestre que estica o pescoço e tem dentes enormes, pés pequenos, coração que brilha, rosto chato e é gorduchinho... Ou Cenas do cotidiano Quando Fernando nasceu, ele foi muito bem recebido: - Toma, filho, a chave da cidade! No nascimento de sua irmãzinha, ele escreve: - Quem é essa estranha criatura que quer roubar os meus poderes? Estímulo constante Atualmente, no Brasil, muitas inovações e pesquisas estão sendo feitas com o propósito de estimular na criança o prazer em ler, além de despertar o senso crítico e a capacidade para desenvolver o texto. Esse estímulo, muitas vezes está na disponibilidade de tempo e paciência para ouvir a criança e também num simples afago. É importante que pais e professores estejam atentos para levar a criança a "falar o mundo", "ler o mundo" e "escrever o mundo". EU JOGO, TU JOGAS, ELE É JOGO [Abril/2003] O elemento lúdico é essencial na conquista e formação do leitor, ele aparece no livro infantil em forma de rimas, travalínguas, músicas, cartas enigmáticas, embaralhamento de páginas, movimentação de peças, cortes/recortes, dobraduras, etc. O ato de brincar, além de ser estimulante, torna o leitor mais participativo. Nesse exercício democrático só não vibra, não se apaixona quem não tem acesso ao livro. Vários escritores e ilustradores nacionais e estrangeiros criam livros-jogos; que provocam alvoroço junto às crianças e os jovens. O enigma, o suspense, a poesia e o humor são os melhores temperos para se fazer do livro um brinquedo prazeroso. O leitor decide ... o monstro avança em tua direção furibundo de raiva! Se você acha que é mole liquidá-lo com um golpe de karatê, vá para a página 37. Se você está se pelando de medo fuja para a página 41. Este é um delicioso convite à aventura encontrado nos textos da Coleção Agora Você Decide da EDIOURO. Aqui o leitor escolhe evitar perigos ou desafiar a sorte. Não existe uma norma estabelecida, uma seqüência rígida. É ler e escolher o seu final. O leitor procura Outro tipo de livro-jogo é o famoso Onde está o Wally? com várias reimpressões, editado pela Martins Fontes desde 1990, hoje tendo outros volumes, com aventuras na praia, no camping, na estação, no estádio. Esta coleção, além de aguçar no leitor a percepção, provoca na família (ou na vizinhança) a competição em achar com rapidez o Wally. O ilustrador e escritor Ziraldo, lançou uma versão humorada do Wally chamada Onde está o Menino Maluquinho? que, ao inverso do Wally, está em quase todos os lugares e o leitor precisa descobrir onde ele não está. O leitor abre janelas Que o livro abre todas as janelas do mundo para o leitor, já é sabido, mas no livro Eu e minha luneta, de Cláudio Martins, publicado pela Editora Formato, é permitido abrir janelas e usar lunetas. As crianças (e adultos também) curtem muito. Essas janelas são de um grande prédio, em cada uma delas acontece uma estória. Em que janela olhar? Quantas janelas são? Quantas estórias contam essas janelas? Será que uma estória pode interferir na outra? Como termina a estória? Ou a estória não termina e eu posso voltar atrás? Com uma luneta na mão e, como diz o escritor Murilo Mendes, com "olhar armado" a criança pode descobrir a cada leitura, muito mais e se divertir. LÊ, BIBLIOTECÁRIO! [Maio/2003] Uma das venturas a ser partilhada no paraíso será podermos nos dedicar às leituras todos os momentos de nossas vidas. (Jorge Luís Borges) Por mais autoritário que o título deste texto possa parecer, é com ele que eu vou interceder a favor da leitura. Durante os anos de exercício da minha profissão, convivi com muitos profissionais e sempre ouvi a mesma indagação: "O que fazer para despertar o gosto pela leitura?" Parece simplório, mas só tenho uma resposta: - Não há uma receita pronta para essa árdua, porém instigante tarefa. Se houvesse, era só seguir e "colocar no forno". No entanto, existem algumas idéias que os mediadores de leitura (entre eles o bibliotecário) devem refletir e por em prática cotidianamente. A primeira delas é quase uma obrigação - LÊ, BIBLIOTECÁRIO! Pois antes de ser pensar em levar alguém a se interessar pela leitura, é primordial ser leitor para que, desta forma, venha a contagiar outros leitores. Não deixe que, na sua Biblioteca, a leitura seja relegada a segundo ou terceiro plano. Elabore multidisciplinarmente um programa de estímulo à leitura de maneira seqüencial e não apenas eventual. Aprenda a "ler" os seus leitores, perceba as suas expectativas e interesses. Deixe o seu conhecimento, a sua sensibilidade e o seu bom senso fluírem no momento do planejamento das atividades a serem realizadas na biblioteca, pois nem tudo o que se faz em nome da leitura, leva à leitura. Torne a leitura literária algo prazeroso, para que você possa eliminar os condicionamentos mecânicos de seu leitor e levá-lo a um verdadeiro adentramento no texto. Proponha textos atuais que desperte a atenção de seu leitor, para que ele realmente "curta" o que está lendo e deseje ler sempre. Esqueça os seus preconceitos, deixe a leitura ser plural. Faculte ao leitor o acesso as mais variadas leituras, respeitando as suas fases e seu ritmo. Façao perceber que, acima de tudo, leitura é algo "vivo" e divertido. Quando você conseguir tudo isso, poderá perceber que a inquietação sobre o despertar para o gosto da leitura continuará existindo, pois você estará buscando novamente, para e com os leitores, novos textos e novas informações sobre a leitura. E sem que você perceba (pois estará envolvido com novas idéias) formará leitores enriquecidos e com uma visão mais ampla do mundo e de si mesmos. Você pode estar pensando: Tudo isto é um sonho? E novamente, eu só tenho uma resposta: Aqueles que sonham acordados têm conhecimento de mil coisas que escapam àqueles que sonham apenas adormecidos. Em suas brumosas visões, apanham lampejos da eternidade e ao despertarem têm arrepios ao ver que estiveram por um instante às margens do grande segredo. (Edgar Allan Poe) OBS: adaptação do texto originalmente publicado, em junho de 1999, com o título - LÊ, PROFESSOR!!! HISTÓRIAS VERDADEIRAS [Junho/2003] os japoneses e um mediador de leitura que queria galinhas A literatura infanto-juvenil é repleta de histórias fantásticas, mas sem dúvida a fantasia tem muito de verdade. Hoje quero sair um pouco da estrutura de texto da minha coluna, quero falar de uma história verdadeira que povoou a minha infância. Quando criança meu pai era funcionário do Conselho Londrinense de Serviço Social (uma instituição já extinta) e fomos morar num casarão na Vila Nova. Lá havia sido a sede de uma comunidade japonesa e eles quando se mudaram deixaram armários enormes (que ficavam maiores nos meus cinco anos) cheios de livros. Esse era um dos meus poucos brinquedos. Com eles eu passava horas me divertindo, como não era alfabetizada em português, menos ainda em japonês; lia imagem. Assim, começou a minha paixão por livros infantis e juvenis... Outra história verdadeira Falando sobre isso em sala de aula, no curso de Biblioteconomia na UEL, Maria do Carmo, uma aluna me contou sua história: "Quando criança no sítio dos meus pais, sempre vinha da cidade um homem, que era esperado com muita expectativa, com livros para trocar por galinhas. Vejam só trocar livros por galinhas!!! E foi assim que aprendi a gostar de ler e principalmente de literatura de cordel; muitas histórias ainda tenho completas em minhas cabeça..." O PONTO "G" DA LEITURA [Julho/2003] QUE GOSTOSURA!!! Cá estou eu novamente envolvida com meus alunos do Curso de Biblioteconomia, que numa discussão em sala de aula me desafiaram a escrever um texto, para essa coluna, com o título - "O ponto G da Leitura". A polêmica surgiu quando falávamos de "fruição literária" e do que isso significa. A palavra fruição, segundo o Dicionário Aurélio, deriva do latim fruitione e é "a ação ou efeito de fruir; Gozo [...]". Isso nos reportou as idéias de Freud (prazer estético), de Barthes (prazer do texto) e de Jauss (fruição estética), pois todos eles vinculam o ato de ler (diferentes linguagens) ao prazer e à satisfação. E é assim que defendemos a leitura para a criança e o adolescente na escola, com Prazer, com Gosto e Gozo. Sem avaliações e cobranças, sem uma rotina didática e autoritária. Na biblioteca também, pois o bibliotecário não pode esquecer que é responsável pela mediação da leitura, que num sentido genérico é a intermediação ou "ponte" entre o leitor e o texto. E precisa lembrar ainda, que sua "intervenção pode ampliar ou anular possibilidades, despertar ou adormecer sensibilidades, facilitar ou dificultar emoções" (PERROTTI, 1990, p.17). Como intermediário de leitura, encontra-se em uma situação privilegiada, pois tem nas mãos uma diversidade de suportes e a possibilidade de levar crianças e jovens a infinitas descobertas. Sugestões de Leitura: BARTHES, Roland. O Prazer do texto. São Paulo: Perspectiva, 1987. JAUSS, Hans Robert. O Prazer estético e as experiências fundamentais da poiesis, aisthesis e katharsis. In: LIMA, Luiz Costa (Coord.). A Literatura e o leitor: textos de estética da recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. PERROTTI, Edmir. Confinamento cultural, infância e leitura. São Paulo: Summus, 1990. (Novas Buscas em Educação, 38). Agosto/2003] Quando pensamos em leitura, imediatamente pensamos na leitura de palavra. Porém no cotidiano somos solicitados, cada vez mais, a ler imagens. Mas será que estamos "alfabetizados" para isso? Minha resposta é: nós adultos da geração "SLI" (Sem Livro Infantil), não. Mas as gerações que têm contato com diferentes fontes imagéticas, estão se preparando para isso. Uma das possibilidades de aprendizagem de leitura de imagem é o acesso ao livro infantil de qualidade. E, para aqueles que costumam valorizar somente a produção estrangeira, informo que no Brasil temos ilustradores criativos, competentes e premiados internacionalmente. Entre eles podemos citar: Ziraldo, Ciça Fitipaldi, Zélio, Eva Furnari, Rogério Borges, Eliardo França, Ana Raquel, Luís Camargo, Helena Alexandrino, Rubens Matuck, Ricardo Azevedo, Angela Lago, Regina Coeli Rennó, Luiz Maia, Roger Mello e Regina Yolanda. Luís Camargo, autor, ilustrador e pesquisador de literatura infantil, lembra que "tem gente que faz cara feia para livro de poucas páginas, com muitas ilustrações, com pouco texto" e questiona: "Por que essa má vontade? As letras impressas no papel também têm um desenho - não são pensamentos para serem captados telepaticamente..."* No livro infantil destinado às crianças bem pequenas, é necessário valorizar a imagem, pois ela tem a mesma função que o texto, ou melhor, é "texto" também. Destaco aqui, o "livro de imagem", que é aquele que conta histórias sem a existência de palavras. Eles são chamados também de "livros sem texto" ou "livro mudo". O primeiro livro desse gênero, publicado no Brasil, foi Ida e Volta de Juarez Machado em 1976 pela Editora Primor. Na atualidade ele está sendo publicado pela Editora Agir. Cito outros exemplos de livros de imagem brasileiros, sugerindo que sejam lidos não somente na infância, mas pela vida toda. BOA LEITURA !!!! Coleção Ping-Póing Eva Furnari Editora FTD Coleção - Ponto de Encontro Eva Furnari Edições Paulinas Coleção - As Meninas Eva Furnari Formato Editorial Coleção Imagens Mágicas Regina Coeli Rennó Editora Lê Coleção Bons Tempos Rogério Borges Editora Kuarup QUERO SER UM CONTADOR DE HISTÓRIAS [Novembro/2003] Silvia Bortolin Borges (co-autora) Mesmo sem perceber narramos histórias cotidianamente, isto por meio de uma piada, de uma amenidade no dia-a-dia, da descrição de um capítulo da novela, de um "causo", de um desabafo no portão da vizinha, de um relato na terapia, de um jogo de RPG e de uma conversar na Internet. Apesar da inovação nas formas de se narrar histórias, essa atividade continua tendo na sua essência, a preocupação de trabalhar a afetividade, a emoção e o imaginário do ouvinte. E a quem cabe o papel de contar histórias? Em que lugar deve-se contar uma história? Quando se deve contar uma história? A resposta é: todos devem contar histórias, em todos os lugares e sempre. Para ser um contador de histórias, não é necessário ter dom, como muitas pessoas afirmam, mas é necessário sensibilidade e poder de encantamento. Assim, para se contar uma história sugerimos: · O conhecimento antecipado do texto (escrito ou imagético, impresso ou eletrônico), observando os elementos que o compõe, vivenciando as emoções e familiarizando-se com os personagens; · A escolha de um texto que dê prazer, para que se possa transmiti-lo com prazer; · A utilização de "senhas" para iniciar e terminar a história. Alguns exemplos: NO INÍCIO "Era uma vez ... " "Há muito tempo atrás ..." "No tempo em que os bichos falavam ..." "No tempo em que a galinha tinha dentes..." "Numa floresta muito distante ..." NO FINAL Entrou por uma porta Saiu pela outra Quem quiser que conte outra Entrou por uma porta Saiu pela outra Mande el rei, meu senhor Que me conte outra. Entrou pelo pé de um pinto Saiu pelo pé de um pato Mande el rei, meu senhor Que conte quatro. Minha história acabou Um rato passou Quem o pegar Poderá sua pele aproveitar. E assim terminou a história... ALGUMAS DICAS PARA UM CONTADOR DE HISTÓRIAS Haja com naturalidade; Opte por ler ou por contar a história, sem mesclar; Não esconda as palavras difíceis. Se o ouvinte for criança fale a palavra naturalmente, caso seja um objeto ou personagem fora de contexto, brinque com a palavra antes de iniciar a história. Ex: urinol; Evite utilizar a linguagem no diminutivo, "apequenando" o ouvinte; Ex: Criancinhas, eu vou contar uma histórinha deste livrinho, mas antes vamos cantar uma musiquinha; A história não deve ser utilizada para dar lição de moral ou para corrigir comportamentos; Não apresente apenas histórias "fechadas", pelo contrário utilize-se de histórias com facetas contraditórias. Ex: Branca de neve (branca e bonita) Menina bonita do laço de fita - Ana Maria Machado (negra e bonita); Quando possível utilize músicas e cantigas, porque elas seduzem as pessoas em qualquer faixa de idade; Apresente diferentes versões de uma história, porém antes de iniciar, informe ao ouvinte, pois em especial as crianças menores, não admitem alterações; ENFIM: faça do ato de contar histórias um momento prazeroso. SUGESTÃO DE LEITURA COELHO, Betty. Contar histórias uma arte sem idade. São Paulo: Ática, 1986. POESIA INFANTO-JUVENIL NO BRASIL [Janeiro/2004] Um dia desses acordei com uma poesia infantil martelando minha cabeça, aproveitei que o Pedro, meu sobrinho que tem apenas 2 anos, estava em casa e declamei para ele, assim: Uma estrelinha no céu piscando, piscando. Parece que está me chamando. Quando eu crescer e papai me comprar um avião. Vou te buscar estrelinha. Na palma da minha mão. Nesse momento, me lembrei que já havia feito isso com minha amiga Mariana, quando também tinha 2 anos, e a reação foi a mesma. Os dois me pediram para repetir, repetir... e alguns dias depois, sabiam a poesia por inteiro e recitavam também, incluindo os gestos ensinados. Maria da Glória Bordini em seu livro "Poesia Infantil", defende que "poesia é brinquedo de criança", e é isso que defendemos também. Ler ou ouvir poesia, tem que ser divertido, provocar emoção e dar prazer. Porém, durante muito tempo, a poesia foi utilizada como um instrumento para ensinar "bons comportamentos" ou "deveres infantis". "Um levantamento da poesia dirigida à criança e publicada no Brasil de 1965 a 1978 não inclui mais de trinta títulos acessíveis no mercado, dos quais somente oito são comentados favoravelmente pelos analistas [da Fundação Nacional do Livro Infantil e juvenil]" (BORDINI, 1986, p.56). Da década de 80 para cá, houve um maior número de escritores que se dedicaram e se dedicam a poesia para crianças e jovens. Eles publicaram e estão publicando poesias criativas (como a que citei no começo desse texto) que não objetivam "fazer a cabeça do leitor", mas sim diverti-lo. Um modelo de poesia que tem musicalidade, compasso, e não obrigatoriamente rima. Para quem não conhece, citarei os autores que mais gosto. Vou colocá-los em ordem alfabética, não por uma tendência bibliotecária, mas para respeitá-los em suas grandezas: Almir Correia, Angela Leite de Souza, Carlos Queiroz Telles, Cecília Meireles, Elias José, Hardy Guedes, José de Nicola, José Paulo Paes, Luís Camargo, Maria Dinorah, Roseana Murray, Rose Sordi, Sérgio Caparelli, Sidônio Muralha, Sylvia Orthof e Vinícius de Moraes. Vocês devem estar pensando que esqueci o Mário Quintana, não esqueci não, só quero colocá-lo em destaque e em destaque colocar um poema dele que sei que as crianças gostam muito. HAI-KAI No meio da ossaria Uma caveira piscava-me Havia um vagalume dentro dela. Sugestão de Leitura: BORDINI, Maria da Glória. Poesia infantil. São Paulo: Atlas, 1986. QUINTANA, Mário. Sapo amarelo. 3.ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1986. MÚSICA E OS LIVROS INFANTIS [Fevereiro/2004] Entender de música eu não entendo, mas gostar de música é outra história. Acho que não conheço sequer uma pessoa que não goste de música. E caso exista, é preciso fazer um plágio e cantar para ela aquele refrão: "quem não gosta de música, bom sujeito não é, é ruim da cabeça ou doente do pé". Se para os adultos a música é fundamental, para as crianças isso é indiscutível. Pois a música "seduz" a criança, desde o berço, quando ouve a voz da mãe (ou outro adulto) ao ser embalada. Por instinto, o bebê, responde positivamente as percepções auditivas, pela repetição de um canto, com batidas dos pés no chão, pelas palmas ritmadas ou por uma dança. É fácil perceber o prazer que as crianças sentem quando ouvem músicas, mas a elas é necessário apresentar a maior diversidade possível de canções; e aos adultos cabe essa tarefa. Por sermos uma Nação marcada fortemente pela oralidade, os conteúdos musicais acabam sendo transmitidos de geração para geração e de uma maneira espontânea. A cultura brasileira é rica em jogos, brincadeiras, histórias, trava-línguas, parlendas, cantigas de roda, mnemonias, advinhações, que quando não têm música, são envolvidos em uma musicalidade genuína, existente nas palavras. Quem não se lembra, por exemplo, dessa parlenda? Cadê o toucinho que estava aqui? O gato comeu. Cadê o gato? Foi para o mato. Cadê o mato? O fogo queimou. Cadê o fogo? A água apagou. Cadê a água? O boi bebeu. Cadê o boi? Foi amassar trigo. Cadê o trigo? A galinha espalhou. Cadê a galinha? Foi botar ovo. Cadê o ovo? O padre bebeu. Cadê o padre? Foi rezar missa. Cadê a missa? Acabou. Cadê o povo da missa? Passou por aqui... por aqui...por aqui... Assim, preocupados com a ludicidade das crianças e o resgate de brincadeiras e músicas infantis, alguns autores de literatura infantil, têm publicado livros como: TÍTULO AUTOR EDITORA Atirei o pau no gato Edmir Perroti Paulinas O cravo brigou com a rosa Edmir Perroti Paulinas Enquanto seu lobo não vem Edmir Perroti Paulinas Ciranda, cirandinha Edmir Perroti Paulinas Dona aranha Mônica Haibara FTD O sapo não lava o pé Mônica Haibara FTD Jacaré Mônica Haibara FTD Pombinha branca Mônica Haibara FTD A barata diz que tem Mônica Haibara FTD Fui morar numa casinha Mônica Haibara FTD Indiozinho Mônica Haibara FTD O livro do trava-língua Ciça Nova Fronteira O que é o que é 1 Ruth Rocha Quinteto Editorial Sua alteza a divinha Ângela Lago RHJ 10 adivinhas picantes Ângela Lago RHJ Uni duni e tê Ângela Lago Compor Mini-glossário: Trava-línguas: modalidade de parlenda, em prosa e verso, ordenada de tal forma que é difícil pronunciá-la. Ex: Iara amarra a arara rara a rara arara de Araraquara. Parlenda: rimas infantis, em versos de cinco ou seis sílabas. Ex: Hoje é domingo do pé de cachimbo... Mnemonias: do grego menominikós (memória). Ex: um, dois, feijão com arroz; três, quatro... BEBETECA: uma maternidade de leitores [Março/2004] Mariana Senhorini (Mariana foi minha orientanda no Curso de Biblioteconomia da UEL. Como seu trabalho de pesquisa, além de ter sido considerado de uma excelente qualidade, tratou de um tema inédito em nosso país, optei em abrir um espaço nessa coluna para que ela apresentasse aos leitores um gênero muito especial de biblioteca. Sueli Bortolin) Muitas são as discussões sobre o incentivo à leitura devido à problemática existente em nossa sociedade, e várias destas discussões acontecem nesse espaço reservado aos colunistas. Então, fui convidada a apresentar um novo espaço de incentivo a leitura chamado Bebeteca. O estudo deste espaço foi tema de meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) e com ele pude perceber o quanto é importante o incentivo à leitura em bebês. Afinal, o que é uma Bebeteca? É uma biblioteca especialmente destinada aos bebês, seus pais e demais responsáveis a fim de trabalhar as possibilidades de leitura, envolvendo a criança no mundo lúdico, despertando primeiramente, o prazer e a paixão pela leitura. Por meio dessa atitude, é possível proporcionar maior convivência e familiaridade com o livro e a leitura, inserindo-os ao seu cotidiano. A bebeteca também procura estimular nas crianças o gosto de estar no ambiente de uma biblioteca, contribuindo para formarem um conceito positivo deste espaço em nossa sociedade. Não localizamos Bebetecas no Brasil, mas em pesquisas efetuadas na internet encontramos esse gênero de biblioteca em países como: Espanha, Colômbia, Chile, Portugal e Argentina. Este trabalho, além de apresentar reflexões sobre aspectos como o desenvolvimento infantil e a participação dos pais neste período, define o perfil dos usuários da Bebeteca, os serviços que podem ser prestados a eles, propõe uma classificação para o acervo, espaço físico (sala de contos, cozinha, fraldário, etc.) entre outros aspectos que uma bebeteca precisa possuir. A integração do bibliotecário na Bebeteca ultrapassa as atividades de organização e elaboração de atividades. O profissional precisa estar integrado com seus usuários e participar efetivamente, aguçando ainda mais seu perfil de educador, contribuindo com o nascimento de mais e mais leitores. Sugestões de leitura sobre o tema Bebeteca: BEBETECA: inculcale el amor por la lectura a tus bebés. Bogotá, 2002. Disponível em: http://www.terra.com.co/madres/hijos/12-112002/nota72261.html ESCARDÓ, Mercê. B: bebeteca. Disponível em: <http://parets.org./article2.htm> SENHORINI, Mariana. Bebeteca: prazer em conhecê-la. 2004. 87 f. TCC (Graduação em Biblioteconomia) - Universidade Estadual de Londrina. Londrina Mariana Senhorini é bibliotecária. Contato: [email protected] MONTEIRO LOBATO NO SÍTIO DO PICAPAU AMARELO [Abril/2004] Léo Pires Ferreira O Sítio do Picapau Amarelo foi idealizado por Monteiro Lobato para ser a sede de todas as suas estórias infanto-juvenis. De todos os 23 títulos escritos para crianças e jovens e, com certeza, também dirigidos aos adultos que conseguem abandonar o falso amor próprio dessa idade com relação às coisas relativas às crianças o centro das atenções é o Sítio. Não há dúvidas de que o Sítio do Picapau Amarelo fazia parte da memória infantil de Monteiro Lobato calcada na fazenda São José no município de Buquira, hoje Monteiro Lobato, de propriedade do avô materno, o Visconde de Tremembé. Essa fazenda foi herdada por Lobato, quando da morte do avô, em 1911. Monteiro Lobato foi o iniciador da editoração literária no Brasil. Antes dele, havia outras editoras que se limitavam a livros didáticos, principalmente voltados ao primeiro e segundo graus. Naquela época (1918), inicia a publicação de escritores brasileiros, cujos livros eram, então, editados na Europa, principalmente em Portugal e em França. Nesse ano, Lobato edita o seu primeiro livro para adultos, com o título Urupês. Os mil exemplares da primeira edição esgotaram-se em trinta dias e, menos de um ano após, já haviam sido vendidos 12 mil exemplares. Nesse livro, é lançada a figura do personagem Jeca Tatu, descrição do caipira rural acusado por Lobato como agente de queimadas, e ao qual chamou de piolho da terra. Mas esse personagem criticado pejorativamente tem sua imagem refeita no livro O Problema Vital, também de 1918, no qual Lobato se redime das críticas formuladas no Urupês, quando da constatação de que o Jeca Tatu era (ou ainda é) um homem doente e conclui: "O Jeca não é assim, está assim". A produção da literatura infantil se inicia em 1920 com a publicação, pela Revista do Brasil, de propriedade de Lobato, do livro A Menina do Narizinho Arrebitado. No ano seguinte, esse livro, com a tiragem fantástica de 50 mil exemplares é adotado pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo como o segundo livro de leitura para o uso nas escolas primárias. Com esse livro, Lobato inicia a sua produção de estórias infanto-juvenis, voltadas à informação e formação da juventude brasileira, escrevendo 23 títulos diferentes. Como inovações para a época, nessas obras são introduzidas ilustrações de desenhos vistosos, dando colorido e graça aos livros. Apesar de esses fatos terem ocorrido bem antes da Semana de Arte Moderna, de fevereiro de 1922, Lobato, por ter escrito uma crônica (Paranóia ou Mistificação), criticando obras de Anita Malfati, pintora que expôs seus quadros em uma vernissage em 1917, foi alijado como participante desse movimento cultural no Brasil. Mas Lobato era um crítico de arte àquela época, antes mesmo de se tornar o maior escritor de obras infanto-juvenis que se conhece. Felizmente, em algumas situações, a justiça tarda mas não falha. Um dos principais mentores daquela Semana e daquele movimento, Oswald de Andrade, em 1943, envia uma carta a Lobato cumprimentando-o pelos vinte e cinco anos do lançamento de Urupês (1918) e chamando-o de "o Gandhi" do modernismo. O objetivo do autor, entre outros, estava baseado na verdade de que é necessário saber para crescer, não apenas biologicamente, mas culturalmente, pois só é culturalmente livre quem tem conhecimento. Assim, nas obras infanto-juvenis de Monteiro Lobato, não há nem a figura do vilão nem a do herói, como na quase totalidade das outras obras infantis. O vilão, ou melhor a vilã, nas estórias de Lobato, é a ignorância e nos seus livros, através dos seus personagens, há sempre a busca do conhecimento, que é o herói, e que sempre derrota a ignorância. Outro ponto que ressalta diferença nos livros de Lobato quando comparados com outros livros infantis é a íntima união entre o real e o imaginário, situação que não causa estranheza nem às crianças que os leem e nem aos adultos. É perfeitamente aceitável a existência de um boneco feito de sabugo de milho, o Visconde de Sabugosa, que fala e é um sábio, conhecedor de muita ciência, e de uma boneca de pano, a Emília, que fala e é muito esperta e que, na realidade, é o próprio pensamento e procedimento - alter ego - de Lobato. Há o Burro Falante, um personagem com procedimentos e pensamentos de filósofo, há o Quindim, um rinoceronte que foge de um circo e se refugia no Sítio do Picapau Amarelo, e é adotado pelos seus habitantes; esse rinoceronte fala e é conhecedor de gramática, sendo o instrutor dessa matéria à turma do Sítio que busca esses conhecimentos, no livro Emília no País da Gramática. Há o Faz-de-Conta da Emília, que o usa quando alguma coisa mais extravagante precisa ser feita, e o pó de pir-lim-pim-pim, preparado pelo Visconde com seus conhecimentos de química, que possibilita aos personagens do Sítio fazerem viagens à Grécia e à Ilha de Creta, nos livros O Minotauro e Os Doze Trabalhos de Hércules, e à Lua, Marte e Saturno, no livro A Viagem ao Céu, entre outros. Completam a turma dos personagens do Sítio, Dona Benta e Tia Nastácia, que representam os adultos; a primeira, o adulto culto, a avó que dá conselhos e transmite conhecimentos, mas que aceita as atividades dos jovens sem o processo dominante da figura da mãe e do pai, e a segunda, o adulto de cultura popular, cheio de crendices, muito bem contadas no livro Histórias de Tia Nastácia. Pedrinho e Narizinho, cujo nome é Lúcia, são os representantes das crianças da faixa etária de 9 -10 anos. E o Marquês de Rabicó, um leitão que vive no sítio e que se casa com a Emília, no livro Reinações de Narizinho. Cientificamente falando, o Visconde de Sabugosa assume papel muito importante em dois livros. A Reforma da Natureza, onde a Emília resolve mudar algumas coisas como pondo torneiras no úbere das vacas, fazendo borboletas que voem mais lentamente para que se possa pegá-las como aos besouros, moscas sem asas, mais fáceis de controlar, e o livro comestível que, terminando de ler uma página, a mesma seria comida porque já foi lida. Nesse mesmo livro, o Visconde altera o tamanho de alguns animais, causando alguns problemas no Sítio. No livro O Poço do Visconde, esse personagem dá aulas de geologia, ensinando muito sobre petróleo. Nos outros livros, como História do Mundo para as Crianças, em que é contada a história da espécie humana, A Chave do Tamanho, em que Emília vai ao País das Chaves e, na tentativa de desligar a chave da guerra, desliga a chave do tamanho, reduzindo todos os humanos ao tamanho de três centímetros, O Picapau Amarelo, em que o Sítio é visitado por todos os personagens das histórias infantis, Os Doze Trabalhos de Hércules, em que a Emília, o Visconde de Sabugosa e o Pedrinho ajudam o herói Hércules nos seus difíceis trabalhos impostos por Zeus, A História das Invenções, quando Dona Benta explica como existem o vidro, o telégrafo, a lâmpada, o telescópio e o microscópio, As Caçadas de Pedrinho, onde eles encontram o Quindim, A Aritmética da Emília, onde se aprende matemática, Geografia de Dona Benta e os Serões de Dona Benta, onde muita coisa é ensinada. Além do livro Fábulas, no qual Monteiro Lobato modifica, com a participação principal da Emília, algumas coisas nas fábulas de Esopo e La Fontaine. Todos devem ler os livros que Monteiro Lobato escreveu, crianças e adultos, as crianças para aprenderem muita coisa, inclusive a formarem senso crítico positivo das coisas que nos cercam, e os adultos para voltarem a rever conceitos que talvez tenham esquecido ou que não tenham aprendido. Lobato disse que "Um país se faz com homens e livros" e para isso escreveu vários livros muito bons à formação desses seres humanos, nos seus 66 anos de vida (1882 -1948). Além dos 23 livros da literatura infanto-juvenil, escreveu outros 19 livros para adultos, perfazendo um total de 42 livros. Mesmo com toda essa bagagem literária, Monteiro Lobato não faz parte da Academia Brasileira de Letras, em última instância, porque não quis. Perto do fim da vida, Lobato disse: "Estou arrependido de ter escrito tanto para os adultos, deveria ter escrito mais para as crianças. Perdi tempo escrevendo para os adultos". Foi casado com Dona Maria Pureza da Natividade, com quem teve quatro filhos: Marta (1909), Edgar (1910), Guilherme (1912) e Ruth (1916). Lutou muito pelo petróleo no Brasil e por isso esteve preso por três meses. Na véspera da morte, disse: "Meu cavalo está cansado, querendo cova, e o cavaleiro tem muita curiosidade em verificar, pessoalmente, se a morte é vírgula, ponto e vírgula ou ponto final". Morreu de espasmo vascular na madrugada de um domingo, o dia 4 de julho de 1948. O Sítio do Picapau Amarelo está em qualquer lugar onde nossa imaginação o colocar, e, nos leitores de Monteiro Lobato, crianças e adultos, o Sítio está dentro dos seus corações. _______________ Léo Pires Ferreira é agrônomo da EMBRAPA/Londrina e pesquisador da obra de Monteiro Lobato. e-mail: [email protected] 1o. ENCONTRO PARANAENSE DE LITERATURA INFANTO-JUVENIL [Maio/2004] Glória Kirinus uma das organizadoras do 1o Encontro Paranaense de Literatura infanto-juvenil promovido pela Fundação Sidónio Muralha em Curitiba, me convidou para compor uma mesa redonda nesse evento, e ela foi intitulada Como a Academia pode pensar o ensino de literatura? Apesar de não trabalhar com o ensino de literatura na graduação, aceitei o desafio, pois trabalho cotidianamente na educação continuada de professores, bibliotecários e demais profissionais da leitura. Além disso, tenho um especial interesse por essa área, por paixão e amor. Na academia não é muito "normal" falar em paixão e amor, mas, amor é isso aí, a gente não explica, sente. Por isso, eu me apoderei da música - "Dueto" do Chico Buarque, que é pura poesia e numa brincadeira bradei meu amor pela literatura infanto-juvenil. Consta nos astros. Nos signos. Nos búzios. Eu li num anúncio. Eu vi no espelho. Tá lá no evangelho. Garantem os orixás. Serás o meu amor. Serás a minha paz. É triste saber que a academia ainda é muito resistente à poesia. E nem é preciso de metodologia científica para perceber que na academia há muita reflexão e pouca paixão. Mesmo quando, Consta nos autos. Nas bulas. Nos dogmas. Eu fiz uma tese. Eu li num tratado. Está computado. Nos dados oficiais. Serás o meu amor. Serás a minha paz. Paz? Isso é, se for possível ter paz com a literatura: porque a "boa literatura" sempre é instigante e inquietante. E o mediador de leitura também tem que ser instigante e mais do que isso afetuoso (cuidado! a academia, acredita que ser afetuoso também não é uma atitude científica). Mas vou em frente e me lembro de Teixeira Coelho (1999) quando defende "[...] o universo do homem contemporâneo (e sobretudo dos jovens) é, em ampla medida, afetual - quer esse afetual se manifeste e seja exercido de forma simbólica, quer concretamente." Portanto, o mediador de leitura seja ele um familiar, um professor, um bibliotecário, um escritor, um editor, um crítico literário, um redator, um livreiro ou um amigo, precisa saber que "[...] não bastam, pois, competência e profissionalismo ao mediador de leitura; a afetividade faz parte da sua relação consciente com o leitor, menos no sentido de gestos afetuosos e mais no sentido de disponibilidade e compreensão no que se faz [...]"(BARROS, 1995). Mas se a ciência provar o contrário. E se o calendário nos contrariar. Mas se o destino insistir. Em nos separar. Danem-se. Os astros. Os autos. Os signos. Os dogmas. Os búzios. As bulas. Anúncios. Tratados. Ciganas. Projetos. Profetas. Sinopses. Espelhos. Conselhos. Se dane o evangelho. E todos os orixás. Serás o meu amor. Serás a minha paz. Você leitor deve estar perguntando: o que tem a música "Dueto" do Chico Buarque com a literatura infanto-juvenil? Nada. Ela foi uma forma (ou fórmula) que encontrei para falar para o mediador que apesar do frio em Curitiba, do cansaço de ficar manhã - tarde - noite em um evento durante uma semana, o encontro com os textos literários nos faz acreditar na possibilidade de que "a vivência da leitura propicie o desenvolvimento do pensamento organizado, capaz de levar o jovem [e as demais faixas etárias] a uma postura consciente, reflexiva e crítica frente à realidade social em que vive e atua" (CATTANI; AGUIAR, 1982). Portanto vale a pena! Consta na pauta. No Karma. Na carne. Passou na novela. Está no seguro. Picharam no muro. Mandei fazer um cartaz. Serás o meu amor. Serás a minha paz. Mas é necessário refletir sobre a prática do mediador para que se de "[...] uma postura professoral lendo 'para' e/ou 'pelo' educando, ele passar a ler 'com', certamente ocorrerá o intercâmbio das leituras, favorecendo a ambos, trazendo novos elementos para um e outro" (MARTINS, 1983). Consta nos mapas. Nos lábios. Nos lápis. Consta nos Óvnis. No Pravda. Na vodca. Tamanha responsabilidade deve ser interpretada pelos mediadores como um desafio constante, pois o papel que eles desempenham na motivação de leitura pode interferir com maior ou menor profundidade na formação dos leitores de uma coletividade. Espero ainda, que os mediadores facultem aos leitores uma pluralidade de experiências, para que eles percebam a leitura não apenas como aprendizagem escolar, mas como elemento de lazer e satisfação. Referências BARROS, Maria Helena T.C. de. Leitura do adolescente: uma interpretação pelas bibliotecas públicas do Estado de São Paulo - pesquisa trienal. Marília: UNESP, 1995. CATTANI, Maria Izabel; AGUIAR, Vera Teixeira de. Leitura de 1 grau: a proposta dos currículos. In: ZILBERMAN, Regina. Leitura em crise na escola: as alternativas do professor. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982. MARTINS, Maria Helena. O Que é leitura. São Paulo: Brasiliense, 1983. TEIXEIRA COELHO, José. Dicionário crítico de política cultural: cultura e imaginário. 2.ed. São Paulo: Fapesp/Iluminuras, 1999. ADONIRAN PARA CRIANÇAS [Agosto/2004] Ao fazer um trabalho para uma disciplina que estou cursando na Universidade Estadual de Londrina, optei em pesquisar a linguagem utilizada por Adoniran Barbosa em suas composições. Já sabia muito a respeito dessa importante personalidade brasileira, mas me deparei com um livro muito especial. Seu título é: "Adoniran: uma biografia" e foi escrito pelo jovem jornalista - Celso de Campos Júnior, publicado pela Editora Globo. Fiquei impressionada com o nível da pesquisa, e "alucinada" com a riqueza de detalhes. Detalhes que uma fã sempre gosta de saber. Nesse momento acabei indagando: será que existe um livro que apresenta Adoniran Barbosa para as crianças? Ansiosa, logo respondi: tem que ter. As crianças merecem ter contato com a biografia dele. Assim, comecei a busca e localizei na Coleção Mestres da Música no Brasil um livro escrito por Juliana Lins e André Diniz para a Editora Moderna. E como diria meu sobrinho de quase 3 anos: - Muito bom, titia! Muito bom! Em linguagem acessível e ilustrado com fotografias de São Paulo e do compositor, a criança é levada a uma viagem aos tempos em que Adoniran viveu. Na folha de rosto desse livro infantil, os autores incluíram a seguinte observação: "uma história para os avós contarem e cantarem para os netos". Isso porque, além da biografia, há também alguns trechos de músicas de Adoniran. E só para você ficar com "água na boca", estou trazendo uns pedaços dos dois livros, para, quem sabe, você ler em companhia de seus filhos, netos, sobrinhos, amigos... Ele nasce João Rubinato e se transforma, por opção, em Adoniran Barbosa, pois considerava que seu nome era "simplório e macarronado". Explica que Barbosa vem de Luiz Barbosa, cantor famoso de sua época e Adoniran era um amigo querido, companheiro de boemia (GOMES, 1987, p.18). Adoniran é o sétimo filho de um casal de imigrantes italianos, oriundos de Cavarzere (Veneza), nasceu em Valinhos, próximo de Campinas, interior de São Paulo, em 1912, numa família economicamente desfavorecida, portanto, começou a trabalhar ainda criança, aos 10 anos. Como a lei da época proibia que a criança trabalhasse antes dos 12 anos, eles falsificaram a sua certidão de nascimento indicando que seu nascimento ocorreu em 1910. Entre as profissões que exerceu estão a de: garagista, pintor de paredes, entregador de marmitas, encanador, mascate vendedor de meias, operário de fábrica de tecidos, vendedor de tecidos, vendedor dos cosméticos Helena Rubstein, metalúrgico, esmerilhador de ferro fundido, garçom, despachante, varredor de tecelagem, balconista, guardador de filas, mecânico e conferente de mercadorias. Sobre seus empregos, Adoniran comentava que não conseguia permanecer nos mesmos por muito tempo, pois os seus chefes se irritavam com seus batuques ao compor os sambas. Assim, "aos 16 anos João já tinha feito uma porção de coisas e comido muito pastel com os trocados que ganhava" (LINS; DINIZ, 2003, p.9). Em 1932, precisando ajudar na manutenção da casa em busca de um emprego mais lucrativo, muda-se para a capital, deixando para trás sua família. E é em São Paulo que ele descobre as profissões que ele irá exercer grande parte da sua vida: radioator e compositor. O teatro fascinava Adoniran Barbosa desde a adolescência, "Naturalmente que gostava de música, mas compor para ele vinha em segundo plano, pois o seu principal objetivo era o teatro [...]. Sonhava em ser um grande ator, e até o fim de sua vida ele reclamava ter sido rejeitado nos meios teatrais" (GOMES, 1987, p.9). Desencantado com o teatro, decide pela carreira de cantor radiofônico. Carreira, esta, que exerceu a "duras penas". Sua primeira experiência foi num Programa de Calouros, foi reprovado várias vezes, mas insistiu muito até ser contratado. Muitos anos se passaram, muitas dificuldades surgiram na vida de Adoniran Barbosa, e, apenas em 1936 grava seu primeiro disco, cujo título é: [...] Colúmbia no 8.171, lançado no mês de janeiro, com orquestração e regência de seus parceiros, maestro José Nicolini. Gravou cantando um samba cujo título era "Agora pode chorar", composição fraca, ainda no estilo tradicional e que, por não acrescentar nada que merecesse aparecer, ninguém tomou conhecimento, tornando-se mais uma tentativa frustrada para Adoniran. Esse disco, entretanto, serve para comprovar que a voz dele era boa e nada se assemelhava a rouquidão dos últimos tempos (GOMES, 1987, p.14). Ele foi casado duas vezes, primeiramente com Olga Rodrigues, seu casamento durou aproximadamente 16 meses e dessa união nasceu apenas uma filha, Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa, que lhe deu um neto chamado Alfredo. Com a separação a convivência com a filha no início foi mais intensa, mas com o passar do tempo ele transferiu essa responsabilidade para sua irmã e para o seu cunhado. Apesar de, também, não ter convivido com o seu neto cotidianamente, Adoniran refere-se a ele da seguinte forma: meu neto é lindinho. Está uma beleza. É o fim do mundo. Já toca violão. Já fala errado..." (CAMPOS JUNIOR, 2004, p.546). "Adoniran gostava de brincar e era extremamente habilidoso com as mãos. Tanto que, mais velho, com mais tempo para ficar em casa, construiu uma oficina nos fundos de casa e deu para inventar brinquedos. Fazia trens, carros, carroças, bicicletas, tobogans com criancinhas escorregando, carrocel, usando tudo que caía em suas mãos" (LINS; DINIZ, 2003, p. 30). Porém em 1982, no último ano de vida, Adoniran Barbosa sofreu com um enfisema pulmonar, que se agravava com o cigarro e a cachaça ou uísque. Passou a se utilizar de nebulizador e bomba de oxigênio todos os dias. Em conseqüência disso, alterou seus hábitos noturnos. Não perdera a calma costumeira (era agitado, mas não violento) e nem o bom-humor, afirmando que agora só realizava "boêmia vespertina". Na última vez que esteve internado no Hospital São Luiz, segundo Campos Junior (2004, p.546) "[...] o artista procurava não demostrar abatimento. Espirituoso, distribuiu apelidos aos aparelhos hospitalares: os tambores de oxigênio eram Mercedão e Mercedinho, o compressor era Romisetta, a máscara de oxigênio a Corneta e o urinol o terrível Canhão de Navarone". Fazendo referência as músicas do compositor e para finalizar o livro infantil Adoniran Barbosa de Juliana Lins e André Diniz, os autores sugerem: "embarque nesse trem que sai agora às onze horas e vá ouvir o samba do Arnesto numa das milhares de malocas espalhadas por aí. Mas cuidado! Muito cuidado para não ser frechado para todo o sempre pela música de Adoniran Barbosa". Embarque você também !!! Sugestão de Leitura: CAMPOS JUNIOR, Celso de. Adoniran Barbosa: uma biografia. São Paulo: Globo, 2004. GOMES, Bruno. Adoniran, um sambista diferente. 2.ed. Rio de Janeiro: Funarte, 1997. LINS, Juliana; DINIZ, André. Adoniran Barbosa. São Paulo: Moderna, 2003. O MEDIADOR DE LEITURA [Junho/2007] Esse tema tem me acompanhado por muitos anos... Ou será que sou eu que o persigo há vários anos? Esse interesse pode ser explicado pela preocupação que tenho em destacar a importância desse personagem (mediador) nada vida de cada leitor. Eu defino mediador como aquele indivíduo que aproxima o leitor do texto. Em outras palavras, o mediador é o facilitador desta relação. E como intermediário de leitura, o mediador encontra-se em uma situação privilegiada, pois tem nas mãos a possibilidade de levar o leitor a infinitas descobertas. Mas, quem pode mediar leitura? Afirmo com convicção que: os familiares, os professores, os bibliotecários, os escritores, os editores, os críticos literários, os jornalistas, os livreiros, os tradutores, os webdesigners, e até os amigos que nos emprestam um livro ou indicam um CD-ROM e uma página literária na Internet. Porém, os mediadores que mais se destacam são os familiares, os professores e os bibliotecários; e estes precisam estar conscientes da responsabilidade que têm. Os familiares deveriam ser os primeiros mediadores de leitura, pois são os primeiros elos da criança com o mundo; entretanto os pais e demais membros da família, em geral, não têm a dimensão da influência que podem exercer sobre as crianças, no sentido de motivá-las à leitura. Assim, aos pais, em especial, cabe a tarefa de aproximar a criança do texto, pois o gosto pela leitura “[...] deve ser adquirido no período em que se está ainda no processo de aquisição da linguagem oral [...]”(POSTMAN, 1999, p.90). Ou seja, no período em que as crianças estão mais flexíveis, inquietas, curiosas e desejosas de aprender o novo; portanto, desprendidas de conceitos e preconceitos, interessando-se em explorar tudo que está ao seu redor. Este é um período em que se deve aproveitar para estreitar a convivência com o texto literário; porém, infelizmente, nem sempre as condições econômicas do brasileiro permitem a ele a inclusão do livro, de um CD-ROM ou da Internet no orçamento familiar, resultando que a maioria passa toda uma vida, sem nunca ter comprado sequer um jornal. Desta forma, se a família não tem condições (econômicas e culturais) de cumprir a tarefa de mediadora da leitura, as escolas, de maneira precária ou de forma enriquecida, tentam fazer esta mediação. Assim, o professor é encarregado compulsoriamente de aproximar o educando da leitura; porém, é fundamental que ele faça esta mediação, mostrando o texto como algo prazeroso e não como instrumento de avaliação e tarefa. Além disto, se o professor não for [...] “crítico, sensível, consciente e um bom leitor, jamais poderá passar o prazer do texto, literário ou não literário” (JOSÉ, 1992, p.203). É preciso ler com gosto, porém, o que acontece quotidianamente é que, muitas vezes, o professor não tem tempo para refletir que o seu papel “[...] na intermediação do objeto lido com o leitor é cada vez mais repensado: se, da postura professoral lendo ‘para’ e/ou ‘pelo’ educando, ele passar a ler ‘com’, certamente ocorrerá o intercâmbio das leituras, favorecendo a ambos, trazendo novos elementos para um e outro” (MARTINS, 1983, p.33). E assim o leitor, além de se cumpliciar com o autor e os personagens, tem no professor também um cúmplice; isto é, se o professor estiver disposto a compartilhar com ele a leitura/as leituras. Da mesma forma, esperamos que isto também ocorra com o bibliotecário. Vou colocar nesta conversa a “voz” da minha querida amiga Maria Helena T. C. de Barros, ex-orientadora do mestrado (ex? será que existe exorientadora?). Para ela “[...] mediar leitura, na biblioteca, significa fazer fluir material de leitura até o leitor, eficiente e eficazmente, formando e preservando leitores. Significa uma postura ativa, de acordo com uma biblioteca moderna e aberta”. Tamanha responsabilidade deve ser interpretada pelos mediadores como um desafio constante, pois o papel que eles desempenham na motivação de leitura pode interferir com maior ou menor profundidade na formação dos leitores de uma coletividade. Portanto, os mediadores interessados em uma mediação eficiente, devem ser empáticos; para que posicionados no lugar do outro (leitor), possam percebê-lo com maior nitidez. E para terminar nossa conversa de maneira apetitosa, resgato a alegoria que Paulo Freire faz a respeito da leitura e que serve como reflexão aos mediadores: Ler é como chegar a uma horta e saber o que é cada planta e para que ela serve. Quem não sabe nada de “ler horta”, entra dentro dela e só vê um punhado de plantas de mato. Um monte de plantas diferentes, mas parecendo que é tudo igual. Quem não aprender a “ler” a horta, a conhecer os seus segredos, não sabe o que é cada uma, como é que se prepara cada uma, com o que é que se come (BRANDÃO, 2005, p. 49). E quem não ensina a ler a horta, como fica? Resposta: perde tempo e não podemos perder tempo, precisamos cultivar a terra brasileira! Sugestões de Leitura: BARROS, Maria Helena Toledo Costa de. Leitura do adolescente: uma interpretação pelas bibliotecas públicas do Estado de São Paulo - pesquisa trienal. Marília: UNESP, 1995. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Paulo Freire, o menino que lia o mundo: uma história de pessoas, de letras e de palavras. São Paulo: Editora UNESP, 2005. JOSÉ, Elias. Minando o terreno. In: CONGRESSO DE LEITURA DO BRASIL, 8, 1991, Campinas. Anais... Campinas, 1992. p.201-204. MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. São Paulo: Brasiliense, 1983. POSTMAN, Neil. O desaparecimento da infância. Rio de Janeiro: Graphia, 1999. SILVA, Ezequiel Theodoro da. O bibliotecário e a formação do leitor. Leitura: teoria & prática, Campinas, v.6, n.10, p.5-10, dez. 1987. Maio/2007] No mês passado você conheceu duas garotas apaixonantes e apaixonadas por leitura. E creio que tenha percebido que ambas são passionais. (Coitadinhas! Não fale assim! Psiu!) Tá bom, eu vou sussurrar: elas são passionais, elas são passionárias! Elas são passioneiras! Falo baixo, pois ser passional, no mundo atual, para algumas pessoas é um grande defeito, quase uma doença a ser tratada. (Ainda sussurrando!) Há muito tempo venho defendendo o texto literário como algo imprescindível em nossas vidas. Não desisto, acho que esta ainda é uma tarefa gigantesca. Esta conversa está te parecendo estranha? Está difícil de saber o que eu quero dizer? Então vou voltar a falar alto: A CONVERSA NÃO É ESTRANHA NÃO! É REAL! Pois ainda percebo no discurso de muitas pessoas a idéia equivocada sobre a leitura literária transformar o leitor (em qualquer idade) em uma pessoa ensimesmada, com dificuldade de relacionamento. Ainda é comum ouvir quando alguém está com um livro nas mãos: “nossa um sol tão lindo lá fora e você aqui lendo um livro?” ou “ler estraga os olhos, ler no sol então!”. Matilda a minha nova amiga (personagem do livro – Matilda - Roald Dahl mesmo autor da Fantástica Fábrica de Chocolate) escuta, com um livro nas mãos, em uma de suas brigas com o pai, ele gritar: “vai procurar coisa mais útil para fazer”. Considero ser estes, e outros conceitos semelhantes, sem fundamento, pois acreditar que a leitura possa causar danos na formação da personalidade, à saúde ou qualquer outra justificativa, é ter uma “visão estrábica” da vida. Encontrar um texto é algo precioso, encontrar um bom texto então é uma dádiva (presente, oferta). Obviamente que “um bom texto” para mim, pode não o ser para outra pessoa, ou vice-versa. Porém ele existe e assim que é lançado no “ar” (seja qual for o formato) cria autonomia, cria vida e se desprende do autor, passando a ser reescrito pelo leitor no momento da leitura. Um texto pode provocar no leitor “tantas emoções” (estou aproveitando essa expressão pois o Roberto Carlos está em evidência na mídia e dessa vez não é por causa de sua música, mas sim por causa de um texto. Roberto larga disso, deixe o leitor ler! Autoriza Roberto!). Polêmicas à parte, é notório na fala de muitos autores que se interessam pelo ato de ler, a percepção apaixonada na relação leitor-texto. Preciso contar que em geral durmo cedo, mas para conseguir matar a minha sede de leitura, ando dormindo muito tarde. E foi na noite de ontem que conheci o Daniel (11anos), personagem do livro – A sombra do vento. Outro personagem encantador. Esse menino seguindo a recomendação do pai de que quando chegasse pela primeira vez no “Cemitério dos Livros Esquecidos” (local secreto em Barcelona) precisaria adotar um dos livros que ali se encontrasse. Isso para garantir que o livro “nunca desapareça, que se mantenha vivo para sempre”. Mas Daniel no momento da escolha tem a nítida sensação de que não adotaria o livro, mas “o livro me adotaria”, e foi isso que realmente aconteceu. A Sombra do Vento o adotou, esse “livro maldito que mudará o rumo de sua vida e o arrastará para um labirinto de aventuras repleto de segredos e intrigas enterrados na alma obscura da cidade”. CONFIRA! É UM TEXTO ENVOLVENTE! Esse envolvimento, essa reação do leitor ao encontrar um texto foi destacado por Roland Barthes no livro O Prazer do Texto (ainda preciso me debruçar sobre esta obra): “eu sei que são apenas palavras, mas mesmo assim... (emociono-me como se essas palavras enunciassem uma realidade)”. Desculpe-me, mas é impossível deixar de trazer para cá a voz de Alberto Manguel: [...] - e então vagamos a esmo naquelas paisagens ficcionais, perdidos de admiração, como dom Quixote. Mas, na maior parte do tempo, pisamos em terra firme. Sabemos que estamos lendo, mesmo quando suspendemos a descrença; sabemos porque lemos mesmo quando não sabemos como, mantendo em nossa mente, a um só tempo, o texto e o ato de ler. Lemos para descobrir o final, pelo prazer da história, não pelo prazer da leitura em si. Lemos buscando, como rastreadores, esquecidos de onde estamos. Lemos distraidamente, pulando páginas. Lemos com desprezo, admiração, negligência, raiva, paixão, inveja, anelo. Lemos em lufadas de súbito prazer, sem saber o que provocou esse prazer. [...] E às vezes, quando as estrelas são favoráveis, lemos de um único fôlego, como se alguém ou algo tivesse “caminhando sobre nosso túmulo”, como se uma memória tivesse subitamente sido resgatada de um lugar no fundo de nós mesmos – o reconhecimento de algo que nunca soubemos que estava lá, ou de algo que sentimos vagamente, como um bruxuleio ou uma sombra, cuja forma fantasmagórica ergue-se e instala-se em nós sem que possamos ver o que é, deixando-nos mais velhos e sábios (MANGUEL, 1997, p.340). E por falar em velho, li outro dia num texto de Borralho e Viegas o pensamento de Vicente Ferreira da Silva (que deve ser velho, pois a referência era de 1964. Estou procurando o texto, pois é saudável gostar também de idéias velhas) “Vicente Ferreira da Silva tinha razão quando nos alertava para o perigo de sociedades eficazes e rentáveis feitas de gente triste e desajustada.” AVE ALEGRIA! VIVA O TEXTO! Sugestões de Leitura: BARTHES, Roland. O prazer do texto. São Paulo: Perspectiva, 1973. BORRALHO, Maria Luisa Malato; VIEGAS, Ângela Maria Fonseca. Para uma escola com masmorras e dragões – as estratégias do jogo de R.P.G. na sala de aula. DAHL, Roald. Matilda. São Paulo: Martins Fontes, 2003. MANGUEL, Alberto. Uma história da leitura. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. ORTHOF, Sylvia. Ave alegria. São Paulo: FTD, 1989. SILVA, Ezequiel Theodoro da. Leitura na escola e na biblioteca. Campinas: Papirus, 1986. ALGUNS LIVROS QUE LIDAM COM AS ANGÚSTIAS (QUASE INVISÍVEIS) DA INFÂNCIA [Maio/2006] Uma Estória Eu vou te contar uma história agora atenção que começa aqui no meio da palma da tua mão bem no meio tem uma linha ligada ao coração que sabia desta estória antes mesmo da canção dá tua mão, dá tua mão dá tua mão, dá tua mão Paulo Tatit Sandra Peres (disco - Canções de Ninar) Puxando a linha dessa música, quero provocar uma reflexão a respeito da afetividade durante a mediação da leitura. Em muitos casos, por inúmeros fatores, o ato de mediar é meramente técnico e sem vida. Para que se possa realmente formar leitores ávidos, são necessários, para o mediador, muitos requisitos, entre eles: interesse e conhecimento prévio do texto, “curtir” a atividade e empatia. Avalio que o requisito mais difícil é a empatia, pois é de senso comum que todas as crianças são felizes, portanto se interessam por todos os temas e textos. Isso não é verdade e nem uma regra. Crianças são exigentes e mesmo sendo da mesma idade, às vezes, se interessam por temas completamente opostos, pois isso depende das experiências boas ou ruins que elas passaram ou estão passando. Assim, o conceito de infância feliz é relativo e para entender melhor essa questão, sugiro a leitura da Antologia - “O mito da infância feliz”, organizado por Fanny Abramovich. Nela os autores escancaram angústias que muitas vezes passam despercebidas pela grande maioria dos adultos. Como exemplo, extraímos dessa obra três depoimentos tristes e angustiantes: “[...] eu devia ter uns seis anos. E, por essa época, o que eu mais tinha de suportar eram uns apertões de moça nas minhas bochechas [...]: - Ai que olhos lindos! Esse menino quando crescer...” (Paulo Afonso Grisolli). ou “Enquanto todos tentavam me convencer da minha felicidade, eu tinha ainda que engolir Deus inteiro. A hóstia não podia tocar nem os dentes do canto da minha boca. Era uma coisa sem gosto, branca, que me levava a desmaios quando em jejum esperava pela missa das onze, e comungar pelas santas mãos do padre” (Bartolomeu Campos Queiroz). ou “Quando ele começou a bater em mim eu mordi os dedos sem dar um grito, e meu pai dizia: chora, seu vagabundo, chora. Mas eu não chorava, e como eu não chorava ele batia mais [...] minha mãe chegou também gritando pára com isso você vai matar o menino. Cala boca, sua égua, disse meu pai todo vermelho, chora, seu vagabundo” (Luiz Fernando Emediato). Bom, vou parar por aqui, pois o objetivo da Coluna é provocar reflexões e não angústias. É ressaltar para o mediador de leitura que o encontro com um texto, muitas vezes é um encontro “de si para consigo”, portanto é necessário que ele se preocupe em escolher um texto de qualidade literária antes de apresentá-lo as crianças. Se preocupar também em atender as insistentes reivindicações – “lê de novo”, “conta outra vez”, “só mais uma vez”, tentando perceber o valor de cada texto para cada leitor. Lamentavelmente os adultos, em geral, ainda não têm a dimensão da importância do texto para as crianças, da afetividade no momento da leitura, do afago no colo quente, da voz macia e dos braços acolhedores. Pense nisso e comece a ler, primeiro para você, e depois para os outros. E para começar listei a seguir alguns livros que tratam de separação, medo, morte, envelhecimento, gravidez da mãe... Título A cristaleira Um amigo para sempre Nós Eu vi mamãe nascer Gorda e magra abracadabra Coração conta diferente Guilherme Augusto Araújo Fernandes Os rios morrem de sede O menino e o pinto do menino Homem não chora Chora não...! Paieê! O dia de ver meu pai Autor Graziela Bozano Hetzel Marina Colasanti Eva Furnari Luiz Fernando Emediato Giselda Laporta Nicolelis Lino de Albergaria Mem Fox Wander Piroli Wander Piroli Flávio de Souza Sylvia Orthof Marcelo Pacheco Vivina de Assis Viana Layla Terezinha Alvarenga O que está acontecendo comigo? Peter Mayle/Arthur Robins/ Paul Walter Quando meu irmãozinho nasceu Walcir Carrasco Um guri daltônico Carlos Urbim Palavra palavrinhas & palavrões Ana Maria Machado O tapa Ciça Quando eu comecei a crescer Ruth Rocha Tajá e sua gente J.J.Veiga Areia da grossa areia da fina areia May Shuravel me faça ficar pequenina Eu sou mais eu Sylvia Orthof De olho no escuro Daniela Chindler O gambá que não sabia sorrir Rubem Alves Editora Ediouro Quinteto Editorial Global Geração Editorial Moderna Scipione Brinque-Book Comunicação Comunicação Cultrix Nova Fronteira Quinteto Editorial Comunicação Miguilim Nobel Quinteto Editorial Tchê Quinteto Editorial FTD Nova Fronteira Salamandra FTD Moderna Salamandra Loyola Referência: ABRAMOVICH, Fanny (Org.). Antologia: o mito da infância feliz. São Paulo: Summus, 1983. OS CONTOS DE FADAS E OS 200 ANOS DE ANDERSEN [Agosto/2005] (Sueli Bortolin e Rovilson José da Silva) A coluna desse mês será composta de duas vozes, a minha e a do meu amigo Rovilson (que também é colunista deste site). E essa conversa é a reprodução de uma palestra que proferimos na Feira de Livro Infantis do SESC/Londrina no mês de junho. O tema contos de fadas sempre esteve presente em nossas vidas, pois somos contadores de histórias, mas ele recebe um tom especial por se tratar de um dos autores mais importantes da literatura infantil universal Hans Christian Andersen. Antes de dissertar a respeito de um autor muito apreciado por nós, gostaríamos de lembrar que o ser humano sempre foi narrativo por natureza. Desde os tempos imemoriais ele sentiu a necessidade de contar sobre si, sobre o que via, o que sentia, exemplo disso é a pintura, ou escrita pictográfica e ideográfica nas cavernas e paredes (ROCHA, 1992). Sempre as famílias embalaram suas crianças com histórias cantadas. Histórias foram e são inventadas pelos pais para que as crianças comam, vistam-se ou tomem algum remédio. Há também a história da própria família... Cada família tem uma história a ser contada. Cada história tem um tesouro a ser cultivado para ser dividida e transmitida para a geração vindoura. Os contos de fadas fazem parte dessas histórias antigas, transmitidas de boca em boca, passadas de geração em geração. Eles fazem parte de uma herança cultural que é conhecida como tradição oral. E como "quem conta um conto aumenta um ponto" - os mesmos têm sido transmitidos ao longo dos séculos. A estrutura dos contos de fadas, em sua maioria, possui príncipes e princesas, reis e rainhas, castelos, bruxas, madrastas, anões, gigantes e heróis que enfrentam perigo, magia e encantamento. É constante nos contos de fadas a transformação dos seres e das coisas; o uso de talismãs e objetos mágicos (lâmpada, varinha, luz azul, sangue); valores humanistas, morais, éticos (bem versus mal) etc. Hoje as crianças não crescem mais dentro da segurança de uma família numerosa, ou de uma comunidade bem integrada. Por conseguinte, mais ainda do que na época em que os contos de fadas foram inventados, é importante prover a criança moderna com imagens de heróis que partiram para o mundo sozinho e que [...] encontraram lugares seguros no mundo seguindo seus caminhos com uma profunda confiança interior (BETTELHEIM, 1980). Acreditando na importância desse gênero de literatura e na importância de Andersen como produtor dos contos de fadas, optamos por falar a seu respeito na coluna desse mês. Hans Christian Andersen, nasceu na ilha Fiônia em Odensee na Dinamarca no dia 2 de abril de 1805 (em sua homenagem é comemorado nesse dia, o Dia Mundial do Livro Infantil). Carvalho (1984) pesquisadora da história da literatura infantil comenta a respeito do autor: "as regiões nórdicas, cheias de névoas e de sonhos, guardavam o mistério de suas legendas, que tanto encantaram o menino Andersen. Andersen adormecia embalado pelas velhas lendas do Norte, contadas por seu pai. Muitas vezes visitava os abrigos dos pobres, para ouvir de alguns velhinhos as extraordinárias estórias encantadas. Tudo isso povoou sua alma de sonhos. Era de família pobre e humilde. Seu pai era um modesto sapateiro, porém de acentuada vocação literária, estimulando no filho o gosto que mais tarde veio torná-lo famoso. Durante a noite, enquanto trabalhava, narrava ao filho belos contos, lia cenas de teatro, fábulas, etc.". Sua mãe era uma lavadeira analfabeta, que acreditava em superstições e magia. Quando seu pai morreu, Andersen tinha apenas 11 anos, ela sempre demonstrava que não o amava e, para completar sua tristeza, casou-se novamente. E ele acabou sendo criado pela irmã de um pastor (que era chamado de "poeta", e que compreendia bem o jeito sonhador de Andersen). Certo dia chega a sua terra natal uma Companhia de Teatro vinda de Copenhague e ele, que queria ser ator, suplicou um papel até conseguir. Então aos 15 anos vai para Copenhague, se sente novamente abandonado e lá sofre muito. Pede apoio e assistência a um cantor lírico italiano chamado Siboni. Mais tarde recebeu proteção de Jonas Collin e este, passou a subsidiar os estudos até a universidade. Seu talento começa a ser conhecido, e ele foi introduzido na casa da Família Real (rei Frederico VI). Cada vez mais estimulado ele escreve mais contos e estes lhe dão mais fama e reconhecimento. Seu primeiro conto para crianças foi "O menino moribundo", escrito em 1827. Depois deste, vieram mais 156, sendo os mais conhecidos: Patinho Feio, Os novos trajes do Imperador ou A roupa nova do Imperador, João Pato ou João trapalhão, O isqueiro mágico, O soldadinho de chumbo, A sombra, O rouxinol e o Imperador da China, A pequena vendedora de fósforo, A pastora e o limpador de chaminés, Nicolau grande e Nicolau pequeno ou João grande e João pequeno, A pequena sereia ou Sereiazinha, Os cisnes selvagens, Pequetita, O sino, O companheiro de viagem, O homem de neve, João e Maria, O sapo, O pequeno Tuque, A menina que pisou no pão, O pinheirinho, A gota d'água, As galochas da felicidade, As flores da pequena Ida, Tininha, Tommelise, A colina dos Elfos, A verdade verdadeira e A rainha da neve. Sem ter a pretensão de nos aprofundar, pelo contrário, apenas com a intenção de fazer uma provocação para uma possível leitura, apresentamos no quadro a seguir, algumas considerações retiradas de análises existentes em diferentes obras. Título do Conto Abordagem A gota d'água As galochas da felicidade As flores da pequena Ida Sátira, ironia sutil. Sapatinhos vermelhos A sereiazinha ou A pequena sereia Aborda o amor de maneira lírica e trágica (amor ideal, edificante, verdadeiro). O Pinheirinho Tininha O vício não é corrigido e nem a virtude é premiada, demonstra, porém que devemos ter virtudes. O patinho feio Esse personagem é a representação da própria vida de Andersen (desprezado pela mãe, pelos colegas da escola) tem que fugir para longe e amadurecer sozinho. A pastora e o limpador de chaminés Faz uma critica a desigualdade de classes. A pequena vendedora de fósforo Valoriza as qualidades interiores das pessoas. O soldadinho de chumbo O homem de neve Aponta as situações precárias da vida. O rouxinol e o Imperador da China Defende que a natureza é superior às coisas artificiais da vida. O pequeno Tuque Os cisnes selvagens Sugere a necessidade de resignação perante os problemas da vida. A roupa do Imperador ou O novo traje do Imperador João grande João pequeno ou Nicolau grande e Nicolau pequeno Faz uma critica o ato de enganar os outros A menina que pisou no pão Condena a arrogância e a maldade. Andersen parou de escrever apenas três anos antes de sua morte. Morreu em 1875 aos 70 anos, quando doou sua fortuna para as crianças abandonadas ou pobres. "Andersen é filho do povo, a sua experiência é vivida e sentida: ninguém foi mais sincera e verdadeiramente povo do que Andersen" (CARVALHO, 1984). Sugestões de Leitura BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. 7.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. CARVALHO, Bárbara Vasconcelos de. A literatura infantil: visão histórica e crítica. 3.ed. São Paulo: Global, 1984. ROCHA, Ruth; ROTH, Otávio. O livro da escrita. 9.ed. São Paulo: Melhoramentos, 1992. Sugerimos ainda a leitura da Coleção "Era uma vez... Andersen", publicada pela Editora Kuarup de Porto Alegre. PAI, ME CONTA UMA HISTÓRIA? Quem, eu!? [Maio/2005] As pessoas que me conhecem sabem que, para mim, contar histórias é uma terapia, pois essa atividade desenvolvo com muita alegria e prazer. Numa conversa com um pai interessado em contar histórias aos seus filhos, ele me perguntou: - "Por que não é comum um pai contar histórias?" A minha resposta poderia ser superficial e tender para as corriqueiras respostas - "a mulher é mais maternal e isso combina com as histórias...", mas parei e de repente começou a passar um filme em minha cabeça. Lembrei-me da minha infância, do meu avô em sua charrete, e do meu pai em sua bicicleta, contando histórias. Voltei aos diferentes encontros com escritores que promovi e estava lá, entre outros, o Luis Camargo e Hardy Guedes, contando histórias. Recordei-me que na história das bibliotecas infantis brasileiras, consta que as crianças cercavam Monteiro Lobato para ouvi-lo contar histórias que escrevia. Lembrei-me do meu amigo Rovilson José da Silva nas escolas municipais em Londrina, narrando inesquecíveis histórias. Em seguida imaginei o Oswaldo Francisco de Almeida Junior (mantenedor deste site) inventando histórias com seus filhos (há mais de 20 anos) pelas ruas de São Paulo, de personagens que saiam das rachaduras das calçadas (essa história foi ele que me contou). Imaginei também o meu oftalmologista William Procópio dos Santos contando histórias para seus filhos fazendo sombras na parede do quarto (essa história ele me contou há muito tempo). De repente, como num passe de mágica voltei em 1998 quando iniciei meu mestrado em Marília e via meu amigo Paulo Henrique Coiado Martinez, todas as noites, contando histórias para a pequena Mariana (isso mesmo, a garota que escreveu o texto comigo no mês de janeiro). Nesse instante percebi que ele, o Paulo Henrique, pode mais do que eu responder a pergunta que me foi feita: "- Por que não é comum um pai contar histórias?" Assim, a coluna desse mês será uma entrevista com um pai contador de histórias e esperamos que ela (a coluna) e ele (o pai) possam motivar outros homens a entrarem no saudável mundo de histórias, fantasia e imaginação. SUELI: Contaram histórias para você na infância? PAULO: Histórias de livro, propriamente, não. Minha família é grande (somos em dez irmãos) e meu pai foi um grande contador de "causos", sempre narrando fatos extraordinários que, geralmente, teriam ocorrido com ele. Mas eram histórias contadas à mesa, com toda a família reunida ou então quando tínhamos visitas. Que eu me lembre, meu pai nunca contou histórias exclusivamente para mim, como na hora de dormir, por exemplo. Eu sou quase a "rapa do tacho" e eram minhas irmãs, e não meus pais, que cuidavam de mim e de meu irmão mais novo. Passei a maior parte da infância na área rural e minhas irmãs contavam muitas histórias orais, do folclore ou dos contos de fadas (do jeito que elas lembravam, eu acho), pois não tínhamos acesso a livros. A maioria das histórias, porém, eu ouvia sozinho, através de uma "vitrola". Não sei a qual dos meus irmãos pertencia, mas havia em casa uma "vitrola" (vermelha, eu acho), daquelas portáteis, se não me engano modelo "Sonata", e uma boa quantidade de discos de histórias infantis, da série "Disquinho" (que foi relançada recentemente em CD) e alguns discos antigos, tipo Long Play, daqueles pesadões de 78 rpm. Havia a história do Junco e o Carvalho, da Formiguinha e a Neve, do Burro e o Grilo, Peter Pan, entre outras. Eu me lembro até hoje do prazer que essas histórias me davam, bem como o pavor que eu sentia ao ouvir a história do Barba Ruiva. Todas as noites uma de minhas irmãs me punha para dormir, ligava a vitrola e me deixava no quarto ouvindo as histórias. SUELI: O que motivou você a contar histórias? PAULO: Primeiro, porque eu gosto. Não sou um grande contador de "causos" como meu pai, apesar de já ter contado para a Mariana a maioria das histórias que ouvi dele e outras que aconteceram comigo (juro!), mas minha imaginação e memória não são tão prodigiosas como as de meu pai, por isso tenho que recorrer mais aos livros. Ademais, eu acho importante esse tipo de contato entre pais e filhos. Você cria uma cumplicidade e consegue estimular na criança a imaginação e o hábito da leitura de forma natural. É lógico que demanda muito boa vontade, pois não é todo dia que você está a fim de contar histórias. Mas o resultado é compensador. Eu tenho duas filhas, a Mariana, com oito anos e pouco, e a Paula, com um ano e pouco. A Mariana já foi infectada pelo vírus da leitura, tanto que quando a gente vai passear no Shopping (aqui em Marília também tem, viu!?), o local preferido dela é a livraria. Ela dificilmente pede para comprar brinquedos ou roupas, mas é raro o dia que ela não peça um livro. O maior castigo que podemos impor-lhe é colocá-la para dormir sem ouvir ao menos uma história. Ela diz não saber ainda qual outra profissão terá, mas escritora será com certeza. A Paula, pelo jeito, vai pelo mesmo caminho. Ela já tem seus próprios livros (repassados pela Mariana, após criteriosa e bem cuidada seleção) e adora ficar olhando as figuras e "adivinhar" qual virá na próxima página. Ela imita os sons dos animais e objetos e aceita ficar pacientemente deitada na cama ou no tapete observando as ilustrações. Acho que estamos cumprindo bem nossa missão. SUELI: Você começou a contar histórias apenas após o nascimento da sua primeira filha? PAULO: Não. Acho que aprendi a gostar de contar histórias para crianças com a Marisa (para quem não nos conhece, a Marisa [Luvizutti] é minha esposa). Desde a época de namoro ela esteve envolvida com literatura infantil (com certeza por influência de uma chefe "chatíssima" que ela teve no SESC: você). Nós sempre gostamos de ler, e como temos muitos sobrinhos, passar a contar histórias para eles foi uma coisa natural. A Marisa, inclusive, tinha muitos livros infantis que ela adquiriu para "consumo próprio", que depois foi repassando para a sobrinhada e para a Mariana. Era muito gostoso realizar atividades culturais com as crianças da família. Chegamos inclusive a fazer teatro de fantoches, com palco construído de caixa de geladeira e tudo. SUELI: Há algum segredo para ser um contador de histórias? É preciso fazer um curso? PAULO: Eu não sou propriamente um contador de histórias, sou mais um leitor em voz alta. A Mariana, inclusive, não deixa muita margem para minha "verve criativa", pois quando estou lendo histórias, ela não gosta sequer que eu altere o tom de voz de acordo com o personagem, por exemplo. Agora, nas histórias orais, acho que é necessário um pouco de jeito, sim, porque senão a história fica sem graça e a criança perde o interesse. Eu acho recomendável que as pessoas que tenham interesse em realmente contar bem uma história façam um curso de "contação". Há muitas pessoas sem o mínimo "senso de noção" que não se tocam que são sem graça e não entendem porque não agradam as crianças. Posso inclusive recomendar uma ótima "dadeira" de cursos: você. Tem gente que nasceu para a coisa mesmo, e os outros devem se espelhar. SUELI: Como você escolhe o livro/história que irá ler/contar? PAULO: Felizmente, temos uma amiga que é especialista em literatura infantil e que muito nos ajuda na tarefa de selecionar bons livros para as crianças (novamente: você!). Eu acho que, além de buscar informações sobre bons autores com quem entende do riscado, tem que haver uma empatia entre o contador e o livro. O livro infantil deve ter um texto inteligente, que instigue a imaginação e a curiosidade das crianças. Eu procuro, sempre que possível, respeitar os gostos da Mariana, e somente "sugiro" que ela escolha outro título quando considero o livro muito ruinzinho. SUELI: Eu conheço você há muito tempo. Sei que é um homem com os "pés no chão", mas para ser contador de histórias é necessário ter a "cabeça nas nuvens"? Isso é mentira ou contradição? PAULO: Não é mentira nem contradição - é um paradoxo. Acho que a leitura permite que a gente ande nas nuvens, sem sair do chão. Não podemos nos afastar da realidade, mas através da leitura podemos encontrar um "resting place", uma boa válvula de escape para as agruras do cotidiano. Quando a gente conta uma história deve se permitir "viajar" por outras paragens e embarcar, junto com o ouvinte, nas aventuras narradas, caso contrário não há sentido em se abrir um livro. Eu gosto muito de literatura infantil e, muitas vezes, me empolgo tanto que continuo lendo o livro mesmo depois que a Mariana adormece (principalmente as histórias do Monteiro Lobato). SUELI: Qual sua opinião a respeito do homem deixar, prioritariamente, para a mulher contar histórias? Ou isso não ocorre? PAULO: Acho que essa pergunta está diretamente relacionada com a pergunta seguinte. Em casa não ocorre tal fato (eu sou muito bem mandado). Sempre que possível eu faço questão de contar histórias para as crianças. Mas acho que isso existe, sim. Talvez pelo fato de a mãe dar banho na criança, trocá-la e colocá-la para dormir, acabe sendo determinante para que, na seqüência, a própria mãe conte a história para a criança dormir. Além é claro, de que muitas vezes a própria criança tem preferência pela mãe. SUELI: A última frase do livro - "Se as coisas fossem mães" de Sylvia Orthof, é assim: "tem até pai que é 'tipo mãe' - esse, então é uma beleza". Qual sua opinião a respeito disso? Será que pai contador de histórias tem que ser "tipo mãe" ou isso é preconceito? PAULO: Eu acho que essa frase encerra uma realidade. A base cultural da nossa sociedade é o patriarcalismo e ainda existem homens babacas que acham que contar histórias e trocar fraldas não é papel de macho. Felizmente essa mentalidade está mudando. Hoje em dia, há muitos casais que conseguem dividir de forma equilibrada os afazeres e responsabilidades domésticos, tornando bem mais fluida essa divisão do papel da mãe e do pai. Os pais estão mais participativos e as mães mais "mandonas". Eu me considero um pai "tipo mãe", assim como considero a Marisa uma mãe "tipo pai", sem que deixemos, com isso, de conservar para nossas filhas os referenciais masculino e feminino. Na minha concepção, as tarefas, diversão e obrigação devem ser divididas. Eu me sentiria extremamente frustrado se tivesse participado menos na criação e educação de minhas filhas. Atualmente vivo esse drama, porque moro em Marília e trabalho em São Paulo. Fico fora de segunda a quinta e não posso dedicar à minha família o tempo que eu gostaria e elas merecem. Em contrapartida, e, em função de minha ausência, a Marisa acaba assumindo, em muitos casos, responsabilidades que poderiam ser consideradas exclusividade do "homem da casa". São as vicissitudes da modernidade. Voltando a questão - "Por que não é comum um pai contar histórias?", fico boquiaberta e emocionada com as respostas do Paulo Henrique e confesso que não sei "arrematar" esse texto e, então pergunto "Será que é preciso?" Um beijo e Boa Leitura para você que é mãe (maio mês das mães) e para você que é pai do "tipo mãe". Sobre Sueli Bortolin HORA DA HISTÓRIA: toda criança merece [Dezembro/2004] Silvia Bortolin Borges Sueli Bortolin Ter certeza nós não temos, mas possivelmente o nosso interesse pela linguagem oral, seja influência da nossa "nona" italianíssima que morou conosco até morrer aos 85 anos. Ela diariamente rezava o seu terço, horas e horas em voz alta, misturando palavras em italiano, latim e portuguêsabrasileirado. Agora uma certeza nós temos: as palavras e seus significados têm exercido um fascínio constante em nós. Outro dia, por exemplo, em um evento, uma professora, se referindo ao seu trabalho com leitura na escola, disse: - "gostei tanto do livro que achei que os meus alunos mereciam conhecê-lo". Desse dia em diante o verbo merecer passou a ser um "hóspede" em nossas cabeças, provocando a seguinte reflexão: merecer é muito mais que ter direito. Ter direito é uma conquista, mas merecer, vai além, é ganhar um presente, um prêmio. E sem dúvida, toda criança merece ouvir histórias, toda criança merece "conviver" com textos literários, toda criança merece ter acesso à leitura. E para falarmos de leitura, nos reportaremos a algumas lembranças de infância. Por sermos filhas de mãe-tricoteira, tivemos inúmeros momentos em volta do tricô, com uma mãe-leitora que tecia seus pontos e lia, tecia seus pontos (um ponto tricô e um meia)(1) e lia. Lia fotonovelas com a mesma agilidade que tecia. Contava histórias com a mesma agilidade que tricotava. Acreditamos que cenas como estas pode explicar o nosso interesse em tecer histórias: ouvindo, contando e criando. Pensando nos novelos de lã que estiveram presentes em nossas vidas, nas suas diferentes marcas e matizes, acabamos criando uma alegoria entre o ato de ler e o novelo de lã. Para quem não sabe ou nunca observou como uma tricoteira tricota, precisamos explicar que nunca o fio do novelo deve ser puxado do lado de fora, pois isso pode causar um grande embaraço. O fio deve sair de dentro, porque só assim há uma garantia de tecer com êxito. Assim acontece com a leitura, o "fio do desejo" deve vir de dentro para que com ele possamos tecer a nossa trajetória de leitor. Na fase adulta somos influenciados, em nossas leituras, por um amigo e mais fortemente pela mídia. Na infância, porém, é necessário que a criança esteja rodeada de diferentes mediadores, entre eles: familiares, professores, bibliotecários, artistas, ou seja, por aqueles que saibam puxar o fio condutor de sua leitura. Preocupadas com isso, nos últimos anos, estamos nos empenhando em ocupar espaços para discutir a mediação da leitura, a contação de histórias e outros temas afins. Priorizamos, porém, essa discussão no âmbito da escola com professores, por considerar a infância o período mais profícuo para isso e, portanto, os professores não podem perder essa oportunidade. No contato com esses professores comumente ocorre o seguinte questionamento: que ações realizar para a mediação da leitura? A resposta está sempre pronta: inúmeras, mas a mais importante é a reserva de um tempo diário para se contar histórias e tecer fantasias. Semelhante a "febre" do último inverno, as rodas de tricô para se tecer cachecóis e conversas, desejamos que haja uma "epidemia" de rodas de histórias. Contar histórias é uma arte, uma das mais antigas e apesar das inovações na forma de narrar os textos, continua tendo na sua essência a preocupação de trabalhar a afetividade, a emoção e o imaginário do ouvinte. Outro questionamento muito comum na escola é: o que fazer após a Hora da história? Primeiro não há uma obrigatoriedade de sempre se fazer alguma atividade após ouvir uma história, pelo contrário, a história ouvida sem o compromisso posterior de tarefas, tende a propiciar maior prazer permitindo à criança a expressão oral. No caso da realização de atividades é importante que o professor se preocupe em diversificá-las para que não torne a Hora da História num momento rotineiro, desinteressante e sem novidades. Finalizando, vamos nos apoderar das idéias de Abramovich (1989, p.17) quando afirma que É ATRAVÉS DUMA HISTÓRIA QUE SE PODEM DESCOBRIR OUTROS LUGARES, outros tempos, outros jeitos de agir e de ser, outra ética, outra ótica... É ficar sabendo História, Geografia, Filosofia, Política, Sociologia, sem precisar saber o nome disso tudo e muito menos achar que tem cara de aula... Porque, se tiver, deixa de ser literatura, deixa de ser prazer e passa a ser Didática, que é outro departamento (não tão preocupado em abrir as portas da compreensão do mundo) (grifo da autora). Concordamos integralmente com a autora e defendemos que o fato de ouvir histórias e entrar para o mundo da imaginação amplia a possibilidade das crianças se transformarem em adultos saudáveis. Agora convidamos você professor, a tricotar conosco o sonho de ampliar o número de leitores em todas as escolas, utilizando o mesmo ritmo de nossa mãe, que tricotava (um ponto tricô e um meia) e lia. Contava histórias e tricotava (um ponto tricô e um meia). E assim, entrelaçados arrematamos este texto, palavra esta que tem origem do latim textu e significa tecido. Nesse contexto um tecido que foi tricotado com um fio puxado de dentro do novelo, o novelo de nossa memória de infância. Ponto final. SUGESTÃO DE LEITURA ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione, 1989. COELHO, Betty. Contar histórias uma arte sem idade. São Paulo: Ática, 1986. Notas Sobre este artigo: Trecho de texto apresentado na Semana de Educação UNIFIL - 2004. 1 - Um ponto tricô e um meia, essa era a linguagem que ela usava para nos ensinar fazer um ponto chamado sanfona. Sobre Sueli Bortolin Mestre em Ciências da Informação pela UNESP/ Marília - Professora do Departamento de Ciências da Informação do CECA/UEL - Diretora da Biblioteca Central da UEL - Presidente da ONG Mundoquelê. HISTÓRIAS EM QUADRINHOS, BIBLIOTECAS E BIBLIOTECÁRIOS: UMA RELAÇÃO DE AMOR E ÓDIO [Fevereiro/2003] Infelizmente, tanto no Brasil como em muitos outros países, as histórias em quadrinhos foram, durante muito tempo, consideradas materiais de segunda ou terceira categoria por parcelas influentes da sociedade. Em geral, pais e educadores achavam que elas representavam uma ameaça ao desenvolvimento intelectual de seus filhos e alunos, colocando-as no ostracismo e considerando-as culpadas por todos os males do mundo. Não é de surpreender, portanto, que estas tenham encontrado sempre enormes dificuldades para adentrar as portas das escolas de primeiro, segundo e terceiro graus, bem como das bibliotecas a elas ligadas. No caso das universidades, a exclusão dos quadrinhos ocorreu em função de sua presumida falta de importância como objeto de estudo científico: raríssimos pesquisadores pareciam considerá-los digno de sua atenção, o que barrava sua entrada nas bibliotecas universitárias e de pesquisa. Por outro lado, no âmbito das instituições de informação dirigidas ao público em geral e naquelas que visavam apoiar o processo educativo básico e secundário - as bibliotecas públicas e as poucas bibliotecas escolares existentes no Brasil -, seu ingresso foi vetado pelo enorme estardalhaço que seus opositores geralmente costumavam fazer contra eles, manifestando-se, às vezes de maneira agressiva, quando surgisse a mais remota possibilidade de colocá-los à disposição do público por intermédio de instituições culturais mantidas pelos cofres governamentais. No entanto, falar da oposição da sociedade não é o suficiente para explicar o afastamento das histórias em quadrinhos do acervo das bibliotecas brasileiras. É preciso também reconhecer que os responsáveis por essas instituições - que talvez pudessem ter exercido influência decisiva para reverter esse fato -, também não estiveram neutros no processo. Algumas vezes de maneira deliberada e consciente, outras por simples inércia, muitos responsáveis por bibliotecas se recusaram a selecionar os quadrinhos para elas por entenderem que eles não se adequavam aos critérios de qualidade que haviam definido para seus acervos. Por outro lado, nem todos os profissionais de biblioteca que se colocaram contrários à inclusão dos quadrinhos em seus acervos estavam mal intencionados. Muitos deles estavam convictos do acerto de sua posição e em sua defesa é possível afirmar que eles também eram tão influenciados pelas idéias dominantes na sociedade quanto as pessoas a que serviam. No entanto, se acusá-los de atos conscientes de discriminação contra os quadrinhos pode parecer exagero, é possível pelo menos criticá-los por não terem questionado as premissas com que atuavam e de pouco se terem preocupado em contrastá-las com a realidade. Como profissionais, esqueceram-se de que tinham a responsabilidade social de, pelo menos, tentar desafiar as idéias dominantes na sociedade, analisando sem preconceitos todos os materiais de informação disponíveis para seu público e colocando-se acima das visões estereotipadas dominantes em seu meio social. Ao deixarem de fazê-lo, comprometeram-se eticamente e perderam a oportunidade de ocupar a vanguarda das inovações culturais de sua época. E nunca deram conta disso, coitados... As resistências de educadores, pais e principalmente dos bibliotecários em relação às histórias em quadrinhos e aos demais meios de comunicação de massa diminuíram à medida que a sociedade passou a ver todos esses meios com outros olhos. Entretanto, as barreiras contra elas, enquanto alternativas de leitura e informação diferentes do livro tradicional, não desapareceram de forma automática. Mesmo hoje, seria temeridade afirmar que as revistas e outras modalidades de histórias em quadrinhos já podem ser facilmente encontradas nas bibliotecas brasileiras. Infelizmente, aquelas instituições que as incorporam cotidianamente a seus acervos parecem constituir muito mais a exceção do que a regra no cenário nacional. E, mesmo no caso dessas exceções, pode ainda acontecer que os quadrinhos recebam um "tratamento" diferenciado, discriminatório mesmo, em relação a outros materiais: eles não são incorporados de forma definitiva ao acervo, sendo encarados como material totalmente descartável, não merecedor de qualquer iniciativa visando a sua preservação e conservação; enfrentam total despreocupação com o estabelecimento de critérios objetivos para sua seleção, todos os produtos quadrinhísticos sendo considerados essencialmente iguais entre si pelos bibliotecários; são objeto de excessivas restrições financeiras para sua aquisição em base regular, a eles não se destinando qualquer verba para compra de revistas ou álbuns de quadrinhos e sendo considerados como alternativa para o acervo apenas quando oferecidos em doação, sem ônus institucional direto (em geral, muitos bibliotecários aplicam às histórias em quadrinhos a velha máxima: "de graça, até injeção na testa"...); os quadrinhos são destinados apenas para uso de categorias específicas de usuários, como crianças ou estudantes de primeiro e segundo graus; alguns funcionários de biblioteca assumem até mesmo uma atitude desdenhosa quando algum adulto se interessa por revistas em quadrinhos; utilização das histórias em quadrinhos como chamariz para a leitura de livros, classificadas como uma espécie de concessão dos profissionais do livro (os bibliotecários) a uma leitura menos nobre (os gibis). E essas são apenas algumas das desventuras que as histórias em quadrinhos podem eventualmente enfrentar. Muitas outras poderiam ser aqui relacionadas, é claro. No entanto, as acima apontadas parecem suficientes para dar uma idéia do ambiente que cerca as histórias em quadrinhos na maioria das bibliotecas brasileiras, principalmente as públicas e escolares. Felizmente, essa situação vem aos poucos se modificando, tanto no Brasil como no exterior. É claro que ainda falta muito para uma reversão total de expectativas: o número de bibliotecas que atualmente considera as histórias em quadrinhos como materiais que devem compor uma parte especial de seu acervo - ou seja, merecendo atenção privilegiada em relação aos demais, de modo a possibilitar a seus clientes usufruir todos os benefícios que eles lhes podem oferecer -, ainda é bem menor do que o necessário para se atingir uma reviravolta em termos de mudança de postura. No entanto, é fácil comprovar que ele vem crescendo ano a ano. Isso pode levar aqueles que têm o otimismo como defeito genético - como é o meu caso -, a acreditar na possibilidade de que o futuro poderá ser diferente no que diz respeito à relação tumultuada que os bibliotecários tradicionalmente tiveram com os quadrinhos. Quem viver, verá. Nos Estados Unidos, como lembra Randall W. Scott em seu livro Comics librarianship: a handbook (Jefferson : McFarland, 1990), várias bibliotecas universitárias possuem coleções especializadas de quadrinhos, entre as quais podem ser destacadas as das universidades de Ohio, Michigan, Bowling Green e Kent. São coleções enormes, compostas por revistas e álbuns, bem como por desenhos, tiras ou páginas originais obtidos por doações dos próprios autores de quadrinhos ou de seus herdeiros. Todos esses materiais recebem tratamento altamente cuidadoso, sendo objetos de cuidados especiais quanto a sua conservação, tratamento técnico especializado e utilização pelos pesquisadores. Um modelo para o mundo. No Brasil, embora o país tenha sido o primeiro a introduzir uma disciplina específica sobre o tema em curso de graduação (na Universidade de Brasília, na década de 70) e a organizar um curso de especialização exclusivamente sobre esse assunto (na Universidade de São Paulo, já nos anos 90), parecem ainda contar-se nos dedos de uma única mão as instituições de ensino universitário que possuem grupos de pesquisa formalmente dedicados às histórias em quadrinhos. Na Universidade de São Paulo, talvez a grande exceção no panorama brasileiro, o Núcleo de Pesquisas de Histórias em Quadrinhos da Escola de Comunicações e Artes (http://www.eca.usp.br/gibiusp/) existe há mais de 10 anos, realizando uma série constante de atividades, projetos de pesquisa, eventos e cursos relacionados com as histórias em quadrinhos; o Núcleo conta, inclusive, com um acervo especializado na área, com cerca de oito mil revistas e álbuns de quadrinhos nacionais e estrangeiros, destinado a dar suporte aos trabalhos de seus pesquisadores e alunos. Entretanto, no âmbito das bibliotecas públicas, a situação já é um pouco diferente, tendendo favoravelmente para o lado brasileiro. Isto aconteceu principalmente a partir do advento e atuação das chamadas gibitecas, uma criação genuinamente brasileira, que merece todo o destaque que a elas possa ser dado. Mas isso é assunto para um outro dia. Sobre Waldomiro Vergueiro Mestre, Doutor e Livre-Docente pela (ECA-USP), Pós-doutoramento na Loughborough University, Inglaterra. Prof. Associado e Chefe do Depto. de Biblioteconomia e Documentação da ECA-USP. Coordenador do Núcleo de Pesquisas de Histórias em Quadrinhos da ECA-USP. Autor de vários livros na área. AS GIBITECAS: um espaço privilegiado para a leitura e difusão de histórias em quadrinhos no Brasil [Março/2003] Até alguns anos atrás, pode-se dizer que o espaço e a atenção destinados às histórias em quadrinhos nas bibliotecas públicas brasileiras eram, em geral, bastante precários. Quando presentes nessas instituições, às publicações em quadrinhos era costume dar-se o mínimo tratamento técnico possível, contentando-se a maioria dos profissionais em colocar as revistas em cestas ou espalhá-las por cima de mesas, para deleite dos pequenos leitores (adultos lendo histórias em quadrinhos? Nem pensar...). De uma certa forma, parece que os bibliotecários em particular - e a sociedade a que eles serviam, de uma maneira geral -, entendiam que, como profissionais, não podiam perder seu precioso tempo de trabalho catalogando, classificando, organizando, restaurando, enfim, fazendo todas aquelas coisas meio esdrúxulas que os bibliotecários costumam normalmente fazer quando preparam os materiais monográficos para uso do seu público. Desta forma, os quadrinhos ficavam com sobras de atenção e cuidado. E que se dessem por satisfeitos com isso. Felizmente, a situação começou a sofrer algumas mudanças de vinte anos para cá. A sinalização para a mudança de postura nas bibliotecas públicas começou a ser dada pela criação da primeira Gibiteca no Brasil, um neologismo que buscava nomear uma biblioteca especialmente dedicada à coleta, armazenamento e disseminação de histórias em quadrinhos. Ela surgiu na cidade de Curitiba, em 1982, sendo instalada em uma fundação cultural da capital paranaense. Tratava-se de uma iniciativa de desenhistas e amantes dos quadrinhos, que almejavam divulgá-los entre a população e, ao mesmo tempo, ter um espaço para discussão, cursos, palestras, exposições e eventos ligados às histórias em quadrinhos no país. A criação da Gibiteca de Curitiba representou o surgimento da primeira instituição no país batizada com esse nome, um termo diretamente derivado da forma como as revistas de histórias em quadrinhos são tradicional e carinhosamente referidas no país - gibi, nome de uma famosa e popular revista das organizações O Globo, publicada de 1939 a 1950. Assim, com o surgimento dessa Gibiteca, cunhava-se o termo genérico para denominar qualquer biblioteca ou espaço institucionalizado que colocasse as histórias em quadrinhos como o centro de sua prática enquanto serviço de informação e que iria passar, a partir de então, a ser amplamente utilizado em todo o país. Durante um bom tempo, a Gibiteca de Curitiba constituiu uma iniciativa isolada, fruto do interesse de um grupo de idealistas e amantes das histórias em quadrinhos. Embora jamais tenha estado inserida no âmbito de um serviço de informação tradicional e nem tenha contado com um bibliotecário para gerenciá-la, uma situação que ainda persiste, isso não impediu que ela se tornasse o ponto central de uma intensa atividade cultural, indo muito além de uma coleção especializada. Em torno dela foi e continua a ser realizado um variado número de exposições, cursos sobre a arte dos quadrinhos e como fazê-los profissionalmente, palestras e atividades das mais diversas que buscam dar às histórias em quadrinhos um status privilegiado dentre os meios de comunicação de massa; ao mesmo tempo, a Gibiteca de Curitiba conseguiu, também, constituir um considerável acervo de revistas e desenhos originais, fruto principalmente de doações provindas de autores e colecionadores da cidade e de outras regiões do país. Talvez em função do sucesso da Gibiteca de Curitiba, ou mesmo por pressão dos usuários que, cada vez com maior freqüência, passaram a solicitar histórias em quadrinhos nas bibliotecas públicas, aos poucos alguns responsáveis por essas instituições no país também começaram a criar espaços específicos para elas. Na maioria das vezes, tratou-se de iniciativas isoladas de profissionais que encaravam os quadrinhos de uma maneira diferente da de seus colegas, tendo se interessado por eles anteriormente mesmo à época da graduação, por um ou outro motivo. Assim, com ou sem o apoio de seus superiores, selecionaram e organizaram acervos de revistas de histórias em quadrinhos e os disponibilizaram para seu público. Na maioria das vezes, os bibliotecários ou os funcionários de bibliotecas responsáveis pelo desenvolvimento dessas gibitecas tiveram que fundamentar a constituição do acervo em doações obtidas junto à comunidade, ao mesmo tempo em que buscavam realizar atividades visando atrair usuários e criar um ambiente que pudesse garantir não apenas a simpatia, mas também o apoio da população a esse novo tipo de acervo. Muitas vezes, tratava-se de pequenas salas onde duas ou três estantes contendo revistas em quadrinhos eram colocadas, permitindo-se o acesso dos leitores e até mesmo realizando-se o empréstimo de revistas para uso domiciliar. Entre as diversas gibitecas que surgiram dessa forma, pode-se destacar a atividade pioneira organizada na biblioteca pública da cidade de Londrina, também no Estado do Paraná. No caso dessa iniciativa, entretanto, a denominação escolhida pelos bibliotecários para nomear o serviço ou acervo de quadrinhos existente na seção infantil foi a de gibilândia, buscando atrair as crianças pela relação que a palavra imediatamente traz com um parque de diversões. O serviço continua a existir na biblioteca até os dias de hoje, o que dá uma boa dimensão da repercussão que teve no público a que se destina. Não obstante o pioneirismo das iniciativas acima, a primeira gibiteca brasileira a surgir dentro de um serviço de biblioteca pública, a partir de iniciativa da própria administração municipal, foi a Gibiteca Henfil, órgão do Departamento de Bibliotecas Infanto-Juvenis da Secretaria de Cultura do município de São Paulo, inaugurada em 1991 e hoje possuindo o maior acervo do país, num total de 100.000 exemplares. Além desse vasto acervo, a Gibiteca Henfil é responsável por um dos maiores índices de freqüência das bibliotecas públicas da cidade de São Paulo, e também por se colocar como um grande centro de eventos relacionados com os quadrinhos, promovendo cursos, exposições, palestras, debates e lançamentos de novas obras, bem como servindo de ponto de encontro para reuniões de leitores. Nos últimos anos, a Gibiteca Henfil também abriu suas portas para atividades relacionadas com meios correlatos aos quadrinhos, como os RPG e outros jogos de estratégia. Seria difícil afirmar o número exato de gibitecas atualmente existentes no Brasil. Sabe-se que várias cidades, como Santos (SP), São Bernardo do Campo (SP), Santo André (SP), João Pessoa (PB), Londrina (PR) e Brasília (DF) as possuem. Algumas vezes, essas gibitecas são vinculadas a bibliotecas públicas; outras, a instituições privadas. Elas tanto podem contar com bibliotecários para administrá-las como ser dirigidas por voluntários da comunidade ou por funcionários designados para fazê-lo em virtude de predileções especiais por esse tipo de material. No entanto, existem motivos para acreditar que as gibitecas, como setores ou ramais especiais de bibliotecas públicas, dirigidas por profissionais capacitados, representam uma tendência cada vez mais dominante, parecendo indicar uma tomada de consciência de que tais profissionais podem possibilitar uma elevação no nível de serviço prestado aos leitores de quadrinhos. No entanto, a constituição e funcionamento de gibitecas, seja em instituições públicas, seja em instituições privadas, não representa tarefa das menos complexas. Por um lado, quando organizadas por um pessoal que possui algum tipo de ligação com a linguagem dos quadrinhos, seja afetiva, como leitores ou colecionadores, ou como resultado de uma prática profissional na área, acaba-se tendo instituições que pecam pela desorganização do acervo, pela pouca eficiência na recuperação dos títulos ou pela dificuldade de controle dos materiais, ainda que sejam organismos atuantes e cheios de atividade. Por outro lado, quando dirigidas por bibliotecários profissionais, elas tendem a ter um nível de organização mais precioso, mas corre-se também o risco de não desenvolver a variedade de atividades que caracterizam as primeiras. Infelizmente, nas mãos de alguns bibliotecários, uma gibiteca, ao invés de um organismo dinâmico e atuante, transforma-se em um simples acervo de revistas em quadrinhos que placidamente repousa nas estantes, avidamente protegido por esses profissionais... à espera de uma utilização que, freqüentemente, é menor do que ele mereceria. Mas nem tudo é cinzento no panorama das gibitecas dirigidas por bibliotecários, como pode deixar a entender o final do parágrafo anterior. Pelo contrário. Muitos bibliotecários brasileiros estão aos poucos descobrindo que, para proporcionar melhor serviço aos amantes dos quadrinhos, não basta apenas munir-se de boas intenções e afastar todos os preconceitos que porventura ainda cultivem sobre o meio. E nem, por outro lado, que representa uma atitude benéfica para a sua clientela exercer um controle exagerado sobre o material de quadrinhos, colocando a preservação do acervo acima das necessidades de leitura e fruição dessa linguagem pelo público freqüentador da biblioteca: as histórias em quadrinhos são um material popular e de alto consumo, sujeitos a um desgaste natural devido ao uso. Não há como evitar indefinidamente que o desgaste ocorra. Nesse sentido, é importante ter em mente que nem todas as gibitecas do país precisam ter por missão a preservação da memória das histórias em quadrinhos nacionais. Algumas, talvez. Mas não a maioria delas, para as quais será importante ter como objetivo maior disseminar e divulgar esse meio na sua comunidade da forma mais eficiente possível. No entanto, para atingir o objetivo de colaborar efetivamente para a disseminação e divulgação das histórias em quadrinhos no país por meio da atuação das gibitecas, é necessário aos bibliotecários e a todos os funcionários dessas instituições - principalmente aqueles que trabalham diretamente no atendimento ao público -, conhecer a fundo tanto as características do meio de comunicação de massa como do próprio leitor de quadrinhos. Só a partir desse conhecimento é que será possível a esses profissionais realizar de maneira adequada toda a gama de atividades que envolvem a seleção, coleta, aquisição, tratamento, disseminação e preservação de histórias em quadrinhos. Nesse sentido, parece evidente que compreender e dominar com suficiente independência os diversos veículos em que os quadrinhos estão disponíveis, os gêneros em que são publicados e o tipo de leitor que costumam atrair é um requisito indispensável para todos aqueles profissionais que pretendam dedicar-se ao trabalho de documentação nessa área. Ou, em outras palavras, para aqueles que acreditam que as histórias em quadrinhos merecem o mesmo nível de qualidade de serviço dispensado a quaisquer outros materiais presentes nos acervos das bibliotecas. E oxalá estes sejam cada vez em maior número. Os quadrinhos merecem. Sobre Waldomiro Vergueiro Mestre, Doutor e Livre-Docente pela (ECA-USP), Pós-doutoramento na Loughborough University, Inglaterra. Prof. Associado e Chefe do Depto. de Biblioteconomia e Documentação da ECA-USP. Coordenador do Núcleo de Pesquisas de Histórias em Quadrinhos da ECA-USP. Autor de vários livros na área. Bibliotecas em tempo de guerra Affonso Romano de Sant´Anna 04/07/2007 imprimir | enviar Correio Braziliense - Caderno C - 1/7/2007 Como escritor, como ex-presidente da Biblioteca Nacional do Brasil ou como um simples cidadão, não poderia ficar indiferente diante das notícias do que ocorre com a Biblioteca Nacional do Iraque e das agruras de seu diretor, Saad Estkander. Durante a estúpida invasão americana naquele país, em 2003, eu havia escrito uma crônica assinalando que se estava arrasando um dos patrimônios mais valiosos da história da humanidade, ao despejarem toneladas de bombas e passarem tanques em cima de ruínas históricas onde estão os míticos rios Tigre e Eufrates, naquelas bandas onde estava a Nínive do profeta Jonas, na paisagem onde se construiu a Torre de Babel e onde reinou Nabucodonosor, na terra onde se escreveu o código de Hamurabi e no cenário das aventuras de Gilgamesh. Agora vejo uma fotografia onde um funcionário da Biblioteca Nacional do Iraque, entre os destroços da seção de obras raras, recolhe livros queimados, arruinados. E descubro que o diretor Saad Estkander, impotente diante do descalabro, resolveu fazer um diário na internet narrando as coisas terríveis e estapafúrdias que ocorrem. Eu já estava, de alguma forma, familiarizado com a lastimável situação de algumas bibliotecas, a começar da nossa, quando a assumi e via livros empilhados pelos corredores ou expostos à chuva e à incúria. Na guerra que também travava, lembro-me que uma bala perdida caiu, certa manhã, a dois metros de minha mesa de trabalho. Mandei recolhê-la à seção de obras raras. Mas lembro-me também, no plano internacional, de quando recebi um espantoso comunicado expedido pelo diretor da Biblioteca Nacional da Rússia pedindo socorro, exatamente, socorro!, pois aquela instituição estava sendo espoliada e à deriva, logo que o comunismo desintegrou-se e não se sabia em que direção aquele país ia. Assim, um dos maiores acervos do mundo parecia ir a pique, num naufrágio titânico. Já tinha, na mesma linha, ouvido, em Moçambique, o ministro da Cultura me narrar que todas as bibliotecas do país haviam sido destruídas nos muitos anos de guerrilha. Mas essa outra notícia, agora, sobre o que está ocorrendo no Iraque é por demais perturbadora. Ali foram destruídos, com a guerra, 60% do material arquivado e 95% dos livros raros. Ou seja, a guerra arrasa tanto os monumentos de cal e pedra quanto as obras monumentais do passado. E o diário do acuado diretor da BN iraquiana vai narrando, por exemplo, que “o dia 3 de fevereiro foi um dos mais sangrentos. Um caminhão explodiu na área de Al Sadriya. Mais de 150 pessoas inocentes morreram e 250 ficaram feridas”. Nos dias seguintes, mais explosões, cortes de luz e água; noutro dia, desaparecimento de funcionário seqüestrado ou, até mesmo, o assalto ao ministro da Cultura, ao sair do banco, quando levaram todo o seu salário. E assim por diante. Fora isso, segue descrevendo uma outra guerra, a guerra da burocracia, menos barulhenta, mas mesquinha e danosa. Muitos de nós já vimos uma espantosa e ao mesmo tempo encorajadora foto tirada durante os bombardeios nazistas de 1940, em Londres. O cenário é uma biblioteca bombardeada, destelhada, mas, entre os destroços, três senhores, britanicamente vestidos, com capote e de chapéu, contemplam e examinam livros que restaram nas estantes. Como diz Alberto Manguel em Uma história da leitura, “eles não estão dando as costas para a guerra nem ignorando a destruição. Não estão escolhendo os livros em vez da vida lá fora. Estão tentando persistir contra as adversidades óbvias; estão afirmando um direito comum de perguntar; estão tentando encontrar uma vez mais – entre as ruínas, no reconhecimento surpreendente que a leitura às vezes concede – uma compreensão”. É isso que também cada um de nós procura entre as ruínas desta e de outras guerras. Outros textos do mesmo autor Um convite para ler Enviado por Alexandre Malvestio 02/08/2007 imprimir | enviar Portal Prêmio Vivaleitura - Fotos: Alexandre Fonseca Alunos da professora Jaqueline mostram seus livros favoritos Para trazer a leitura para a sala de aula e despertar o interesse pelos livros, uma professora de Manaus decidiu imprimir trechos de obras nas camisetas que os alunos usavam na escola. Eles passaram a ler e a comentar, enquanto isso ela aproveitava a oportunidade para apresentar o autor e ler outras histórias. Conheça esta história, que deu origem ao projeto Livro vivo. Jaqueline Maria de Souza Dias dá aulas para a 4ª série em uma pequena escola estadual em Manaus. São apenas cinco salas, que funcionam em uma casa alugada da Igreja. Por não dispor de biblioteca, a escola não recebe livros da Secretaria de Educação. Os poucos exemplares que existem ali são sobras da Coleção Biblioteca em Minha Casa. As crianças divertem-se com os textos e imagens impressos nas camisetas Como as crianças tinham pouco acesso aos livros, não se interessavam pela leitura. Jaqueline não sabia o que fazer para mudar a situação. Em certo momento, deu-se conta de que seus alunos sempre observavam com curiosidade as imagens que ela pintava nas suas próprias camisetas. Então resolveu imprimir, ali mesmo, textos de livros. Os alunos passaram a ler e a comentar. A professora aproveitava então a oportunidade para apresentar o autor e ler outras histórias. Assim, trouxe a leitura para a sala de aula. Na falta de uniformes, que não haviam chegado à escola, as crianças iam de camisetas brancas. Então Jaqueline teve a idéia de sugerir que seus alunos escolhessem as frases que gostariam de imprimir nas camisetas. Isso foi motivo para leituras e pesquisas. Todos os seus alunos passaram a usar camisetas com frases escolhidas de algum texto literário, prosa ou poesia. Houve um efeito multiplicador. Cada um fazia questão de apresentar o “seu” autor aos colegas. Agora eles organizam visitas a escolas para mostrar os detalhes dessa inusitada experiência de Jaqueline, que difunde o hábito da leitura por meio de verdadeiros “livros vivos”. Pode ler. Eu já li e gostei" Enviado por Alexandre Malvestio 26/07/2007 imprimir | enviar Agnes Augusto - Revista Nova Escola Março 2007 Quando eu era bebê eu era bonito? Em outros lugares os animais perguntaram a seus pais a mesma coisa, mas quando chegou na história do sapo a conversa foi outra. E se você quiser saber o restante desta história compre o livro: Como É que Eu Era Quando Era Bebê?” Luana, Lucas, André, Melissa, Giovanna e Laura estavam na pré-escola e, apesar de ainda não terem sido formalmente alfabetizados, já gostavam muito de histórias, como se pode ver no texto acima, criado por eles na Creche/Pré-Escola Central da Universidade de São Paulo (USP). Como todas as crianças que chegam aos 6 anos, eles tiveram a chance (no ano passado) de participar de um projeto de imersão no universo da leitura e da escrita que culminou com a produção de resenhas sobre as obras preferidas. Fernanda Sá O grupo escreve a resenha: um escriba passa para o papel as idéias e opiniões dos colegas sobre os livros prediletos “Um trabalho desse tipo é uma necessidade hoje, pois as crianças precisam ter acesso à norma culta desde cedo para poder ter uma participação social efetiva no futuro”, diz Beatriz Gouveia, coordenadora do Programa Além das Letras do Instituto Avisa Lá, em São Paulo. “Engana-se quem acha que isso é escolarizar a Educação Infantil, ocupando o tempo da brincadeira para ensinar conceitos e definições da língua. Assim como oferecemos experiências com música, arte e natureza, apresentar práticas sociais de leitura e escrita é algo que as crianças também têm o direito de vivenciar.” De fato, num país como o nosso, em que apenas 26% da população é plenamente alfabetizada e onde cada cidadão lê em média apenas 1,8 livro por ano (contra 2,4 na Colômbia, cinco nos Estados Unidos e sete na França), estimular a leitura desde os primeiros anos de escolaridade é uma importante missão da escola. Na Creche da USP, o contato com textos começa bem antes de a garotada aprender a ler e escrever. Os professores formam bons leitores utilizando livros de vários gêneros (contos de fada, contos modernos, lendas, mitos e fábulas) desde o berçário. A partir de 1 ano e meio de idade, todos podem pegar emprestadas obras na biblioteca. Não é de estranhar que, aos 6, essa turma consiga produzir resenhas. O projeto Indicação literária se encerra com a Feira Cultural do Livro. “O objetivo é que as crianças usem os textos para convidar familiares e funcionários a ler os livros de que elas mais gostam”, explica Clélia Cortez Moriama, coordenadora pedagógica. Em 2006, as professoras Andréa Bordini Donnangelo e Cláudia Elisabete Duarte Calado de Souza perguntaram: “Como podemos ajudar os visitantes da feira a ler nossos livros prediletos?” Surgiram respostas como apontar oralmente os mais apreciados e expor os exemplares da biblioteca. Elas, então, apresentaram as inconveniências dessas ações e propuseram a criação de textos curtos com informações sobre cada obra. As crianças manusearam catálogos de editoras, leram as resenhas com as professoras e se convenceram de que essa era uma boa solução. Na biblioteca, escolheram os títulos preferidos e, em grupos de quatro ou cinco, entraram em ação. Para começar, todos retomaram a leitura para relembrar a narrativa e discutir como produzir os textos. Cada grupo tinha um escriba, que passava para o papel o que era ditado pelos colegas. A primeira versão trazia informações como título, autor, editora e uma curta descrição. Em seguida veio a revisão – apenas uma resenha por dia para preservar as outras atividades de rotina. Primeiro, Andréa e Cláudia leram cada texto na íntegra e em voz alta. Depois, releram em partes, perguntando se havia algo a alterar. “Chamávamos a atenção para os erros de concordância e as marcas da oralidade, como né e tá”, explica Andréa. “A ortografia não é importante nessa idade”, complementa Cláudia. As modificações foram copiadas no quadronegro e uma criança de cada grupo anotou a nova versão. O objetivo era estimular o propósito social e comunicativo da escrita. Por fim, os textos foram colados em cartolinas colocadas na entrada da Feira Cultural do Livro. No dia do evento, os pequenos mostraram suas produções aos visitantes e alguns até compraram os livros indicados para ter um exemplar em casa. Fernanda Sá O Diário do Lobo e O Beijo: as indicações feitas pela garotada vão para o mural, onde são lidas pelos visitantes da feira do livro Novo mundo de letras e histórias a desbravar Enviado por Alexandre Malvestio 11/07/2007 imprimir | enviar Miguel Conde - O Globo - 8/7/2007 Isabel Assis, de 63 anos, e Maria da Conceição Nascimento, de 52, vestiram suas melhores roupas na tarde de sexta-feira (6/7) e saíram de casa para assistir à terceira mesa do dia na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). Embora sejam moradoras da cidade, elas nunca tinham ido a qualquer debate do da Flip. - Quem não sabe ler nem escrever não fica à vontade num lugar assim. Somos muito tímidas, achamos que é preciso ser chique para ver os escritores - justificou Conceição, que nasceu na Praia do Sono e durante a infância trabalhava numa mercearia com o pai. Recém-formadas num curso de alfabetização de adultos, em que, após sete meses de aulas, aprenderam a ler e também a escrever textos curtos, elas assistiram, a convite do Globo, ao debate entre o angolano Mia Couto e o brasileiro Antonio Torres, sobre a influência em seus livros dos lugares onde nasceram. Maria da Conceição (à esquerda) e Isabel. "Se a gente não lê, fica muito cega", disse Isabel. - Apesar de só agora ter aprendido a ler, acho esta festa muito boa para a cidade, principalmente para as crianças. Se a gente não lê, fica muito cega, sem saber das coisas. Não estudei, mas fiz questão que meus filhos fossem à escola. Hoje estão todos formados disse Isabel, ainda na entrada da Tenda dos Autores. Enquanto abria caminho entre os grupos reunidos em frente à bilheteria, ela anunciou que tem planos de ler muitos romances. - Mas só histórias de amor, nada de aventura esclareceu, com um sorriso, a dona de casa, que nasceu na região e aos 10 anos veio trabalhar como doméstica em Paraty. As duas se acomodaram na última fila do auditório lotado e permaneceram sérias, mãos cruzadas sobre as pernas, enquanto a platéia aplaudia e ria das piadas do mediador da conversa, o escritor angolano José Eduardo Agualusa. Meio perdidas com o sotaque carregado de Mia Couto, cujas intervenções acabaram escolhidas como os momentos para olhar em volta ou abrir um chiclete, elas ouviram concentradas as várias histórias contadas por Antonio Torres, e se animaram quando o baiano falou de sua infância e da própria alfabetização na cidade sertaneja de Sátiro Dias: - Meu avô não deixava minha mãe ir à escola, porque não queria que ela ficasse trocando cartas com os namorados - contou Torres, arrancando uma risada de Conceição. - Mesmo assim, foi ela que depois me ensinou a ler e escrever, na roça mesmo. Quando fui para a escola, a professora ficou maravilhada de ter um aluno que já era alfabetizado. Depois de um tempo, comecei, a escrever cartas para outras pessoas. Eu escrevia cartas de homens para suas namoradas, e depois lia para elas o que eu mesmo tinha escrito. Recebia meu pagamento em doces, era ótimo. - Ele falou coisas sobre a vida na roça que eu não sei passar, mas entendo bem - disse Isabel. - Eu troquei muitas cartas assim com meu namorado, que hoje é meu marido. "Muito engraçado, bom contador de histórias" Torres também fez as duas rirem quando falou do seu desespero, na adolescência, ao saber que seria transferido para uma escola só de meninos. - Gostei dele, é muito engraçado, bom contador de histórias - disse Conceição após a mesa. - Acho a literatura interessante, mas para dizer a verdade gosto mesmo é de ler a Bíblia. Ler os salmos você mesma, sem a ajuda de ninguém, é muito melhor, porque fica mais fácil meditar sobre o que está ali. Quem não sabe ler passa por todo tipo de problema, desde pegar o ônibus errado a não ter o que dizer quando os netos perguntam qual é a resposta de um dever. Ao se levantar, Isabel perguntou se podia levar os folhetos gratuitos, distribuídos na entrada, com trechos de livros dos dois autores. Já saindo da tenda, ela falou que gostaria de ir a mais eventos do tipo: - Eu ainda sou muito medrosa. Tenho que perder esse medo. Do lado de fora, as duas tomaram o rumo da sua festa de formatura, num clube da região onde iam se encontrar com os outros 26 alunos do curso, organizado em parceria entre a ONG Semear e a Eletronuclear, e coordenado pela psicóloga Cíntia Assis, filha de Isabel. - Na festa, eles também vão dar óculos para a gente enxergar de perto. Eu ainda tenho muita dificuldade de ler a Bíblia, porque não consigo ver direito as letrinhas - explicou Conceição, se despedindo. Um novo jeito de aprender Enviado por Alexandre Malvestio 05/07/2007 imprimir | enviar Portal MEC - Maria Clara Machado “Café com pão, café com pão, café com pão, café com pão”, lêem, numa só voz, alunos da 4ª série do ensino fundamental da escola municipal Reitor João Alfredo, em Recife. A leitura ritmada dá vida à locomotiva do poema Trem de Ferro, de Manuel Bandeira. Todos os dias, pela manhã e à tarde, a cena se repete na biblioteca da escola, quando os alunos escolhem o que querem ler. Desde 2005, a direção da escola, com os professores, resolveu estimular atividades de leitura em sala e visitas à biblioteca para que os alunos criassem o hábito de ler e escrever. Hoje, meninos e meninas já conseguem eleger suas histórias favoritas, sabem algumas de cor e ainda se arriscam como autores. “As rimas são brincadeiras para aliviar pensamento. Às vezes, penso bastante, às vezes sai no momento.” Os versinhos, feitos no ano passado, são das alunas Thereza Raquel da Silva e Jéssica Heleno, quando estavam na 4ª série. O cordel que fizeram está no livro Pequenos Poetas. Batizada pelos próprios alunos, a obra, recheada de textos dos jovens autores, é um dos resultados da iniciativa da escola, que integra o programa Manuel Bandeira de Formação de Leitores, da Secretaria Municipal de Educação de Recife. “A gente já estimulava os alunos a ler e, no ano passado, decidimos participar do programa da secretaria municipal. Agora, o projeto está mais estruturado”, conta a vice-diretora Elzanira Magno. O programa realizou um concurso para incentivar ações de formação de leitores, em que o projeto da escola Reitor João Alfredo foi um dos escolhidos. “Vamos receber R$ 25 mil para ampliar e equipar a biblioteca. Além disso, as produções dos alunos serão publicadas”, informa a vice-diretora. Estímulos — O programa prevê ações de estímulo à leitura e à escrita durante as aulas, com acompanhamento do professor, e na biblioteca, com auxílio dos mediadores — professores estagiários que ainda não concluíram a graduação. O mediador planeja atividades semanais com cada turma, de acordo com as preferências dos alunos, a faixa etária e a série que cursam. “Trabalhamos textos de Patativa do Assaré com alunos da 7ª série, para que refletissem sobre as diferenças entre a língua coloquial, usada pelo poeta, e o padrão culto da língua”, exemplifica a mediadora Rosinete Soriano. Ela tem 23 anos e cursa o 6º período do curso de letras. “Na semana que vem, vamos trabalhar o texto A Emília no País da Gramática, de Monteiro Lobato, com os alunos da 4ª série”, emenda Rosinete. Após iniciado o projeto, o número de empréstimos na pequena biblioteca cresceu bastante. “Os alunos não liam ou escreviam nada. Mas, só nos últimos dois meses, 570 obras foram emprestadas”, revela a mediadora. A escola atende cerca de mil alunos do ensino fundamental, distribuídos em dois turnos: matutino e vespertino. Colega de Rosinete, a mediadora Jozinete Vieira Corsino acha que os estudantes estão mais disciplinados depois que começaram a tomar gosto pela leitura. “Eles vinham à biblioteca só para brincar e fazer bagunça, mas agora ficam insistindo para lermos o que eles gostam mais”, ressalta Jozinete, que está no 8º período do curso de pedagogia. Empolgada com a mudança de atitude dos estudantes frente à leitura, Jozinete incentiva seus alunos a contar histórias, fazer dramatizações do que foi lido e a produzir textos. “Como o tema do ano passado foi Manuel Bandeira, os meninos sabem tudo da vida dele. Estudamos até os sintomas da tuberculose”, conta. “O poema que mais gostam é Trem de Ferro”, completa Jozinete. Cada mediador recebe uma bolsa de R$ 316 por 20 horas de trabalhos semanais Baú de Leitura Enviado por Galeno Amorim 31/05/2007 imprimir | enviar Prêmio Caixa Melhores Práticas em Gestão Local Era uma vez, em Retirolândia, lá no sertão da Bahia, um menino muito triste chamado Antônio Jorge. Todos os dias, ele acordava antes do sol e ia para a roça com o pai, trabalhar na plantação de sisal. A manhã passava, o sol esquentava, e Antônio o tempo todo cortando a palha: - “Às vezes me cortava com os espinhos, o trabalho lá é difícil”. A comida na casa de Antônio era bem pouquinha: “Farinha e, de vez em quando, uma carninha”. Mas nada o deixava tão triste quanto o fato de nunca poder ser criança: “Não sabia o que era brincar, estudar...” Crianças e os livros do Baú de Leitura: valorização da cultura regional e combate ao trabalho infantil A mesma tristeza do Antônio se espalhava por outras cidades do sertão baiano. Como ele, muitos meninos e meninas sofriam, trocando a infância pelo trabalho precoce. Até que um dia, a vida dessas crianças começou a mudar. Primeiro chegou o PETI, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil. Finalmente, Antônio e toda criançada dos campos de sisal estavam livres do trabalho. Tinham tempo de brincar e estudar. Foram para escola e passaram a receber uma bolsa do governo. Mas, depois de perder quase toda a meninice, é difícil ir para a sala de aula: “Eu não gostava muito de ler e não estudava”, lembra Antônio. Foi então que surgiu mais uma novidade que encantou aqueles meninos. Um baú! De sisal. A palha agora não representava mais trabalho e sim um tesouro que ela guardava: livros. Era o Baú da Leitura, revolucionando a história de Antônio Jorge: “Descobri um novo mundo e o que mais me emociona é a diferença que o baú trouxe na minha vida.” Antônio Jorge Santiago, 15 anos: “Minha autoestima melhorou, com o estudo, a pessoa passa a ser um cidadão” O Baú da Leitura é um projeto desenvolvido pelo Movimento de Organização Comunitária (MOC) desde 1999. Hoje, reúne as parcerias do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), do Governo Federal, do governo da Bahia e prefeituras municipais; além da empresa privada Omicron Eletronics e da ONG Cordaid, com sede na Holanda. A CAIXA atua nesse projeto repassando recursos do governo federal. “A pessoa que não lê está isolada do mundo”. A observação parte do secretário executivo do MOC, Adilson Baptista, recordando a situação encontrada nas escolas rurais antes do Baú da Leitura. Não havia livros de literatura infanto-juvenil e, mesmo que houvesse, os professores não sabiam como despertar o gosto das crianças pelas letras. Eles próprios não liam. O Baú da Leitura surgiu, então, como uma estratégia do PETI. Associados às atividades lúdicas, os livros seriam a isca para atrair as crianças para a escola. Baú de Leitura: estratégia para atrair crianças de volta à escola A experiência começou em 1999, em cinco municípios baianos, com apenas 15 baús. “Após quatro anos, temos 700 baús e o mesmo número de educadores treinados” – contabiliza a coordenadora pedagógica do MOC, Jussara Secondino. Outra função do baú é resgatar a identidade e culturas locais por meio das cantigas, lendas, danças e demais manifestações folclóricas. Os livros são sempre adequados à realidade de cada lugar. “Quando o sujeito se sente envolvido, percebemos que o projeto é mais duradouro” avalia a coordenadora Jussara. Antes das crianças, os professores precisam ser sensibilizados. Nos cursos de formação do MOC, eles tornam-se leitores e aprendem como trabalhar com as crianças para que, a partir da leitura, possam se expressar por linguagens diversas, como o teatro, a dança ou a poesia. Após o treinamento, cada professor recebe um baú com livros de histórias infantojuvenis e material didático de apoio a seu trabalho. Os baús são itinerantes, circulando pelas diversas escolas que participam do projeto. São também divididos em três eixos: identidade e cultura local, relação com o meio ambiente e relações sociais. Laudércio Carneiro, 16 anos: “É muito triste trabalhar novinho. Hoje minha vida mudou. Depois do baú estou conhecendo o mundo sem sair do lugar” “É um trabalho que a gente desenvolve e dá muito gosto e, quando a gente desenvolve com amor, o retorno das crianças vem em dobro”. O testemunho é da professora Ana Paula, coordenadora do projeto em Retirolândia. Na zona rural, é comum os alunos chegarem à escola tímidos, mudos, cabisbaixos. Mas com o Baú da Leitura, eles se transformam. A professora Ana Paula até chora ao se lembrar de Moisés: “Quando nós começamos a fazer o trabalho com o baú, ele achou que não ia conseguir”. A professora conta que o menino tinha medo de se apresentar, suava frio, mas quando chegou a hora... “Eu disse pra ele não dar ouvidos se alguém risse e empurrei. Ele fez sua participação e não gaguejou. Saiu radiante e contagiou toda turma. A partir daí, o Moca – apelido do garoto – foi sempre o presidente do grêmio estudantil da escola”. Paixão pelos livros Enviado por Alexandre Malvestio 24/05/2007 imprimir | enviar Carla Dutra - Porto Alegre - Zero Hora - 18/11/2006 Da casa do pintor de paredes Roberto Carlos Sampaio Guedes, a paixão pelos livros conquistou o bairro Empresa, na periferia de Taquara, e se espalhou pela cidade. Tanto que, hoje, o ponto de encontro de crianças e adolescentes do bairro não é um bar da moda ou um posto de combustíveis, como ocorre em boa parte das cidades do interior. Depois das aulas, no fim da tarde, é para a Associação Amigos do Livro, vencedora do Prêmio Fato Literário 2006 (júris popular e oficial), que todos acorrem. Aos 45 anos, o fundador da biblioteca não se dá por satisfeito. Já fez contato com um morador de Parada Baixa, no interior do município, para onde pretende enviar 2 mil volumes. — Temos livros repetidos, e não há por que acumular se em outros lugares tem gente que gostaria de ler mas não tem acesso — explica. Os livros que irão para lá não figuram entre os 17 mil disponíveis na biblioteca recentemente inaugurada ao lado da casa de Roberto Carlos. São exemplares que ele mantém em casa, boa parte dentro de uma geladeira desativada. — Ainda tenho que restaurá-los — explica. Desde a inauguração da nova sede, em setembro, as visitas à biblioteca não param. Se antes os leitores conquistados por Roberto Carlos tinham que disputar o pequeno espaço da casa do pintor, agora a atração são as dezenas de estantes bem organizadas, dispostas em 94,8 metros quadrados. A qualquer hora do dia, o lugar é tomado por crianças e adolescentes. Quando chegam duas, três ou quatro turmas de escola de uma só vez, não há lugar que não sirva para uma boa leitura. Sentados nos degraus da escada que dá acesso ao Espaço Clarice Pacheco, onde está a literatura infanto-juvenil, ou em qualquer outro canto da biblioteca, os pequenos leitores devoram as palavras. Até quem ainda não consegue juntar as letras aproveita bem cada um dos exemplares que tem em mãos. Miro de Souza Na sede da associação, no bairro Empresa, em Taquara, Roberto Carlos oferece, além da biblioteca, aulas de xadrez, violão e teatro — Nossa, esse cavalo é bem legal — diverte-se o entusiasmado Vanderlei Marques, cinco anos. São 10h de uma terça-feira e os amigos Rafael, sete anos, Cleciane, sete, Igor, oito, Suelen Cristine, oito, e Michele, nove, estão concentrados na leitura de seus livros. — A gente lê aqui e também leva para casa. Estamos na biblioteca todos os dias. Não me lembro do bairro sem ela — conta Michele, referindo-se ao tempo em que a casa do pintor era aberta aos moradores. Minutos depois, Luiza Stein, sete, junta-se ao grupo. — Eu moro dentro da biblioteca — conta com orgulho a menina, que, de segunda a sexta, mora na casa do pintor para estudar, e apenas nos finais de semana vai para a casa dos pais. Em seguida, o silêncio é quebrado pela chegada de aproximadamente 40 jovens. Acompanhados por seus professores, tomam as dependências da biblioteca e vasculham tudo. Alguns são freqüentadores assíduos, outros aproveitam o passeio da escola para conhecer o lugar. — Antes a gente não tinha muita oportunidade para retirar livros, pois no colégio não há tantos exemplares. Aqui a gente sempre encontra o que precisa — contam as colegas Bruna Descovi e Luana Piacentini, ambas de 12 anos. Luana também aproveita o espaço para fazer aulas de teatro: — É bom porque ajuda a perder a vergonha para as apresentações na escola. A associação abre as portas às 7h e só fecha por volta da meia-noite. Com parte dos R$ 50 mil ganhos com o Fato Literário, o pintor de paredes já trabalha para cobrir o corredor externo, que fica ao lado da biblioteca. A intenção é disponibilizar exemplares em um local que possa ficar aberto 24 horas por dia. — Assim, o pessoal que sai das fábricas de madrugada pode passar aqui e retirar livros. Eles já me pediram isso — explica. Esse não é o único plano relativo ao dinheiro do prêmio. Roberto planeja comprar pelo menos dois computadores e construir uma sala da curiosidade — um espaço com aquário e réplica de animais que deverá servir como um chamariz para as crianças. A idéia é que, pelo interesse no que terá na sala, novos leitores se aproximem do mundo das letras. A aquisição de instrumentos musicais — para ampliar as aulas de violão que já ocorrem na associação — e de literatura infanto-juvenil também é planejada. — É o que mais faz falta. De cada 48 livros retirados aqui, 42 são por crianças. Mas nós temos poucos livros infantis — comenta Guedes. Um dos ilustres frequentadores da associação é Gabriel de Souza Martins, 10 anos. O menino, aluno da quarta série de uma escola pública, visita a biblioteca mais de uma vez por dua e já ganhou uma medalha por redigir a melhor redação do Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência. — Gosto de gibis, livros e revistas como a National Geographic e a Superinteressante — conta Gabriel. Cantinhos da leitura Enviado por Galeno Amorim 15/05/2007 imprimir | enviar André Bezerra - Correio Braziliense - 29/04/2007 Paulo H.Carvalho/CB José Humberto: "Ler é prazer, ler é dialogar com o mundo do conhecimento. É uma luta que vale a pena" No meio do vaivém da movimentada feira de Planaltina, uma pausa para um romance. À espera do atendimento na oficina mecânica, um conto ou uma crônica. E um pouco de filosofia ou poesia para folhear na cadeira do salão de beleza. A idéia do professor do ensino fundamental José Humberto Brotas, 52 anos, é levar a leitura para todos os cantos de Planaltina. Por isso, o professor Tibica, como é conhecido na comunidade, reuniu mais de 500 livros e criou cinco pontos de leitura informais na cidade. E as opções são muitas. Livros infantis, infantojuvenis, literatura e também ensaios. “O que queremos é levar a cultura às pessoas. Por isso, temos de levar a leitura para onde o povo está”, comentou. Com o Cantinho da Leitura, salões de beleza, oficinas mecânicas, restaurantes e até as barracas da feira se tornam pontos onde a população tem acesso fácil e gratuito a livros de vários tipos. “Há tempos vinha pensando em alguma forma de contribuir para suprir a carência de cultura na cidade. Muita gente tem vontade de conhecer coisas novas, de aprender, mas não tem acesso”, afirma o professor Tibica, que mora em Planaltina há 36 anos e leciona há mais de 20 no Centro de Ensino Fundamental 1, o Centrinho. Formado em agronomia, José Humberto se tornou docente para levar às crianças o conhecimento que adquiriu sobre ciências naturais. “Ninguém é o mesmo após ler um livro. A leitura é uma experiência engrandecedora, que transforma as pessoas”, acredita. O projeto foi inspirado na iniciativa do açougue cultural T-Bone, na Asa Norte, onde existe uma biblioteca aberta à comunidade. “Se deu certo no Plano Piloto, pode dar certo também em Planaltina”, torce. Há algum tempo, ele chegou a montar uma biblioteca comunitária em uma igreja, mas acabou desativada porque o espaço foi devolvido. O lançamento do Cantinho da Leitura ocorreu ontem pela manhã, na feira de confecções, na Lanchonete Central, em parceria com o Clube do Livro de Planaltina, uma ONG. Tibica montou duas estantes com quase 150 exemplares, que ficarão permanentemente próximas ao balcão do estabelecimento. “É simples o funcionamento. Não precisa pagar nada, não tem que se cadastrar. Os livros estão disponíveis, é só pegar e ler. Só não pode levar para casa, para que os livros possam servir a mais pessoas”, explica. Entre os destaques, uma edição original de Gabriela Cravo e Canela, de Jorge Amado, publicada em 1964. “Esse é um dos meus favoritos”, revela Tibica. Idéia aprovada “Achei uma grande idéia. Quem quiser sentar aí para tomar um refrigerante, uma cerveja, pode aproveitar para aprender alguma coisinha”, opina José Maria Aguiar, dono da Lanchonete Central. A parceria com o comércio local foi essencial para concretizar o projeto. “Os lojistas abriram um espaço sem cobrar nada em troca, apenas por acreditar na causa”, afirma Tibica. “Quando eu tiver um tempinho, também vou aproveitar para dar uma lida”, afirma um dos parceiros, o cabeleireiro Paulo José Soares, do Salão Alto Astral. A comunidade, apesar da timidez, demonstrou interesse. “Muito bom ter alguém que se preocupa. Acho que isso vai ser bom para os jovens lerem mais”, diz a aposentada Maria de Lourdes Regina, 67 anos, que fazia compras na feira e ficou curiosa ao ver a movimentação em frente às estantes do professor Tibica. Ela mesma se prontificou a separar vários títulos guardados em casa, tirar a poeira e entregá-los ao projeto. “Vou ver se tem umas histórias de amor”, empolgou-se a doméstica Cida Soares, 25 anos. Francisco Dutra, presidente da associação dos feirantes, elogiou e já pensa em criar um espaço cultural na feira. “Acredito que a feira também pode se tornar um local para a arte e a cultura. Nossa intenção agora é abrir um espaço para apresentações de música e teatro”, adianta. Professor Tibica, cujo apelido tem origem num conto indígena, quer agora que mais lojas se abram para os livros e espera mais doações da comunidade. “Ler é prazer, ler é dialogar com o mundo do conhecimento. É uma luta que vale a pena”, conclui. SONHO DE TODOS Os livros do Cantinho da Leitura estão disponíveis em cinco endereços. Na Academia Gallus, eles podem ser emprestados aos usuários. Quem quiser mais informações ou fazer doações de livros pode entrar em contato pelos telefones (61) 3389-4063 ou 9995-0153. - Lanchonete Central (Zé Maria) Feira de confecções de Planaltina, ao lado da Igreja Adventista - Salão Alto Astral (Paulo) Quadra 3, conjunto H, Lote 21, Buritis I - Oficina Rodocar (Marcelo) Quadra 5, conjunto A, casa 20, Buritis I - Salão do Alírio Rua Paraná, Q 88, casa 1, Setor Sul - Academia Gallus (Amilton) Ao lado da Igreja da Matriz Paixão por Livros Enviado por Inajá Martins 17/04/2007 de Almeida imprimir | enviar Durante a 3ª Feira do Livro da cidade de Ribeirão Preto – agosto de 2002 – quando então Coordenadora do Projeto Bibliotecas do Programa Ribeirão das Letras da Secretaria da Cultura, deparei-me com uma pergunta que me fez repensar sobre meu papel dentro da Biblioteconomia. Num dos estandes, uma das livreiras, questionando minha paixão pelos livros, perguntou-me o porquê haver escolhido tal profissão, dado o entusiasmo com que desempenhava as atribuições que me foram conferidas e a familiaridade com que tratava o livro. Parei um momento; jamais pensara nisso – era-me natural estar entre livros – porém, mesmo tomada de sobressalto, rapidamente respondi-lhe, formulando um conceito que passei a incorporar em meu currículo: – Em primeiro lugar, tornei-me Bibliotecária por opção – sim, opção – porque pensara seguir a área da advocacia. Entretanto, por falta de opção de escola em minha cidade, e pela dificuldade em ausentar-me dela, optei por Biblioteconomia e Documentação; em segundo lugar, por paixão – pois não fora difícil apaixonar-me pelas aulas de literatura, história do livro, cultura artística e científica e tantas outras, magistralmente ministradas pela drª e profª Carminda Nogueira de Castro Ferreira – Dona Carminda, como carinhosamente a tratávamos – assim como pelas inúmeras matérias técnicas; em terceiro e último, por convicção – sim, convicção – posto que, decorridos os anos, já não pudera mais optar por outra formação a não ser a de Bibliotecária. Estava convicta de que optara pela profissão certa. A advocacia entraria em minha vida sob formas várias – nas organizações de bibliotecas, nas assessorias junto a advogados, nas empresas em que atuava. Ah! Os livros - desde cedo acostumeime aos livros – amava-os – eles me desvendavam horizontes inimagináveis; proporcionavam-me quebrar barreiras, abrir portas, aprender, criar, deslumbrar, vibrar. Eles – os livros – levavam-me mais longe ainda; agora eu podia tê-los, em grandes quantidades, nas mãos. Era-me dado o direito de passear através dos seus conteúdos; conhecê-los, estudá-los, transformá-los numa linguagem informacional, para, então colocá-los nas mãos dos leitores, seus usuários. Além do mais, a leitura me levava à escrita, quando, então, passo a escrever textos e divulgálos através da internet, com vistas à edição de meu primeiro livro ainda para este ano de 2007. Nessa jornada – entre livros – passei por diversos tipos de bibliotecas, tanto particulares quanto de empresas pequenas e grandes, assim como escolares – desde a infantil, juvenil a universitárias. Universos que se descortinaram à minha frente, para me fornecerem subsídios nos diversos saberes do conhecimento humano. Além do mais, minha formação em Biblioteconomia possibilitou-me participar da implantação de bibliotecas, dentro do Programa Ribeirão das Letras, da Secretaria da Cultura da Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto, num período de trinta meses, que, embora célere, transformou minha vida profissional – abriu-me novas perspectivas no grande leque da palavra e do saber. Projeto ousado, cujo idealizador, o jornalista, professor e então secretário da Cultura, Galeno Amorim, vislumbrava a implantação de 80 bibliotecas em locais onde se fazia necessário. A mim, como coordenadora, competia desenvolver projetos ligados à contratação e capacitação de estagiários, estímulo e incentivo à leitura e, principalmente, à abertura de bibliotecas. Nesse momento, voltava ao passado e rememorava minhas aulas de referência bibliográfica na então Escola de Biblioteconomia e Documentação de São Carlos (atual UFSCar) no início da década de 70, quando nos era apresentado um personagem ilustre que marcou seu tempo, ao abrir bibliotecas e formular a célebre teoria sobre as Cinco Leis da Biblioteconomia: Shialy Ramamrita Ranganathan. Pude, então, perceber que: “O que foi é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer; nada há, pois, novo debaixo do sol. Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Não! Já foi nos séculos que foram antes de nós. Já não há lembrança das coisas que precederam; e das coisas posteriores também não haverá memória entre os que hão de vir depois delas”. (Eclesiastes 1:9/11). Assim como nada é novo, criar bibliotecas, voltar-se para o papel da leitura na formação do cidadão, já fazia parte dos anseios de Ranganathan, quando, preocupado com o ensino e pesquisa em seu país, promove campanha para melhorar a biblioteca da Universidade de Madras, na Índia. Essa ocorrência, contudo, iria mudar o curso de sua vida, assim como da Biblioteconomia em si, nos idos 1916. Semelhantemente a esse fato, os quatro anos – 2000 a 2004 – serviriam também para transformar o ritmo de uma cidade interiorana de porte médio – Ribeirão Preto. Foi um momento “efervescente”, segundo Galeno Amorim, onde se falava em livros e bibliotecas na mesma proporção em que projetos culturais se desenvolviam nos quatro cantos do município. A imprensa então noticia: – “projeto multiplica número de livros em Ribeirão e muda o padrão de leitura da população”; este era o Programa Ribeirão das Letras. Se o curso da vida de Ranganathan, a partir desse momento, tomaria outros rumos, não fora diferente para Galeno Amorim, tampouco para mim. Galeno alça, então, vôo alto, como só as águias podem fazê-lo. Sua genialidade e criatividade possibilitalhe estreitar laços quando nos disponibiliza o Blog do Galeno; eu, contudo, juntamente com alguns incentivadores da leitura, formamos a ONG Educare est Vita, com alguns projetos em andamento e, neste momento, estou aqui, no blog, mostrando aonde minha paixão pelos livros me trouxe e, tenho certeza, muitas surpresas ainda nos esperam, tanto ao Galeno quanto a mim. Acesse: http://www.ima.filosophos.com. Sobre Barcos e Letras Enviado por Galeno Amorim 16/03/2007 imprimir | enviar Revista Bravo - Edição de Fevereiro de 2007 Narrativas de exploradores, poemas ou relatos de simples navegantes impeliram Amyr Klink ao mar sem fim de que falava Fernando Pessoa. "Eu tinha uma ligação emocional com muitas histórias que lia, mas nunca imaginei que um dia fosse vivê-las. Sem querer, os livros foram desenhando um caminho", diz. Homem de ação, Amyr navegou mais de 400 mil quilômetros, circunavegou o globo sozinho, conheceu os dois pólos, esteve mais de uma dúzia de vezes na Antártica, passou o inverno no Pólo Sul, remou da África ao Brasil... Homem de palavras, traduziu todas essas experiências em livros - o mais recente é Linha D'Água, sobre a construção de seu veleiro Paratii 2 - , abastecendo, assim, a própria fonte onde havia bebido. Casado, pai de três meninas, Amyr relembrou em uma tarde de verão, em seu escritório no bairro paulistano do Brooklin, o caminho que os livros traçaram em sua vida. BRAVO!: Queria que você falasse um pouco sobre o livros que lhe foram importantes, que o ajudaram a moldar seu caráter, o instigaram a se lançar ao mar. Amyr Klink: No Linha d'Água começo o primeiro capítulo contando como descobri o mar. Eu o descobri lendo, não morando em Paraty, no litoral do Rio de Janeiro. Se não fossem alguns livros, estaria com cracas nas canelas de tanto andar à beira-mar. Não teria ido ido a lugar nenhum. É muito fácil se acomodar com a beleza do lugar, com a fartura de mar, de matas. Eu também tinha trauma do mar. Uma vez meu pai me levou, com meus irmãos, ao Guarujá, litoral de São Paulo, e eu tomei uma onda na areia que me derrubou. Só mais tarde, por meio dos livros, é que me interessei pelas viagens marítimas. Qual foi o marco para você? Um dos livros que me influenciaram bastante foi o dos franceses Sally e Jérôme Poncet, o Grande Inverno. Porque na época em que eu trabalhava com leite, com gado, com vaca, não sei o quê, eu conheci o barco deles. Eles ficaram meses em Paraty juntando mantimentos, pescando para passar o inverno na Antártica. E achei tudo aquilo interessante porque até então o que eu conhecia de um barco a vela era que ele pertence a um velejador, que é de um clube de grã-finos, que sai uma vez por ano e faz umas regatinhas aos finais de semana... mas não viaja. E são embarcações hiperluxuosas e tal. Já esses barcos como o do casal Poncet eram diferentes: enferrujados, os caras moravam dentro. Eles próprios os construíam. Eram feitos para o mar, exatamente para isso. Fascinante. Era uma gente que não tinha nem US$ 50 no bolso, mas que sabia viver. Esse encontro aconteceu quando? Eu tinha uns 20 anos, foi em 1975. Fiquei encantado. Anos depois, saiu o livro Le Grand Hiver, o Grande Inverno. Esse livro foi traduzido para o português muito tempo depois, mas por uma editora do Rio de Janeiro que fica circunscrita a uma única loja. Essa editora teve um incêndio, o estoque de livros queimou. E não foi reeditado. É um livro que me marcou bastante. Do que exatamente trata a obra? Quando eu vi o livro, achei que seria mais um desses relatos de aventura, de histórias espetaculares, de escapadas por um triz. Como é essa literatrura de aventura, quase sempre de baixa qualidade literária - e não estou falando do valor do relato. A Saly, ao contrário, fez uma obra que é quase uma poesia, desmistificou um pouco essa história de aventureiros, de riscos e perigos. Ela usou o livro para contar a beleza que foi a experiência do casal. Eles fizeram uma viagem absolutamente inédita e ousada. Quando nenhum veleiro ia para a Antártica, eles foram para o lugar mais fundo. Atiraram-se no precipício do desconhecido para escolher um lugar para passar o inverno. Ninghuém sabia se um barco era destruído ou nao pelo mar no inverno antártico. Foi uma ousadia, uma obra de um desprendimento ímpar. Saly ficou grávida e aí resolveu ter o filho na Geórgia do Sul, que na época não era habitada por ninguém. Foi um livro num tom intimnista, de descoberta interna, e não a narrativa de um feito espetacular, de "agora vamos para o Guinness", estupidez que, infelizmente, atrai o interesse dos leitores. E você acabou não só escrevendo seus próprios relatos de viagens como também editou muitos livros sobre expedições, como as de Roald Amundsen, Robert Scott etc. Sim, muitos dos livros que você citou sobre a Antártica fui eu quem editou ou indicou à editora. O Grande Inverno é um que eu gostaria de indicar. Hoje, não sei quem tem os direitos de tradução. Estou fazendo isso há 20 anos. Um exemplo é O Último Lugar da Terra [de Roland Huntford, que reconstitui a disputa pelo Pólo Sul, nos anos 10, entre exploradores ingleses sob o comando de Robert Scott, e noruegueses, liderados por Roald Amundsen]. Assustador. São 700 páginas, mas você não consegue largar. A técnica de narração é interessante, alimentada pelos diários. Scott tinha a pena de um escritor muito bom, escrevia muito bem. Mas fica claro o antagonismo dos grupos. Os noruegueses, movidos pela paixão; os ingleses, por um ufanismo bobo. Qual foi o primeiro livro indicado por você? A Expedição Kon-Tiki, de Thor Heyerdahl [em 1947, o antropólogo norueguês Heyerdahl navegou do Peru à Polinésia numa espécie de jangada feita nos moldes daquelas usadas por antigos povos peruanos. Queria provar que civilizações sulamericanas podiam ter cruzado o oceano e povoado ilhas do Pacífico]. Eu tinha 12 anos quando li e me impressionei profundamente. O livro foi lançado no Brasil em 1949, 1950. Nos anos 80, foi relançado por grandes editoras no mundo. Eu procurei minha ediçãozinha velha, já desmoronando, e pensei: por que não a relançar por aqui? Eu estava com um certo cartaz na Editora José Olympio por causa do Cem Dias Entre Céu e Mar [primeiro livro de Amyr, best seller com mais de 500 mil esxemplaqres vendidos] e criamos um selo. Um dia, ligamos para o Thor Heyerdahl. Ele morava na Itália e falou: "Claro, pode lançar. O que precisa assinar?". Não teve contrato, não teve burocracia, nada. Você estudou literatura franfcesa, tem mais de três mil títulos em sua biblioteca, já chegou a levar meia tonelada de livros em seu barco. Hoje, que quantidade você costuma levar e quais as últimas aquisições? Eu levo, no mínimo, uns 150 livros nas viagens. Preciso fazer uma estante elevada na minha cabine, mas ainda não consegui. Gosto de levar livros que contaminem as outras pessoas, mas não há tanto temnpo para ler como se imagina. Acho que um dos últimos que comprei foi um sobre identificação de aves. E poesia? Li os poetas brasileiros. Os românticos Álvares Azevedo e Fagundes Varela são aguns dos autores de que mais gosto. Em prosa, sempre adorei Campos de Carvalho, o considero o melhor texto em português. Minha mãe gostava muito de A Lua Vem da Ásia, que ele lançou em 1956. O título de um de seus livros, Mar sem Fim, é uma citação de Fernando Pessoa, não? Sim, do poema Mensagem: "E ao imenso e possível oceano/Ensinam estas Quinas, que aqui vês,/Que o mar com fim será grego ou troiano/O mar sem fim é português". O mar com fim do poema é o Mediterrâneo, o sem fim, o resto do mundo...