João Gabriel A. Neves
Quem serei eu
Ali estava mais um jovem na fila do vestibular, outra alma indecisa sobre seu
futuro. Dizem que o melhor a escolher é aquela que nos trará mais dinheiro,
outros falam sobre o que mais gostamos ou até mesmo aquele talento que
escondemos, ou que exibimos com o maior orgulho. Os pais que tanto nos
aconselham ou iludem são a voz que ecoa na nossa cabeça quando não
conseguimos entender nossa própria voz, que em uma língua inadequada
balbucia palavras como: não gosto de matemática...sexo...sou bom em
geografia...cerveja...mãe quer que eu seja um advogado...preciso de
dinheiro!...Pai quer que eu seja engenheiro... Em curso de engenharia não tem
mulher... Quero sair de casa... Mas trabalhar e estudar são um porre... Acho que
vou fazer cursinho... De novo, não! Que decepção... Se eu pudesse tirar umas
férias.
Na escola tinha aprendido Matemática, Português, Inglês, Geografia, História... E
agora tinha que escolher entre Exatas e Humanas em cursos que nenhum
professor havia explicado. Ai, se resolver questão de múltipla escolha desse
dinheiro, fazer redação dessa fortuna... É difícil, concordo com o que dizem: tem
gente que nasce sabendo o que quer da vida, mas tem outros que morrem sem
saber se escolheram certo.
As mãos suavam nervoso; quem foi o desgraçado que me fez decidir a vida aos
dezoito anos?! É, mas melhor ter que escolher do que por necessidade da vida me
tornar ninguém. De qualquer forma, quando nos tornamos profissionais deixamos
de ser alguém para nos tornarmos objeto na sociedade; deixamos de ser Carlos,
Raquel, Mario, Bia ou Zé para nos tornarmos o advogado, a dentista, o
engenheiro a pintora e o pedreiro.
Demorava, a fila pouco andava, parecendo o rumo do pouco matadouro onde os
ansiosos e assustados correriam a frente do tempo, pagando por isso, com o
fracasso.
Já era tempo, conseguiria passar pela porta e agora, sentado em uma daquelas
cadeiras pouco confortáveis, caía em sua frente o destino de sua vida, um bloco
de folhas preenchidas com as mais bem elaboradas questões do país. Fuvest.
Quem dera fosse algo um pouco mais fácil, simples e direto. De tanto ler estava
com dor de cabeça e o barulho do ponteiro do relógio dava desespero aos
infelizes que naquela sala se encontravam.
Um se levantou. Após cinco horas de esforço, saía com a cabeça alta, nariz
empinado, olhar arrogante de quem se considerava irrecusável diante de
qualquer oportunidade. Outros saíram após aquele, o segundo rapidamente, com
uma cara de alívio, fez o sinal da cruz e uma rápida reza. O restante saía com
expressões chorosas ou de incerteza, tirando o cansaço.
Aquela alma seria a última a sair, como doente que vai à igreja esperando um
milagre para uma doença terminal. Não encontrara tanto problema na maldita
prova, mas no diabo da questão impossível de qual curso pretendia.
O tempo acabara, de pé andava em direção à grande mesa, com passos largos,
mas arrastados e lentos. Engenheiro... Advogado... Médico... Pedreiro... Rico...
Esperto... Vagabundo... Pobre... Sozinho... Junto... Louco, perdido. O papel
pousou na mesa, uma lágrima correu o rosto. Só queria ser feliz.
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João Gabriel A. Neves Quem serei eu