1
Vultos Negros, Heróis da Abolição.
Jorge Luís Rodrigues dos Santos1
Bolsista da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, PENESB
Este artigo pretende discutir a “exaltação à branquitude da história brasileira” e destacar
a participação de personagens negros na Abolição, um momento importante da história
nacional. Analisar a “invisibilização dos personagens negros”, como Luis Gama, André
Rebouças e José do Patrocínio e a mitificação dos “heróis brancos”, como a Princesa
Isabel e Joaquim Nabuco. A luta contra a escravidão teve a participação de “diversos
personagens, de todas as camadas sociais“. A abolição foi fruto de anos de lutas,
embates, esforços (individuais e coletivos). A campanha promovida pela imprensa, as
ações na justiça em busca da liberdade, a promoção de rebeliões e fugas, foram algumas
das ações empreendidas por estes “heróis negros” e que contribuíram para o sucesso da
campanha abolicionista. Resgatar as contribuições destes personagens, as suas
biografias, bem como discutir o “processo de invisibilização historiográfica” que os
transforma em “vultos negros”, e que atribui a Abolição, historicamente, apenas a
atuação dos “heróis brancos”.
Palavras chaves:
Escravidão; Abolição; Branquitude.
Black vultures, Heroes of Abolition.
This article discusses the "excitement to the whiteness of Brazilian history and highlight
the participation of black characters in Abolition, a pivotal moment in national history.
Analyze the "invisibility of the black characters," as Luis Gama, André Rebouças and
Jose do Patrocinio and myth of the "white heroes", as Princess Elizabeth and Joaquim
Nabuco. The fight against slavery was attended by "several characters, from all walks of
life." Abolition was the result of years of struggles, conflicts, efforts (individual and
collective). The campaign promoted by the press, lawsuits seeking freedom, the
promotion of rebellions and escapes, were some of the actions taken by these "black
heroes" and contributed to the success of the abolitionist campaign. Redeem the
contributions of these characters, their biographies, as well as discuss the "process of
historiographical invisibility" that turns them into "black bodies", and it attaches to
Abolition, historically, only the action of "white heroes".
Keywords:
Slavery; Abolition; whiteness.
1
Graduado em Letras, Especialista em Estudos Afro-Diaspóricos, Pós-graduando em Psicopedagogia e
Orientação Educacional. Professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira da Secretaria de Estado
de Educação do Rio de Janeiro.
E-mail: [email protected]
2
A Exaltação à Branquitude da História Brasileira
No ano de 2010, comemoram-se 122 anos da Abolição da escravatura no
Brasil. O dia 13 de maio, dia em que oficialmente foi sancionada a lei que garantia aos
negros a sua liberdade, diferentemente de ser uma data a ser efusivamente comemorada,
contemporaneamente ainda é cercada de contradições e resistências por parte da
população negra. Um dos motivos é não ver na Lei Áurea, uma ação que dignifique a
imagem dos negros em sua busca por liberdade. A Historiografia oficial registra em
diversos documentos, que a abolição foi um ato da Princesa Isabel, proposto por
Joaquim Nabuco que a anunciou da sacada do Paço da cidade em 13 de maio de 1888:
“O Brasil está livre do trabalho escravo. Na tarde de ontem, a Princesa Isabel
sancionou a lei que pôs fim a mais de 300 anos de escravidão. Conforme o senador
Sousa Dantas, havia no país 600 mil escravos. Levantamento do Império mostra que,
no ano passado, eram mais de 700 mil. A Lei João Alfredo, mais chamada de Lei
Áurea, foi aprovada em tempo recorde na Câmara dos Deputados e no Senado, apesar
dos protestos dos poucos parlamentares contrários à abolição.
Calcula-se que cerca de 5 mil pessoas se concentraram diante do Paço da Cidade,para
acompanhar a solenidade de assinatura. O povo irrompeu em aplausos quando o
deputado Joaquim Nabuco, de uma sacada, comunicou que não havia mais escravos no
Brasil. Em uma das janelas, Dona Isabel foi aclamada pelos manifestantes.”2
Pode-se perceber que na História oficial, nos registros históricos e documentos
alusivos à abolição, aos detentores do poder é dado todo o crédito pela promulgação do
ato. A Princesa Isabel, em ato de nobreza, sanciona o projeto proposto pelo parlamentar
Joaquim Nabuco e foram ambos, portanto, os grandes responsáveis pela Lei Áurea, que
encerrava a escravidão no Brasil. A referida lei, de modo explícito, registra que:
LEI nº 3.353, de 13 de maio de 1888 - LEI ÁUREA
Declara extinta a escravidão no Brasil
A princesa Imperial, Regente em Nome de Sua Majestade o Imperador o Senhor D.
Pedro II, faz saber a todos os súditos do Império que a Assembléia Geral Decretou e
Ela sancionou a Lei seguinte (grifos nossos)
Art. 1º É declarada extinta desde a data desta Lei a escravidão no Brasil.
Art. 2º Revogam-se as disposições em contrário.
A exaltação às figuras da Princesa Isabel e Joaquim Nabuco, como os
promotores da abolição perdura até hoje. A criação do mito em torno destes
personagens acabou ofuscando uma leitura realista do episódio, e todos os demais
2
Jornal do Senado, Edição comemorativa dos 120 anos da Lei Áurea – Jornal do Senado – 12 a 18 de
maio de 2008 – Ano XIV – Nº 2.801/172. Disponível em http://www.scribd.com/doc/19659293/Encartesobre-a-Abolicao-da-Escravatura. Acesso em 19/08/2009.
3
protagonistas que tiveram importantes participações durante todo este processo, que
culminou na promulgação da lei, acabaram sendo esquecidos.
A História, entretanto, não é neutra e muitas vezes é usada para legitimar e
validar a “versão oficial dos fatos”, que muitas vezes não encerra a “veracidade dos
fatos”. Como bem afirma Rojas:3
(...) Como refletiu com perspicácia o filósofo alemão Friedrich Hegel (1770-1831), as
coisas não se revelam apenas em seu resultado, mas em todo processo complexo que
conduz ao dito resultado. Então, os”fatos consumados” não têm sentidos sem a
reconstrução dessas múltiplas linhas de histórias alternativas e em conflito, que só
depois de se oporem e de se combaterem até o fim para se imporem sobre as outras,
terminam por “decidir-se” em tal ou qual sentido específico. E assim, como debaixo
desses passados os vencedores estão, todavia, vivos e atuantes, e os muitos passados
estão vencidos, a História, que atende apenas aos primeiros, termina forçosamente
prestando culto aos atuais dominadores, encobrindo-se em uma impossível e nada
inocente “neutralidade”(...)
A utilização da História como estratégia de dominação de um grupo é uma das
formas que permite a manutenção do controle de outro grupo. A difusão de uma história
sem grandes personagens, grandes feitos ou contribuições de relevância acaba por
transmitir uma imagem de incompetência e inferioridade, inculcando um sentimento de
menos valia no grupo em questão, que no caso do Brasil, é a população negra. A
respeito do papel importante desempenhado pela história sobre uma pessoa ou grupo, a
escritora nigeriana Chimamanda Adichie 4observa:
“(...) É impossível falar sobre única história sem falar sobre poder. Há uma palavra,
uma palavra da tribo Igbo, que eu lembro sempre que penso sobre as estruturas de
poder do mundo, é a palavra “Nkali”. É um substantivo que livremente se traduz:”ser
maior do que o outro”. Como nossos mundos econômico e político, histórias também
são definidas pelo princípio do “Nkali”. Como são contadas? Quem as conta? Quando
e quantas histórias são contadas? Tudo realmente depende do poder”. (...) Poder é a
habilidade de não só contar a história de uma outra pessoa, mas de fazê-la a história
definitiva daquela pessoa”.
A História tem uma relação estreita com o Poder e aqueles que dele usufruem.
E para a manutenção do Poder utiliza-se, muitas vezes, a História como ferramenta.
Neste aspecto, Bernd5 (1994, 24) declara:
3
ROJAS, Carlos Antonio Aguirre. Profissão :Historiador, in, Leituras da História, Ano II, No. 18, 2009,
pg.6.
4
ADICHIE, Chimamanda. O perigo da história única. Disponível em:
http://www.ted.com/talks/lang/eng/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story.html. Acesso em
22/03/2010.
5
BERND, Zilá. Racismo e Anti-racismo. São Paulo: Moderna, 1994.
4
“ Uma poderosíssima estratégia de negação do “outro” é justamente o silêncio. Deixar
de registrar os feitos de uma comunidade é relegá-la ao esquecimento. O que não é
evocado, deixa de existir. Assim, a escritura da história é feita, como sabemos, pelos
vencedores, que passam a deter o controle da enunciação, elidindo (isto é deixando
cuidadosamente de mencionar) tudo que poderia engrandecer o vencido.(...) Muitos dos
preconceitos em relação aos negros têm sua origem nas negligências da história, que
ou silenciou a participação heróica dos escravos em rebeliões e guerras ou minimizou
essa participação(...)
Realizar uma releitura da “História Oficial” se faz necessária, para que se possa
compreender em profundidade, e com clareza, a realidade dos fatos narrados. A respeito
desta faceta da História, Rojas6 observa:
“(...) Essa História que só conhece “grandes heróis” e ”façanhas gloriosas”, e que se
confunde com a biografia dos líderes políticos, militares ou intelectuais, registrando
sobretudo epopéias, grandes batalhas, lendas fundadoras, origens e tradições
veneráveis- de mais a mais sempre inventadas- é uma História que se esquece das
massas populares e das classes sociais. Uma História vazia e oficial, que só serve para
sustentara justificação do presente por meio do passado, construindo falsas memórias,
que glorificam artificialmente aqueles “ancestrais” que se quer exaltar, para constituílos como os precursores brilhantes desse presente que se quer legitimar”.
A origem nobre da Princesa Isabel e de Joaquim Nabuco, suas relações e
posicionamentos políticos, acabam por fazer deles heróis em potencial. Schwarcz7 a
respeito da visibilidade dada à figura da Princesa Isabel como “A Santa”, assinala:
“(...) Em meio a uma sociedade de marcas pessoais e de culto ao personalismo, a
abolição foi entendida e absorvida como uma “dádiva”. Um belo presente que merecia,
portanto, troco e devolução. Isabel converte-se em a “Redentora” e o ato transformase em mérito de “dono único”(...)
Nos jornais e nas imagens de época, Isabel passa a ser retratada como uma santa a
redimir os escravos, que aparecem sempre descalços e ajoelhados, como a rezar e a
abençoar a padroeira.
(...) Aos escravos recém-libertos só restaria a resposta servil e subserviente,
reconhecedora do tamanho do “presente” recebido.”
Esta visão sobre a Princesa Isabel ainda permanece nos dias de hoje.
Podemos perceber que, segundo a “História Oficial”, coube aos “nobres
brancos” a “dádiva da abolição”. A revisão desta História atualmente, porém, demonstra
que estas afirmações e mitos podem ser desconstruídos. Outros pontos de vista podem
descortinar “novas verdades”, dependendo do modo de se olhar a questão.
6
ROJAS, Carlos Antonio Aguirre. Profissão :Historiador, in, Leituras da História, Ano II, No. 18, 2009,
pg.7.
7
SCHWARCZ, Lilia Moritz. A Santa e a dádiva, in, Especial Abolição 120 anos. Revista de História da
Biblioteca Nacional, Ano 3, No. 32, Maio de 2008, pg.20.
5
Em 2008, quando da comemoração dos 120 anos da abolição, algumas
publicações e artigos foram veiculados, pela imprensa oficial e a mídia em geral. Em
artigo no jornal O Globo, Miriam Leitão8 declara:
“A luta contra a escravidão foi um movimento cívico de envergadura. Misturou povo e
intelectuais, negros e brancos, republicanos e monarquistas. Foi uma resistência que
durou anos. Houve passeatas de estudantes e lutas nos quilombos. Houve batalhas
parlamentares memoráveis e disputas judiciais inesperadas. Os contra a abolição
reagiram nos clubes da lavoura, na chantagem econômica e nos sofismas.
O país se dividiu e lutou. Venceu a melhor tese. Pena o país ter feito o reducionismo
que fixou na memória coletiva apenas o instante da assinatura da lei pela Princesa.
Tudo foi varrido. Do povo em frente ao Paço à persistência para se aprovar a lei que
tornou extinta a escravidão no Brasil.
(...)Lutou-se com a poesia e o jornalismo. Com a política e o Direito. Lutou-se na
Justiça com as Ações de Liberdade, incríveis processos que escravos moviam contra
seus donos. Os negros lutaram de forma variada: com a greve negra em Salvador,
com rebeliões e quilombos.(...) (grifos nossos)
No Jornal do Senado9 (2008;1), alusivo a comemoração dos 120 anos da
abolição, em edição comemorativa, destacamos as seguintes afirmações:
“O abolicionista Joaquim Nabuco relata que o movimento pelo fim do trabalho servil
no país concentrou- se inicialmente em clubes, lojas maçônicas, associações, cafés e
jornais, e só aos poucos estendeu-se à população. Nesse período, que durou de 1879 a
1884, diz ele, “os abolicionistas combateram sós, entregues aos seus próprios
recursos”. (...) Os republicanos, praticamente todos eles, eram abolicionistas, mas nem
todo defensor do fim do trabalho escravo preferia a República. Joaquim Nabuco, Ruy
Barbosa e Castro Alves são grandes nomes do abolicionismo, que contou também com
negros ilustres, como André Rebouças, José do Patrocínio, Luís Gama e Tobias
Barreto. Luís Gama chegou a ser vendido, aos dez anos, como escravo, e se
transformou em símbolo do movimento em São Paulo (...)”. (grifos nossos)
Podemos verificar que o próprio Joaquim Nabuco destaca a participação de
abolicionistas negros na luta, e estes não foram poucos. Ainda no mesmo Jornal do
Senado (2008;6), encontramos a seguinte declaração:
“A abolição da escravatura foi um processo secular resultante de mobilizações sociais
– inclusive dos próprios negros –, morais, políticas e econômicas. Da assinatura da Lei
Eusébio de Queirós, que proibiu o tráfico negreiro, já se passaram 38 anos de intensa
campanha abolicionista que se finda agora com a Lei Áurea.
Com exemplos europeus de abolição da mão-de-obra escrava, por um bom tempo, o
processo da crítica abolicionista no Brasil concentrou-se em espaços como clubes,
8
9
LEITÃO, Míriam. in, Ora Direis! Coluna Panorama Econômico, Jornal O Globo, 25 de Maio de 2008.
Jornal do Senado, Edição comemorativa dos 120 anos da Lei Áurea – Jornal do Senado – 12 a 18 de
maio de 2008 – Ano XIV – Nº 2.801/172. Disponível em http://www.scribd.com/doc/19659293/Encartesobre-a-Abolicao-da-Escravatura. Acesso em 19/08/2009.
6
lojas maçônicas, associações, cafés e jornais e, aos poucos, estendeu-se à
população”(...).
O que podemos considerar interessante é que apesar de considerar a abolição
como “um processo”, que teve a participação de vários segmentos sociais e foi
conseqüência de diversos fatores (sociais, econômicos e políticos), a exaltação dos
“personagens brancos” é veemente. O referido Jornal do Senado, na sua página 6
apresenta (organizadas em duas colunas), destacadamente à esquerda as imagens dos
“Grandes defensores da Abolição” Joaquim Nabuco, Ruy Barbosa e Castro Alves, com
as suas biografias destacando as suas atuações em favor da abolição. Na coluna à
direita, mais discretamente, apresenta “Os Abolicionistas Negros”, André Rebouças,
José do Patrocínio, Luis Gama e Tobias Barreto, sem destacar porém, de modo
grandioso, os seus feitos.
Por que será que os negros não foram considerados, também, “Grandes
defensores da Abolição”? Por que os “negros” eram apenas abolicionistas?
A Gramática da Invisibilidade: Heróis ou Vultos?
Recorrendo ao dicionário, encontramos para as palavras “Herói” e “Vulto” os
seguintes significados :
“Vulto10 , sm ( lat vultu ) – Figura indistinta . Homem notável, notabilidade, pessoa de
grande importância . Consideração, ponderação . Interesse.”
“Herói11 , sm ( lat heros, do grego héros) – Homem que se distingue por sua coragem
extraordinária na guerra ou diante de outro qualquer perigo . Homem que suporta
exemplarmente um destino incomum, como por exemplo um extremo infortúnio ou
sofrimento, ou que arrisca sua vida abnegadamente pelo seu dever ou pelo próximo.
Personagem preeminente ou central que, por sua parte admirável em uma ação ou
evento notável, é considerado um modelo de nobreza. O protagonista de qualquer
aventura histórica ou drama real. O que, por qualquer motivo, se distingue ou
sobressai”.
A invisibilidade em que os negros são lançados, é de certa forma conseqüência
dos enraizados preconceitos e da difusão massiva de estereótipos negativos a respeito da
etnia negra. Os Negros são notáveis, tem uma grande importância, porém, “a sua figura
é indistinta” – não reconhecida com clareza. Os negros são colocados em situação de
invisibilidade.
10
MICHAELIS 2000: Moderno Dicionário da Língua Portuguesa – Rio de Janeiro: Readers Digest;
São Paulo: Melhoramentos, 2000. volume 2, pág. 2220.
11
MICHAELIS 2000: Moderno Dicionário da Língua Portuguesa – Rio de Janeiro: Readers Digest;
São Paulo: Melhoramentos, 2000. volume 1, pág.1084.
7
Analisando-se as biografias destes “Abolicionistas Negros”, podemos perceber
que suas trajetórias de vida estão plenamente caracterizadas na definição de heróis Homens que se distinguiram por sua coragem extraordinária na guerra ou diante de
outro qualquer perigo. Homens que suportaram exemplarmente um destino incomum,
como por exemplo um extremo infortúnio ou sofrimento, ou que arriscaram sua vida
abnegadamente pelo seu dever ou pelo próximo. André Rebouças, José do Patrocínio e
Luis Gama, hoje tendo suas histórias de vida resgatadas pela historiografia; mais que
vultos, podem ser considerados heróis, importantes na “História da Abolição”.
Entretanto, é necessário que estas histórias de vida possam ser resgatadas,
incluídas e difundidas na História Oficial. O que, segundo Rojas12 deve ser:
“Uma História que, como ensinou o filósofo alemão Walter Benjamin (1892-1940),
distancia-se criticamente das versões oficiais e de glorificação dos vencedores e dos
poderes dominantes, para incluir também o ponto de vista dos oprimidos e das vítimas.
Uma História que, recuperando o registro essencial de todas as classes sociais, restitui
o papel da criatividade e da resistência dos setores populares, abarcando não só os
líderes, mas ainda as massas, não só a política, mas também o poder e o político,
olhando sempre em direção ao econômico, ao social e ao cotidiano por debaixo do
espetacular e do ruidoso dos dramas históricos. Uma História atenta aos múltiplos
vestígios da História profunda e estrutural das civilizações e das sociedades que, sendo
genuinamente crítica, desconfia das verdades e dos mitos, recompondo perante esses
homens de carne e osso, o papel do acaso e da contingência na História, e as múltiplas
encruzilhadas abertas de nosso presente. Uma História nem banal, nem banalizada,
que aceita sem conflito sua condição de arma do presente e que a utiliza para ajudar
conscientemente a iluminar, a partir do presente, o futuro”
Muitas das vezes, estamos impregnados de preconceitos e pautamos nosso
comportamento com base em estereótipos e “falsas verdades“, internalizadas em nosso
consciente pela “prática social“.
É preciso analisar as situações, buscar o conhecimento e questionar as
“verdades absolutas“, que muitas vezes não são “verdades“ ou são, até mesmo, “meiasverdades“. As Histórias influenciam significativamente as nossas vidas. São através
delas que são construídos referenciais que nos orientam nas nossas escolhas.
Chimamanda Adichie13, sobre a importância da história destaca:
“.(...) A única história cria estereótipos. E o problema com estereótipos não é que eles
sejam mentira, mas que eles sejam incompletos. Eles fazem uma história tornar-se a
única história”.(...) A conseqüência de uma única história é essa: ela rouba das
12
ROJAS, Carlos Antonio Aguirre. Profissão :Historiador, in, Leituras da História, Ano II, No. 18, 2009,
pg.8.
13
ADICHIE, Chimamanda. Op.Cit.
8
pessoas a sua dignidade. (...) Histórias importam. Muitas histórias importam. Histórias
tem sido usadas para explorar e tornar maligno. Mas histórias podem também ser
usadas para capacitar e humanizar. Histórias podem destruir a dignidade de um povo,
mas histórias também podem reparar essa dignidade perdida”.
O resgate destas Histórias é de extrema importância. Pestana14 com relação a
usurpação (ou falsificação) da História da Abolição no Brasil declara:
“ Mesmo desmistificada por muitos historiadores, a farsa da abolição da escravatura
se configurou nos livros escolares, seja na omissão da luta que desencadeou o ato
oficial pondo fim ao escravismo, ou por encobrir, por exemplo, que em 1881, o governo
já financiava a vinda de europeus ao país para substituir os negros escravizados. (...)
Ainda assim, o dia 13 de Maio tem sua importância simbólica, não só por aqueles que
lutaram e morreram pelo fim do escravismo, mas como registro de como a história
pode ser usurpada pelos detentores do poder no Brasil. “
Este resgate, de modo efetivo, pode e deve ser feito através da Educação. A
Educação de modo particular tem um papel importante na formação da identidade dos
cidadãos. È no espaço escolar que são disseminados os saberes, valores e práticas
sociais e culturais da nação. E no caso brasileiro, a escola de modo especial
desempenhou um papel de elevada importância, como destaca Muller15 (2008,32):
“A escola primária brasileira teve um papel fundamental na construção da identidade e
do sentimento nacional. A afirmação dos símbolos pátrios, a execução dos rituais
cívicos, assim como a difusão dos mitos de origem e dos heróis a serem reverenciados e
imitados foram realizadas através da escola.
Vultos Negros : Heróis Invisíveis nas Sombras da História
A figura de Joaquim Nabuco, como “Herói da Abolição”, é efusivamente
exaltada. Na comemoração do centenário de sua morte, completados em 2010, a mídia16
destaca-o como “Estadista, historiador, diplomata e sedutor. E, acima de tudo, o
homem que encabeçou a mais justa de todas as causas: a batalha da opinião pública
que terminou por convencer a sociedade brasileira a se mobilizar para acabar com a
escravidão”.
Porém, a historiografia atual já registra variadas faces do Joaquim Nabuco, e
elas permitem avaliar a sua real participação no processo da Abolição.
14
15
PESTANA, Maurício. Usurpação Histórica in Revista Raça Brasil ,No. 132, Maio de 2009, pág.7)
MULLER,Maria Lúcia Rodrigues.Educadores & alunos negros na
Brasília:Ludens; Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2008, pg. 32.
16
Primeira
República.
GRYZINSKI, Vilma. Herói nacional, para sempre in Revista Veja, Edição 2147,13 de janeiro de 2010.
Disponível em http://veja.abril.com.br/130110/heroi-nacional-sempre-p-100.shtml. Acesso em 18 de
março de 2010
9
A sua origem nobre, sua elevada cultura, bem como as relações de proximidade
de seu pai com o poder constituído, favoreceram grandemente seu desenvolvimento na
carreira diplomática e política. A este respeito Alonso17 destaca:
“(...) Mais conhecido por seu ativismo abolicionista, Nabuco foi vários: dândi,
namorador, jornalista e político, intelectual monarquista e pai de família católico,
embaixador e poeta.
Sua primeira vida foi de dândi. Muito alto, encorpado, de olhos vivos e vastos bigodes,
Joaquim Aurélio Nabuco de Araújo era, antes de tudo, um homem bonito, que a
educação aristocrática lustrou com elegância, boas maneiras e erudição. (...)Foi então
transportado para a vida de corte e o mundo da política, no qual seu pai, o senador
José Thomaz Nabuco de Araújo (1813-1878), se destacava. Como rebento da elite
imperial, Nabuco estudou nas melhores escolas – o Colégio Pedro II e as Faculdades
de Direito de São Paulo e Recife –, que o prepararam para a carreira política. Teve
uma juventude desocupada, dedicado aos versos, aos salões e às viagens, às roupas
finas e às conquistas amorosas.Enquanto isso, o pai tramava seu futuro.(...)
(...) Na entressafra política, o pai conseguiu para Joaquim o posto de adido
diplomático em Washington, de 1876 a 1877. Ocupação compatível com o gosto por
viagens que acalentou a vida toda. (...) Entre 1882 e 1884 viveu em Londres, com seu
bom gosto espremido pelos pequenos ganhos de jornalista e consultor jurídico de
empresas inglesas com negócios no Brasil. Para dar conta das funções, acompanhava a
economia, a geopolítica e as sessões do Parlamento britânico. Encantou-se com
William Gladstone (1809-1898), o grande reformista do período, e tornou-se membro
ativo da British and Foreign Anti-Slavery Society, a já então famosa organização
antiescravista inglesa. Para o Brasil, enviou artigos, uma petição sobre a abolição e
um livro de propaganda, O Abolicionismo, no qual denunciava a escravidão como o
alicerce da sociedade, da economia e da política imperiais.
Quando os abolicionistas conseguiram a abolição no Ceará e se formava um gabinete
liberal simpático à causa – o de Manuel de Souza Dantas (1831-1894) – Joaquim
Nabuco voltou.
(...) O abolicionismo recrudescia e a resistência esmorecia. João Alfredo Corrêa de
Oliveira (1835-1915) chegou ao gabinete determinado a resolver de vez a questão,
antes que o Império afundasse com ela. Apesar de conservador, teve apoio dos
abolicionistas. Nabuco o ajudou a apressar o processo legislativo e aprovar num
domingo, 13 de maio, o fim da escravidão no país. Nabuco foi então consagrado herói
nacional, coberto por flores e chapéus atirados pela multidão.
Diferentemente de Nabuco, os “Abolicionistas Negros”, em sua maioria, não
contaram com condições tão favoráveis em suas trajetórias. A começar pelas suas
origens, e lutas que tiveram de enfrentar para adquirir conhecimento e formação, nada
foi conquistado com facilidade. Ferreira18, a respeito de Luis Gama declara:
17
ALONSO,Angela. As várias vidas de Nabuco. Disponível em :
http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=2434 . Acesso em 18 de março de 2010
18
FERREIRA, Ligia Fonseca. Luiz Gama: um abolicionista leitor de Renan. Disponível em :
10
““(...) Poeta, jornalista e advogado, Luiz Gama é um dos raros intelectuais negros
brasileiros do século XIX, o único autodidata e o único, também, a ter vivido a
experiência da escravidão antes de obter "ardilosa e secretamente", conforme assinala
numa correspondência, as provas de ter nascido livre. Provar e conservar a liberdade
não é algo evidente para um negro no século XIX. Mas esse é apenas um capítulo
isolado de uma "biografia de novela" (Fausto, 1994, p.219), pontuada por momentos
candentes do Segundo Império e na qual se sucedem catástrofes e reviravoltas. O
caminho trilhado pelo ex-escravo analfabeto alçado ao status de cidadão foi longo e
árduo. É preciso lembrar que, antes de 1889, a palavra "cidadão" não era apenas
sinônimo de "homem livre". Empregava-se também por oposição a "súdito" no
vocabulário dos antimonarquistas de extração liberal ou republicana que, como Luiz
Gama, atacavam com virulência o governo de Dom Pedro II.
Por volta de 1880, o prestígio de Luiz Gama, então com cinqüenta anos (ele falecerá
seis anos antes da Abolição e sete anos antes da Proclamação da República), era alto e
ultrapassava as fronteiras de São Paulo, onde era considerado um dos "melhores
cidadãos" (Mendonça, 1880, p.50) da cidade onde viveu por 42 anos. Nascido em 1830
em Salvador, Gama é fruto de uma mistura luso-africana, ou seja, de uma "raça
inferior" com uma "raça nobre", conforme escreve Renan em carta ao teórico das
desigualdades raciais, Arthur de Gobineau. Tratava-se de uma "imisção" nefasta
suscetível de "envenenar a espécie humana", tese da qual o híbrido brasileiro se
revelaria um perfeito contra-exemplo.(...)”
“(...) Pode-se estranhar o fato de Luiz Gama jamais ter mencionado o nome de
Joaquim Nabuco em nenhum de seus escritos. É também curioso que esses dois
destacados líderes da luta antiescravista aparentemente nunca se tenham encontrado,
embora durante seus estudos em São Paulo Nabuco tivesse, como Rui Barbosa,
freqüentado a Loja América, bem como outros círculos, literários ou políticos, dos
quais participava Luiz Gama (Ferreira, 2001, p.326).
Seguindo os conselhos que lhe prodigalizara Renan, Nabuco (1988, p.90-2 e 28) faz-se
historiador e escreve uma vasta crônica do abolicionismo, na qual, partidário da
emancipação dos escravos pela via parlamentar, menciona en passant a atuação do
abolicionista negro, sem destacar-lhe nenhum papel pioneiro.
Por parte de Luiz Gama, pesa o mesmo estranho silêncio, originado sem dúvida pelo
fato de colocar o conselheiro Nabuco de Araújo, ex-presidente da província de São
Paulo e pai de Joaquim Nabuco, entre as autoridades anuentes com a escravização
ilegal de africanos.
Quanto aos métodos de luta, os pontos de vista dos dois abolicionistas são
diametralmente opostos, quiçá em virtude do locus socioeconômico e racial a partir do
qual pensam, falam, agem e enxergam a mais grave e complexa questão do Brasil.(...)”
Sobre André Rebouças, que teve uma participação importante na estruturação
das propostas e projetos abolicionistas, Gaspar19 declara:
““(...) André Rebouças sempre foi muito discreto quanto a considerações
relativas a sua cor e ao preconceito que sofria. Poucas vezes falou sobre o assunto e
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142007000200021&script=sci_arttext. Acesso em 16 de
março de 2010.
19
GASPAR, Lúcia. André Rebouças. Pesquisa Escolar On-Line, Fundação Joaquim Nabuco, Recife.
Disponível em: <http://www.fundaj.gov.br>. Acesso em:16 de março de 2010
11
quase não há referências ao problema no seu Diário, utilizado pelos pesquisadores
como importante fonte de informação histórica.
(...) Bacharelou-se em Ciências Físicas e Matemáticas, em abril de 1859, na
Escola de Aplicação da Praia Vermelha, obtendo o grau de engenheiro militar, em
dezembro de 1860.
(...) Rebouças foi convocado para a Guerra do Paraguai, na qualidade de
engenheiro militar, nela permanecendo durante o período de maio de 1865 a julho de
1866, quando teve que retornar ao Rio de Janeiro, por motivos de saúde.
Dirigiu a Companhia das Docas da Alfândega do Rio de Janeiro, de 1866 a 1871,
trabalhando na elaboração de projetos técnicos para novos portos, entre os quais o de
Cabedelo, na Paraíba, do Maranhão, do Recife, de Salvador e, também, no
abastecimento d`água da cidade do Rio de Janeiro, durante a seca de 1870. Em 1871,
assumiu a direção da Companhia Docas Pedro II.
Participou dos projetos da ferrovia Paraná-Mato Grosso (Princesa Isabel); da
estrada de ferro da Paraíba (Conde d’Eu) e da Companhia Florestal Paranaense.
Na década de 1880, se engajou na campanha abolicionista, assim como também o
fez Joaquim Nabuco, com quem trocou significativa correspondência (...)
Rebouças participou da criação de algumas sociedades anti-escravagistas, como
a Sociedade Brasileira contra a Escravidão, a Sociedade Abolicionista e a Sociedade
Central de Imigração. Como abolicionista, contribuiu não apenas como intelectual
para o ideário da abolição, mas também na efetiva atuação no movimento.(...)
(...) André Rebouças tinha grande prestígio pessoal junto a Dom Pedro II. No
período compreendido entre a Abolição da Escravatura, 13 de maio de 1888 e a
Proclamação da República, 15 de novembro de 1889, o imperador atribuiu-lhe
importantes encargos, tendo assim participado amplamente dos acontecimentos
políticos do País.
(...) Abatido pelo exílio e por um estado de saúde precário, morreu no dia 9 de
maio de 1898. Seu corpo foi resgatado, na base de um penhasco de cerca de 60 metros
de altura, próximo ao hotel em que vivia.
A respeito de José do Patrocínio, Carvalho20 destaca:
“(...) O filho do padre João Carlos Monteiro e de sua escrava de 13 anos, Justina
Maria do Espírito Santo, nascido em Campos em 1853, conhecido oficialmente como
José Carlos do Patrocínio, que era Zeca para os amigos, Zé do Pato para o povo,
Proudhomme para os combatentes da abolição, foi um homem complexo que viveu na
fronteira de mundos distintos, se não conflitivos. A começar pela fronteira étnica: pai
branco, mãe negra, um mulato, como se dizia na época, cor de tijolo queimado, em sua
própria definição. Depois, a fronteira civil: mãe escrava, pai senhor de escravos e
escravas. A fronteira do estigma social, a seguir: oficialmente registrado como exposto,
só mais tarde constando o nome da mãe, nunca legalmente reconhecido pelo pai. (...)
Ainda: a fronteira intelectual de uma formação superior mas de baixo prestígio, a de
farmacêutico, convivendo com a formação dos bacharéis em direito, medicina e
engenharia. Por fim, a fronteira entre o reformismo e o radicalismo políticos.
(...) Acima de tudo, estava sua paixão pela causa abolicionista, nascida talvez já em
Campos no convívio com a mãe escrava..(...)
20
CARVALHO, José Murilo de. COM O CORAÇÃO NOS LÁBIOS. Disponível em :
http://www.direitos.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=1199&Itemid=25 Acesso em
16/03/2010
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(...) O ano de 1880 foi ainda particularmente importante por outras razões.(...) Foi
criada por Nabuco, Rebouças, João Clapp, Patrocínio e outros a Sociedade Brasileira
contra a Escravidão, inspirada na British and Foreign Society for the Abolition of
Slavery. Como produto da Sociedade, começou a ser editado o jornal O
Abolicionista.(...) Do ponto de vista da propaganda, a iniciativa mais importante de
1880 foi o início das Conferências Abolicionistas organizadas pelos mesmos lutadores
da Sociedade. Não era ainda a rua, mas eram os teatros do Rio que se tornavam arena
de luta, ampliando e democratizando o que até então se passara dentro do limitado
espaço das Câmaras. (...) Patrocínio apenas ajustou-se às condições da luta. Combinou
a perspectiva da elite ilustrada da época com seu toque popular. Distinguia-se de
Nabuco e Rebouças pelo lado popular, pelo gosto do contato com o povo na praça
pública, pela volúpia de agitar as multidões. Era um agitador dionisíaco em contraste
com o organizador estóico que era o extrardinário Rebouças.(...)
(...) Era inegável a paixão de Patrocínio pela liberdade dos escravos. Havia aí um lado
pessoal, gravado na cor da pele e no fundo da alma, que estava ausente, por exemplo,
em Nabuco. Não se duvida da sinceridade do abolicionismo de Nabuco, mas nele
tratava-se de uma batalha filantrópica e política antes que pessoal. Ou melhor, o lado
pessoal não era nele tão profundo, tão vital, como em Patrocínio.
(...) Ficou, no entanto, como marca registrada de Patrocínio a paixão com que se
dedicou de corpo e alma à luta abolicionista; ficou sua contribuição insubstituível em
levar para a rua uma batalha até então limitada ao parlamento; ficou seu papel central
na criação do primeiro grande movimento político popular da história do país.
Podemos perceber que, as trajetórias destes ativistas negros, em favor da causa
da Abolição, mais que ideológica, foi parte fundamental de suas vidas.
As contradições com as quais tiveram de se defrontar, as concessões, os
dilemas, bem como o sofrimento a que foram submetidos em virtude de suas escolhas
acabaram provocando em todos, perdas irreparáveis de ordem pessoal. Enfrentaram as
perdas e adversidades com determinação e coragem, pois tinham uma missão que não
podiam deixar de cumprir: a conquista da liberdade de um povo. Mudaram a História, e
de protagonistas, passaram à coadjuvantes no processo.
Considerações Finais
Completaram-se em 2010, 122 anos da Abolição da Escravatura no Brasil. E o
preconceito e a discriminação a que estes “Heróis Negros” foram submetidos ainda
persistem. A construção do racismo brasileiro tem uma natureza sócio-histórica. A
negação da sua existência acaba por dificultar o seu combate (e sua conseqüente
eliminação). Homogeneizando a “identidade nacional”, impondo “valores únicos”, e
invizibilizando (e inviabilizando) a existência das diferenças, tenta-se eliminar o
problema. O diferente (o outro) deve ser negado, assim como a sua história, seus
valores, seus saberes. E negando-se, deve assumir a identidade hegemônica ou
submeter-se aos que são “superiores”, por serem detentores da identidade ideal.
13
“Ser negro” é ser desprovido de virtudes, é não ter direito a História. Como diz
Pinheiro21, citando Luis Gama:
“Em nós, até a cor é um defeito. Um imperdoável mal de nascença, o estigma de um
crime. Mas nossos críticos se esquecem que essa cor é a origem da riqueza de milhares
de ladrões que nos insultam; que essa cor convencional da escravidão. tão semelhante
à da terra, abriga sob sua superfície escura, vulcões, onde arde o fogo sagrado da
liberdade."
Resgatar a História dos negros, seus heróis, difundir seus valores, e valorizar
sua identidade é um desafio, em busca de uma sociedade mais justa e igualitária.
Além de gozar de liberdade, a população negra do Brasil deve poder ter seus
feitos e sua participação na construção desta sociedade reconhecida, valorizada e
difundida. Possuir referenciais positivos em que se espelhar, e perceber as suas
competências e capacidades aceitas, em condições de igualdade.
Perceber que a “história única” não é a única possibilidade, vislumbrar uma
nova História, sentir-se parte de uma construção social, como bem declara Chimamanda
Adichie22:
”(...) Eu gostaria de finalizar com esse pensamento: quando nós rejeitamos uma única
história, quando percebemos que nunca há apenas uma história sobre nenhum lugar,
nós reconquistamos um tipo de paraíso”.
E não esquecer a frase de Januário Garcia23, que tem extrema importância em
nossos dias: “Existe uma história do negro sem o Brasil; o que não existe é uma
história do Brasil sem o negro”.
21
PINHEIRO, Amilton. A vida em camadas de Luis Gama. Disponível em
http://racabrasil.uol.com.br/cultura-gente/140/imprime161049.asp. Acesso em 12/04/2010
22
ADICHIE, Chimamanda. O perigo da história única . Extraído:
http://www.ted.com/talks/lang/eng/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story.html. Acesso em
22/03/2010.
23 SILVA, Luciano Pereira da. Consciência e Identidade - a diversidade cultural como representação de
resistência da cultura negra.Extraído: http://cultura.to.gov.br/noticia.php?id=352. Acesso em 28 de Maio
de 2010
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1 Vultos Negros, Heróis da Abolição. Jorge Luís Rodrigues dos