UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS CAMPUS VARGINHA JOÃO GABRIEL BELLINI AMARO Aviação civil brasileira de âmbito nacional: Uma análise da estrutura e estratégia competitiva das empresas e o reflexo no desempenho no período 2001-2010 Varginha/MG 2014 JOÃO GABRIEL BELLINI AMARO Aviação civil brasileira de âmbito nacional: Uma análise da estrutura e estratégia competitiva das empresas e o reflexo no desempenho no período 2001-2010 Trabalho de conclusão de curso apresentado como parte dos requisitos para obtenção do título de Bacharel em Ciências Econômicas com Ênfase em Controladoria pela Universidade Federal de Alfenas. Orientador: Profº. Dr. Thiago Caliari Silva. Varginha/MG 2014 JOÃO GABRIEL BELLINI AMARO Aviação civil brasileira de âmbito nacional: Uma análise da estrutura e estratégia competitiva das empresas e o reflexo no desempenho no período 2001-2010 A Banca examinadora, abaixo-assinada, aprova a monografia apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Bacharel em Ciências Econômicas com Ênfase em Controladoria pela Universidade Federal de Alfenas. Aprovado em: 05 de dezembro de 2014 Profº. Orientador: Thiago Caliari Silva Universidade Federal de Alfenas Profª.: Cássia Helena Marchon Universidade Federal de Alfenas Profª.: Juliana Souza Scriptore Universidade Federal de Alfenas Dedico este trabalho à minha família, que sempre me apoiou, principalmente meus pais, João e Vera que são meus maiores exemplos. AGRADECIMENTOS Aos meus pais, que me proporcionaram todas as condições e oportunidades para que eu chegasse até aqui. Aos meus amigos que estiveram e estão sempre junto, seja nos momentos bons ou nos momentos de dificuldades. Ao Profº. Dr. Thiago Caliari Silva, por todo o trabalho de orientação durante o desenvolvimento deste trabalho. À Profª. Ma. Cirlene Maria de Matos, que orientou o projeto de pesquisa que serviu de base para esta monografia. E também a todos os professores que tive até hoje, que de alguma forma contribuíram para minha formação, transmitindo conhecimento e servindo como referência. "Os benefícios da instrução nunca são perdidos". Franklin Delano Roosevelt RESUMO A partir de 2001 o setor de aviação civil doméstica passou por mudanças significativas em sua estrutura, influenciado por inovações na conduta empresarial, após o processo de liberalização do setor. A introdução de um novo modelo de gestão de custos e valores das tarifas impactou o mercado como um todo, acirrando a concorrência e se refletindo no desempenho das empresas, além de impactar também a evolução da demanda do setor. Este trabalho buscará explorar como a inovação na conduta implantada pela Gol impactou as empresas que adotavam a conduta convencional, identificando suas principais diferenças e avaliando também a lucratividade obtida pelas companhias aéreas como reflexo de sua conduta, explorando os conceitos teóricos de Penrose, Chandler e teoria evolucionária incluídos no modelo Estrutura-Conduta-Desempenho. Palavras-Chave: Conduta; Inovação; Low-cost, low-fare; Gol; Tam. Abstract Since 2001 the domestic aviation industry has changed its structure, influenced by innovations in business conduct, after the liberalization process. The introducing of a new costs and prices management model impacted the market, intensifying competition and reflecting on performance of firms, beyond that impacted the development of the industry demand. This study will explore how the innovation in conduct established by Gol has impacted companies that adopted the conventional conduct, identifying the main differences and also evaluating the profitability obtained by the airlines companies as a result of its conduct choices, based on Penrose's, Chandler's and evolutionary theories included in the Structure-Conduct-Performance model. Keywords: Conduct; Inovation; Low-cost, low-fare; Gol; Tam. LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Participações de mercado – RPK no período entre 1972 e 1986. ......................... 29 Gráfico 2 – Índice de concentração de mercado HH do setor aéreo ........................................ 29 Gráfico 3 – Participações de mercado – RPK no período entre 1986 e 1992 .......................... 31 Gráfico 4 - Índice de concentração de mercado HH do setor ................................................... 31 Gráfico 5 – Participações de mercado – RPK no período entre 1992 e 2001 .......................... 34 Gráfico 6 – Índice de concentração de mercado HH de 1992 a 2001. ..................................... 34 Gráfico 7 - Participações de mercado – RPK no período entre 2001 e 2012. .......................... 36 Gráfico 8 – Índice de concentração de mercado entre 1972 e 2012 ......................................... 37 Gráfico 9 – Yield médio Tam, Gol e média da Indústria entre 2001 e 2010 ........................... 47 Gráfico 10 – Lucratividade Tam, Gol e média da Indústria entre 2001 e 2010 ....................... 48 Gráfico 11 - Oferta (ASK) e Demanda (RPK) no período de 2001 a 2010 ............................. 48 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Modelo Estrutura de custos das empresas aéreas brasileiras até 2010 ................... 38 Tabela 2 – CASK Tam e Gol – 2001 e 2003 ............................................................................ 42 Tabela 3 – CASK Tam e Gol – 2005 e 2007 ............................................................................ 43 Tabela 4 – CASK Tam e Gol – 2009 e 2010 ............................................................................ 44 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABEAR – Associação Brasileira das Empresas Aéreas ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil ASK – Available Seat Kilometers ATR – Avions de Transport Régional CASK – Operating Costs per Available Seat Kilometer DAC – Departamento de Aviação Civil ECD – Estrutura-Conduta-Desempenho GE – General Eletric HH – Índice Herfindahl-Hirschman LCLF – Low-Cost, Low-Fare P&D – Pesquisa e Desenvolvimento RPK – Revenue Passenger Kilometers SITAR – Sistema de Transporte Aéreo Regional SNEA – Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias 10 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 11 2. REFERENCIAL TEÓRICO ................................................................................................. 13 2.1 MODELO ESTRUTURA-CONDUTA-DESEMPENHO ........................................................................................... 13 2.2 RELEVÂNCIA DA CONDUTA: TEORIAS DE PENROSE, CHANDLER E EVOLUCIONÁRIA ...................................... 15 3. CARACTERÍSTICAS ESTRUTURAIS DO SETOR DE AVIAÇÃO CIVIL .................... 22 4. HISTÓRICO DO SETOR DE AVIAÇÃO CIVIL NO BRASIL ......................................... 25 4.1 AS PRIMEIRAS DÉCADAS DA AVIAÇÃO CIVIL BRASILEIRA (1927-1960): PERÍODO DE LIVRE CONCORRÊNCIA . 25 4.2 1960-1986: PERÍODO DE REGULAÇÃO FORTE ................................................................................................. 26 4.3 1986-1992 REGULAÇÃO COM POLÍTICA DE ESTABILIZAÇÃO ATIVA ............................................................... 30 4.4 ÍNICIO DO PERÍODO DE LIBERALIZAÇÃO - 1992-1997 LIBERALIZAÇÃO COM POLÍTICA DE ESTABILIZAÇÃO INATIVA .............................................................................................................................................................. 32 4.5 1998-2001 LIBERALIZAÇÃO COM RESTRIÇÃO DE POLÍTICA DE ESTABILIZAÇÃO ........................................... 32 4.6 2001-2002 QUASE DESREGULAMENTAÇÃO ................................................................................................... 35 4.7 2003-2012 PERÍODO DE RE-REGULAÇÃO ....................................................................................................... 35 5. ANÁLISE DA ESTRUTURA DE CUSTOS, LUCRATIVIDADE E PREÇOS NO PERÍODO DE 2001 A 2010..................................................................................................... 37 5.1 ESTRUTURA DAS CONTAS DE CUSTOS E DESPESAS DAS EMPRESAS AÉREOS SEGUNDO PADRÃO ANAC ATÉ 2010. ............................................................................................................................................................................ 38 5.2 ANÁLISE DIFERENCIAL DAS ESTRUTURAS DE CUSTOS ENTRE O MODELO CONVENCIONAL E O MODELO LOWCOST, LOW-FARE NO PERÍODO DE 2001 A 2010 ................................................................................................... 39 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 49 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 51 11 1. Introdução O setor de aviação civil brasileiro representa parte importante do modal de transportes nacional. Ao longo do tempo, seu desenvolvimento se deu através de diferentes políticas e diferentes cenários mercadológicos. Atualmente, após a implementação das últimas mudanças significativas no início da década de 2000, a concorrência interna tem se acirrado, conjuntamente com o aumento da demanda advindo da massificação do consumo permitido pelas políticas de inclusão de renda e da queda nos preços. Umas das consequências do acirramento da concorrência foi o surgimento de novas técnicas administrativas e novos modelos de negócio, alterando a conduta das empresas nesse mercado. As alterações verificadas representam avanços benéficos para as empresas e também para os consumidores. As companhias aéreas têm buscado opções e técnicas que reduzam seus custos e, com isso, reduzam os preços das passagens aéreas. Tais mudanças na conduta empresarial modificaram também a estrutura desse mercado, alterando a estrutura concorrencial, com introdução de novos serviços e novas técnicas para se explorar economias de escala e escopo, que beneficiam as empresas bemsucedidas e castigam empresas que não evoluem seus padrões administrativos e acabam por sair do mercado. Além disso, criam-se barreiras que podem impedir a entrada de novas empresas que não estejam preparadas para atuar em um mercado mais dinâmico, que exige investimento em pesquisas e inovação, uma vez que as empresas já atuantes e líderes em desenvolvimento já obtém algum domínio das melhores técnicas a serem utilizadas nesse mercado. Este trabalho busca identificar as principais influências no desempenho das empresas aéreas e seus reflexos, baseado na hipótese de que os fatores externos às empresas dificultam sua administração e que, por isso, a conduta interna de cada firma tem influência direta em seu desempenho. Para isso, será apresentado como as contribuições teóricas de Edith Penrose, Alfred Chandler e da corrente evolucionária - que abordam a importância da análise das condutas empresariais - devem ser incorporadas às análises que utilizam o modelo EstruturaConduta-Desempenho (ECD) para entender a evolução das empresas de aviação civil. O capítulo 2 apresenta o referencial teórico do modelo ECD e as teorias de Penrose, Chandler e evolucionária. No capítulo 3 encontra-se a caracterização das estruturas específicas do setor aéreo brasileiro. 12 O capítulo 4 é constituído pelo histórico e evolução do setor de aviação civil doméstico no Brasil, desde o seu início em 1927 até as décadas de 2000. O capítulo 5 apresenta a análise do mercado entre os anos 2001 e 2010, bem como a análise das estruturas de custos e estrutura concorrencial do setor aéreo. No capítulo 6, encontram-se as considerações finais sobre o assunto abordado. 13 2. Referencial teórico 2.1 Modelo Estrutura-Conduta-Desempenho A economia industrial se desenvolveu em torno da necessidade de compreensão do ordenamento dos mercados e suas características específicas, podendo assim se chegar a decisões sobre regulação e ajustes às empresas para o melhor funcionamento de determinado mercado. Uma forma de análise de mercado é proposta pelo modelo Estrutura-CondutaDesempenho (ECD), criado por Edward Mason nos anos 1930 e aprimorado posteriormente por outros economistas, entre eles Joe Bain, que deu especial atenção às barreiras estruturais à entrada de novas firmas. Mason já deixara claros os pontos principais de análise do modelo, propondo relação direta entre as estruturas de mercado para o entendimento das condutas das empresas e a avaliação do desempenho. Mas é Joe Bain (1968) que se destaca com trabalhos mais detalhados e ricos dentro desta linha, sendo o responsável pela formalização teórica do modelo (LOPES, 2012). A figura 1 apresenta um esquema do modelo moderno de ECD. O objetivo é classificar as estruturas de mercado, tentando associá-las a diferentes tipos de condutas empresariais e, em seguida, ao desempenho econômico observado nas indústrias envolvidas, definindo assim um esquema para análise de mercados (LOPES, 2012). A caracterização da estrutura de mercado se dá através de algumas variáveis, que são o número de ofertantes e demandantes envolvidos, o grau de diferenciação entre os produtos considerados, as barreiras à entrada de novas empresas, as estruturas de custos específicas, os padrões de integração vertical na produção e a diversificação das linhas de produtos (CARLTON; PERLOFF, 1994). As características que determinam a estrutura de mercado são relativas e tendem a ser relativamente estáveis no curto prazo, enquanto no longo prazo podem ocorrer mudanças devido à dinâmica das relações industriais (BAIN apud LOPES, 2012). Após a determinação das condições básicas da estrutura do mercado em análise, passase para as condutas, que estão relacionadas às ações das firmas para operar no mercado e, portanto, dizem respeito às estratégias competitivas das empresas, que fazem suas escolhas referentes às variáveis de seu controle. Trata-se do processo de escolha entre diferentes alternativas de decisão quanto a variáveis que estão sob o controle da empresa (LOPES, 2012). 14 Figura 1 – Modelo Estrutura – Conduta – Desempenho Fonte: Elaborado pelo autor. Adaptado de CARLTON; PERLOFF, 1994. Por último analisa-se o desempenho, como resultado da estrutura e da conduta observadas. Porém isso não significa que aspectos verificados no desempenho não possam influenciar na estrutura e na conduta. Os critérios de desempenho podem ser múltiplos, certamente deve-se buscar eficiência produtiva e alocativa, mas também o progresso técnico e equidade na distribuição de renda devem ser considerados ao se avaliar o resultado de um mercado. 15 Nos primeiros modelos de ECD a suposição de que as firmas agiam de forma maximizadora - firmas tomadoras de preços - contribuía para que não fosse dada importância à conduta, resultando em análises que buscavam demonstrar a influência da estrutura de mercado no desempenho, passando pela conduta como algo irrelevante aos resultados, devido à preposição neoclássica de firmas maximizadoras. No entanto, ao longo dos anos, desenvolveram-se críticas ao modelo, propondo uma relação significativa entre a conduta e o desempenho, além da influência da estrutura (NELSON; WINTER, 1982: 2005). Assim, embora as análises empíricas do modelo sugerissem que a relação de causa e efeito se dá na forma básica do modelo, estrutura condicionando as condutas e essas condicionando o desempenho de uma indústria, as versões mais atuais do modelo sugerem que os efeitos não são unidirecionais. Na verdade, o desempenho industrial também pode ter impacto nas condutas e na reestruturação da indústria, de forma que pode até influenciar as condições básicas e as políticas públicas adotadas (KUPFER, 1992). 2.2 Relevância da conduta: Teorias de Penrose, Chandler e Evolucionária Dentre os principais autores que seguiram a linha de defesa da importância da conduta empresarial estão Edith Penrose, que buscou relacionar o crescimento da firma, estrutura e as funções gerenciais e Alfred Chandler, que explorou os conceitos de estratégia empresarial, estrutura, economias de escala, escopo e a importância do conhecimento gerencial para determinar as capacidades de cada firma individualmente (NELSON; WINTER, 1982: 2005). Baseado na proposição de Penrose (1959) a conduta representa uma forma peculiar de como a organização reage à estrutura de mercado dada, não podendo se ignorar as diferenças existentes entre as formas de gestão de uma empresa para outra. Chandler também define as diferenças internas entre firmas como fator relevante, com foco na estratégia empresarial, que é diferente entre as empresas. Diferentes firmas são boas em coisas diferentes e a capacidade de cada uma está inserida em sua estrutura organizacional, que se encontra melhor adaptada a certas estratégias do que a outras (NELSON; WINTER, 1982: 2005, pg. 64). Para entender como Edtih Penrose conclui pela relevância da conduta na análise, é necessário entender que sua visão de empresa se difere da visão neoclássica, dada como pouco realista, não passando de um pressuposto teórico que garantiria coerência à análise de equilíbrio de mercado (PELAEZ, 2007). Para Penrose (1959) a empresa é uma entidade integrada por recursos e pessoas, que é capaz de crescer e se desenvolver ao longo do tempo, 16 independentemente de seus fundadores e, além disso, uma organização capaz de planejar o seu futuro. Assim, as empresas não são tomadoras de preços, mas sim organizações capazes de crescer e se desenvolver renovadamente. Penrose (1959) questiona a teoria de rendimentos decrescentes que limitaria o tamanho da firma. Segundo ela, é apenas no curto prazo que alguns limites podem estar fixados, dependendo das condições de mercado, risco, incerteza e também da capacidade dos gestores da empresa. Enquanto que no médio e longo prazo a firma pode superar as condições que levariam a rendimentos decrescentes através da sua capacidade de alterar e adaptar sua estrutura administrativa às novas condições – o que se comprova através da verificação da existência de empresas mais que centenárias e que continuam a crescer. Tal capacidade se refere aos serviços produtivos que os recursos podem prestar, dado que os recursos são um conjunto de serviços potenciais, e sua realização depende da maneira que são utilizados. Penrose (1959) ainda enfatiza afirmando que são nessas diferenças que se encontram as características únicas de cada firma. Observar mais o interior da empresa do que o exterior, segundo Penrose (1959) sempre existem oportunidades de crescimento e a expansão depende da capacidade da firma em observar a oportunidade e conseguir se aproveitar da mesma, reforçando a ideia de competência do empresário schumpeteriano - uma linha que a própria autora afirma seguir. Os limites ao crescimento seriam dados pela capacidade da empresa de se reorganizar e também pela influência da concorrência, o que Penrose trata como um fator que pode influenciar a maneira como uma empresa decide crescer, se optará pelo crescimento interno ou por fusões e/ou aquisições. Buscando identificar fatores que pudessem influenciar no aumento da capacidade de crescimento da firma, Penrose (1959) atesta que ser capaz de inovar e reduzir seus custos são fatores de suma importância para uma firma aumentar suas vantagens competitivas e, assim, sua capacidade de crescimento. Com isso, ela se torna uma das pioneiras a dar atenção aos processos de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Segundo Penrose (1959) os investimentos em P&D possibilitam à firma superar seus limites de crescimento impostos pelo mercado. A relevância da observação dos processos de P&D é destacada também por Nelson e Winter (2005), pág. 400 que afirmam que “as firmas são vistas como entidades comportamentais. Elas procuram encontrar alternativas às técnicas que estão utilizando no momento”. Dessa forma reforçam a ideia de que a conduta não pode ser deixada de lado, como feito pela ortodoxia, pois resultaria em uma negligência quanto aos processos que influem nas dinâmicas dos mercados. 17 Os avanços em P&D acontecem por um movimento proativo ou reativo, através de uma empresa “first mover1” ou sendo uma empresa challenger ou imitadora. Ou seja, na primeira situação a empresa desenvolve seus próprios projetos e tira vantagem do fato de ser a primeira e única – ao menos por determinado tempo - a ser capaz de produzir dado produto, desenvolver determinado serviço ou de produzir de dada forma que reduz os custos unitários. Ou, na segunda situação, a empresa imita os avanços técnicos da concorrência. Em ambos os casos há dispêndios em P&D, porém no caso de uma first mover os dispêndios são maiores, pois trata-se de uma pesquisa completa e inovadora, que pode, por muitas vezes, não dar certo na primeira tentativa e depender de um esforço contínuo para encontrar uma solução. Uma empresa que imita não gasta dinheiro para inovar, mas apenas para copiar a inovação. A questão reside na compensação financeira que uma inovação será capaz de trazer para a empresa que investiu mais em P&D e conquistou os avanços inovativos para si. Durante o período em que ela for a única capaz de produzir o novo produto, oferecer o novo serviço ou operar a nova técnica redutora de custos, ela poderá obter vantagem competitiva e, assim, obter maiores ganhos em relação às concorrentes (NELSON; WINTER, 1982: 2005). Dessa forma, observa-se o papel que a concorrência tem de modo a incentivar as firmas a buscarem inovações em seus processos produtivos, no entanto, se a concorrência for demasiada para o mercado, as maiores empresas buscarão seu crescimento através de fusões ou aquisições, pois dessa forma, poderão crescer rapidamente, absorvendo conhecimento da empresa adquirida e ainda reduzir a concorrência em seu mercado. A expansão externa é muitas vezes mais vantajosa do que a interna, sendo menos onerosa e mais rápida. Essa expansão permite maiores ganhos em escala, obtenção facilitada de financiamento e também a expertise2 na administração de recursos, capacidade imprescindível para sustentar a ideia de que não há um tamanho ótimo e que o crescimento é sempre possível. Maiores empresas tendem a possuir também centro de P&D mais desenvolvidos (PENROSE, 1959). Além disso, a presença já consolidada em um mercado é também um diferencial para as grandes empresas já estabelecidas, pois as mesmas além de possuírem o conhecimento e a experiência, possuem também a confiança dos consumidores, economias administrativas, melhores condições de financiamentos etc, que são fatores que funcionam como barreiras a entrada de novas empresas de pequeno porte em dado mercado. Porém, se houver demasiado poder de mercado pelas principais players3, este mercado pode ser prejudicado pela falta de 1 Empresas que tomam a iniciativa das ações. Conhecimento que se adquire pelo estudo, experiência e prática. 3 Empresas atuantes em dado mercado. 2 18 concorrência e, assim, também ter reduzidos investimentos em P&D, por exemplo, por isso é importante que haja um equilíbrio na estrutura concorrencial para que essa seja benéfica e possa influenciar positivamente os avanços, que deverão ser alcançados quando vistas as oportunidades pelos gestores das firmas. As oportunidades podem se dar tanto no mercado, quanto no interior da firma – foco de análise – e um exemplo disso é a capacidade ociosa de uma empresa, que se trata tanto de um desafio a inovar quanto de um diferencial, que se bem aproveitado gerará vantagem competitiva (PENROSE, 1959). Juntamente a isso, existem outros fatores que contribuem para avanços, crescimentos e economias de tamanho e escala. Penrose (1959, p. 5) afirma que “…the resources with which a particular firm is accustomed to working will shape the productive services its management is capable of rendering”. Isso resulta no que diz Chandler (1962, p. 383) “trained personnel with manufacturing, marketing, engineering, scientific, and managerial skills often became even more valuable than warehouses, plants, offices...” Portanto, entendendo que diferentes firmas percebem um mesmo ambiente de mercado de formas diferentes, algumas crescendo e outras não, entende-se que a diferença esteja na gestão e utilização dos recursos. Entender por que certas firmas crescem com uma dada base de recursos depende da observação das oportunidades de uso dos recursos. Nesse sentido destaca-se a importância do conhecimento dos managers4 das firmas, destacando o esforço criativo, senso de oportunidade e reconhecimento instintivo do que pode funcionar e fazer diferença. Nesse campo as ideias de Edith Penrose são complementares às de Alfred Chandler, que também realizou pesquisas empíricas em grandes empresas para suportar seus estudos referentes a estratégias, estruturas e economias de escala e escopo, principalmente. Assim, como para Penrose (1959) o crescimento da empresa é dinâmico e se relaciona com o conhecimento e aprendizagem organizacional, para Chandler as características que moldam o crescimento das firmas também são peculiares. Chandler (1962) observou que o comum era haver rotinas e normas que se seguiam e que a criação de novas formas e métodos administrativos eram exceções que mereciam atenção. Em seu trabalho, Chandler (1962) notou que as grandes empresas observadas estavam fazendo um processo inovativo, na criação de suas novas estruturas descentralizadas, em resposta às novas condições e necessidades, o que segundo ele reforça a ideia de sucesso entre líderes empresariais com visão estratégica criativa, e não adaptativa. Isso reforça a tese de que gerentes profissionais e experientes são de grande valor para as empresas e podem ser fator 4 Profissionais responsáveis pela gestão da empresa. 19 diferencial entre sucesso e estagnação ou simples adaptações e imitações, que não culminam em bons resultados como uma estratégia criativa inovadora. Em seu livro Strategy and Structure5 Chandler define estratégia e estrutura para melhor orientar o entendimento. “Strategy can be defined as the determination of the basic long-term goals and objectives of an enterprise, and the adoption of courses of action and the allocation of resources necessary for carrying out these goals […] Structure can be defined as the design of organization through which the enterprise is administered.” And also “strategy follows structure” (CHANDLER, 1962, p. 13-14). Ou seja, para Chandler (1962), a estratégia se define como a determinação dos objetivos básicos e das metas de longo-prazo de uma firma, bem como da adoção de meios pelos quais a empresa deverá alocar seus recursos para atingir seus objetivos. Enquanto a estrutura se define pela forma pela qual a empresa é administrada, e ainda reforça que a estratégia segue a estrutura, ou seja, a estratégia deve estar alinhada à estrutura, embora isso não signifique que a estrutura seja imutável, esta mudança apenas requer maiores dispêndios para se realizar, enquanto que a estratégia depende muito mais da capacidade administrativa dos gestores. Há ainda a possibilidade de que a estrutura seja modificada para se adaptar à estratégia desejada pela administração, uma vez que a essência da estratégia é obter vantagem comparativa. Assim, a estratégia envolve um conjunto de decisões racionalizadas e alocação de recursos eficiente, que possam alcançar um objetivo determinado. É a estratégia, definida pelos gestores, que determina como uma firma se instala em dado mercado para vencer seus concorrentes, tendo em vista as necessidades e desejos dos clientes e as possíveis ações das empresas concorrentes (TEECE, 2010). No entanto, a estratégia pode ser alterada em dado momento e, assim, a estrutura também pode precisar passar por alterações ou expansões. E Chandler definiu essa situação da seguinte forma: “changes in strategy which called for changes in structure appear to have been in response to the opportunities and needs created by changing population and changing national income and by technological innovation... The prospect of a new market or the threatened loss of a current one...” (CHANDLER, 1962, p. 15). Isso quer dizer que para que haja mudança na estrutura devido a uma estratégia, essa deve surgir de uma boa oportunidade identificada pelos gestores, seja por mudança na renda nacional, mudança na tecnologia, perspectiva de novo mercado etc. Isso reforça a importância 5 Publicado em 1962, pela MIT press, Cambridge, MA – EUA. 20 e relevância prática da atuação dos managers detentores de grande conhecimento e treinamento. Em Strategy and Structure, Chandler destaca que o sucesso das empresas do início do século XX se deve, principalmente, à capacidade gerencial de seus gestores (TEECE, 2010). Chandler (1962) define que é primordial o trabalho de bons administradores e gestores, pois no longo prazo, são eles que tomam tais decisões de investimento, alocação de recursos, entre outras. São decisões críticas que exigem amplo conhecimento dos responsáveis. Como exemplo da diferença que a competência dos gestores pode fazer, Chandler cita suas observações sobre o desempenho fraco das empresas britânicas quando comparadas às similares dos Estados Unidos (EUA). Ele observou que o fraco desempenho das empresas britânicas se dava em decorrência de sua característica administrativa, de caráter ainda familiar, com foco em lucros de curto prazo, enquanto que nos EUA, o profissionalismo e a visão de planejamento de longo prazo eram capazes de gerar desempenho significativamente superior ao desempenho das empresas britânicas (TEECE, 2010). Chandler exemplifica com o surgimento do império do tabaco na Grã-Bretanha em 1919 e a American Tobacco nos EUA. Enquanto o chamado império do tabaco britânico se organizava como uma federação, que produzia e distribuía seus produtos de forma independente, nos EUA a American Tobacco possuía uma hierarquia, com altos níveis de gerência, que desenvolveu procedimentos para produzir e distribuir grade volume de cigarros, o que contribui para a afirmação de sua tese de que o gerencialismo profissional é parte importante para o crescimento empresarial (TEECE, 1993). A exemplificação das indústrias do tabaco suscita a reafirmação das vantagens de tamanho e escala, principalmente, e também auxiliam na afirmação de Chandler de que para alcançar economias de escala e escopo e assim obter vantagem competitiva a empresa deveria executar o que Chandler (1990, p. 35) descreveu como sendo uma “three-pronged strategy investment in large-scale production to lower unit cost; investment in marketing, distribution, and purchasing networks; and recruitment and organization of professional managers”. Como se observa na obra, a American Tobacco foi quem mais se aproximou de seguir esse tripé, afinal, ela se constituiu em uma grande organização para produzir, distribuir e comprar em rede, facilitando e reduzindo custos de organização logística e de aquisição de matéria-prima, além de possuir uma gestão profissional, que gerou resultados melhores do que os obtidos pelo império do tabaco britânico, que não realizou tais investimentos, necessários para se explorar economias de escala e escopo (CHANDLER, 1990). 21 Não por acaso, Chandler (1990) considera que o principal avanço empresarial não foi a invenção de um novo produto ou mesmo de uma melhoria em algum já existente, mas sim os avanços administrativos que permitiram explorar as economias de escala e escopo, com empresas maiores, onde o escritório central planeja, coordena e avalia os processos das diversas divisões da empresa e distribui entre estas o pessoal, equipamento e outros recursos. Descentralizando também a responsabilidade pelos resultados de cada divisão operacional, o que permitiu melhor controle e maior sucesso no mercado. Como se vê, a análise de Chandler é rica em detalhes internos das empresas e como ele define em sua tese dominante, a condição da empresa e seus gestores é crucial. Assim como em Penrose, não apenas reagem às condições do mercado, mas sim colaboram para o desenvolvimento tecnológico e para os resultados do mesmo (BELLINGIERI, 2012). No contexto da relevância da conduta, as ideias de Schumpeter também devem ser destacadas na influência que possui sobre a corrente teórica evolucionária, que se caracteriza por negar o pressuposto neoclássico de equilíbrio dos mercados através da argumentação de que as inovações é que regem o desenvolvimento econômico, ou como o próprio Schumpeter (1942) definiu, a mudança econômica é intrínseca ao capitalismo e este nunca pode estar estacionário. Essa é uma visão essencialmente biológica, que parte do conceito de evolução de Darwin e utiliza princípios destacados por Herbert Simon (anos 1950) e Ronald Coase (década de 1930) na formulação de seus pressupostos (CERQUEIRA, 2000). Destacam-se alguns pontos como principais aspectos de influência na economia evolucionária, sendo estes: a existência de informação e racionalidade limitadas; a ideia de que as firmas são não-maximizadoras, mas que na verdade definem sua conduta com foco em seus objetivos e metas; existência de conflito interno; e a preocupação com o ambiente em que a organização está inserida (CERQUEIRA, 2000). Além disso, defende-se a ideia de que a evolução das empresas se dá de forma semelhante à evolução de organismos vivos – influência de Darwin e da biologia. Entende-se que o processo de desenvolvimento institucional é evolucionário e dinâmico, por meio de um processo de tentativas e experiências incrementais, onde as condições para o desenvolvimento surgem das condições existentes no momento anterior, tendo a incerteza como fator presente na maior parte do tempo (NELSON; WINTER, 1982; 2005). O fato de cada empresa se desenvolver e crescer de dentro para fora, de acordo com suas capacidades e seus esforços, encontra outra similaridade com outros conceitos da biologia, como o da seleção natural e da capacidade de adaptação ao meio em que se encontra, além da influencia daquilo que Schumpeter (1942) chamou de destruição criativa, 22 em referência às constantes inovações dos empresários, que se sobrepunham às anteriores e geravam crescimento. Isso implica dizer que “as firmas que conseguem oferecer produtos mais desejáveis pelo consumidor (seja pela sua natureza ou preço) são mais bem sucedidas e [...] crescem a taxas mais rápidas que suas concorrentes” (CERQUEIRA, 2000, pág. 22). Significa também que cada firma se adaptará ao mercado segundo suas características de rotinas e práticas produtivas, não sendo a rotina um comportamento fixo e imutável, mas sim um comportamento alinhado com a experiência de cada organização com intuito de coordenar as atividades internas e sendo passível de inovações a partir da gestão interna de recursos, tanto materiais quanto humanos (DANTAS; KERTSNETZKY; PROCHNIK in: HASENCLEVER; KUPFER, 2002). Assim, após os novos estudos que enfatizavam a importância da observação da conduta, o caráter do modelo deixou de ser considerado estático, mostrando que as empresas não são simples agentes do mercado e que os mercados também são agentes da empresa (TEECE, 2010). Há exemplos que corroboram a ideia de que causa e efeito não são unidirecionais. Inovações tecnológicas, por exemplo, podem modificar a estrutura de custos da indústria, bem como novas políticas de preços podem atrair novas empresas ou excluir algumas existentes, modificando assim a estrutura de mercado (NELSON; WINTER, 2005). 3. Características estruturais do setor de aviação civil Pelo lado da oferta se concentram as principais características que possibilitam uma boa compreensão do funcionamento do setor de aviação civil. Primeiramente, há barreiras à entrada em escala, sendo o acesso à tecnologia e matérias-primas é bastante custoso, demandando altos investimentos. Assim como o mercado se caracteriza por um pequeno número de companhias aéreas, também existe um número limitado de empresas construtoras de aeronaves. As principais empresas de aeronáutica no mundo são Boeing6, Airbus7, Embraer8, Bombardier9 e ATR10 (Avions de Transport Régional). As duas primeiras são as 6 Empresa dos EUA, fundada em 1916. Seus aviões espalhados pelo mundo representam 75% da frota mundial (BOEING, 2014). 7 Consórcio europeu fundado em 1970. É hoje a maior concorrente da Boeing, no mercado de aviões comerciais de médio e grande porte (Airbus, 2014). 8 Empresa Brasileira de Aeronáutica foi fundada em 1969. Hoje é líder do segmento de jatos executivos e concorre fortemente no segmento de aviões comerciais regionais de pequeno e médio portes (EMBRAER, 2014). 9 Empresa canadense fundada em 1942. Sua principal concorrente é a Embraer no segmento de jatos executivos e comerciais de pequeno e médio porte (BOMBARDIER, 2014). 23 maiores fabricantes de aviões do mundo e concentram forças no segmento de aeronaves a jato de grande porte, as duas seguintes, concorrem principalmente com jatos de médio porte, enquanto a última fabrica turboélices regionais de médio porte. Os motores aeronáuticos são produzidos por outras empresas, como General Eletric (GE), Rolls Royce e Pratt & Whitney e, comumente, as companhias aéreas podem escolher os motores de sua preferência e aplica-los às suas encomendas de aeronaves. Além disso, as companhias aéreas têm liberdade para escolher as configurações de interior de sua preferência, ou seja, modelos de poltronas, quantidade e assentos e espaçamento entre eles, entre outros acessórios. Ou seja, há liberdade de acesso à oferta de insumos no setor aéreo, de acordo com as especificações técnicas da preferência de cada companhia aérea (SNEA, 2011). O mercado brasileiro também possui livre escolha para o fornecimento de combustíveis nos aeroportos – nos aeroportos em que há concorrência. As grandes empresas firmam contratos para a compra de combustíveis, obtendo um preço mais vantajoso, devido ao grande volume utilizado diariamente (ANAC, 2013). Outro fator característico do setor é a baixa variabilidade na oferta, afinal esta é fixa por voo, ou seja, em uma mesma rota usando aeronaves semelhantes, independente da diferença na demanda de um horário para outro, a oferta será a mesma. Isso também serve de base para a característica perecível do serviço aéreo. Uma vez que um assento em um voo é oferecido e não consumido, este não pode ser estocado e se perde quando o avião levanta voo. Nesse caso, o custo médio por assento aumenta, uma vez que o custo total é dividido pelo número de assentos ocupados, e aumenta o custo operacional por assento, impactando a gestão de custos das empresas (SILVA, 2008). Esse é um dos fatores que influenciam na precificação variável pelas empresas, conforme a data de compra da passagem aérea. Isso implica que, mesmo quando estas estão posicionadas em monopólio, os ganhos de densidade11, advindos da ocupação da aeronave, sejam superiores aos ganhos de escala 12 das empresas, que se verificam pelo maior volume de operações diárias, tanto em rede, quanto em um mesmo aeroporto, diluindo o custo com pessoal, por exemplo. Dessa forma, pode-se dizer que o mercado aéreo não poderia representar um monopólio natural13, o que ocorre devido aos 10 11 Empresa franco-italiana especializada em aeronaves turboélices regionais de médio porte (ATR, 2014). Uma nova aeronave pode ser comparada a uma nova unidade produtiva. Assim, o melhor aproveitamento da oferta de assentos da aeronave, ou maior taxa de ocupação, é preferível a um aumento no número de passageiros que seja insuficiente para cobrir os custos de uma nova aeronave em operação. 12 Os ganhos de escala somente são verificados após os ganhos de densidade serem atendidos, e dizem respeito ao maior volume de operações da empresa. 13 O monopólio natural é representado pela existência de grandes custos fixos e pequenos custos marginais (VARIAN, 2003). 24 elevados custos operacionais fixos de uma aeronave adicional, que devem ser diluídos entre os passageiros de um voo. Assim, uma nova aeronave em operação pode ser comparada a uma nova unidade produtiva, que possui custos praticamente idênticos aos custos da primeira unidade, uma característica peculiar dos setores de transportes (SILVA, 2008). Há também a existência de economia de escopo, uma vez que as companhias aproveitam os voos regulares de passageiros para transportar pequenas cargas e encomendas. Ou até mesmo utilizando uma aeronave de sua frota para transporte específico de carga, através da conversão da configuração do equipamento de passageiros para carga (OLIVEIRA, 2007). Já pelo lado da demanda o setor aéreo, entendido como parte do modal de transportes do país, pode encontrar distintos serviços substitutos, a depender da região e rota analisada, sendo o principal deles o transporte terrestre rodoviário. Mas de uma forma geral, a concorrência intersetorial no Brasil é dificultada devido às suas dimensões continentais, constituindo a maior parte das linhas aéreas de longa distância. Assim há certa disputa apenas em viagens consideradas mais curtas, onde quando os preços se aproximam, o setor aéreo costuma ser o preferido. O preço das passagens tem impacto importante na taxa de ocupação dos voos, uma vez que “o mercado [...] é reconhecido por ter uma demanda elástica quanto à renda. Isso significa que uma mudança proporcional na renda provoca uma mudança mais que proporcional na demanda” (SILVA, 2008, pág. 15). Ou seja, um aumento de 1% na renda aumentará em mais que 1% a demanda do setor, ou uma redução na renda provocará uma redução ainda maior na demanda. Além disso, outro fator de importante influência na taxa de ocupação dos voos é a sazonalidade. O setor aéreo possui períodos de alta e baixa temporada, sendo feriados como natal, carnaval e férias escolares – principalmente no verão – os principais marcos da alta temporada. Segundo dados da ANAC (2013), os passageiros possuem diferentes expectativas, podendo estar associadas a diversos fatores, tais como: a) O dia da semana e o horário do voo; b) Antecedência de aquisição do bilhete de passagem; c) O risco de remarcação ou de cancelamento da viagem; d) Os benefícios de programas de fidelização/pontuação; e) A refeição a bordo; f) As escalas e conexões do voo; g) O entretenimento a bordo; h) O nível de pontualidade e de regularidade do voo; i) A possibilidade de aquisição do bilhete de passagem pela internet; j) A disponibilidade de check-in pela internet; k) A alta ou a baixa temporada; l) O espaçamento entre as poltronas; m) A possibilidade de seleção de assento. 25 Para defesa de interesses e negociações coletivas, as companhias aéreas brasileiras possuem o Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias (SNEA) e a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (ABEAR). O SNEA foi fundado em 1933, mas só recebeu essa nomenclatura em 1941 e, com base em seu website oficial, tem as prerrogativas de relacionamento e negociação direta com os sindicatos dos aeroviários e aeronautas, visando defender os interesses das empresas e celebrar contratos coletivos de trabalho; arrecadação de contribuição de seus associados; eleger representante da categoria; possui também legitimidade para defender os associados judicial ou extrajudicialmente seja de forma coletiva ou individualmente. Além disso, possui os deveres de colaborar com os Poderes Públicos no desenvolvimento da solidariedade social e dos meios de transporte aéreo; manter assistência jurídica aos associados; e promover conciliações em dissídios trabalhistas. A ABEAR, criada em 2012, possui um caráter mais voltado para o diálogo com o público. É uma unidade de comunicação, promoção e relacionamento do setor aéreo. Por meio de comitês formados pelas empresas associadas são construídos os programas de trabalho, destacando-se os comitês de relações institucionais, operacionais e de comunicação. Mas além de contribuir para o fortalecimento do setor aéreo, a entidade também atua junto aos setores público e privado, entidades de classe e consumidores. 4. Histórico do Setor de aviação civil no Brasil O setor de aviação civil doméstica do Brasil passou por diferentes fases de regulação que influenciaram diretamente na sua estrutura de mercado, bem como na estrutura de custos das empresas, com entradas e saídas de companhias, por falências ou incorporações. Abaixo apresenta-se uma descrição sucinta das fases destacadas na literatura sobre o tema. 4.1 As primeiras décadas da aviação civil brasileira (1927-1960): período de livre concorrência As primeiras linhas aéreas de transporte regular foram concedidas pelo governo em 1927 para as empresas Condor Syndikat14, Aeropostale15 e Varig16, esta última a primeira empresa brasileira de aviação civil. Na década de 1930, a Panair do Brasil, subsidiária da 14 Subsidiária da alemã Lufthansa, nacionalizada ainda no final de 1927 (FAJER, 2009). Empresa francesa, que, posteriormente se uniu a outras companhias para formar a Air France. 16 Fundada como “Viação Aérea Rio-Grandense” pelo alemão Otto Meyer, junto com descendentes alemães, foi presidida por Otto até 1941, quando passou a ser presidida por Ruben Berta e após a 2ª Guerra Mundial passou a ser controlada pela Fundação Ruben Berta. 15 26 norte-americana Panam Airways17, começou a operar rotas domésticas no Brasil e em 1932 é fundada a Vasp, iniciando suas operações no final do ano seguinte e sendo estatizada pelo governo de São Paulo em 1934 devido a problemas financeiros. (BIELSCHOWSKY; CUSTÓDIO, 2011). No início da década seguinte, com a 2ª Guerra Mundial, a Condor Syndikat, que já havia sido estatizada e alterado seu nome para Sindicato Condor, passa a se chamar então Cruzeiro do Sul, eliminando qualquer ligação com a Alemanha de Hitler. Em 1931, foi criado o Departamento de Aeronáutica Civil (DAC), órgão subordinado ao Ministério da Viação e Obras, que tinha as funções de analisar, planejar, orientar e incentivar a aviação civil. Em 1941, após a criação do Ministério da Aeronáutica, o DAC passou a ser subordinado a este e, em 1969 o passa a se chamar Departamento de Aviação Civil (SILVA, 2008). Na década de 1940, devido ao excedente da guerra, os custos de aquisição de aeronaves norte-americanas eram baixos, o que possibilitou o surgimento de diversas empresas no setor. Entre os anos de 1945 e 1954, foram concedidas 62 autorizações de exploração de serviço aéreo. Com o aumento do número de empresas, o número de cidades atendidas saltou de 148 no ano de 1948, para 346 localidades em 1954. Porém, entre 1950 e 1960 o número de empresas aéreas em operação no Brasil caiu de 22 no início da década para 10 em 1960 (RODRIGUES, 2004). Isso ocorreu devido ao excesso de oferta pelas companhias, em um cenário com ausência de regulação onde a livre concorrência se dava tanto por preços quanto por serviços, porém, com maior ênfase nos preços, o que levou a um aumento da pressão por menores custos e culminou em falências e incorporações de diversas empresas. Além disso, a qualidade do serviço e a segurança de voo também foram afetadas, pois com a crise do setor as empresas buscavam reduzir ao máximo seus custos e, com isso, negligenciavam a segurança do serviço e a qualidade do mesmo (OLIVEIRA, 2007). Nesse período destacam-se as fundações da Real Transportes Aéreos e da Transbrasil18. 4.2 1960-1986: período de regulação forte A regulação teve início na década de 1960 buscando estabilizar a crise que vinha sendo vivenciada pelas empresas; estas apresentavam também dificuldades em gerir seus custos e obter lucros aliados a um bom serviço, devido à necessidade de renovação da frota e 17 18 Uma das maiores do mundo à época. Originalmente fundada sob o nome de Sadia Transportes Aéreos, passou a se chamar Transbrasil em 1972. 27 alterações na política econômica do país, que retirou das companhias aéreas o direito de uso do dólar preferencial19 para importações, entre outros (RODRIGUES, 2004). Isso levou o governo brasileiro a tomar uma série de medidas de controle sobre o mercado, para garantir a estabilidade financeira das empresas e maior equilíbrio entre oferta e demanda. Essa década marca o início da regulação do setor, definida em três encontros setoriais em 1961, 1963 e 1968 chamados de Conferências Nacionais de Aviação Comercial (CONAC) (OLIVEIRA, 2007). Os resultados das conferências levaram a uma política que estimulava a fusão e associação de empresas, com o objetivo de reduzir a um máximo de três empresas operando no transporte doméstico. Além disso, criou-se um sistema de subsídios para empresas que operavam rotas antieconômicas. Iniciou-se assim, o período de competição controlada (RODRIGUES, 2004). O governo passou a regular as rotas aéreas operadas, o tamanho das aeronaves, as tarifas aéreas e a entrada de novas empresas no mercado, que passou a contar com 4 grandes empresas nacionais, a saber: Varig, Vasp, Transbrasil e Cruzeiro do Sul, que em 1975 foi incorporada pela Varig, restando a partir de então 3 empresas nacionais no mercado. A efetivação e fortalecimento da regulação do mercado aéreo se deu em 1973 com a publicação do decreto 72.898, de 9 de outubro de 197320. O período de 1973 a 1986 ficou conhecido como Regulação com Política Industrial, e se tornou o mais representativo da fase regulatória. Sua ênfase estava na maior concentração do setor, com 4 empresas nacionais21 e 5 regionais. A separação de mercados se deu com a criação do Sistema de Transporte Aéreo Regional (SITAR), em 1975, que dividiu o país em cinco regiões a serem atendidas por empresas aéreas regionais 22, em regime de monopólio, que contariam com suplementação tarifária em rotas de baixa densidade23 (OLIVEIRA, 2007). Assim, empresas de âmbito nacional não podiam concorrer com empresas de âmbito regional em suas rotas, criando a divisão efetiva entre mercado de âmbito regional e mercado de âmbito nacional. 19 Política econômica brasileira que possibilitava importações a uma taxa de câmbio mais baixa do que taxa de câmbio de mercado, tornando as importações menos onerosas. 20 “A partir da publicação desde Decreto, fica concedido, pelo prazo de 15 (quinze) anos, às empresas de transporte aéreo Viação Aérea Riograndense S.A. (VARIG), Viação Aérea São Paulo S.A. (VASP), Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul S.A. e Transbrasil S.A. Linhas Aéreas, o direito de executar o serviço aéreo de transporte regular de passageiro, carga e mala postal, independente de pedido” (Decreto 72.898, de 9 de outubro de 1973, Disposições Transitórias, artigo n. 15). (OLIVEIRA, 2007, pág. 10). 21 Logo em seguida passou a 3 empresas nacionais com a incorporação da Cruzeiro pela Varig. 22 Como cidades menores tinham perdido atendimento de serviço durante a crise, o sistema buscava prover o atendimento dessas cidades, ligando-as a aeroportos centrais com as chamadas linhas alimentadoras, visando abastecer as linhas tronco (OLIVEIRA, 2007). 23 Ou ocupação da aeronave, que nesse caso equivale à demanda. 28 Esse período de forte regulação se caracterizou pelas medidas governamentais que sustentavam as empresas existentes, com o impedimento da entrada de novas empresas no mercado e o controle das tarifas aéreas, que tinha por objetivo garantir a rentabilidade das empresas e protegê-las da concorrência predatória que ocorreu até o início dos anos 1960. Dessa forma, as empresas utilizavam a diferenciação de serviço para ganhar mercado, o que levou ao surgimento de salas vip24 nos aeroportos, incrementos nos serviços de bordo e também a melhorias na qualidade do serviço básico de transporte, como o aumento da segurança aérea (RODRIGUES, 2004). Essa diferenciação do serviço oferecido era a principal forma de concorrência à época, uma vez que os preços sofriam controle governamental. Com o menor número de companhias e as medidas regulatórias, o mercado passou a ser mais concentrado, o que atendia aos objetivos do governo e era o contraponto à estrutura anterior, que levou a uma crise, onde os serviços eram providos por várias empresas, que em sua maioria operavam poucas aeronaves. A evolução das participações de mercado pode ser visualizada no gráfico 1. Observase que a Varig, que possuía pouco mais de 30% do mercado em 1972, aumentou sua participação para 50% em 1976, após a incorporação da Cruzeiro do Sul, porém não manteve o nível de participação nos anos seguintes, atingindo cerca de 43% em 1986. Verifica-se também que a participação da Vasp apresentou leve crescimento, passando de aproximadamente 31% em 1972 para 37% em 1983, com uma queda significativa nos últimos três anos do período, atingindo cerca de 30% em 1986. As quedas nas participações de Varig e Vasp podem ser justificadas pelo crescimento da Transbrasil, que elevou sua participação de 11% em 1972 para 27% em 1986. Vale destacar que a Transbrasil era a mais jovem e menos consolidada das 3 empresas, quando do início da regulação, tendo sido fundada no período de alta concorrência. Seu nome foi alterado de Sadia Transportes Aéreos para Transbrasil apenas em 1972. 24 Sigla inglesa para Very Important Person, que significa Pessoa muito importante, em tradução literal. Os serviços vip foram muito difundidos durante o período de forte regulalção (OLIVEIRA, 2007). 29 60,00% 50,00% 40,00% Varig 30,00% 20,00% Vasp 10,00% Transbrasil Cruzeiro do Sul 1986 1985 1984 1983 1982 1981 1980 1979 1978 1977 1976 1975 1974 1973 0,00% 1972 Participação de mercado RPK Gráfico 1 – Participações de mercado – RPK no período entre 1972 e 1986. Ano Fonte: Dados ANAC; Elaborado pelo autor. Verifica-se no gráfico 2, que desde 1972, quando a regulação já estava em vigor, havia alta concentração de mercado no setor aéreo doméstico, de acordo com a análise do índice Herfindahl-Hirschman (HH), provocada pela regulação e política vigente. Nesse período, há um grande aumento da concentração no ano de 1976, passando de 0,276, nos anos anteriores, para 0,395 neste ano, provocado pela incorporação da Cruzeiro do Sul pela Varig, o que deixou o mercado com 3 grandes empresas nacionais (Varig, Vasp e Transbrasil). Observa-se uma pequena queda da concentração nos anos seguintes, chegando a 0,347 em 1986, o que se deve ao crescimento na participação da Transbrasil. Gráfico 2 – Índice de concentração de mercado HH do setor aéreo nacional entre 1972 e 198625 0,50000 Índice HH 0,40000 0,30000 0,20000 0,10000 0,00000 Ano Fonte: Fonte: Dados ANAC; Elaborado pelo autor. 25 O sítio eletrônico da ANAC disponibiliza dados desde 1972. 30 4.3 1986-1992 Regulação com política de estabilização ativa A partir de 1986, a postura do governo em relação à regulação e políticas para o setor aéreo mudou. A instabilidade econômica nacional passou a ter maior influência sobre o mercado de aviação civil (OLIVEIRA, 2007). Isso porque o descontrole da inflação e as medidas de controle de câmbio, que visavam maior incentivo à exportação em detrimento à importação, afetaram diretamente a rentabilidade das companhias aéreas, pois grande parte de seus insumos eram importados, desde combustível até aeronaves e peças de reposição. Além disso, o controle das tarifas exercido pelo governo passou a ter característica contrária à do período anterior. O controle visava à redução artificial dos preços, tal como ocorria em outros mercados à época, o que não permitia o repasse dos aumentos dos custos ao valor das tarifas, prejudicando as empresas (SILVA, 2008). Nesse momento a concorrência ficou prejudicada pela falta de garantia de geração de lucros, até que em 1989 “[...] foi introduzido o sistema de bandas tarifárias, onde o preço de referência26 era dado pelo Departamento de Aviação Civil (DAC) e as firmas poderiam trabalhar em uma faixa de -25%, +10% desse preço” (SILVA, 2008, pág. 24). O sistema de bandas buscava, inicialmente, permitir que as empresas melhor ajustassem seus preços, mas não previa a concorrência através destes. Nesse período as empresas tiveram perdas referentes aos planos econômicos, que resultaram em ações judiciais de ressarcimento27. No entanto, mesmo com as pequenas alterações, em termos comparativos, o gráfico 3 mostra que o mercado se manteve semelhante à situação do período anterior, pois ainda perduravam restrições a entrada de novas empresas e a separação dos mercados nacional e regional, que só foram extintas no início do período seguinte, em 1992. Em 1990 a Vasp foi privatizada28 pelo governo do estado de São Paulo, visando permitir o crescimento da empresa e sua entrada no mercado internacional, que somente seria permitida pelo DAC após sua privatização. Ao longo do período, as empresas apresentaram flutuações em suas participações, com destaque para a queda na fatia de mercado da Transbrasil, que passou de 27% em 1986 para 19% em 1992, e para a queda da participação da Vasp, que passou de cerca de 30% em 1986 para 28% em 1992, com oscilação durante o período. Tais quedas foram acompanhadas pelo 26 O preço de referência era um valor controlado e sujeito a ajustes periódicos, estabelecido pelo governo, que correspondia ao preço fixo de anteriormente, mas que nesse cenário passou a ser a referência para variação tarifária (OLIVEIRA, 2007). 27 “A Transbrasil ganhou, em última instância na justiça (1998), um ressarcimento de R$ 725 milhões por conta das perdas referentes ao período dos planos econômicos do final da década de 1980 e início da de 1990. As demais companhias aéreas também têm ações semelhantes na justiça” (OLIVEIRA, 2007). 28 A VASP foi vendida para o grupo VOE/Canhedo, do empresário Wagner Canhedo. 31 aumento na participação da Varig, que entre oscilações, passou de 43% no início do período, para quase 49% no ano de 1992 (gráfico 3). Participação de mercado RPK* Gráfico 3 – Participações de mercado – RPK no período entre 1986 e 1992 60,00% 50,00% 40,00% 30,00% 20,00% 10,00% 0,00% Varig Vasp Transbrasil 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 Ano Fonte: Dados ANAC; Elaborado pelo autor. Nota: * RPK – É o valor obtido pela multiplicação da quantidade de passageiros, pagos, transportados pela distância do voo em quilômetros. Ocorreram também pequenas variações na concentração de mercado, que tinha um grau de 0,347 em 1986, atingiu um pico de 0,378 em 1989 e voltou a cair para 0,355 no fim do período (gráfico 4). Isso ocorreu devido às variações nas participações de mercado das empresas aéreas, que mesmo em regime restrito de concorrência, variavam suas condutas operacionais, principalmente após a implantação do sistema das bandas tarifárias, que embora tivessem limitada variação, já permitiam alguma diferenciação de preços, impactando o mercado e seu nível de concentração. Gráfico 4 - Índice de concentração de mercado HH do setor aéreo nacional entre 1986 e 1992 Índice HH 0,40000 0,30000 0,20000 0,10000 0,00000 1986 1987 1988 1989 Ano Fonte: Dados ANAC; Elaborado pelo autor. 1990 1991 1992 32 4.4 Ínicio do período de liberalização - 1992-1997 Liberalização com Política de Estabilização Inativa Em 1992, começou o processo de flexibilização do mercado de aviação civil. Entre as medidas do governo estão a liberação da entrada de novas empresas no mercado, permissão da concorrência entre empresas de âmbito nacional e de âmbito regional em mesmas rotas e maior liberdade tarifária. A partir de então, novas companhias aéreas iniciaram suas operações, enquanto outras expandiram seus mercados, como a Tam que desde sua fundação no final da década de 1970 operava apenas rotas regionais como integrante do SITAR e, a partir de 1992 passou a concorrer no mercado de âmbito nacional. Nesse período houve um aumento na variação das bandas tarifárias, que passaram a ser de -50% a +32% em relação ao preço de referência (OLIVEIRA, 2007). Com isso, as empresas passaram a concorrer via preços de maneira efetiva, o que, aliado à diferenciação de produto, representou melhor atendimento aos diferentes perfis da demanda (GUIMARÃES; SALGADO, 2003). Aliado a isso está a implantação do Real em 1994, que trouxe maior estabilidade econômica ao país como um todo e, consequentemente, permitiu maior estabilidade dos custos29 das empresas e aumento da competição no mercado. A intervenção regulatória fazia-se desnecessária, ao menos de forma direta. “Daí vem o caráter inativo da política de intervenção implementada nesse período, especialmente depois da implementação do Plano Real” (SILVA, 2008, pág. 26). 4.5 1998-2001 Liberalização com Restrição de Política de Estabilização A segunda rodada de liberalização ocorreu em 1998, quando o governo removeu as bandas tarifárias, permitindo o primeiro grande aumento da concorrência, com “guerras de preços” e “corridas por frequências30”, como não se via desde a década de 1960 (OLIVEIRA, 2007). O crescimento do setor foi estimulado também pela ausência de necessidade de aprovação de novas linhas aéreas pelo DAC, que antes exigia comprovação de viabilidade econômica, deixando o processo significativamente mais rápido. Em 1998 o setor contava com 4 grandes empresas de âmbito de nacional e 14 regionais, frente a 3 empresas nacionais e 5 regionais até 1991, quando ainda vigorava a divisão de mercado por força regulatória. No entanto, a instabilidade cambial a partir de 1999, assim como a imediata desvalorização do real frente ao dólar, impactou os custos das companhias aéreas, de forma a reduzir o aumento na concorrência, iniciado em 1998. Nesse cenário, o governo manteve os 29 30 Isso ocorreu, principalmente, devido a estabilização dos preços pelo plano Real (SILVA, 2008). Ou disputa por horários e rotas aéreas. 33 preços livres, mas passou a sujeitar os reajustes à análise e autorização anual. Isso representou uma limitação às firmas, por isso o período ficou conhecido como “Liberalização com Restrição de Política de Estabilização” (OLIVEIRA, 2007). O gráfico 5 apresenta a influência das mudanças na regulação do setor na evolução das participações de mercado das principais empresas nacionais para o período de 1992 a 2001. Nesse período, empresas tradicionais, como Vasp e Transbrasil, enfrentaram graves problemas financeiros, que podem ser explicados parcialmente pela necessidade de mudança da conduta interna dessas empresas, que passaram muitos anos operando em um mercado altamente regulado e protegido, com concorrência limitada. Tais dificuldades impactaram diretamente em suas operações, com perda de mercado, principalmente, para a Tam, que passou a crescer e expandir operações através da renovação de sua frota e do aumento da participação em aeroportos centrais, passando de uma participação de pouco mais de 2% em 1992, primeiro ano da liberação da concorrência entre empresas nacionais e regionais, para mais de 30% em 2001. Por outro lado, Vasp, Varig e Transbrasil apresentaram quedas em suas participações. A primeira, privatizada em 1990, apresentou bom desempenho nos dois primeiros anos de operação privada, com uma nova política de expansão, que não se sustentou e resultou em problemas financeiros e operacionais, que a levaram a uma queda na participação de mercado, passando de 28% no início do período para pouco mais de 14% em 2001. Já a Varig passou por uma alta no começo da liberalização, passando de quase 49% em 1992 para mais de 53% no ano seguinte. Enquanto a Transbrasil apresentou aumento de demanda de 1992 para 1993 e 1994, passando de 19% para 24%, quando começou a apresentar quedas constantes até encerrar suas operações no ano de 2001, quando foi responsável por menos de 8% do mercado aéreo doméstico. Além disso, com o processo de liberalização do setor, outras empresas ingressaram no mercado e também adquiriram participação, que somadas passaram de aproximadamente 4% no início do período para quase 7% em 2001 (gráfico 5), ano em que foi fundada a Gol Linhas Aéreas, registrando em seu primeiro ano de operações quase 5% de participação. 34 Participação de mercado RPK* Gráfico 5 – Participações de mercado – RPK no período entre 1992 e 2001 60,00% 50,00% 40,00% Varig 30,00% Vasp 20,00% Transbrasil 10,00% Tam Outras 0,00% 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 Ano Fonte: Dados ANAC; Elaborado pelo autor. Nota: * RPK – É o valor obtido pela multiplicação da quantidade de passageiros, pagos, transportados pela distância do voo em quilômetros. As mudanças na participação de mercado das empresas refletiram também na concentração do mercado, como pode ser observado no gráfico 6. Com as quedas nas participações de empresas tradicionais (Transbrasil, Varig e Vasp) e o crescimento da Tam, além da entrada de outras empresas, a concentração de mercado passou a cair, como reflexo da maior divisão de mercado. O índice HH caiu de 0,374 em 1993 para 0,288 em 1998, um grau menor que 0,3 o que não era visto desde 1975, quando o mercado ainda era dividido entre quatro empresas nacionais. Em 2000, o índice HH voltou a subir para 0,318, devido à queda na participação da Transbrasil e aumento das parcelas de mercado de Tam e Varig, as duas empresas com maior participação naquele ano. Em 2001 a nova queda da Transbrasil e o início das perdas de mercado da Varig, aliados ao surgimento da Gol e o crescimento da Tam, influenciaram a concentração a cair para 0,29 (gráfico 6). Gráfico 6 – Índice de concentração de mercado HH de 1992 a 2001. Índice HH 0,40000 0,30000 0,20000 0,10000 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 Ano Fonte: Dados ANAC; Elaborado pelo autor. 35 4.6 2001-2002 Quase desregulamentação A chamada terceira rodada de liberalização ocorrida em 2001 removeu a maioria dos mecanismos de regulação que ainda existiam. As novas regras para o setor flexibilizavam a entrada de novas empresas, pedidos de novas linhas, frequências e aviões, além de representar a total liberalização dos preços (OLIVEIRA, 2007). A desregulamentação tarifária possibilitou o surgimento de um novo tipo de gestão empresarial no setor, um modelo que consiste na redução de custos e tarifas, comumente conhecido por modelo low-cost, low-fare31 ou baixo-custo, baixa-tarifa, que foi trazido para o mercado brasileiro pela Gol, no início de 2001, o que contribuiu para o aumento da competitividade no setor (SILVA, 2008). 4.7 2003-2012 Período de Re-regulação Em 2003, vendo a necessidade de ajustes no mercado aéreo, o governo retoma a regulação do setor, não como fora na primeira fase de regulação, mas o suficiente para impedir o crescimento desordenado do mercado de aviação civil, “[...] objetivando controlar o que foi chamado de “excesso de capacidade” e o acirramento da “competição ruinosa” no mercado.” (OLIVEIRA, 2007, pág. 17). Em 2005 foi criada a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), que substituiu o extinto DAC e passou a ser o órgão regulador do setor aéreo. As mudanças verificadas na regulação do setor afetaram de maneiras diferentes as companhias aéreas, sendo que “algumas empresas mais antigas [...] não se adaptaram ao mercado desregulado e encerraram suas operações” (MCKINSEY & COMPANY, 2010, pág. 205). Em 2001 a Tam foi responsável por pouco mais de 30% do mercado, enquanto a Gol, em seu primeiro ano de operações, obteve participação de quase 5%. No ano de 2008, quando as duas juntas foram responsáveis por praticamente 93% do mercado, elas apresentaram fatias de quase 50% para a Tam e pouco mais de 43% para a Gol. Em dezembro do mesmo ano a Azul, outra empresa low-cost, low-fare iniciou suas operações, impactando o mercado de forma a promover maior distribuição da demanda, antes muito concentrada em Gol e Tam, que apresentaram quedas em suas participações de mercado até 2012, quando foram responsáveis por cerca de 41% e 34%, respectivamente. Enquanto a Azul apresentou rápido crescimento, passando de quase 4% em 2009 para mais de 15% em 2012 (gráfico 7). Nesse período destaca-se a Gol que desde sua fundação “[...] obteve uma trajetória de crescimento das 31 O conceito foi lançado pela Southwest Airlines, e alia baixos custos a baixas tarifas, buscando a eliminação, principalmente, dos custos não remunerados da empresa, como serviço de bordo, sala vip, enfim, acaba por reduzir o conforto dos passageiros priorizando o serviço básico da companhia, que é o transporte aéreo (PÉREZ, 2009). 36 mais impressionantes no transporte aéreo mundial” (FERREIRA JUNIOR; JESUS JUNIOR, 2010, pág. 3). O que reforça a importância da inovação e da gestão interna apresentadas nas teorias de Penrose, Chandler e Evolucionária. Participação de mercado - RPK* Gráfico 7 - Participações de mercado – RPK no período entre 2001 e 2012. 60,00% 50,00% Azul 40,00% Gol 30,00% Tam 20,00% Varig 10,00% Vasp Outras 0,00% 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Ano Fonte: Dados ANAC; Elaborado pelo autor. Nota: * RPK – É o valor obtido pela multiplicação da quantidade de passageiros, pagos, transportados pela distância do voo em quilômetros. O grau de concentração de mercado também foi afetado, o que pode ser visto no gráfico 8, que mostra a evolução do índice HH de 2001 a 2012. Em 2001, o mercado contava com cinco grandes empresas de nível nacional, Varig, Vasp, Tam, Transbrasil e Gol. Todas elas operaram durante todo o ano, inclusive a Gol, que iniciou operações naquele ano e a Transbrasil que encerrou atividades em dezembro do mesmo ano. Com essas cinco empresas em atuação a concentração de mercado, de acordo com o índice HH, ficou em 0,29, considerado alto a análise for restrita ao índice absoluto. Porém, trata-se de um valor historicamente baixo para o setor, que poucas vezes ficou abaixo de 0,3. Até 2003, o crescimento da participação da Gol e as quedas das tradicionais Varig e Vasp, ajudaram a dividir mais as parcelas de mercado e a reduzir o nível de concentração do mercado aéreo doméstico, que em 2003 foi de 0,275, o seu ponto mais baixo desde 1972 32. Após 2003, com as contínuas quedas das participações de Varig e Vasp – que faliu em 2005 – as parcelas de mercado de Gol e Tam se tornaram cada vez maiores, o que levou o índice a subir novamente, até que em 2005 o mercado passou ter mais de 95% de sua demanda dividida entre Tam, Gol 32 Primeiro ano com registros disponíveis pela ANAC. 37 e Varig. A participação desta última seguiu em forte queda até sua incorporação pela Gol em 2007, quando então, a concentração atingiu seus níveis mais elevados, chegando a 0,402 nesse ano e a 0,435 em 2008, pico máximo do setor desde 1972 (gráfico 8). Mesmo com esses valores elevados, o índice brasileiro ainda ficou abaixo de países como Austrália e França, que apresentaram em 2008, índices de 0,56 e 0,81, respectivamente. O único país que registrou grau menor que 0,18 foram os Estados Unidos, com 0,10. O Reino Unido teve um índice ainda considerado bom, com 0,19 (MCKINSEY & COMPANY, 2010). Com o início das operações da Azul, em dezembro de 2008, os anos seguintes foram de redução na concentração, que caiu ano a ano passando de 0,383 em 2009, para 0,298 em 2012. Isso ocorreu porque a entrada da Azul provocou aumento da competição, principalmente por preços, o que a fez ganhar demanda rapidamente, captando fatia da concorrência, forçando as demais a também reduzirem seus preços para manter a competição. 0,50000 0,45000 0,40000 0,35000 0,30000 0,25000 0,20000 0,15000 0,10000 0,05000 0,00000 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Índice HH Gráfico 8 – Índice de concentração de mercado entre 1972 e 2012 Ano Fonte: Dados ANAC; Calculado e elaborado pelo autor. 5. Análise da estrutura de custos, lucratividade e preços no período de 2001 a 2010 Companhias aéreas tem uma estrutura de custos complexa e de difícil gestão, principalmente pelo fato de boa parte dos fatores disponíveis serem homogêneos para todas as companhias; em suma, trata-se de um setor com elevados custos fixos. Porém isso não significa que não seja possível diferenciá-los através de incrementos ao serviço básico – transporte – ou através de uso diferenciado dos equipamentos, modificando os custos variáveis (ARAÚJO JUNIOR, 2004). 38 5.1 Estrutura das contas de custos e despesas das empresas aéreos segundo padrão Anac até 2010. Até 2010 a ANAC recebia das empresas aéreas os dados econômicos e estatísticos e os disponibilizava em seus relatórios anuais do setor. Segundo o padrão adotado os custos e despesas das empresas aéreas são dados conforme apresentado na Tabela 1: Tabela 1 – Modelo Estrutura de custos das empresas aéreas brasileiras até 2010 CUSTOS DIRETOS Custo Direto de Tripulantes Técnicos Custo Direto de Comissários de Bordo Custo Direto de Combustível Custo Direto de Depreciação Equip. de Voo Custo Direto de Manutenção e Revisão Custo Direto de Seguros de Aeronaves Custo Direto de Arrendamento de Aeronaves Custo Direto de Tarifa Aeroportuária Custo Direto de Tarifa de Auxílio à Navegação CUSTOS INDIRETOS Custo Indireto de Organização Terrestre Custo Indireto de Serviço de Bordo Custos Indiretos - Outros DESP. OPERACIONAIS Despesa Operacional Org. de Tráfego de Pax Despesa Operacional Org. de Tráfego de Carga Despesa Operacional de Administração Geral Fonte: ANAC (2010). Adaptado pelo autor. Os custos diretos incluem tudo aquilo que é estritamente necessário para a prestação do serviço de transporte aéreo e as diferenças que podem ser notadas entre as empresas nessa parte são relativas, principalmente, ao volume de uso de insumo, tanto equipamento, quanto mão de obra e volume de operações (OLIVEIRA, 2004). Os custos indiretos podem representar parte significativa das diferenças entre empresas, pois um maior ou menor volume de operações impacta na organização terrestre, enquanto o custo de serviço de bordo está diretamente ligado à diferenciação dos serviços oferecido pelas companhias (OLIVEIRA, 2004). 39 Enquanto as despesas operacionais podem ser associadas às despesas incorridas com sistema de vendas e reservas de passagens, comunicação, marketing, na administração de recursos humanos, auditoria, entre outros (OLIVEIRA, 2004). 5.2 Análise diferencial das estruturas de custos entre o modelo convencional e o modelo Low-Cost, Low-fare no período de 2001 a 2010 Desde o início dos anos 2000 com a “quase desregulamentação”, a entrada de novas empresas no mercado aéreo se tornou menos complexa, pois o governo retirou quase todas as barreiras artificiais à entrada de novas companhias e reduziu a burocracia para autorização de novas linhas aéreas. Com isso, já em 2001, surgiu a Gol Linhas Aéreas que introduziu no mercado brasileiro o conceito Low-Cost, Low-Fare (LCLF), uma novidade para o mercado nacional mas que já era a base da conduta de empresas em outros países (FERREIRA JUNIOR E JESUS JUNIOR, 2010). A pioneira mundial a introduzir o modelo LCLF foi a Southwest Airlines, dos Estados Unidos, em 1971. O modelo é baseado na teoria de que o aumento do lucro será alcançado quando reduzidos, ao máximo, seus custos operacionais. Através desse método espera-se poder praticar preços mais competitivos e alcançar maior parte do mercado consumidor potencial, atingindo maiores taxas de ocupação nas aeronaves e aumento da rentabilidade em relação ao modelo tradicional (BELOTTI, 2009). Os pilotos da Southwest eram os que mais trabalhavam, e também os que recebiam melhores remunerações, devido às horas excedentes de trabalho, o que é menos oneroso para a companhia do que a contratação de mais funcionários. As aeronaves da companhia também eram as que acumulavam mais horas de voo diariamente, aproveitando ao máximo a utilização dos seus fatores com elevado custo fixo de arrendamento e manutenção. A principal concorrente da Southwest era a American Airlines, uma das empresas que dominavam o mercado americano. Porém, a estratégia da Southwest de escolher aeroportos onde a concorrência era menor e seus custos operacionais inferiores a transformaram em uma das maiores companhias aéreas dos EUA (NADJA, 2003). O público-alvo da empresa foi o que tornou o modelo LCLF um sucesso, pois segundo Najda (2003), a estratégia da Southwest consistia em atender aos consumidores com demanda elástica ao preço das passagens, que estavam dispostos a abrir mão de certos serviços prestados pelas companhias e de voar em aeroportos centrais. Muitos passageiros preferiam aeroportos secundários que eram mais 40 próximos de vizinhanças suburbanas, além de evitarem o congestionamento das cidades dos aeroportos centrais, tornando essa uma vantagem competitiva em relação a esse público. O conceito low-cost, low-fare busca a eliminação, principalmente, dos custos não remunerados da empresa, como serviço de bordo, sala vip, entre outros, acabando por reduzir o conforto dos passageiros e priorizando o serviço básico da companhia, que é o transporte aéreo. Outras características vistas nas empresas low-cost são a padronização da frota e a alta densidade de assentos nas aeronaves, pois assim a companhia aérea aumenta a capacidade de transporte em um mesmo avião, aumenta seus ganhos de densidade e dilui seus elevados custos fixos e operacionais de um voo (PEREZ, 2009). A adoção do modelo low-cost, low-fare representa uma ruptura com a conduta tradicional das empresas aéreas, buscando uma maneira nova de gerir seus insumos, tanto em utilização de equipamento – aviões –, quanto em gestão de pessoal – pilotos, comissários, atendentes etc. Quadro 1 - Modelo Low-cost, low-fare x Modelo Tradicional Modelo Low Cost - Low Fare Modelo Convencional 1 Point to Point33 Hub and Spoke34 2 Aeroportos regionais ou secundários Aeroportos centrais 3 Reserva feita diretamente Reserva por agentes de viagem 4 Gerenciamento agressivo da receita por Relação preço-assento pouco variável assento 5 Check-in sem bilhete Bilhete por reserva 6 Frota Padronizada Frota diversificada 7 Cabine configurada em uma única classe Configuração em duas ou três classes 8 Não oferecimento de refeições a bordo Refeições e bebidas a bordo 9 Minimização do pessoal de cabine Mais pessoal de serviço de bordo 10 Tempos curtos de paradas Tempos longos de parada 11 Alta utilização dos aviões Menor utilização dos aviões 12 Terceirização extensiva Menor grau de terceirização Fonte: Elaborado pelo autor. Com base em AVRICHIR; EMBOABA, 2005. 33 Voo direto, sem escala. Modelo onde a empresa reúne os passageiros com mesmo destino em um aeroporto central, com escalas e conexões. 34 41 O quadro 1 baseado em Avrichir e Emboaba (2005) apresenta um comparativo entre as características operacionais do modelo low-cost, low-fare e o modelo convencional. No Brasil, as empresas que adotam o low-cost, low-fare como modelo são a Gol – que será analisada neste trabalho – e a Azul. No entanto não adotam o modelo por completo, possuindo algumas peculiaridades características do modelo tradicional. A Gol ainda adota o sistema hub and spoke, pois o volume de passageiros voando para o mesmo destino no Brasil não é tão grande como nos EUA e Europa, por exemplo. A companhia pouco utiliza aeroportos secundários ou regionais, o que se deve também a falta de infraestrutura nesses aeroportos no Brasil. E também possui parte significativa das suas passagens vendidas por agentes de viagens e não diretamente ao público através do site da empresa. A seguir apresentam-se os dados dos custos de Tam e Gol, a cada dois anos, no período entre 2001 e 2010. Para que a diferença de tamanho das empresas não influencie os resultados, serão usados os valores calculados do CASK35 de cada empresa, que leva em consideração os custos, a quantidade de assentos instalados e a distância percorrida em voo, possibilitando assim a observação equivalente. Observando as tabelas 2, 3 e 4 (bienais de 2001 a 2010) nota-se que os custos da Gol são menores que os custos da Tam, na maior parte dos períodos, bem como na maior parte dos itens, principalmente naqueles que são passíveis de gerar maior impacto através da diferenciação gerencial interna das empresas. 35 Custo unitário por assento instalado por voo. É obtido através da seguinte fórmula: CASK = [Custo ÷ (Quantidade de assentos instalados × Distância percorrida em voo em km)]. 42 Tabela 2 – CASK Tam e Gol – 2001 e 2003 2001 2003 TAM GOL Dif. Relativa (TAM/GOL)36 Tripulantes Técnicos 0,013730 0,008359 64,25% 0,011325 0,008748 29,45% Comissários de Bordo 0,009855 0,005057 94,88% 0,007971 0,005853 36,19% Combustível 0,054002 0,038760 39,32% 0,066151 0,062649 5,59% Depreciação Equip. de Voo 0,008699 0,002307 277,07% 0,011413 0,002789 309,24% Manutenção e Revisão 0,038324 0,010640 260,19% 0,032291 0,031591 2,22% Seguros de Aeronaves 0,002294 0,006493 -64,67% 0,006339 0,004961 27,77% Arrendamento de Aeronaves 0,031981 0,050761 -37,00% 0,043335 0,036241 19,58% Tarifa Aeroportuária 0,007407 0,003047 143,09% 0,004701 0,002188 114,87% Tarifa de Auxílio à Navegação 0,009765 0,009444 3,40% 0,005914 0,006839 -13,53% Total Custos Diretos 0,176058 0,134869 30,54% 0,189439 0,161858 17,04% Organização Terrestre 0,011306 0,011930 -5,23% 0,010374 0,011888 -12,74% Serviço de Bordo 0,012417 0,003091 301,71% 0,007174 0,001242 477,74% Outros 0,000142 Total Custos Indiretos 0,023865 0,015021 58,88% 0,017548 0,013130 33,65% Org. de Tráfego de Pax 0,041883 0,035017 19,61% 0,050701 0,039355 28,83% Org. de Tráfego de Carga 0,007470 0,001153 547,88% 0,005346 0,001741 207,04% Administração Geral 0,018896 0,009384 101,36% 0,016977 0,008352 103,28% Total Despesas Operacionais 0,068248 0,045554 49,82% 0,073025 0,049448 47,68% TOTAL CUSTOS + DESPESAS 0,268170 0,195444 37,21% 0,280012 0,224436 24,76% CUSTOS DIRETOS TAM GOL Dif. Relativa (TAM/GOL) CUSTOS INDIRETOS DESP. OPERACIONAIS Fonte: Anac (2002); (2004). Elaborado pelo autor. Valores autalizados pelo IPC-A (dez/2010). Destacam-se os custos com tripulantes técnicos, comissários de bordo, serviço de bordo, tarifas aeroportuárias e de auxílio à navegação e os custos de organização de tráfego de passageiros. Por ser uma empresa low-cost, low-fare, a Gol minimiza os serviços de bordo e todos os custos inerentes ao mesmo, o que influi nos resultados dos custos indiretos de serviço de bordo e no custo direto de comissários de bordo, já que se minimiza a quantidade de comissários ao mínimo exigido por segurança, enquanto que o modelo de conduta convencional adotado pela Tam adota um serviço de bordo mais completo, embora venha sendo reduzido ao longo dos anos. 36 Diferença feita da Tam em relação a Gol. Fórmula utilizada [(Custo Tam ÷ Custo Gol) – 1] × 100. 43 Tabela 3 – CASK Tam e Gol – 2005 e 2007 2005 2007 TAM GOL Dif. Relativa (TAM/GOL) Tripulantes Técnicos 0,011413 0,008060 41,60% 0,011887 0,010331 15,06% Comissários de Bordo 0,007952 0,005674 40,15% 0,007934 0,006274 26,46% Combustível 0,077882 0,078288 -0,52% 0,062357 0,065331 -4,55% Depreciação Equip. de Voo 0,002960 0,002815 5,15% 0,002079 0,003160 -34,21% Manutenção e Revisão 0,021921 0,022290 -1,66% 0,016375 0,013136 24,66% Seguros de Aeronaves 0,001824 0,002986 -38,91% 0,000842 0,001760 -52,16% Arrendamento de Aeronaves 0,028589 0,023225 23,10% 0,021505 0,016938 26,96% Tarifa Aeroportuária 0,004737 0,002379 99,12% 0,004740 0,002294 106,63% Tarifa de Auxílio à Navegação 0,007092 0,006555 8,19% 0,009593 0,006418 49,47% Total Custos Diretos 0,164369 0,152272 7,94% 0,137311 0,125642 9,29% Organização Terrestre 0,014151 0,012162 16,35% 0,013732 0,012104 13,45% Serviço de Bordo 0,005376 0,001395 285,38% 0,004653 0,001113 318,06% 0,019526 0,013557 44,03% 0,018385 0,013218 39,09% Org. de Tráfego de Pax 0,041514 0,029203 42,16% 0,031449 0,014560 116,00% Org. de Tráfego de Carga 0,004028 0,001549 160,04% 0,002746 0,001543 77,97% Administração Geral 0,014414 0,016174 -10,88% 0,013608 0,016132 -15,65% Total Despesas Operacionais 0,059955 0,046925 27,77% 0,047803 0,032234 48,30% TOTAL CUSTOS + DESPESAS 0,243850 0,212755 14,62% 0,203499 0,171093 18,94% CUSTOS DIRETOS TAM GOL Dif. Relativa (TAM/GOL) CUSTOS INDIRETOS Outros Total Custos Indiretos DESP. OPERACIONAIS Fonte: Anac (2006); (2008). Elaborado pelo autor. Valores autalizados pelo IPC-A (dez/2010). A redução dos custos com tripulantes técnicos se deve ao gerenciamento de escala de pessoal. Na Gol, pilotos e co-pilotos fazem mais horas extras do que na Tam, trabalhando o máximo de horas possíveis por dia e por semana, o que proporciona menores custos do que a contratação de pessoal adicional. A adoção do LCLF também influi nos custos com organização de tráfego de passageiros, pois incluem sistemas de vendas, por exemplo. E nas low-cost, low-fare como a Gol, a maior parte das vendas é feita online, com check-in facilitado sem bilhete, enquanto que a Tam – conduta convencional – possui mais postos físicos de venda, bem como acordos comercias de venda terceirizada, que gera custos de comissão de venda. 44 Tabela 4 – CASK Tam e Gol – 2009 e 2010 2009 2010 TAM GOL Dif. Relativa (TAM/GOL) Tripulantes Técnicos 0,012425 0,009944 24,95% 0,012804 0,009966 28,48% Comissários de Bordo 0,008004 0,006398 25,10% 0,007970 0,006490 22,80% Combustível 0,042151 0,051009 -17,37% 0,044325 0,050484 -12,20% Depreciação Equip. de Voo 0,006576 0,003199 105,56% 0,009033 0,004904 84,20% Manutenção e Revisão 0,018834 0,019043 -1,10% 0,013497 0,014540 -7,17% Seguros de Aeronaves 0,001000 0,001489 -32,84% 0,000686 0,001026 -33,14% Arrendamento de Aeronaves 0,010986 0,022449 -51,06% 0,005302 0,011793 -55,04% Tarifa Aeroportuária 0,004916 0,002767 77,67% 0,004236 0,002207 91,93% Tarifa de Auxílio à Navegação 0,009094 0,005813 56,44% 0,007899 0,005173 52,70% Total Custos Diretos 0,113987 0,122111 -6,65% 0,105752 0,106583 -0,78% Organização Terrestre 0,012013 0,015743 -23,69% 0,010391 0,011413 -8,95% Serviço de Bordo 0,004459 0,000434 927,42% 0,003987 0,000514 675,68% 0,016472 0,016177 1,82% 0,014378 0,011927 20,55% Org. de Tráfego de Pax 0,021331 0,012597 69,33% 0,022801 0,011536 97,65% Org. de Tráfego de Carga 0,002084 0,001592 30,90% 0,002303 0,001358 69,59% Administração Geral 0,010866 0,017896 -39,28% 0,009886 0,017049 -42,01% Total Despesas Operacionais 0,034281 0,032085 6,84% 0,034991 0,029943 16,86% TOTAL CUSTOS + DESPESAS 0,164740 0,170374 -3,31% 0,155121 0,148453 4,49% CUSTOS DIRETOS TAM GOL Dif. Relativa (TAM/GOL) CUSTOS INDIRETOS Outros Total Custos Indiretos DESP. OPERACIONAIS Fonte: Anac (2010); (2011). Elaborado pelo autor. Valores autalizados pelo IPC-A (dez/2010). Já as tarifas aeroportuárias se referem ao uso de mais slots37 em aeroportos secundários, que possuem tarifas mais baixas, e também à característica de uso mais intensivo das aeronaves, que ficam o menor tempo possível em solo, reduzindo também o custo com as tarifas. Esse fator também influencia os custos com as tarifas de navegação, que também são diferenciadas de acordo com o tráfego do aeroporto utilizado. O uso mais intensivo dos fatores por parte da Gol também causa alguns custos mais elevados, como combustível, e seguro das aeronaves. Ambos estão diretamente relacionado às 37 Slots são espaços físicos e temporais para decolagem e aterrissagem de aeronaves, aspecto que pode representar barreiras à entrada de novas empresas, se controlados de forma crítica por empresas já instaladas. 45 horas de voo e aos ciclos38 cumpridos pela aeronave, bem como pela sua idade – ainda que em menor proporção. O seguro mais caro se deve ao fato de que quanto mais horas e mais ciclos de voo, maiores serão os riscos a que a aeronave estará exposta. Enquanto que o combustível tem maiores taxas de consumo nos procedimento de decolagem e pouso, ou seja, quanto mais ciclos – quanto mais curtos e numerosos forem os trechos – maior será o consumo de combustível por quilômetro voado e como a Gol opera voos com mais escalas e conexões, ela acaba tendo maior custo unitário com combustível. Essa é uma característica intrínseca à Gol, de não adotar por completo os voos point-to-point, mesmo sendo uma LCLF, pois o mercado brasileiro dificulta a implantação desse tipo de conduta - conforme já citado anteriormente. Além disso, o maior volume de operações da Gol também causa maiores dispêndios com organização terrestre e administração geral. Isso porque mais operações exigem mais do atendimento às aeronaves quando estão em solo e também exigem maior eficiência da coordenação de voo, escalas de tripulantes, entre outros. Porém, embora a maior taxa de utilização dos insumos e o maior volume de operações elevem os custos unitários, estes ainda são compensados pela receita advinda dessas operações, que permitem inclusive a minimização de outros custos. As flutuações relativas encontradas nos custos de manutenção no período dizem respeito, principalmente à instalação do Centro de manutenção próprio da Tam em 2004 e do Centro de manutenção próprio da Gol em 2006. Centros de manutenção próprios reduzem o custo do serviço e ainda permitem pesquisa e desenvolvimento de novos métodos. Uma das pesquisas feitas pelo centro de manutenção possibilitou à Tam economizar nos procedimentos de manutenção e no combustível, através de um procedimento de lavagem interna dos motores (TAM, 2014). Verifica-se que enquanto ambas realizavam manutenção externa – entre 2001 e 2003 -, os custos da Gol também eram menores, embora próximos aos da Tam. Após a internalização da manutenção pela Tam, seu custo em 2007 foi ligeiramente menor que o da Gol, enquanto que em 2007, após a implantação do centro de manutenção da Gol, - o maior da América Latina - os custos desta foram cerca de 24% menores que da Tam. Em 2009 e 2010 seu custo foi um pouco maior que o da Tam, porém isso se deve, principalmente, às antigas aeronaves da Varig - absorvidas pela Gol após a fusão com a Varig concluída em 2008 – que possuem maior custo de manutenção. 38 Ciclo de pressurização da aeronave. A cada operação de pouso e decolagem considera-se um ciclo da aeronave. 46 As contas de arrendamento e depreciação são, basicamente, inversamente proporcionais. Isso porque, quanto mais aeronaves próprias a companhia possuir, menores serão seus custos com arrendamento e maiores serão os custos com depreciação e vice-versa. Ambas as empresas possuem tanto aeronaves próprias como aeronaves arrendadas. E a grande mudança nas diferenças relativas observadas em 2009 e 2010, se deve também à fusão da Gol com a Varig, que possuía a maior parte de sua frota arrendada, que a Gol absorveu e com o tempo fez a readequação da frota, juntamente com a malha aérea herdada da Varig. Dessa forma, observa-se que a soma dos custos e despesas unitárias da Gol é menor que da Tam, com exceção para o ano de 2009, após a fusão com a Varig, que se caracterizava por ser uma empresa bastante tradicional que adotava a conduta convencional. Portanto demanda tempo para a completa readequação das estruturas por parte da Gol. Isso é reforçado pelo resultado de 2010 que já voltou a ser favorável à Gol. Tais números são resultado da diferença nas condutas gerenciais adotadas por cada empresa. A entrada da Gol no mercado com o fator inovação deu a ela uma vantagem competitiva em relação a empresa já estabelecida, no caso a Tam. Com isso a Gol pode ser caracterizada como entrante e first-mover no mercado aéreo, enquanto a Tam pode ser compreendida como empresa challenger, buscando se adequar às novas condições de mercado, bem como proposto pelas teorias de Penrose, Chandler e Evolucionára. Ao analisar a evolução dos custos da Tam em relação a 2001, verifica-se ampla redução de seus custos unitários, chegando em 2010 com uma redução geral de mais de 42% em relação ao primeiro ano de operações da Gol. Enquanto que a Gol, no mesmo período conseguiu reduzir seus custos em pouco mais de 24%. Ou seja, a Tam se viu obrigada a se adaptar a nova realidade do mercado para tentar se manter competitiva e poder concorrer com a Gol. A mudança na estratégia de gerenciamento de preços reflete parte dessa mudança de postura concorrencial da Tam. Analisando os valores de Yield39 management no Gráfico 9 nota-se que nos três últimos anos do período analisado, o Yield da Tam ficou abaixo da média do mercado e também abaixo do Yield praticado pela Gol. 39 É o valor pago pelo passageiro por quilômetro voado. É obtido pela divisão do valor da tarifa pela distância voada. Diferenciando-se da tarifa média, que não considera a distância do voo. 47 Gráfico 9 – Yield médio Tam, Gol e média da Indústria entre 2001 e 2010 0,6000 Yield médio (R$) 0,5000 0,4000 Yield Gol 0,3000 Yield Tam 0,2000 Yield Indústria 0,1000 0,0000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Ano Fonte: Anac. Elaborado pelo autor. Valores autalizados pelo IPC-A (dez/2010). Durante esse período, a lucratividade40 da Gol manteve-se sempre acima da lucratividade da Tam e também da lucratividade média da indústria do setor aéreo. A explicação encontra-se novamente na conduta adotada pelas empresas. A Gol, por adotar o conceito LCLF desde sua fundação, consegue custos mais baixos que a permitem cobrar um Yield baixo e, assim, obter maior taxa de ocupação de suas aeronaves, gerando maior receita relativa. Mesmo que a Tam e as demais empresas menores busquem se adaptar a essa condição, reduzindo seus custos e cobrando um Yield menor, a Gol detém maior expertise na gestão de baixos custos e baixas tarifas por ser a responsável pela introdução do modelo de gestão, o que dá a ela uma vantagem competitiva em relação às concorrentes. Isso se evidencia no Gráfico 10 que mostra a lucratividade das empresas no período de 2001 a 2010. Observa-se que em todos os períodos a lucratividade da Gol encontra-se maior do que a da Tam, enquanto que só não é maior que a média do mercado no ano de 2001. 40 Anac analisa lucratividade com base nos resultados de voo da empresa. Ou seja, [(Receita de voo – Despesa de voo) ÷ Receita de voo] 48 Gráfico 10 – Lucratividade Tam, Gol e média da Indústria entre 2001 e 2010 30,00% Lucratividade 20,00% 10,00% Lucratividade Gol 0,00% Lucratividade Tam Lucratividade Indústria -10,00% -20,00% 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Ano Fonte: Anac. Elaborado pelo autor. Valores autalizados pelo IPC-A (dez/2010). Como resultado da intensificação da concorrência das empresas e a consequente queda no Yield médio do mercado, a demanda - caracteristicamente elástica ao preço no mercado aéreo - também foi impactada. Verifica-se no Gráfico 11, que a demanda aumentou mais que o dobro da oferta. Enquanto a oferta teve aumento de cerca de 125% entra 2001 e 2010, a demanda aumentou cerca de 158%. Como as contas são feitas levando-se em conta oferta e demanda de assentos e a distância percorrida em voo, esses valores indicam que além da demanda ter crescido, a abrangência do serviço também cresceu, ou seja, as empresas ampliaram sua malha aérea, servindo a um número maior de destinos. Gráfico 11 - Oferta (ASK) e Demanda (RPK) no período de 2001 a 2010 120.000 100.000 Milhões 80.000 60.000 ASK 40.000 RPK 20.000 0 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Ano Fonte: Anac. Elaborado pelo autor. 49 6. Considerações finais Como se verificou, o mercado de aviação civil doméstica do Brasil passou por várias fases, com diferentes políticas de regulação, mas que até o início dos anos 2000 visava proteger as empresas aéreas da própria concorrência, o que contribuiu para a sustentação de algumas das empresas tradicionais – Varig, Vasp e Transbrasil –, que já se encontravam em dificuldades, por mais algum tempo. Como sinal disso se observou que ao longo do período sob regulação mais forte, as mesmas empresas operavam no mercado, por muito tempo protegidas da entrada de concorrentes e, quando do processo de liberalização as empresas tradicionais passaram a encontrar dificuldades para enfrentar a concorrência das novas empresas entrantes no mercado. O início dos anos 2000 marca a maior mudança na regulação com a liberalização mais profunda do mercado. As diferentes condutas apresentadas pelas empresas a partir de então apontam a relevância da observação das capacitações internas das empresas nos distintos resultados de mercado alcançado pelas mesmas, como evidenciado nas teorias de Penrose, Chandler e Evolucionária. Nesse período surgiu a Gol, com a inovação na conduta adotando o modelo Low-Cost, Low-Fare. A forma como a Gol entrou no mercado, com baixas tarifas, forçou o acirramento da concorrência e, logo as empresas que já enfrentavam algumas dificuldades foram sucumbindo até decretarem falência ou serem incorporadas por outras. A Transbrasil foi a primeira a encerrar operações, já em 2001. A Vasp, que já enfrentava dificuldades desde a década de 1990, decretou falência no início de 2005. E a última das tradicionais a deixar de operar foi a Varig – a maior delas –, que foi incorporada pela Gol em 2008. Mas como se vê, a Tam também enfrentou dificuldades e novos desafios após a entrada da Gol no mercado. Caracterizada por adotar o modelo convencional de conduta para o setor aéreo, a Tam se viu obrigada a modificar alguns de seus serviços a fim de reduzir custos e manter-se competitiva no mercado. Isso se identifica como uma reação a uma inovação introduzida no mercado pela Gol. Porém, como na maioria dos casos, a empresa inovadora, no caso a Gol, obtém vantagens competitivas pelo fato de ser a empresa a introduzir a inovação, isso porque ela detém o conhecimento e a expertise da conduta lowcost, low-fare, que a beneficia em relação a sua concorrente adotante do modelo convencional. As consequências dessas vantagens são vistas no desempenho das empresas. Mesmo a Gol oferecendo um Yield médio mais baixo que a Tam, ela ainda consegue obter uma 50 lucratividade maior que a sua concorrente. Observa-se que o impacto da experiência obtida pela Gol acelera seu crescimento e beneficia suas ações, ao passo que mesmo após a fusão com a Varig, a empresa consegue readequar seus custos de forma considerada rápida, já que a Varig era uma empresa que adotava o modelo convencional com serviços diferenciados e altos custos. Além disso, verificou-se que mesmo a Tam tendo reduzido seus custos em 42% no período contra 24% da Gol, a relação de lucratividade se mantém favorável à Gol, tanto em relação à Tam quanto à média da indústria, reforçando que a expertise e a continuidade do processo dão a ela vantagem competitiva. Nota-se ainda que, após a liberalização do mercado e o acirramento da concorrência, o mercado aéreo cresceu significativamente, e isso se explica tanto pelos preços médios das tarifas terem caído quanto pelo cenário macroeconômico que melhorou substancialmente em relação aos períodos anteriores. Ou seja, a introdução de inovação no setor aéreo beneficiou o mercado como um todo, reduzindo o valor médio de uma passagem aérea, expandindo a demanda em proporção ainda maior que a oferta, o que é significativamente importante principalmente em um país com as dimensões territoriais do Brasil. Além disso, a nova estrutura de mercado que se instaurou, influenciada pela nova conduta introduzida, obrigava a adaptação das empresas e, as que não foram capazes disso, acabaram naturalmente por sair do mercado. 51 7. Referências bibliográficas ABEAR. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS EMPRESAS AÉREAS. Website. Disponível em: <http://www.abear.com.br/>. Acesso em: 14 mar. 2014. ANAC. AGÊNCIA NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL. Anuários do transporte aéreo (1972-2010). Brasília. ANAC. AGÊNCIA NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL. Dados comparativos (2011-2012). ARAÚJO JÚNIOR, A. H. de. Análise da produtividade do transporte aéreo brasileiro. Tese doutorado (Engenharia). USP, 2004. AVRICHIR, I.; EMBOABA, M. 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