Acta Scientiarum, Maringá, 23(1):33-42, 2001.
ISSN 1415-6814.
Abordagem do texto jornalístico na escola: uma proposta de oficina
Sonia Aparecida Lopes Benites
Departamento de Letras, Universidade Estadual de Maringá, Av. Colombo, 5790, 87020-900, Maringá, Paraná, Brasil.
e-mail: [email protected].
RESUMO. A leitura do texto jornalístico é imprescindível à formação do leitor crítico, já
que o jornal exerce uma função política, através da utilização de dispositivos sutis,
reveladores da valorização ou do menosprezo de fatos. Pode-se, assim, afirmar que o jornal
procede à construção textual da realidade. Não sendo o texto, porém, um produto acabado,
a reflexão do leitor leva-o a reconhecer a subjetividade e a ideologia nele implícitas, a partir
da análise da organização do material verbal. Alguns dos aspectos dessa análise são abordados
na oficina ora proposta, que materializa, no ensino de línguas, concepções teóricas de
linguagem e de aprendizagem como o dialogismo bakhtiniano, o socioconstrutivismo de
Vigotsky e o método natural de Freinet. Além de propiciar a interdisciplinaridade, a oficina
cria condições para a expansão da criatividade e da curiosidade dos alunos, permite a
colaboração e a construção do próprio conhecimento.
Palavras-chave: lingüística aplicada, oficina pedagógica, leitura, texto jornalístico.
ABSTRACT. Reading journalistic texts at school: workshop proposal. Reading
activities with newspaper texts are important to prepare critical readers, since newspapers
perform a political function through subtle expedients, that reveal valorization or slight of
facts. We can say newspapers construct reality textually. However, texts are not endproducts, they are constructed during the reading act, when the reader’s reflections about
verbal material allow him to recognize subjective and ideological aspects in the text. Some
of those aspects are presented in this paper which proposes a reading workshop on
journalistic texts, with the support of Bakhtin’s, Vigotsky’s and Freinet’s theories. Besides
propitiating interdisciplinarity, the workshop permits expansion of the students’ creativity
and curiosity, allowing them to construct their knowledge by themselves.
Key words: applied linguistics, workshop, reading, journalistic text.
As políticas de programas, pesquisas e
experiências realizadas nas duas últimas décadas
propõem que o professor de língua materna focalize
a linguagem como forma de interação e a língua
como um objeto heterogêneo, eleja o texto como
ponto de partida e de chegada e estabeleça como
atividades fundamentais do ensino-aprendizagem a
leitura e a produção de textos. Visto como o
condutor de um complexo processo dinâmico em
que os alunos aprendem a construir seu próprio
conhecimento e sua interpretação do mundo, o
docente deve respeitar a variedade lingüística do
aluno, priorizando o conhecimento que ele já tem ao
entrar para a escola, bem como valorizar sua cultura
e suas formas de expressá-la e de interagir com o
outro.
Verifica-se, porém, um descompasso entre os
procedimentos ditados por teorias como a
pragmática, a lingüística do texto e do discurso, o
socioconstrutivismo, subjacentes a documentos
oficiais como os Parâmetros Curriculares Nacionais, e a
versão que assumem na prática cotidiana de
professores dos diversos níveis de ensino. Dessa
forma, embora julgue dominar os conceitos teóricos
que lhe são repassados tanto nos planos de estudos
voltados para sua formação inicial quanto naqueles
dirigidos à formação contínua, a maioria dos
professores continua assumindo posições que
refletem uma concepção de linguagem como
instrumento de comunicação.
Como conseqüência, as aulas de língua materna
continuam tomando a frase como unidade máxima
de análise. Além disso, baseando-se em livros
didáticos que, na tentativa de simplificar os fatos
gramaticais, apresentam conceitos equivocados e
regras falsas, propõem com freqüência exercícios
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inteiramente descontextualizados, que refletem a
ilusão de que se está fazendo gramática textual, pelo
simples fato de retirar a classe gramatical a ser
flexionada ou analisada de um texto previamente
dado. A leitura continua sendo vista como extração
do sentido do texto e não como atribuição de um
sentido ao texto (Foucambert, 1997) e a escrita não é
significativa, por basear-se em propostas artificiais
que não permitem ao aluno sentir-se motivado a
escrever, já que não tem uma razão real para fazê-lo,
não possui um interlocutor interessado naquilo que
ele tem a dizer nem em sua forma particular de
expressar-se. Sedimenta-se, assim, a imagem de
inutilidade ou de artificialidade das aulas de língua
portuguesa.
Para alterar essa situação, é necessário estabelecer
como atividades fundamentais do ensinoaprendizagem de língua materna a leitura e a
produção de textos, ligadas a práticas sociais
construídas histórica e socialmente. É nesse contexto
que se insere o objeto do presente artigo - o texto
jornalístico, imprescindível para o desenvolvimento
da reflexão do aluno sobre o meio sócio-cultural em
que vive, sobre as diferentes estratégias de
construção textual empregadas de acordo com
intenções e objetivos diversificados, sobre as variadas
modalidades de língua. A leitura do texto
jornalístico, aqui direcionada ao aluno do ensino
médio, presta-se, dessa forma, à análise das formas
da língua e suas implicações na configuração do
sentido do texto.
O objetivo do artigo é apresentar uma proposta
de abordagem do texto jornalístico que, levando em
conta suas especificidades e os pré-requisitos
necessários para lê-lo, auxilie a formação do leitor
crítico. A metodologia mais indicada para um
trabalho que leve a esse resultado é a oficina
pedagógica, a materialização, na pedagogia das
línguas, de concepções teóricas de linguagem e de
aprendizagem como o dialogismo bakhtiniano, o
socioconstrutivismo de Vigotsky e, particularmente,
o Método Natural de Freinet.
Essa proposta metodológica coloca-se como uma
opção à fragmentação e à dispersão de conteúdos,
que, ao longo do tempo, só conseguiram
proporcionar ao aluno migalhas de conhecimento.
Privilegiando atividades em que os educandos
possam chegar a conclusões a partir da observações
de fatos e situações e da formulação de hipóteses, a
oficina abre espaço à curiosidade, à criatividade, à
capacidade de observação dos alunos, cabendo ao
professor agir como orientador, organizando
questionamentos e aprofundando conhecimentos.
Benites
A oficina apresenta-se, assim, como uma opção
para “a quebra da rotina escolar em ambientes mais
espontâneos e mais ativos, mais próximos da
realidade extra-escolar” (Bordini, 1998), propicia a
colaboração, já que os trabalhos são realizados em
grupo, a construção do próprio conhecimento, de
forma lúdica, e a interdisciplinaridade tão enfatizada
pelas novas propostas curriculares.
No que diz respeito especificamente à análise do
texto jornalístico, o trabalho com oficinas propicia
aos participantes a identificação e a classificação
dessa modalidade textual heterogênea, e, a partir do
reconhecimento da pretensa imparcialidade e
objetividade jornalísticas, a identificação dos
recursos lingüísticos utilizados para marcar ou para
mascarar as intenções do jornal. Operacionaliza,
assim, a leitura de questionamento proposta por
Foucambert (1997), que compreende a busca de
pontos de vista, seu questionamento, a investigação
dos meios que permitiram elaborá-lo e o confronto
com outros pontos de vista.
Embora coloque a leitura em primeiro plano, a
oficina culmina com propostas de produção escrita,
momento em que o aluno, partindo da abstração e
do pensamento reflexivo provocados pelos textos
lidos, apresenta seu ponto de vista, sua visão do
mundo, com vistas a provocar reações em um
interlocutor definido.
O texto jornalístico
Ao trabalhar com textos jornalísticos, é preciso
ter claro que a informação fornecida pelo jornal é,
antes de tudo, um fato discursivo, e não a mera
reprodução de acontecimentos e opiniões. Ele não
fala a respeito do mundo, mas procede à construção
da realidade no texto e através dele. Em outras
palavras, constrói, além da opinião pública, seu
próprio referente (os sujeitos - personagens das
notícias, e o objeto - informação propriamente dita).
A construção dessa realidade é, por sua vez,
condicionada pelo imaginário coletivo, de forma que
o jornal acaba por representar “o lugar simbólico em que
se dão a conhecer as representações coletivas” (Mosca,
1993: 261). Longe de ser um instrumento neutro,
ele reflete os interesses e opiniões do proprietário do
jornal (daí a afirmação de Rossi, 1985, de que não
existe liberdade de imprensa, mas “liberdade de
empresa”), do conjunto de forças que permitem
mantê-lo em circulação, e de outras vozes presentes
na sociedade.
Nesse contexto, a credibilidade do leitor no
jornal de sua preferência é requisito básico para que
ele lhe delegue a incumbência de opinar, e se
instaure entre ambos uma relação de cumplicidade.
O texto jornalístico na escola
Assim, segundo Frias Filho (1984), a curiosidade
pública diz todos os dias aos jornais: “quero que o
jornal me diga o que é verdade e o que não é, o que está certo
e o que está errado, porque a idéia de que não existe verdade
nem certo é intolerável para mim e não posso conviver com
ela”. Em troca, o leitor exige do jornal qualidades
como ética, independência, imparcialidade, que o
veículo, prontamente, dá a impressão de ter.
Embora não seja tarefa fácil levar os leitores a
tomarem atitudes concretas, quer por sugestão quer
por outro meio, um jornal é capaz de,
eficientemente, criar no espírito do público o clima
necessário para o efeito que pretende causar. E,
mesmo que o leitor tencione resguardar sua decisão,
as imagens segundo as quais ele conduz seus
julgamentos são levadas a sua mente, em grande
parte, pelo jornal que costuma ler.
Dessa forma, o jornal exerce uma função política,
através da utilização de dispositivos sutis como a
apresentação, em tom aparentemente imparcial, de
fatos positivos ou negativos a respeito de idéias, de
instituições ou de indivíduos; através da ordenação
hierárquica das notícias; através da supressão de uma
matéria ou de sua inserção truncada; através da
escolha do trecho de um discurso a ser relatado e da
forma como se dá esse relato, enfim, através da
valorização ou do menosprezo de fatos.
No entanto, a voz do jornal não é onipotente,
uma vez que o texto não é um produto acabado; sua
construção se completa no momento da recepção,
ou seja, a reflexão do leitor é uma forma de
argumentação que o leva a posicionar-se, a
determinar se deve ou não dar crédito àquilo que lê.
Nesse aspecto, a afinidade entre a posição ideológica
do jornal e a do leitor é fundamental na atribuição de
valores que poderão vir a ser compartilhados ou não,
dependendo da maneira particular de cada um ver o
mundo.
Se o leitor participa da construção do sentido do
texto, utilizando-se tanto dos valores ideológicos do
grupo a que pertence como de suas experiências de
vida, conclui-se que a subjetividade é uma
característica inerente a toda e qualquer atividade de
linguagem. Ela não se restringe à recepção, mas está
presente na produção de toda construção discursiva,
realizada sempre por um sujeito interessado em
alcançar determinados fins. A seleção de temas para
as notícias, a organização textual, o direcionamento
interpretativo dado pelo redator, a escolha de
manchetes são alguns exemplos da subjetividade
presente em todo jornal. Essa característica é, na
maioria das vezes, mascarada pelo veículo, que,
paradoxalmente, ao mesmo tempo em que procura
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formar a opinião do leitor, almeja transmitir uma
imagem de absoluta isenção e imparcialidade.
Pode-se, dessa forma, chegar à constatação de
que não existem textos objetivos, mas estratégias
discursivas que constroem tanto o efeito de
objetividade como o de subjetividade. Cabe ao leitor
fazer, então, uma leitura da subjetividade implícita e
da ideologia presentes no texto, a partir do
reconhecimento do conjunto de opções estilísticas
utilizado pelo locutor e da própria organização do
material verbal.
Oficina de leitura de jornais
A semente das oficinas pedagógicas foi lançada
por Celestin Freinet, no início do século vinte, ao
denunciar o processo de alienação vivido pela escola,
a oposição entre a cultura popular e a intelectualista,
o distanciamento entre professores universitários
especializados e professores primários mal formados
bem como a indiferença do poder público frente a
todo esse quadro.
A escola distanciava-se da vida, de forma a
despertar no educando apenas sensações como tédio,
apatia e fadiga. Além disso, extremamente voltada a
regras rígidas e inúteis na solução de problemas da
vida real, acabava por prejudicar os alunos,
transformando-os em seres passivos e servis. Urgia
mudar esse estado de coisas, propondo atividades
que realmente despertassem o interesse do aluno,
por satisfazer-lhe a sede de conhecimentos, e
levassem em conta conceitos do mundo infantil
como a liberdade, a afetividade e a felicidade
(Freinet, 1974).
Para Freinet, a base da educação, o regente do
comportamento de crianças e adultos é o trabalho,
definido como toda atividade individual ou social
desenvolvida no dia a dia, que garante ao homem a
sobrevivência, o poder, a satisfação e a perpetuação
da espécie. O trabalho a ser realizado na escola deve
levar a criança a empregar suas potencialidades em
atividades com objetivos reais e adequadas a seu grau
de desenvolvimento, levá-la a observar os homens e
a interrogá-los, além de despertar nela sensações
diferenciadas
tais
como
cansaço/repouso,
fracasso/vitória, agitação/calma ... Em outras palavras,
a educação deve exaltar no homem aquilo que o
torna humano, enriquecer-lhe e reforçar-lhe o
conhecimento e prepará-lo para as tarefas da vida
(Freinet, 1979).
É o que se busca com a oficina ora proposta, cujo
próprio nome já pressupõe a idéia de trabalho de
produção de leitura (e também de escrita), em um
processo no qual o aluno refaz-se continuamente,
“elaborando seu conhecimento do mundo, da língua, de si
36
mesmo” Pazini (1998). A oficina apresenta-se, dessa
maneira, como um trabalho com objetivos claros
que, visando ao amadurecimento e à emancipação
dos participantes, leva alunos e professores a
interagirem como construtores do processo
educacional, proporcionando o desenvolvimento da
habilidade crítica, a partir do universo de ambos.
Considerando que em uma oficina tanto professores
como alunos protagonizam o conhecimento,
Bordini (1998), em entrevista ao jornal Proleitura,
afirma: “A atividade oficinal poderia se espelhar nos
ateliês medievais, em que um mestre ensinava suas
técnicas aos aprendizes e, ao mesmo tempo,
produzia sua obra com o auxílio destes, que
acabavam ou por reproduzir o estilo do mestre ou
por recusá-lo e criar o seu próprio.”
Como, porém, nenhuma opção metodológica
sustenta-se por si só, uma sólida fundamentação
teórica por parte do professor é pré-requisito para o
sucesso da empreitada. Assim, é fundamental que ele
encare efetivamente a leitura como um encontro
entre sujeitos que interagem entre si, como coprodutores que são do sentido do texto. É preciso
que veja a sala de aula como espaço de interação,
atenuando a distância entre ele e seus alunos e
reconheça na linguagem “a força de ação entre
indivíduos histórica e socialmente marcados, absolutamente
interessados em cada ato de linguagem pelas conseqüências
que dele podem advir” (Pazini, 1998).
O primeiro passo em uma oficina que pretenda
desvendar a subjetividade presente no texto
jornalístico e se posicionar em relação a ela, através
da leitura em sentido profundo, é o contato dos
alunos com jornais variados, em busca da
identificação de suas características físicas: sua
apresentação gráfica, a identificação de manchetes e
de “leads”, bem como a subdivisão dos assuntos
abordados em cadernos, seções, artigos, notícias e
reportagens.
Após o estudo dessas características mais
superficiais, será interessante que o professor
programe uma visita dos estudantes à sede de um
jornal da cidade, onde, além de observarem as
instalações e o funcionamento das máquinas, terão
oportunidade de entrevistar os editores do jornal,
buscando respostas a questionamentos como: quem
faz o jornal e a quem ele é dirigido? qual a função de
um jornal? qual sua matéria prima? qual o perfil
daquele periódico em especial? como são divididas
as funções das pessoas envolvidas na feitura do
jornal? qual a modalidade lingüística nele
empregada? há algum conteúdo censurado naquele
jornal? o jornal se considera formador de opinião?
como e em que seções a opinião é deliberadamente
Benites
expressa no jornal? As respostas a essas questões
serão amplamente discutidas em sala de aula e
confrontadas tanto com o próprio jornal quanto, nos
casos de jornais de maior envergadura, com seu
manual de redação. Só então, o aluno passará à
análise do conteúdo do jornal, propriamente.
Os textos jornalísticos: princípios de composição e
características
Concluída a fase de identificação de
características e objetivos do jornal, é hora de
trabalhar, na oficina de leitura, a percepção das
especificidades tipológicas dos variados textos que o
constituem, tais como chamadas de primeira página,
editoriais, artigos opinativos, notícias, reportagens e
entrevistas.
A primeira página. A análise do jornal terá início
na primeira página, aquela que busca o público mais
diferenciado e que, pretendendo ser representativa
de todas as editorias e estampando assuntos que
interessem a todos os leitores, acaba tornando-se
fragmentada e heterogênea. Através dela, o jornal
propõe-se orientar a visão do leitor, condensando
grandes quantidades de informação proveniente de
textos de fontes diferentes ou muito extensos,
selecionando e suprimindo dados e, especialmente,
hierarquizando os acontecimentos.
Lembrando que os veículos de comunicação
participam efetivamente da produção da imagem que
os leitores compõem da realidade, pode-se
concordar com a afirmação de Suzuki Jr (1985) de
que o jornalismo produz uma história, uma
modalidade própria de conhecimento, uma
verossimilhança. E a primeira página, por seu caráter
heterogêneo, tem um papel fundamental na
construção desse simulacro de realidade. Tanto isso
é verdade que, como lembra o autor, quando se quer
dar uma idéia do que ocorreu no mundo há vinte ou
há cinqüenta anos, é comum se reproduzir somente
a capa de um grande jornal. Entretanto, o confronto
da primeira página de jornais diferentes, com a
mesma data, deixa claro que cada jornal narra a sua
história.
Um outro aspecto da primeira página, que é
importante identificar na oficina de leitura refere-se
à maquiagem esmerada a que ela é submetida, por ser
o espaço de sedução do leitor, e, simultaneamente,
produto e propaganda do jornal. Dessa forma, o
texto ali presente nem sempre corresponde a uma
síntese do conteúdo desenvolvido nas páginas
internas: não raras vezes a primeira página enfatiza
aspectos que só de relance são abordados no interior
do jornal, chamando a atenção para o exótico, para o
O texto jornalístico na escola
cômico, para o trágico ou para outro atributo que, de
alguma forma, possa despertar o interesse do leitor.
Quanto ao estilo, a chamada de primeira página
exige frases curtas, secas, substantivas, que dêem ao
leitor uma idéia de completude, mas, ao mesmo
tempo, o remetam para as páginas que trazem a
cobertura extensiva, numa pretendida relação de
intertextualidade, interna à edição de cada número
do jornal.
O editorial. Outro tipo de texto a ser analisado em
sala de aula é o Editorial, que representa o
pensamento oficial do jornal como instituição. Na
definição de Bond (1959), o editorial é “um ensaio
curto, embebido do senso de oportunidade”. Difere
do ensaio propriamente dito, por não ter, em geral,
valor permanente, subordinando-se sua vida à dos fatos
que o determinam. Sua fonte são os acontecimentos
do dia no campo regional, nacional e internacional,
de preferência os que tocam mais de perto seus
leitores.
Marcelo Coelho (1992) afirma que os editoriais
de jornal estabelecem um contraponto inevitável
com a crueza das reportagens: enquanto a notícia
apresenta secamente os fatos, de forma irresolvida e
material, o editorial comenta, posiciona-se, contesta,
interferindo
sobre
o
absurdo
que
é
homeopaticamente apresentado aos leitores todos os
dias. Para ele, é como se, enquanto a manchete
dissesse: “foi isso!”, o editorial respondesse: “mas não
pode ser!”. Dessa forma, segundo o autor, o
jornalismo estabelece uma relação particular com a
transitividade dos fatos, representando um apelo
para que as coisas mudem, para que não se resumam
a ser simplesmente o que são.
Embora apresente traços estilísticos peculiares, a
página editorial acompanha as tendências e o estilo
próprio do jornal, que pode ser equilibrado, denso
ou leve, conforme a linha do veículo. Aconselham os
especialistas que o editorial evite a ironia exagerada, a
interrogação e a exclamação, e que seja estruturado
de forma a apresentar concisamente a questão de que
vai tratar, o desenvolvimento dos argumentos que o
jornal defende, a refutação de opiniões contrárias e a
conclusão que condensa a posição adotada pelo
veículo. A identificação de cada uma dessas
características no texto é mais uma das tarefas dos
participantes da oficina.
A opinião. Todo jornal reserva seções ou páginas
inteiras para artigos opinativos, alguns dos quais
seguem o enfoque ditado pela linha editorial; outros,
muitas vezes escritos em primeira pessoa, expressam
pontos de vista diferentes sobre um mesmo tema,
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ficando sob a responsabilidade de quem os assina.
Nesse caso, os veículos costumam assinalar
explicitamente que tais publicações “obedecem ao
propósito de estimular o debate dos problemas
locais, nacionais e mundiais e de refletir as diversas
tendências do pensamento contemporâneo”.
Ainda dentro do espírito assumidamente
opinativo, é comum o jornal apresentar uma ou mais
charges relacionadas a um assunto do momento,
bem como uma seção constituída por uma coletânea
de frases de impacto, proferidas por personalidades
em evidência. Em geral, não há nenhum comentário
explícito sobre as frases, apenas a sua citação, com a
informação do autor, da data e do contexto em que
cada uma delas foi proferida. Entretanto, é
perfeitamente possível depreender, através delas,
mudanças de postura de uma mesma autoridade ou
enfoques distintos sobre um mesmo assunto.
Todos os jornais costumam apresentar,
igualmente, colunas constituídas de pequenas notas
sobre os bastidores da política, cada uma delas com
títulos bastante sugestivos. Relatam-se aí, em geral,
declarações inusitadas de personagens da política
nacional a respeito de um opositor ou de um fato
adverso, além de episódios inéditos, recentes ou não,
envolvendo figuras do cenário político.
A notícia. Notícia é, segundo o Novo Manual de
Redação do jornal Folha de S. Paulo (1992: 27), “o
fato comprovado, relevante e novo”. É tido como
relevante o fato que pode gerar maiores
conseqüências para o mundo, para a sociedade e para
os leitores; é importante o fato que desperta
curiosidade, ou aquele que é objeto de maior
identificação entre o público leitor e a personagem
ou a situação do ocorrido; é mais noticioso o fato
mais inesperado e aquele que os poderosos têm
interesse em ocultar. Dessa forma, segundo a mesma
fonte (p. 35), são critérios elementares para definir a
importância da
notícia
o ineditismo, a
improbabilidade, o apelo, o interesse e a empatia.
Abordando as características da notícia, Lage
(1985-b) a classifica como uma construção retórica
referencial que trata das aparências do mundo; além
disso, a notícia é axiomática, ou seja, afirma-se como
verdadeira: não argumenta, não constrói silogismos,
não conclui nem sustenta hipóteses. A única
argumentação permitida na notícia é aquela
reproduzida de outro texto (de um depoimento, por
exemplo). Segundo o autor, ela não questiona,
afirma; não contrapõe formulações contraditórias,
embora possa apresentá-las; não investiga causas ou
conseqüências, embora possa ser o resultado de uma
investigação.
38
Benites
Ao tratar do caráter impessoal atribuído à notícia,
o autor afirma que essa impessoalidade, nos meios
de comunicação atuais, é apenas aparente. A notícia
pode não refletir as crenças e perspectivas do
indivíduo, como ocorria em um momento histórico
anterior, mas, certamente, reflete as crenças e
perspectivas da coletividade que a produz. Para ele, a
melhor técnica apenas oculta preconceitos e pontos
de vista do grupo social dominante. Nessa mesma
direção, Marcondes Filho (1986), recusa a qualquer
jornal a função referencial pura. Segundo ele:
Notícia é a informação transformada em mercadoria
com todos os seus apelos estéticos, emocionais e
sensacionais; para isso a informação sofre um
tratamento que a adapta às normas mercadológicas de
generalização, padronização, simplificação e negação
do subjetivismo. Além do mais, ela é um meio de
manipulação ideológica de grupos de poder social e
uma forma de poder político. (1986: 12).
Para esse autor, a objetividade plena é impossível,
pois “a possibilidade de possuir a verdade é falsa e tende ao
discurso dogmático” (1986: 14). Entretanto, apoiado em
especialistas, ele propõe alguns parâmetros para a
avaliação da seriedade e da objetividade jornalística.
Tem essas características o jornal que não utiliza
sofismas, discursos persuasivos ocultos, afirmações
categóricas injustificadas; o jornal que difunde
também versões discordantes daquela veiculada por
ele; o jornal que deixa clara a postura ideológica que
o leva à interpretação da notícia.
A reflexão sobre o assunto na oficina de leitura
de jornais deve levar o aluno à percepção de que, na
realidade, a inexistência de uma pura objetividade
em jornalismo deve-se ao fato de que a própria
escolha de um assunto, a redação de um texto e sua
edição implicam tomadas de atitudes bastante
subjetivas, influenciadas pelas posições pessoais,
hábitos e emoções do jornalista. Esse aspecto é
acentuado por Van Dijk (1989: 77) para quem, além
de assinalar a postura social do jornalista, a estrutura
da notícia reflete, também, as condições
institucionais dos jornais. Isto significa que os
esquemas das notícias, seus temas, seus atores e seu
estilo de representação ou de citação estão todos
intimamente relacionados com os meios e as
estratégias de produção. Da mesma forma, a seleção
dos atores importantes nas notícias depende de seu
poder político ou social, de sua acessibilidade ou de
muitas outras condições sociopolíticas.
Um outro importante aspecto a ser discutido nas
oficinas de leitura é lembrado pelo mesmo autor: a
própria produção de notícias consiste, em grande
medida, numa forma de processamento do texto, já
que, freqüentemente, o repórter toma conhecimento
dos acontecimentos através de outros tipos de
discurso, os chamados “textos-fonte”, constituídos
por informes de outros meios, mensagens
transmitidas por telefax, boletins de imprensa,
documentos, publicações, conversações telefônicas,
entrevistas, etc. Além disso, os próprios
acontecimentos das notícias são, muitas vezes, de
natureza textual, tais como declarações de
autoridades, debates no congresso, negociações,
cartas, ou outras formas de discurso público
envolvendo pessoas, organizações ou países.
Evidentemente, em cada fase dessa cadeia textual, os
acontecimentos são codificados e recodificados,
sendo-lhes incorporadas as cognições de cada
locutor ou instituição.
A reportagem. Diferentemente da notícia, que
trata necessariamente de fatos novos, a reportagem
trata de assuntos que estão sempre disponíveis e
podem ou não ser atualizados por um
acontecimento (Lage, 1985-a). O ângulo sob o qual
o levantamento do assunto deve ser realizado na
reportagem é preestabelecido pela diretriz do jornal.
A linguagem e o estilo são, nessa modalidade de
texto, menos rígidos que os da notícia, variando
conforme o público e o assunto, e a autoria é
importante, já que sempre se admite na reportagem
alguma interpretação.
Os grandes jornais parecem considerar este
gênero o produto fundamental da atividade
jornalística, o que explica a tendência do jornalismo
contemporâneo, detectada por Lage (1982), de
transformar em reportagem todo fato programado.
O autor aponta a existência de três variações de
reportagens que devem ser identificadas nas oficinas:
as de investigação, em que se parte de um fato para
revelar outros mais ou menos ocultos; as de
interpretação, em que um conjunto de fatos é
observado da perspectiva metodológica de uma dada
ciência; e aquelas que, investindo na revelação de
uma “praxis” humana não teorizada, buscam
apreender a essência do fenômeno, aplicando
técnicas literárias na construção das situações e
episódios narrados.
Embora possa demandar, às vezes, semanas ou
até meses de dedicação a uma só matéria, a
reportagem apresenta a vantagem de ser capaz de
reavivar assuntos, atualizando-os, e de prender a
atenção do leitor, mesmo que ele já tenha
conhecimento de pormenores divulgados.
A entrevista. Sob a forma de perguntas e respostas
pode-se, segundo Lage (1985-a), tentar extrair do
entrevistado informações que resultarão em notícia
O texto jornalístico na escola
(entrevista noticiosa), levantar a opinião sobre o
assunto pesquisado (entrevista de opinião), ou
levantar aspectos biográficos do entrevistado
(entrevista de ilustração). O caráter do caderno em
que a entrevista se insere é que determinará a
modalidade mais oportuna.
Quanto à natureza das declarações colhidas em
entrevista, os periódicos de envergadura costumam
relatar ao leitor não apenas as declarações sérias, mas
também aquelas feitas ao jornalista em tom de
brincadeira, desde que sejam reveladoras da
personalidade do entrevistado. Nesse caso, em geral,
o entrevistador explica o contexto da declaração,
deixando claro que se trata de afirmação jocosa. O
procedimento também se aplica a lapsos do
entrevistado e a declarações irônicas, pois um ato
falho, por exemplo, pode ser mais revelador que
uma declaração pensada.
Esses dados mostram que a entrevista, enquanto
produto apresentado pelo jornal, envolve um alto
grau de participação do jornalista no enfoque que ele
quer ver privilegiado, aspecto este que deve ser
percebido pelos participantes da oficina de leitura de
jornais.
A linguagem jornalística
Além de observar aquilo que diz o jornal, a
análise das diferentes composições textuais em sala
de aula deve levar em conta a modalidade de língua
empregada pelo jornal. A esse respeito, Lage (1982)
afirma que a linguagem jornalística ideal é aquela
que concilia comunicação eficiente e aceitação social,
incorporando expressões coloquiais de criação
recente, denominações transpostas de jargões
científicos para designar novos objetos, e
atualizações
que
se
mostrem
necessárias,
concretizadas, por exemplo, em termos surgidos na
televisão ou em expressões técnicas utilizadas por
economistas.
A análise da linguagem jornalística pelos
participantes da oficina deve permitir depreender as
intenções dos locutores de, em maior ou menor
grau, marcar ou mascarar sua posição, através de
pistas verbais identificáveis em uma análise
lingüístico-discursiva atenta. Além disso, é
importante atentar também para aquilo que não é
dito, para as lacunas deixadas entre as informações e
as direções sutilmente indicadas ao leitor sobre
como preenchê-las.
Na tentativa de dar ao jornal uma feição de
objetividade, os manuais de redação dos grandes
periódicos costumam recomendar que o texto
jornalístico evite o aspeamento e o uso de adjetivos,
especialmente aqueles que implicam juízos de valor.
39
Da mesma forma, os verbos delocutivos ou
declarativos, em textos noticiosos, deveriam ser
usados apenas para introduzir ou finalizar falas dos
personagens da notícia e não para qualificá-las ou
para insinuar qualquer opinião a seu respeito. Assim,
teoricamente, os jornais deveriam dar preferência ao
emprego de verbos como dizer, declarar e afirmar,
mais neutros e verdadeiramente indicadores da
autoria de uma declaração, já que a utilização de
outros verbos poderia conferir caráter positivo ou
negativo
às
declarações
reproduzidas.
Evidentemente, tais recomendações não são
integralmente seguidas ou são completamente
ignoradas pelos diversos veículos, o que poderá ser
avaliado na análise dos textos jornalísticos em sala de
aula.
A adjetivação. A adjetivação é uma das marcas
discursivas mais salientes do posicionamento do
locutor-enunciador e de suas reações diante dos
fatos. O locutor pode privilegiar o emprego de
adjetivos de cunho referencial, que lhe permitem
distanciar-se um pouco mais dos discursos que
relata, limitando intervenções subjetivas; por outro
lado, o emprego de adjetivos avaliativos envolve
inteiramente a pessoa do locutor, uma vez que eles
se prestam a caracterizar, expressando atitudes de
estabelecimento de valores. Segundo Mosca (1993:
267) “Adjetivar é assumir valores”, é exercer uma
atividade subjetiva. E o atributo ou especificação, em
geral, não estão propriamente no ser a que o adjetivo
se refere, mas na imagem que o sujeito dele faz.
Prestando-se para nomear qualidades não
aparentes, para expor contradições e reações afetivas,
e sugerir elementos do imaginário, os adjetivos
avaliativos exercem uma função especial nos textos
naturalmente opinativos como os artigos assinados e
os editoriais. Por trazerem implícitos os padrões de
valores do produtor do discurso, desempenham um
importante papel na rede de relações do texto,
entrelaçando-se quase sempre com outros processos
retórico-argumentativos.
Os verbos delocutivos. Na leitura do texto
jornalístico, em busca da revelação de sua
subjetividade e de suas intenções mostra-se
particularmente importante o papel dos verbos que
fazem referência à atividade delocutiva focalizada no
discurso relatado. Conforme Charolles (1988), com
exceção de dizer, “aparentemente neutro”, esses
verbos veiculam sempre diversos pressupostos.
Assim, ao afirmar-se que alguém revelou alguma
coisa, incide-se sobre o valor de verdade do
enunciado; repetir, replicar e concluir implicam uma
40
posição cronológica posterior a dizer ou afirmar,
enquanto reconhecer ou confessar incidem sobre o
ponto de vista atribuído ao enunciador. A afirmação
de que o outro ordenou ou suplicou revela uma
hierarquia entre os personagens envolvidos no ato de
fala.
Há, por outro lado, verbos que caracterizam a
forma ou o tom em que se dá a fala, como sussurrar,
murmurar, segredar, ciciar, cochichar; outros revelam os
sentimentos, o estado de espírito, as emoções do
locutor, como gemer, suspirar, lamentar-se, queixar-se,
explodir, berrar, gritar. Estes últimos são os
comumente chamados verbos sentiendi.
Pode-se concluir, assim, que os verbos
delocutivos não têm como única função a
apresentação pura e simples do discurso citado, mas
são igualmente indiciadores dos sentimentos e das
concepções do jornalista diante daquilo que cita e
diante das atitudes ou estados psicológicos do
locutor citado.
Os tempos verbais. Além do tipo de verbo
delocutivo, também o tempo verbal pode ser
indicador da opinião do jornalista sobre o discurso
que relata, sobre seu autor ou sobre ambos.
A propósito de tempos verbais, é oportuno
lembrar a distinção feita por Weinrich (1968) entre
relato e comentário. No primeiro, a postura do
locutor é relaxada, descomprometida e envia ao
alocutário sinais de que se espera atitude semelhante
por parte dele. Os interlocutores, no mundo
relatado, comportam-se mais como espectadores que
como personagens ativos.
Já no caso do comentário, o locutor assume uma
atitude tensa, porque seu discurso aborda assuntos
que o tocam diretamente. Aqui, o locutor deseja
transformar seu discurso num fragmento de ação,
visando provocar reações, interferir no mundo e
modificá-lo. Nesse plano de discurso, o locutor
emite sinais de que a alocução não deve ser recebida
com displicência, mas que ela exige uma resposta,
verbal ou não verbal.
Segundo o autor, o mundo narrado e o mundo
comentado são caracterizados, sobretudo, pelo
tempo verbal empregado na alocução. É evidente
que tempo verbal não tem, nessa acepção, nenhuma
relação com o Tempo, mas equivale ao
“comportamento do falante articulado nos dois
grupos temporais do mundo comentado e do
mundo narrado”. (Weinrich, 1968: 201).
Dessa forma, os tempos do mundo narrado
(pretérito perfeito simples, pretérito imperfeito,
pretérito mais que perfeito e futuro do pretérito) e
do mundo comentado (presente, pretérito perfeito
Benites
composto, futuro do presente, futuro do presente
composto) funcionam como sinais lingüísticos de
que o conteúdo da comunicação em que se inserem
deve ser entendido respectivamente como um relato
ou como um comentário.
Existe, em geral, uma concordância entre os
tempos da narrativa e os tempos do relato. Quando
essa concordância é rompida, tem-se, segundo
Weinrich, um caso de metáfora temporal, ou seja: a
presença imprevista de um tempo estranho em um
determinado grupo de tempos que confere ao texto
um matiz expressivo diferenciado. É o que ocorre
quando, num texto jornalístico nitidamente
comentador, construído à base do presente e do
futuro do presente, intercala-se um futuro do
pretérito, tempo do mundo narrado que rompe com
o padrão dos tempos instaurados no texto. Nesse
caso, o futuro do pretérito assume um valor
expressivo de precaução que, imprimindo ao
discurso um tom de descomprometimento por parte
do autor em relação ao fato relatado, limita a
veracidade da notícia. Em outras palavras, a
informação em que ocorre essa metáfora temporal,
embora não chegue ao extremo de ser invalidada,
fica com sua validez muito limitada, uma vez que o
jornalista não se responsabiliza pela sua exatidão,
assumindo o discurso apenas como retransmissor.
Dessa
forma,
parece
inquestionável
a
importância do tempo verbal como um aspecto
gramatical capaz de fornecer indicações sobre as
intenções do locutor citante e, conseqüentemente,
sobre a interpretação que se deve dar ao texto.
O aspeamento. É evidente que as aspas
desempenham um importante papel, na busca pela
fidelidade no relato. Através delas, o jornalista rompe
a aparente homogeneidade do texto, nele inserindo a
voz do outro, o que dá autenticidade a seu próprio
discurso. Essa representação “literal” e “integral” da
fala do outro costuma ser reservada para afirmações
de um certo impacto, seja por seu conteúdo, seja por
sua forma inusitada.
Muito mais comum, entretanto, é o jornalista,
utilizando-se de aspas, tanto nas variantes do
discurso direto como nas do discurso indireto, abrir
um espaço - o das relações semânticoargumentativas - entre a porção posta em destaque
pelas aspas e a seqüência textual onde essa porção se
insere, deixando à mostra sua atitude face ao dito
alheio.
Dessa forma, aspear uma palavra é,
simultaneamente, mencioná-la e fazer um
comentário implícito, emitir um julgamento sobre o
que ela representa e sobre a fonte que a utiliza, seja
O texto jornalístico na escola
com nota de ironia, discordância, seja de respeito,
fidelidade, seja mesmo de desconfiança ou
descomprometimento.
O aspeamento não tem, assim, um estatuto de
neutralidade, de estrita delimitação do discursofonte, mas implica uma tomada estratégica de
posição face ao discurso relatado; revela intenções
variadas do locutor que cita, quer no sentido de
resguardar-se, protegendo-se de polêmicas porque
“foi o outro quem o disse”, quer no sentido inverso
de expor-se a elas, pelo enquadramento do
pronunciamento alheio numa seqüência textualargumentativa que lhe é sutil ou declaradamente
divergente ou convergente. Nesse contexto, uma
importante tarefa dos alunos na oficina de leitura é,
após verificar que o emprego de aspas não confere ao
texto o caráter de objetividade que o jornal parece
julgar inerente a elas, procurar identificar a
conotação assumida em cada uma das ocorrências
dessa marca de heterogeneidade e de alteridade.
Para fechar a oficina
Após o reconhecimento das características
responsáveis pela intencionalidade marcada no
extrato lingüístico-discursivo dos textos, quer sob
forma de indícios verbais (pistas deixadas no
desenvolvimento do texto) quer como comentários
bastante explícitos, definidores do posicionamento
do autor, a oficina de leitura pode passar a efetuar
atividades comparativas entre jornais.
Essa comparação, conforme sugere Faria (1991),
deve envolver um assunto de repercussão local,
regional ou nacional em jornais de diferentes linhas
editoriais e abordar aspectos como o destaque dado
ao assunto (a página em que aparece, a manchete, o
número de linhas dedicado à matéria, a presença ou
a ausência de fotos), a presença de artigos opinativos
ou de editoriais sobre o tema e a diretriz adotada em
cada um desses artigos opinativos. As conclusões
podem originar debates e textos como cartas a cada
um dos periódicos analisados e artigos de
contestação ou de anuência.
O resultado de todo o trabalho deve confirmar
para os alunos que a informação veiculada pelo
jornal é um fato discursivo indicador do
posicionamento do veículo ante os acontecimentos e
de que a “verdade” dos textos jornalísticos deve ser
buscada não apenas na concordância entre o narrado
e o ocorrido, mas também na seleção e ordenação de
vocábulos, acontecimentos e declarações, nos
espaços deixados entre as informações e nas
indicações sugeridas sobre a forma de preenchê-los.
Isso ocorre porque, embora afirme perseguir o
máximo de objetividade possível, o jornal reflete
41
constantemente a presença humana, a participação, o
engajamento, indiciados de maneiras variadas, fato
que confirma a lição proposta pelo jornalista
Marcelo Leite, para quem “a distinção entre notícia e
opinião é fundamental para se entender um jornal,
mas às vezes a mistura das duas coisas permite
compreendê-lo ainda melhor”. (Folha de S.Paulo,
9/4/95: 1-6).
Para os alunos que vierem a participar da
experiência, o saldo será certamente positivo, uma
vez que eles passarão a encarar os textos como
objetos culturais, e, portanto, manipuláveis; os
professores, por seu turno, terão feito das aulas de
Língua Portuguesa espaço para a leitura e a escrita,
em sentido profundo, contribuindo, dessa forma,
para a formação de cidadãos conscientes de seu papel
histórico.
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Abordagem do texto jornalístico na escola: uma proposta