TEXTO E ILUSTRAÇÕES: A PRODUÇÃO DE
SENTIDOS DA LEITURA
Rosa Maria Cuba RICHE
[email protected]
INSTITUTO DE APLICAÇÃO FERNANDO RODRIGUES DA SILVEIRA – UERJ
RESUMO
Desde a década de 1970, observa-se o crescimento da quantidade de títulos e a preocupação das editoras em
melhorar a qualidade do livro para crianças e jovens no Brasil. Por isso esse trabalho tem como objetivos
conhecer melhor essa produção, analisar a relação entre as linguagens verbal e não-verbal, pontuar seus
elementos estruturais e suas contribuições para os sentidos da leitura. Esse estudo dá continuidade a uma
pesquisa em curso, que vem sendo desenvolvida sobre as articulações entre essas duas linguagens. A
metodologia alia reflexão teórica e prática pedagógica; parte da análise da produção dos livros, mapeando os
diferentes gêneros textuais, temas e linguagens, incluindo a elaboração de resenhas críticas. Pretende-se,
também, verificar os efeitos na recepção de leitores de turmas do Ensino Básico e observar como essa produção
pode contribuir para a formação do leitor crítico. O trabalho de campo, com vistas aos efeitos na recepção e à
elaboração de práticas leitoras, está sendo realizado no CIEP 496 Francisco Mignoni, em Itaguaí, Rio de Janeiro,
com turmas do sétimo ano. O corpus escolhido para a análise são os livros literários considerados Altamente
Recomendáveis pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, inscritos no Prêmio 2013, produção 2012. O
aporte teórico pauta-se nos estudos da imagem, MANGUEL (2004), NIKOLAJEVA & SCOTT (2011), LINDEN (2011),
OLIVEIRA (2008); do texto, MARCUSCHI (2008); os da Estética da Recepção ISER (1996), JAUSS (1979) e da
literatura infantil e juvenil, LAJOLO (2008) , entre outros; os da Educação em BONDÍA (2002) e, para o trabalho de
campo, a pesquisa em educação de abordagem qualitativa de Lüdke e André (1986).
PALAVRAS-CHAVE: Texto - Ilustração - Leitura/recepção.
INTRODUÇÃO
A produção de livros para crianças e jovens nas quatro últimas décadas aponta para
um crescimento do número de títulos lançados no mercado. Um levantamento realizado pela
Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil- FNLIJ- dos livros inscritos nas 14 categorias do
Prêmio Anual, nos anos de 2010 a 2013, confirma o aumento também do total de inscritos
1101, em 2010 e 1349, em 2013. (NOTÍCIAS: JUN, 2013). Essa amostragem não inclui um
enorme volume de títulos que sai das editoras diretamente para as prateleiras, pontos de
venda e compras governamentais.
A presença do Brasil em Feiras e Salões Internacionais de livros e de autores e
ilustradores com obras traduzidas e publicadas em diferentes línguas, aliada aos prêmios
recebidos configura o alargamento das fronteiras e o reconhecimento da qualidade da
literatura infantil e juvenil brasileira.
Conhecer melhor esse objeto híbrido, multimodal, verificar as relações que se
estabelecem entre texto e ilustração para os sentidos da leitura podem contribuir para
instrumentalizar melhor educadores preocupados com a formação do leitor crítico.
OBJETIVOS
Este trabalho é um recorte do projeto de pesquisa em curso A produção de sentidos na
literatura infantojuvenil: linguagens e articulações1, que alia reflexão teórica sobre a produção,
pesquisa de campo (recepção) e prática pedagógica em turmas de 7º ano do Ensino
Fundamental II.
Os objetivos do projeto são: mapear, na produção de 2012, os livros considerados
“Altamente Recomendáveis” pela FNLIJ, inscritos no Prêmio de 2013; selecionar e analisar os
livros de literatura; identificar os diferentes gêneros textuais e as principais linhas temáticas
dessa produção e redigir resenhas críticas que permitam ao professor conhecer melhor as
obras; conhecer as especificidades da linguagem não - verbal; estudar as relações entre as
linguagens verbal e não-verbal, analisar a produção de sentidos da leitura na recepção em
turmas do Ensino Fundamental II.
METODOLOGIA
Em função do quantitativo de títulos e da especificidade da pesquisa de campo para a
análise da recepção, procedeu-se a um recorte do corpus pautado na diversidade de gêneros,
no público alvo e na facilidade de acesso aos livros. Assim foram resenhados, até o momento,
74 livros do total de 78 livros que compõem o corpus, dentre os 108 considerados “Altamente
Recomendáveis”. Simultaneamente, procedeu-se à leitura do aporte teórico para aprofundar
1
O projeto de pesquisa A produção de sentidos na literatura infantojuvenil: linguagens e articulações (PIBIC), com
duração de dois anos, está sediado no Laboratório de Imagens LEDEN no CAp/ UERJ. A pesquisa de campo para
investigar a recepção está sendo realizada no CIEP 496 - Itaguaí, Bairro Montserrat, Rio de Janeiro.
os conhecimentos sobre a imagem e suas especificidades, com o foco na ilustração,
objetivando munir o pesquisador de ferramentas para uma melhor abordagem desse corpus.
APORTE TEÓRICO
As perspectivas teóricas que norteiam os estudos da imagem baseiam-se,
principalmente, em Alberto Manguel (2001), Rui de Oliveira (2008), Maria Nikolajeva & Carole
Scott (2011), Sophie Van der Linden ( 2011); os estudos da literatura infantil e juvenil em Nely
Novaes Coelho (2000) e Marisa Lajolo ( 2013), os da Estética da Recepção Wolfgang Iser &
Hans R. Jauss (1979); os da Educação em Jorge Larrosa Bondía ( 2002); e para o trabalho de
campo, a pesquisa em educação de abordagem qualitativa de Menga Lüdke e Marli E. D. A.
André (1986).
COMO DEFINIR O LIVRO ILUSTRADO: TERMINOLOGIA E CARÁTER
A terminologia varia, dependendo do contexto, do país. Em muitos países, não há um
termo fixo para designá-lo. Em francês, pode ser “álbum” ou “ livre d’image”, em Portugal, “
álbum ilustrado”, em espanhol “ álbun” e em língua inglesa “ picture book”, “ picture-book” e “
picture book” (LINDEN, 2011 p. 23). No Brasil, encontramos “livro ilustrado”, “livro de
imagem”, “livro infantil contemporâneo” ou mesmo “picturebook”.
A variedade de termos para designar o livro que contém imagens aponta para a
necessidade de delimitar esse objeto, diferenciando-o de outros tipos de livros para crianças
que contenham imagens. No século, XIX, Ségoléne Le Men define-o como “pequeno caderno
em branco dos viajantes destinado a recolher autógrafos e sentenças”. Hoje as figurinhas
autoadesivas ou arquivos com fotos também são chamados de álbuns.
Há os livros acompanhados de ilustrações em que o texto é predominante e autônomo
em relação às imagens. Há os chamados livros ilustrados em que a imagem é preponderante,
as histórias em quadrinhos, os livros-brinquedos, objetos que ocupam o entrelugar do livro e
do brinquedo, os livros interativos com atividades diversas de pinturas, recortes, colagens,
livros Pop-up, com abas, encaixes, que demandam a engenharia do papel, entre outros. (Ibid,
p.24). A variedade é grande e a tipologia ampla incluindo os livros de plástico para o banho, os
livros-CD, os que se transformam em móbiles.
Os livros que compõem o corpus dessa pesquisa apresentam texto e imagem em
proporções e relações variadas, incluindo também narrativas gráficas, os chamados livros de
imagem, além de histórias em quadrinhos.
Ao aliar texto e técnicas variadas de ilustração, recursos da engenharia do papel e do
design, o livro para crianças e jovens se inclui nessa modalidade. Analisar em que medida texto
e ilustração podem contribuir para os sentidos da leitura é um desafio instigante para o
pesquisador.
TUDO PODE SER ILUSTRADO?
A ilustração pode fixar as palavras, em uma interpretação restrita, mas também pode
revelar o não - dito, a sombra. Não há nenhum sentido em imagens que ilustram sem
interpretar.
Rui de Oliveira, ilustrador premiado e estudioso do tema, afirma que:
A ilustração deve ser sempre uma paráfrase visual do texto, sempre uma pergunta,
nunca uma resposta. O que é representado, mesmo com o fisicismo próprio da ilustração, não
deve ser de forma absoluta o objeto descrito, mas sua sombra. O material a ser utilizado pelo
ilustrador não está diretamente nas palavras, mas no espaço entre elas. É nesse espaço vazio,
indefinido, nessa área crepuscular entre uma palavra e outra que se localiza a ilustração.
(2008, p. 49-50)
Assim como o ilustrador trabalha nos vazios, entre uma palavra e outra, possibilitando
múltiplas interpretações, estudiosos do texto, como Iser, acreditam que dos chamados vazios
derivam a indeterminação do texto. Ingarden chama-os de pontos de indeterminação, que são
ocupados pela projeção do leitor (ISER, 1979, p. 96).
O ilustrador, assim como o escritor, faz escolhas e deve tornar seu trabalho o mais
aberto possível de modo que a polissemia de suas imagens permita “leituras paralelas, portas
abertas para que as crianças possam transpor e realizar plenamente sua própria imaginação,
criação e fantasia.” (OLIVEIRA, 2008, p. 50) Conhecer os elementos que o ilustrador utiliza para
criar seu trabalho pode ajudar a interpretar melhor as imagens.
A LEITURA DE IMAGENS: ASPECTOS CONSTITUTIVOS
O alfabetismo visual ainda é pouco valorizado pela sociedade dita letrada, que por
muito tempo ignorou a inteligência visual. No entanto, o homem convive com a imagem desde
sempre. Assim como as histórias nos informam, as imagens “formam um novo mundo, são
símbolos, sinais, mensagens, alegorias,” acredita Manguel. (MANGUEL, 2001, p.21). Aprender
a compreendê-las, conhecer os seus elementos constitutivos, analisar as relações que se
estabelecem entre eles, amplia a leitura, limitada apenas pelas aptidões.
Assim a cor, associada à qualidade da luz, à tonalidade, à luminosidade e à saturação, é
um dos elementos constitutivos da imagem narrativa que, segundo Oliveira, possui o maior
poder emotivo e evocativo. Ressalta a importância do contraste das cores quentes com as
cores frias, do claro e escuro, das cores complementares, o contraste de extensão e os
simultâneos e essas inter-relações das cores que, segundo ele, são perfeitamente analisáveis,
não apenas do ponto de vista formal, mas também quanto à sua relação com a narrativa
literária. (2008, p.51).
Jean Claude R. Alphen, em A bruxinha e o dragão, exemplifica o ponto de vista de
Oliveira. A obra narra a trajetória de uma menina de 8 anos, filha de bruxo famoso que deseja
ter um dragão especial. Depois de muitos candidatos serem rejeitados, o pai feiticeiro, para
agradar a filha, decide-se transformar em dragão. A menina cresce e acaba por descobrir a
verdadeira identidade do dragão/pai. O texto tem como tema a passagem da
infância/adolescência para a juventude. O poder evocativo das imagens narrativas contribuem
para criar a atmosfera em que circulam as personagens e suas relações emotivas.
(Fig.1 )
(Fig 2)
http://www.companhiadasletras.com.br/flip_page/9788574065335/index.html
A ilustração em cores fortes abusa da proporcionalidade das personagens para narrar.
As relações de tamanho entre os dragões que ocupam página inteira e a figura minúscula da
menina, aliada à posição que cada um ocupa no cenário, o movimento dos dragões
gigantescos que voam pelos céus e atravessam a página dupla, o traço de humor que delineia
as personagens, o contraste entre as nuances de tons fortes e suaves, a paleta de cores
quentes e frias sobre o branco da página, o jogo de luz e sombra, de forma e fundo sobre o
azul arroxeado da noite, na luta entre os pretendentes pela conquista do amor da menina,
atraem o olhar do leitor e contam também a história. A capa em papel brilhoso, o papel das
páginas, a composição, o design e o projeto gráfico merecem destaque e contribuem para os
sentidos da leitura.
O cenário e a perspectiva são, também, dois elementos importantes e concomitantes
na criação do ilustrador. “Ao visualizar a cena, automaticamente está sendo elaborado o tipo
de cenário em que estão agindo os personagens. O cenário cria a atmosfera dramática através
do ângulo em que a cena está sendo vista.” (OLIVEIRA, 2008, p.53) Além desses fatores, o
ilustrador utiliza a perspectiva para construir o drama narrativo de suas ilustrações, lembrando
que a temporalidade de contar histórias depende da criação do espaço. O uso desse espaço,
que ele chama de cenográfico, aumenta o poder de persuasão da imagem. Nesse espaço, o
leitor pode imaginariamente caminhar, voar. (Ibid, p. 54)
Quando João encontrou Maria, livro de imagens do próprio Rui de Oliveira, exemplifica
seu ponto de vista. Trata-se de uma parábola sobre o tempo e o amor que atravessa o mundo
físico e convida para a eternidade. Entre encontros e desencontros e a brincadeira de escondeesconde, o tempo passa para João e Maria, que pela própria escolha do nome tão comum,
simbolizam todos os homens e mulheres. Através de uma sequência de quadros narrativos,
tendo como pano de fundo uma floresta densa, com árvores centenárias, onde se escondem
seres misteriosos, o autor/ilustrador focaliza diferentes épocas da vida das personagens: a
juventude, o casamento, os filhos, a velhice e a solidão, o retorno e o reencontro do casal
rumo à eternidade, “Viveram felizes para além do sempre...”. (Idem, 2012, s/n) Utilizando tinta
acrílica com pastel oleoso e o lápis crayon que procura explorar as texturas do papel telado, o
autor valoriza a expressividade dos olhos grandes, cabeça desproporcional ao corpo e
indumentária das personagens de época (século XIX), em clara referência às imagens do conto
de fadas tradicional (Fig. 3 e Fig. 4).
O trabalho, segundo depoimento do autor, “é resultado de experiências que venho
desenvolvendo no universo do livro de imagens. (...) Na verdade imaginei-o como desenho
animado; com o transcorrer dos trabalhos, notei que seria melhor resolvido em linguagem de
livro”. (Ibid, s/n). O tratamento do tema imaterial, abstrato através de imagens narrativas
permite acompanhar a trajetória de vida das personagens, possibilita diferentes leituras e
agrada leitores de qualquer idade.
O ritmo é outro elemento importante não só na organização da natureza, no
movimento vital dos seres vivos, mas também na arte de ilustrar, de contar e descrever
histórias através de imagens. O ritmo, aliado à composição, ao contraste das cores e aos
diversos significados da linha “representam os critérios e o repertório básico para se apreciar e
compreender as soluções plásticas utilizadas pelo ilustrador.” (Ibid, p. 57)
Fernando Villela explora todos esses elementos: linhas, contraste de cores e tons e
ritmo na obra Caçada. Narra a história de dois homens em posições opostas, na guerra. De um
lado, um piloto de caça americano voando com objetivo de acertar o alvo inimigo e, de outro,
o soldado Fadi que tem por missão proteger um quartel subterrâneo. Nenhum dos dois deseja
a guerra. O projétil cai, mas não explode e a tragédia não acontece. O soldado vai ao encontro
do piloto paraquedista e o inesperado, característica da obra de arte, ocorre. O soldado leva o
inimigo para casa e entrega-lhe uma roupa de civil. Quando vai para o quartel, o piloto
encontra seus compatriotas americanos que o reconhecem.
(Fig 5)
(Fig 6)
Há momentos em que o grau de narratividade da ilustração é tão expressivo que
dispensa o texto. É o que ocorre, quando uma sequência de imagens do visor do avião de
guerra assinala o alvo que se aproxima, numa sequência de cenas que lembra takes
cinematográficos (Fig.5). A perspectiva põe o leitor dentro da cena, como co-piloto. A
linguagem metonímica ressalta as partes do objeto em detrimento do todo. O formato
horizontal do livro é aproveitado para dar continuidade às cenas, a partir da capa. A
composição organiza o conjunto dos elementos.
Oliveira faz uma ponderação em relação à compreensão das imagens, quando afirma:
“O conhecimento e a soma das partes não nos afiançam a entender a arte da ilustração, até
porque a soma das partes, em termos conceituais, não restitui o todo. Não existem formas
fixas, tampouco um receituário estabelecido para nos iniciar à leitura das imagens narrativas
nos livros infantis e juvenis.” (OLIVEIRA, 2008, p. 57)
Acreditamos que a educação do olhar, o letramento visual ocorre ao longo da vida,
mas a mediação do educador, a exposição e o contato com os diferentes tipos de ilustração,
no trabalho cotidiano com a leitura, aguçam a observação e a percepção do leitor e
contribuem para os sentidos da leitura. O estudo da recepção realizado na pesquisa de campo
com crianças/adolescentes de 12 a 15 anos, nas aulas de Artes, vem revelando a importância
da ilustração na inter-relação com o texto para a compreensão da leitura, principalmente para
os leitores pouco experientes. Os questionários e depoimentos, utilizados como instrumentos
de avaliação, sobre os quais falaremos adiante, confirmam essa afirmativa.
Oliveira, em estudo minucioso dos elementos constitutivos da ilustração, acrescenta
outros aspectos fundamentais da linguagem visual como a composição que harmoniza os
espaços cheios e vazios, os tons, as luzes, os contrastes entre as formas, as direções dos
desenhos. Ela organiza e harmoniza todos os elementos que participam de uma narrativa
visual e tem também como função transmitir as intencionalidades do texto. (Ibid, p. 64)
Discorre sobre a importância das composições tipográficas, ou seja, a utilização das letras
como sustentação das imagens, ao longo do tempo. E fala sobre a contribuição dos
construtivistas para uma nova organização do espaço e uma consequente influência
renovadora na concepção da página impressa, a que a ilustração não ficou imune não somente
na sua disposição no espaço-formato da página, mas também em sua organização interna.
(Ibid, p.65)
Ayssa Lima Bastos, em seu livro Aguardados, coletânea de pequenos textos
compostos, em sua maioria, de uma só frase, em que o ludismo da linguagem abre espaços
para a criação do leitor, explora ao máximo a potencialidade desses arranjos (Fig 7). A relação
estreita entre texto e ilustração se estabelece pela escolha do tipo de letra, pela distribuição
no espaço-formato da página e pela composição que variam de acordo com as
intencionalidades do texto (Fig 8). A obra é quase um manual de experimentação das
possibilidades de combinações entre esses elementos. Uma ampla variedade de tipos de
ilustrações, fotografia, recorte e colagem, bico de pena, dobradura, carimbos, moldes de corte
e costura, impressão digital, imagens digitalizadas, aliados a uma multiplicidade de traços e
estilos se harmonizam à variedade tipográfica. O uso de recursos da linguagem dos
quadrinhos, da linguagem dos sinais, a exploração da relação texto/espaço no poema
concreto, a impressão de parte de um texto em acetato, estabelecendo um jogo com a página
opaca, em que está impresso o restante dos versos, tornam a obra original e surpreendem até
o leitor mais experiente. A renovadora concepção de página impressa a que se refere Oliveira
nela se concretiza.
(Fig 7)
( Fig 8 )
AS RELAÇÕES ENTRE AS LINGUAGENS VERBAL E NÃO-VERBAL E OS SENTIDOS DA LEITURA
A análise hermenêutica pode auxiliar a compreender como se dá a leitura do livro
ilustrado. Parte do todo, observa os detalhes e retorna ao todo em um círculo conhecido como
círculo hermenêutico. Pode-se partir do signo verbal ou visual, um gera expectativas sobre o
outro, propiciando novas experiências e novas expectativas. O leitor transita entre os dois,
estabelecendo relações; cada leitura aprofunda a compreensão. (NIKOLAJEVA & SCOTT, 2011,
p. 14).
NIKOLAJEVA & SCOTT, ao fazerem um levantamento das linhas de investigação atuais
dos estudos sobre literatura infantil, em países da Europa e dos estados Unidos, afirmam que
quase nenhuma das “análises enfoca a dinâmica do livro ilustrado, o modo como texto e
imagem, duas formas de comunicação, operam juntas para criar uma forma distinta de todas
as demais.” (Ibid, p. 15)
Os estudos das pesquisadoras apontam para linhas de investigação diferentes e várias
formas de analisar o livro ilustrado: à luz da psicologia, como objetos para a história da arte,
discutindo tópicos como design e técnica, como arte gráfica, através de uma abordagem
literária dos aspectos narrativos, como representação da sociedade e dos valores ideológicos e
tratam a imagem como secundária; que enfatizam o visual sem estabelecer a interação entre a
imagem e a palavra. (Ibid, p.16 - 20)
Shwarcs, Moebius, Nodelman e Doonan introduzem ferramentas para decodificar as
imagens nos livros ilustrados, mas segundo os próprios pesquisadores, “carecemos de
ferramentas para decodificar o texto específico dos livros ilustrados, o texto criado pela
interação das informações verbais e visuais”. (SHWARCS, MOEBIUS, NODELMAN e DOONAN,
apud NIKOLAJEVA & SCOTT, 2011, p.18)
A RECEPÇÃO: A LEITURA E A PRODUÇÃO DE SENTIDOS E O CAMPO
Se ainda não há ferramentas para decodificar o texto e suas relações com a imagem no
livro ilustrado para compreender a produção, a experiência de leitura pode apontar caminhos.
A análise da recepção no primeiro semestre da pesquisa foi realizada nas aulas de
Artes, ministradas pela professora 2. A escolha das duas turmas, dentre as cinco do 7º ano,
ocorreu em função da faixa etária, do maior e menor desempenho pedagógico em relação às
demais turmas da professora e da disponibilidade de tempo e de espaço no currículo, no final
do ano letivo. A turma 701 é considerada uma das melhores da escola, interessada,
participativa e dedicada, apesar das dificuldades com a leitura e a escrita. Uma turma exigente
e composta por alunos talentosos, porém desmotivados. Já a turma 703 é considerada uma
das piores da escola pelo alto índice de repetência, prática de vandalismo e depredação de
patrimônio. Apesar disso, não são alunos excessivamente indisciplinados, mas excessivamente
desmotivados para tudo. Até então nenhum trabalho diferenciado realizado com essa turma
dera certo. A faixa etária vai de 12 a 15 anos, e os mais velhos são repetentes.
Segundo os relatórios de campo, o único contato que os alunos têm com textos
literários é através dos livros didáticos que não são suficientes para todos, o que demanda a
socialização do material de leitura. A escola conta com uma “sala de leitura” e uma biblioteca
com acervo desatualizado, e o responsável pelo espaço não permite que os alunos manuseiem
os livros e usem a sala como uma biblioteca.
METODOLOGIA E DESENVOLVIMENTO DA ATIVIDADE
A seleção dos 22 livros, dentre os 78 analisados, antes do trabalho no campo, levou em
consideração o público escolhido, o ano escolar, o grau de interação com o texto e a
diversidade dos gêneros textuais baseados em outras atividades de leitura realizadas em sala,
em momentos distintos.
No primeiro encontro, a professora colocou os livros espalhados na mesa e escreveu as
perguntas abaixo no quadro: Você gosta de ler? - Qual gênero costuma ler? - Quantos livros lê
por ano? - Qual a importância da leitura para sua vida? As respostas foram filmadas para
serem analisadas posteriormente.
Após as gravações, cada um escolheu um livro que desejava ler em dupla. Depois de
terminada a leitura, os alunos deram opinião sobre o material, e a professora registrou
também suas observações em relação à reação dos alunos e à atividade. Surpreendeu-se com
a maior participação da turma em relação à roda de leitura realizada anteriormente.
Depois do primeiro encontro, elaborou-se um questionário objetivando conhecer
melhor os leitores e analisar como se dá a relação leitura, imagem e leitor. Foram também
programadas atividades pós – textuais, dentre elas, uma resenha crítica. Os alunos
demonstraram muita dificuldade de redigir. Eles tiveram também liberdade de escolher o que
gostariam de fazer e votaram pela dramatização do livro O menino que não queria ser príncipe,
de Georgina Martins. Os resultados dos questionários preenchidos foram transformados em
gráficos, que serão comentados adiante.
No relatório, também foram registradas as impressões da professora em relação às
propostas, ao desempenho e às reações dos alunos. Segue um trecho referente à turma 701.
“Mesmo sendo uma turma que dei mais atenção e suporte, vejo que poderia ter feito
mais por ela. Por falta de material ou mais intensificação da leitura fora das provas, poderia ter
2
Karine Regina Luiz de Oliveira, professora/bolsista de Iniciação Científica com formação em Letras.
buscado outras atividades em que eles entrassem em contato com o texto de forma mais
constante e intensa. Às vezes, ficamos presos ao conteúdo programático, somos exigidos o
tempo inteiro sobre isso e acabamos perdendo a oportunidade de ampliar o conhecimento de
mundo do sujeito. Dessa experiência, tiro como lição: a aprovação ou a reprovação depende
mais do professor; a investigação, a busca por material, depende exclusivamente de mim, e a
atividade pode ser interessante ou não, de acordo como é conduzida.” (OLIVEIRA, 2013, s/n)
O depoimento da professora leva o pesquisador a refletir sobre a importância da
experiência no cotidiano escolar. Pensar a educação como experiência/sentido a partir da
convicção de que as palavras produzem sentidos, criam realidades e, às vezes, funcionam
como potentes mecanismos de subjetivação, como acredita Bondía, pode ajudar a repensar a
recepção da leitura no campo, como experiência que cria sentidos.
Se pensar não é somente raciocinar, calcular, argumentar, mas sobretudo dar sentido
ao que somos e ao que nos acontece, o sentido ou sem-sentido é algo que tem a ver com o
que nos acontece. (2002, p. 21)
Bondía faz um levantamento do sentido da palavra experiência em várias línguas e
sintetiza dizendo: “a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca.”
Walter Benjamin, em O narrador, ao estudar a arte de narrar, já observava a pobreza de
experiências que caracteriza a sociedade moderna, onde o excesso de informação não deixa
espaço para a experiência. (Ibid, p. 21)
O que o projeto de pesquisa propõe é dar espaço para a vivência da leitura, o silêncio
da introspecção, a liberdade de se expressar ou não, de registrar o que a leitura provoca, toca,
sensibiliza, emociona. Por isso as atividades pós-textuais nasceram do desejo dos alunos de
experimentar, transformar um texto ficcional em uma representação teatral.
RESULTADOS PRELIMINARES
Para refletir sobre a experiência do campo e seus resultados, a metodologia qualitativa
parece ser a mais apropriada, pois apresenta as características apontadas por Bodgan e Biklen,
no livro Pesquisa qualitativa em educação, porque tem um ambiente natural como fonte
direta de dados, no caso, a sala de aula e o pesquisador/professor como principal instrumento.
Os dados coletados são predominantemente descritivos. Foram elaborados relatórios de cada
encontro, entrevistas e depoimentos dos alunos transcritos e fotografias usadas para subsidiar
o ponto de vista. A preocupação com o processo é muito maior do que com o produto. O
interesse ao estudar o problema é verificar como ele se manifesta nas atividades propostas,
nos procedimentos e interações no cotidiano escolar. Valoriza o significado que os alunos dão
às coisas (texto, leitura, imagens, livros) na tentativa de capturar, através de filmagens,
depoimentos e produção textual, a “perspectiva dos participantes”, ou seja, a maneira como
os alunos encaram as atividades desenvolvidas. A análise de dados tende a seguir um processo
indutivo. Não há uma preocupação em buscar evidências que comprovem hipóteses definidas
antes do estudo. (BODGAN & BIKLEN, apud LÜDKE & ANDRÉ, 1982, p11-13)
Assim, depois de atividades livres, foi elaborado um questionário dividido em três
partes: I - Atividades pré-textuais; II - Atividades textuais e III – Atividades pós-textuais, com o
objetivo de averiguar como se estabelece a interação texto - imagem e suas contribuições no
objeto livro para os sentidos da leitura.
ANÁLISE DOS GRÁFICOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise dos resultados em relação às duas turmas, aponta para a maior valorização
da imagem pela turma 703, o que leva a pensar que, por apresentarem maiores dificuldades
em relação ao código escrito, os leitores apoiaram-se na linguagem visual como estímulo para
ler e compreender o texto; 100% dos alunos responderam que a imagem atraiu-os para a
leitura do texto. A linguagem visual auxiliou-os na compreensão da linguagem verbal.
Nas perguntas relativas às atividades textuais, ao responderem o que lhes chamou
mais atenção o texto ou a ilustração, houve um contra-senso, pois 75% dos alunos da turma
703, que valorizaram mais a imagem mostraram-se mais interessados no texto em relação aos
60% da turma 701, de alunos com melhor desempenho escolar. Já no item que trata da
relação de proporção/tamanho e quantidade de texto na página, 33% da T.703 escolheram
livros com mais imagem do que texto, em relação aos 30% da T. 701; o que reafirma a
hipótese levantada sobre a preferência da turma pela imagem.
Nos itens relativos às atividades pós-textuais, na pergunta: “A ilustração ajudou a
compreender a história?”, 58.33% dos alunos da T. 703 responderam SIM, em relação aos 35%
da T. 701, 45% deles acreditam que ajudou pouco.
Na pergunta: “Depois de olhar a ilustração da página, você voltou ao texto?”, só 35%
da T. 701 responderam “SIM” em relação aos 66.67% da T. 703 que afirmaram ter voltado ao
texto, depois de olhar a ilustração. Esse dado é bastante significativo para a análise da
importância da ilustração para os sentidos da leitura, um dos principais objetivos dessa
pesquisa.
Os alunos com maior dificuldade de leitura (T.703), que afirmaram no depoimento
inicial não gostar de ler, embora considerassem a leitura importante, foram estimulados pelas
ilustrações a voltar ao texto. Se a função da figura/imagem é descrever ou representar e a das
palavras é principalmente narrar, como afirmam Nikolajeva e Scott, para os leitores menos
experientes, o caráter descritivo e representativo das imagens auxiliou-os a compreender o
texto narrativo.
Esse percentual ratifica a afirmação de Oliveira sobre o material a ser utilizado pelo
ilustrador que não está diretamente nas palavras, mas no espaço entre elas. Os leitores
transitam entre o texto e a ilustração, mas, para a grande maioria dos menos experientes, a
linguagem concreta da ilustração ajudou-os a complementar os vazios do texto, no momento
da leitura, possibilitou múltiplas interpretações registradas nos depoimentos.
Os elementos constitutivos da imagem, os contrastes entre as cores, a
proporcionalidade, a perspectiva e o cenário onde circulam as personagens criam a
“atmosfera dramática”, esse “espaço cenográfico” em que o leitor imaginariamente caminha,
permitem visualizar as cenas e talvez seja a razão para ir e vir do texto para a ilustração.
No item relativo aos gêneros textuais presentes na obra, constatou-se que, mesmo o
conteúdo já tendo sido trabalhado pela professora, os leitores tiveram muita dificuldade de
identificá-los, o que levou a maioria a optar pelo gênero conto.
DESDOBRAMENTOS DO PROJETO DE PESQUISA NO CAMPO
Os resultados das atividades de campo realizadas com as turmas foram registrados
pela professora e apresentados à direção da escola. A receptividade dos alunos,
principalmente daqueles com maiores dificuldades escolares, a encenação do livro e a
solicitação dos alunos à direção para continuarem a ter aulas com a mesma professora
levaram a direção a apresentar o trabalho à Secretaria de Educação do Município. A professora
foi convidada a apresentar o projeto à Secretária de Educação de Itaguaí, que pretende
implantá-lo, sob a coordenação da professora, em toda a Rede. Inicialmente, no ano de 2014,
o projeto piloto será desenvolvido no CIEP em que ela trabalha.
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