Incidência de imposto de renda sobre terço constitucional e abono salarial Resumo: O presente trabalho tem como finalidade a discussão acerca da incidência de imposto de renda sobre verbas decorrentes do terço constitucional de férias e abono de férias. Palavras- Chave: Imposto de renda – abono de férias – terço constitucional. Sumario: 1. Introdução; 2. Do abono de férias; 3. Do imposto de renda; 4. Imposto de renda e sua incidência sobre terço constitucional e abono de férias. 1. Introdução Existe, atualmente, no sistema jurídico como um todo a discussão acerca da possibilidade ou não de incidência de imposto de renda sobre o valor de “venda” dos dias em que o trabalhador não usufrui de suas férias. A discussão consiste, basicamente, a respeito da natureza tributária do valor proveniente desta “venda”. Parte da doutrina afirma se tratar de uma verba indenizatória, paga ao trabalhador de forma que, sendo a analise realizada sob esta perspectiva, não haveria que se falar em incidência de imposto de renda. Contudo, alguns especialistas entendem se tratar de verba remuneratória, não sendo, desta forma, uma indenização o que, por obvio, acabaria por acarretar a incidência de tributação. Para viabilizar uma analise sistemática do tema faz-se mister trabalhar os fundamentos da esfera trabalhista e tributária de forma separada, visando entender qual a finalidade do abono de férias e do imposto de renda. 2. Do abono de férias O abono de férias tem previsão legal no Art. 143 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. Trata-se da possibilidade do empregador, ao invés de usufruir suas férias como um todo, trocar 1/3 do período a que teria direito por valor pecuniário correspondente ao período não desfrutado. O Art. 143 é taxativo quanto à possibilidade do abono pecuniário, senão vejamos: É facultado ao empregado converter 1/3 (um terço) do período de férias a que tiver direito em abono pecuniário, no valor da remuneração que lhe seria devida nos dias correspondentes. Segundo a doutrina a “finalidade do instituto, na época de sua concepção, era claramente permitir ao trabalhador auferir um ganho extraordinário, que talvez o socorresse em suas aflições financeiras ou até servisse para pagar férias com algum conforto ou capricho a mais”.1 A Carta Magna, em seu art. 7º, XVII, já trazia a necessidade de remuneração diferenciada do trabalhador em seu período de férias: Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal; Portanto, resta evidenciada a intenção do legislador de beneficio do trabalhador no período de férias. Existe até mesmo uma corrente que entende se tratar de um bis in idem a previsão contida no art. 143 da CLT, todavia, a jurisprudência pátria 1 Adamovich, Eduardo Henrique Raymundo von. Comentários à CLT – Consolidação das Leis do Trabalho: acompanhados de legislação complementar. – 2ª ed. – Rio de Janeiro: FORENSE, 2010. já pacificou o assunto no sentido de permitir o abono de férias cumulado com o terço de férias previsto na Constituição Federal: “Assim, a regra do art. 145 da CLT, no sentido de que o pagamento da remuneração das férias, inclusive do abono a que se refere o art. 143 da CLT, deverá ser efetuado até dois dias antes do início do respectivo período, não poderá perder de vista a regra constitucional do art. 7º, inciso XVII, que assegura a gratificação antecipada de 1/3 para o gozo das férias. Admitir-se que o empregado poderá gozá-las e só após o seu retorno perceber os valores das férias com 1/3, subverte a finalidade da norma constitucional, retirando-lhe eficácia social. Portanto, a exegese que leva em consideração a superveniência da norma constitucional, interpretada conjuntamente com a norma da legislação ordinária, retira a possibilidade de se concluir pela caracterização de mera infração administrativa, pois a questão refoge ao âmbito da disponibilidade das partes no contrato de trabalho, e da responsabilidade trabalhista ou administrativa dela decorrente, para agasalhar-se em sede constitucional - de princípio e norma -, cuja preservação pelo intérprete é imperiosa.” 2 Neste sentido, a jurisprudência é mansa e pacífica, sendo desnecessários maiores comentários a respeito. Entretanto, o que se verificar a través da legislação, doutrina e julgados é que a intenção do legislador foi de benefício ao trabalhador, benefício este concedido antes das férias para que o mesmo possa usufruir o referido período da melhor maneira possível, evitando o exaurimento das férias se o proveito efetivo em virtude da ausência de recursos. Portanto, há que se concluir que o abono de férias constitui valor destinado a suprir eventual falta de recursos no gozo das férias do trabalhador, viabilizando, desta forma, o próprio período de férias. Destarte, levando em consideração o abono ser valor destinado ao proveito das férias e sua viabilização cumpre definir, outrossim, qual a natureza jurídica das férias, com previsão no art. 129 da CLT. Segundo a doutrina as férias possuem caráter humanitário e social, senão vejamos: 2 RR - 204100-30.2005.5.09.0562 , Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 05/05/2010, 1ª Turma, Data de Publicação: 14/05/2010. “O instituto não se constitui em nenhum favor do legislador aos trabalhadores, mas sim em medida de interesse social e coletivo de caráter higiênico, que visa resguardar os trabalhadores dos males da fadiga e das perturbações psicológicas própria de quem passa longo tempo sem afastar-se de sua rotina de trabalho. Privilegia também o lazer e, em certo sentido, o estreitamento dos laços familiares com uma convivência mais direta e alongada de seus membros. O terço mandado acrescentar pelo Texto Maior ao salário no período de férias anuais remuneradas é destinado a criar condições materiais efetivas para o lazer uma vez que os trabalhadores, em regra, têm sua renda comprometida com gastos de subsistência.” 3 Portanto, é possível concluir que o período de férias é de interesse da coletividade e não apenas do próprio trabalhador pois, sem a existência deste período, a manutenção da oferta da mão de obra se tornaria impraticável ante as nefastas consequências do trabalho sem um descanso mínimo. Além disso, conforme citação supra, tal período serve também para fortalecer os laços familiares o que, sem dúvidas é de grande interesse da coletividade. Assim sendo, o abono de férias e o terço de férias constituem capital a ser utilizado pelo trabalhador viabilizando o proveito de suas férias e, por consequência, beneficiando toda a coletividade. 3. Do Imposto de Renda Delimitado o conceito de férias e de abono de férias importante trazer à baila questões pertinentes ao tributo que deve ou não incidir sobre tal período. Com previsão no art. 43 do Código Tributário Nacional o Imposto de Renda estabelece norma jurídica para tributação de rendas ou proventos de qualquer natureza, vejamos: 3 Adamovich, Eduardo Henrique Raymundo von. Comentários à CLT – Consolidação das Leis do Trabalho: acompanhados de legislação complementar. – 2ª ed. – Rio de Janeiro: FORENSE, 2010. Art. 43- O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II- de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no item anterior. O caput do artigo 43 do CTN é inteligível e traz as condições para o fato gerador, quais sejam: auferir renda e proventos de qualquer natureza. Em seu inciso primeiro o art. 43 do CTN delimita o conceito de renda como fruto de capital (rendimentos obtidos pela utilização do capital para uma finalidade, como rendimentos da caderneta de poupança, por exemplo) e do labor. No inciso segundo inciso nos é apresentado o conceito de “proventos de qualquer natureza” como acréscimos patrimoniais. Assim sendo, a grosso modo, é possível concluir que são três as hipóteses de incidência de Imposto de renda: I. II. III. Renda proveniente do trabalho; Renda proveniente da exploração do capital; Acréscimos patrimoniais. Para a doutrina “renda é todo acréscimo patrimonial, todo ingresso líquido, em bens materiais, imateriais ou serviços avaliáveis em dinheiro, periódico, transitório ou acidental, de caráter oneroso ou gratuito, que importe um incremento líquido do patrimônio de determinado individuo, em certo período de tempo.”4 É certo, e já pacificado pela doutrina e jurisprudência, que não ocorre incidência de imposto de renda sobre verbas indenizatórias. Neste sentido manifesta-se Roque Antonio Carraza: 4 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 14. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002. “A indenização não passa de uma solução possível que o direito concebeu , como forma de contrapor, em moeda, irremediáveis perdas, sofrimento ou dano experimentado.” 5 Tal entendimento é pacífico pois se entende que a verba indenizatória não representa renda, provento ou mesmo acréscimo patrimonial. Segundo entendimento maciço da jurisprudência e doutrina especializada a verba indenizatória serve amenizar um dano e, portanto, não passível de tributação. Eduardo Gomes Philippsen nos traz o conceito de indenização: “Indenizar é tornar indene, isto é , sem dano. Indenizar, portanto, é retirar o dano. A indenização pode se dar de diversas formas. Não há uma única espécie de indenização, pelo simples fato de que não há uma única espécie de dano. Relevante distinção a ser feita funda-se no objeto jurídico lesado, que deve ser reparado pela indenização. Se a lesão ocorreu em bem jurídico de natureza patrimonial, teremos uma espécie de indenização; ao contrário, se o bem lesado é extrapatrimonial, a indenização terá natureza distinta.” 6 Destarte, as conclusões acerca da incidência de imposto de renda são que o fato gerador para incidência do tributo são auferir renda, proventos de qualquer natureza ou acréscimos patrimoniais desde que tais valores não sejam percebidos como indenização. 4. Imposto de renda e sua incidência sobre terço constitucional e abono de férias. A possibilidade de incidência de imposto de renda sobre o abono de férias e terço constitucional é tema extremamente controvertido tanto na doutrina quanto na jurisprudência. 5 In Direito Tributário. Vol.01. Coordenação Luiz Eduardo Schoueri. Imposto sobre a Renda – Sua não incidência sobre indenizações recebidas. pp.595. Quartier Latin, 2003 São Paulo. 6 PHILIPPSEN, Eduardo Gomes. A Incidência do Imposto de Renda Sobre Indenizações. Revista Interesse Público – Ano 9, nº 41, janeiro/fevereiro de 2007 – Porto Alegre: Nota dez, p.215-216. Segundo os defensores da impossibilidade da incidência do tributo a verba referente ao terço constitucional e abono de férias é uma indenização devida ao trabalhador e, desta forma, conforme exposto anteriormente, é impossível a incidência de tributos sobre verbas indenizatórias. Já os partidários da incidência do tributo alegam não se tratar de verba indenizatória, mas tão somente uma remuneração que ocorre quando do período de férias. Os recentes precedentes jurisprudenciais têm demonstrado que o judiciário tende a entender que tais verbas são efetivamente indenizatórias sendo afastada a incidência tributaria. Se realizarmos uma analise pormenorizada dos fundamentos do terço constitucional e do abono de férias é possível perceber que o legislador, ao instituir as duas verbas, se preocupou com o gozo das férias por parte do trabalhador. Tal preocupação é proveniente do fato de que a grande maioria dos trabalhadores utiliza a totalidade de seus proventos para subsistência e que não restariam valores suficientes para que o mesmo pudesse usufruir suas férias de forma proveitosa com seus familiares. Conforme os conceitos expostos anteriormente a indenização nada mais é do que tornar algo indene, ou seja, compensar um dano. Se utilizarmos a analogia é possível verificar que uma indenização por danos morais serve, primeiramente, para tentar compensar o abalo psíquico sofrido ou, ainda, a indenização pelos danos materiais serve para compensar o prejuízo (material) sofrido por alguém. Parece-nos que, ao instituir o terço constitucional e o abono de férias o legislador não pensou em outra coisa senão possibilitar que o trabalhador possa utilizar suas férias e que a impossibilidade de sua utilização seria um dano tanto para o trabalhador quanto para a sociedade como um todo, conforme dito alhures. Portanto, sendo tais verbas destinadas a compensar o dano de impossibilidade de fruir suas férias de forma adequada há que se concluir que é impossível a incidência de imposto de renda sobre terço constitucional e abono de férias. Alguns defensores da incidência do tributo alegam, ainda, que a indenização só ocorre após o dano e se efetiva com a compensação, todavia, tal argumento não merece prosperar haja vista que o conceito de dano é, em linhas gerais, compensar um dano, e, sendo este previsível (como nos parece ser a questão da fruição das férias por parte do legislador) é completamente pertinente a antecipação da indenização justamente para que o dano não ocorra. Destarte, levando em consideração todo o exposto, não restam duvidas quanto à impossibilidade de tributação do terço constitucional e do abono de férias. Referências Bibliográficas ADAMIVICH, Eduardo Henrique Raymundo von. Comentários à CLT – Consolidação das Leis do Trabalho: acompanhados de legislação complementar. – 2ª ed. – Rio de Janeiro: FORENSE, 2010. CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 25. ed. ver., ampl. E atual. São Paulo: Brasil, 2009. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 14. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002. In Direito Tributário. Vol.01. Coordenação Luiz Eduardo Schoueri. Imposto sobre a Renda – Sua não incidência sobre indenizações recebidas. pp.595. Quartier Latin, 2003 São Paulo. PHILIPPSEN, Eduardo Gomes. A Incidência do Imposto de Renda Sobre Indenizações. Revista Interesse Público – Ano 9, nº 41, janeiro/fevereiro de 2007 – Porto Alegre: Nota dez, p.215-216.