........................ -1- ........................ João Gabriel da Fonseca Mateus ESCRITOS SOBRE A IMPRENSA OPERÁRIA DA PRIMEIRA REPÚBLICA VirtualBooks -1- ........................ © Copyright 2013, João Gabriel da Fonseca Mateus. Capa: Diney Vasco 1ª edição 1ª impressão (2013) Todos os direitos reservados, protegidos pela lei 9.610/98. Nenhuma parte desta edição pode ser utilizada ou reproduzida, em qualquer meio ou forma , nem apropriada e estocada sem a expressa autorização do autor. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) _____________________________________________ Mateus, João Gabriel da Fonseca ESCRITOS SOBRE A IMPRENSA OPERÁRIA DA PRIMEIRA REPÚBLICA. João Gabriel da Fonseca Mateus. Pará de Minas, MG: Editora VirtualBooks, 2013.14x20 cm., 191 p. ISBN 978-85-7953-973-2 1. Jornalismo. 2. Luta política na imprensa anarquista e operária brasileira. 3. Jornais do proletariado brasileiro. 4.História. 5. A educação e o anarquismo no Brasil. Título. CDD- 070 ____________________________________________ Livro editado pela VIRTUALBOOKS EDITORA E LIVRARIA LTDA. Rua Porciúncula,118 - São Francisco Pará de Minas - MG - CEP 35661-177 Tel.: (37) 32316653 - e-mail: [email protected] http://www.virtualbooks.com.br -2- ........................ AGRADECIMENTOS Ao longo do tempo em que este texto foi escrito acumulei um bom número de dívidas de gratidão. Assim, o espírito coletivo deste trabalho me deixa na obrigação de agradecer algumas pessoas que me auxiliaram no processo de sua constituição. Sendo assim, remeto meus sinceros agradecimentos: À Sônia Lobo, minha orientadora da monografia, que com toda paciência acolheu meu pedido de orientação, as justificativa de meus atrasos, me deu total independência teórica e de estudos e foi comigo até o fim com leituras atentas e comprometidas; meu grande amigo e companheiro de luta Deivid Carneiro pelas conversas sobre essa “sociedade cancerígena”; Rafael Saddi pela atitude libertária que carrega em si de forma singular e por toda ajuda na orientação deste texto; Luiz Aurélio Bueno Neves, companheiro que durante nossos dias de pesquisa no Arquivo Edgard Leuenroth propiciou várias conversas proveitosas sobre as nossas pesquisas; ao Arquivo Edgard Leuenroth (AEL), em especial Marina Rabelo, Maria Dutra de Lima, Humberto Innarelli, Ana Paula e Ricardo Biscalchin, trabalhadores desse arquivo que foram prestativos e pelo auxílio nos dias de coleta das fontes; ao casal Reginaldo e Sirlene Noleto pela estadia e pelos dias agradáveis na cidade Campinas/SP; Felipe Corrêa da Federação Anarquista do Rio de Janeiro e Thiago Lemos do Grupo de Estudos Sobre Anarquismo de Patos de Minas pelas indicações bibliográficas disponibilizados por eles e que aqui foram utilizados; ao “anarco-peruano” Juan Chacón, companheiro libertário que com nossas conversas ébrias contribuiu e muito ao longo da escrita do texto e fez gentilmente as correções gramaticais a pedido da banca; a Luiz Eduardo Bacural; A Diney Vasco por produzir a capa; a todos meus companheiros autogestionários, em especial, Marcos Ataídes, Reinaldo Souza, Edmilson Marques, Nildo Viana, Cleito Pereira; Lisandro Braga e Lucas Maia que tem a -3- ........................ essência de verdadeiros militantes: a amizade e a solidariedade libertária. Impossível seria esquecer-se da minha família: meu pai João Batista, um sincero e humilde homem que me inspira cotidianamente no meu modo de agir diante dessa humanidade desumana; minha mãe Mary Lane, pela paciência às minhas ausências familiares, pelo carinho e pelo amor enorme que tem pelo “filho anarquista”; minha irmã Gisele que, quem sabe, trilhará pelos complicados e tortuosos caminhos da docência; aos meus “prirmãos” Marcílio Júnior e Vinícius Mateus; ao meu primo “anarcólogo” Munís Alves pelos debates sobre anarquismo e com as leituras de seu blog fez com que eu direcionasse meu olhar para outras questões que até então estavam despercebidas; ao tio Mariozan (in memoriam) pelas agradáveis conversas que tive quando saía de Goiânia para ter paz de estudo na sua casa; aos demais familiares. Muitos ficaram e estes se sintam agradecidos. Eis aqui meus singelos agradecimentos aos que a falha memória me propiciou. No mais, todos vocês foram imprescindíveis nesse trajeto tortuoso, sofrível e, enfim, realizado. -4- ........................ DEDICATÓRIA (...) Ao povo pobre e trabalhador! (faixa 3 Quem é esse homem do capítulo II do disco Balões de Ar - banda Señores) -5- ........................ LISTA DE ABREVIATURAS ADS – Aliança Democrática Socialista AEL – Arquivo Edgard Leuenroth AIT – Associação Internacional dos Trabalhadores CGT – Confédéracion Géneral du Travail (Confederação Geral do Trabalho) COB – Confederação Operária Brasileira FORA – Federação Operária Regional Argentina FOSP – Federação Operária de São Paulo FRE - Federación Regional Española FTRE - Federación de Trabajadores de la Región Española IFCH – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas PCB – Partido Comunista Brasileiro UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas UTG - União dos Trabalhadores Gráficos -6- ........................ SUMÁRIO Resumo / 11 Prefácio: “Ação direta ensina a viver sem tutela”: o aspecto pedagógico da luta política na imprensa anarquista e operária brasileira – Thiago Lemos Silva. / 13 Introdução / 17 CAPÍTULO I / 1.1. Estado atual dos conhecimentos / 26 1.2. Delimitação teórico-metodológica e conceitual / 39 CAPÍTULO II Contexto do proletariado brasileiro na Primeira República / 53 2.1. Imigração, formação do operariado e condições de trabalho / 53 2.2. Sociedades de resistência, sindicatos e imprensa operária / 58 2.3. De A Lanterna à A Plebe / 63 2.4. Edgard Leuenroth: breve biografia de militante anarquista / 69 2.5. A constituição da Semana Trágica / 74 2.6. Do dia 9 a 16 de julho: a Semana Trágica / 78 CAPÍTULO III A Plebe e a ação política pedagógica da ação direta / 85 3.1. “Trabalhador forte e fecundo” / 85 3.2. Pela ação direta: “Rumo à Revolução Social” e “Em nome do Povo, não!” / 87 -7- ........................ 3.3. Contra a Igreja e o clericalismo / 91 3.4. A Plebe durante a Greve Geral / 92 3.5. A Plebe após a Greve Geral / 97 3.6. Pictografia como recurso educacional / 104 3.7. Poesias libertárias / 112 3.8. A influência das Escolas Modernas e indicações bibliográficas / 116 3.9. A “Gazetilha de Satan” critica com sarcasmo / 119 Considerações Finais / 121 Fontes para Pesquisa / 122 Jornais / 122 Referências Bibliográficas / 123 Apêndices / 133 O comunismo anarquista do jornal Spártacus (1919 –1920) / 134 Referências / 152 Jornais / 152 Bibliografias / 153 La prensa operaria en Brasil: la importancia de los periódicos libertários / 156 O sindicalismo revolucionário como estratégia dos Congressos Operários (1906, 1913, 1920) / 160 Nas páginas da Imprensa da Primeira República: os poemas anticlericais em A Lanterna / 176 Referências Bibliográficas / 190 -8- ........................ RESUMO Este livro é fruto de uma pesquisa realizada junto ao Arquivo Edgard Leuenroth da Universidade Estadual de Campinas (AEL – UNICAMP) que trabalha as aspirações e práticas pedagógicas do periódico A Plebe de 1917. Assim, tencionamos acompanhar nesse ano (do número de sua fundação à sua paralisação na décima nona edição) os pressupostos políticos e pedagógicos da ação direta, ou seja, as formas utilizadas pelo periódico para compreender um processo de formação de uma auto-educação libertária, fundamentada nos pressupostos do anarquismo. Com isso, entendemos que a estratégia anarquista adotada por A Plebe articulava a luta libertária em prol de uma sociedade igualitária com a instrução da classe trabalhadora para que atingisse um objetivo final, ou seja, a revolução social e a construção de uma sociedade libertária. Sendo assim, analisaremos nas páginas que seguem, alguns desses elementos da ação direta como pressupostos políticos e pedagógicos na constituição de formas de sociabilidade coletiva com um fim social efetivo. -9- ........................ - 10 - ........................ PREFÁCIO “Ação direta ensina a viver sem tutela”: o aspecto pedagógico da luta política na imprensa anarquista e operária brasileira Thiago Lemos Silva Repudiamos [...] a ação eleitoral e parlamentar, que só serve para reforçar o Estado [...] e adormecer as energias populares. O nosso método é ação direta que [...] tende a despertar a iniciativa e a coragem, leva a agir por conta própria, a unir-se, a viver sem tutela [...] preconizamos (como meios de ação direta) a greve, a boicotagem, a sabotagem, a agitação de praça, o comício, a greve geral, e por fim a insurreição e a expropriação a que os oprimidos e explorados devem recorrer, se a isso levados pela necessidade e pela consciência da sua própria força.1 Ao enunciar sua definição dos militantes engajados com o jornal A Plebe, Neno Vasco introduziu uma imagem capaz de traduzir o aspecto essencialmente pedagógico do qual estava profundamente impregnada a luta política levada a cabo pela imprensa anarquista e operária, durante o contexto que abarca o período da Primeira República no Brasil.Inscrevendo a ação direta no cerne da política, Neno Vasco e seus companheiros de viagem apostavam na possibilidade de o proletariado aprender, por si mesmo, a lutar em prol dos interesses da sua classe social, construir a consciência dos antagonismos entre capital-trabalho, superar a função do Estado e, por conseguinte, revolucionar a sociedade capitalista, fato que tornaria exequível sua reconstrução ulterior em Mestre em História pela UFU (Universidade Federal de Uberlândia); professor na rede pública e particular de educação básica de Patos de Minas (Minas Gerais) e membro do Coletivo Mundo Ácrata. 1 VASCO, Neno. O que somos. A Plebe. São Paulo,n º54, 28/07/1920. - 11 - ........................ direção ao socialismo. Perscrutar esse aspecto sublinhado por Neno Vasco constitui o objetivo maior do trabalho de João Gabriel da Fonseca. Resultado de pesquisa e redação de monografia defendida junto ao Curso de História do Instituto Federal de Goiás, o livro deste jovem pesquisador lança um novo olhar sobre os aspectos “formais” e “informais” do projeto político-pedagógico do jornal A Plebe, durante A Semana Trágica de 1917 na cidade de São Paulo, momento particularmente rico do “sonhar libertário”2, para evocar aqui a feliz expressão de Cristina Hebling Campos. Breve, porém, intensa em termos de agitação social, A Semana Trágica assume na narrativa tramada pelo autor mais que meros sete dias de existência. Privilegiando os múltiplos fatores que a tornaram possível, João Gabriel da Fonseca coloca em evidência a luta contra a carestia de vida, a diminuição da jornada diária para 08 horas, a regulamentação do trabalho infantil e feminino, as ressonâncias da Revolução Russa, o assassinato do operário José Martinez, os saques ao Moinho Santista, o emergir das Ligas Operárias de Bairro e o papel do Comitê de Defesa Proletária. No entanto, ela não se reduz a isso. Distanciando-se das interpretações esquemáticas e simplistas, o historiador recusase a ver n’A Semana Trágica um ato puramente espontaneista dos trabalhadores por um lado, ou como a ação diretiva de uma vanguarda política por outro. Pelo contrário, ela revelaria o processo de enraizamento e duração da estratégia de ação direta, forma pela qual o anarquismo exerceu sua hegemonia no interior do movimento operário brasileiro, que se encontrava presente nas lutas contra o patronato desde a aurora do século XX. Das atividades nos sindicatos até as intervenções nas escolas racionalistas, passando pela crítica ao militarismo e a luta anticlerical, João Gabriel da Fonseca nos mostra o papel 2 CAMPOS, Cristina Hebling. O sonhar libertário: movimento operário nos anos de 1917 a 1921. Campinas: Pontes/ Campinas, 1988. - 12 - ........................ não desprezível que A Plebe, surgida no entremeio d’ A Semana Trágica, desempenhou enquanto centro de aglutinação e irradiação de um projeto político-pedagógico que conferiu à ação direta a difícil tarefa de ensinar os trabalhadores a viverem sem tutela. Na sua luta pela autonomia, esse projeto não se restringiu as formas tradicionais de educação política, que visavam persuadir os trabalhadores racionalmente por meio da propaganda doutrinária. Ao lado dessa forma de educação política, vemos surgir nas páginas d’ A Plebe , uma outra, que integra, mas, ao mesmo tempo ,transcende a sua dimensão puramente racional; fato que não se furta à análise extremamente cuidadosa de João Gabriel da Fonseca. Em conjunto com os panfletos, ensaios, informes e demais gêneros literários cuja fisionomia se aparenta, o autor também se detêm nos gêneros literários que não podem ser tomados apenas como formas de propaganda dirigida, tais como as caricaturas, poesias e crônicas. Com objetivos semelhantes, porém com funções diferentes, esses gêneros literários tinham como finalidade mais sensibilizar do que persuadir os trabalhadores na sua luta contra o capital, mostrando que a autonomia é uma conquista que passa tanto pelo intelecto quanto pelo coração. Se analisada a partir dessa perspectiva, o aspecto pedagógico da luta política enfatizado por Edgard Leuenroth, Florentino de Carvalho, Adelino Pinho e os demais articulistas d’ A Plebe ganha outro sentido, muito mais profundo e abrangente. Tal como é entendido pelo autor, a luta política é, em si mesma, tomada como um processo pedagógico. Não se tratou, obviamente, de um projeto que visava criar uma escola aonde o militante “iluminado” viria, em um passe de mágica, fazer com que os trabalhadores aprendessem o socialismo, mas, antes fazer com que as organizações que lutavam pelo socialismo tivessem um caráter pedagógico. O constante esforço dos anarquistas para retirar os trabalhadores da apatia e incitá-los à ação, o qual eles responderam de modo positivo e efetivo, talvez nos ajude a - 13 - ........................ entender a reação violenta dos poderes instituídos na semana de 09 a 16 de julho do ano de 1917. Afinal de contas, nada mais perigoso a uma República cujo cimento da dominação estava assentado na dependência clientelista do que um movimento operário que agia de modo totalmente autônomo. Em virtude disso, o governo de São Paulo agiu de forma tão repressiva em relação aos movimentos grevistas que eclodiram na cidade no referido ano, procurando a todo custo erradicar os indesejáveis anarquistas, como se estes fossem plantas exóticas de impossível aclimatação em um solo tido como ordeiro e pacífico, imagem esta que foi constantemente reatualizada e ritualizada pelas elites nacionais da época, quando tratou-se de deslegitimar toda a resistência por parte do jovem proletariado brasileiro contra o nascente capitalismo industrial. Quase um século nos separa dos personagens dessa história que nos é contada pelo autor, o que pode gerar certo estranhamento no leitor que se dispuser a enfrentar o presente livro. Em uma época em que se anuncia “ o fim das utopias”, “ o desencantamento do mundo”, “ a ascensão da insignificância”, “ a amargura da história”, entre outros lugares para designar o mundo dito “pós-moderno”, em que toda e qualquer forma de tentativa de mudar a sociedade constitui uma quimera irrealizável, o projeto político-pedagógico levado a cabo pelos anarquistas antes, durante e depois d’ A Semana Trágica parece algo arcaico e obsoleto. Entretanto fica aqui o convite, em forma de desafio, para o leitor refletir se o livro é ou não contemporâneo ao século XXI, século que parece desconhecer a sábia lição extraída de Rosa Luxemburgo, também libertária, em face das reiteradas e frequentes derrotas do movimento socialista no século XX, bem como sua dimensão eminentemente pedagógica: “Não estamos derrotados. Ao contrário, venceremos, se não tivermos desaprendido a aprender”3. 3 LUXEMBURGO, Rosa. A crise da social democracia. Disponível em: http://www.marxists.org/portugues/luxemburgo/1915/junius/cap01.htm. Acesso em: 09 de maio de 2013. - 14 - ........................ INTRODUÇÃO Este texto é a monografia defendida para obtenção do título de graduação em Licenciatura em História pelo IFG (2009 – 2013) que foi defendido e aprovado em 15 de fevereiro de 2013. Além desse texto, a obra é composta por 4 artigos publicados em revistas/jornais especializados na área de ciências humanas. A ideia de fazer esse trabalho está intrinsecamente ligada com a forma que me deparei durante a minha trajetória acadêmica com a educação e o anarquismo (de maneira difusa e marginal) e também, na forma como hegemonicamente esses dois conceitos (e são além de meros conceitos) são entendidos no interior das faculdades, universidades, escolas, etc. As (in) compreensões na maioria das vezes foram fruto, ora de mal entendidos, de falta de leituras e quando houveram, leituras apressadas que formaram uma imagem caricatural do anarquismo; outrora de ranços e intenções a priori com um objetivo já delimitado e (pré) conceituoso sobre essas temáticas. Quando assim pensado, fica quase impossível compreender algo de proveitoso do anarquismo. Dessa maneira, as páginas que se seguirão não buscam um fim em si mesmo, e também, não são a solução para essas incompreensões das quais eu cito. São meros esforços para compreender algumas singularidades recônditas das práticas políticas anarquistas (uma entre tantas) que emanaram da classe trabalhadora para a classe trabalhadora. Um grão de areia frente ao que já foi produzido e está arquivado. Assim, ressalto as palavras de Errico Malatesta4 quando afirmava que “Na ciência, as teorias, sempre hipotéticas e provisórias, constituem um meio cômodo para reagrupar e vincular fatos conhecidos, e um instrumento útil 4 MALATESTA, E. Anarquismo y Anarquia. In: RICHARDS, V. Malatesta: Pensamiento e Acción. Buenos Aires: Tupac Ediciones Revolucionarios, 2007, p. 39. - 15 - ........................ para a investigação”, mas essa ciência apenas interpreta os fatos novos e não é a verdade única e acabada. Outros autores e autoras importantes deveriam ser tratados aqui na temática geral, mas por falta de espaço e tempo, não puderam ser contemplados. Mesmo assim, Proudhon, Bakunin, Élisée Reclus, Louise Michel, Errico Malatesta, Piotr Kropotkin, Gori, Luigi Fabbri, Luce Fabbri, Max Nettlau, Ferrer y Guardia, Emma Goldman, Nestor Makhno, Volin, Sébastien Faure, Arshinov, Rudolf Rocker, Tolstói, José Oiticica, Neno Vasco, Fábio Luz, Domingos Passos, Maria Lacerda de Moura, Everardo Dias, João Penteado, Adelino Pinho, Florentino de Carvalho, Oresti Ristori, Gigi Damiani, Giovanni Rossi, Malvina Tavares, Hermínio Marcos, Avelino Fóscolo, Fábio Luz, Domingos Passos, Edgar Rodrigues, Milton Lopes, Carlo Aldegheri, Ideal Peres, Jaime Cubero, Noam Chomsky, Daniel Guérin, estão às vezes diretamente e indiretamente citados no texto. Basta uma reflexão mais atenta que será possível visualizar isso. Assim, A Semana Trágica dos dias 9 a 16 de julho de 1917 estampada nas páginas d’ A Plebe será analisada aqui mais do que meros 7 dias. Tem seus acontecimentos e seus determinantes frutos de vários motivos que lhe são anteriores e ressonâncias posteriores, já que reacendeu e reacende a esperança, como um legítimo sentimento do ser humano de sonhar-para-a-frente (BLOCH, 2005, p. 21). * * * No século XIX, bastante estimulados pela propaganda do governo brasileiro sobre a chamada “terra da oportunidade”, muitos europeus emigraram para o Brasil entre 1870 e o começo da Primeira Guerra Mundial. Tamanha foi a imigração que, “entre 1884 e 1903, o Brasil recebeu mais de um milhão de italianos” (DULLES, 1973). Com eles também vieram as ideais do movimento operário europeu. Os imigrantes que chegavam ao Brasil vinham carregados de - 16 - ........................ valores, concepções e pensamentos de organização proletária, características da Europa daquele contexto. Na perspectiva organizacional do movimento operário a imprensa foi um órgão de grande importância pela propagação dos interesses dos trabalhadores, na divulgação dos ideais do movimento e suas ações políticas, carregando ainda um caráter didático e doutrinário. No caso brasileiro, as transformações ocorridas no processo de modernização potencializaram o crescimento e a necessidade da imprensa, trazendo a “difusão de novos hábitos, aspirações e valores” (LUCA, 2011:120), que abrigava uma infinidade de publicações periódicas. Assim, no incipiente movimento operário, os anarquistas foram os principais participantes e levaram os periódicos em formas de jornal como o principal mecanismo de propagação de seu ideal de emancipação social. Apresentavam alternativas ao operariado, com ideais que contrariavam a ordem capitalista vigente, tais como: greve geral, boicotes, sabotagens, revolução social, etc. A greve geral de 1917, que assumiu na memória social o sentido de um ato simbólico e único5, entra nesse cenário como uma expressão das precárias vidas dos trabalhadores paulistanos e como um momento de “convulsão social sem precedentes na história do Brasil” (LOPREATO, 2000, p. 46). Para reconstruirmos a história desses movimentos de reprodução de ideais libertários se torna fundamental buscarmos, um elemento dentre as mais diversificadas formas de compreender o movimento operário: a imprensa operária caracterizada pelos periódicos criados por trabalhadores. Com isso, o periódico A Plebe, escolhido como fonte primária para esta pesquisa, foi um dos jornais do proletariado que pretendia conscientizar a classe trabalhadora de sua situação de explorados e unir os trabalhadores em suas lutas por melhores condições de vida e trabalho. 5 FAUSTO, 1977, p. 192. - 17 - ........................ O assunto de que trata o presente estudo é a relação entre imprensa operária e educação. De maneira mais específica, o trabalho que se segue visa analisar os pressupostos políticos e pedagógicos no âmbito da “resistência” ao capitalismo encontrado no periódico A Plebe, inserido no contexto do movimento operário na Primeira República do Brasil no ano de 1917. Mais especificamente, nossa pesquisa procurará entender o que ficou chamado de “A Semana Trágica” (LOPREATO, 2000) e assim, compreender os pressupostos pedagógicos d' A Plebe durante esse recorte temporal. Para isso, foi necessário compreender as condições de vida e trabalho do proletariado na Primeira República do Brasil que levaram à construção de formas de organização no movimento operário, entendendo a importância das organizações operárias (ligas operárias, greves, sindicatos, sociedades de resistência, regiões de lazer e cultura operária) para a luta cotidiana dos trabalhadores. Além disso, centramos nosso recorte temporal na Greve Geral de 19176 na cidade de São Paulo, compreendendo o processo histórico do nascimento do jornal operário A Plebe advindo do periódico A Lanterna7. É nesse contexto que podemos analisar a linha de entendimento do mundo propagada pelo jornal caracterizado pelos seus propósitos 6 José Carlos Orsi Morel ao analisar a situação da classe trabalhadora irá dizer que “la huelga general del 17 surge como uma respuesta radical del movimiento contra la situación de extrema miséria y opresión” (MOREL, 1988, p. 28). 7 No segundo capítulo deste trabalho iremos apresentar a história desse periódico. Mas de antemão, A Lanterna, foi um periódico anticlerical de orientação anarquista e órgão da Liga Anticlerical. Foi considerado por Boris Fausto, como “o veículo mais consistente do anticlericalismo anarquista, embora seja razoável supor que ele tenha sido temperado pelo propósito de aglutinar outros círculos além dos libertários”. Foi inaugurado sob a égide de Benjamin Motta no qual permaneceria até 1904 ocorrendo uma paralisação das publicações e será retomado no ano de 1909 por Edgard Leuenroth (FAUSTO, 1977, p. 83). - 18 - ........................ educativos já que em qualquer das tendências dentro do movimento operário o jornal é tido como um “portador de suas propostas, como veículo de suas resistências e como proposta de educação dos trabalhadores” (KHOURY, 1987, p. 15). No campo educacional, as ações do movimento operário foram diversas, sendo que, na realidade, “as atividades abraçadas pelos trabalhadores dentro do movimento operário e, principalmente, entre os anarquistas, possuíam um caráter pedagógico e educacional inegável” (NASCIMENTO, 2006, p. 77). Nossa hipótese é que o periódico A Plebe se constituiu como um mecanismo e estratégia dos anarquistas para propagar os pressupostos políticos e pedagógicos da ação direta com o objetivo da revolução social feita pela classe trabalhadora rumo à sociedade anárquica. Assim pensado, elucidaremos no terceiro capítulo que a estratégia dos libertários não era determinista, e sim, complexa e multideterminante, que almejava a emancipação total das classes oprimidas e opressoras da sociedade capitalista em prol de uma sociedade livre em todas as esferas da sociedade com a abolição do sistema capitalista e das classes sociais. Utilizamos como fonte primária os periódicos publicados por A Plebe, do número 01 de 09 de junho de 1917 ao número 19 de 30 de outubro deste mesmo ano, data em que o periódico foi interrompido pela prisão de seu editor. A coleta destas fontes foi realizada no mês de junho de 2012 no Arquivo Edgard Leuenroth (AEL) nas dependências do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) na cidade de Campinas, São Paulo. O periódico A Plebe foi fundado em 1917 por Edgard Leuenroth8 e findou em 1950. Contudo, durante esse “Edgard Leuenroth, filho de um farmacêutico alemão, emigrado para o Brasil, nasceu em Mogi-Mirim, no estado de São Paulo em 1881 e morreu em 1968. (...) Em 1903, participa de um Círculo Socialista, em São Paulo, mas em 1904 já se converte ao anarquismo. Ingressa na recém fundada União dos Trabalhadores Gráficos (UTG), ali trabalha como bibliotecário e 8 - 19 - ........................ longo período (comparado com a trajetória de outros periódicos) houve diversas paralisações das publicações, prisões de seus diretores e empastelamentos. Além dos números de A Plebe, realizamos uma pesquisa fundamentada majoritariamente em referências bibliográficas (artigos, ensaios, livros, monografias, dissertações, teses, etc.) que fundamentarão o trabalho em todos os seus capítulos. Do ponto de vista metodológico, ressalvamos que esta pesquisa optou pelo estudo de um recorte temporal bastante delimitado. No entanto, esse curto período é rico em fontes que tratam da relação entre a educação libertária e a imprensa operária, especialmente no que diz respeito ao periódico A Plebe de 1917. Concordando com Marc Bloch, “o vocabulário dos documentos não é, a seu modo, nada mais que um testemunho: precioso, sem dúvida, entre todos; mas, como todos os testemunhos, imperfeito; portanto, sujeito à crítica” (BLOCH, 2011, p. 142). Assim, face à imensa e confusa realidade que nos cerca, o historiador é levado a compreender essa realidade e obrigado a recortá-la temporalmente. “Este é um autêntico problema de ação. Ele nos acompanhará ao longo colabora na publicação do jornal O Trabalhador Gráfico. Foi um dos fundadores da Federação Operária de São Paulo, em 1905, e um dos principais responsáveis pela realização dos três principais congressos operários realizados em 1906, 1913 e 1920, no Rio de Janeiro. Participou intensamente da imprensa operária: redator, com Neno Vasco, da Terra Livre (1905), diretor da Folha do Povo (1908 – 1909), reinicia a publicação de A Lanterna (1906 – 1910), fundador de A Plebe (1917). (...)” (PINHEIRO e HALL, 1979, p. 226). Ainda sobre Edgard Leuenroth, Edgard Rodrigues diz que a partir de 1909 até o ano de 1935, Leuenroth dirigiu A Lanterna, “(...) jornal anti-clerical e libertário fundado pelo dr. Benjamin Mota em 1901, em duas fases que lhe granjeou muitos amigos e alguns inimigos terríveis sindo preso quando desmascarou a Igreja no Caso Idalina. Nesse mesmo ano de 1912 fundou A Guerra Social, periódico de São Paulo, foi redator principal e no ano de 1915, colaborou ativamente no diário O Combate. Nos anos de 1916-1917, foi redator-secretário da revista Eclética, de São Paulo. Em 1917 fundou o jornal anarquista A Plebe, semanário, passando em 1919 a diário. - 20 - ........................ de todo o nosso estudo” (idem, ibidem, p. 52). Essa delimitação nos permitiu identificar as críticas à sociedade de classes e as propostas de educação libertária que visavam romper com as relações sociais capitalistas e instaurar novas formas de relação humana, contida no periódico citado. Além destes periódicos, utilizaremos uma vasta produção bibliográfica produzida por diversas áreas das ciências humanas que nos apontou alguns caminhos a percorrer, como será visto no capítulo I. O problema que nos orientou na pesquisa foi: qual o projeto educativo (formal ou informal) expresso pelo Jornal A Plebe no contexto das greves gerais do ano de 1917? Com essa problemática central nos vem outras questões secundárias e não menos importantes: que tipo de educação era veiculado nas páginas de A Plebe? Quais as estratégias utilizadas pelos autores para atingir seu público-alvo? Quem produzia A Plebe e com qual interpretação da realidade estava ligada? A Plebe produzia uma interpretação do passado e uma projeção de um futuro radicalmente diferente além da retórica, por exemplo, com o uso de imagens? Na historiografia, houve um apreciável acréscimo de estudos em relação ao movimento operário a partir da análise de documentos relativos a Imprensa Operária9. Tema anteriormente de estudo dos militantes políticos (nãoacadêmicos) de gerações posteriores à Primeira República do Brasil, pois estavam ligados cotidianamente a produção de periódicos, revistas, etc. para a militância do dia-a-dia, a história do movimento operário passou a fazer parte de inquietações dos sociólogos e cientistas políticos acadêmicos nos anos 1960. Chamada por Batalha (2007, p. 148) de Sínteses Sociológicas, essas produções “abarcava sociólogos preocupados em elaborar grandes sínteses, que estabeleciam teorias explicativas do movimento operário e de suas opções ideológicas”. 9 FERREIRA, Maria Nazareth. Imprensa Operária no Brasil. São Paulo: Ática, 1978. - 21 - ........................ Nos anos 1970, a historiografia acadêmica ganhou um salto quantitativo e qualitativo com a produção dos brasilianistas e de historiadores brasileiros, sobretudo, com a criação de arquivos do movimento operário, como por exemplo, o AEL. Na década de 1980, irá ocorrer o processo de “ampliação, fragmentação e crise” caracterizado por uma crescente produção acadêmica (fruto do crescimento dos programas de pós-graduação), da diversificação das fontes de pesquisa e consecutivamente, a “fragmentação do campo de estudo” onde a teoria “cedeu espaço para os estudos de caráter mais empírico” (idem, p. 153). Essa breve análise geral e a que vem abaixo não tem a pretensão de esgotar os temas nem de fechar o leque de possibilidades interpretativas de nossas fontes, mas sim, preencher algumas brechas deixadas por estas pesquisas e incentivar a realização de novas pesquisas de futuros pesquisadores sobre a história do movimento operário trazendo a tona o que Eric Hobsbawn afirma: “É uma função digna dos historiadores a de reconstruir um passado esquecido, estimulante, imperecível” (HOBSBAWN apud HAUPT, 2010, p. 50). Dentre toda essa bibliografia, até onde apreciamos, são poucos10 os estudos e pesquisas com profundidade ligada ao contexto de “educação” no ano de 1917, seja anterior e posterior à Greve Geral de Julho. No que tange à abordagem dada por essas pesquisas, a produção por mais vasta que seja se limita aos estudos, quase que exclusivamente, do papel da Imprensa (especificamente o jornal) como “instrumento de politização” (FERREIRA, 1988). 10 Nesse sentido, encontramos dois trabalhos que estudam especificamente a educação no Jornal A Plebe no recorte temporal de 1917. Cf. GONÇALVES, A. M.; NASCIMENTO, M. I. M. Educação nas folhas do jornal “A Plebe”: 1917 – 1919. In: Publicatio UEPG: Ciências Sociais Aplicadas, Vol. 16, No 2, 2008; e GONÇALVES, Ody Furtado. Trajetória e ação educativa do jornal A Plebe (1917-1927). In: Quaestio: Revista de estudos em Educação, v. 6, n. 2, 2004. - 22 - ........................ Portanto, a história do movimento operário nos remete também a pensar também a amplitude da conceituação de educação. Esta necessidade mostra a importância da presente pesquisa para produção historiográfica brasileira e nos motivou a propor o estudo desse tema. Dessa forma, evidenciar a ação da educação enquanto “pressuposto educativo da ação direta”11 é ao mesmo tempo elucidar o contexto do conceito de “ação direta” no âmbito da educação libertária e mostrar que o seu estudo, desdobra-se em outras possíveis e inesgotáveis pesquisas. Para a realização deste objetivo será necessário analisar a bibliografia escolhida de forma crítica (comumente chamada de “revisão bibliográfica” ou “estado atual da arte”) já que as diferentes tradições intelectuais de cada período de produção acabam por gerar representações díspares ou semelhantes do movimento operário na Primeira República juntamente com alguns conceitos importantes, que serão tratados no capítulo I. Dentre eles: anarquismo, sindicalismo revolucionário, imprensa operária, ação direta e educação libertária. Como contextualizar é uma questão fundamental para o ofício do historiador, no capítulo II, será realizada uma contextualização histórica do movimento operário na Primeira República, traçando as determinações da imigração, as condições de vida e trabalho do proletariado na Primeira República do Brasil, os motivos e determinantes que condicionaram a organização dos periódicos e as organizações operárias existentes na Primeira República (ligas operárias, greves gerais, sindicatos, imprensa operária, etc.) na cidade de São Paulo nesse ínterim. Ainda, analisaremos a Greve Geral de julho de 1917 dando um enfoque especial à Semana Trágica. Logo após, no capítulo III, faremos uma análise dos pressupostos políticos e pedagógicos da ação direta em A Plebe. Nesse capítulo, buscaremos explicitar as críticas ao 11 A educação do operariado pela ação grevista, preparando-o para a “grande revolução”, que poria fim à sociedade burguesa. - 23 - ........................ Estado, à Igreja e à exploração capitalista em suas mais diversificadas esferas da realidade, destacando alguns elementos específicos do jornal que propagaram aquilo que chamamos de educação libertária. - 24 - ........................ CAPÍTULO I 1.1. Estado atual dos conhecimentos Nosso trabalho utiliza-se de diversas categorias e conceitos que foram bastante explorados dentro de um contexto mais abrangente: a Primeira República do Brasil (1895 – 1930). Nessa perspectiva devemos, de antemão, fazer uma análise geral de como o tema (conceitual e temporalmente) foi construído por diversos autores. Apresentaremos abaixo uma revisão bibliográfica com algumas obras e análises das décadas de 1960, 1970, 1980, 1990, do princípio dos anos 2000. O centro de nossa preocupação nesta análise é buscar uma interpretação de obras escritas sob o tema acima que possibilitaram analisar os pressupostos políticos e pedagógicos do ano de 1917. Entendemos que a bibliografia que encontramos é relativamente extensa, mas aborda a questão da educação em segundo plano. São também na maioria das vezes obras não-acadêmicas, ou seja, ligados à militância. Faremos abaixo uma leitura de suas problemáticas centrais juntamente com suas conclusões e possíveis lacunas que poderão ser preenchidas neste trabalho. O sociólogo Azis Simão no ano de 1966 publica Sindicato e Estado: suas relações na formação do proletariado de São Paulo12 onde aponta a essência das primeiras organizações dos trabalhadores paulistanos da Primeira República do Brasil definindo-os como “não corporativos”. Tal obra é pioneira no estudo dos sindicatos, pois faz análise desde a gênese dos sindicatos no Brasil (em meados do século XIX nos setores têxteis e metalúrgicos até os anos 30) sob uma “pesquisa empírica de fôlego” (BATALHA, 2007, p. 149). Para o referido autor, a classe constrói suas possibilidades de 12 SIMÃO, Azis. Sindicato e Estado: suas relações na formação do proletariado de São Paulo. São Paulo: Dominus Editora, 1966. - 25 - ........................ organização e luta de acordo com as condições materiais préexistentes, portanto, no caso das greves, estas acontecem em momentos de maior depressão econômica (carestia de vida). Nesse sentido, sua tese central é de que durante o período do fim da Primeira República com o desenvolvimento da indústria, novos tipos de relações sociais (por exemplo, o corporativismo e burocratização) acabaram por atrelar o sindicato ao Estado constituindo novas formas organizativas perdendo seu caráter combativo e autônomo. Sendo assim, no período pré-1930, os sindicatos não foram associações controladas por “mestres com o fim de preservar os privilégios corporativos”, nem dentro deles estabeleceram distinções entre operários, segundo o grau de qualificação profissional. A tese difundida e fundamentada durante toda a obra de Azis é a de que o “sindicato” que historicamente foi considerado como sinônimo de resistência e autonomia perde seu sentido libertário e se liga à perspectiva de luta controlada pelas leis do Estado na década de 1930 quando o sindicato, o Estado e o patronato “(...) iniciavam a elaboração de novas vias institucionais de suas recíprocas relações” (SIMÃO, 1966, p. 87). Os sindicatos, desde seu surgimento, foram associações de assalariados que se organizavam no processo de produção e que se desenvolveu no Brasil com o Primeiro Congresso Operário Brasileiro de 1906 (no qual constituiu a COB – Confederação Operária Brasileira), onde fora instituído como a estratégia (CORRÊA, 2011) de organização autônoma dos trabalhadores de uma dada empresa ou de toda categoria. Boris Fausto autor da obra Trabalho Urbano e Conflito Social (FAUSTO, 1976) para obtenção do título de livre-docente na USP, em 1977, analisa as condições materiais de existência e a mentalidade coletiva dos trabalhadores urbanos de 1890 a 1920. Fausto nos traz a tese de que os anarquistas não haviam compreendido o papel do Estado e não valorizavam uma luta por ele e que nos anos 20 ocorre uma crescente “alternativa comunista” de base bolchevique ocasionando uma mudança das lutas da classe operária. - 26 - ........................ Considera ainda que o ano de 1917 foi o “símbolo de uma mobilização de massas impetuosa, das virtualidades revolucionárias” (FAUSTO, 1976: 192). Fausto busca uma análise do desenvolvimento das lutas operárias de 1890 até a década de 20 do século XX apresentando as razões do declínio do Movimento Operário Revolucionário, dentre as quais, destaca-se a falta de compreensão dos anarquistas sobre o papel do Estado já que “o anarquismo brasileiro está associado a um sistema de pensamento cientificista, corporificado no evolucionismo e no livre pensamento (...)” (idem, p. 71). Por fim, Fausto retoma o pensamento de que a formação da consciência revolucionária do operariado paulistano da Primeira República esteve ligada meramente ao seu próprio contexto: o anarquismo corresponderia aos primeiros estágios da industrialização, que no Brasil é tardia e débil e nesse caso, os anarquistas foram derrotados por não compreender o papel do Estado. Nesse sentido, o autor aponta que nos anos entre 1890 e 1920 ocorre uma “sucessão de derrotas” pelo simples motivo de que as concessões sociais conquistadas não se encontram institucionalizadas (FAUSTO, 1976: 245). A propaganda operária no Brasil nos primeiros anos da Primeira República buscou a necessidade de ampliar o internacionalismo proletário para um discurso audível e assimilável. Em 1917 a greve geral de julho em São Paulo simbolizou um movimento fulcral da insatisfação proletária que objetiva com tal greve, incentivar os trabalhadores a lutar através da ação direta. Totalmente reprimida ela se expandiu para outros estados como Rio de Janeiro, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Paraná, etc. Essa é, de maneira bem genérica, a contribuição de Paulo Sérgio Pinheiro e Michael M. Hall. Publicada no ano de 1979 e intitulada A Classe Operária no Brasil – 1889 – 1930 – documentos. Volume 1 – O Movimento Operário (PINHEIRO; HALL, 1979) pela Editora AlfaÔmega, tal obra traz uma coletânea de documentos históricos do Movimento Operário com algumas análises desses dois - 27 - ........................ autores. Especificamente, podemos nos atentar para as suas concepções do que foi a greve geral de julho de 1917. Porém, a confusão entre sindicalismo revolucionário e anarcossindicalismo ainda se manifesta nesses autores. Mas além disso, para os autores a referida greve foi a manifestação política urbana mais impressionante da Primeira República. A greve assumiu dimensões vastas, o governo (pelo menos momentaneamente) se sentiu ameaçado e o movimento operário pode ajudar a explicar a ferocidade da repressão que irrompeu em larga escala dois meses mais tarde. O brasilianista Sheldon Leslie Maram, produz em 1979 a obra Anarquistas, imigrantes e o movimento operário brasileiro (1890-1920) defendendo a tese de que o anarcossindicalismo foi a doutrina política dominante no movimento operário brasileiro da Primeira República. Sustentando com argumentos, ele aponta que de 1890 até 1920, espanhóis, portugueses e italianos são os imigrantes mais presentes no movimento operário brasileiro advindo da política imigratória desse período. A tese de anarcossindicalismo enquanto corrente hegemônica é refutada por Samis (2004) e por Corrêa (2011), já que para esses últimos, o que ocorreu no Brasil hegemonicamente foi o sindicalismo revolucionário e não anarcossindicalismo, já que ambos não estão desvinculados do anarquismo, mas são estratégias distintas. Para Corrêa (2011, p. 83) “o sindicalismo revolucionário nunca se colocou, explícita e conscientemente, em vínculo com o anarquismo, diferentemente do segundo”. Em outras palavras, o anarcossindicalismo tem necessariamente em suas orientações ideológicas o anarquismo; já o sindicalismo revolucionário não tem necessariamente, uma linha ideológica clara e única. Maram (1979) afirma em coro que a história do movimento operário no Brasil conta com uma diversificada e plural forma organizativa e de influência teórico-política dos trabalhadores. Silvia Lang Magnani em O Movimento Anarquista em São Paulo (1906 – 1917) (MAGNANI, 1982) publicado no - 28 - ........................ ano de 1982 não poderia ficar de fora dessa análise. A autora toma com pressuposto básico de sua análise que a presença do anarquismo brasileiro não pode ser determinada apenas pela chegada de milhares de imigrantes europeus. Rebatendo a tese da “planta exótica”, a autora considera que tais análises fundamentadas em discrepâncias com as fontes históricas e documentais deixadas pelos libertários não correspondem com as colocações de que houve uma importação mecânica de um ideário político europeu para o Brasil (MAGNANI, 1982, p. 50). No que concerne à luta dos anarquistas no movimento operário, de acordo com ela, existia a instauração de “(...) uma moral operária fundamentada na solidariedade humana e de classe” (MAGNANI, 1982, p. 13). Esta interpretação colabora com nossa hipótese de uma educação para a ação direta, já que a solidariedade compõe um dos pilares dessa educação. Cristina Hebling Campos publica em 1983 a dissertação de mestrado intitulada O Sonhar Libertário (Movimento Operário nos anos 1917 a 1920) (CAMPOS, 1983) onde defende que no Brasil tinha anarquistas e sindicalistas revolucionários, onde os primeiros se organizavam por ligas, comitês, alianças, grupos teatrais, jornais, etc. e os sindicalistas revolucionários que entendiam que o sindicato seria a base da transformação social. Por essa diferenciação, a autora ressalta que essas duas correntes no Brasil “não são sempre fáceis de distinguir. Na prática há grupos que adotam elementos das duas tradições segundo suas necessidades e com uma certa indiferença às distinções que prevaleciam em vários outros países na época” (CAMPOS, 1983, p. 9). Para a autora, o sonhar libertário só estava no cotidiano desses trabalhadores devido uma intensa elaboração conceitual e militante (principalmente em São Paulo no ano de 1917 com o fortalecimento das ligas de bairro, um tipo de organização de inspiração basicamente anarquista) indissociável de uma conjuntura favorável para tal. Ela defende que “o movimento operário no Brasil, após um período de depressão (...) vai aos poucos se recolocando e se - 29 - ........................ reorganizando (...)” nos fins de 1916 e início do outro ano “o clima nos dois grandes centros urbanos – Rio de Janeiro e São Paulo – é de agitação” (CAMPOS, 1983, p. 34). Assim, quando a greve estoura, o CDP com a atuação dos anarquistas foi fundamental, pois “tanto a organização da greve quanto suas reivindicações refletem o esforço característico do anarquismo que vê o confronto na contradição entre os proprietários e a população despossuída (pessoas que ao mesmo tempo são produtores, consumidores e moradores)” (CAMPOS, 1983, p. 42). Francisco Foot Hardman publica no ano de 1983 Nem Pátria, nem Patrão!: vida operária e cultura anarquista no Brasil (HARDMAN, 1984) apresenta uma nova leitura do movimento operário da Primeira República do Brasil e oferece uma perspectiva que renova os trabalhos acadêmicos abordando temáticas que eram ainda pouco trabalhadas. Utilizando, sobretudo, como referencial teórico obras de Karl Marx, Friedrich Engels, Antônio Gramsci e Eric J. Hosbsbawn, Foot Hardman apresenta alguns elementos que levaram, no ínterim de 1906 e 1917, à radicalização do movimento operário que consecutivamente aumentou sua capacidade organizativa e revolucionária. Desde a criação da Confederação Operária Brasileira (COB) em 1908 com objetivo de criar uma unidade de trabalhadores de vários ofícios, o movimento se radicaliza. Foram nesses mosaicos de organizações criadas e mantidas pelo próprio movimento de classe que se desenvolveram práticas culturais variadas marcadas fortemente pela imigração estrangeira e pela diversidade étnica. Nos sindicatos – primeiramente não institucionalizados pelo governo –, os anarquistas, visavam a luta contra a opressão capitalista e, assim, também contribuíram na vitalidade e consciência da organização operária. Estes eram chamados de anarcossindicalistas. Para o autor, a classe operária brasileira apresenta uma estreita ligação no sentido histórico do conceito de classe (natureza específica, formações, tempo e espaço) e ao geral - 30 - ........................ (seu quadro internacional). Sendo assim, a greve geral surge como ato educativo para o operariado. Além de uma educação formalizada (em escolas operárias, racionalistas, etc.) a classe operária buscou em elementos do cotidiano a sua afirmação formativa. Contudo, a greve geral e a ação direta13 eram celebradas como momentos e formas adequadas de “ginástica revolucionária” (HARDMAN, 1980, p. 47). Hardman, apoiado em E. J. Hobsbawn14, apresenta a diferenciação das instâncias de luta da classe operária mundial mostrando seu corporativismo e burocratização e que, no caso específico do Brasil, isso ocorre com as medidas do Governo Vargas, após 1930. O que de fato nos é relevante e fundamental é como, F. F. Hardman apresenta as instâncias de luta cultural da classe estabelecendo uma nova área de atuação e militância, ou seja, estabelecendo festividades (Festas Operárias), reuniões, atividades pró-Escolas Modernas (de caráter anticlerical e de influência do espanhol Francisco Ferrer y Guardia) como novas formas da ação direta. Evidente, pelo próprio caráter de condição da classe, as festividades eram realizadas com grande precariedade material. Todos esses métodos da classe são caracterizados pelo autor como “Estratégia do Desterro” que, levado às suas últimas consequências pela defesa da “cultura operária” intransigente, nas concepções anarquistas, encontrava bases sólidas nas condições reais de existência do proletariado do Brasil. É entendendo a greve como o próprio acontecer ritualizado da cultura operária que Hardman concluiu sua obra. Essa é uma demonstração de força autônoma e a sua importância já reside no ato mesmo de sua expressão quando a 13 Podemos definir ação direta como expressão da crença de que o proletariado só se libertará quando confiar na influência de sua própria ação, direta e autônoma, prescindindo de intermediários no conflito entre capital trabalho. 14 HOBSBAWM, E. J. As classes operárias inglesas e a cultura desde os princípios da Revolução Industrial. In: Níveis de Cultura e Grupos Sociais. Santos: Martins Fontes, 1974. - 31 - ........................ política e a cultura voltam a se reencontrar: a relação entre o poético e o histórico. Em 1987 José Antônio Segatto apresenta a obra A Formação da Classe Operária no Brasil (SEGATTO, 1987) com alguns dados e análises peculiares. Ao narrar passo a passo a constituição da classe operária (a imigração e as suas condições de existência), suas formas organizativas, seus movimento reivindicatórios, ele faz algumas análises dos quais discordamos, principalmente, no último capítulo. Em A ideologia e a organização política ele demonstra que o anarquismo é uma ideologia da vanguarda (SEGATTO, 1987, p. 81-84) e que formavam um grupo bastante minoritário e vê a criação do PCB como uma vitória real da classe trabalhadora, pois o anarquismo tem debilidades e uma incapacidade política com uma realidade complexa. Sua análise ainda reitera que no campo organizativo os anarquistas se ancoravam no “espontaneísmo”, no “economicismo” e na “dispersão do doutrinarismo abstrato” (idem, p. 87). Essa análise pode ser contestada pela próxima obra que iremos analisar. Christina da Silva Roquete Lopreato traz uma reflexão mais aprofundanda e com novas interpretações em sua obra O Espírito da Revolta: a greve geral anarquista de 1917 (LOPREATO, 2000) De maneira singular, utilizando de referenciais da imprensa operária da Primeira República e propondo uma reconstrução a partir dessas fontes, a autora apresenta-nos os significados da greve geral de 1917 caracterizada como “anarquista” em São Paulo. Nesse sentido, ela vem aludindo, sobretudo, sobre as condições de vida e de trabalho que se empunham até então os trabalhadores (sobretudo imigrantes) proveniente de horizontes culturais diversos, que (re) organizaram a cidade de São Paulo dando a ela um ambiente próprio com seus laços culturais, estabelecendo lugares políticos tais como greves, ligas de resistência, jornais impressos, grupos anarquistas, espaços de lazer e cultura, etc. - 32 - ........................ A imprensa teve importante papel antes, durante e após a deflagração da Greve Geral de Julho de 1917. Foi veículo de informação, formadora de opinião e força de pressão junto ao patronato e ao poder público. Em São Paulo, sobretudo com o Jornal A Plebe (caracterizado pelo jornal Correio Paulistano como “cúmplices e promotores da anarquia”) matérias sobre as condições de vida e de trabalho do operariado eram constantemente veiculados e ocupavam periodicamente as páginas dos principais jornais dos centros operários da cidade. Em especial, no decorrer dos primeiros seis meses do ano (ou seja, anterior à Greve de Julho) os jornais foram essenciais, pois demonstravam aos trabalhadores as condições nos quais estes estavam submetidos, sobretudo, no quesito “carestia de vida”. Com a eclosão da greve geral, a imprensa operária acompanhou o desenrolar dos acontecimentos combativos da semana de 9 a 17 de julho de 1917 atuando como mecanismo de veiculação das perspectivas dos trabalhadores. A perspectiva importante apontada por Lopreato é a questão da “ação direta”. A ação direta pode ser compreendida de acordo com a autora, como uma forma de atuação junto à realidade com dignidade política (LOPREATO, 2000, p. 21). A ação direta, composta por métodos tais como boicote, sabotagem e greve, se estabelece com mais preponderância na obra, já que para a autora, a greve geral fora a mais utilizada. Em suas palavras a greve geral é mais utilizada já que “é considerada a mais rica em ensinamentos por que explicita os interesses contraditórios entre o patrão e o empregado, rompe a harmonia existente entre eles e faz aparecer a luta de classes”. Ocorre que, logo após a suspensão da greve geral, a perseguição policial aos militantes anarquistas acabou por revelar a repressão ferrenha do governo sobre os militantes, sobretudo com a intensificação de atuação da “Lei Adolfo Gordo”15 que previa a expulsão de estrangeiros desde 1907. 15 Nos primeiros anos do século XX no Brasil a política repressiva do Estado se fortificou. Tal repressão materializada, por exemplo, na Lei - 33 - ........................ A sociedade dominante da Primeira República tinha a pretensão de se livrar dos problemas sociais com a deportação dos ‘agitadores estrangeiros’. Em 1893, já fora promulgado o decreto 1566 que, ao regular a entrada dos estrangeiros, tratava também da expulsão dos mesmos durante o estado de sítio. Assim, em 05/01/1907 é promulgada a nova lei (A Lei Adolfo Gordo) (...). A lei Adolfo Gordo, seguindo a tendência, exigia que os sindicatos registrassem seus estatutos e suas diretoria (PINHEIRO, 1990, p. 157). O trabalho de Lopreato (2000) buscou reconstruir a greve geral de 1917 de tal maneira que é impossível encontrar uma dissociação entre narrativa e interpretação analítica. A perspectiva da autora traz à tona o sujeito histórico, tratando do “militante anarquista” cuja ação é, sem sombra de dúvidas em sua análise, individualizada e potencializada, destacando militantes como Gigi Damiani, Guilio Sorelli, Edgard Leuenroth, Neno Vasco, José Oiticica, Florentino de Carvalho, dentre vários outros. Adolfo Gordo, proposta pelo Deputado Adolfo Gordo e aprovada no ano de 1907é um exemplo elementar. A lei previa a expulsão de estrangeiros que estivessem ligados ao movimento operário da época. Nesse âmbito, um exemplo claro é a expulsão do diretor do jornal socialista "AVANTI", Vicente Vacirca, em 1908 (RODRIGUES, 1997, s/p). De acordo com Dulles (1977, p. 117), essa lei, que será reeditada em 1922, “estabelecia punições para os que contribuíssem para a prática de tais crimes através de reuniões ou de qualquer instrumento de propaganda; e conferia às autoridades o direito de fechar, por tempo indeterminado, sindicatos e entidades civis que cometessem atos prejudiciais à segurança pública”. Para maior aprofundamento: BATALHA, Claudio. O Movimento Operário na Primeira República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000; RODRIGUES, Edgard. O Homem e a Terra no Brasil. Florianópolis: Insular, 1997; LEAL, C. F. B. Pensiero e Dinamite: Anarquismo e repressão em São Paulo nos anos 1890. 2006. 308f. Tese (Doutorado)Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Estadual de Campinas, 2006. - 34 - ........................ Os jornais constituíam-se em um elo entre as várias práticas da propaganda social. No espaço do jornal, os militantes do movimento apoiavam as greves, alavancavam as iniciativas dos grupos operários e organizações classistas de bairros e ofícios, além de conferências anticlericais e de livre pensamento. Ainda no ano de 1996, a mesma editora lança a contribuição de Josué Pereira da Silva intitulada Três Discursos, Uma Sentença: Tempo e Trabalho em São Paulo – 1906 – 1932 (SILVA, 1996) que aborda elementos que não foram sistematizados profundamente por Lopreato (já que o objeto da autora é outro) que são as questões da noção de “tempo e discurso”. O referencial teórico metodológico de Silva (1996) está intrinsecamente ligado à perspectiva de Walter Benjamin e da História Social. O autor apresenta uma introdução relatando a discussão filosófica e histórica sobre como foram criados os conceitos de tempo linear e, assim, de tempo progressivo e de tempo produtivo para, desse modo, entender a ideia de dividir as 24 horas do dia em três partes iguais, das quais uma delas (8 horas) seria dedicada exclusivamente ao trabalho. Silva (1996) nos traz discursos em que o trabalho é denunciado por não ser capaz de fornecer aos trabalhadores valores morais que poderiam ser adquiridos em outras esferas sociais além da noção de que o tempo de 8 horas de trabalho por dia era a pauta mais significativa das reivindicações operárias que fora lançada no I Congresso Operário Brasileiro do ano de 1906. O discurso preponderante sobre o trabalho era dado pelas elites brasileiras com uma valoração moral muito forte e de outro lado, a imprensa operária também reservava grande parte do discurso do trabalho, porém, pela luta de jornadas de 8 horas. Ocorre que, nas duas classes fundamentais da sociedade capitalista, uma percepção de tempo pode mudar ou dar sentido à conduta de seus indivíduos em cada classe, traçando projeções e percepções de mundo no dia-a-dia. A obra se estabelece com um discurso sobre a moral do - 35 - ........................ trabalhador na relação conflituosa entre Trabalhador, Patrão e Governo durante a Primeira República. Nos anos 2000, especificamente publicado 2004 no livro organizado por Eduardo Colombo (et. al.), Alexandre Samis escreve Pavilhão negro sobre pátria oliva: sindicalismo e anarquismo no Brasil (SAMIS, 2004) e vem nos atentar com uma riqueza de fontes, sobre os motivos e a origem da Imprensa Operária ligada ao sindicalismo revolucionário, que para o autor, cresce fundamentalmente com o I Congresso Operário Brasileiro que deveria prestar auxilio e “propaganda por folhetos, manifestos, conferências, representações teatrais” através do proselitismo militante, que fora uma necessidade de uma ação pedagógica no auxílio da prática política. Fora criado em 1906 o porta voz oficial de imprensa da COB: o periódico A Voz do Trabalhador16. Ainda para Samis, o quantitativo de greves no Brasil se deve muito às organizações operárias revolucionárias, sobretudo os sindicatos. Nesse sentido, a greve geral de julho de 1917 estaria habilmente desenhada, segundo o autor, pelos anarquistas sindicalistas a frente das associações de classe e estaria fora do seu caráter puramente espontâneo, que para o autor, estaria mais envolvido através das articulações entre núcleos combativos do CDP (Comitê de Defesa Proletária). Encontramos ainda nos anos 2000, um emaranhado de teses e dissertações acerca da ação operária na Primeira República (obviamente não as analisaremos) e poucas com o enfoque na educação enquanto princípio ligado à ação proletária e revolucionária. Em 2006, Rafael Deminicis e Daniel Aarão Reis Filho organizaram a obra História do Anarquismo no Brasil, vol .1 e trouxeram a tona diversos trabalhos dos quais, destaco: Anarquismo em prosa e verso: literatura e propaganda anarquista na Imprensa Libertária de São Paulo durante a Primeira República (LEAL, 2006) de 16 A comissão responsável pela editoração desse periódico estava intimamente ligada à COB. Assim, entre seus membros destacava-se o luso Neno Vasco, Manuel Moscoso, Carlos Dias, etc. - 36 - ........................ Claudia Feierabend Baeta Leal. A obra constrói a noção de que os anarquistas utilizando-se da Imprensa Operária combatiam em prol de suas ideias e contra aqueles que impediam o livre desenvolvimento dos indivíduos e que buscavam contribuir para o desenvolvimento da consciência revolucionária. No volume 2 da obra citada de organização de Rafael Deminicis e Carlos Augusto Addor, identificamos um texto que não poderíamos deixar de fora de nossa revisão. O artigo Anarquismo e movimento operário nas três primeiras décadas da República (DEMINICIS; ADDOR, 2009) de Carlos Augusto Addor evidencia uma série de elementos apontando para o fato de que o anarquismo, durante as três primeiras décadas da República, foi principalmente através da corrente anarcossindicalista, senão a tendência política hegemônica no interior do movimento operário e sindical brasileiro, certamente uma das mais fortes, atuantes e combativas correntes organizatórias da classe trabalhadora e que os anos da década de 10 fora a conjuntura de maior ascensão do movimento operário brasileiro, pois neste ocorrem movimentos grevistas “num ritmo e intensidade até então desconhecidos” no Brasil. No contexto referido, os trabalhadores paulistanos desenvolveram suas lutas para além das reivindicações imediatas (econômicas – salários, jornadas, etc.), mas também para uma possível revolução social. Nossa última análise será feita sobre a obra Ideologia e Estratégia: anarquismo, movimentos sociais e poder popular de Felipe Corrêa, publicado pela Editora Faísca no ano de 2011. Dividida em três capítulos extensos, a principal tese que perpassa ambos os capítulos, são as noções entre ideologia e estratégia. Ideologia e estratégia são utilizadas nos textos para discutir anarquismo e sindicalismo revolucionário. Ideologia, para o autor, constitui-se enquanto um conjunto de ideias e de valores respeitantes à ordem pública e tendo como função orientar comportamentos políticos coletivos enquanto sistema de ideias conexas com a ação. Estratégia é a escolha dos meios mais adequados para se atingir determinados fins. Dessa - 37 - ........................ forma, o anarquismo seria uma ideologia e o sindicalismo revolucionário uma estratégia. Contudo, sua análise fundamentada nesses conceitos é determinante para entender que o sindicalismo revolucionário não constitui uma ideologia diferente do anarquismo, mas uma das estratégias adotadas pelo anarquismo (CORRÊA, 2011, p. 32). Assim, majoritariamente, o fenômeno que manifestou no Brasil foi o sindicalismo revolucionário e não, o anarcossindicalismo. Para concluir, podemos dizer que a sistematização dessas fontes levantou nossa temática em dois sentidos: primeiro, por que possibilitou que nossa temática emergisse da leitura dos documentos instigando-nos a pesquisas sobre a educação; e por outro lado, através das lacunas deixadas por estas fontes. Inúmeras outras fontes ainda serão analisados e, obviamente, aparecerão na monografia de forma mais aprofundada. Os temas nos permitirão vislumbrar hipóteses, resgatando paradigmas e superando outros, para expressar uma escrita da História além de meras informações esquemáticas e doutrinárias. Sendo assim, nos ancoraremos principalmente nas análises de Campos (1983), Magnani (1992), Pinheiro (1990), Lopreato (2000), Samis (2004), Leal (2006), Biondi (2009) e Corrêa (2011) que nos pareceu mais favorável com nossas hipóteses (ver “Introdução”) e de outro lado, mais atualizada frente à produções recentes. Ao ambicionarmos demonstrar a ação política e pedagógica que está expressa pelos números de A Plebe no ano de 1917, compreendemos que esse periódico foi um espaço de socialização de saberes e práticas educacionais libertárias. Assim sendo, pretendemos caminhar rumo a uma pesquisa que permite dar visibilidade às questões presentes nessa forma de ação política nessas fontes primárias. 1.2. Delimitação teórico-metodológica e conceitual Nosso referencial metodológico está baseado em Rüsen (2010) que aponta as “operações processuais do método - 38 - ........................ histórico” e as “operações substancias” . A primeira operação processual é a heurística19. Ela se reduz ao questionamento (levantamento de questões históricas) e seleção de fontes. As outras duas operações são a crítica e a interpretação. A crítica das fontes, enquanto uma operação metódica tira informações, dados e manifestações do passado das fontes a partir de nossas concepções do presente, estabelecendo um vínculo direto entre o passado e o presente. Nesse sentido, a críticas das fontes “é o ponto fulcral da objetividade histórica” (idem, p. 123). A interpretação, enquanto “operação metódica que articula, de modo intersubjetivamente controlável, as informações garantidas pela crítica das fontes sobre o passado humano” (idem, ibidem) nos ajuda a organizar as informações das fontes históricas, estabelecendo contextualizações necessárias, sintetizando as perspectivas, os sentidos das experiências do passado e etc. Se torna fundamental afirmar isso pois, as fontes históricas não apresentam seus fatos nas meras correlações empíricas ou nos fatos/dados das fontes. Outras três concepções são importantes, pois as operações processuais são complementadas pelas operações substanciais. Trata-se da hermenêutica, analítica e dialética. A hermenêutica é a análise dirigida à subjetividade dos atores históricos. Trata-se de compreender suas intenções e o sentido imaginado de suas ações. Já na analítica, as fontes são investigadas como “resíduos que manifestam as condições sob 17 18 De acordo com Rüsen (2007, p. 122), “Trata-se do que deve ser apreendido, pela crítica das fontes, como fato especificamente histórico e do que deve ser estabelecido, interpretativamente, como contexto histórico de fatos”. 18 Rüsen (2007, p. 133 – 167). 19 Heurística é “a operação metódica da pesquisa, que relaciona questões históricas, intersubjetivas controláveis, a testemunhos empíricos do passado, que reúne, examina e classifica as informações das fontes relevantes para responder às questões, e que avalia o conteúdo informativo das fontes” (RÜSEN, 2007, p.118). 17 - 39 - ........................ as quais foram possíveis as criações culturais que formam a tradição” (RÜSEN, 2007, p. 146). Nesta fase, aborda-se nas fontes as experiências nas quais o tempo é experimentado como limite definidor das possibilidades do agir. A última operação substancial é a dialética. Ela é compreendida como o momento de combinação entre a hermenêutica e a analítica com o intuito de serem percebidas enquanto uma relação entre as experiências do tempo humano e as intencionalidades humanas (RÜSEN, 2007, p. 159). Levando em consideração esta perspectiva teóricometodológica, esse trabalho visa aprofundar o questionamento e a seleção (heurística) dos artigos de A Plebe levando em consideração nossa problemática geral. Ele precisa extrair destes artigos o conteúdo factual (dados) que eles nos fornecem (crítica) e necessita estabelecer conexões entre estes fatos, isto é, o contexto de fatos (interpretação). Ao mesmo tempo, por essa escolha metodológica, esse trabalho precisa estabelecer uma análise hermenêutica dos artigos, visando compreender o sentido subjetivo que orienta a ação dos autores de A Plebe. Mas, estas intenções e projeções subjetivas precisam ser contextualizadas (Analítica). Neste sentido, nosso trabalho pretende analisar o contexto de produção do jornal, reconstruindo o período republicano brasileiro e os contextos de efeitos que fornecem limites para as intenções subjetivas dos autores do jornal. Além desses pressupostos metodológicos faz-se opção, neste estudo, de adotar alguns conceitos, tais como os de anarquismo, sindicalismo revolucionário, imprensa operária, ação direta e educação libertária. Para explicitar o que compreendemos por anarquismo, utilizarei os pressupostos que Felipe Corrêa desenvolveu em Ideologia e Estratégia: anarquismo, movimentos sociais e poder popular. Ancorado nos sulafricanos Michael Schmidt e Lucien van der Walt20 e no 20 SCHMIDT, M.; VAN DER WALT, L. Black Flame: the revolutionary class politics of anarchism and syndicalism. Oakland: Ak Press, 2009. - 40 - ........................ 21 brasileiro Alexandre Samis , Corrêa (2011) define do anarquismo como (...) uma ideologia22, um tipo de socialismo revolucionário, que surge no século XIX colocando-se no campo social e sem desconsiderar as desigualdades da sociedade, e por isso tem uma herança histórica, ideológica e teórica determinada. Possuindo elementos morais de relevância, o anarquismo não pode ser considerado uma ciência, apesar de utilizar métodos racionais para a leitura da realidade – posicionando-se contra a exploração e a dominação – para a criação de uma perspectiva de sociedade futura e também para o estabelecimento de estratégias e táticas. O anarquismo defende uma transformação social revolucionária, em nível internacional, que deve ser levada a cabo de baixo para cima, ser protagonizada pelos diferentes sujeitos oprimidos e fazer com que os meios de luta estejam de acordo com os fins que se pretende 21 SAMIS, A. Clevelândia: anarquismo, sindicalismo e repressão política no Brasil. São Paulo: Imaginário, 2002; _______. Minha Pátria é o Mundo Inteiro: Neno Vasco, o anarquismo e o sindicalismo revolucionário em dois mundos. Lisboa: Letra Livre, 2009. 22 Devemos fazer algumas ressalvas e esclarecimentos o conceito de “ideologia” utilizado tanto pelos sul-africanos Michael Schmitd e Lucien van der Walt como por Felipe Corrêa. Primeiro, o termo ideologia historicamente em outras concepções tem outros significados. Por exemplo, na teoria marxista, corresponde à “falsa consciência sistematizada da realidade”. Se pensarmos assim, o anarquismo se situaria como falsa consciência dos trabalhadores – fato que não concordamos; segundo nossa interpretação aqui desenvolvida, o termo ideologia para definir o anarquismo, para não ser compreendido como falsa consciência sistematizada da realidade, pode ser substituído por “política” ou como “desenvolvimento de uma práxis” – que une teoria e ação, sendo, portanto indissociável a relação meios e fins. Assim sendo, seria mais claro definir o anarquismo como uma práxis, ou, como uma ideologia, entendida como um conjunto de teorias orientado por suas ações práticas se autodeterminando. - 41 - ........................ atingir. Como objetivo, o anarquismo propõe a criação de um socialismo autogestionário e federalista, sem capitalismo e sem Estado, que concilie a liberdade individual, a liberdade coletiva e a igualdade (CORRÊA, 2011, p. 47). Dessa forma, o anarquismo, como corrente do socialismo – conforme está definido acima – não é sinônimo de antiestatismo ou meramente uma corrente libertária e antiautoritária. Pensar o anarquismo de forma reducionista causa uma visão também reducionista da realidade; nem generalizações (no sentido de transcender o momento histórico analisado) são cabíveis, pois, não se pode falar de anarquismo antes do capitalismo e nem em anarquismo fora do campo socialista (CORRÊA, 2011, p. 36). Nessa definição, o anarquismo é um fenômeno que constitui parte das teorias libertárias que a história produziu, mas de maneira alguma, pode ser completamente vinculado a todas elas. Portanto, devemos delimitar o surgimento do anarquismo para não cairmos em generalizações históricas causando uma imprecisão do tema (até por que o termo anarquismo surgirá com os conflitos23 entre Marx e Bakunin). (...) o anarquismo pode ter surgido em Proudhon, desenvolvendo suas principais linhas, mas dá um inegável salto qualitativo com Bakunin e a ADS, passando a existir em sua plenitude e maturidade, consolidando-se como uma ideologia cujas bases encontram-se no movimento popular do século XIX e que preconiza uma prática política organizada e coletiva (CORRÊA, 2011, p. 42). Para dialogarmos com essa definição, temos que definir o que se entende por estratégia, pois justamente o 23 SADDI, R. Ditadura do Proletariado ou Abolição do Estado? O Conflito Conceitual entre Anarquistas e Marxistas. In: Revista Enfrentamento, ano 04, nº 06, Jan./Jun. de 2009. - 42 - ........................ anarquismo, enquanto uma ideologia teve ao longo do seu desenvolvimento, diversas estratégias, dentre elas, o sindicalismo revolucionário. De acordo com Hardman (1984, p. 31), no Brasil antes da década de 30 do século XX, um dos elementos fundamentais da classe operária é sua autonomia cultural advinda de sua autonomia no plano associativo, principalmente sindical, constituindo o sindicato enquanto “um espaço valorizado como expressão de força e dignidade” (idem, p. 49). O historiador Cláudio Batalha irá apontar que o “sindicalismo de ação direta, ou sindicalismo revolucionário, tinha por modelo a política adotada pela Confederação Geral do Trabalho francesa” que (...) fundava-se na rejeição de intermediários no conflito entre trabalhadores e patrões; na condenação da organização partidária e da política parlamentar; na proibição da existência de funcionários pagos nos sindicatos; na adoção de direções colegiadas e nãohierárquicas; na reprovação de serviços de assistência nos sindicatos; na recusa da luta por conquistas parciais; na defesa da greve como principal forma de luta, apontando para a greve geral. (BATALHA, 2000, p. 29). Nesse sentido, o sindicalismo revolucionário não constitui uma ideologia diferente do anarquismo, mas uma das estratégias adotadas pelo anarquismo (CORRÊA, 2011, p. 32). No Brasil, o sindicalismo revolucionário, teve uma envergadura bastante considerável. Um exemplo elementar sobre o sindicalismo revolucionário no Brasil está exposto no Primeiro Congresso Operário de 1906. O Congresso de 1906 mostra a clara influência do sindicalismo revolucionário: há mesmo uma menção ao operariado francês como “o modelo de atividade e iniciativa ao trabalhador brasileiro”. Tal doutrina, nos anos - 43 - ........................ imediatamente anteriores a 1906, chega a dominar a organização do movimento operário em São Paulo e a exercer uma larga influência no movimento no Rio de Janeiro. De fato, as resoluções do Congresso são muito mais sindicalistas que revolucionárias (do anarquismo dificilmente se encontra algum traço) (PINHEIRO e HALL, 1979, p. 41). Dessa forma, trazendo os elementos do sindicalismo revolucionário, o tipo de organização escolhido é o sindicato de resistência, com o intuito de evitar no interior do sindicato, o cooperativismo, “que atraem grande número de aderentes sem o indispensável espírito de luta” (NETO, 2007, p. 27). Ainda, “os sindicatos serão organizados por ofício, por indústria ou por ofícios vários, neste último caso apenas com o objetivo de facilitar e provocar a formação de outras associações de resistência” (idem, ibidem). De acordo com Alexandre Samis, o Congresso aprovou a filiação de suas teses ao sindicalismo revolucionário francês, estabelecendo os seguintes pontos fulcrais: neutralidade sindical, federalismo, descentralização, antimilitarismo, antinacionalismo, ação direta, greve geral, etc. No texto final aprovado pelo Congresso, fica latente a “capacidade e abrangência do programa que previa a possibilidade de convivência de ‘opiniões política e religiosas’, elegendo o campo econômico”24, como o de compreensão por este ser de interesse comum (SAMIS, 2002, p. 135). Os princípios de ação direta estão explícitos nas resoluções do I Congresso Operário Brasileiro: “Considerando que o proletariado economicamente organizado, independente dos partidos políticos, só pode, como tal, lançar 24 Esta concepção está Mikhail Bakunin. Ver: BAKUNIN, M. Catecismo Revolucionário: Programa da Sociedade da Revolução Internacional. São Paulo: Imaginário/Faísca, 2009. - 44 - ........................ mão dos meios de ação que lhe são próprios; (...) o Congresso aconselha como meios de ação das sociedade de resistência ou sindicatos todos aqueles que dependem do exercício direto e imediato da sua atividade, tais como a greve geral ou parcial, a boicotagem, a sabotagem, o label, as manifestações públicas, etc., variáveis segundo as circunstâncias de lugar e de momento” 25 (COB, 1906 in: PINHEIRO e HALL, 1979, p. 51). Outro elemento fundamental é a perspectiva de “neutralidade” dos sindicatos em relação às vertentes políticas. Os sindicatos não deveriam nem ser anarquistas, nem meramente sindicalistas, estes deveriam ser de orientação revolucionária. Para ficar mais claro, o jornal A Terra Livre de 1906 ressalta a diferença entre nível político e nível social. O (...) Congresso não foi, de certo, uma vitória do anarquismo. Não o devia ser. A Internacional, desfeita por causa das lutas de partido no seu seio, deve ser memorável lição para todos. Se o Congresso tivesse tomado um caráter libertário, teria feito obra de partido, não de classe. O nosso fim não é constituir duplicatas dos nossos grupos políticos. Mas se o Congresso se não foi, a vitória do anarquismo, foi, porém, indiretamente útil à difusão das nossas ideias (RODRIGUES, 1969, p. 131). Além da relação entre o sindicato e a perspectiva política, os sindicatos, de acordo com as Resoluções do I Congresso Operário Brasileiro, não deveriam ser “associações controladas por mestres, com o fim de preservar antigos “Resoluções do 1º Congresso Operário Brasileiro efetuado nos dias 15, 16, 17, 18, 19 e 20 de abril de 1906 na sede do Centro Gallego, à Rua da constituição, 30 e 32, Rio de Janeiro, 1906 (IISG)” (PINHEIRO e HALL, 1979, p. 58). 25 - 45 - ........................ privilégios corporativos” (SIMÃO, 1966, p. 160). Estes deveriam ser compostos por trabalhadores para lutar pelos interesses dos trabalhadores, trazendo o lema da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) de 1864: “A emancipação dos trabalhadores é obra dos próprios trabalhadores”. Apesar das diferenças26 entre os três Congressos Operários (1906, 1913 e 1920), que ressalvadas algumas alterações relativas às especificidades do contexto histórico de cada congresso, prevalecia o sindicalismo revolucionário enquanto estratégia a ser utilizada através da ação direta, como “método fundamental para a obtenção das transformações sociais desejadas” Maria Nazareth Ferreira nos fornece o conceito de Imprensa Operária. Para a autora, podemos identificar a imprensa operária produzida por operários, sob o ponto de vista do emissor, do ponto de vista do receptor e do seu conteúdo, no que tange às questões da classe social (FERREIRA, 1988, p.5). Porém, existem diversos outros elementos para caracterizamos a imprensa operária, como por exemplo, as produções de indivíduos não pertencentes àquela classe, mas que expressa os interesses dessa classe. Quando falamos então de imprensa operária, estamos dizendo de elementos internos da classe e externos da classe, porém, não podem ser desvinculadas do próprio movimento operário, pois ambos estão relacionados através das lutas da classe trabalhadora. A Imprensa Operária, no contexto dos fins do século XIX até a segunda década dos mil e novecentos, constitui-se como “canal dos problemas dos trabalhadores” e como centros de propagação de concepções políticas. 26 Cf. SAMIS, A. Pavilhão negro sobre pátria oliva: sindicalismo e anarquismo no Brasil. In: COLOMBO, Eduardo (orgs.). História do Movimento Operário Revolucionário. São Paulo: Expressão e Arte & Imaginário, 2004 - 46 - ........................ Em questões quantitativas, Ferreira (1978), aponta que entre o “último quartel do século XIX até as duas primeiras década do século atual (XX), apareceram aproximadamente 343 títulos de jornais espalhados pelo território brasileiro” (idem, ibidem, p. 14). Com considerável quantidade, através do convencimento expresso pelos jornais, a imprensa operária ancorada em centenas de periódicos, foi um órgão fundamental para os sindicatos (ligas operárias, uniões profissionais ou associações de resistência) na propagação de seus ideais. Porém, a trajetória desses periódicos estava condicionada às “dificuldades financeiras e diligencias policiais” que “garantiam vida breve para a maioria desses periódicos, ou temporárias interrupções na publicação dos mais bem sucedidos” (DULLES, 1973, p. 23). De fato, alguns periódicos não conseguiram encontrar certa regularidade na sua distribuição, sendo que, alguns desapareciam e reapareciam sob outros títulos e redatores (na maioria, os redatores eram os mesmos, porém, sob diversas questões eles utilizavam pseudônimos). Nessa questão da Imprensa Operária, devemos notar algo anterior que é o jornal. Este teve um papel fundamental, pois criou o “hábito de leitura” e preparou “o terreno para o surgimento da imprensa operária na virada do século” (idem, p. 9). Sendo assim, o jornal é um resultado do conjunto de informações, preocupações, propostas, produzidos pela coletividade e para ela mesma (idem, p. 6). Conforme Boris Fausto enuncia, o jornal “constitui um dos principais centros organizatórios anarquistas e de difusão da propaganda”. O jornal figura-se dentro do movimento operário da Primeira República do Brasil como um “veículo de expressão escrita, transforma-se também com frequência em veículo oral, ao ser lido em voz alta aos trabalhadores analfabetos” (1977, p. 91). Outro conceito fundamental que trabalharemos aqui é o de ação direta. Ancorado em Adonile Guimarães, Christina Lopretato, Anton Pannekoek e José Oiticica, entendemos que a - 47 - ........................ ação direta é crítica da sociedade burguesa proferida pelo movimento operário revolucionário de bases eminentemente libertárias que fornece uma “recusa à tática de representação burguesa, de rejeição ao parlamentarismo” (LOPREATO, 2000, p. 46). Nesse sentido, a ação direta é “a ação dos próprios trabalhadores sem a mediação da burocracia sindical” (PANNEKOEK, 2011, p.119). Assim, ação direta pode ser expressão através do campo da propaganda (no caso a Imprensa Operária nos jornais e demais periódicos) promovendo a ampliação da greve gerando assim a autonomia como conduta de vida (idem, p. 120). Para José Oiticica (anarquista brasileiro), a ação direta tende (...) a despertar a iniciativa, o espírito de espontaneidade, a decisão, a coragem, ensinando a massa popular a agir por conta própria, a unirse e viver em luta. Hoje, mais do que nunca, ação direta, é o processo exato de rebelião proletária (OITICICA, 1963, p. 47). Complementando tal análise do conceito aqui empregado, Lopreato afirma que a estratégia da ação direta contrapõe-se ao parlamentarismo e a qualquer outra forma de representação política, estabelecendo os vínculos de ações e estratégias sem esperar forças externas de outras classes. Torna-se a ação direta “a expressão da crença de que o proletariado só se libertará quando confiar na influência de sua própria ação, direta e autônoma, prescindindo de intermediários no conflito capital/trabalho” (2000, p. 20). Dentre o emaranhado de práticas e estratégias da ação direta, encontra-se o boicote, a sabotagem, e a greve, sendo que esta última, a estratégia exemplar da ação direta e é considerada como “a mais rica em ensinamentos por que explicita interesses contraditórios entre o patrão e o empregado, rompe a harmonia existente entre eles e fazer aparecer a luta de classes” (idem). - 48 - ........................ Os anarquistas, no geral, sempre consideraram a educação e o convencimento estrategicamente fundamentais. Por isso se torna elementar definirmos educação libertária. Tal definição foi embasada no anarquista russo Mikhail Bakunin que em seus escritos irá fundamentar as críticas à educação vigente propondo a Instrução Integral27, uma forma educacional que tem por fim a supressão da sociedade capitalista e só poderá se concretizar nessa “nova sociedade”. Porém, educação libertária não é sinônimo de instrução integral, já que este último só se concretizará na sociedade anárquica, sendo que o primeiro, manifesta-se como forma de luta para o rompimento com essa sociedade. Por isso, para uma maior precisão utilizaremos educação libertária e pedagogia libertária e não o conceito desenvolvido por Bakunin28. A educação libertária tem por objetivo buscar os meios para Criar uma pedagogia e um ensino que revelarão à criança (e ao adulto) os malefícios de todo poder abusivo e de toda injustiça social, de onde quer que esse dois provenham; das religiões às democracias utilizadas como meios sibilinos de coerção moral e física sobre o próprio indivíduo (SAFÓN, 2003, p. 11). Ainda, Assim, na sua definição a instrução é integral “(...) quando prepara os homens tanto para a vida do espírito como do trabalho, a fim de que todos se possam tornar pessoas completas”. (BAKUNIN, 1979, p. 43). Nesse âmago, a instrução integral só pode ser consolidada na abolição da divisão entre trabalho intelectual e trabalho manual, portanto, em uma sociedade sem classes sociais. 27 28 Em Bakunin, temos a noção de emancipação pela prática, ou seja, a transformação social só se concretizará na realização prática dos oprimidos, constituindo formas de atuação libertária nessa sociedade para seu rompimento. - 49 - ........................ Reconhecer obrigações à pessoa humana, certo, mas não imposições que a desnaturem, e, por conseqüência, fazer aparecer no indivíduo o ser humano que traz em si. Ativar o senso humano ao ponto que ninguém possa mais aceitar a opressão e a iniqüidade como norma de vida e possa, ao contrário, rejeitá-las pela revolta (idem, p. 11- 12). Nesse sentido, dialogaremos também (de forma secundária) com o conceito de educação exposto por Gonçalves & Nascimento (2008). Para as autoras, a imprensa operária fazia opções de divulgar as perspectivas educacionais que melhor representassem seus princípios, seus pressupostos teóricos e que, portanto, articulassem a ideia de “educação e revolução anarquista”. Assim, “preocupados com a formação do homem anarquista, dedicaram escritos e estudos ao tema da educação. A educação era fundamental nos planos anarquistas (...)” (GONÇAVES; NASCIMENTO, 2008, p. 360), pois, os libertários eram conhecedores da importância de se educar o militante. Para eles era necessário instruir o trabalhador, dar-lhe cultura e conhecimento, pois um povo sem instrução engoliria as “pílulas amargas” da imprensa, da ideologia e do discurso burguês (idem, p. 361). Porém, queremos ir mais longe: identificar a ação pedagógica que pressupõe uma ampliação em relação à educação em si. Por isso, Vancanti (2010) também nos fornece elementos para essa questã. De acordo com ele, a imprensa operária foi um órgão muito importante para a divulgação da educação libertária. Ele diz: “Os jornais foram muito utilizados pelos intelectuais socialistas/anarquistas para propagar suas ideias, informações;” ou seja, “aquilo que chamavam de conscientização se mesclava, nas páginas dos periódicos, com as notícias de acontecimentos sociais” (VALCANTI, 2010, p. 3). É nesse sentido que cabe nosso conceito de educação - 50 - ........................ libertária, enquanto uma ferramenta de conscientização das condições de classe, que fora utilizada como instrumento de propagação das ideias libertárias. Nesse sentido, a imprensa “(...) era o grande veículo de difusão da propaganda militante, constituindo-se como a expressão mais visível da cultura operária na República Velha” (GARZIA, 2011, p. 54). Mas além disso, apresentaremos uma concepção estática mais ampla das imagens além de sua proposição formal (ver capítulo 3). Ressalta Valcanti que as imagens publicadas pelo jornal também serviram de instrumentos de conscientização dos trabalhadores, pois “a propaganda anarquista foi importante para os objetivos deste grupo que, usando de uma retórica clara e coerente buscava reunir os trabalhadores dentro de um ideal comum (...), a imagem se apresentou como um importante instrumento de divulgação e agregação de um discurso específico” (VALCANTI, 2010, p. 12). Para uma maior precisão do uso do conceito de educação, Gonçalves (2004), nos dá um importante marco ao utilizar que A Plebe foi um instrumento de educação informal por excelência. Mas além disso, o jornal foi um instrumento de ação política e pedagógica. Em que pese o conceito do autor, ele explica que o jornal procurava-se instruir os trabalhadores para uma compreensão efetiva do que realmente seria uma sociedade organizada nos moldes anarquistas. Então os editores passaram a inserir no jornal textos que informavam o trabalhador sobre as características da sociedade pós-revolucionária; a condição da família anarquista; as habitações populares em um regime anarquista e sobre outros temas referentes a esta sociedade por eles idealizada (GONÇALVES, 2004, p. 11). Assim, os editores e escritores desse periódico, tinham a crença de que o jornal e o livro poderiam alongar as - 51 - ........................ “relações dos livros indicados para leitura nos grupos de estudos sociais, nas bibliotecas das associações de bairros e sindicais” (idem, p. 15). Vale ressaltar que mais do que informar os principais conceitos, fontes bibliográficas e os periódicos, devemos nos atentar para uma análise minuciosa destas fontes. É pensando historicamente que irei recorrer a essas fontes para construir a pesquisa que proponho. O próximo passo nosso será o de reconstruir os fatos que marcaram o contexto do proletariado paulista anterior à Semana Trágica (Lopreato, 2000), apresentando a necessidade das organizações operárias para o contexto. - 52 - ........................ CAPÍTULO II - Contexto do proletariado brasileiro na Primeira República Ela se desencadeia contra a causa dos males ou a ataca de modo indireto, ela é consciente e instintiva, humana ou brutal, generosa ou muito egoísta, mas de qualquer modo, é a cada dia maior e se amplia incessantemente. (Um Pouco de Teoria, Errico Malatesta, 1892). 2.1. Imigração, formação do operariado e condições de trabalho De acordo com o sociólogo Azis Simão, nos fins do século XIX na cidade de São Paulo começa-se a “destacar as silhuetas do patrão e do trabalhador assalariado” (SIMÃO, 1966, p. 9) onde as relações entre a sociedade anterior, que se baseava nas relações escravocratas dava lugar à sociedade fundamentada nas relações de assalariamento. Nesse contexto, emerge-se um emaranhado de indústrias que darão sentido para a afirmação de um proletariado urbano que crescerá demasiado formando uma classe operária. Essas novas relações em emersão estão em conexão com outro elemento fundamental para esse crescimento do corpo de mão de obra industrial: a imigração. Conforme salientamos na Introdução, a leva de imigrantes especificamente italianos29 irá formar uma mão de obra considerável nos fins do século XIX e início do século XX. 29 Um aspecto importante da imigração italiana e do movimento libertário será a formação da Colônia Cecília no município de Palmeira no Paraná. Esse movimento engendrou-se quando um “grupo de anarquistas deixou a Itália, em fevereiro de 1890, para tomar posse de terras que havia recebido do governo brasileiro, segundo sua política de estímulo à imigração. No primeiro ano a experiência foi bem-sucedida, e na primavera de 1891 havia cerca de duzentas pessoas vivendo e trabalhando na colônia” (WOODCOCK, 2006, p. 170). Para mais, ver WOODCOCK, G. História das idéias e movimentos anarquistas- v.2: O movimento. Porto Alegre: L&PM: 2006. - 53 - ........................ Já na década de 50 do século XIX, em meio a “intensos debates sobre a utilização de imigrantes europeus para o povoamento de áreas devolutas ou para substituição da mão-de-obra africana escrava” o governo brasileiro, após uma revolta na fazenda do latifundiário Nicolau de Campos Vergueiro devido ao uso do “Regime de Parceira”, irá intensificar o apoio à imigração (SAMIS, 2002, p. 130). Nesse período foi registrada a entrada de cerca de 117 000 indivíduos que entraram no Brasil nos anos 1950 e na próxima, cerca de 527 000. Em um estudo sobre a imigração para o Brasil, Petrone (1990) aponta a intensidade que o Estado brasileiro atuava nesse processo potencializando com recursos do Estado a vinda de imigrantes. De acordo com a autora, esse fenômeno “faz parte de uma realidade bem mais ampla e complexa, onde as oportunidades de sucesso nas áreas novas, as forças de atração, portanto, e as de repulsão, ou seja, a pobreza, as dificuldades para sobreviver e a superpopulação nos países de origem, constituem apenas algumas das condicionantes” (PETRONE, 1990, p. 95). No entanto, a década de 1890 é mais favorável para entender as principais determinantes da imigração. Contribuiu para o seu desenvolvimento, o crescimento da lavoura cafeeira, o regime de governo que mudara em 1889, abolição da escravidão, crise econômica na Itália e nos Estados Unidos, a política de Estado impulsionando a imigração, entre outros fatores (PETRONE, 1990, p. 101). Além dessa relação da entrada de imigrantes, é salutar ressaltar que o processo de êxodo rural que ocorre principalmente em São Paulo, se dá na conjuntura de 1898 até 1907, onde destaca-se a crise cafeeira e a consecutiva diminuição de plantio e da pressão da mão de obra rural. Nesse ínterim, o núcleo urbano crescerá, alimentando a indústria paulistana por conta de uma recuperação econômica entre os - 54 - ........................ anos de 1905 – 1913 com um surto industrial (PINHEIRO, 1990, p.155). De 1890 a 1929 entraram ao todo no Brasil (...), 3 523 591 imigrantes, sendo que na primeira década do período em apreço vieram 1 205 703; na década de 1900, aliás a menos significativa quanto à imigração, a cifra baixou para 649 898. Durante a década em que houve a Primeira Guerra Mundial chegaram 821 522 imigrantes, para na seguinte se registrarem 846 522. O ano em que mais imigrantes se registraram em toda a História do Brasil é 1891: 216 110 (...) (PETRONE, 1990, p. 100). Especificamente o Estado de São Paulo recebeu entre 1889 e 1930, 2 022 654 imigrantes, correspondendo a “57,7% do total do Brasil” (PETRONE, 1990, p. 103). Nessa base quantitativa ainda destaca a predominância de italianos com cerca de um terço desse total do estado paulistano. Pinheiro (1990, p. 139) ressalta, por exemplo, que no ano de 1900, “92% dos operários industriais no Estado de São Paulo eram estrangeiros e 81% eram italianos”. Essa eminência de superioridade numérica de italianos ressoou na forma e nas diretrizes assumidas pelo movimento operário organizado no Brasil. Ao destacar isso, o autor acima referido, Apresentando os dados quantitativos específicos da imigração em São Paulo, Simão (1966, p. 26 – 27) aponta que, segundo os censos de 1890, 1900, 1920 e 1940, o número de habitantes do Estado foi, sucessivamente, de 1.384.753, 2.279.608, 4.592.188 e 7.180.316. Registrou-se um aumento de 64,8% na década de 1890, que se elevou a mais de 100% no primeiro vintênio deste século, caindo para 56,4% no seguinte. Tal crescimento demográfico deveu-se, em grande parte, às contínuas levas de imigrantes, que, inicialmente pequenas, avolumaram-se depois de 1886, quando o governo provincial passou a custear inteiramente o transporte de - 55 - ........................ colonos europeus para o serviço da cafeicultura. (...) A quantidade de entrados, em 1887 e 1900, foi de 909.417, contribuindo com uma taxa de 86% para o aumento do número de habitantes então verificado. No período de 1901 a 1920, mais de 823.642 estrangeiros entraram com a quota de 38,5% no crescimento de uma população já aumentada com os entrados anteriormente e o número ignorado de seus descendentes (SIMÃO, 1966, p. 26 - 27). A migração campo-cidade, sobretudo para a cidade de São Paulo, também teve uma forte conotação devido às “fases de depressão do setor cafeeiro e as dificuldade de acesso à propriedade da terra” (FAUSTO, 1977, p. 24). Para Luigi Biondi, os anos de 1916 e 1917 são importantes para entender como a imigração italiana teve uma emersão considerada. Para ele, dois fatores são essenciais: a) a inserção definitiva na economia do trabalho urbano industrial ou artesanal; b) a fixação no território por conta dessa inserção e pela “impossibilidade de voltar à Itália devido à guerra e à crise econômica que a precedeu” (BIONDI, 2009, p. 274). E como forma de luta contra essa realidade complexa e dificultosa, a principal arma do proletariado foi a greve. Essas greves eram “esparsas até fins do séc. XIX” mas cresceram demasiado nas primeiras décadas do século passado (SEGATTO, 1987, p. 61), Mas, o desenvolvimento industrial no Brasil não fora linear e evolutivo. Teve suas fases de ascensão e queda. A produção, no primeiro momento, se restringia especificamente a produzir bens de consumo não duráveis, ou seja, tecidos, alimentos, etc. e concentrava-se principalmente nas cidades de São Paulo e no Rio de Janeiro. Assim, começava-se a formar um contingente populacional operário urbano que, juntamente com esse crescimento populacional ocorrido principalmente pela imigração italiana, espanhola e portuguesa, tornará a base principal do incipiente movimento operário dos fins dos anos mil e novecentos e que se fortalecerá e terá o seu auge em - 56 - ........................ 1917 na greve geral de julho. Nesse sentido, as grandes migrações transoceânicas dos séculos XIX e XX constituem um aspecto do movimento demográfico advindo da Europa que potencializou a urbanização e a industrialização de São Paulo (PETRONE, 1990, p. 95) (SEGATTO, 1987, p. 14). Essa relevância está intrínseca na forma, na composição e nas motivações do movimento operário brasileiro, já que foi na greve geral de julho de 1917 que ocorre a fixação e participação efetiva dos italianos na constituição de uma classe operária e de seus movimentos organizativos. Assim pensando, a “presença de um proletariado de origem italiana deve ter refletido no movimento as tensões que caracterizavam internamente a comunidade ítalo-paulistana” já que os ecos e reflexos da Guerra Mundial estavam se intensificando na Itália (BIONDI, 2009, p. 272). Assim, a maioria dos trabalhadores aqui instalados estavam submetidos a longas jornadas de trabalho, “que nos primeiros anos do século XX atingiram 14 horas no Distrito Federal e 16 horas em São Paulo -, com poucas possibilidades de descanso e lazer” (BATALHA, 2000, p. 11). Ainda de acordo com ele os (...) trabalhadores moravam em habitações precárias, como os cortiços; na periferia dos centros urbanos, padecendo problemas de transporte e de infra-estrutura; ou, ainda, submetidos ao controle patronal, caso das vilas operárias das empresas. No caso de doença, invalidez ou desemprego, o trabalhador que não contasse com um fundo beneficente da empresa, ou que não contribuísse por sua própria iniciativa para alguma forma de sociedade que fornecesse auxílios, via-se inteiramente desassistido e tinha sua sobrevivência ameaçada em virtude da completa ausência de políticas sociais (BATALHA, 2000, p. 11). - 57 - ........................ As condições dos trabalhadores eram tão adversas, que Oreste Ristori, anarquista italiano, irá relatar no periódico La Battaglia no ano de 1911 que as condições de trabalho no Brasil eram terríveis e a “vida horrorosa”. Em suas palavras: “O trabalhador dos campos, trabalha aqui quatorze e quinze horas e vive em imundas pocilgas de barro” (RISTORI apud RODRIGUES, 1969, p. 306). No regime de trabalho cotidiano na fábrica era exigida do trabalhador uma disciplina do trabalho fundamentada na assiduidade e pontualidade, “como também um ritmo intensivo de produção, não se consentindo interrupção individual da atividade senão com licença superior” (SIMÃO, 1966, p. 72). As condições de manutenção e de reprodução da vida material ao operariado não eram favoráveis. Ressalta Segatto (1987, p. 23) que a “disciplina e a coerção no interior das fábricas eram bastante rigorosas, visando a garantia do máximo rendimento da mão-de-obra”. Essas condições desfavoráveis à classe operária foram fundamentais para o surgimento das primeiras organizações de resistência. Devemos ressaltar, conforme Alexandre Samis30 que desde a década de 30 do século XIX existiam organizações de trabalhadores urbanos, porém, limitadas ás perspectivas de socorros mútuos e de cooperação. Porém, é a partir dos fins desde século que começará a surgir na cidade de São Paulo as organizações de resistência, chamados por vezes de sindicatos, ligas, núcleos, etc., que foram contrários às “difíceis condições de vida e de trabalho” (SEGATTO, 1987, p. 26). 2.2. Sociedades de resistência, sindicatos e imprensa operária Antes mesmo da constituição de grandes organizações de trabalhadores, já existia algumas associações ainda na primeira metade do século XIX.31 As organizações de 30 2002, p. 132. Citando essas organizações, Segatto (1987, p. 35), diz: “(...) Sociedade de Oficiais e empregados da Marinha, fundada em 1833; a Sociedade 31 - 58 - ........................ trabalhadores na cidade de São Paulo foram, de acordo com Cláudio Batalha (2000, p. 16), divididas em três tipos: a) associações pluriprofissionais, reunindo operários de diferentes setores de trabalho; b) associações por ofícios, que congregava os trabalhadores por ofícios; e c) sindicatos por empresas, que organizava os trabalhadores de determinada indústria. Assim, essas organizações citadinas foram elementares para a construção dos posteriores sindicatos de resistência. Essas novas organizações surgiram com as denominações mais diversas: associação, centro, grêmio, liga, sociedade, união e, até mesmo, sindicato. Com frequência, na denominação havia a qualificação “de resistência”, para enfatizar sua diferença com relação às sociedades mutualistas, consideradas “beneficentes” (BATALHA, 2000, p. 15). Esses tipos de organizações sindicais irão substituir as formas de organizações mutualistas que apontamos anteriormente. Assim, nos triênio 1903-1905 cresceram as ligas de resistência em São Paulo. Em novembro de 1905, essas associações se reuniram em torno da Federação Operária de São Paulo (FOSP) criada em 26 de agosto de 1917 (LOPREATO, 2000, p. 19). Essa federação irá surgir “(...) reunindo em sua fundação a União dos Chapeleiros, a Liga dos Trabalhadores em Madeira, a Liga dos Pedreiros e a União Internacional dos Sapateiros” (FAUSTO, 1977, p. 120). Porém, as organizações de trabalhadores em São Paulo eram incipientes se comparadas com as do Rio de Janeiro. Nesse sentido, o salto qualitativo de forma organizacional será dado quando, em abril de 1906, a Federação Operária Regional Brasileira organizará o Primeiro Congresso Operário Brasileiro. Assim, o Primeiro Congresso Operário, realizado entre os dias 15 e 22 de abril de 1906 deu Mecânica Aperfeiçoadora das Artes e Beneficente, em 1936; e a sociedade de Auxílio Mútuo dos empregados da Alfândega, em 1838”. - 59 - ........................ um passo significativo para a organização do sindicalismo revolucionário no Brasil fruto do “ascenso do movimento operário revolucionário” (SAMIS, 2004, p. 135). Porém, essa não foi a primeira organização de trabalhadores no Rio de Janeiro e no Brasil. Conforme Oscar Farinha Neto aponta, após as greves de 1903 na capital federal surge uma necessidade de criação de um órgão que “coordenasse o movimento das diversas classes trabalhadoras” no Rio de Janeiro (NETO, 2007, p. 21). E dessa necessidade irá surgir, neste mesmo ano, a Federação das Associações de Classe, cujo modelo de organização era inspirado no sindicalismo na versão de Émile Pouget, então secretário-geral da CGT francesa. Com as influências da FORA (Federação Operária Regional Argentina) – de bases anarcossindicalistas – a federação passa-se a chamar Federação Operária Regional Brasileira, com forte influência anarquista e que terá a possibilidade de uma reunião geral (Congresso) no ano de 1906. Esse Congresso, chamado primeiramente de Congresso Operário Regional Brasileiro32, contou com a participação de 43 delegados de vários estados do Brasil representando as 28 associações de trabalhadores. Em deliberação, aprovou-se a filiação (muito mais uma continuação) das teses do congresso ao modelo do sindicalismo revolucionário francês33. Do Congresso que surgirá a COB (oficialmente em 1908) está próximo aos moldes do anarco-sindicalismo da FTRE (Federación de Trabajadores de la Región Española) fundada em 1881 advinda da FRE (Federación Regional 32 De acordo com Samis (2004, p. 135), foi a comissão de redação das deliberações finais do congresso que deu o nome do encontro de Primeiro Congresso Operário Brasileiro, já que se tratava de um Congresso nacional e não regional. 33 De acordo com Pinheiro e Hall (1979, p. 41): “o Congresso de 1906 mostra a clara influência do sindicalismo revolucionário: há mesmo uma menção ao operariado francês como ‘o modelo de atividade e iniciativa ao trabalhador brasileiro’”. - 60 - ........................ Española) de 1870 (CORRÊA, 2012, p. 218). Nesse congresso foi deliberado que não ocorreria nenhuma vinculação a partidos (ou a um modelo ou diretriz proletária), sendo que o congresso via “como ’única base sólida de acordo e de ação’ os interesses econômicos comuns a toda classe operária” (DULLES, 1977, p. 27). É compreendendo a realidade operária como uma interpretação do passado que a COB reafirmaria suas bases sem uma doutrina política única a ser seguida. Porém, há de ressaltar que os militantes anarquistas não eram a maioria, mas apesar disso, tinham a hegemonia do pensamento no interior do Congresso. De fato, isso não nos autoriza a dizer que o Primeiro Congresso Operário defendeu o anarcosindicalismo ou o anarquismo. O Primeiro Congresso assumirá o sindicalismo revolucionário e não, o anarco-sindicalismo (CORRÊA, 2011, p. 135). Como afirmamos a organização do Primeiro Congresso que criará em 1908 a COB, vai dar um salto qualitativo nas organizações sociais de cunho sindicalistas. Nesse período se intensificará na capital federal e na cidade de São Paulo o debate em torno das oito horas34, que figurou como uma bandeira de luta e esteve presente nas reivindicações dos trabalhadores durante boa parte da Primeira República. É nesse contexto que a FOSP será inserida. Utilizando como estratégia de luta a greve geral, assumirá toda a luta econômica articulada com a propulsão revolucionária. Por exemplo, nas comemorações do Primeiro de Maio de 1907, “a FOSP conclamou o operariado paulista a iniciar o movimento (grevista)35” (LOPREATO, 2000, p. 22). 34 Ver LAFARGUE, Paul. O Direito à Preguiça. Marília: UNESP, 1999. Além de Lafargue, o trabalho de Josué Pereira da Silva é elementar para compreender como historicamente surgiu o debate da divisão tripartida do tempo, dividindo as 24 horas diárias entre o lazer, o trabalho e o sono. Para tal, ver SILVA (1996), op. cit. 35 Devido a forte repressão estatal em 14 de maio de 1907, a FOSP foi fechada e alguns de seus membros acabaram presos (LOPREATO, 2000, p. 23). - 61 - ........................ A greve era entendida, como foi justificada por Paulo Sérgio Pinheiro (1990, p. 150), como um exercício revolucionário, que deveria culminar na “greve geral revolucionária” onde a “ação direta era a sua estratégia básica” rechaçando “qualquer cooperação com a política eleitoral ou parlamentar”. Contribuiu fortemente para a ascensão de vários movimentos grevistas a carestia de vida durante o período da Primeira Guerra Mundial. Pinheiro (1990, p. 147), destaca que no contexto da Guerra Mundial acontecerá um aumento do custo vida advindo principalmente pelo aumento dos preços dos gêneros de consumo importados além do aumento dos produtos internos provocados pelo reflexo do aumento da “demanda externa”. Assim, “os produtos exclusivos de consumo interno tenderam a substituir os de importação, o que afetou seu nível de preços”. Nesse processo, entre 1914 – 1918 por conta da crise “as construções param, as fábricas reduzem a produção e, em muitos casos, cessam suas atividades. Aumenta o desemprego” (PINHEIRO, 1990, p. 155). Assim, nesse período emergiram diversos movimentos grevistas que darão o tom do movimento operário da Primeira República. Nesse processo de constituição de uma unidade de luta do proletariado paulistano, a imprensa de origem operária exercerá um papel fundamental ao propagar, comunicar e relacionar os trabalhadores em prol de suas conquistas. Nesse sentido, para auxiliar no convencimento dos trabalhadores existia a Imprensa Operária, órgão que tinha um intuito de ser o “veículo de comunicação da classe trabalhadora”36, onde o seu conteúdo “é resultado do conjunto de informações, 36 É importante salientar que neste período a imprensa de cunho anarquista também cresceu demasiado, publicando centenas de periódicos dentre os quais destaca-se: O Amigo do Povo (1902 criado por Neno Vasco), La Barricata (editado por Gigi Damiani e Adolfo Felipe), O Libertário (que surgiu em 1904 e foi editado por Neno Vasco, Manuel Moscoso e Everardo Dias), La Battaglia (criado em 1904 dos editores Gigi Damiani e Oresti Ristori), O Despertar (1904 em Curitiba), A Terra Livre (no ano de 1905 por Neno Vasco), A Lucta Operaria (publicada pela Federação Operária de São Paulo), etc. - 62 - ........................ preocupações, propostas etc. produzido pela coletividade e para ela mesma” (FERREIRA, 1988, p. 6). O jornal que visava o público trabalhador fora um “(...) produto cultural particular capaz de formar uma comunidade de leitores ouvintes que alimentavam-se das ideias e debates surgidos naqueles círculos” sendo que provavelmente acabavam “alterando as formas de relacionamento que provocavam a distribuição de pensamentos novos” (GIGLIO, 1995, p. 52). Nesse sentido, um claro exemplo de imprensa como veículo de propagação de interesses operários era o jornal A Voz do Trabalhador37 que logo nas resoluções do Primeiro Congresso já apareceria como veículo de propaganda da COB e que circularia com esse intento de 1908 a 1915. Nesse âmago chamado de Imprensa Operária (folhetins, panfletos, revistas, etc.) destaca-se o jornal: um instrumento de informação, conscientização e de mobilização da classe (idem). Assim, nos limitaremos a observar como se deu o surgimento do periódico A Plebe. Para tanto, devemos retornar ao periódico A Lanterna que paralisou em 1916 e que fora coordenado por Edgar Leuenroth, criador do outro periódico que estudaremos de forma mais detida nesse trabalho. 2.3. De A Lanterna à A Plebe O periódico A Lanterna foi fundado em 7 de março de 1901 por Benjamin Motta (advogado maçom) e devido à constância de problemas econômicos, fechamentos por parte do Estado, repressão policial, etc. passou por algumas fases, sendo a primeira, de 1901 a 1902, retomando em 1903 e continuando até 1904 de caráter anticlerical sob a direção de Benjamin Motta. Nesse período, de acordo com Rodrigues (1997, s/p) publicou-se 60 números. 37 Para maior aprofundamento sobre esse periódico, cf. Giglio (1995) e Peres (2004) op. cit. - 63 - ........................ Na primeira fase, A Lanterna efetuava uma contundente afirmação das pautas anticlericais e defendia as ideias de progresso, civilização, valorização do trabalho produtivo e da liberdade. Tratava-se de um compromisso com as causas da modernidade e do progresso, tanto espiritual (do indivíduo), quanto material e moral (da sociedade). Preconizava-se a instrução laica e integral, baseada no racionalismo, na experimentação, na coeducação e nas ciências, assim como princípios morais cívicos, quase evangélicos, sustentados na fraternidade humana, no altruísmo, na tolerância, na solidariedade, no apoio e respeito mútuos (PERES, 2005, p. 2-3). Na sua segunda fase, entre os anos de 1909 a 1916 (17 de outubro de 1909 a 19 de novembro de 1916), teve uma mudança na orientação do jornal, que passa a ser de caráter anticlerical e uma conotação claramente anarquista sob a direção de Edgard Leuenroth. Nesse ínterim, contou com a publicação de 293 números com o subtítulo de Folha anticlerical e de combate, assumindo uma postura eminentemente libertária. Na segunda fase de publicação, A Lanterna conservou a maior parte do ideário da primeira fase, ao mesmo tempo em que destacava a questão social e acrescentava elementos antireligiosos em sua agenda anticlerical. Este posicionamento provocou o afastamento dos aliados da primeira fase que não abriam mão da visão religiosa: parte dos maçons, os espíritas e os protestantes. Se a aliança com a outra parte dos maçons foi preservada, o grupo editor reforçava a aproximação tanto com os agrupamentos libertários quanto com os trabalhadores e suas associações de classe. Neste movimento, os anarquistas e seus aliados atuavam, para além do jornal anticlerical, através de iniciativas e ações culturais, em grupos de afinidade e centros de convivialidade - 64 - ........................ tipicamente modernos: centros de estudos sociais, teatros, círculos de leitura, escolas e universidades populares. Nestes “lugares de encontro” (ou melhor, lugares de aproximação), a relação entre os atores sociais articulava-se cada vez mais em torno das já citadas questões sociais. Simultaneamente, Estado e Igreja puseram-se a campo para disputar corações e mentes no conjunto da sociedade, em particular entre os trabalhadores (PERES, 2005, p.3). Na sua última fase, com os esforços de Leuenroth, o periódico é publicado semanalmente dentre julho de 1933 a fevereiro de 1934. Porém, de fevereiro de 1934 a janeiro de 1935 terá de uma publicação a outra um espaço de tempo mais longínquo, ou seja, quinzenalmente. Em todas as suas fases, o periódico contou com ilustrações, charges e fotos. Em suas páginas é comum encontrar textos assinados por seus editores, porém, devido ao perigo de represálias, os colaboradores do periódico só assinavam seus textos com iniciais e/ou pseudônimos38. Temse no periódico uma infinidade de colunas diferentes. Artigos críticos, charges, poemas, notícias de caráter mundial. Não era interesse do jornal questionar tão somente o papel da Igreja como veículo de crenças e dogmas, mas também como um sistema a serviço do poder político e econômico. Defendia projetos de constituição de uma sociedade laica. Adepto de um 38 Por exemplo, Adelino de Pinho publicou no número nº138 de A Lanterna, datado de 11 maio de 1912, o artigo A Invasão Negra utilizandose do pseudônimo Pinho de Riga. Destaca-se nesse texto suas ásperas palavras quando afirma que “os padres e jesuítas de casaca, com suas escolas, seus liceus de artes e ofícios, suas irmandades, suas lojas e toda a espécie de associações religiosas, têm uma fábrica irregular para o ministramento da estupidez e da cegueira moral e intelectual. Daí o apoio e a adesão de todos os que têm empenho em manter este miserável estado social, a todas as empresas de caratês religioso”. - 65 - ........................ jornalismo libertário, denunciador de opressões e privilégios da Igreja Católica, considerava-se apartidário, colocando-se unicamente a serviço da emancipação social e política dos menos favorecidos, em defesa do movimento operário e, a partir do final do ano de 1933, critica e opõe-se aos integralistas, denunciando a união destes com a Igreja (CATÁLOGO DE PERIÓDICOS, UNESP). Nesse sentido, A Lanterna tinha “seu foco e visão anárquica” e este “concentrava-se na influência da Igreja Católica no Estado e na sociedade. Foi principalmente, mas não somente, um porta voz das ligas anti-clericais que haviam por todo o país” (PINTO, 2010, p. 597)39. De acordo com Boris Fausto, o periódico A Lanterna era o “veículo mais consistente do anticlericalismo anarquista” (FAUSTO, 1977, p. 83) onde se inseriu como mais um “dos principais centros organizatórios anarquistas e de difusão de propaganda” (idem, p. 91). Porém, os esforços pessoais de Edgard Leuenroth e de seus amigos e colaboradores do jornal não foram suficientes para mantê-lo circulando. 39 Devemos fazer algumas ressalvas. Essa eminência anticlerical nada mais é do que um reflexo do cientificismo que está presentes nos meios anarquistas. Por exemplo, em Kropotkin (anarquista russo), encontramos a seguinte citação que nos remete a refletir sobre as influências do positivismo no anarquismo. Diz o anarquista russo: “Para nós, a natureza é um todo do qual o homem e a sociedade fazem parte... Nosso método é o das ciências naturais exatas... de forma a englobar toda a natureza e todos os efeitos de ordem social em um a mesma unidade de idéias sem, no entanto, cair nos mesmos excessos de Augusto Comte e de Herbert Spencer em suas tentativas do mesmo gênero.... A anarquia ... possui sua base filosófica na compreensão materialista , mecânica da Natureza, na qual o homem, sua vida psíquica e sua vida societária são compreendidos como fatos da história natural?” (KROPOTKIN apud SEIXAS, 1995, p.142143). Para mais, ver o conceito de evolução em Élisée Reclus (MATEUS, 2002, p. 69 – 93. - 66 - ........................ “Militante engajado no movimento operário brasileiro” (LOPREATO, GONÇALVES, 2011, p. 3) Edgard Leuenroth participará ativamente do movimento grevista do ano de 1917. No ano anterior à greve, ao lado de notados militantes anarquistas Edgard Leuenroth auxiliou a refundar o Centro Libertário de São Paulo que passou a ser um local de encontro, discussões e elaborações de propostas e ações da prática anarquista (LOPREATO, 2000, p. 71). A refundação do Centro Libertário viria para “despertar nos trabalhadores a vontade de lutar por uma vida com dignidade” (idem, p. 73) e nesse processo, Luigi Damiani40 exerceu um papel fundamental. Imagem 1 - Painel do periódico. Nele se destaca, além do seu nome, o número de assinaturas, a localidade, o seu redator, sua numeração cronológica, a periodicidade de publicação e regras Luigi Damiani (1876 – 1953), ou como era mais conhecido, Gigi Damiani foi um italiano anarquista que no Brasil “foi redator do jornal anarco-comunista Guerra Sociale. Com sua habilidade de escrevinhador, Damiani marcou presença na difusão de idéias anarquistas entre o operariado paulistano, incitando-o a romper as amarras que o prendiam a uma vida de miserabilidade. Seus escritos sobre o que costumava chamar de ‘costrutto’ teórico do anarquismo, isto é, a moral anárquica, serviram de contraponto às idéias de caráter mais reformista nos sindicalistas” (LOPREATO, 2000, p. 73). Gigi Damiani e o também italiano, Oresti Ristori, foram considerados por Edgar Rodrigues (1984, p. 128) como uma equipe anarquista de muito mérito. Gigi ainda dirigiu o jornal O Despertar; em Curitiba colaborou com o periódico libertário Il Lavotero de 1893; participou do Comitê de Defesa Proletária ao lado do já citado Leuenroth, além de, Rodolfo Felipe, Francisco Cianci, Florentino de Carvalho, Antonio D. Candeias, etc. Foi expulso do Brasil no ano de 1919. Para mais informações ver: Biondi (1998), op. cit. 40 - 67 - ........................ para publicação de propagandas comerciais. A Plebe, nº 4, 30 de junho. Assim, com os acontecimentos que ascendiam por conta das constantes greves, Edgard Leuenroth organiza um jornal com maior amplitude temática libertária, saindo das críticas ao clero e aprofundando em temáticas de caráter mais emergencial: denunciar as mazelas que o capitalismo produzia aos trabalhadores incitando-os a organizar-se. Assim, em 9 de junho chega às ruas o primeiro número do jornal A Plebe, que será reconhecido como “(...) o mais importante veículo de divulgação em língua portuguesa das ideias anarquistas entre os trabalhadores paulistanos” (LOPREATO, 2000, p. 35). Para seu redator, (...) como reflexo vivo dessa convulsão apocalyptica [das greves e do Ascenso do movimento operário] que surge A Plebe, filha dos ardentes anseios de uma pleiade de moços combatentes da phalange libertaria (A PLEBE, n°1, p. 1, 09 de junho) [observação e grifo nosso]. De forma geral, o jornal teve uma influência significativa no movimento operário já que “(...) todas as tendências dentro do movimento utilizaram o jornal como portador de suas propostas, como veículo de suas resistências e como proposta de educação dos trabalhadores” (KHOURY, 1981, p. 15). Mais um jornal às ruas e com sua orientação política explícita: o anarquismo. 2.4. Edgard Leuenroth: breve biografia de militante anarquista - 68 - ........................ Imagem 2 - Foto de Edgard Leuenroth publicada em A Plebe, nº 15, 30 de setembro de 1917. Na descrição da imagem lê-se: “EDGARD LEUENROTH, director d’<A Plebe>, preso como autor <psychico e intellectual> do assalto ao Moinho Santista” Edgard Leuenroth fora considerado como um “personagem importante da história do(s) anarquismo(s) do Brasil” (LOPREATO, 2009, p. 201). Militante desde jovem participou de diversas organizações de trabalhadores no início do século XX no Brasil, além de ter contribuído na construção de diversas organizações sindicais, jornais, consolidando-se como um dos “principais porta-vozes dos trabalhadores em manifestações operárias ocorridas na cidade de São Paulo, ao longo do século XX” (idem, 2011, p. 4). - 69 - ........................ Nascido no interior leste do estado de São Paulo, na cidade de Mogi-Mirim, em 31 de outubro de 1881, Edgard Frederico Leuenroth era filho de um médico alemão e mãe brasileira. Bastante jovem iniciou (especificamente no ano de 1904) a sua trajetória na militância libertária “interrompida somente quando, em idade avançada, suas forças físicas de octogenário não mais lhe permitiram agitar a bandeira anarquista” (LOPREATO, 2009, p. 201). Para Edgar Rodrigues (1994, s/p), o militante paulistano “é envolvido, tocado, contagiado pelo movimento libertário” começando sua militância onde conhecerá o português e anarquista Neno Vasco. Mas antes disso, Leuenroth havia ingressado no Círculo Socialista Primeiro de Maio, no qual não ficará muito tempo (LOPREATO, 2009, p. 203). Ainda adolescente, já tinha clareza da importância da liberdade de expressão e da força da imprensa livre como meio propulsor de idéias progressistas. Por acreditar não haver escravidão para o espírito que se quer livre, escreveu e falou sem peias, arcando com as consequências da sua ousadia. E foi principalmente nas atividades desenvolvidas nos jornais que teve contato com diferentes correntes do pensamento e abraçou o anarquismo (LOPREATO, 2009, pp. 2022003). No ano de 1903, quando trabalhava no ramo da tipografia, fundou o Centro Tipográfico de São Paulo que no ano seguinte se transformará em UTG (União dos Trabalhadores Gráficos). Esse período de militância e sua vinculação às organizações de ofício serão responsáveis pela relação estreita que Leuenroth terá com a classe trabalhadora. - 70 - ........................ È nesse ínterim que o anarquista ajudará a fundar a Federação Operária de São Paulo (FOSP). Edgar Rodrigues destaca que: Nos meios operários e anarquistas não faltou aos congressos de nível estadual e nacional (São Paulo). Esteve sempre presente na luta pela libertação dos grandes mártires do capitalismo burguês e do Estado: Ferrer, no "Caso Idalina", Durruti, Nicols, Mateo, Nestor Makno, Sacco e Vanzetti, entre outros e bateuse contra as expulsões de anarquistas estrangeiros do Brasil. Participou de muitas greves, destacando-se a de 1917, quando foi preso e julgado no Tribunal do Júri de São Paulo como autor intelectual de uma greve que desembocou num dos maiores movimentos insurrecionais operárias até hoje ocorridos na paulicéia, no Brasil, com assaltos a casas comerciais, barricadas nas ruas, luta com as forças armadas do Governo estadual e morte de operários grevistas (RODRIGUES, 1994, s/p). No ano de 1906, em meio a manifestações contra o Caso Idalina (caso em que um padre fora acusado de assassinar uma criança em um orfanato), Edgard Leuenroth é preso e liberto com a ajuda de seu amigo e advogado Evaristo de Morais. Nesse mesmo ano, participou do Primeiro Congresso Operário Brasileiro na cidade do Rio de Janeiro, cidade na qual passara a morar em 1905. Na sua vida e no percurso como militante anarquista e como bom conhecedor da tipografia que era, Leuenroth irá ajudar a organizar vários jornais, dentre os quais destaca-se: O Boi (1897-1899), Folha do Brás, O Alfa (1901), O Trabalhador Gráfico (1904). Colaborou também com o periódico anarquista A Terra Livre (dirigido por Neno Vasco), foi redator de Luta Operária, órgão da Federação Operária de São Paulo nos anos de 1906-1907. Entre os anos de 1909 e 1935 se tornou diretor do jornal A Lanterna (fundando por Benjamin Motta, o qual nos referimos anteriormente). No ano de 1912 fundou e foi redator do jornal Guerra Social na cidade - 71 - ........................ de São Paulo. Ainda nessa década, colaborou com o jornal anarco-comunista O Combate, foi seu redator principal durante bom tempo e no ano de 1915, foi redator-secretário da revista Eclética de São Paulo (RODRIGUES, 1995, s/p). Na segunda década do século XX, Edgard Leuenroth participou de vários movimentos grevistas, onde destaca-se sua participação ativa na greve geral de julho de 1917, fazendo parte, por exemplo, da composição do CDP (Comitê de Defesa Proletária) que tinha o intuito de coordenar as ações da greve. Nesse movimento exerceu o papel de “incentivador, organizador e orientador das jornadas libertárias de Julho” (LOPREATO, 2009,p. 204). Ele, por ser considerado como um “indesejável” foi condenado à prisão logo após o movimento grevista de julho. Destaca Lopreato (2009): Durante os seis meses em que ficou encarcerado, sob acusação de ter cometido um crime de multidão, preparou sua auto-defesa na qual afirmou ter sido preso e processado por defender idéias libertárias. E com o mesmo espírito de livre-pensador e de assumir a responsabilidade por suas ações, rebateu as acusações que sofreu em outros processos que lhe valeram, durante sua trajetória de militância, passagens sofridas pelos cárceres (LOPREATO, 2009, p. 204). Antes mesmo de ser preso fundará (no mês de junho de 1917) o periódico A Plebe, sendo redator ao lado de Rodolfo Felipe, Pedro Augusto Mota, Florentino de Carvalho e outros anarquistas. Colaborou também com José Oiticica, após ser libertado, para a organização do jornal Spartacus (que circulou no ano de 1918 até o início de 1919); também colaborou com o jornal anarquista Voz do Povo, com o jornal anarquista Ação Direta e fundou nos últimos anos de sua vida, o periódico Libertário na São Paulo (RODRIGUES, 1994, s/p), (LOPREATO, 2011, p. 5). Por conta da constante repressão, é comum encontrar vários pseudônimos de Edgard - 72 - ........................ Leuenroth. Os mais utilizados são: Frederico Brito, Routh, Palmiro Leal, Len, Leão Vermelho, Leão Xisto e Sifleur41. Essa repressão fora tão clara que foi preso novamente no ano de 1935 por ser o responsável pelo periódico A Lanterna (LOPREATO, 2009, p. 205). Além de uma vasta produção de artigos em todos esses e em outros jornais, Edgard Leuenroth também publicou obras mais vastas, dentre as quais, destaca-se: O que é Marximismo ou Bolchevismo: programa comunista (São Paulo, 1922) onde em forma de panfleto critica com veemência a teoria e a prática bolchevique e de casos específicos de seus partidários no Brasil, principalmente aqueles que fundaram o PCB, dentre os quais Astrojildo Pereira42, um ex-anarquista que ficará ao lado dos bolcheviques sendo considerado um inimigo de Leuenroth. Escreveu A organização dos jornalistas brasileiros 1908-1951 (fora publicado posteriormente à sua morte); publicou também pela mesma cidade no ano de 1963, o livro Anarquismo – Roteiro da Libertação Social. O prefaciador dessa obra (Augustín Souchy43) aponta que “desde há mais de meio século, também no Brasil os libertários vêm lutando em favor da libertação não somente de 41 ARQUIVO EDGARD LEUENROTH. Edgard Leuenroth (1881 - 1968). Disponível em: http://www.ifch.unicamp.br/ael/websiteael_pesquisatematica/e-album/website-ael_ed-edga-a.htm; e http://segall.ifch.unicamp.br/site_ael/index.php?option=com_content&view =article&id=123&Itemid=90. Acesso em novembro de 2012. 42 De acordo com Chacon (1965, p. 297 - 298), Astrojildo Pereira Duarte da Silva, foi um militante anarquista que nasceu em 1890, fora aluno do Colégio Anchieta (jesuíta) de Nova Friburgo (Rio de Janeiro) teve, quando jovem uma orientação republicana, aderindo à teoria anarquista por volta de 1908 e 1910 após leituras de Bakunin, Faure, Grave, Malatesta, Hamon e Kropotkin. Posteriormente, após a Revolução Russa, sairá dos campos revolucionários e integrará as fileiras do bolchevismo. 43 Anarquista polonês (1892 – 1984). Essa referência a Augustín Souchy nos remete a refletir sobre o caráter do internacionalismo do anarquismo, ou seja, a articulação mundial entre seus militantes, seja no campo teórico seja na prática. Para a biografia deste, ver: http://deu.anarchopedia.org/Augustin_Souchy. - 73 - ........................ uma classe, mas de todas as camadas sociais, e não somente para libertar uma nação, mas toda a humanidade” (SOUCHY, 1963, p. 8). Nesse livro, o anarquista paulistano analisa os aspectos específicos da teoria anarquista e, além de textos de sua autoria, publica pequenos escritos de velhos conhecidos teóricos do anarquismo como Mikhail Bakunin, Élisée Reclus, Errico Malatesta, Piotr Kropotkin, Luce Fabbri, George Woodcock, Gigi Damiani,, Jacinto Cinazo, Neno Vasco, José Oiticica, etc. Para o prefaciador da primeira edição da obra, Edgard Leuenroth cumpre o papel de “combater toda classe dos prejudiciais dogmas que, no passado, impediram e na atualidade ainda impedem o progresso humano na ordem moral” (SOUCHY, 1963, p. 8). Edgard Leuenroth morreu na cidade de São Paulo em 28 de setembro de 1968 aos 87 anos, curiosamente no ano do Ato Inconstitucional número 544 (GALVÃO, s/d, p. 2). 2.5. A constituição da “Semana Trágica” Este título faz alusão ao termo utilizado por Christina Lopreato no primeiro capítulo de sua obra O Espírito da Revolta – A greve geral anarquista 191745, que através de uma análise detida, a autora reconstitui a semana entre os dias 9 e 16 de julho de 1917, entendida por ela como a Semana Trágica. No ano de 1917 em São Paulo ocorreu, por conta de várias questões, uma greve que iria figurar na historiografia como o maior acontecimento grevista da Primeira República. Suas motivações foram múltiplas, não cabendo apenas uma visão determinista de interpretação da realidade que possa considerar que o movimento de julho foi fruto de um 44 O AI-5, como ficou conhecido o Ato Institucional número 5, foi o quinto decreto do governo brasileiro durante o período da ditadura militar (1964 1985) entrando em vigor em dezembro de 1968 durante o governo de Costa e Silva, que dentre várias atribuições, dava maiores concessões acima da constituição ao Presidente da República. 45 Op. Cit. - 74 - ........................ espontaneísmo ou, de outro lado, mero fruto da articulação entre indivíduos e grupos descolados da classe. Para não cairmos nessas interpretações, buscaremos analisar a greve geral de julho de 1917 como um movimento que articulou a realidade sócio-histórica do Brasil naquele contexto, a relação do país no contexto mundial, a crise do trabalho registrada naquele ano e nos anos que a antecedem, a carestia de vida, a articulação da própria classe em movimento que criou seus mecanismos de luta contra essa realidade através de várias estratégias, dentre as quais, a imprensa. O triênio de 1906-1908 foi marcado por um aumento dos movimentos grevistas, envolvendo outras regiões além do círculo das capitais de Rio-São Paulo. Por exemplo, a greve em Porto Alegre em 1907 e a greve das Docas de Santos em 1908. No ano de 1907, uma greve surge no dia 1º de maio na cidade de São Paulo (PINHEIRO, 1990, p. 156) por meio dos trabalhadores da construção civil, metalúrgica e da indústria da alimentação, fora ganhando proporção de greve geral quando houve a adesão de trabalhadores da área dos setores gráficos, sapateiros e têxteis. No quatriênio 1910-1913 ocorreu um aumento do custo de vida da classe operária, sobretudo, pelo crescimento econômico registrado nesses anos. Porém, com o findar desses anos e o começo da Guerra Mundial, a realidade se altera e outra brusca redução dos preços dos principais produtos que o Brasil exportara acontece e dificulta a entrada de capitais estrangeiros: “As construções param, as fábricas reduzem a produção e o trabalho semana; e, em muitos casos, fecham as portas” (PINHEIRO, 1990, p. 159). No ano de 1915 é registrada uma melhoria da situação do Brasil no quadro internacional, sendo que consecutivamente, ocorre uma elevação nos preços e do custo de vida. O alvoroço por uma luta ampla de vários setores do proletariado alertava para a busca de uma ação comum entre anarquistas e socialistas. As ações em bairros como a Mooca, Brás, Belenzinho, Cambuci e Bom Retiro se tornam - 75 - ........................ frequentes. No mês de maio de 1917 é registrada a formação da Liga Operária do Belenzinho e da Liga Operária da Mooca46. A manifestação do Primeiro de Maio de 1917 ia nesta direção: representantes dos grupos anarquistas, socialistas e republicanos estavam de novo juntos na comissão que organizou a passeata pelo centro de São Paulo e os comícios que a precederam nos bairros operários (BIONDI, 2009, p. 286). A greve que culminará na greve geral se inicia no Cotonifício Crespi com reivindicações assim resumidas: abolição das multas aos operários, aumento salarial de 15 a 20%, redução da semana de trabalho para 5dias e meio, jornada diária de 8 horas, fim do trabalho noturno, regulamentação do trabalho feminino e infantil, supressão da contribuição pró-pátria47, etc. (PINHEIRO, 1990, p. 160). Após a negação dos pedidos feita pelo patronato, a greve se amplia, principalmente pela adesão dos trabalhadores da Estamparia Ipiranga e da fábrica de bebidas Antarctica. O cenário de paralisação geral está pronto, só faltava um estopim: A morte de um sapateiro de vinte e um anos é o um marco na evolução dos acontecimentos. A 46 De acordo com Campos (1983, p. 36), a constituição dessas ligas de bairro foram fundamentais para o movimento, pois suas atividades eram contínuas e isso fez com que as ações coordenadas com um objetivo finalista reunisse várias corporações, conferências sobre a movimentação grevista. A Liga Operária da Mooca surgiu em meados de maio durante a greve dos tecelões da Crespi e posteriormente surge a Liga Operária do Belenzinho, Lapa e do Cambucy. 47 A contribuição Pró-Pátria ou o Comitato Italiano Pro-Patria era um grupo formado principalmente por empresários italianos que contribuíam financeiramente, de uma forma fervorosa de nacionalismo, com o Estado italiano para a manutenção da Itália na Primeira Guerra. Essa contribuição começa a ser cobrada de trabalhadores italianos que trabalhavam nas fábricas desses proprietários. Para maior aprofundamento, ver: (BIONDI, 2009, pp. 280 – 284). - 76 - ........................ paralisação se estende a 35 empresas, com mais de 15 000 grevistas, incluindo os trabalhadores da Mariângela e da estamparia Ipiranga, em greve de solidariedade. Nos três dias seguintes ao enterro, a greve é total (PINHEIRO, 1990, p. 161). Com tamanha mobilização, as repressões dos aparelhos do Estado aumentaram e como já era normal, as greves eram considerados casos de polícia. A Lei Adolfo Gordo que entra em vigor em 1913 terá uma revisão em 1920, prevendo a expulsão dos “indesejáveis”. Nos anos próximos a 1917, ocorre novamente um ascenso do movimento operário que viria consagrar o ano de 1917 como “o período de maior conflito da história do movimento operário em São Paulo até aquele momento” (BIONDI, 2009, p. 263). Esse acontecimento deve ser marcado por uma continuidade das greves ocorridas em anos anteriores, além dos movimentos de julho deste mesmo ano. Portanto, concordado com Biondi (2009, p. 263 – 269), a greve de 1917 é fruto de vários elementos e pode ser consideradas como uma revolta imediata com intensidade revolucionária (BIONDI, 2009, p. 269). Porém, (...) embora tais trabalhadores não pudessem imaginar que essa greve teria prolongados efeitos no âmbito de um amplo processo de organização proletária (...), eles estavam agindo dentro de um contexto no qual, (...), em muitos setores operários e artesãos politizados (incluindo alguns dos trabalhadores que estava participando do protesto), esperava-se que esta greve, aparentemente episódica, se transformasse num movimento grevista e sindicalista bem mais vasto e bem sucedido. O alvoroço por uma luta ampla de vários setores do proletariado alertava para a busca de uma ação comum entre anarquistas e socialistas. As ações em bairros como a Mooca, - 77 - ........................ Brás, Belenzinho, Cambucy e Bom Retiro se tornam frequentes. Nesse mês é registrado a formação da Liga Operária do Belenzinho e da Liga Operária da Mooca. A manifestação do Primeiro de Maio de 1917 ia nesta direção: representantes dos grupos anarquistas, socialistas e republicanos estavam de novo juntos na comissão que organizou a passeata pelo centro de São Paulo e os comícios que a precederam nos bairros operários (BIONDI, 2009, p. 286). Assim, devemos entender que as greves de junho de 1917 no Cotonifício Crespi e na fábrica de bebidas Antarctica são os prólogos da greve geral de julho (BIONDI, 2009, p. 289) que irão dar subsídios para o maior acontecimento grevista da Primeira República. 2.6. Do dia 9 a 16 de julho: a Semana Trágica A greve desencadeada pelos tecelões do Cotonifício Crespi em 9 de junho de 1917 (mesmo dia do lançamento do primeiro número de A Plebe), fora fruto de deliberação após uma reunião da Liga Operária da Mooca que tinha a mesma quantidade de grevistas e de filiados. Esse movimento grevista “começou na seção de tecelagem que reunia aproximadamente 400 operários, mas acaba se generalizando por toda a indústria” (CAMPOS, 1983, p. 41). Curiosamente quando a greve na fábrica Antarctica foi declarada, centenas de operários se dirigiram à sede da Liga Operária da Mooca para aderirem ao movimento. O ápice virá com alguns atentados e mortes quando, por exemplo, na (...) noite do dia 7 de julho (assaltos a carros de farinha na Mooca) e a tarde do dia 13 (ataque da cavalaria da Força Pública na Ladeira do Carmo e morte do pedreiro Nicola Salerno e da menina Edoarda Bindo, filha do operário - 78 - ........................ primo) a cidade de São Paulo ficou quase ingovernável (BIONDI, 2009, p. 292). O dia 9 de julho é o marco fundador da Semana Trágica. Esse dia irá marcar o início de conflitos generalizados entre grevistas e policiais, sendo que, na manhã dessa segunda feira, um conflito tal como colocamos, ocorre nas mediações e proximidades da Fábrica Antarctica. É nesse acontecimento que José Martinez morre ao ser ferido por uma bala disparada pela polícia no dia 10 (LOPREATO, 2000, p. 34). José Martinez era espanhol, tinha 21 anos e era membro do grupo Jovens Incansáveis. Em seu enterro reuniuse mais de 10 000 pessoas (ver imagem anterior) que dará o caráter generalizado da greve. Nesse contexto surgirá CDP (Comitê de Defesa Proletária)48 que coordenará as ações grevistas contra a carestia de vida e que era composto por membros das associações de bairros, ligas de resistência, sindicatos, etc. em um contexto que marca o crescimento de grevistas entre o dia 13 ao dia 16 com o salta no número de grevistas: de 25 mil para cerca de 50 mil, fazendo com que a greve tenha um caráter insurrecional (MORAES, 1999, p. 20). 48 O CDP foi constituído em 6 de julho de 1917 no Salão Germinal em São Paulo e foi formado por “representantes das ligas operárias, das corporações em greve e de associações “político-sociais”. Estes fatos mostram, à despeito do que diziam os militantes que continuamente afirmavam a espontaneidade da greve geral, que ela efetivamente teve um núcleo que potencializou o seu acontecer (CAMPOS, 1983, p. 37). - 79 - ........................ Imagem 3 - Foto de José Martinez publicado no n° 6 d'A Plebe de 21 de julho de 1917. Assim, de acordo com Campos (1983, p. 42), resumia-se o programa de reivindicações do CDP em julho: 1) aumentos salariais; 2) jornada de 8 horas diárias; 3) abolição do trabalho do menor de 14 anos; 4) pagamento pontual dos salários; 5) direito de associação; 6) não dispensa dos operários grevistas; 7) diminuição dos preços dos alimentos; 8) redução de 30% dos aluguéis; 9) garantia de trabalho permanente; 10) abolição do trabalho noturno; 11) aumento de 50% nos salários de trabalhos extraordinários; 12) fim da especulação de gêneros e preços – açambarcadores; 13) fim da alteração e - 80 - ........................ falsificação de alimentos; 14) obrigação do Estado em assegurar o mínimo de alimentos à população. No dia seguinte à morte de Martinez onde a ampliação de um cortejo fúnebre para uma mobilização de massa (no cortejo fúnebre na manhã do dia 11 indo pelo trajeto da Avenida Rangel Pestana ao centro da cidade), deu os pontos cruciais e antecipou algumas questões que viriam se concretizar nos dias seguintes. A greve toma traços radicalizados e os conflitos com os aparelhos repressivos governamentais se ampliaram, fato este que não conseguiu conter as manifestações públicas e as demais ações dos grevistas. Nessa data, conta Lopreato (2000, p. 42), os trabalhadores grevistas “(...) apedrejavam fábricas e assaltaram um caminhão da Favilla e Lombardi (...) de cujo carregamento retiraram 200 caixas de fósforo”. Além desse saque, ocorreu também com o Moinho Santista de onde foram levadas 600 sacas de farinha. Nesse inteírm, os operários “através da persuasão ou da violência (...) conseguiram a adesão dos companheiros de trabalho, fechando os estabelecimentos que se mantinham em atividade” (DULLES, 1977, p. 52). Na “sexta-feira 13” já se registrava mais de 50 fábricas paralisadas reunindo um total de 20 mil trabalhadores grevistas. Essa data marcará também a morte de uma criança de 12 anos após ser atingida por uma bala perdida nos confrontos entre grevistas e policiais. Além da criança, um pedreiro também vem a óbito em um conflito com a polícia na plataforma de um bonde, justamente no dia em que o CDP convocou um comício na Liga Operária da Mooca (LOPREATO, 2000, p. 58). Em 14 de julho ocorre o início da negociação, que transcorreria sem tantos conflitos. Na cidade, os bondes já circulavam normalmente, mas o clima de novos possíveis conflitos ainda pairava no ar. Contudo, o CDP escolheu um - 81 - ........................ 49 grupo de militantes para atuar nas negociações com os industriais juntamente com uma Comissão de Imprensa. A greve só seria finalizada se os industriais se comprometessem a assumir todas as reivindicações. No domingo, dia 15 de julho, as negociações se desenvolveram mais. Nesse dia “(...) os representantes do setor público assumiram o compromisso de libertar todos os indivíduos presos por participação da greve, reconhecer o direito de associação e de reunião” (LOPREATO, 2000, p. 60). Nesse fim de semana, o CDP promoveu os acordos com o governo e patronato, mediado pela Comissão de Jornalistas da grande imprensa paulista, órgão que viria relatar e assegurar o papel de ambos os lados em cumprir tal acordo. Foram garantidas melhoras das condições gerais de vida, cumpimento das leis de trabalho, nenhuma dispensa dos grevistas, direito de associação, aumento de 20%, etc. (CAMPO, 1983, p. 43). No dia 16 de julho a normalidade do trabalho volta (nas localidades onde o patronato acatou as reivindicações), as mobilizações foram autorizadas pela polícia e após isso, a repressão aumenta. A suspensão da greve foi assinada na segunda-feira e foi entendida como uma “vitória moral da classe trabalhadora”. Os militantes anarquistas assinalaram a vitória dos trabalhadores sobre o governo, sobre os industriais, mas, principalmente, sobre si mesmos porque, na luta, eles encontraram a consciência de si (LOPREATO, 2000, p. 66). Após a suspensão da greve, a atividade associativa dos grevistas continuaram e os “libertários procuraram manter acesa a chama da solidariedade, estimulando os trabalhadores a darem continuidade ao processo de organização do operariado, iniciado com a constituição das ligas de bairro” (LOPREATO, 49 São eles: Edgard Leuenroth, Gigi Damiani, Francesco Cianci, Antonio Candeias, Rodolpho Felipe e Theodoro Monicelli (LOPREATO, 2000, p. 60). - 82 - ........................ 2000, p. 141). Porém, “a violência policial foi gritante. Terminada a greve, continuou a pairar o fantasma que levava o nome de questão social” (CAMPOS, 1983, p. 43). Por fim, como fruto de vários elementos, jamais podemos “(...) negar a importância do papel desempenhado pela crise econômica que se alastrava na cidade de São Paulo naquele momento” (BIONDI, 2009, p. 265) e o próprio contexto mundial de ascendência do movimento operários e revoluções. De forma geral, o ano de 1917 foi caracterizado mundialmente por toda uma série de protestos, motins e greves sem precedentes, cujo evento maior foi – como todos sabemos – a revolução russa, momento ligado exatamente a processos de organização sindical e política, no qual misturavam-se fenômenos de autoconstituição e de intervenção política e organizativa externa nas organizações operárias, mas que surgiam de um estado de revolta aberta que ia além da luta contratual entre empresários e trabalhadores usualmente praticada (BIONDI, 2009, p. 268). Contudo, a ação dos militantes também merece destaque especial. A greve geral e a ação direta só se torna possível devido o dispêndio de trabalho militante de segmentos operários e organizações autônomas que se articularam e incitaram50 o desenvolvimento da greve localizada para uma greve geral. Sendo assim, concordando com Lopreato (2000), 50 Quando afirmamos, referenciado em Lopreato (2000) e Biondi (2009), que os segmentos e organizações operárias, sobretudo anarquistas, foram fundamentais para o movimento, não afirmo que estes atuaram enquanto uma “vanguarda”, como na compreensão teorizada por Lênin. Os anarquistas, especificamente, propagaram e desenvolveram o acirramento da luta de classes com diversos mecanismos, por exemplo, a greve geral e a imprensa através de uma minoria ativa, ou seja, um agrupamento específico que atua no convencimento e não na sua direção. - 83 - ........................ A greve geral se tornou possível graças a uma conjugação de fatores, explorados com argúcia por experientes militantes anarquistas. Ela foi o resultado de um trabalho de vários anos de pregação doutrinárias e de incitamento à ação direta. Desde o raiar dos novecentos, os anarquistas vinham se dedicando à tarefa de sacudir as energias adormecidas dos trabalhadores. No ano de 1917, eles se aproveitaram da situação de crise por que passava o país e incitaram trabalhadores a agirem por conta própria e de forma autônoma contra a exploração a que estavam submetidos (LOPREATO, 2000, p. 46). Como não devemos pensar que o movimento tenha se desenvolvido sem levar em consideração a propaganda efetiva realizada pela própria classe trabalhadora, sua situação, conjuntura, contexto e suas determinações, devemos entender que estes são elementos fundamentais para afirmar o papel de propagação de uma ação e política pedagógica guiada pelos pressupostos da ação direta. Assim, como veremos adiante, a imprensa operária será uma propagadora de uma pedagogia para a ação direta, caracterizada por “impulsos tanto espontâneos como organizados” (BIONDI, 2009, p. 271). - 84 - ........................ CAPÍTULO III - A Plebe e os pressupostos políticos e pedagógicos da ação direta “Urge a ação em todas as suas manifestações, consciente, decidida, vigorosa”. Rumo à Revolução Social, Edgard Leuenroth (A Plebe, n°1, p. 1, 9 de junho). 3.1. “Trabalhador forte e fecundo” Como era usual e frequente cantar o hino A Internacional51 de Eugène Pottier durante as reuniões e manifestações nos acontecimentos grevistas de 1917, faço alusão a um trecho da letra para esse subtítulo. Com a sublevação da classe trabalhadora nos meses de abril e maio, conforme apontamos anteriormente, uma greve geral estava prestes a eclodir. Com a fundação do novo semanário de Edgard Leuenroth na segunda semana de junho, mais um órgão vem à tona com o objetivo de conscientizar os trabalhadores de seu atual estágio de exploração e sua potencialidade revolucionária. Para isso, A Plebe utilizou de diversos mecanismos, entre eles, fotografias e imagens que retratavam o contexto da classe operária brasileira e mundial (o clericalismo, a Guerra Mundial, as condições da reprodução material e existencial da classe, além de seu projeto de sociedade futura, fundada na anarquia) que chamaremos aqui de pressupostos políticos e pedagógicos da ação direta. Definida anteriormente como os mecanismos e estratégias dos anarquistas para uma forma de educação libertária do operariado pela ação grevista, preparando-o para a “grande revolução” que poria fim à sociedade burguesa, a ação direta se torna algo elementar na nossa definição. Assim, 51 O hino da Associação Internacional dos Trabalhadores foi traduzido ao português pela primeira vez por Neno Vasco (HAGEMEYER, 2008, p. 229). - 85 - ........................ conforme a importante constatação de Guimarães (2011, p. 110), a ética libertária incluía a ação direta que se utilizava de dois dispositivos: o primeiro entendido como persuasão (formas de convencimento do outro) e o segundo, a luta eminentemente direta contra a burguesia e sua sociedade. Conforme salientamos anteriormente, o periódico A Plebe se constituiu como um substituto que detém mais profundidade intelectual e revolucionária do que A Lanterna. Assim os seus textos são expressões das convergências existentes entre a teoria anarquista e a realidade brasileira, mediada por particularidades durante seu processo de confecção, sobretudo durante os dias da Semana Trágica. Os temas que de que tratavam o periódico quando se tratava da Primeira Guerra Mundial era o nacionalismo e o sorteio militar que se tornara imposto naquele período. A Plebe debateu questões diversas, entre as quais a exploração do trabalho, o poderio exercido pelo clero em relação à educação, a situação da classe trabalhadora frente à carestia de vida que crescera nos últimos meses de 1916 e se potencializou em 1917, a relação da burocracia governamental com a sociedade, etc. Assim, considerado que as representações de educação em A Plebe se davam de forma difusa e multifacetada, analisaremos a diversidade que tais “formas” que a ação direta era representada nas páginas do periódico. A ideia de adotarem uma perspectiva ampla de luta será fundamental para a concepção de educação que estamos analisando. Como o processo de educação libertária passa fundamentalmente por compreender a necessidade de uma luta final, A Plebe irá relacionar as lutas pelas melhorias atuais e imediatas com seu objetivo final. Assim, a luta do jornal anarquista não era meramente contra a moral religiosa, como às vezes ficara claro no antigo jornal A Lanterna em que Leuenroth dirigia. Ela se estabelecia em uma complexidade ramificando-se em várias formas de atuação contra a sociedade capitalista e colocava elementos prefigurados de uma sociedade radicalmente diferente. Essa estratégia anarquista - 86 - ........................ adotada por A Plebe articulava a luta libertária em prol de uma sociedade igualitária com a instrução da classe (protagonistas centrais nesse processo), para que atingisse seu objetivo final: a revolução social. Sendo assim, analisaremos nas páginas que seguem, alguns desses elementos da ação direta como pressuposto educativo na constituição de formas de sociabilidade coletiva com um fim social efetivo (GUIMARÃES, 2011, p. 109). 3.2. Pela ação direta: “Rumo à Revolução Social” e “Em nome do Povo, não!” O texto de autoria de Edgard Leuenroth e um outro de Bazílio de Torrezão52 publicados, respectivamente, no primeiro e no segundo número d’A Plebe, são fundamentais para interpretarmos a forma que o periódico concebia a ação anarquista e a tarefa histórica do proletariado. O texto de Leuenroth que inaugurara o periódico sob o título de Ao que Vimos – Rumo à Revolução Social faz uma análise das motivações de se criar um novo periódico e do contexto específico em que este surge. Assim, Leuenroth irá apontar através de uma linguagem simples e direta, os principais elementos que figuravam na realidade de época, a força e necessidade do periodismo militante, além da necessidade histórica do proletariado de superar essa sociedade e edificar uma nova. Contrapondo-se às análises reducionistas sobre a realidade social (por exemplo, dos imediatistas bastantes criticas pelos anarquistas do período), o autor apresenta nas passagens seguintes o entendimento da vida social humana como implicada em suas diferentes dimensões. Ao que vimos – Rumo à Revolução Social 52 Bazilio Torrezão era um dos pseudônimos de Asrojildo Pereira (CORRÊA, 2010b, p. 543). - 87 - ........................ E assim, sempre sustentada pelos mesmos lutadores do meio libertário, valiosamente coadjuvados por um bom núcleo de homens de consciências bafejadas por princípios innovadores espalhados por todo o Brazil, foi A Lanterna atravessando os annos, vivendo a vida das folhas avançadas, zurzindo impiedosamente a canalha da Igreja, desmascarando os tartufos sociaes,combatendo, em campanhas memoráveis que lhe valeram perseguições sem conta, todas as explorações e tyrannias e collocando-se sempre, com a sinceridade e o enthusiasmo de quem esposa uma causa que é sua, ao lado das victimas dos potentados (...). Edgard Leuenroth (A PLEBE, n° 1, p. 1, 9 de junho). Apresentado os motivos do nascimento de mais um jornal, Leueroth esclarece os leitores que o objetivo do periódico é o de (...) corresponder, de maneira mais completa, á magnitude deste extraordinário momento histórico por que está atravessando a humanidade. Estão em jogo os destinos da sociedade actual. Multiplos são os elementos que, em trágica associação, arrastaram os povos á horrível situação presente, exigindo que contra todos elles se emprenhe uma luta sem tréguas e de extermínio (...). Edgard Leuenroth (A PLEBE, n° 1, p. 1, 9 de junho). Ainda, relatando os empecilhos da realidade em se criar um novo periódico, Edgard Leuenroth explica os motivos da substituição de A Lanterna por A Plebe. Por isso, apesar das tremendas difficuldades dominantes, apparece A Plebe em substituição á A Lanterna que, tendo surgido com o título tradicionalmente anticlerical , para dar combate ao clericalismo, apresentou-se sempre com - 88 - ........................ uma feição mais ampla, atacando o padre e a Igreja na sua razão de ser, como elementos perniciosos, alliados perennes dos dominantes, ao mesmo tempo que tocava, por ser dirigida por libertários, em todas as faces da questão social (A PLEBE, n° 1, p. 1, 9 de junho). Noutro momento do texto, Edgard Leuenroth irá, com veemência, continuar apresentando os objetivos da fundação d’ A Plebe e seus objetivos finais. Finalizando o texto com as seguintes palavras, Leuenroth está convicto da necessidade de um novo órgão anarquista. Urge, portanto, proseguir na obra dos abnegados de outrora para que, quando além das fronteiras concencionaes ruir fragorosamente o arcabouço apodrecido do regimen social dominante, tambem o povo desta terra, no arrebol de um novo e sublime 13 de Maio, conquiste sua alforria derradeira, fazendo com que o Brazil, passando a pertencer a todos os seus habitantes, a todos proporcione a vida folgada e feliz que a exuberancia trabalhada de suas riquezas naturaes permitte. E’ com esse objectivo que vem lutar A Plebe. Edgard Leuenroth. (A PLEBE, n° 1, p. 1, 9 de junho). Conforme está expresso no texto, a luta é formadora de consciência. Portanto, é nos momentos do conflito entre as classes sociais que surgirá um momento de rompimento com essa sociedade no plano da cosnciência. Veremos isso mais claro quando criticando os valores da sociedade capitalista, Edgard Leuenroth dirá: Liberdade, egualdade e fraternidade só existem como uma grosseira rethorica rotulando muita miséria e oppressão (...). Edgard Leuenroth (A PLEBE, n° 1, p. 1, 9 de junho). A idéia de adotarem uma perspectiva ampla de luta será fundamental para a concepção de educação que estamos - 89 - ........................ analisando. Como o processo de educação libertária passa fundamentalmente por compreender a necessidade de uma luta final, A Plebe irá relacionar as lutas pelas melhorias atuais e imediatas com seu objetivo final. Assim, a luta de A Plebe não era meramente contra a moral religiosa, como às vezes ficara claro no antigo jornal A Lanterna em que Leuenroth dirigia. Mas, sua interpretação sobre o papel do clericalismo ainda é subjacente. O clericalismo, que é uma das cabeças desse monstro, só desaparecerá quando, num movimento audaz e vigoroso, se lhe desferir o golpe certeiro e mortal (...). Edgard Leueroth (A PLEBE, n° 1, p. 1, 9 de junho). Como visto acima, o clericalismo só seria superado com uma força organizada e capaz de derrotá-lo. A luta anticlerical não era meramente uma luta contra a instituição (a Igreja, mas antes de tudo, uma luta complexa que articularias aspectos culturais, econômicos e políticos. Outro texto de mesma significância será publicado no número seguinte por Bazílio Torrezão. O primeiro parágrafo do texto Em nome do Povo, não! é bastante revelador da assertiva acima apresentada: o articulista expressa uma crítica com fervor a ação dos deputados brasileiros frente à Guerra Mundial que assolava a Europa naquele contexto. Não é verdade que o povo brazileiro tenha delegado poderes a quaesquer a essa réqua de salafrarios parlamentares. Não é verdade, porque a mentira do sufrágio é cousa unanimentemente proclamada fora de qualquer duvida. As eleições são todas falsas e falsissimas: a imprensa o tem demonstrado um milhão de vezes e são os próprios deputados que o teem confessado e provado (A PLEBE, n° 2, p. 1, 16 de junho). - 90 - ........................ Para o articulista, a ação direta (estratégia antiparlamentar, sem mediadores entre a relação capital trabalho) era a forma de o proletariado lutar e combater para edificar uma nova sociedade. Assim, as ações do Estado e suas vias parlamentares são complacentes com as desigualdades sociais e utilizam dos meios formais para legalizá-la. Outras críticas veementes virão contra a Igreja, que no entendimento do jornal, seria a instituição que mais forma mentes servis, principalmente nos seus aspectos educacionais. 3.3. Contra a Igreja e o clericalismo A Plebe que era uma continuação de A Lanterna (que tinha uma conotação mais anticlerical do que anarquista). Ainda conterá os elementos principais do antigo periódico. Buscando esclarecer os assinantes sobre a paralisação do jornal, o editorial de A Plebe publicará Aos amigos e antigos assignantes de <<A Lanterna>>. Nesse texto deixarão claro que as “(...) nossas relações com os antigos dedicados amigos não sofrerão solução de continuidade”. E justificando a publicação do novo periódico, compreendendo a realidade sócio-histórica da classe trabalhadora, dirá que o jornal tem uma necessidade “(...) mais do que nunca, indispensável (A PLEBE, n° 1, p. 2, 9 de junho). Fazendo duras críticas ao clericalismo na educação, o número inicial do periódico irá proferir duras críticas a um grupo de professoras recém-formadas do período que convidaram padres para celebrar “(...) a missa em acção de graças pela terminação do curso” (A PLEBE, n° 1, p. 3, 9 de junho). Nessas ásperas críticas irão ressaltar pelo próprio contexto e influência dos pressupostos racionalistas das Escolas Modernas a iniquidade do fato de serem professoras e religiosas. A Plebe dirá: “Que professoras vão ter os filhos do povo!...” (idem). Apresentando duras críticas à moral religiosa e especificamente, a moral transmitida pela Igreja Católica, o artigo A Igreja Christã assinado por F.A.L. assim escreve: - 91 - ........................ A igreja christã não é, como geralmente se pensa, uma instituição verdadeiramente sublime, baseada na doutrina de Christo. Ao contrário do que se imagina, Ella é uma instituição anti-christã, baseada num fundo immoral que repugna. As violações que sofre todos os dias a philosophia do mestre, estão ahi para confirmar o que dizemos. (...) (A PLEBE, n° 1, p. 4, 9 de junho). Continuando o texto, o autor define a Igreja Católica como uma instituição “iníqua, absurda e deshumana” que produz a “dôr, a ignorância, o luto e a desgraça, que embrutece as inteligencias e que produz o sangue” (A PLEBE, n° 1, p. 4, 9 de junho) A Igreja e o Estado: eis ahi os dois inimigos irreconciliáveis do progresso e da liberdade, institutos que são de obscurantismo e tyrannia (A PLEBE, n° 7, p. 28 de julho). A intensa campanha anticlerical era um elemento central para entender a estratégia educativa do jornal. O anticlericalismo irá compor as páginas do periódico de maneira libertária, ou seja, articulada coma luta contra o capital, já que a aceitação de qualquer autoridade (seja ela religiosa ou não53) pressupõe a submissão do individuo. Assim pensada, a relação entre o papel do clero junto à sociedade capitalista é a de conciliação de interesses e complementares tal como sua luta para a superação. 3.4. A Plebe durante a Greve Geral Retomando as explicações da teoria do capital elaborada por Marx (1982), o advogado ex-redator d’A 53 BAKUNIN, M. Catecismo Revolucionário: Programa da Sociedade da Revolução Internacional. São Paulo: Imaginário/Faísca, 2009. - 92 - ........................ 54 Lanterna, escreverá sobre a mais-valia , conceito extremamente importante na teoria marxista que consiste de maneira geral, no valor do trabalho não pago a quem produz, ou seja, o trabalhador. No texto O pobre é um vadio? Benjamin Motta entenderá que a, (...) fortuna accumulada, disse-o Carl Marx, e ninguem poderá demonstrar o contrario, é producto exclusivo de trabalho não pago. Logo, quem trabalha não ganha dinheiro, porque o lucro é todo do patrão, e o pobre não é um vadio, é apenas a victima lastimavel de uma péssima e detestavel organisação social (...). Apontem-nos uma grande fortuna ganha honradamente pelo trabalho, e provaremos que para a sua formação concorreram outros factores que não o trabalho exclusivo, manual e intellectual. Benjamim Motta (A PLEBE, n° 1, p. 1, 9 de junho). Ainda no primeiro número do jornal, ressalta-se a importância e o surgimento de diversas agremiações, núcleos e sindicatos. Sob o título de Acção Obreira – O Operariado de São Paulo parece despertar para a luta – Movimento grevistas – Associações que surgem, o periódico libertário anunciará a fundação da Liga Operária do Belenzinho e da Mooca, que, sobretudo, fora constituída após as propostas dos trabalhadores combativos (...) fazendo com que entre os trabalhadores, sujeitos agora, como nunca, a uma situação verdadeiramente intolerável, devido á acção aladroada dos patrões, insaciáveis sanguesugas sociaes, se comece a sentir a necessidade de agir contra os bandidos que, ao abrigo da lei, vivem a roubar o producto do seu trabalho insano (A PLEBE, n° 1, p. 3, 9 de junho). 54 Para maior aprofundamento, ver MARX, K. Para a Crítica da Economia Política — Salário, Preço e Lucro — O Rendimento e Suas Fontes. São Paulo, Abril Cultural, 1982. - 93 - ........................ Conforme ressaltamos no capítulo 2, foram os múltiplos fatores para a eclosão da greve geral de julho. Assim pensando em múltiplos fatores, Florentino de Carvalho apresentará ao operariado paulista os principais motivos da greve, ressaltando principalmente, as condições materiais que esta classe está submissa. O Momento - O porquê das Gréves A miseria e o trabalho transformam-se em ouro, em vil metal, que corre em torrentes caudalosas para os cofres dos negreiros do Capital e do Estado, operando-se este milagre pelo talisman da exploração e do imposto. (...) Florentino de Carvalho (A PLEBE, n° 5, p. 1, 9 de julho). Ainda, O operariado realiza, portanto, uma obra justiceira conquistando pela greve ou outros meios de acção direta tudo quanto lhe é extorquido, roubado legal ou ilegalmente. E não devem perder esta occasião favorável em que os collocou o incremento do trabalho, que evita em parte a concorrência de braços. O movimento deve generalizar-se a todas as classes, alastrar-se por todo o paiz, afim de que as conquistas sejam mais rapidas e radicaes. (...) Florentino de Carvalho (A PLEBE, n° 5, p. 1, 9 de julho). Eça de Queiroz55 escreverá o artigo Plebe que será publicado no número 5 do jornal ressaltando as condições desfavoráveis da classe trabalhadora que, segundo ele, é um 55 Escritor português que nasceu em 1845 e faleceu em 1900. É um dos renomados escritores portugueses do chamado realismo português. Para mais, ver: http://www.feq.pt/eca-de-queiroz.html; LYRA, H. O Brasil na vida de Eça de Queiroz. Lisboa: Livros do Brasil, 1965. MATOS, A.C. Diccionário de Eça de Queiroz. Lisboa: Caminho, 1988. - 94 - ........................ povo que “(...) chora de fome, e da fome dos seus pequeninos – para que os Jacynthos, em janeiro, debiquem, bocejando, sobre pratos de Saxe, morangos gelados em champagne e avivados d’um fio de ether!” (A PLEBE, n° 5, p. 1, 9 de julho). Além desse texto de Eça de Queiroz, outro nos chama a atenção. Em meio aos acontecimentos grevistas, A Plebe buscava esclarecer aos trabalhadores o papel do CDP (órgão que reunia representantes dos sindicatos e de organizações operárias e que fora constituído durante a greve geral), para deixar claro suas posições além de vetar possíveis reações da classe contra o órgão. Assim dirão em A’ guisa de ultimatum O programa communicado aos jornaes pelo Comitê de Defeza Proletaria era o minimo que um comitê de defeza, sahido das multidões vencidas pela fome, espoliada, roubada e assaltada pelos cossacos do Estado poderia reclamar (A PLEBE, n° 6, p. 1, 21 de julho) Confirmando nossa tese de que A Plebe propagava mecanismos de uma educação libertária, o texto de João Crispim citado anteriormente deixa claro que a greve geral seria a única estratégia, naquele contexto, potencialmente revolucionária utilizada pela classe trabalhadora O unico recurso para que póde appellar a classe trabalhadora é a greve geral de todas as classes operrias da capital, do Estado, do Brasil, afim de oppor á força bruta do capitalismo a grande força do trabalho. Agitem-se as classes laboriosas, estreitem os laços de solidariedade, revoltem-se pois somente arvorando o pendão das rebeldias e da guerra contra os exploradores e verdugos se alcançará melhores condições de existência, obrigando-os a cair aos nossos pés pedindo misericórdia (A PLEBE, n° 6, p. 2, 21 de julho). - 95 - ........................ Valendo-nos de artigo publicado em A Plebe, n° 6, intitulado O Appello aos Soldados notamos que a reafirmação do caráter de classe da ação anarquista era freqüente e bastante usual, já que a consciência de classe seria fundamental para a união dos trabalhadores. Nesse artigo acima descrito encontramos uma forma de conscientizar os soldados, propondo para esse grupo específico, que não deveriam “perseguir os nossos irmãos de miséria”. Vós, tambem, sois da grande massa popular, e, si hoje vestis a farda, voltarei a ser amanha os camponeses que cultivam terra, ou os operarios explorados das fabricas e officinas. (...) Cumpri o vosso dever de homens! Os grevistas são vossos irmãos na miseria e no soffrimento; os grevistas morrem de fome, ao passo que os patrões morrem de indigestão! Soldados! Recusai-vos no papel aos carrascos! (A PLEBE, n° 6, p. 2, 21 de julho). Compreendida que a ação anarquista e sua mentalidade seria algo novo frente à história da humanidade, os articulistas do jornal tentarão justificar esse entendimento através da noção de que os libertários teriam as aspirações de uma sociedade radicalmente distinta da capitalista. A mentalidade anarchista é uma mentalidade nova. Constrangidos a viver num mundo decrépito, em continuo esfacelo, e cuja existência só com guerras e oppressões de todo o gênero é possível perpetuar, os anarchistas, pelo espírito, pela vontade, pelas aspirações pertencem a um mundo que ha-de vir (A PLEBE, n° 3, p. 4, 23 de junho). Os pressupostos políticos e pedagógicos da ação direta também ressoavam nas críticas aos métodos utilizados pelo Estado em relação à educação. Combatendo o militarismo nas escolas, em setembro de 1917 após as festividades da efeméride de Independência do Brasil e dias antes de seu - 96 - ........................ primeiro empastelamento, o periódico libertário publicará um breve texto assinado por sr. Ellis intitulado Farpas de Fogo – Soldadinhos. Nesse texto, denunciará a formação de uma consciência militarizada nos estudantes e fará críticas impetuosas ao Estado que financiara tal educação. E’, como se vê, o progresso do militarismo em marcha. Não bastava já haver serviço militar obrigatorio – tornou-se preciso tambem introduzir nas escolas o ensino da matança! (...) Em vez de a educarem racionalmente, demonstrando-lhe o erro, o preconceito e o dogmatismo, para que possam amanhã gosar integralmente um Porvir suavizador, pregam-lhe a pratica do assassinato, o roubo, da pilhagem e da destruição para que esta sociedade putrefacta se eternise na face da terra! (A PLEBE, n° 13, p. 1, 8 de setembro). O fim da greve geral terá um desfecho bastante complexo. Quando o CDP foi criado em meio aos acontecimentos grevistas, ele tinha o intuito de unificar a luta dos trabalhadores em prol de uma luta unificada, politizada e organizada. Após a greve notamos que será necessário continuar as atividades feitas pelos grevistas em novas formas de organização popular. É entre uma dessas organizações que ressurgirá a FOSP (federação Operária de São Paulo) e as demais ligas operárias citadas no capítulo II. Sua rearticulação será sempre lembrada nos números do jornal que seguirão após a greve até seu empastelamento. Trataremos das ressonâncias da greve no próximo ponto. 3.5. A Plebe após a Greve Geral Quando A Plebe anuncia Os trabalhadores continuam em actividade56 foi a prova cabal de que as novas agremiações de trabalhadores surgiriam no Estado de São Paulo. A classe operária vivia um período de reorganização pós-greve e 56 Assinado por Rebelião no n° 13°, 8 de setembro de 2013, p. 3. - 97 - ........................ constituía novos órgãos de resistência que será reprimido com veemência nos meses que sucedem a julho. Porém, ainda denunciando o não cumprimento dos acordos feitos entre patronato e classe trabalhadora, A Plebe irá continuar com um árduo trabalho de denunciar o não-cumprimento, além de almejar, caso necessário, uma nova greve geral. Assim, inúmeros textos continuarão a ser publicados até a paralisação do periódico (que só retornará em 1919) após a prisão de Edgard Leuenroth. Após acontecimentos grevistas, o periódico irá lançar mão de uma forma de interpretação do passado que elencará as experiências que a classe trabalhadora ganhou com o acontecimento ao reafirmar a necessidade da ação direta e sua derradeira importância para o fim do capitalismo. Esses acontecimentos para nós, dizem mais que as melhores dissertações sobre o valor e o significado da acção direta na luta contra os inimigos do trabalhador. Vimos o seu resultado em São Paulo, não há ainda um mez. Erguendo-se em massa contra os seus tyrannos e exploradores, fez exploradores e tyrannos oscillar nos seus privilegios e o proprio Estado, guarda desses privilegios, tremer na sua base de seculos, aturdido de pavor (A PLEBE, n° 9, p. 1, 11 de agosto). Foi compreendendo a estratégia política da ação direta como mecanismo de luta dos trabalhadores como resultado de lutas concretas que entende-se a necessidade “deante da acção directa da massa, da massa que se agita, actua e quer, recuam todas as prepotências, acovardam-se todas as tyranias, desfazem-se e desaparecem todos os cynismos” (A PLEBE, n° 9, p. 1, 11 de agosto). Todavia, a repressão ao movimento grevista de 1917 será exemplar e marcará os últimos dias da primeira fase de A Plebe, explica Lopreato (2000, p. 209). O periódico que foi lançado em 9 de junho terá sua última publicação de 1917 no - 98 - ........................ dia 30 de outubro. No entanto, A Plebe ressurgirá em 1919 e permanecerá publicando até no ano de 1951, fruto de mais uma ação policia (LOPREATO, 2000, p. 109). No ínterim de fim da greve geral até a paralisação do periódico notamos uma recomposição e um apelo mais significativo à classe para que fiquem claros os acordos e vitórias conquistados além da necessidade de uma retomada dos movimentos sociais de combatividade. Resumindo as vitórias da classe trabalhadora com a greve geral de julho, o periódico irá assim publicar: Embora em parte, os capitalistas e governantes cederam: Os industriaes assumiram perante o <<Comitê>> de Jornalistas o compromisso seguinte: a) manter a concessão feita, de vinte por cento sobre os salarios em geral; b) affirmar que não será dispensado nenhum operário que tenha tomado parte na presente greve; c) declarar que respeitarão absolutamente o direito de associação dos seus operarios; d) effectuar os pagamentos dos salários dentro da primeira quinzena que se seguir ao mez vencido; e) consignar que acompanharão com a máxima boa vontade as iniciativas que forem tomadas no sentido de melhorar as condições moraes, materiaes e econômicas do operariado de S. Paulo (A PLEBE, n° 6, p. 4, 21 de julho). Apresentando justificativas sobre a necessidade da implementação regular das 8 horas de trabalhos diários, Andrade Cadete em texto elucidativo sob o título de 8 horas de trabalho, dirá que a luta pela redução da jornada de trabalho é profícua para o trabalhador por questões físicas e para o patronato, que desfrutará de mercadorias melhores. Assim ele dirá: - 99 - ........................ Na jornada de 8 horas igualmente se observa que o trabalho produzido é mais perfeito, isto por se encontrar o funcionamento do organismo humano completamente regularizado e lhe ser dado o correspondente descanço. Nestas condições, o detentor dos instrumentos de trabalho vê valorizados os seus artigos e por consequencia com mais margem para poder concorrer no mercado (A PLEBE, n° 12, p. 1, 1° de setembro). Outro fator elementar de frutos da organização será a construção da FOSP (Federação Operária de São Paulo)57 em substituição do CDP (Comitê de Defesa Proletária) no dia 26 de agosto com “a mesma linha de organização que a antecedeu, manifesta-se contra as prisões de operários fazendo impetrar ordens de habeas-corpus em favor dos prisioneiros” (KHOURY, 1981, p. 26). Ressaltando a necessidade e importância do novo órgão da classe operária, o anarquista João Penteado irá dizer que a recente Federação Operária nada mais é do que um: (...) organismo vivo e poderoso, apezar de recente, apezar de ter nascido hontem, não deixa de traduzir as nossas mais caras “esperanças e prometter abundantes e salutares fructos para a causa da emancipação do proletariado! (A PLEBE, n° 11, p. 1, 25 de agosto). O trecho acima descrito ilustra a forte expectativa em relação ao novo periódico que teria o salutar papel de incentivar e potencializar a luta de classes. Após esse artigo, com total entusiasmo, a edição do jornal terá frases de destaque sobre a criação da FOSP, dentre as quais se destaca: Actividade Animadora – Desenvolve-se o movimento do 57 Para tal, ver o artigo Convênio Operario de domingo no número 12 datado do dia 1 de setemrbo, p. 3. - 100 - ........................ Proletariado; A Federação Operaria foi reconstituída com grande enthusiasmo – Novas gréves de protesto. Reafirmando as bases do sindicalismo revolucionário, destaca-se na descrição feita sobre bases do acordo e a forma de estruturação da Federação em relação aos sindicatos operários não sindicalizados, assim dirão: As classes que para melhor poderem resolver os trabalhos syndicaes, decidirem dellas se destacar a fim de constituírem secções das uniões de industriais ou officios ou syndicatos autônomos, manterão, junto ás mesmas, comissões de relação compostas de dois delegados (A PLEBE, n°11, p. 3, 25 de agosto). Após as contínuas perseguições a membros de sindicatos e federações, o periódico lançará com mais frequência artigos sem assinatura de autor algum (certamente para assegurar e manter certa segurança). A Plebe, n°13 publicará o seguinte artigo inicial: Que nojo!... – Havemos de reagir, apezar de tudo. Nesse texto, a ação direta será retomada em forma de aclamações veementes para a classe trabalhadora que, denunciando as deportações e mortes de operários, proferirá as seguintes palavras contra os órgãos oficiais do Estado: Não! Mil vezes não! Havemos de reagir, atravez de tudo, contra esse crime inominável, expondo os seus objectos autores á ignomínia, á justiça popular, a fim de que uns laivos de remorso penetrem nas suas consciencias pervertidas. Havemos de mostrar a nossos irmãos trabalhadores, custe o que custar, dôa a quem doer, as consequencias funestas que advêm da desigualdade economica e social presente, apontando-lhes, simultaneamente, o caminho conducente á sua integral emancipação (A PLEBE, n° 13, p. 1, 25 de agosto). - 101 - ........................ Bastante reveladora da repressão para a classe operária, os últimos números do periódico será recheado por denúncias dos atos policiais sobre os membros de sindicatos, federações, jornais operários, que ainda estavam a todo vapor propagando seus ideais, mesmo após a greve de julho. A necessidade de uma união será necessária para “oppôr uma barreria tenaz ás arremetidas de tão audaciosos escravocratas” (A PLEBE, n° suplemento58, p. 1, 15 de setembro). Exemplificando isso, o jornal em seu décimo terceiro número publicará Que Banditismo! A infame trama policial – Está sendo forjado um processo contra os militantes anarchistas. Nesse texto assinado por R. F. a ação das forças militares em repressão aos indesejáveis (LOPREATO, 2000) será clara. Vejamos: A imbecilidade do governo, como a imbecilidade da polícia (já que as duas se confundem) não está, precisamente, no facto de desejar a expulsão de alguns operarios, cuja presença o governo ou a polícia julgam perigosa para o exercício deste governo para a acção desta policia. Somos os primeiros a reconhecer que o governo, seja elle qual for, tem o direito de legitima defeza. A imbecilidade não está, portanto, no exercício deste direito, mas no mau uso que deste direito o governo quer fazer (A PLEBE, n° 13, p. 2, 8 de setembro). Com certa virilidade, o pequeno texto irá rebater as alegações por parte da polícia de que as greves eram frutos dos 58 O suplemento, de acordo com nota explicativa publicado nele, publicado em 15 de setembro de 1917 e foi “composto e impresso nas officinas do jornal “O Combate”, que o seu diretor poz á nossa inteira disposição para que A PLEBE não deixasse de circular. Innutil seria encarecer o valor de tão significativo gesto, neste momento. Ao O COMBATE e sua digna e honrada direcção todo o nosso reconhecimento”. - 102 - ........................ indesejáveis, ou seja, um pequeno e articulador grupo de anarquistas e não da classe em si. De facto, só um governo de microcephalos pode conceber que os movimentos grevistas são obra de meia dúzia de operarios professando idéas subversivas. E’, literalmente, o que se póde chamar o Maximo de obtusidade na arte de discernir. As causas únicas das greves, causas econômicas, causas Moraes, essas o governo ignora-as superiormente e superiormente as despreza (A PLEBE, n° 13, p. 2, 8 de setembro). A presença desses indesejáveis só comprova a tese de que “os libertários representavam uma força política ativa e incômoda aos industriais e aos poderes constituídos” (LOPREATO, 2000, p. 217). Continuando com sua eloquente tarefa de denunciar para a classe trabalhadora as falcatruas (na concepção de A Plebe), a anarquista brasileira Iza Ruti em A Philanthropia “delles” irá criticar um clérigo da cidade de Campinas que fez doações para um hospital em ato de filantropia. Esse ato será interpretado pela anarquista como um roubo, pois “o dinheiro por elles empregado em teu favor é o pão tirado da tua boca”. E tu, ó misero plebeu, que dizes a tudo isso? Tambem os aplaudes? Oh! Não. Bem sei que divisas bem claramente a hypocrisia e a desfaçatez que há em todos os seus gestos. (...) A miseria, o escarneo, o desprezo, o insulto da esmola que te arroja esta sociedade que tu, ó forte dos fortes! sustentas por um lamentável e triste egoísmo... (A PLEBE, n° 11, p. 2, 25 de agosto). Entendido pelo governo como “indesejáveis” os militantes anarquistas (uma minoria frente à classe) será penalizada por serem os culpados pelos conflitos na greve de - 103 - ........................ julho e uma possível articulação de uma nova paralisação geral. Apresentando os elementos dessa designação feita aos anarquistas, em 30 de setembro J. Guanabara escreverá em “Os indesejáveis” assim que as ações repressivas do Estado farão com que “em breve, germinará em resultados grandiosos” (A PLEBE, n° 15, p. 1, 30 de setembro). Para o articulista, o fenômeno de dar aos anarquistas o adjetivo de indesejáveis era normal e usual. As práticas repressivas aos militantes libertários eram vistas como “crimes do Estado”, uma “campanha infame” contra os “apostolladores das idéias avançadas”. Assim definido, o Estado é: (...) essa terrível machina destruidora que arrastas milhares de homens ao matadou humano – A GUERRA. E os políticos, que pregam ao povo o militarismo, jamais se levantaram contra esse tremendo flagelo. (A PLEBE, n° 15, p. 1, 30 de setembro). O redator d’A Plebe será preso em fins de setembro quando por uma “escala da repressiva do governo” invade a sala onde funcionava a redação do jornal (ADDOR, 1986, p. 119). Com isso, os interesses específicos da classe trabalhadora orientados e propagados pela imprensa operária se encontram em completo retrocesso, já que as reivindicações atendidas no plano teórico, encontram-se distantes de realizadas na prática. Edgard Leuenroth foi preso no dia 14 de setembro de 1917 e liberto apenas em 8 de março de 1918 sob a acusação de ser o autor e mentor do roubo ao Moinho Santista no dia 11 de julho durante a greve (LOPREATO, 2000, p. 187). 3.6. Pictografia como recurso educacional Por mais que os textos escritos forneçam indícios valiosos para a interpretação de uma realidade social, “as imagens constituem-se no melhor guia para o poder de representações visuais” (HASKEL apud BURKE, 2004, 17). - 104 - ........................ As imagens publicadas pelo A Plebe expõem traços do imaginário da militância anarquista, revelando uma linguagem alternativa de formação política, que guarda suas sensibilidades próprias, desenvolvida pelo periódico libertário (GARZIA, 2011, p. 61). Porém, além de se tornar fácil, o uso das imagens em periódicos anarquistas no caso específico da Primeira República tem uma funcionalidade maior, pois Em um momento em que a maioria dos operários era analfabeta ou desconhecia a língua portuguesa por terem origem estrangeira (espanhóis, italianos, poloneses entre outros), a imagem passou a ser um importante instrumento de educação política por facilitar a transmissão da mensagem ao leitor, que se identificava enquanto indivíduo ou classe social na representação visual (GAWRYSZEWSKI, 2009, p. 19). Assim, verificamos que A Plebe continha imagens (geralmente estavam na primeira folha em sua parte superior) que representavam e ditavam a temática geral de cada número, por mais que seja veiculado vários temas ao longo de um só número. Evidente que a educação para a ação direta era algo manifestado nas páginas do periódico de diferentes maneiras. Portanto, analiso nesse momento, a veiculação de imagens do periódico como forma de chegar ao leitor com maior facilidade. Para Garzia (2011, p. 53), a veiculação de imagens, caricaturas e fotografias em geral era uma forma de apostar na “capacidade de inspiração destas”, constituindo formas de interpretar a realidade e projetar uma nova sociedade advinda da estratégia da ação direta. Essas pictografias veiculavam, no contexto de 1917, formas de representação da realidade burguesa e operária, as desigualdades existentes entre essas - 105 - ........................ classes sociais, além das representações de uma nova sociedade fundada nos princípios do anarquismo. Analisaremos três imagens para demonstrar como era veiculado o conteúdo anarquista nas imagens do jornal. Para interpretar as produções pictóricas de A Plebe, lançaremos mão da compreensão do alemão Walter Benjamin que define as imagens dialéticas. Pensado assim, a imagem é categoria central no pensamento de Benjamin (MAIO, 2012). Aparece como elemento construtivo e depositário das formas cognitivas, pois estabelece um vínculo da relação entre o presente e o imaginário (por exemplo, uma projeção de futuro). Pensado assim, essas imagens podem conter redefinições da realidade histórica a partir da noção de temporalidade e, obviamente, uma interpretação do passado através de sua compreensão do presente propondo um futuro diferente. Podem-se definir assim as imagens dialéticas: (...) a imagem é a dialética na imobilidade. Pois, enquanto a relação do presente com o passado é puramente temporal e contínua, a relação do ocorrido com o agora é dialética – não é uma progressão, e sim uma imagem, que salta. – Somente as imagens dialéticas são imagens autênticas (isto é: não-arcaicas), e o lugar onde as encontramos é a linguagem. Despertar. (BENJAMIN, 2006, p. 504). Assim, a imagem dialética é mais uma maneira que os indivíduos narram histórias de um passado com suas carências do presente vivido. Isso nada mais é do que resíduos de um tempo histórico ainda em reconstrução, ou seja, uma relação contínua do processo histórico com elementos do passado e do presente com a imagem tendo um pretensão de produzir conhecimento pela maneira em que descreve o processo por meio do qual, o autor recorre ao passado confrontando-o com os elementos de tempo presente. O alemão diz que o, - 106 - ........................ (...) índice histórico das imagens diz, pois, não apenas que elas pertencem a uma determinada época, mas, sobretudo, que elas só se tornam legíveis numa determinada época. (...)Pois, enquanto a relação do presente com o passado é puramente temporal, a do ocorrido com o agora é dialética – não de natureza temporal, mas imagética. Somente as imagens dialéticas são autenticamente históricas, isto é, imagens não-arcaicas. A imagem lida, quer dizer, a imagem no agora da cognoscibilidade, carrega no mais alto grau a marca do momento crítico perigoso, subjacente a toda leitura (BENJAMIN, 2006, p. 504 – 505). Após essa explanação teórica, podemos analisar as imagens. Uma das imagens mais marcantes veiculadas em A Plebe no período analisado é “Derradeiras Machadadas”. Nela, por exemplo, veicula-se a noção de que a luta militante deva ser multideterminante, ou seja, fundada nos vários aspectos da realidade social feita pelos militantes frente à sociedade. Nesse sentido, não era propício uma crítica aos aspectos políticos e econômicos (maior que o político na imagem) meramente, era preciso ir além, combater a iniqüidade moral da sociedade humana regida pela autoridade. Mas desse “tronco principal” surge três galhos suplementares: um primeiro e maior notavelmente pela imagem, a iniquidade moral, produzindo preconceitos, ensino viciado, ignorância, superstição, etc.; o segundo sendo a iniquidade política que produz as leis, o militarismo, a guerra, o patriotismo, corrupção, o Estado, etc.; e por fim, o terceiro galho advindo da autoridade, a iniquidade econômica, produzindo o comércio, a agiotagem, a desigualdade social, falência, prostituição, etc. - 107 - ........................ Imagem 4 - Derradeiras Machadadas", A Plebe, nº 9, 11 de agosto de 1917 - 108 - ........................ Imagem 5 - "Igualdade e Fraternidade", A Plebe, n° 1, 9 de junho de 1917. Assim, só poderia ser concretizada tal luta se houvesse uma concessão para a educação, um papel importante no processo de formação cultural (GOMES, 2005, p. 88). Assim, cabia ao trabalhador combater as iniquidades que se sustentavam através do seu pilar fundamental: a autoridade. Além dos aspectos mais visíveis da imagem, outros nos chama a atenção. O contexto específico, como apontamos anteriormente, é de luta à moral cristã. Por isso, vemos a representatividade do corpo nu como afronta à tal perspectiva: apenas um ser humano despido de suas limitações morais conseguirá romper com a sociedade que o reprime. Além disso, a visão voltada para a raiz da árvore nos passa a noção de uma ruptura sem volta, ou seja, o aquilo que gera a sociedade deve ser rompida na sua raiz. - 109 - ........................ No entanto, apesar da constatação de que não existia um discurso único proferido pela imprensa operária da Primeira República, é evidente a utilização de imagens para representar a realidade sócio-histórica do momento de formas variadas. Vê-se, portanto, claramente o conteúdo da desigualdade social na imagem: de um lado a representação de um burguês clássico sentado em um montante de dinheiro exibindo sua forma física pomposa e, de outro, a classe operária mendicante em multidão e “famélica” sem rosto e fisionomia própria. Segundo Gawryszewski, Em geral, o patrão burguês é representado como sendo um homem (seria difícil de se entender o patrão representado por uma mulher, visto que quase todos os patrões eram homens) de terno e cartola. Outra característica era sua obesidade. Esta ligada não à fartura “boa”, mas à opressão e à desigualdade social e econômica (GAWRYSZEWSKI, 2009, p. 31). Outra imagem de destaque foi publicada em A Plebe, n° 4, no dia 30 de junho de 1917 e representa a situação da classe trabalhadora e o que significa o papel da entrada do Brasil na Guerra: a piora das condições da própria classe em nome do patriotismo. Assim, a crítica veemente está expressa em sua legenda que aparece O ultimo pedaço de pão que está sendo tomado pela Guerra. Essas concepção estética mostra a representação do soldado com um guerreiro romano (o gigante imperialista) caracterizado por uma forma física militar e superior que a classe trabalhadora. - 110 - ........................ Imagem 6 - "O Brazil na Guerra - o último pedaço de pão", A Plebe, n° 4, 30 de junho de 1917. De um lado a representação da força voraz de uma guerra e de outro, uma família pequena caracterizada em sua tradicionalidade (homem/mulher/filho/filha) e assustada pela fisionomia do gigante. Todas as imagens veiculadas por A Plebe tem um sentido político-educacional, mas não somente. Como fica claro a imagem produz um sentido de uma estética libertária - 111 - ........................ que produz uma autocompreensão da realidade a partir de representações da realidade em pictografias. Todas relacionam os temas mais abordados do jornal, e evidentemente, conforme Gawryszewski (2009, p. 22 – 23) aponta “dentro de uma perspectiva educacional, pedagógica, ou seja, de mostrar, ensinar e difundir o ideal libertário, de denunciar e desnudar o sistema capitalista”. Com isto posto, é possível identificar por meios das imagens por ele veiculadas, as “péssimas condições de alimentação e trabalho; os mártires e heróis dos trabalhadores, a repressão policial e a invasão e destruição da impressa (“empastelamento”) (...)”, além da “a ação direta (boicote e greve) e outras tantas questões que os trabalhadores sentiam e viviam”.. Contudo, essas imagens dialéticas permitem o indivíduo produzir a partir de seu tempo histórico uma determinada manifestação de realidade ou como uma imagem da redenção, após uma proposição de interpretação crítica do passado e do presente produzindo uma nova forma de relação social. Por isso, a "imagem dialética é uma imagem que lampeja. É assim, como uma imagem que lampeja no agora da cognocibilidade, que deve ser captado o ocorrido". Portanto, A Plebe ao insuflar uma concepção de proposição de uma nova sociedade através das suas imagens, fez aquilo que Benjamin (2006) chamou de imagem do desejo, ou seja, o periódico propôs um tempo que há de vir após uma substituição profunda e radical com o que vivemos. Ou simplesmente, fez “fascinar como uma aparição capaz de perseguir” (BOSI, 1977, p. 14). 3.7. Poesias libertárias Para Lopreato (2000, p. 110), as poesias foram um importante instrumento de instrução da classe operária nas páginas d’A Plebe e se constituiu como peça importante por ter um “caráter doutrinário”. Assim, concordando com sua análise e indo além dela, analisaremos algumas destas poesias que se faziam presentes nas páginas do periódico e estabeleceremos - 112 - ........................ uma interpretação entre o seu ideário educacional e as referidas poesias. De acordo com Alfredo Bosi (1977, p. 142), as poesias ou meramente a vontade mitopoética de compreender a natureza e os homens, “foram assumidos e guiados, no agir cotidiano, pelos mecanismos do interesse, da produtividade” pela hegemonia burguesa na compreensão das relações sociais (por exemplo, a ciência). Para Bosi, as poesias também formam “(...) a crítica direta ou velada da desordem estabelecida (vertente da sátira, da paródia, do epos revolucionário, da utopia)” (BOSI, 1977, p. 145). É pensando assim que analisaremos alguns epos revolucionários de A Plebe. Algumas poesias ao identificar o papel das classes sociais e suas posições frente às desigualdades da sociedade paulistana no período apresentam críticas à sociedade de forma contundente nos liames da poesia como recurso lingüístico. Assim, a questão das moradias de operários e burgueses, a fome, etc. é tema da poesia Contrastes, que assim pensa: Quem habita o palácio magestozo Cercado de confforto e de goso - O Gran-senhor! (...) Quem dia a dia soffre e se consome Para ganhar o negro pão da fome? – O produtor! (...) Quem escarnece os códigos e as leis Praticando mil crimes bem crueis? – O Gran-senhor! (...) Quem vive em edifício confortável Construido por um opperario miseravel? – O Gran-senhor! Quem apos a labuta quotidiana Tem para abrigo lugebre cabana? O produtor! (...) Andrade Cadete (A PLEBE, n° 7, p. 4, 28 de julho). A utilização da metáfora como recurso lingüístico era algo recorrente dos escritos do periódico, utilizados geralmente - 113 - ........................ para dar sentido ao seu discurso libertário analisando as sociedades do passado, as suas e propondo a ruptura com elas. Vejamos como na poesia Rebeliao os aspectos constitutivos da ação direta são trabalhados: Rebeliao (...) quando comece a lucta, Quando explodir a tormenta, A sociedade corrupta, Execravel e violenta, Iníqua, vil, criminosa, Ha de cahir aos pedaçoes, Ha de voar em estilhaços Numa ruína espantosa Ricardo Gonçalves (A PLEBE, n° 1, p. 2, 9 de junho). O uso das metáforas, como por exemplo, na metáfora cristã O mundo melhor dorme em longa treva presente em O sol da nova Idéa de Teixeira Bastos, reafirma ainda que a forma de reconhecer novas formas através de formas já conhecidas é algo recorrente na atividade humana. Em tal poesia já citada, através de uma linguagem acessível que utiliza de adjetivos para caracterizar a sociedade capitalista (a ser superada), Teixeira Bastos apresenta a noção de fim a sociedade capitalista de sua época e de suas características (entre elas, os aspectos religiosos) e a instauração de uma sociedade, caracteriza por novas relações sociais. Vejamos. As imagens dos célicos devassos Levadas pelos ventos revolteiam As crenças divinaes em estilhaços (...) Dos credos sem sentidos as densas brumas Se dissolvem na noite, quaes espumas Nas areias da praia que reluz! O mundo melhor dorme em longa treva. Emtanto ao longe vejo que se eleva O sol da nova Idéa, a branca luz! - 114 - ........................ (A PLEBE, n° 3, p. 2, 23 de junho). A luta complexa (e não meramente anticlerical ou econômica) também está presente nas poesias libertárias publicadas no periódico. Abaixo temos o exemplo de uma poesia que compreendia a luta contra o clericalismo, a sociedade de classes e a sua superação advinda de uma luta (vingança) para eregir uma sociedade anarquista. Em Abri! Eu chamo-me a Anarchia! lê-se: Eu sou o Turbilhão colérico e profundo, que vem varrer a terra, o raio nunca visto venho cheio de pó, cansado, todo immundo (...) Tu, Igreja, renega antes quescante o gallo. - Justiça, mostra já teu dedo flammejante! - Vingança, vai sella o teu feroz cavello! Gomes Leal (A PLEBE, n° 4, p. 2, 1917). A figura do burguês e cristão é satirizado na poesia de Vicente de Miranda Reis que analisa comparativamente os objetivos de Jesus e dos que se dizem cristãos. Assim dirá que hoje “(...) o burgues, depois de tantos annos, é bom christão e explora o povo obreiro (A PLEBE, n° 11, p. 1, 30 de junho). Outra temática abordada nas poesias vinculadas por A Plebe é o tema do amor livre. Na poesia datada de 7 de outubro de 1917, Coriolano Leite entenderá que a moral religiosa sobre os corpos deva ser combatida e assim, apelando ao tema da virgindade, dirá aos homens e às mulheres: Dae-vos altivamente aos beijos, sem receio. Vida, gerae a vida e procreae amores. (...) E vós, homens do amor, e vós que a desejaes, (...) Beijae as livremente á grande luz do dia (A PLEBE, n° 16, p. 2, 7 de outubro). Um elemento de destaque que foi trabalhado por Neves (2012, p. 26), é o caráter de refinamento nos escritos - 115 - ........................ d’A Plebe. Podemos notar bem isso nas suas poesias e nos seus escritores, que apesar de ter uma acessibilidade em relação ao conteúdo, continha momentos de refinamento em relação à sua escrita que vão além de seu pragmatismo político: o periódico utiliza o refinamento como arte, logo, uma nova forma de superação das limitações da sociedade capitalista e de suas produções. Assim, esse refinamento, “pode ser uma tentativa de contrapor a imagem do desordeiro irracional” que historicamente fora lançada aos anarquistas escritores e que nada são além de doadores de sentido (BOSI, 1977, p. 141) que voltam, ou ao menos, possibilitam uma volta rápida e não tão duradoura do direito do poeta de dar nome às coisas (idem, p. 144). 3.8. A influência das Escolas Modernas Um elemento fundamental de uma educação libertária é a prática da autoformação educacional e da independência intelectual. A Plebe bem fará isso ao indicar obras de teóricos libertários aos trabalhadores59. Na edição de 30 de junho de 1917, irá publicar uma frase de Francisco Ferrer y Guardia60,fundador das Escolas Modernas na Espanha, que reúne os elementos primários da educação racionalista proposta pelo espanhol e utilizada por A Plebe: “Procurar o meio de pôr os seres de accordo no amor e na fraternidade, sem distinção de sexo, é a grande tarefa da humanidade” (A PLEBE, n° 4, p. 1, 1917). Para o espanhol Ferrer y Guardia: A missão do ensino consiste em demonstrar à infância, em virtude de um método puramente científico, que quanto mais se conhecer os 59 Ver, por exemplo, a edição 19 de 30 de outubro de 1917 que em sua última página reservará um notável espaço para indicar obras de vários autores, em sua maioria, libertários como Bakunin, Neno Vasco, Proudhon, Jaurés, Krpotkin, Malatesta, Reclus, Fabbri, etc. 60 1859 - 1909. Foi o idealizador das Escolas Modernas na Espanha (1901). - 116 - ........................ produtos da natureza, suas qualidades e a maneira de utilizá-los, mais abundarão os produtos alimentícios, industriais, científicos e artísticos úteis, convenientes e necessários para a vida, e com maior felicidade e profusão sairão de nossas escolas homens e mulheres dispostos a cultivar todos os ramos do saber e da atividade, guiados pela razão e inspirados pela ciência e pela arte, que embelezarão a vida e justificarão a sociedade (FERRER Y GUARDIA, 2010, p. 40). Para A Plebe, bem como para Guardia, era a “coeducação de meninas e meninos” (GUARDIA, 2010, p. 11) um passo muito importante para uma educação libertária. O ensino misto penetra por todos os povos cultos. Em muitos, faz tempo que são reconhecidos os seus ótimos resultados. O propósito do ensino de referência é que as crianças de ambos os sexos tenham educação idêntica; que de maneira semelhante desenvolvam a inteligência purifiquem o coração e temperem suas vontades; que a humanidade feminina e masculina sejam compenetradas, desde a infância, com a mulher chegando a ser, não em nome, mas na realidade, a companheira do homem (GUARDIA, 2010, p. 12). - 117 - ........................ Figura 7 – Nota publicada sobre a Escola Moderna. A Plebe, n° 17, p. 1, 14 de outubro de 1917. São referências como essas que perpetraram as páginas d’A Plebe por vários momentos. Por exemplo, em referencia aos 8 anos da fuzilamento do anarquista espanhol, A Plebe publicará O anniversario funnebre dum justo ressaltando que ele, “(...) morreu! Mas a Idéa Sublime Redemptora triumphou sobre os seus assassinos” (A PLEBE, n° 17, p. 1, 14 de outubro). Um exemplo de tal triunfo seria as Escolas Modernas61 que em São Paulo haviam se instalado e que fora fruto de trabalho árduo de militantes anarquistas desde 17 de novembro de 1909 quando elaboraram a Comissão Pró- 61 As Escolas Modernas foram fundamentais para a construção de um ideal educacional libertário. A Escola Moderna, n° 1, surgiu em 1918 e tinha João Penteado como organizador. - 118 - ........................ 62 Fundação da Escola Moderna de São Paulo (GUIRALDELLI, 1987, p. 131). Após suas fundações, as Escolas tiveram um importante papel na ação pedagógica libertária. Com idéias simples, porém contundentes, os libertários atacaram os fundamentos da ideologia dominante. Para os libertários, a luta pela instrução se inseria no contexto das demais batalhas que se desenrolavam no sentido de recuperar instrumentos de atuação social historicamente monopolizados pelas classes dirigentes. Insistiam na necessidade da educação como instrumento de atuação social. Era necessária instrução para melhor reivindicar, ao mesmo tempo em que era necessário reivindicar para poder estudar mais. A constatação de que a escola funcionava como foco doutrinador a serviço das camadas dirigentes fez com que os libertários redobrassem seus ataques contra o ensino sob controle estatal (CASALVARA; MORAES, 2002, p. 5). Essencialmente, essas práticas político pedagógicas das Escolas Modernas foram propagadas em A Plebe devido sua articulação libertária, já que esse modelo educacional, implantado nas Escolas Modernas, coloca em questão as práticas pedagógicas oficialmente aceitas e difundidas pelo Estado e pela Igreja (CASALVARA; MORAES, 2002, p. 5). 3.9. A “Gazetilha de Satan” critica com sarcasmo Outro importante ponto de destaque do periódico é a seção Gazetilha de Satan. Essa seção aparecerá em geralmente na parte inferior da segunda página com críticas satíricas a alguns indivíduos (e não a classe como todo) de destaque no cenário paulistano e nacional. 62 Na capital federal também se organizou a Comissão Gonçalves (2007, p. 89). - 119 - ........................ Sua primeira aparição vem no número inaugural d’A Plebe. Sem um título específico definido, Roberto Feijó fará críticas ao “Sr. Medeiros e Albuquerque” (membro da Academia Brasileira de Letras) (A PLEBE, n° 1, p. 2, 9 de junho) devido seus escritos conservadores e patrióticos. A segunda coluna sob o nome de Gazetilha de Satan, virá em 16 de junho analisando dr. Ruy Barbosa, também feita por Roberto Feijó, como um “politiqueiro”. No próximo número, o senador da República Alfredo Ellis é analisado por Alfredo Villa-Sêcca como um “inútil ao povo brasileiro” além de “nocivo, é criminoso, é tyrano”. Como a irregularidade era recorrente em A Plebe, a seção Gazetilha de Satan será substituída várias vezes por outras de conteúdos de conotação diferente. Esse é o caso do número 4 do jornal que em seu local virá Lobos e Cordeiros assinado por E. Lima e no numero 5, que sob o título de Octávio Mirbeau, Neno Vasco realizará duras críticas ao autor de mesmo nome que o título. Voltando no número 10, a citada seção irá promover, através de De Loyolla a Machiavel assinado por R. F., uma profícua análise das relações do Estado com o patronato e apela para seus leitores que “o operariado merece coisa nova e imprevista lição” (A PLEBE, n° 10, p. 1, 18 de agosto). No número seguinte, R. F. analisará a Primeira Guerra Mundial com o artigo A Paz. Tecendo críticas aos países envolvidos no conflito, a comunidade socialista internacional (naquele momento reunidos na II Internacional) e ao Vaticano que intermediaria o conflito propondo paz, o articulista dirá: Ignoramos a qual delles caberá a victória. (Não desejamos incidir ao vício das previsões). Todavia, agora como no início da guerra, a nossa convicção é esta e só uma: A paz há-de fazer-se, com o Vaticano ou sem elle, com a Internacional ou apeza della (A PLEBE, n° 11, p. 1. 25 de agosto). - 120 - ........................ Por mais que essa seção tenha sido efêmera, publicando apenas quatro textos, ela foi fundamental para analisar indivíduos sociais que agiriam em favor da manutenção das relações sociais vigentes que, conforme ressaltou Guimarães (2011, p. 110), são esses mecanismos que reverberam o que se compreende por ação direta, uma prática ética “alicerçada em princípios morais de uma sociedade comunista e libertária futura” que só seria possível através da luta de uma classe específica (a trabalhadora) para a dissolução das relações sociais capitalistas, através da ação direta que não é nada além de “a saúde, a dignidade e a vida dos trabalhadores” (A PLEBE, n° 9, p. 1, 11 de agosto). CONSIDERAÇÕES FINAIS Para concluir esse trabalho, sem fechar as portas da reflexão, entendemos que o periódico A Plebe reverbera seus objetivos e sua forma de conceber uma forma de ação política e pedagógica voltada para a revolução social através da ação direta. Seus elementos principais juntamente com outros secundários estão presentes além de uma aparência e da retórica utilizada: influi-se novas formas de sociabilidade através do cotidiano de crítica à sociedade capitalista, por exemplo, o uso de poesias e pictografias. Diria por ora que o pensamento difundido por A Plebe traz com consistência política e pedagógica os pressupostos de novos tipos de relações sociais que, para o imaginário dos anarquistas, não é uma “fantasia quimérica” ou um “sonho abstrato” e sim, concreto, fruto das contradições sociais existentes, utilizando-se da ação direta como mecanismo de concretização. Propagadores de uma ruptura radical em relação à sociedade de classes e ao futuro da classe operária, o periódico anarquista reacenderia as chamas da utopia concreta, buscaria um otimismo em relação ao pessimismo, já que este último, - 121 - ........................ nas palavras do filósofo alemão Ernst Bloch nada mais é do que “paralisia pura e simples” (BLOCH, 2005, p. 432). A Plebe se constituiu como uma propulsora elementar do periodismo militante com objetivos claros: a busca de uma sociedade livre e igualitária fundada nos princípios da anarquia como “efervescência utópica”. FONTES PARA PESQUISA Jornais A Plebe n° 01, 09-06-1917 n° 02, 16-06-1917 n° 03, 23-06-1917 n° 04,30-06-1917 n° 05, 09-07-1917 n° 06, 21-07-1917 n° 07, 28-07-1917 n° 08, 04-08-1917 n° 09, 11-08-1917 n° 10, 18-08-1917 n° 11, 25-08-1917 n° 12, 01-09-1917 n° 13, 08-09-1917 n° 14, 22-09-1917 n° 15, 30-09-1917 n° 16, 07-10-1917 n° 17, 14-10-1917 n° 18, 21-10-1917 n° 19, 30-10-1917 Suplemento, 15-09-1917 - 122 - ........................ Referências Bibliográficas 1. ADDOR, C. A. A Insurreição Anarquista no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Dois Pontos, 1986. 2. AZEVEDO, R. A Resistência Anarquista: uma questão de identidades (1927 – 1937). São Paulo: Arquivo do Estado, 2002. 3. BATALHA, C. H. M. O Movimento Operário na Primeira República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. 4. _______. A Historiografia da classe operária no Brasil: trajetórias e tendências. In: FREITAS, M. C. (org.). Historiografia brasileira em perspectiva. 7ª edição. São Paulo: Contexto, 2007. 5. BAKUNIN, M. 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Essa imprensa produziu, apesar da repressão por parte do governo brasileiro, uma intensa propagação dos ideais operários. Nesse âmago, alguns jornais tinham linhas ideológicas específicas, caso este do jornal Spártacus de orientação comunista anarquista. Tem-se como objetivo deste texto apresentar as principais concepções assumidas pelo jornal libertário, de seus editores (Astrojildo Pereira, José Oiticica, etc.) ressaltando o caráter revolucionário do jornal, preocupado com a finalidade última do anarquismo: a destruição da sociedade de classes, do capitalismo, do Estado etc. para a construção de uma sociedade radicalmente diferente. Palavras-chave: Spártacus, Imprensa Operária, AnarcoComunismo. Abstract: Spartacus newspaper, periodical circulated in Brazil’s federal capital between 1919 and 1920 producing a total of 24 numbers, had been part of what became commonly known as Labor Press. This press produced, despite the repression by the Brazilian government, an intense propagation of the worker’s ideals. In this core, some newspapers had specific ideological lines, in the Spartacus newspaper’s case the guidance was the communist anarchist. It has been the objective of this paper to present the main conceptions assumed by the libertarian newspaper, of its editors (Astrojildo Pereira, José Oiticica, etc.) stressing the revolutionary character of the newspaper concerned with the ultimate goal of anarchism: the destruction of class society, capitalism, the State etc. for the building of a radically different society. Keywords: Spartacus, Press Worker, Anarcho-Communism. - 134 - ........................ Este artigo surgiu da necessidade de identificar na complexidade da imprensa operária e anarquista algumas diretrizes do pensamento libertário que serão difundidas no movimento operário da Primeira República do Brasil. A historiografia ainda não produziu obras que tratem exclusivamente das minúcias da imprensa operária, sobretudo anarquista, deixando assim, um lócus a ser preenchido por novas pesquisas que tratem do assunto. Assim, compreendemos que ocorreu, e ainda ocorre, uma disputa no campo da memória do movimento operário brasileiro que, com objetivos diversos, deturpou o papel da imprensa anarquista, simplificando-a e elevando disparidades no seu interior para exaltar determinadas estratégias em detrimento de outras. Assim, têm-se como objetivos: primeiramente, de apreender as concepções assumidas pelo jornal Spártacus63, semanário sediado na cidade do Rio de Janeiro que circulou de 2 de agosto de 1919 a 10 de janeiro de 1920 publicando um total de 24 números; segundo, instigar pesquisadores preocupados em estudar um período frutífero e de grande complexidade da história do Brasil republicano sobre as questões internas do anarquismo no que tange a sua organicidade; por último, compreender que a história dominante é fruto de uma relação histórica de dominação entre os movimentos revolucionários, como por exemplo, a sólida fronteira entre o “dizível e o indizível”64 da ditadura vermelha bolchevista no campo da memória. Fica difícil imaginar a priori, conforme tentaremos demonstrar abaixo, como os anarquistas com inspiração nas 63 Todos os números do jornal Spártacus encontram disponíveis no Arquivo Edgard Leuenroth (AEL) nas dependências do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) na cidade de Campinas, São Paulo, onde foram coletados. Todos os números do jornal se encontram disponíveis neste arquivo, microfilmado, sendo passível também de ser scaneado no próprio arquivo. 64 POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 2, nº 3, 1989, p. 3 – 15. - 135 - ........................ teorias de Malatesta e Kropotkin irão relacionar e propagar os ideais difundidos pelos bolchevistas. Adversários históricos dos anarquistas, os partidários de Lênin receberão apoio dos anarquistas no contexto da Primeira República do Brasil. Porém, esse processo não é algo simples e inocente. Nossa hipótese é de que entusiasmados pelos ecos da Revolução Russa, o jornal irá difundir concepções do comunismo65 libertário e estes não terão uma distância crítica, pois no calor dos acontecimentos e na conjuntura do período, notícias claras do que realmente acontecera no extremo norte da Europa eram difíceis. Antes de tudo, torna-se salutar dizer que com a imigração, sobretudo italiana, vieram para o país os ideais do movimento operário europeu e, conjuntamente, suas práticas políticas. Esses imigrantes que chegavam ao Brasil vinham carregados de concepções e pensamentos de organização proletária, características da Europa daquele contexto. Porém, os ideais do movimento operário não advieram apenas da Europa. No caso brasileiro, as transformações trazidas pela modernização potencializaram o crescimento e a necessidade da imprensa, trazendo a “difusão de novos hábitos, aspirações e valores” (LUCA, 2011, p.120), em que abrigavam uma infinidade de publicações periódicas. Conforme Boris Fausto (1977, p. 61) o jornal teve um papel de sua importância para o operariado, pois este “constitui um dos principais centros É notório informar que o conceito de comunismo libertário nos “clássicos anarquistas” é um conceito utilizado frequentemente por seus militantes, especificamente em Piotr Kropotkin. Porém, o conceito de comunismo, era um termo em “disputa”. Na historiografia, os conceitos em disputa são concepções de suas práticas. Assim destaca Antoine Prost “É que, para os atores individuais ou coletivos da história, os textos que eles produzem não são apenas meios de dizer seus atos e posições; os textos são, neles mesmos, atos e posições. Dizer é fazer, e a lingüística, fazendo o historiador compreender isso, devolve-lhe a questão do sentido histórico desses atos particulares” (in: RÉMOND, 1996, p. 317). 65 - 136 - ........................ organizatórios de difusão de propaganda”. Ele figura-se dentro do movimento operário da Primeira República do Brasil como um “veículo de expressão escrita”, transformando-se “(...) também com frequência em veículo oral, ao ser lido em voz alta aos trabalhadores analfabetos”. Os anos de 1917 - 1920 são marcados por grandes greves e insurreições ocasionando várias expulsões e deportações. Por exemplo, a Lei Adolfo Gordo66 será colocada em prática diversas vezes para expulsar os indesejáveis67. No Rio de Janeiro no período acima mencionado ecoou três movimentos grevistas de destaque. Conforme Addor (2009), a greve de julho de 1917 no Rio de Janeiro ocasionada, sobretudo, pela carestia de vida e organizada pela FORJ (Federação Operária do Rio de Janeiro), ocorre ao mesmo 66 Nos primeiros anos do século XX no Brasil a política repressiva do Estado se fortificou. Tal repressão materializada, por exemplo, na Lei Adolfo Gordo, proposta pelo Deputado Adolfo Gordo e aprovada no ano de 1907é um exemplo elementar. A lei previa a expulsão de estrangeiros que estivessem ligados ao movimento operário da época. Nesse âmbito, um exemplo claro é a expulsão do diretor do jornal socialista "AVANTI", Vicente Vacirca, em 1908 (RODRIGUES, 1997, s/p). De acordo com Dulles (1977, p. 117), essa lei, que será reeditada em 1922, “estabelecia punições para os que contribuíssem para a prática de tais crimes através de reuniões ou de qualquer instrumento de propaganda; e conferia às autoridades o direito de fechar, por tempo indeterminado, sindicatos e entidades civis que cometessem atos prejudiciais à segurança pública”. Para maior aprofundamento: BATALHA, Claudio. O Movimento Operário na Primeira República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000; RODRIGUES, Edgard. O Homem e a Terra no Brasil. Florianópolis: Insular, 1997; LEAL, C. F. B. Pensiero e Dinamite: Anarquismo e repressão em São Paulo nos anos 1890. 2006. 308f. Tese (Doutorado)Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Estadual de Campinas, 2006. 67 Spártacus em seu número 13, datado de 25 de setembro de 1919, irá dizer que o governo preparou ao Congresso Nacional, via senador Adolpho Gordo, um “projeto-arrôcho”, ou simplesmente, um “projeto-rolha” que visava “vedar a propaganda comunista pelas pena ou na tribuna”. Tratavase nada menos do que da Lei de Expulsão. - 137 - ........................ tempo da greve geral na cidade de São Paulo. A segunda greve de destaque é “a greve ocorrida em agosto de 1918, dos trabalhadores da Companhia Cantareira e Viação Fluminense” (ADDOR, 2009, p. 30). Nesta greve de agosto de 1918, o conflito entre trabalhadores e a polícia estadual marcam um período mais um sangrento na história da Primeira República do Brasil. O terceiro movimento grevista ocorre em novembro de 1918 como uma greve que visava a insurreição, fato que não ocorre. Os grevistas são reprimidos pelo Estado sob a égide da polícia, marcando mais um capítulo sangrento no movimento operário. A 18 de novembro de 1918 declara-se no Rio e em cidades vizinhas uma greve geral insurrecional. Operários entram em choque com o exército e a polícia. Oiticica e outros são presos acusados por um oficial do exército de serem os promotores de uma tentativa insurrecional (LOPES, 2007, p. 2). Para Edgar Rodrigues, no período da Primeira Guerra Mundial, “o proletariado do Brasil ainda acolheu o grito de desespero dos flagelados russos, principalmente os anarquistas do Rio de Janeiro, que haviam fundado o primeiro Partido Comunista Brasileiro em 1919” (o mesmo partido que citamos anteriormente). Essa organização era um Partido, mas que “nada tem a ver com o futuro Partido Comunista”, era apenas “um produto do entusiasmo dos trabalhadores libertários com a Revolução dos Sovietes” (RODRIGUES, 1996, s/p). O jornal Spártacus, considerado como o “porta-voz do núcleo carioca do Partido Comunista” surgiu em 2 de agosto de 1919 e tinha sua publicação sob a responsabilidade de um Grupo Editor, “estando a sua redação e administração a cargo de Astrojildo Pereira”. Ainda contou como redatores do jornal: José Oiticica (1882-1957), Astrojildo Pereira (citado anteriormente e ainda anarquista), Santos Barbosa, Urich d'Avila, Izauro Peixoto, Salvador Alacid, José Busse e Cruz Junior. - 138 - ........................ No mesmo período, José Oiticica e outros libertários fundaram em 1919 o Partido Comunista do Brasil de inspiração malatestiana68. Alexandre Samis aponta que a criação da Aliança Anarquista do Rio de Janeiro, organização de orientação política definida, foi fundamental nessa criação. A Aliança “surgia como um órgão de união, entendimento e de aliança entre anarquistas” e o Partido “tinha como objetivo dar organicidade às ações dos libertários que pensavam não bastar unicamente a inserção sindical para se alcançar a Revolução Social” (SAMIS, 2004, p.145). “(...) em 1919, os anarquistas, carentes de um órgão que respondesse à altura pelas demandas do período, fundaram um Partido Comunista de inspiração libertária. Seu “presidente de honra”, título, aliás, rejeitado pelo homenageado, José Oiticica, além de outros anarquistas, entendiam que era premente a necessidade de se formar um núcleo político que pudesse encaminhar, mais claramente, ações anarquistas em diversos setores da sociedade. O Partido, sem fins eleitorais, vinha 68 Apesar da tese do Partido Anarquista - já presente em Mikhail Bakunin com a ADS - é com Errico Malatesta que essa estratégia é levada a cabo com maior profundidade (o italiano desenvolve as teses de Bakunin, apesar de suas discordâncias). Objetivando criar uma organização anarquista com base operária sólida, o Partido Anarquista na concepção do italiano Errico Malatesta, visava, de maneira geral, trazer o desenvolvimento do tema da organização específica anarquista para catalisar no nível das massas uma questão ideológica sintética e bastante definida em meio às massas: o anarquismo. Sobre a "Plataforma Organizativa para una Unión General de Anarquistas" de 1926, Malatesta dirá : “Eu creio que é, por sobre tudo, urgente e essencial que os anarquistas alcancem acordo e se organizem tanto como podem e o melhor que puderem, para que ser capaz de influencia a direção que as massas tomam em sua luta por melhorias e por sua emancipação. (...) Daqui se encontra a urgente necessidade de organizações puramente anarquistas, lutando desde dentro e desde fora dos sindicatos para alcançar uma sociedade plenamente anarquista e para esterilizar todo gérmen de degeneração e reação” (MALATESTA, 1927). - 139 - ........................ preencher uma lacuna organizativa que não cessava de crescer com a ampliação das atividades de militantes libertários no meio operário” (SAMIS, 2004, p. 138). Sobre a fundação do Partido Comunista, Nascimento (2007) diz que “procurando fundir uma concepção malatestiana de partido com a proposta maximista, maximalista ou bolchevista, como ficou mais conhecida” o partido, de “vida efêmera, defendia as bandeiras do antiparlamentarismo, do antiestatismo, do anticapitalismo. Feneceu por conta dos embaraços e ambigüidades que suscitava, retratando o estado de espírito confuso existente entre os trabalhadores à época” (NASCIMENTO, 2007, p. 130). Porém, há algumas questões a serem rediscutidas na tese de Nascimento (2007). A distinção entre nível político e social também é feita pelos anarquistas, portanto, não há nesse sentido, apropriação dos sentidos políticos do maximalismo. O que aproxima o partido leninista do partido anarquista é apenas a distinção entre as esferas, mas há uma diferença profunda no que tange a tarefa do nível político e do social, o que distinguiria de maneira mais definida as duas propostas69. Continuando sobre o Partido Comunista, Astrojildo Pereira, assim dirá: são mais ou menos conhecidos os acontecimentos que antecederam e abriram caminho à organização definitiva do Partido Comunista do Brasil. [...] Ponho “Partido Comunista do Brasil” entre aspas porque em verdade o seu conteúdo não correspondia ao rótulo. [...] Em vez de estatutos, foram elaboradas e adotadas umas simples ‘bases de acordo’, à boa moda anarquista, com o item 69 Para tal, ver: CORREA, Felipe. Anarquismo e Sindicalismo Revolucionário: uma resenha crítica do livro de Edilene Toledo, a partir das visões de Michael Schmidt, Lucien Van der Walt e Alexandre Samis. Disponível em <http://www.anarkismo.net/article/16164>. Acessado em 14/04/2013. - 140 - ........................ seguinte relativo aos ‘fins imediatos’ do Partido: ‘Promover a propaganda do Comunismo Libertário, assim como a organização de núcleos comunistas em todo o país (PEREIRA, 1962, p. 42). Após o Congresso Comunista e a fundação do Partido, o jornal Spártacus (assinado por José Oiticica) irá publicar os Princípios e Fins e as Previsões Práticas, nos números 3 e 4 do jornal, respectivamente. Vejamo-las abaixo: Estes princípios e fins serão a carta de abecê introdutória do meu Catecismo anarquista que pretendo editar em livro (...) XVIII O estado, órgão sustentador da propriedade particular, baseia-se em leis impostas aos não-possuidores ou aos pequenos possuidores XIX A classe dos grandes possuidores, constitutive do Estado, sempre criou para seus membros inúmeros privilégios que os eximiam das leis. Somente as contínuas revoltas dos não-possuidores tem conseguidor cercear taes privilégios. XX O estado garante a execução das leis protetoras da propriedade particular por meio da violência (força armada). O Estado é, por isso, instituição antisocial e imoral. (...) XXX O ensino deve ser integral até os vinte anos e garantido para todos. (...) XXXI A educação comunista visa desenvolver o mais possível a capacidade de energia de todos. (..) Eis os princípios teóricos. No próximo número virão as previsões práticas. JOSÉ OITICICA (SPÁRTACUS, 16/08/1919, p. 1). Algumas considerações são importantes. Os princípios libertários desse Congresso Comunista que instituirá um Partido (sob as bases teóricas malatestianas, conforme colocamos anteriormente) são importantes de serem salientados. Primeiramente, a concepção de que o Estado é - 141 - ........................ tido como o constituinte dos privilégios da exploração, compondo então, a sua destruição como uma necessidade revolucionária; segundo, as leis criada pelo Estado vem para fundamentar essa exploração no âmbito jurídico e formal, cabendo aos trabalhadores a luta antiestatal como revolucionária, ou seja, não cabendo a organização da classe via Estado; terceiro, a educação propagada pelo Congresso visa contribuir para a emancipação dos trabalhadores através dos princípios da integralidade do conhecimento que pode ser adquirido pelos indivíduos. Outras questões são importantes de lembrar, por exemplo, as Previsões Práticas. Destacamos algumas abaixo. I. O território de cada paiz será dividida em zonas federadas, cada zona em municípios e cada município em comunas. (...) V. Para coordenação e direção dos serviços e para execução das medidas tomadas nas assembléas, haverá conselhos comunais, municipais, federais e um internacional. (...) XI. Os delegados não gozarão de nenhum privilégio, nem serão dispensados de seus serviços profissionais, sinão quando suas funções de delegado lhes absorverem todo o tempo. XVIII. As horas de trabalho em cada comuna serão reguladas pelas necessidade sociais, ficando o horário a cargo do conselho comunal. (...) Eis o esboço de uma constituição comunista. Há de ser forçosamente incompleta. Peço aos camaradas que em tono desse esboço travem discussões e sugiram outras idéas essenciais. JOSÉ OITICICA (SPÁRTACUS, 23/08/1919, p. 1). Nestes elementos encontramos alguns pontos definidores do princípio comunista libertário. O primeiro é a estratégia comunal de organização, na relação de cada localidade dividida em zonas federadas, cada zona em - 142 - ........................ municípios e cada município em comunas, não cabendo o centralismo e o governo burocrático, e sim, a autogestão; segundo, os trabalhos realizados dentro de cada comuna será realizada através de delegados não cabendo autonomia administrativa do individuo frente ao coletivo; o regime comunista institui a produção (o trabalho) regulada pela necessidade social, sendo então, um princípio da necessidade perante o coletivo70. Figura 1 - Parte superior do primeiro número de Spártacus. Nesse contexto a repressão aos trabalhadores combativos não cessara. Em maio de 1919, trabalhadores cariocas fazem uma reivindicação ao governo pela jornada de 8 horas de trabalho. Antes mesmo da resposta do governo emerge um movimento insurrecional onde, estipula-se que no dia 18 de maio, cerca de 10 mil trabalhadores estivessem parados (DULLES, 1977, p. 76). O fim da greve no mês de julho só irá paralisar um movimento específico, dando cabo a vários que virão adiante. Nesses últimos, a repressão será grotesca. O brasilianista Jhon W. F. Dulles aponta que mesmo antes de publicar o jornal Spártacus, a polícia já havia ameaçado em prender José Oiticica e seus congêneres (idem, p. 79). Porém, como exemplar militante anarquista, José Oiticica e seu Grupo Editor lança o jornal Spártacus. A justificativa pelo nome dado ao periódico é vista no primeiro texto que inaugura o jornal. De autoria de José Oiticica, o texto De acordo com Berkman (2006, p. 194), “as necessidades essenciais do povo devem ser satisfeitas. Nesse estado a revolução vive das provisões já existentes”. 70 - 143 - ........................ que leva o nome do escravo romano, ressalta uma frase que marcará as páginas deste jornal: “Si temos de arrancar nossas espadas não seja conta nós mesmos; arranquemo-las conta os nossos opressores”. Assim, essa frase viria resumir o programa do jornal quando enumerava os pressupostos libertários que o escravo romano teria. “É ele que nos brada, nestas colunas suas, impregnadas do seu sangue, do seu martírio, do seu exemplo, convocando os descontentes de toda a Terra para realisarem, de uma vez, a obra antiga de Harmonia Humana. JOSÉ OITICICA” (SPÁRTACUS, 02/08/1919, p.1). A impossibilidade de publicação diária do jornal é apresentada ao público leitor no seu primeiro número. Assinado por José Oiticica, Astrojildo Pereira, Santos Barbosa, U. d’ Avila, Izauto Peixoto, Adolfo Busse, Salvador Alacid e Cruz Junior, o artigo Explicação apresenta os subsídios necessários para compreendermos as dificuldades que a imprensa libertária passava por vários motivos, sobretudo, da “tratagem burgueza”. Assim, o grupo justifica a periodicidade do jornal dizendo que este é “Spártacus. Modesto, mas irreductivel, todo ele se consagrará à obra imensa da revolução social dos nossos dias” (SPÁRTACUS, 02/08/1919, p. 1). Após o surgimento do jornal (datado do segundo dia de agosto de 1919), outra greve irá emergir e será decisiva para a afirmação do periódico, pois, ao preencher as páginas com as notícias da greve, o proletariado iria conhecendo os princípios fundamentais da prática libertária. Já no mês seguinte, com a constante e crescente reação aos grupos libertários e da ação contra a propaganda anarquista, Germiniano da França e Nascimento Silva (respectivamente, chefe da polícia e delegado auxiliar) a mando do Presidente Epitácio Pessoa ordena que “fossem retirados das estações ferroviárias e dos correios todos os exemplares de A Plebe” além de recolher todos os exemplares do número 6 do periódico Spártacus datado de 6 de setembro (idem). - 144 - ........................ A apreensão de Spártacus foi motivo de orgulho para seus editores e prova de que efetivamente combatiam a burguesia. Mas a diminuição da venda impunha uma economia, e a edição de 13 de setembro saiu com duas páginas, em vez das quatro costumeiras (DULLES, 1979, p. 93). Chamando a atenção dos trabalhadores para esse incidente muito significativo, o grupo editorial do jornal publica o artigo A aprehensão de “Spártacus” no número seguinte. Sabem os trabalhadores que a polícia aprehendeu a edição do nosso nosso numero passado. Os pretextos alegados pela polícia são os mais fúteis possível. Resumem-se no seguinte: 1° pregamos aqui o assassínio de Lloyd George; 2º pregamos directamente a revolução imediata; 3º usamos de linguagem desbragada ou mentiroso. (...) A aprehensão de Spártacus nos orgulha. Prova que fazemos obra sã, pois apavoramos a burguezia, católica, redentórica ou simplesmente conservadora. E é o nosso fim (SPÁRTACUS, 13/08/1919, p. 1). Alexandre Samis ressalta que José Oiticia fez críticas ao movimento anarquista principalmente sobre a questão da organização. Oiticica coloca em xeque a questão importante no que diz respeito à “insuficiente conjugação de esforços que possibilitasse a harmonia entre a militância social e a organização tipicamente anarquista” (SAMIS, 2009, p. 48). Em linhas gerais, o semanário anarquista tem diversos pontos de discussão. A diversidade de temas discutidos no semanário, sob autoria de vários militantes, não esconde o papel central que José Oiticica terá no jornal, pois a maioria - 145 - ........................ dos textos do jornal, principalmente os primeiros textos que inauguram os primeiros números são de autoria de Oiticica. No artigo Dos anarquistas ao povo do Brasil: quem somos e o que queremos publicado em 27 de setembro de 1919, encontramos uma resposta à aqueles que afirmavam que o anarquismo seria um problema importado, ou seja, culpa do imigrante71 europeu, bastando a expulsão para que se resolva o problema. Vejamos: (...) Paiz essencialmente de imigração, vivendo as suas indústrias principalmente do braço e da inteligência do imigrante, é naturalíssimo que os centros de maior população operária no Brasil contenham forte e predominante percentagem de estrangeiros. E como o anarquismo se propaga e se radica especialmente entre as classes operárias, não é menos naturalíssimo que muitos desses operários sejam anarquistas. (...) Agora, o que é absolutamente falso é que todos os anarquistas, entre nós, sejam estrangeiros. É uma grandíssima mentira, contra a qual protestamos com toda a veemência, nós, que este manifesto laçamos, todos nascidos no Brasil e orgulhosos das nossas convicções libertárias. (...) Estrangeiros em última análise, somos todos e tudo no Brasil. Brasileiros autênticos e puros são exclusivamente os índios que os nossos avós estrangeiros e nós próprios dizimamos e vamos dizimando, no passado e no presente. A nossa língua é estrangeira. Os nossos costumes são estrangeiros. (...) Numa palavra: tudo que possuímos em matéria de civilização é 71 De acordo com Rodrigo Rosa da Silva, a justificativa de expulsão de anarquistas estrangeiros foi baseada na teoria da “’planta exótica’, numa suposta conspiração internacional contra o capitalismo e o governo e na tão propagada origem estrangeira dos militantes, sempre classificados como “indesejáveis” nas páginas dos jornais mantidos pelas elites” (SILVA, 2005, p. 39). - 146 - ........................ absolutamente estrangeiro 27/09/1919, p. 2). (SPÁRTACUS, De acordo com Silva (2005, p. 39), o “manifesto acima citado foi assinado por 60 militantes anarquistas de diversas profissões. Dele podemos extrair os dois principais argumentos contra a teoria da ’planta exótica’” (SILVA, 2005, p. 39). Esses argumentos se assentam primeiramente no pensamento de que os anarquistas no Brasil eram, exclusivamente, imigrantes expulsos de seus países e segundo, por pensarem que os imigrantes viam para o Brasil com o intento de propagar o “caos” e botar lenha na “fogueira da luta de classes”. Outro elemento de destaque no jornal e no anarquismo nesse período, são as influências que a Revolução Russa causou. José Oiticica e Edgar Leuenroth (1881-1968), por exemplo, foram abalados pelo bolchevismo, mesmo sem adotarem o marxismo. No jornal Spártacus número 7 e número 9 registra-se a aproximação de Oiticica com o bolchevismo72. O primeiro número que destacamos, veicula uma frase de Lênin sobre o papel da imprensa73. Assim, em 20 de setembro no artigo Vão Confessando... José Oiticica, fazendo duras críticas aos ingleses que lutavam contra o bolchevismo dirá: “Si não fossem os bolchevistas! Por isso, na campanha nova, a extinção do bolchevismo é ponto capital. Guerra aos anarquistas de todo o mundo!” (SPÁRTACUS, 20 de setembro de 1919, p. 1). O jornal Spártacus (1919 – 1920) publicado no Rio de Janeiro registra em suas colunas um 72 Ressaltemos que essas aproximações estão numa relação conjuntural de defesa da Revolução Russa e seus partidários. Há, de fato, uma aproximação tática dos anarquistas fora da Rússia com o bolchevismo. Porém, logo superada por conta das questões de repressão, os acontecimentos de repressão ao Exército Insurrecional Revolucionário da Ucrânia, aos marinheiros de Kronstadt, etc. 73 Spártacus, nº 07, 13/09/1919. - 147 - ........................ debate entre anarquistas em torno de uma possível convergência entre anarquismo e marxismo. Neste período, alguns anarquistas ficaram balançados com o marxismo e outros passaram para o marxismo fundando o Partido Comunista Brasileiro, em 1922. Entretando, outros combateram energicamente as ideias marxistas. Florentino de Carvalho combateu ardorosamente o marximos antes de 1917 e continiu este enfrentamento nos anos seguintes (NASCIMENTO, 2006, p. 209). É importante salientar que outras seções não tinham um título específico, mas apresentava os acontecimentos mundiais importantes para os trabalhadores. Nesse sentido, nas primeiras páginas do periódico tinham-se matérias destinadas a analisar e divulgar os acontecimentos mundiais, por exemplo, a Revolução Russa do ano de 1917, a Revolução Social na Itália74, etc. Além destas duas citadas anteriormente, a veiculação do artigo Mensagem de Lénine aos trabalhadores americanos75 é a prova da aproximação entre o bolchevismo e o Grupo Editor do jornal, compondo a afinidade ideológica, sobretudo por Oiticica e Astrojildo Pereira. Outro artigo de destaque é Verdade verdadeira do Bolchevismo, escrita por Fernando Rolba se lê a convicção do autor pela República dos Soviets quando afirma que os operários devem aprender a “venerar os vossos irmãos russos, que são os grandes detentores da humanidade que sofre e que tem fome!”. Para este autor, o povo russo são as “únicas almas verdadeiramente grandes e audazes que ainda foi dado ao 74 O nº 13 do jornal irá publicar o artigo A Revolução Social na Itália onde irá destacar o papel do partido comunista da Itália onde será o país em que “mais próximo se encontra da liquidação final do regimen burguez pela revolução social” (SPÁRTACUS, nº 13, 25/10/1919). 75 Spártacus, nº 01, 02/08/1919. - 148 - ........................ mundo rotineiro e egoísta procrear!” (SPÁRTACUS, nº 14, 01/11/1919, p. 3). A política repressiva do Estado acaba por fechar vários jornais libertários. Edgar Rodrigues (s/d, p. 232) aponta que no ano de 1919 na cidade do Rio de Janeiro “é suspenso o jornal ‘Spártacus’” e na cidade de São Paulo, “empastelada ‘A Plebe’ (...)”76. Assim, o grupo editorial do número 7 apela aos “camaradas e amigos” que se esforcem para a “manutenção do nosso orgam!” (SPÁRTACUS, 13 de agosto de 1919, p. 1). Um elemento de ajuda mútua é a solidariedade ao propagandear outros jornais libertários com o intento de ajudalos. Spártacus irá publicar um esclarecimento chamado de Plebe diária alertando sobre os problemas que o periódico paulista passara que estão todos aguardando seus números diários “impacientes e com uma calorososa e antecipada saudação aos camaradas de S. Paulo!”, pois o jornal estava “rompendo quotidianamente o bom combate pela anarquia” (SPÁRTACUS, 06/09/1919, p. 1). Não só o jornal carioca fazia saudações e colaborava com os demais. O jornal A Plebe de 9 de setembro de 1919 irá veicular “aos nossos camaradas do Rio de Janeiro a nossa mais viril e firme solidariedade” aos acontecimentos da apreensão do jornal carioca. No número seguinte d’ A Plebe irá ter a seguinte frase: “O ‘Spártacus’ opprimido! Viva o ‘Spártacus’” (A PLEBE, 10/09/1919, p. 2). No número de 25 de setembro de 1919, Spártacus irá publicar ‘A Plebe’ empastelada onde irá denunciar a política do estado em promover o fechamento do jornal paulista. Para os editores de Spártacus, a policia paulistana sob a liderança de um delegado que chefia uma quadrilha, “assalta e empastela um jornal de idéas, depois de grande guerra pelo Direito, pela Justiça, pela Civilisação!”. 76 - 149 - ........................ Figura 2 - Parte superior do último número de Spártacus. Spártacus também funcionava como uma alerta à força do imperialismo mundial no território brasileiro. No número de 20 de setembro de 1919, um artigo “sem autoria”(provavelmente do Grupo Editor) enumera alguns grandes capitalistas que são os proprietários de alguns importantes setores da produção. Chamando-os de “indesejáveis” (nome dado geralmente aos operários imigrantes que vieram para o Brasil) Spártacus vem para (...) mostrar, por estas colunas, comm a prova real dos factos e não com a calunia das afirmações sem base, que os “indesejáveis”, no Brazil, se encontram precisamente na classe dos capitalistas estrangeiros, cuja actividade se emprega exclusivamente em sugar o trabalho nacional, em drenar para fora do Brazil o melhor das riquezas arrancadas do solo brazileiro (...) Corrego do Meio, situada em Sabará, adquirida por 450:000$ pelo Syndicato Alemão (...) Estessão pois os autênticos “indesejáveis”, porque estes são, em boa e lidima verdade os exploradores do Geca nacional como do Geca nacionalizado (SPÁRTACUS, 20 de setembro de 1919, p. 1). Ainda neste número, com o intento de informar aos trabalhadores brasileiros o que acontecia mundialmente no movimento dessa classe, publica-se o artigo Boletim da Guerra Social – Através os telegramas da semana, como por exemplo, a greve que se instalara na Alemanha e da greve geral de Marselha. No número inaugural do jornal o artigo A caminho - 150 - ........................ da sociedade nova – A Revolução Social na Inglaterra vem a enunciar a situação grevista que ocorrera na Inglaterra naquele período. Esta veiculação apresenta como sintomática e exemplar a ação dos grevistas ingleses. A partir da edição de 13 de dezembro de 1919, começa-se a publicar cartas e mensagens na seção A voz dos deportados... Nesta seção do jornal, semanalmente se apresentava as consequências e a situação que os militantes anarquistas estavam após a execução da Lei Adolfo Gordo. No número 20, Gigi Damiani contará como foi deportado do Brasil, narrando os acontecimentos até chegar na cidade de Roma, capital da Itália. Reafirmando a influência da ideias de Piotr Kropotin, José Oiticica escreve no texto O que são do jornal, nº 19, de dezembro de 1919 que “Kropotkin é, na verdade, o escritor que mais profundamente penetrou na futura organização anárquica e mais compreende o papel do povo nessa organização de comunas livres” (SPARTACUS, nº 19, p. 2). O número 24 de Spártacus levando o slogan A Voz do Povo – Diário dos Trabalhadores – brevemente será o último dessa trajetória breve do jornal. O semanário comunista libertário não sairá mais e sua periodicidade diária nunca aconteceu. Spártacus terminará sua participação semanal no dia 10 de janeiro de 1920 por conta de diversos motivos, dentre os quais estão a dificuldade de recursos para sua manutenção e a constante repressão do Estado. Para caminharmos para a conclusão deste texto devemos colocar uma questão central que está presente em todos os números do periódico: as interpretações de apoio aos bolchevistas. Estas, apenas revelam a falta de conhecimento do que realmente acontecera na Rússia. O jornal em nenhum de seus números veio defender o Estado e o burocratismo, algo tão caro e presente aos bolchevistas. Essa interpretação equivocada que conciliou nas mesmas páginas as teorias de Lênin, Kropotkin e Malatesta só revela a falta de conhecimento - 151 - ........................ 77 dos fatos da revolução russa (por conta de diversos elementos – entre eles a dificuldade de informações que aqui chegavam e as deturpações dos fatos). A imprensa operária e anarquista brasileira também esteve ligada a fenômenos de dominação de sua memória. Uma memória oficial e ainda reinante execra as singularidades dos acontecimentos, produz uma significação conservadora do passado, causando uma visão determinista e dogmática dessa história. Assim, para concluir, enfatizamos que o jornal apresenta uma crítica aos pressupostos teóricos dos que defendem o Estado. Finalizaremos transcrevendo as palavras de José Oiticica publicadas no número 6, ressaltando o caráter libertário e revolucionário do jornal, preocupado com a finalidade última do anarquismo: a destruição da sociedade de classes, do capitalismo, do Estado etc. para a construção de uma sociedade radicalmente diferente, fundada em pressupostos autogestionários. Oiticica dirá: “não confiamos nem nos governos, nem nos patrões; porque sabes ter sido a confiança dos párias em seus amos a maior desgraça deles e a fôrça de conservação destes”. Ainda reitera que “não queremos nenhum acôrdo com capitalistas, sendo nosso maior fim destruir o capitalismo individual e eregir uma sociedade coletivista” (SPÁRTACUS, 06/09/1919, p. 1). Assim, Spártacus, como diversos outros jornais cumpria um importante papel no movimento operário brasileiro, pois, veiculava ásperos argumentos contra o capitalismo e, em momento nenhum defende o Estado. 77 Este não é um caso específico de falta de conhecimentos sobre a revolução russa e a repressão aos grupos libertários. Sebastien Faure, conhecido anarquista, irá escrever um texto de Paris para o jornal Spártacus sob o título O Bolchevismo e a atitude anarquista que colocará sua admiração pela Revolução Russa e seu desconhecimento geral sobre a atitude dos anarquistas frente ao acontecimento russo, onde serão combatidos pelo governo de Lênin. (SPÁRTACUS, nº 11, 11/10/1919, p. 1). - 152 - ........................ Concordando com Bakunin, Spártacus propaga que “de um lado, o Estado, de outro, a revolução social”. Referências 1. Jornais Jornal Spártacus nº 1, 02/08/1919; nº 2, 09/08/1919; nº 3, 16/08/1919; nº 4, 23/08/1919; nº 5, 30/08/1919; nº 6, 06/09/1919; nº 7, 13/09/1919; nº 8, 20/09/1919; nº 9, 27/09/1919; nº 10, 04/10/1919; nº 11, 11/10/1919; nº 12, 18/10/1919; nº 13, 25/10/1919; nº 14, 01/11/1919; nº 15, 08/11/1919; nº 16, 15/11/1919; nº 17, 22/11/1919; nº 18, 29/11/1919; nº 19, 06/12/1919; nº 20, 13/12/1919; nº 21, 20/12/1919; nº 22, 27/12/1919; nº 23, 03/01/1919; nº 24, 10/01/1920. Jornal A Plebe nº 3 (diário), ano II, quarta-feira, 10/09/1919. - 153 - ........................ 2. Bibliografias BERKMAN, Alexander. El Abc del Comunismo Libertário. Buenos Aires: Ediciones HL, 2006. CAMPOS, Andreia da Silva Lauças. Fábio Luz e a pedagogia libertária: traços da educação anarquista no Rio de Janeiro (1898-1938). Dissertação (Mestrado). Programa de PósGraduação em Educação da UERJ. Rio de Janeiro, 2008. DULLES, J. W. F. Anarquistas e Comunistas no Brasil (1900 – 1935). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1973. FAUSTO, B. Trabalho urbano e conflito social. Rio de Janeiro: Difel, 1977. LAMOUNIER, Aden Assunção. A construção do pensar anarquista de José Oiticica. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH. São Paulo, julho 2011 LOPES, Milton. José Oiticica: uma existência pela Ação Direta. Emecê - Boletim do Núcleo de Pesquisa Marques da Costa. Rio de Janeiro: ano III, nº 6, maio de 2007. MALATESTA, Errico. Un plan de organización anarquista. In: Il Risveglio. Ginebra: Octubre de 1927. ______. Escritos Revolucionários. São Paulo: Hedra, 2008. NASCIMENTO, Rogério. A propósito dos 90 anos da Revolução Russa: reflexões críticas de um anarquista nos idos de 1920. In: VERVE, Revista Semestral do NU-SOL – Núcleo de Sociabilidade Libertária/Programa de Estudos PósGraduados em Ciências Sociais da PUC-SP. São Paulo: nº 12, 2007. _______. Indisciplina: experimentos libertários e emergência de saberes anarquistas no Brasil. Tese (doutorado). Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais/Políticas da PUC/SP. São Paulo: 2006. - 154 - ........................ POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 2, nº 3, 1989, p. 3 – 15. RÉMOND, René (org). Por uma História Política. Rio de Janeiro, Editora UFRJ, 1996. RODRIGUES, Edgar. Os Companheiros. Vol 2. Florianópolis: Editora Insular, 1997. _______. Pequena História da Imprensa Social no Brasil. Rio de Janeiro: VJR, 1996. _______. Trabalho e Conflito: pesquisa 1906 – 1937. Mimeografado. SAMIS, Alexandre. Pavilhão negro sobre pátria oliva: sindicalismo e anarquismo no Brasil. In: COLOMBO, Eduardo (orgs.). História do Movimento Operário Revolucionário. São Paulo: Expressão e Arte & Imaginário, 2004. _______. Presenças Indômitas: José Oiticica e Domingos Passos. In: FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel Aarão. 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La prensa operaria en Brasil se constituye como un campo de manifestaciones sociales sorprendentes, principalmente, al resaltar el papel de propagar los ideales libertarios del movimiento operario. Durante la Primera República de Brasil, período comprendido entre los años de 1889 y 1930, la prensa fue un órgano de gran importancia en la lucha por la propagación de los intereses de los trabajadores, en la divulgación de los ideales del movimiento y sus acciones políticas, cargando, aun, un carácter didáctico y doctrinario en lo que se refiere a la autoeducación proletaria. Así, en el incipiente movimiento operario de Brasil, los anarquistas fueron los principales participantes de ese movimiento y produjeron periódicos en esos formatos en que figura como principal mecanismo de propagación del ideal de emancipación social. Presentaban alternativas al operario con ideales que contradecían al orden capitalista vigente, propagando la necesidad de la huelga general, boicots, sabotajes como formas de gimnasia revolucionaria. Originalmente publicado em: Revista Kiebre, Concepción Talcahuano/Chile, p. 8 - 8, 12 abr. 2013. - 156 - ........................ "Derradeiras machadadas" A Plebe, nº 9, 11 de agosto de 1917. En ese período se destaca la huelga general de julio 1917 en la ciudad de São Paulo, que asumió en la memoria social el sentido de un acto simbólico y único. En este escenario, la huelga es entendida como la expresión de las precarias vidas de los trabajadores, siendo el principal acontecimiento de convulsión social de la década de 10 en Brasil. En este suceso, la prensa tuvo un papel elemental al incentivar, reproducir y manifestar, a través de palabras directas, profundas y de fácil comprensión, los sentimientos libertarios de una sociedad marcada por la explotación del hombre por el hombre rumbo a la revolución social. La Plebe (1917 – 1954), por ejemplo, periódico que circulaba quincenalmente (siendo aun diariamente, por un - 157 - ........................ corto período de tiempo) no vehiculaba textos herméticos e no era escrito por aristócratas del saber. Ese periódico se constituyó como un propagador de educación libertaria. Fue hecha POR y PARA trabajadores, militantes y se articulaba con los grupos de asociación, centros operarios, gremios de trabajadores, ligas de resistencia, sindicatos combativos, etc. En esta perspectiva, la prensa libertaria es entendida como producto cultural capaz de formar una red de transmisión de ideas, saberes y prácticas para la transformación social. Pero, la circulación de esos periódicos cayó en la represión del Estado. Acuerdos entre el Estado y el patronato fueron esenciales para la creación de leyes que tenían el objetivo de finalizar las fuerzas del movimiento operario, haciendo expulsiones, persecuciones, prisiones, etc. Por ejemplo, el año 1907 la política represiva del Estado se fortificó. Tal represión materializada, por ejemplo, en la Lei Adolfo Gordo, propuesta por el Diputado Adolfo Gordo y aprobada el año 1907 es un ejemplo elemental, pues esa ley preveía la expulsión de extranjeros que estuvieran ligados al movimiento operario de la época. Siendo así, tenemos como ejemplo, algunos periódicos de gran importancia: A Lanterna, Terra Livre, A Guerra Social, O Combate, Ação Libertária, La Barricata, La Battaglia, A Voz do Trabalhador, Jerminal, Germinal, Ação Direta, Spártacus, Guerra Sociale, etc. Estos periódicos son ejemplos claros de los vínculos del movimiento de los trabajadores con la lucha propagada de aquellos, resaltando el papel de la prensa: profundizar las formas y métodos de organización, con el propósito de potencializar el proceso de transformación social. Algunos individuos también merecen destaque en la producción de esos periódicos. Por ello, resalto y cito la importancia de libertarios como Edgard Leuenroth, José Oiticica, Oresti Ristori, Gigi Damiani, Giovanni Rossi, Malvina Tavares, Ana Aurora, Hermínio Marcos, Avelino Fóscolo, Maria Lacerda de Moura, Fábio Luz, Neno Vasco, - 158 - ........................ Astrojildo Pereira (hasta entonces anarquista y que, posteriormente, se volverá bolchevique), Domingos Passos, Everardo Dias, Antônio Candeias, João Penteado, Adelino Pinho, Florentino de Carvalho y muchos otros. Ellos son importantes partícipes de ese medio de comunicación, contribuyendo con las “extremas rajaduras” en la sociedad burguesa que se compone por reproducir la iniquidad moral y económica, la explotación del trabajo, el culto a la autoridad y violencia psíquica. Actualmente, la mayoría de esos periódicos se encuentra conservada y están en manos del Estado, a través de sus instituciones burocráticas universitarias que los apartan de la población, siendo hasta prohibida su divulgación completa por la internet. El acceso está restricto a los círculos académicos que producen obra, en su mayoría conservadora, utilizándolas como fuente primaria de investigación. La prensa libertaria no debería salir de donde surgió: de las manos de los trabajadores y militantes libertarios. - 159 - ........................ O sindicalismo revolucionário como estratégia dos Congressos Operários (1906, 1913, 1920)* O objetivo deste texto é identificar e caracterizar a perspectiva de organização proletária assumida nos Congressos Operários de 1906, 1913 e 1920 na cidade do Rio de Janeiro. Objetiva-se ainda explicitar as mudanças entre as concepções assumidas nesses três congressos (o primeiro realizado entre 15 a 22 de abril de 1906; o segundo de 8 a 13 de setembro de 1913 e o terceiro congresso de 23 a 30 de abril de 1920), mostrando as similitudes e diferenças assumidas ao longo dessas duas décadas que separam esses congressos. Tem-se como elemento norteador desse texto a estratégia utilizada pela classe trabalhadora que tem representado um acúmulo de experiências para os teóricos, compondo uma forma de autogestão social. A derrocada do sindicalismo revolucionário mostrou mais uma vez a força voraz do Estado de cooptar, reprimir e por fim à luta dos trabalhadores, sendo um inimigo da autoemancipação dos trabalhadores. Este texto terá como fontes primárias as Resoluções dos dois primeiros Congressos Operários reunidas na obra Classe Operária no Brasil (1889 – 1930). Documentos – Vol 1. O Movimento Operário de Paulo Sérgio Pinheiro e Michael Hall78, além do Boletim da Comissão Executiva do 3º Congresso Operário de agosto de 1920 disponíveis no Arquivo Edgard Leuenroth da UNICAMP e alguns números do Jornal A * Esse texto sofreu algumas alterações após sua publicação original. Para ver a primeira versão, acesse: Revista Enfrentamento, ano 7, nº 12, ago./dez. 2012. PINHEIRO, P. S.; HALL, M. A Classe Operária no Brasil (1889 – 1930) - Documentos – Vol 1. O Movimento Operário. São Paulo: AlfaOmega, 1979. 78 - 160 - ........................ Voz do Trabalhador, órgão da Confederação Operária Brasileira, também disponível ao público nesse centro de documentação. O Primeiro Congresso Operário, realizado entre os dias 15 e 22 de abril de 1906 deu um passo significativo para a organização do sindicalismo revolucionário no Brasil fruto do “ascenso do movimento operário revolucionário” (SAMIS, 2004, p. 135). Porém, essa não foi a primeira organização de trabalhadores no Rio de Janeiro e no Brasil. Conforme Oscar Farinha Neto aponta, após as greves de 1903 na capital federal surge uma necessidade de criação de um órgão que “coordenasse o movimento das diversas classes trabalhadoras” (NETO, 2007, p. 21). E dessa necessidade irá surgir, neste mesmo ano, a Federação das Associações de Classe, cujo modelo de organização era inspirado no sindicalismo na versão de Émile Pouget, então secretário-geral da CGT francesa79. Essa nascente federação já contava com as bases pilares do que será a COB posteriormente: o internacionalismo. Com as influências da FORA (Federação Operária Regional Argentina) – de bases anarco-sindicalistas – a federação passa-se a chamar Federação Operária Regional Brasileira, com forte influência anarquista e que terá a possibilidade de uma reunião geral (Congresso) no ano de 1906. Esse Congresso, chamado primeiramente de Congresso Operário Regional Brasileiro80, contou com a participação de 43 delegados de vários estados do Brasil representando as 28 associações de trabalhadores. Em deliberação, aprovou-se a filiação (muito mais uma 79 Confederação Geral do Trabalho. 80 De acordo com Samis (2004, p. 135), foi a comissão de redação das deliberações finais do congresso que deu o nome do encontro de Primeiro Congresso Operário Brasileiro, já que se tratava de um Congresso nacional e não regional. - 161 - ........................ continuação) das teses do congresso ao modelo do sindicalismo revolucionário francês81. Do Congresso que surgirá a COB (oficialmente em 1908) está próximo aos moldes do anarco-sindicalismo da FTRE (Federación de Trabajadores de la Región Española) fundada em 1881 advinda da FRE (Federación Regional Española) de 1870 (CORRÊA, 2012, p. 218). Nesse congresso foi deliberado que não ocorreria nenhuma vinculação a partidos (ou a um modelo ou diretriz proletária), sendo que o congresso via “como ’única base sólida de acordo e de ação’ os interesses econômicos comuns a toda classe operária” (DULLES, 1977, p. 27). É compreendendo a realidade operária como uma interpretação do passado que a COB reafirmaria suas bases sem uma doutrina política única a ser seguida. Porém, há de ressaltar que os militantes anarquistas não eram a maioria, mas apesar disso, compunham a hegemonia do pensamento no interior do Congresso. De fato, isso não nos autoriza a dizer que o Primeiro Congresso Operário defendeu o anarco-sindicalismo ou o anarquismo. O Primeiro Congresso, como veremos adiante, assumirá o sindicalismo revolucionário e não, o anarco-sindicalismo. Nos liames da compreensão do método federativo como “o único método de organização compatível com o irreprimível sentimento de liberdade”, o tema 3 das bases do Congresso, que tocava no assunto da organização, definia a federação como: (...) a mais larga autonomia do indivíduo no sindicato, do sindicato na federação e da federação na confederação e como unicamente admissíveis simples delegações de função sem autoridade, e delibera, outrossim, fazer as necessárias práticas para a sua fundação (...). De acordo com Pinheiro e Hall (1979, p. 41): “o Congresso de 1906 mostra a clara influência do sindicalismo revolucionário: há mesmo uma menção ao operariado francês como ‘o modelo de atividade e iniciativa ao trabalhador brasileiro’”. 81 - 162 - ........................ Delibera também que a Confederação só admita sindicatos cuja base essencial seja a resistência sobre o terreno econômico (PINHEIRO e HALL, 1979, p. 49). No tocante à Ação Operária, o Congresso aprovaria uma das bases pilares do sindicalismo revolucionário: a ação direta. A ação direta era composta por diversas ações, destacando-se a greve geral ou parcial, o boicote, a sabotagem, etc. SOBRE AÇÃO OPERÁRIA Tema 1 “(...) o Congresso aconselha como meios de ação das sociedades de resistência ou sindicatos todos aqueles que dependem do exercício direto e imediato de sua atividade, tais como a greve geral ou parcial, a boicotagem, a sabotagem, o label, as manifestações públicas, etc., variáveis segundo as circunstâncias de lugar e de momento” (idem, 1979, p. 51). Ainda de acordo com as Bases do Acordo da Confederação Operária Brasileira, aprovadas pelo Congresso, dever-se-ia constituir um jornal que levasse a cabo as lutas dos trabalhadores. Nesse sentido, o objetivo de criar o jornal A Voz do Trabalhador (nome já definido no Primeiro Congresso), seria o de “estudar e propagar os meios de emancipação do proletariado e defender em público as reivindicações econômicas dos trabalhadores (...)” (idem, p. 42). O JORNAL O órgão da Confederação será redigido por uma comissão escolhida entre os seus membros e pela Comissão Confederal e publicará, segundo esta ordem, de preferência: 1.°) Informações sobre o movimento operário e associativo; a) Resumo das resoluções das sociedade aderentes; - 163 - ........................ b) Convocação e avisos das sociedades aderentes; c) Artigos que a redação considerar contidos nos limites marcados pelas presentes bases de acordo, assim como redigidos de modo compreensível, e isentos de questões pessoais. 11 – O Congresso dirá, cada ano, se a redação do jornal correspondeu à confiança nela depositada (idem, p. 43). O jornal A Terra Livre, que tem Neno Vasco como principal editor, no número de 13 de agosto de 1906 irá ressaltar que A Internacional, desfeita por causa das lutas de partido no seu seio, deve ser memorável lição para todos. Se o Congresso tivesse tomado um caráter libertário, teria feito obra de partido, não de classe. (...) Mas se o Congresso se não foi, a vitória do anarquismo, foi, porém, indiretamente útil à difusão das nossas ideias (A TERRA LIVRE apud RODRIGUES, 1969, p. 131). Dessa forma, o Congresso não se definiu como anarquista, mas assumiu um caráter revolucionário de bases sindicalistas. A outra grande preocupação do Primeiro Congresso Operário Brasileiro foi “a transformação de todas as entidades operárias em sindicatos de ofício, cujos objetivos seriam a defesa dos interesses econômicos e a resistência” (SEGATTO, 1987, p. 38). É importante ressaltar que durante toda a Primeira República do Brasil, a imprensa operária foi um importante órgão da propaganda libertária. Nesse âmago, o periódico A Voz do Trabalhador circulou de 1908 até 1915 e era a publicação oficial da Confederação Operária Brasileira, (SILVA, s/d, p. 13) sob a direção do operário gráfico espanhol Manuel Moscoso. Entendemos então que foi com o Primeiro Congresso Operário Brasileiro, que iria constituir a COB (Confederação - 164 - ........................ Operária Brasileira) se instituiu um modelo organizativo revolucionário que naquele período foi de suma importância ao movimento operário revolucionário: o sindicalismo revolucionário. Todas as teses básicas do sindicalismo revolucionário – neutralidade sindical, federalismo, descentralização, antimilitarismo, ação direta, greve geral, antinacionalismo, violência revolucionária, etc. estão contidas nas declarações dos congressistas (NETO, 2007, p.26). Dessa forma, de acordo com Edgar Rodrigues, quando vem à tona esse novo tipo de sindicalismo ocorre uma substituição do sindicalismo de caráter reformista. O sindicalismo reformista e possibilista dava lugar a um novo movimento operário de cariz revolucionário que, sem desprezar as reivindicações econômicas imediatas, introduziu novos objetivos como a instrução e a capacitação profissional, a cultura de seus associados através do esperanto, do conhecimento da história social e da filosofia. (...) O jornalismo, o teatro amador de contestação e a poesia, eram alguns dos meios usados pelo movimento operário para construir a sua própria cultura, tendo por meta o ideal social de autogestão Seu objetivo era provocar a derrocada do Estado, acabar com o regime de pobres e ricos, de exploradores e explorados, para reconstruir em cima das ruínas do velho sistema burguês uma Sociedade Nova, autogerida, onde todos tivessem direitos e deveres iguais. Estes temas começaram a ser frequentemente tratados na imprensa operária e social, tornando-se uma verdadeira escola para os trabalhadores ligados a este sindicalismo autônomo (RODRIGUES, 1997, s/p). Muitos autores ao longo de suas produções confundiam ou colocavam o anarco-sindicalismo como sinônimo de sindicalismo revolucionário. Felipe Corrêa e Alexandre Samis fazem uma análise mais detida e que - 165 - ........................ aprofunda essa discussão, não desvinculando um ou outro ao anarquismo, mas as analisando enquanto estratégias do anarquismo. Para o autor “o sindicalismo revolucionário nunca se colocou, explícita e conscientemente, em vínculo com o anarquismo” (CORRÊA, 2011, p. 83). Porém, isso não deixa de vincular o anarquismo ao sindicalismo revolucionário. o sindicalismo revolucionário é uma estratégia do anarquismo – um vetor social -, que foi impulsionada determinantemente pelos anarquistas, ainda que tenha tomado corpo em todo um contingente popular amplo de anarquistas e não-anarquistas, corpo esse que constituiu sua verdadeira base, e faz com que não seja possível atribuir completamente o fenômeno do sindicalismo revolucionário aos anarquistas (idem, p. 83). O autor ainda continua: O que diferencia esse sindicalismo revolucionário do anarco-sindicalismo é que o primeiro nunca se vinculou explicitamente e conscientemente ao anarquismo, diferentemente do segundo (idem, p. 83). Assim, entende-se que uma organização anarcosindicalista tem em suas bases, os princípios anarquistas; e uma organização sindicalista revolucionária, no caso o sindicato, não tinha nas suas bases apenas aos princípios anarquistas82. Esta última, deveria ter o acúmulo de forças para “ser uma associação da classe trabalhadora, abarcando dentro de si quaisquer trabalhadores que, na condição de assalariados, e tendo em comum as necessidades econômicas, poderiam 82 A diferenciação não está meramente na questão de vínculo de suas bases ao anarquismo. O anarco-sindicalismo vincula consciente, explícita e programaticamente o sindicato ao anarquismo. Assim, o anarquismo se torna a "doutrina oficial" do sindicato. - 166 - ........................ utilizar a ação direta como meio de luta” (idem, p. 135). Porém, é interessante dizer que os sindicatos foram um importante espaço de militância para os anarquistas nas décadas de 1900, 1910 e 1920 no Brasil, mas nunca o único espaço de organização. Afirmar isso seria negar toda a construção histórica de estratégias de luta que o anarquismo construiu ao longo de suas lutas e seria, no mínimo, um reducionismo com grandes consequências. Ao analisar o Primeiro Congresso, Alexandre Samis cita o português e anarquista Neno Vasco, que afirmara: “O Congresso não foi, de certo, uma vitória do anarquismo. Não o devia ser. (...) Se o Congresso tivesse tomado caráter libertário [querendo dizer, anarquista], teria feito obra de partido, não de classe” (SAMIS, 2002, p. 196) [observação e grifo nosso]. No ano de 1912, após a organização do chamado Congresso Pelego feito por Mário da Fonseca, filho do presidente da República Hermes da Fonseca, a Federação Operária do Rio de Janeiro nomeou a Comissão Reorganizadora da COB com o intuito de rearticular a formação do Segundo Congresso Operário que aconteceria em setembro do próximo ano. De acordo com o historiador Alexandre Samis, deste Congresso que contou com a participação de duas federações estaduais, cinco federações locais e mais de cinquenta sindicatos, quatro jornais (A Voz do Trabalhador, do Rio de Janeiro; A Lanterna, de São Paulo; Germinal, de São Paulo e O Trabalho de Bagé, Rio de Janeiro), ligas e associações do país, a “representatividade havia crescido e, na sua grande maioria, as propostas do Primeiro Congresso foram corroboradas pelas plenárias de 1913” (SAMIS, 2004, p. 137). No entanto, o cerne das discussões deste Congresso girava em torno das questões de cooperativismo, carga horária diária de trabalho, salário mínimo, bolsas de trabalho e principalmente, do modelo organizativo, afirmando mais uma vez o sindicalismo revolucionário. Os Temas - 167 - ........................ Tema 1 (...) O Segundo Congresso Operário Brasileiro, mesmo tendo em conta a devida liberdade de preferências e de ação política dada aos sindicatos fora do sindicato, convida a classe trabalhadora do Brasil a, repelindo a influência dissolvente da política, dedicar-se à obra da orgabização operária sindicalista, que, considerada dentro da ação operária, é o meio mais eficaz e mais poderoso para a conquista de melhoras imediatas de que necessita para o fortalecimento da luta para a sua completa emancipação (PINHEIRO e HALL, 1979, p. 188). De salutar importância é ressaltar que o Segundo Congresso aprovou um vínculo direto da organização com o anarquismo (anarco-sindicalismo, portanto), mas essa resolução nunca foi implementada, deixando as bases resolutivas do Congresso mantidas, confirmando as mesmas resoluções do Primeiro Congresso com algumas alterações de conjuntura, época, etc. (PINHEIRO e HALL, 1979, p. 188). No limiar das discussões sobre o papel do Congresso, o que e como os trabalhadores deverão se organizar, surge a questão das bolsas de trabalho. Estas bolsas estavam em discussão pelo caráter quase integral que alguns militantes tinham na COB. Assim, definiu, por negar o funcionalismo burocrático. Assim, o Segundo Congresso Operário Brasileiro entende que a obra essencial e primária da organização é a resistência e a propaganda e que, por isso, a instalação de bolsas de trabalho não deve nunca embaraçar a ação de resistência, devendo o serviço de colocação ser feito pelas próprias comissões administrativas dos sindicatos, para se evitar o funcionalismo burocrático (idem, p. 194). - 168 - ........................ As bases definidas no Segundo Congresso são mais eficazes e mais claras no que diz respeito à propaganda e à educação para os trabalhadores. Além da questão das bolsas de trabalho, instituiu-se a retomada de A Voz do Trabalhador, já que a imprensa operária “é o meio mais eficaz para orientar as massas populares” (idem, p. 196). É nesse contexto de apoio à imprensa operária que o trabalho de Maria Nazarteh Ferreira (1988) tem destaque ao apontar que existiam cerca de 343 títulos de jornais operário no território brasileiro. O reaparecimento do jornal oficial da COB foi um fator de ascenso desta organização, já que o próprio jornal era entendido como “ reflexo de todo o movimento operário do Brasil” (idem, p. 210). Retomando as decisões do Segundo Congresso, ficouse aprovado ainda na seção Moções de Solidariedade, o caráter internacionalista da luta pela emancipação humana. Moções de apoio foram mandadas à trabalhadores do México, CGT da França, trabalhadores de Portugal e da Espanha, para reafirmar “o espírito de solidariedade” que deve “estar de perfeito estado para todos os trabalhadores do globo” (idem, p. 202). Esta rede de solidariedade internacional daria cabo à criação no de 1915 do Congresso Internacional da Paz e ao Congresso Anarquista Sul-Americano, sendo que este último tinha o papel de “clivar diferenças sensíveis entre o sindicalismo e o anarquismo” (SAMIS, 2004, p. 138). Continuando ainda os apoios, na Terceira Parte do Relatório da Confederação Operária Brasileira, veicula-se uma homenagem para Francisco Ferrer y Guardia, anarquista espanhol que foi fuzilado em 13 de outubro de 1909 pelo governo espanhol. Ferrer, o criador das Escolas Modernas foi caracterizado como um “homem que soube num decênio de penoso estudo constituir um exército de homens educados nos mais elevados sentimentos de solidariedade” e assim, “grande foi o abalo sentido pelo operariado consciente do Brasil” (idem, p. 210). Ainda destaca-se a decisão de recusar fórmulas - 169 - ........................ burocráticas nos estatutos sindicais, além de reafirmar a propaganda anti-militarista e do internacionalismo. Afirma Pinheiro e Hall (1979, p. 172), O Congresso Operário de 1913 continuava a linha adotada pelo Congresso de 1906 (...). A linguagem é algumas vezes mais militante do que a do congresso anterior, e há alguns toques bastante ecléticos (como no tema 10), mas o teor geral continua a ser sindicalistarevolucionário, como em 1906. O folheto do congresso, que vai reproduzido abaixo, juntamente com as resoluções, também inclui informação sobre a preparação do congresso, e um pequeno histórico da Confederação Operária Brasileira (COB), que permitem compreender melhor o significado do congresso. Cerca de um ano pós o Segundo Congresso Operário, no número 63 datado de 1º de outubro de 1914, o jornal A Voz do Trabalhador publicava uma apelo aos trabalhadores para se manifestarem novamente contra a Guerra Mundial. Neste número, o texto A Internacional Operária Contra a Guerra reafirmava o caráter internacionalista dos pressupostos defendidos pelo jornal e reafirmados no Segundo Congresso. Diversas organizações operarias, atendendo ao apelo da Confederação Operaria Brazileira, realizaram em suas sédes, no dia 13 de setembro findo, comícios e sessões de protesto contra a atual conflagração europeia de solidariedade para com o operariado de todos os paizes em luta! Em diversas cidades, como no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, São Paulo, Santos, etc., a policia, zelosa no apoio aos opressores das classes trabalhadoras, não permitiu a efetuação das manifestações operarias nem mesmo na séde de suas associações! Abaixo a tirania burgueza! Abaixo a guerra! Viva a solidariedade - 170 - ........................ universal! (A VOZ DO TRABALHADOR, nº 63, 1º de outubro de 1914, p. 1). Outro elemento recorrente na imprensa da COB era os apelos pela paz mundial. A Primeira Guerra Mundial que assolava a Europa tinha ecos no Brasil e aqui, o jornal A Voz do Trabalhador fazia apelos contra o militarismo. No número de 7 de abril de 1915, vem em destaque no artigo Pela Paz – O grande comício de hoje que esse movimento “de carater essencialmente internacional,a ajitação de hoje constituirá a primeira grande manifestação publica a favor da paz, contra a guerra”. E ainda, “insistimos vivamente para que nenhum dos nossos amigos deixe de, com sua prezença, contribuir para a impotencia a significação da manifestação” (A VOZ DO TRABALHADOR, nº 69, p. 2). Na Europa o bolchevismo tornava-se vitorioso, colocando abaixo, via repressão, os conselhos operários. Tais acontecimentos tiveram ressonâncias em todo o mundo, causando o processo de criação de Partidos Comunistas, como por exemplo, o PCB. No caso específico do Brasil, vários militantes anarquistas irão arregimentar a justificativa do bolchevismo no Brasil83, concordando com as teses da Terceira Internacional. Isso sem dúvida foi um elemento estruturante que contribuiu para a derrocada do sindicalismo revolucionário, se não, do anarquismo no Brasil. No ano de 1920 organizar-se-á o Terceiro Congresso Operário Brasileiro que tem algumas particularidades que remetem a própria dinâmica que o país estava passando: a transformação do quadro industrial no Pós-Primeira Guerra Mundial. Conforme Neto (2007) aponta, a “I Guerra Mundial 83 DULLES (1977), diz que Otávio Brandão entrou em conflito com suas teses (até então anarquistas) e a crescente bolchevique no país, sendo que, Astrojildo Pereira, militante que deixou as correntes anarquistas para defender o bolchevismo, lhe forneceu livros que justificasse que o bolchevismo não era reformista. Para maior aprofundamento ver Dulles (1977); Samis (2002). - 171 - ........................ criou condições favoráveis ao rápido crescimento da indústria brasileira” (idem, p. 14). Além disso, vários acontecimentos, como por exemplo, as greves de 1917, sobretudo a Greve Geral de julho84 na cidade de São Paulo e suas ressonâncias, foram elementares para a nova dinâmica da COB. De acordo com o Boletim da Comissão Executiva do 3º Congresso Operário, as questões do contexto são passíveis e necessárias de serem analisadas. Vejamos: O 3º C.O.B., tendo em vista as condições particulares aos meios operarios do Brazil, reaffirma em suas linhas geraes as declarações feitas nos Congressos de 1906 e 1913; por outro lado, porém, examinando e ponderando a situação historica de facto em que se encontra o proletariado mundial neste momento, julga necessário estabelecer, em termos precisos, um criterio fundamental, positivo e realista, pelo qual deverão orientar-se todas as organizações, todas as lutas, todos os esforços dos trabalhadores do Brazil (Boletim da Comissão Executiva do 3º Congresso Operário, Ano I, nº I, agosto de 1920). Assim, de acordo com Samis (2004, p. 139), o Terceiro Congresso realizado em 1920, defendeu a prioridade da sindicalização por indústrias, em “detrimento da organização por ofícios”, sendo que as decisões dos congressos anteriores são reafirmadas com certas questões particulares do próprio contexto. Essa resolução que aprovara a preferências pelos sindicatos de indústria em detrimento dos de comércio é bastante clara. Essa substituição reflete as alterações tecnológicas em curso, pois “preconizava a organização de sindicatos de indústria, em lugar dos sindicatos de ofício” (NETO, 2007, p. 14). 84 Para este intento, cf. LOPREATO, C. R. O Espírito da Revolta: a greve geral anarquista de 1917. São Paulo: Annablume/FAPESP, 2000. - 172 - ........................ Outro elemento específico de declínio do sindicalismo cobista vem na década de 1920. O brasilianista Jhon W. Foster Dulles afirma que a Liga Operária da Construção Civil de São Paulo propôs ao Terceiro Congresso que se filiasse a Terceira Internacional, caso que não ocorreu por posições de Astrojildo Pereira (este se vinculará ao bolchevismo posteriormente) e Edgard Leuenroth85. Porém, a decisão do Congresso foi o de “transmitir seus ‘votos de felicidade ao importante acontecimento de Moscou, cujos princípios ferais verdadeiramente correspondem às aspirações de liberdade e igualdade dos trabalhadores de todo o mundo’” (DULLES, 1977, p. 113). No entanto, a criação do PCB em 1922 e as disputas entre anarquistas e bolchevistas sob o controle dos sindicatos de resistência, que resultaram no conflito entre diversas federações, foi fator crucial de derrota do sindicalismo revolucionário. Concomitantemente, a constante repressão do Estado favoreceu para esta derrocada. Por fim, compreende-se que os Congressos Operários foram assumidamente sindicalistas revolucionários, compostos por princípios que não são exclusivamente anarquistas. O sindicato que representava um espaço de luta do proletariado se tornou um empecilho e um amortecedor do conflito capital/trabalho. Essa conjuntura sócio-histórica tem algumas particularidades: a veemência repressiva do Estado, por exemplo, na terceira reformulação da lei Adolfo Gordo, de 1921, que previa a deportação dos indesejáveis (anarquistas, principalmente), a constância de deportações para Clevelândia (colônia penal situada no situada no atual estado do Amapá, entre 1924 e 1926) (SAMIS, 2002), a constância de invasões e 85 Em O Operariado do Brasil e a situação internacional proletária, vê-se: “I – Declarar a sua espectativa sympathica em face da 3ª Internacional de Moscou, cujos principios geraes correspondem verdadeiramente as aspirações de liberdade e igualdade dos trabalhadores de todo no mundo (Boletim da Comissão Executiva do 3º Congresso Operário, Ano I, nº I, agosto de 1920, p. 15). - 173 - ........................ prisões de redatores de jornais libertários, etc. Além disso, havia também um refluxo das lutas sociais após a contrarrevolução burocrática da Rússia, o processo de bolchevização das organizações sociais atreladas ao seu natural burocratismo (por exemplo, a eminência da vanguarda). Assim, a força do burocratismo estatal dos sindicatos e, sobretudo, com a ascensão do Partido Comunista do Brasil na década de 20 e das medidas do governo getulista marcaram o caminhar a passos largos para o enfraquecimento, senão, para o fim do sindicalismo de bases revolucionárias para se tornar um local a ser combatido. Combater os sindicatos hoje se torna um passo importante para o fim da sociedade de classes. FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOLETIM DA COMISSÃO EXECUTIVA DO 3º CONGRESSO OPERÁRIO. Ano I, nº I, agosto de 1920. CORRÊA, Felipe. Ideologia e Estratégia: anarquismo, movimento sociais e poder popular. São Paulo: Faísca, 2011. CORRÊA, Felipe. Rediscutindo o anarquismo: uma abordagem teórica. Dissertação (Mestrado). Programa de Pósgraduação em Mudança Social e Participação Política da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2012. DULLES, J. W. F. Anarquistas e Comunistas no Brasil (1900 – 1935). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977. FERREIRA, Maria Nazareth. Imprensa Operária no Brasil. São Paulo: Ática, 1988. Jornal A VOZ DO TRABALHADOR, Órgão da Confederação Operária Brasileira. Ano VII, nº 63, 1º de outubro de 1914. Jornal A VOZ DO TRABALHADOR, Órgão da Confederação Operária Brasileira. Ano VIII, nº 69, 7 de abril de 1915. NETO, Oscar Farinha. A Atuação Libertária no Brasil: A Federação Anarco-Sindicalista. Rio de Janeiro: Achiamé, 2007. - 174 - ........................ PINHEIRO, P. S.; HALL, M. A Classe Operária no Brasil (1889 – 1930) - Documentos – Vol 1. O Movimento Operário. São Paulo: Alfa-Omega, 1979. RODIGUES, Edgar. Trabalho e Conflito. Pesquisa 1906 – 1937. Rio de Janeiro: Arte Moderna, s/d. RODRIGUES, Edgar. Pequena história da Imprensa Social no Brasil. Florianópolis: Insular, 1997. RODRIGUES, Edgar. Socialismo e Sindicalismo no Brasil – 1675 – 1913. Rio de Janeiro: Laemmert, 1969. SAMIS, Alexandre. Minha Pátria é o Mundo Inteiro: Neno Vasco, o anarquismo e o sindicalismo revolucionário em dois mundos. 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Nas páginas da Imprensa da Primeira República: os poemas anticlericais em A Lanterna Resumo: As transformações ocorridas no processo de modernização no início do século XX no Brasil, especificamente na região sudeste, potencializaram o crescimento e a necessidade da imprensa, trazendo a propagação de novas formas sociabilidade entre a população paulistana, principalmente entre os operários. Nesse contexto surge o periódico A Lanterna, criado por Benjamin Motta em 1901. Esse texto tem o objetivo de analisar nesse periódico alguns poemas veiculados entre os anos de 1901 e 1916,com temáticas anticlericais, apresentando também as transformações ocorridas entre as suas duas primeiras fases. Palavras-chave: Imprensa Libertária, Primeira República, A Lanterna, anticlericalismo. Introdução Como afirma Alexandre Samis (2002, p. 21), os jornais são fundamentais para analisar a conjuntura política, social e simbólica da Primeira República do Brasil. A imprensa se firmara em um campo conflituoso no período de ascensão da classe trabalhadora e mais, confirmou a partir da imprensa operária o lócus de manifestação e ação dessa classe insurgente. E é nesse ínterim que “a cultura libertária tinha seu principal conteúdo revolucionário”: o combate à moral vigente (SAMIS, 2002, p. 32). Ligada ao cotidiano citadino da Primeira República do Brasil, a imprensa libertária terá profícuas produções no campo de propagação dos ideais libertários e permanecerá como um campo de profundidade documental a ser explorado em suas minúcias. Assim está justificada a necessidade desse texto: compreender nessa diversificada seleção de fontes - 176 - ........................ históricas, as manifestações sociais propagadas pelos poemas veiculados pelo jornal A Lanterna entre 1901, marco fundador do jornal, e 1916, momento de paralisação das publicações do periódico. A imprensa operária exerceu um papel salutar na divulgação do movimento operário no Brasil durante a Primeira República. Fora instrumento de politização e esteve articulado com as ações dos trabalhadores em seus momentos de insurgência. Assim, no início do século XX, conforme aponta Luca (2011, p. 120), o cenário cotidiano das cidades, sobretudo São Paulo, abrigava uma infinidade de publicações periódicas. Tamanho foi o crescimento que ao analisar a Imprensa Operária, Maria Nazareth Ferreira constatou que entre “o último quartel do século XIX” até as duas primeiras décadas do século XX, 343 títulos de jornais apareceram no território brasileiro (1988, p. 14). É importante salientar que neste período a imprensa de cunho anarquista também cresceu demasiado, publicando centenas de periódicos dentre os quais destaca-se: O Amigo do Povo (1902 criado por Neno Vasco), La Barricata (editado por Gigi Damiani e Adolfo Felipe em língua italiana), O Libertário (que surgiu em 1904 e foi editado por Neno Vasco, Manuel Moscoso e Everardo Dias), La Battaglia (criado em 1904 dos editores Gigi Damiani e Oresti Ristori publicado em língua italiana), O Despertar (1904 em Curitiba), A Terra Livre (1905 por Neno Vasco), A Lucta Operaria (publicada pela Federação Operária de São Paulo), etc. Em meio a esse emaranhado de publicações, surge em 1901, o periódico A Lanterna, órgão da Liga Anticlerical de São Paulo. Devido à complexidade dessa fonte histórica, limitaremos a analisar os poemas que veicularam nas páginas desse periódico no recorte temporal entre 1901 e 1916. As fontes aqui utilizadas (os jornais A Lanterna) se encontram disponíveis no Arquivo Edgard Leuenroth (AEL) que fica nas dependências do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). - 177 - ........................ Algumas perguntas nortearão nosso texto: onde se inseria a imprensa libertária na imprensa operária no Brasil? Em que contexto surge o periódico A Lanterna? Que pressupostos eram veiculados em suas páginas? Buscando responder a essas questões, iniciaremos o texto apresentando de maneira geral onde se insere temporalmente e espacialmente o periódico aqui estudado, posteriormente, as fases do jornal e, por último, uma análise dos poemas aqui figuravam e compunham o jornal que caminhou de uma luta anticlerical à perspectiva anticlerical libertária. Antes de qualquer coisa, devemos deixar claro que “documento algum é neutro, e sempre carrega consigo a opinião da pessoa e/ou órgão que o escreveu” (BACELLAR, 2011, p. 63), por isso, torna-se necessário contextualiza-lo, explica-lo e relacionado com seus produtores, indivíduos que possuem valores e os expressam em suas produções. Nesse ínterim, A Lanterna desenvolve-se do anticlericalismo ao anticlericalismo libertário86, de orientação anarquista. Com o título de A Lanterna - Orgam da Liga Anti-clerical esteve sediado no Largo da Sé, nº 5, entre os anos de 1909 a 1916 na Rua Senador Feijó nº 8-b na cidade de São Paulo. O periódico fundado em 7 de março de 1901, passou por algumas fases, sendo a primeira, de 1901 a 1902, retomando em 1903 e continuando até 1904 de caráter anticlerical sob a direção de Benjamin Motta. Nesse período, de acordo com Rodrigues (1997, s/p) publicou-se 60 números. Na primeira fase, A Lanterna efetuava uma contundente afirmação das pautas anticlericais e defendia as idéias de progresso, civilização, 86 Apesar do caráter anticlerical de A Lanterna no contexto de seu surgimento, o anarquismo é veiculado frequentemente alguns anos após. Por exemplo, em artigo do português Neno Vasco publicado na seção Da Porta da Europa, o luso anarquista irá apresentar as principais ideias de Piotr Kropotkin, anarquista russo que irá fazer parte da corrente denominada de anarco-comunismo. Para mais aprofundamento, cf. A LANTERNA, nº 171, 25 de dezembro de 1912, p. 2. - 178 - ........................ valorização do trabalho produtivo e da liberdade. Tratava-se de um compromisso com as causas da modernidade e do progresso, tanto espiritual (do indivíduo), quanto material e moral (da sociedade). Preconizava-se a instrução laica e integral, baseada no racionalismo, na experimentação, na coeducação e nas ciências, assim como princípios morais cívicos, quase evangélicos, sustentados na fraternidade humana, no altruísmo, na tolerância, na solidariedade, no apoio e respeito mútuos(PERES, 2005, p. 2-3). Na sua segunda fase, entre os anos de 1909 a 1916 (17 de outubro de 1909 a 19 de novembro de 1916), teve uma mudança na orientação do jornal, que passa a ser de caráter anticlerical e anarquista sob a direção de Edgard Leuenroth. Nesse ínterim, contou com a publicação de 293 números com o subtítulo de Folha anti-clerical e de combate, assumindo uma conotação eminentemente libertária. Na segunda fase de publicação, A Lanterna conservou a maior parte do ideário da primeira fase, ao mesmo tempo em que destacava a questão social e acrescentava elementos antireligiosos em sua agenda anticlerical. Este posicionamento provocou o afastamento dos aliados da primeira fase que não abriam mão da visão religiosa: parte dos maçons, os espíritas e os protestantes. Se a aliança com a outra parte dos maçons foi preservada, o grupo editor reforçava a aproximação tanto com os agrupamentos libertários quanto com os trabalhadores e suas associações de classe. Neste movimento, os anarquistas e seus aliados atuavam, para além do jornal anticlerical, através de iniciativas e ações culturais, em grupos de afinidade e centros de convivialidade tipicamente modernos: centros de estudos sociais, teatros, círculos de leitura, escolas e universidades populares. Nestes “lugares de encontro” (ou melhor, lugares de - 179 - ........................ aproximação), a relação entre os atores sociais articulava-se cada vez mais em torno das já citadas questões sociais. Simultaneamente, Estado e Igreja puseram-se a campo para disputar corações e mentes no conjunto da sociedade, em particular entre os trabalhadores (PERES, 2005, p.3). Na sua última fase, com os esforços de Leuenroth, o periódico é publicado semanalmente dentre julho de 1933 a fevereiro de 1934. Porém, de fevereiro de 1934 a janeiro de 1935 passa a ser quinzenal. Em todas as suas fases, o periódico também contou com ilustrações, charges e fotos, sendo que de acordo com Gawryszewski (2009, p. 19), a “(...) maioria das imagens era de fácil entendimento, mostrava os personagem e contextos sociais que os operários bem conheciam”. Isso sem dúvida era mais uma forma de propagação dos ideais do jornal além da forma escrita. O caráter irônico das charges d’ A Lanterna, que serviam ao propósito de satirizar a Igreja Católica, não tinha por intenção depreciar a Instituição, mas chamar a atenção, para as formas de atuação do clero junto à sociedade e o Estado, que percebiam na Igreja uma instituição política (PINTO, 2010, p. 600 ). Outro elemento fundamental era que em suas páginas é comum encontrar textos assinados por seus editores, porém, devido ao perigo de represálias, os colaboradores do periódico só assinavam seus textos com iniciais e/ou pseudônimos87. 87 Por exemplo, Adelino de Pinho publicou no número nº138, de 11 maio de 1912, o artigo A Invasão Negra utilizando-se do pseudônimo Pinho de Riga. Destaca-se nesse texto suas ásperas palavras quando afirma que “os padres e jesuítas de casaca, com suas escolas, seus liceus de artes e ofícios, suas irmandades, suas lojas e toda a espécie de associações religiosas, têm uma fábrica irregular para o ministramento da estupidez e da cegueira moral e intelectual. Daí o apoio e a adesão de todos os que têm empenho - 180 - ........................ Tem-se no periódico uma infinidade de colunas diferentes. Artigos críticos, charges, poemas, notícias de caráter mundial. Não era interesse do jornal questionar tão somente o papel da Igreja como veículo de crenças e dogmas, mas também como um sistema a serviço do poder político e econômico. Defendia projetos de constituição de uma sociedade laica. Adepto de um jornalismo libertário, denunciador de opressões e privilégios da Igreja Católica, considerava-se apartidário, colocando-se unicamente a serviço da emancipação social e política dos menos favorecidos, em defesa do movimento operário e, a partir do final do ano de 1933, critica e opõe-se aos integralistas, denunciando a união destes com a Igreja (CATÁLOGO DE PERIÓDICOS, UNESP). A terceira fase não será analisada aqui, mas compreende-se pelo período em que Edgard Leuenroth retomou o periódico no ano de 1933, precisamente em 13 de julho findando em 1935 quando ocorria uma “conferência de José Oiticica, agentes do P.C.B. que ali foram para tumultuar” que “telefonaram para a polícia e esta chegou rápido, para prender oito anarquistas e fechar o último reduto de resistência libertária, juntamente com o porta-voz o jornal A Lanterna” (RODRIGUES, 1997, s/p). (...) seu foco e visão anárquica concentravamse na influência da Igreja Católica no Estado e na sociedade. Foi principalmente, mas não somente, um porta voz das ligas anti-clericais que haviam por todo o país (PINTO, 2010, p. 597). Ressaltando o caráter anticlerical de todas as vertentes, a primeira fase do jornal é caracterizada por essa em manter este miserável estado social, a todas as empresas de caratês religioso”. - 181 - ........................ congregação de pensamentos díspares que se unificava no anticlericalismo. Partindo da adoção de uma agenda anticlerical, o grupo editor do jornal recebeu influências das idéias libertárias – através de leituras, de contatos pessoais ou mesmo da participação no enfrentamento da questão social –, incorporando-as até assumir a condição de órgão de difusão das posições dos grupos anarquistas em São Paulo. A fundação da Aliança Anarquista em São Paulo (outubro de 1916), fato amplamente divulgado nas páginas do jornal anticlerical, corrobora esta mudança de orientação (PERES, 2005, p. 7). Nas próprias palavras de seu editor: “o ódio ao jesuitismo é enorme, não há duvida, e nós folgamos em poder reunir todos os anti-clericais á sombra da nossa bandeira de combate” (A LANTERNA, n° 2, 24 de março de 1901, p. 4). A folha anticlerical mantinha um diálogo com grupos e pessoas que estavam sob influência do ideário libertário, alimentando-o com a bandeira comum de combate ao clero. O jornal anticlerical propunha-se a discutir diversas questões com o conjunto da sociedade, particularmente com os setores mais radicais e “progressistas” (PERES, 2005, p. 7). No jornal fixou-se durante várias circulações, as seções Sezione italiana e Sección Española que reproduzia através da língua italiana e espanhola os pressupostos do jornal, assumindo como estratégia a necessidade de leitores. Nesse caso específico a escolha dessas duas línguas não foi por acaso e sim, pela necessidade da produção de artigos que os trabalhadores e demais imigrantes europeus pudessem ter acesso. Liga Anti-Clerical – Affirmação de direitos - 182 - ........................ Em quanto não forem revogadas as Constituições Federal e do Estado na parte em que garante a liberdade de reunião e de manifestação do pensamento, a Liga AntiClerical e o seu orgam A Lanterna, se manifestarão dentro da lei, a despeito das ameaças em perseguições com que quaisquer verduges procurem aniquilar nossos direitos cívicos e sagrados (A LANTERNA, 19 de maio de 1901, p. 1, n 6). Porém, era corrente na maioria dos poemas da primeira fase de A Lanterna, o reconhecimento de que as manifestações contra o clericalismo na sociedade era ação legal e estava inserido nos direitos dos indivíduos que compõem a sociedade. Assim, o jornal assumia seu caráter anticlerical contra as alegações da ação reacionária dos grupos da elite republicana. Por mais que os textos escritos forneçam indícios valiosos para a interpretação de uma realidade social, as poesias davam um tom estético mais sofisticado e carregado de metáforas. Além do fácil entendimento destes, o uso de poesias em periódicos anarquistas no caso específico da Primeira República eram usuais, por exemplo, no Periódico A Plebe, de Edgard Leuenroth, que fora uma continuação de A Lanterna. Para Lopreato (2000, p. 110), as poesias foram um importante instrumento de instrução da classe operária. Podemos notar que nas páginas d’A Lanterna as poesias se constituíram como peça importante do jornal devido sua conotação de crítica a moral vigente. Assim, analisaremos algumas destas poesias que se faziam presentes nas páginas do periódico e estabeleceremos uma interpretação entre o seu ideário educacional (no sentido amplo do termo) e as referidas poesias. De acordo com Alfredo Bosi (1977, p. 142), as poesias ou meramente a vontade mitopoética de compreender a natureza e os homens, “foram assumidos e guiados, no agir cotidiano, pelos mecanismos do interesse, da produtividade” - 183 - ........................ pela hegemonia burguesa na compreensão das relações sociais (por exemplo, a ciência). Para Bosi, as poesias também formam “(...) a crítica direta ou velada da desordem estabelecida (vertente da sátira, da paródia, do epos revolucionário, da utopia)” (BOSI, 1977, p. 145). É pensando assim que analisaremos alguns epos revolucionários de A Lanterna. Algumas poesias ao identificar o papel do clero e de suas posições frente às desigualdades da sociedade no período apresentam críticas à sociedade de forma contundente nos liames da poesia como recurso lingüístico. Assim, nas palavras de Guerra Junqueiro, nota-se críticas ao rememorar um passado com forma de justificação das desigualdades de um tempo histórico. Essa noção de justificativa moral e política é vista através de uma noção de história que é, antes de tudo, uma escola da vida, chamada por Koselleck (2005, p. 45) ao lembrar de Cícero, de magistra vitae onde as “histórias são instrumentos recorrentes apropriados para comprovar doutrinas morais, teológicas, jurídicas ou políticas”. Vejamos: Parasitas No meio a’uma feira, uns poucos de palhaços Andavam a mostrar em cima d’um jumento Um aborto infeliz, sem mãos, sem pés, sem braços Aborto que lhe dava um grande rendimento Os magros histriões, hypocritas, devassos Exploravam assim a flor do sentimento E o monstro arregalaes os grandes olhos baços, Uns olhos sem calor e sem entendimento E toda a gente deu esmola aos taes ciganos Deram esmola até mendigos quase sós, E eu, ao ver este quadro, apóstolos romanos, Eu lembrei-me de vós funâmbulos da Cruz Que andais pelo universo há mil e tantos annos Exhibindo, explorando o corpo de Jesus (A LANTERNA, 17 de outubro de 1909, nº I, ano IV) - 184 - ........................ Ainda utilizando do passado como coleção de exemplos, A Lanterna, nos escritos A um crucifixo de Anthero do Quental, dirá que Há mil anos, bom Cristo, ergueste os magros braços E clamaste da cruz: há deus! E olhaste, ó crente, O horizonte futuro e viste, em tua mente, Um alvor ideal banhar esses espaços! Porque morreu sem eco o eco de teus passos, E de tua palavra (ó Verbo!) o som fremente? Morreste... ah! Dorme em paz! Não volvas, que descrente, Arrojaras de novo á campa os membros lassos... Agora, como então, na mesma terra erma A mesma humanidade é sempre a mesma enferma, Sob o mesmo ermo céu, frio como um sudário... E agora, como então, vivas o mundo exangue, E ouviras perguntar – de que serviu o sangue Com que resgate, ó Cristo, as urzes do Calvário? Anthero do Quental (A LANTERNA, Ano XII, 22 de março de 1913, n° 183, p. 13) A utilização da metáfora como recurso lingüístico era algo recorrente dos escritos do periódico, utilizados geralmente para dar sentido ao seu discurso libertário analisando as sociedades do passado, as suas e propondo a ruptura com elas. Vejamos como na poesia Judas Hodiernos os aspectos constitutivos da metáfora são trabalhados. Judas Hodiernos Eis os Judas de agora, os negros traidores, Que em nome de Jesus prégam nas cathedraes, Arrastando a Razão num círculo de horrores, Creatando os corações no inferno dos míssaes Eis as irmãs gentis do lubricos amores, - 185 - ........................ Que enchem mosteiros mil, que invadem hospitaes, Desmaiando na cruz de braços tentadores, Que lhes abrem, rezando, os frades sensuaes Devoram-lhes a carne as larvas dos desejos, Desvaira-lhes o olhar a torpe sensação Rebenta-lhe na boca a floração dos beijos... Histriões de batina! Irmãs de branca touca! Judas sois vós, por que vendeis a Religião, E-almasde Satanaz! Tendes só Deus na bocca... S. Paulo-1901 Frei João da Cruz (A LANTERNA, ano I, nº 3, 6 de abril de 1901, p. 1). O uso das metáforas presente em Judas Hodiernos de Frei João da Cruz reafirma ainda que a moral religiosas é por si uma afronta ao ser humano. Em tal poesia já citada, através de uma linguagem acessível que utiliza de adjetivos para caracterizar a sociedade cristão (a ser superada). Assim, A Lanterna, “ao tratar de forma consistente o anticlericalismo, usou a denúncia do exercício da sexualidade dos clérigos, como uma violação da Igreja ao seu próprio código de conduta” (FERNANDES, 2003, p. 265). A interpretação da realidade de forma complexa (e não meramente anticlerical ou econômica) também está presente nas poesias libertárias publicadas no periódico. Abaixo temos o exemplo de uma poesia que compreendia a luta contra o clericalismo, os conflitos sociais, a moral religiosa e sua respectiva relação com a sociedade. Em Cautérios IX e Cautérios CI lê-se Cautérios IX (...) Guincha, bramas, esbraveis, Lança por toda parte excommunhões, O desgraçada, ó destruida Igreja, Dona, outrora, de thronos, de canhões. Hoje estas morta.Hoje és velha rameira - 186 - ........................ Que inda espera de goso bellos dias, Mas de quem, com ferror, até se esgueira A amiga, a camarada das orgias. Beato da Silva (A LANTERNA, ano X – Nº 70, 11 de fevereiro de 1911, p. 1) Cautérios CI (...) Em ver de rostinhos d’anjos (O diabo a tudo transtorna!) Nimbados de santidade, Que a virtude sã exorna, - Carantonhas de marmanjos, Facies de torvos bandidos, Viram nas santas criaturas, Do Holmes, os olhos sabidos! P’ra entender-se o sacrilégio, É preciso que se invoque O Demo, Decerto era ele O desalmado Sherlock Ou então, por sacrilégio, Com a costumada malícia, Por confusos e das avessas O faro e olhar do polícia. Beato da Silva (A LANTERNA, Ano XII, 12 de junho de 1913, nº 199, p. 1). Um elemento de destaque nesses poemas é crítica a uma moral religiosa cristã. O contexto específico dessas publicações são momentos de críticas dos anarquistas à moral cristã. Por isso, vemos a representatividade da imagem do clérigo como indivíduo sórdido que ao interpretá-lo como representante de uma instituição amiga das orgias realiza uma afronta. Assim, esse refinamento, “pode ser uma tentativa de contrapor a imagem do desordeiro irracional” que historicamente fora lançada aos anarquistas escritores e que nada são além de doadores de sentido (BOSI, 1977, p. 141) - 187 - ........................ que voltam, ou ao menos, possibilitam uma volta rápida e não tão duradoura do direito do poeta de dar nome às coisas (idem, p. 144). Quando apresentava a venda de indulgências e suas formas de mercantilização da fé, a Lanterna em dois poemas será veemente em suas críticas. Utilizando da analogia como maneira de dar um peso nas singularidades dos poemas, A Verdadeira Água Milagrosa Só Na Casa Deus & Filho e Ás almas pobres criticarão relação entre pecado, salvação e condições financeiras. Vejamo-las. A VERDADEIRA ÁGUA MILAGROSA SÓ NA CASA DEUS & FILHO ...Endireita a espinhela caida, Extrai callos, reduz fi elmões, prolonga a vida, Marca a roupa, e sem damno algum e sem fedor Torna o cabello e a barba á primitiva cor. Todos a Casa Deus & Filho! Ao Bazar da Fé! Grande redução de preços! (A LANTERNA, 14 de maio de 1910) Ás almas pobres O, Manél, ai tens dinheiro Podes peccar á vontade, Pois do missas um cargueiro Vale bem na eternidade. Mais si és pobre não abuses. Ficarás no Purgatório! Não terá do altar as luzes, Não terás ó intinório. Lucrecio A LANTERNA, n. 4, 20 de abril de 1901, p. 2, ano I Nessas poesias, o aspecto da diferenças econômicas entre as classes sociais ficam evidentes. Entendendo as relações entre a Igreja e as classes sociais dominantes do período, o aspecto revolucionário aparece ao entender as singularidades entre as classes sociais e sua necessidade de - 188 - ........................ superação, sobretudo nos textos que o jornal publicava (além das poesias). Assim, nas palavras de Alfredo Bosi, o objetivo das poesias estão além de mero rebuscamento teórico: ela produzem um imaginário, uma ação simbólica. O que ela não pôde fazer, o que não está ao alcance da pura ação simbólica, foi criar materialmente o novo mundo e as novas relações sociais, em que o poeta recobre a transparência da visão e o divino poder de nomear (BOSI, 1977, p. 145). Acreditamos que, embora não de forma clara, o caráter anarquista que o jornal assumira foi preponderante para ressaltar aquilo que já era usual ao pensamento anarquista: a crítica à autoridade, pois, seja qual for, ela é se não a materialização das iniquidades do homem sobre o homem. Ou como afirmara Mikhail Bakunin: (...) todas las leyes que emanan de un legislador, sea humano, sea divino, sea individual, sea colectivo, y aunque fuese nombrado por el sufragio universal, son leyes despóticas, necesariamente extrañas y hostiles a los hombres y a las cosas que deben dirigir: no son leyes, sino decretos a los que se obedece, no por necesidad interior y por tendencia natural, sino porque se está obligado a ello por una fuerza exterior, divina o humana; decretos arbitrarios a los que la hipocresía social, más bien inconsciente que conscientemente, da arbitrariamente el nombre de ley (BAKUNIN, 2008, p. 7). A leitura d’A Lanterna permite a compreensão da imprensa operária como um importante lugar de memória da classe operária brasileira nos anos iniciais do século XX. Simultaneamente, é também um produto cultural, resultado de um processo de apropriação de bens simbólicos, promovido - 189 - ........................ pelos operários em suas lutas sociais quotidianas. Além disso, a imprensa operária tinha o intuito de elucidar temas do cotidiano como uma forma de propagar os ideais libertários ao operariado. Sendo assim, “A imprensa anarquista e operária (...) contribuiu sobremaneira à divulgação dos ideais do movimento e suas ações políticas, trazendo também um caráter didático e doutrinário” (GONÇALVES e NASCIMENTO, 2008, p. 360). Para finalizarmos, ressaltemos que essa pesquisa buscou apresentar o estudo de “uma realidade multiforme, complexa e rica” apresentando as minúcias e particularidades para não cairmos em generalizações históricas sobre o movimento operário no Brasil (HAUPT, 2010, p. 70). Um estudo aprofundado no campo da imprensa operária, apresentando uma caracterização das singularidades da história dessa imprensa, operará como um antídoto ao estrabismo acadêmico que ressalta a virtuosidade do olhar descritivista reinante no conhecimento histórico contemporâneo. Referências Bibliográficas BACELLAR, Carlos. Uso e mau uso do arquivo. In: PINSKY, Carla Bassanezi (org.). Fontes históricas. 3ª ed. São Paulo: Contexto, 2011. BAKUNIN, Mijail. Consideraciones filosóficas sobre el fantasma divino, sobre el mundo real y sobre el hombre. Archivo Miguel Bakunin. 2008. Disponível em: http://miguelbakunin.files.wordpress.com/2008/09/consideracionesfi lo.pdf. Acesso em novembro de 2012. BOSI, A. O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Cultrix, 1977. CATÁLOGOS DE PERIÓDICOS. UNESP-ASSIS. Disponível em: http://www.cedap.assis.unesp.br/cat_periodicos/popup/a_lanterna.ht ml. Acesso em novembro de 2012. FERNANDES, Marisa. Imprensa Anarquista e sexualidade. Cad. AEL, v.10, n.18/19, 2003, pp. 265-282. FERRERIA, Maria Nazareth. Imprensa Operária no Brasil. São Paulo: Contexto, 1988. - 190 - ........................ GONÇALVES, Aracely Mehl; NASCIMENTO, Maria Isabel Moura. A educação nas folhas do jornal “A Plebe”: 1917-1919. Publ. UEPG, Letras e Artes, Ponta Grossa, pp. 359-368, Dez. 2008. HAUPT, Georges. 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