Regimes de propriedade comum e livre acesso: aspectos sobre a constituição das territorialidades da pesca no baixo Solimões – Manacapuru, Amazonas O estudo enfoca as relações de trabalho na pesca comercial e de subsistência em comunidades rurais na região do baixo Solimões em Manacapuru/AM, a partir da constituição de territorialidades (LITTLE, 2004), enquanto modo de operação para compreender o uso e a apropriação comum dos recursos pesqueiros em áreas comumente denominadas de livre acesso dos lagos e do rio Solimões. Neste sentido, o interesse dá-se em relação à apropriação dos recursos pesqueiros, a formação das territorialidades e a dimensão social dos conflitos estabelecidos pela posse de lugares que geralmente são “naturalizados” como espaços de livre acesso aos recursos disponíveis. A constituição dos mecanismos de reprodução social dos territórios constitui a capacidade de manter o uso comum dos recursos pesqueiros de acordo com as possibilidades encontradas e a gestão das áreas ocupadas. Contudo, a diferenciação entre as áreas de livre acesso particularmente encontradas em determinadas porções de águas do rio Solimões onde não se pressupõe a apropriação das comunidades locais, e as áreas de propriedade comum onde acontecem uma acentuada demarcação dos lagos e pontos de pesca restritos aos sujeitos de um mesmo grupo, revelam diferenças conceituais no estudo abordado, sendo evidentes no local da pesquisa, demonstrando aspectos diferenciados sobre o controle ao acesso dos recursos disponíveis. A atividade da pesca no baixo Solimões configura-se não apenas pela captura do pescado, mas pela apropriação e formas de uso onde ela é realizada, permitindo uma reconfiguração social do ambiente quanto à sua finalidade. A capacidade de gestão das territorialidades de uso comum nas áreas de pesca corresponde a determinados fatores – por exemplo, a comercialização – e se estruturam por meio de normas locais comunitárias que mediam e demarcam o acesso a espaços sociais da pesca circunscritos à indivíduos específicos. A discussão sobre os regimes de propriedade comum e de uso livre dos recursos disponíveis implicam nos aspectos que demarcam a constituição de territorialidades na pesca, pois se configuram enquanto elementos cruciais no debate quanto aos modelos de apropriação dos recursos pesqueiros, já que apresentam dimensões bastante específicas quanto ao uso destes recursos em áreas geralmente consideradas livres de qualquer controle e regulação, logo, existindo mecanismos que delineiam de forma prática os tipos de pescaria existentes em cada lugar, sejam rios ou lagos estando os indivíduos sujeitados às sanções aplicáveis. Não significa dizermos que inexistem áreas de livre acesso nas pescarias, principalmente porque sua ocorrência em grandes áreas abertas dos rios é evidente, contudo apresentam pouca expressividade já que as melhores áreas consideradas perfeitas para a prática da pesca comercial e de subsistência estão em regime de territorialização, sendo apropriadas por comunidades ou grupos de pescadores em determinados locais, sendo consideradas propriedades comuns a determinados sujeitos, e não áreas de livre acesso. Os regimes de propriedade definidos pela territorialização da pesca comercial e de subsistência contrariam os argumentos de Hardin (1968) em torno da pressuposição de que todos os recursos explorados na forma de regimes de propriedade comum necessariamente implicariam, sob as condições de livre acesso, e que este processo induziria, ao passar do tempo, na extinção ou sobreexploração dos recursos. Um número cada vez maior de estudos indica que a natureza coletiva da propriedade não implica necessariamente a condição de livre acesso, ainda que os ambientes e seus recursos em questão sejam considerados como patrimônios da união (McKEAN & OSTROM 2001). Porém, não invalidamos a existência de que, recursos em ambientes onde não haja mecanismos de controle e que ocorra intensiva exploração em um local especifico, possam indicar as condições condições possíveis para a ocorrência de tragédias. Para Vieira e Weber (2002) as modalidades de acesso e controle do acesso aos recursos pressupõem na maioria dos casos a regulação múltipla das formas de uso do ambiente, sendo exemplos a criação de regras e instituições baseadas em costumes, o cultivo de mitos ou representações, a instauração de direitos coletivos ou de direitos históricos pela posse e uso do ambiente. Estes aspectos refletem os modelos de apropriação dos recursos pesqueiros, a forma como são representados indica maior ou menor grau de controle sobre as áreas transformadas pela pesca comercial no rio, e pelo uso comunitário dos lagos na pesca de subsistência. Sua constituição requer o entendimento das formas de interpretação do uso dos recursos e a maneira como são representados material e simbolicamente pelos indivíduos que os compartilham. Esta relação, entre sociedade e ambiente, indica o importante papel do comportamento humano na tomada de decisões e escolhas sobre o processo de apropriação social dos recursos. Referências GORDON, H. S. The economic theory of a common property resource: the fishery. The Journal of Political Economy, n. 62, p. 124-142, feb./dic.1954. HARDIN, G. The tragedy of the commons. Science, n.162, p. 1243-1248, 1968. LITTLE, P. E. Territórios sociais e povos tradicionais no Brasil: por uma antropologia da territorialidade. Anuário Antropológico, Rio de Janeiro, p. 251290, 2004. McKEAN, M. A; OSTROM, E. Regimes de propriedade comum em florestas: somente uma relíquia do passado? In: DIEGUES, Antonio Carlos; MOREIRA, André de Castro C. Espaços e recursos naturais de uso comum. São Paulo: Napaub-USP, 2001. p. 79-96. VIEIRA E J. WEBER (Orgs.). Gestão de recursos renováveis e desenvolvimento: novos desafios para a pesquisa ambiental. São Paulo: Cortez, 2002.