Gestão ambiental participativa nas lagoas costeiras do Norte Fluminense:
avaliação da relação entre etnicidade ecológica e modo de apropriação dos recursos
com vistas à construção coletiva de propostas de manejo
Mariana R. C. Pinheiro1, Marcos C. Santos1, Maria Inês P. Ferreira1, Francisco A. Esteves2
1Centro
Federal de Educação Tecnológica de Campos, Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental
2 NUPEM - Universidade Federal do Rio de Janeiro
Os fóruns de gestão ambiental participativa existentes nas Macrorregião
Ambiental 5 do Estado do Rio de Janeiro vêm evidenciando a existência de
conflitos relativos aos usos e à apropriação dos recursos ambientais associados
ao manejo das lagoas costeiras do Norte Fluminense. Nesse contexto
destacam-se a Lagoa Imboassica, situada no limite dos municípios de Macaé e
Rio das Ostras, e as lagoas costeiras da região do Parque Nacional da Restinga
de Jurubatiba (PARNA Jurubatiba).
Este trabalho buscou compreender a relação existente entre os modos de
apropriação dos recursos ambientais tradicionalmente praticados na região,
modificados pelo aquecimento da economia regional. Também foram
identificadas visões distintas dos atores atuantes nos fóruns sobre outros
aspectos das lagoas costeiras.
A metodologia buscou utilizar técnicas de pesquisa participante, bem como
análise documental de atas e resumos das reuniões dos fóruns, entrevistas semiestruturadas com representações de pescadores, usuários dos recursos, órgãos
do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA) e do Sistema de
Gerenciamento de Recursos Hídricos (SGREH) atuantes nos fóruns regionais.
A análise proposta inicialmente das lagoas costeiras foi separada em dois
grupos (lagoa Imboassica e lagoas do PARNA Jurubatiba) pois as raízes dos
problemas e o histórico de modos de apropriação praticados em cada grupo
são destoantes
Os regimes de apropriação pública e/ou privada tendem a possibilitar a
degradação dos recursos, por não impedir o estabelecimento de condições de
livre acesso, ou por produzir soluções que contemplam demandas de
segmentos específicos, em detrimento dos interesses difusos; em relação ao
regime de apropriação comunal, diversos exemplos demonstram que a natureza
coletiva da propriedade não implica necessariamente em livre acesso,
contrariando a hipótese inicial de Hardin* (VIEIRA et al., 2005).
Etnicidade ecológica e modos de apropriação de recursos
Etnicidades ecológicas são quaisquer grupos de pessoas que derivam seu sustento da negociação cotidiana com o meio
ambiente imediato (HERCULANO e PACHECO, 2006).
Os recursos de uso comum ou recursos comuns podem ser geridos sob um dos quatros regimes básicos de apropriação de
recursos (VIEIRA et. al., 2005):
♣ Propriedade privada: situação na qual um indivíduo ou corporação tem o direito de excluir outros
♣ Propriedade estatal ou pública: os direitos sobre o recurso constituem uma prerrogativa do governo, que controla o acesso e
regulamenta o uso
♣ Propriedade comunal: o recurso é controlado por uma comunidade definida de usuários
♣ Livre acesso: significa ausência de direitos de propriedade bem definidos. O acesso é livre e aberto a todos.
Esses regimes geralmente ocorrem simultaneamente.
*A hipótese de Hardin considerava que todo recurso explorado em regime de propriedade comum implica necessariamente a condição de
acesso livre, sendo que a manutenção dessa condição levaria decisivamente a degradação progressiva e extinção do mesmo.
**Socioecolgia consiste na investigação das dinâmicas de sistemas sociais e sistemas ecológicos integrados (VIEIRA et. Al., 2005).
***Avalia-se resiliência socioecológica tomando por base a capacidade de um sistema responder aos feedbacks e amortecer distúrbios além de
sua capacidade de se organizar e de aprender a se adaptar (VIEIRA et. Al., 2005).
Lagoa Imboassica
Problemas identificados nas lagoas pelos representantes dos três segmentos (poder público, usuários e sociedade civil)
• Ocupação irregular no entorno imediato da lagoa (FMP);
• Ocupação desordenada na bacia de contribuição da lagoa;
• Aporte de efluentes domésticos e industriais não tratados;
• Assoreamento do rio e da lagoa Imboassica;
• Retificação do rio Imboassica.
• Avanço da taboa (Typha domingensis) levando à diminuição do
espelho d´água;
• Aumento da população da tilápia.
Restrições
Potencialidades
• Processo novo, embrionário;
• Falta incorporação do processo pelas instituições;
• Falta de capacitação dos atores;
• Ação refratária aos colegiados;
• Participação assimétrica de cada ator social.
• Construção coletiva das soluções;
• Aproximação dos atores relacionados a recursos
semelhantes;
• Reconhecimentos dos fóruns pelo Ministério
Público;
• Equalização de opiniões.
• Beleza cênica;
• Pesca artesanal (não para subsistência);
• Lazer (contato primário e secundário);
• Melhoria no microclima da região;
• Diluição de efluentes.
CBH Macaé e das Ostras
Câmara Técnica Lagoa Imboassica
CONSÓRCIO
INTERMUNICIPAL
DA MRA-5
INSTITUTO CHICO
MENDES
ORGANIZAÇÕES
NÃOGOVERNAMENTAIS
ORGANIZAÇÕES
NÃOGOVERNAMENTAIS
ORGANIZAÇÕES DA
SOCIEDADE
CIVIL
INSTITUIÇÕES DE
ENSINO E PESQUISA
PREFEITURA
MUNICIPAL DE
CARAPEBUS
PREFEITURA
MUNICIPAL DE
QUISSAMÃ
USUÁRIOS
SUPERINTENDENCIA
ESTADUAL DE RIOS
E LAGOAS
(SERLA)
PREFEITURA
MUNICIPAL DE
MACAÉ
(SEMMA)
PREFEITURA
MUNICIPAL DE RIO
DAS OSTRAS
(SEMMA)
DIAGRAMA DE VEEN: INTERAÇÃO INSTITUCIONAL E FÓRUNS DA REGIÃO PARA GESTÃO DAS LAGOAS COSTEIRAS
Manejo das lagoas: condições para abertura de barras
Lagoa Imboassica
• Consenso entre os representantes: abertura
emergencial das barras deve ser evitada;
•Condicionada à manutenção da
balneabilidade e função ecológica;
• Condicionada ao crescimento da
comunidade de pescadores;
• Condicionada a fatores naturais;
• A integridade do ecossistema deve ser
considerada;
Lagoas Costeiras
• Consenso entre os representantes: abertura
emergencial das barras deve ser evitada;
• Legitimidade da Câmara Técnica do
CONPARNA para estabelecer critérios,
construídos coletivamente, para subsidiar
decisões sobre abertura das barras;
• Aproveitamento do conhecimento
associado às populações tradicionais nas
aberturas de barras.
• Beleza cênica;
• Pesquisa científica;
• Lazer e recreação das comunidades locais;
• Garantia de complementação de renda para as famílias de
pescadores;
• Preservação dos ecossistemas aquáticos.
Principais mudanças observadas no uso/apropriação dos recursos ambientais da lagoa
• Ocupação do entorno;
• Perda da balneabilidade;
• Prejuízo aos pescadores artesanais.
• Captação de água para projetos de irrigação e fins industriais;
• Diluição de efluentes domésticos em algumas lagoas;
• Proibição da pesca nas lagoas;
• Proibição da abertura das barras.
Regimes de apropriação de recursos ambientais praticados nas lagoas
• Propriedade privada (fazendas e parques industriais), estatal
(trecho da rodovia) e livre acesso (barra da lagoa e Pedrinhas).
CONPARNA Jurubatiba
Câmara Técnica Abertura de Barra
• Ocupação irregular no entorno imediato (FMP);
• Aberturas irregulares das barras;
• Avanço da taboa levando à diminuição do espelho d´água;
• Aporte de efluentes domésticos em algumas lagoas;
• Pesca não regulamentada;
• Ausência de normas claras para exploração dos recursos
pesqueiros;
• Possível sobrepesca (desconhecimento da capacidade de suporte
do sistema).
Principais serviços/funções desempenhados pelas lagoas atualmente
Resultados
SISTEMATIZAÇÃO DAS CARACTERÍSTICAS DOS FORUNS PARTICIPATIVOS INVESTIGADOS
Lagoas costeiras do PARNA Jurubatiba
• Propriedade estatal (MMA - Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade) e livre acesso.
Conclusões
• Destaca-se a necessidade de construir coletivamente soluções, incorporando o saber
técnico-científico à visão dos grupos tradicionalmente envolvidos no uso e na conservação
das lagoas;
• Não há consenso sobre a abertura das barras, nem sobre suas condicionantes ou manejo;
• O estudo identificou dois tipos distintos de percepção quanto à forma adequada de
manejo dos recursos da região: o dos pescadores e o dos demais entrevistados, implicando
em desestruturação das formas tradicionalmente praticadas na região. Lança-se portanto
uma hipótese: a socioecologia** não é reconhecida por todos os atores locais;
• Observou-se a necessidade de um estudo sobre as práticas tradicionais de manejo
realizadas nas lagoas e de identificação de alterações na resiliência do sistema
socioecológico**
• Os fóruns participativos têm função estratégica e buscam incorporar os grupos
tradicionais excluídos do processo de gestão ambiental pública;
• O trabalho suscita a elaboração de uma hipótese que requer comprovação posterior: os
fóruns participativos representam um avanço no sentido de propiciar o controle do livre
acesso e/ou da exploração insustentável das lagoas costeiras do Norte Fluminense.
Referências Bibliográficas
•VIEIRA, P. F., BERKES, F., SEIXAS, C. S. Gestão Integrada e Participativa de
Recursos Naturais: Conceitos, Métodos e Experiências. Florianópolis: APED, 2005.
•PARAJULI, P. Retornando ao lar Terra: etnicidades ecológicas e diversidades bioculturais
na idade da ecologia. In: HERCULANO S.; PACHECO T. (Orgs.). Racismo Ambiental.
Rio de Janeiro: FASE, 2006.
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