(Re)Pensar o Sujeito Contemporâneo
educação, corpo, gênero e subjetividade
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©2014 Rosemeire de Lourdes Monteiro Ziliani; Deyvid Tenner de Souza Rizzo
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Z649 Ziliani, Rosemeire de Lourdes Monteiro; Rizzo, Deyvid Tenner de Souza
(Re)Pensar o Sujeito Contemporâneo: educação, corpo, gênero e subjetividade/Rosemeire de Lourdes Monteiro Ziliani; Deyvid Tenner de Souza
Rizzo. Jundiaí, Paco Editorial: 2014.
244 p. Inclui bibliografia.
ISBN: 978-85-8148-492-1
1. Práticas escolares 2. Constituição do sujeito 3. Discurso 4. Educação. I.
Ziliani, Rosemeire de Lourdes Monteiro. II. Rizzo, Deyvid Tenner de Souza.
CDD: 370
Índices para catálogo sistemático:
Educação
Pedagogia
370
371
IMPRESSO NO BRASIL
PRINTED IN BRAZIL
Foi feito Depósito Legal
Sumário
Apresentação..........................................................................7
Capítulo 1
A língua de sinais na constituição da subjetividade
surda e as relações de saber e poder no processo histórico
de escolarização de surdos.......................................................11
Janete de Melo Nantes
Grazielly Vilhalva Silva do Nascimento
Capítulo 2
Escolarização como dispositivo:
controle e normalização de subjetividades infantis e jovens...........41
Rosemeire de Lourdes Monteiro Ziliani
Capítulo 3
Escolarização, tempo, espaço..................................................71
Warley Carlos de Souza
Capítulo 4
Sinais de identidade cultural na escola: pensar o
corpo no contexto das aulas de educação física.....................107
Deyvid Tenner de Souza Rizzo
Renato Nésio Suttana
Capítulo 5
Livro didático e concepções de gênero:
uma análise das edicões do livro “o corpo humano:
programas de saúde”, de Carlos Barros, dos anos de 1980.......137
Josiane Alves Poloni
Alessandra Cristina Furtado
Capítulo 6
Lembranças de professores de educação infantil:
concepções de infância e do brincar......................................167
Ida Carneiro Martins
Capítulo 7
Ser administrador: a constituição ética do sujeito.................199
Eveline de Oliveira Gomes
Sobre os autores..................................................................239
APRESENTAÇÃO
Esta coletânea, denominada (Re)Pensar o sujeito contemporâneo: educação, corpo, gênero e subjetividade, resulta de um esforço
em reunir reflexões de um grupo de pesquisadores preocupados
com a constituição do sujeito/subjetividades em nosso tempo.
O objetivo central é socializar estas reflexões e fazê-las circular,
buscando ampliar o diálogo e, talvez, possibilitar a continuidade dos
debates ora iniciados. São resultados de pesquisas que, por diferentes
percursos, pretendem contribuir para pensar sobre o que estamos
fazendo de nós mesmos e do outro nos espaços onde estamos.
O espaço-tempo ou lócus privilegiado nos capítulos foi o da
instituição escolar ou dos processos de escolarização, em seus discursos e práticas... nas lembranças dos professores. Buscou ainda
refletir sobre como o sujeito pode ser entendido como expressão
de discursos, como o da administração.
Ressalta-se que não se pretendeu uma unanimidade teórica,
mas antes dar a ver o sujeito contemporâneo sendo pensado em
diferentes perspectivas.
Os colaboradores da coletânea são mestres e doutores, que
estiveram ou estão vinculados, em alguma medida, à Faculdade de Educação da Universidade Federal da Grande Dourados.
São ex-alunos do Programa de Pós-Graduação em Educação, ex-professores, técnicos e professores a ela atualmente vinculados.
No primeiro capítulo, com o título A língua de sinais na constituição da subjetividade surda e as relações de saber e poder no processo
histórico de escolarização de surdos, as autoras Janete de Melo Nantes e Grazielly Vilhalva Silva do Nascimento colocam em questão
a constituição da subjetividade surda, e afirmam que atualmente
“relances de uma outra forma de subjetivação do surdo, onde a
internalização de sentimentos como incapacidade, inferioridade
e assujeitamento a normas impostas por ouvintes, começam a ser
rejeitadas e questionadas pelas comunidades surdas”.
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Rosemeire de Lourdes Monteiro Ziliani – Deyvid Tenner de Souza Rizzo (Orgs.)
Em Escolarização como dispositivo: controle e normalização de
subjetividades infantis e jovens, Rosemeire de Lourdes Monteiro
Ziliani retoma elementos da invenção da instituição escolar como
lócus fundamental para a normalização de crianças e jovens. Parte
do princípio que alguns dos discursos e práticas em circulação
na passagem do século XIX para o XX engendraram saberes e
fazeres, que associaram e estereotiparam o espaço público como
lugar de miséria e crianças e jovens que o ocupavam como sujeitos “delinquentes e periculosos”. Aspectos que se tornaram fundamentais para a produção/aceitação da instituição escolar como
“o” melhor lugar para educá-las e formá-las.
No terceiro capítulo, denominado Escolarização, tempo, espaço, Warley Carlos de Souza evidencia como os discursos e práticas escolares medem classificam e tentam silenciar os sujeitos ou
objetivam o controle do corpo. As observações empreendidas no
espaço-tempo microfísico da sala de aula deixam ver processos de
conformação dos pequenos e, ao mesmo tempo, suas “resistências” às tentativas de normalização ou de torná-los conforme as
normas. Normas essas que os capturam ao colocá-los no exterior,
como “desajustados”, “doentes”, “indisciplinados”. Para ir além
da “medicação” dos alunos, a proposição do autor aponta para
a necessidade de uma formação de professores capaz de instrumentalizá-los a lidar com os educandos contemporâneos e uma
formação continuada no espaço-tempo escolar.
No capítulo Sinais de identidade cultural na escola: pensar o
corpo no contexto das aulas de educação física, Deyvid Tenner de
Souza Rizzo e Renato Nésio Suttana evidenciam uma possível
relação entre as noções de corpo e cultura, considerando as representações de jovens do ensino médio. Buscam entender “o
modo como as diferenças são significadas pelos personagens”,
sejam elas físicas, de gênero, de cor da pele, maneiras de se vestir,
ou até mesmo culturais, e “[...] de que maneira são construídas,
no contexto pesquisado e na contemporaneidade, as identidades desses sujeitos”.
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(Re) Pensar o Sujeito Contemporâneo: Educação, Corpo, Gênero e Subjetividade
Em Livro didático e concepções de gênero: uma análise das
edições do livro “O Corpo Humano: programas de saúde”, de Carlos Barros, dos anos de 1980, as autoras Josiane Alves Poloni e
Alessandra Cristina Furtado analisam como aparecem as “concepções de gênero” nas edições do livro didático em questão. O
trabalho inscreve-se no campo de pesquisas sobre livros didáticos na História da Educação. Elaboram uma detalhada análise
das noções de gênero inscritas nesse impresso escolar, utilizado
no ensino de ciências no período, explicitando a relevância do
mesmo como fonte de pesquisa.
No capítulo intitulado Lembranças de professores de educação
infantil: concepções de infância e do brincar, a pesquisadora Ida
Carneiro Martins busca as “memórias” de professores da educação infantil para evidenciar a importância da “brincadeira”
como elemento educativo. Para tanto, afirma a necessidade de
“reconhecê-la enquanto prática socialmente determinada”, que
se constitui na relação com o outro, inserida na cultura e em um
tempo específico. Afirma ainda a necessidade de avaliação de seus
“modos de funcionamento”.
No capítulo que encerra a coletânea, denominado Ser administrador: a constituição ética do sujeito, Eveline de Oliveira Gomes
lança mão da concepção de sujeito conforme proposta por Michel
Foucault e traça considerações acerca da constituição ética do sujeito-administrador ou problematiza esse sujeito “como expressão
do discurso da Administração”. Realizando uma série de entrevistas, suas análises procuram tornar evidentes algumas “técnicas
de si” empreendidas pelos sujeitos, objetivando uma elaboração
de si mesmo como profissional da área da administração. Sujeito
“administrador” que, em alguma medida, se constituiu em meio
a discursos e práticas educativas.
Os organizadores
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Capítulo 1
A LÍNGUA DE SINAIS NA CONSTITUIÇÃO DA
SUBJETIVIDADE SURDA E AS RELAÇÕES DE
SABER E PODER NO PROCESSO HISTÓRICO DE
ESCOLARIZAÇÃO DE SURDOS
Janete de Melo Nantes
Grazielly Vilhalva Silva do Nascimento
Ser surdo é, em primeiro lugar, não ser escutado. Os ouvintes se agitam, falam e decidem por vocês [surdos] como
se simplesmente não estivessem aí. Os responsáveis oficiais
da pedagogia dos surdos foram durante cem anos a ilustração, em escala institucional, do que acontece com as pessoas
surdas na sua cotidianidade. E se mostram tão incapazes de
prestar atenção aos propósitos dos Surdos, que esses propósitos ficam, de qualquer maneira, desqualificados de antemão
ante seus olhos: os surdos não são profissionais, não são especialistas, não sabem do que falam. (Bernard Mottes, 1992)
A temática desse texto envolve a constituição da subjetividade surda engendrado em uma relação de cuidado, saber e de poder. Para tanto será necessário refletir sobre as relações de poder e
saber existentes: “Não há relação de poder sem constituição correlata de um campo de saber, nem saber que não suponha e não
constitua ao mesmo tempo relações de poder” (Foucault, 2006,
p. 32); o que determina as formas e os domínios do conhecimento são o saber-poder, os processos e as lutas que os atravessam e
pelos quais são constituídos.
Nesse contexto, muitas questões são levantadas quando se
pensa na constituição da subjetividade surda, desse sujeito que
vive em zona de fronteira com sua língua (a língua de sinais de
natureza visoespacial) e com o grupo majoritário, falantes de outra língua (língua oral de natureza oral-auditiva).
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Rosemeire de Lourdes Monteiro Ziliani – Deyvid Tenner de Souza Rizzo (Orgs.)
Os surdos brasileiros são usuários da Língua Brasileira de Sinais e, por isso, reivindicam o reconhecimento de sua diferença
linguística e do atendimento a suas necessidades específicas para
que se possa vislumbrar uma possível inclusão em um mundo
completamente voltado para os que ouvem.
Ao pensar sobre a questão da diferença e sobre as relações de
poder, Skliar (2006) afirma que muitas vezes as políticas de inclusão trocam a questão da diferença pela obsessão ao diferente,
A preocupação com as diferenças tem se transformado, assim, em uma obsessão pelos diferentes. É necessário suspeitar dessa modalidade de tradução pedagógica que se obstina
desde sempre em apontar com o dedo quem e como são
“os diferentes”, banalizando ao mesmo tempo as diferenças.
(Skliar, 2006, p. 24)
O autor sugere que se separe rigorosamente a “questão do outro” – que é uma questão ética, um problema filosófico relativo a
isso e à responsabilidade quanto a toda e qualquer alteridade – da
“obsessão pelo outro”.
A diferença, ainda tem sido concebida em nosso meio como
uma anormalidade e ainda causa certo estranhamento para a
maioria enquadrada em padrões socialmente estabelecidos e aceitos. Nessa perspectiva,
A diferença pode ser entendida como um estado indesejável
ou impróprio. Ela inscreve-se na história e é produzida com
ela. Sendo uma condição necessária para a própria ideia de
inclusão, a diferença surge como possibilidade de resistência
a políticas excludentes e as práticas classificatórias e hierárquicas. (Lopes, 2009, p. 21)
Foucault pensa no “sujeito” como uma invenção moderna,
como um produto da sociedade, investiga como esse conceito foi
construído ao longo da história, para ele o “homem” foi inventado
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(Re) Pensar o Sujeito Contemporâneo: Educação, Corpo, Gênero e Subjetividade
a partir do século XVI, se constituindo enquanto objeto. A noção
de sujeito para ele passa pela ideia de que “[...] o homem é uma invenção cuja recente data a arqueologia de nosso pensamento mostra facilmente. E talvez o fim próximo” (Foucault, 1999, p. 404).
Em relação ao sujeito e sua subjetividade, o desafio para esse
autor é chegar a
[...] uma análise que possa dar conta da constituição do
sujeito na trama histórica, é isto que eu chamaria de genealogia, isto é, uma forma de história que considera a constituição dos saberes verdadeiros de época, dos discursos dos
domínios de objetos etc., sem ter de se referir a um sujeito,
quer ele seja transcendente em relação aos campos de acontecimentos, quer ele perseguindo sua identidade vazia ao
longo da historia. (Foucault, 1979, p. 7)
Portanto, o sujeito possui uma gênese, uma formação, uma
história. Ele não é originário, crítica que Foucault faz ao sujeito
entendido pela filosofia “de Descartes a Sartre”. As pessoas não
nascem sujeitos, se tornam, são constituídas como ser vivo, falante e trabalhador que se relaciona consigo mesmo por meio de
práticas que podem ser de poder ou de conhecimento ou ainda
por meio de técnicas de si.
O autor discute o sujeito como origem do conhecimento,
como fundante do saber, assim, critica o modelo cartesiano no
qual o sujeito é produzido e não produtor de uma sociedade. E é
ao ser produzido pela sociedade que ele contribui para a produção da sociedade. E são nessas relações sociais que se produzem
tecnologias de saber e de poder, as quais merecem ser analisadas
nas formações discursivas específicas dos surdos, de suas histórias
e os lugares ocupados no contexto mais amplo do poder.
Foucault nos ajuda a compreender o discurso e as práticas
discursivas em relação à constituição da subjetividade surda, situação em que a linguagem não assume uma condição de ligar
o pensamento à coisa pensada, mas como constitutiva do pen13
Rosemeire de Lourdes Monteiro Ziliani – Deyvid Tenner de Souza Rizzo (Orgs.)
samento, do sentido que damos às coisas, a nossa experiência,
ao mundo. Assim, “[...] o discurso não é simplesmente aquilo
que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por
que e pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar”
(Foucault, 1996, p. 10)
Os discursos, para Foucault, não são resultado da combinação
de palavras que representariam as coisas no mundo, não são um
conjunto de elementos significantes os quais remeteriam a conteúdos exteriores aos próprios discursos. Pelo contrário, “os discursos
formam sistematicamente os objetos de que falam. Certamente,
os discursos são feitos de signos; mas o que eles fazem é mais que
utilizar esses signos para designar coisas. É esse mais que os tornam
irredutíveis à língua e ao ato da fala” (Foucault, 2009, p. 56).
1. O processo de subjetivação dos surdos
na trama histórica
Foucault (1977) ocupou-se em construir um relato sobre o
lugar do sujeito, da subjetividade e do indivíduo moderno. O
foco central da genealogia de Foucault foi de demonstrar o desenvolvimento de técnicas voltadas para os indivíduos. Para o
autor, o indivíduo é, sem dúvida, “o átomo fictício de uma representação ideológica da sociedade, mas é também uma realidade
fabricada por esta tecnologia específica de poder que chamamos
disciplina” (Foucault, 1977, p. 195-196).
No caso dos surdos, historicamente foi e continua a ser difícil disciplinar um grupo que não domina a língua do dominador,
comprometendo assim o êxito dessas técnicas. No processo histórico de sua educação, algumas estratégias foram elaboradas no
sentido de fazer com que o surdo aprendesse a língua oral na qual
deveria ser disciplinado, mas de certa forma, a própria imposição
de que estes sujeitos deveriam fundamentalmente aprender e dominar outra língua que não a sua língua natural e que lhes exige
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(Re) Pensar o Sujeito Contemporâneo: Educação, Corpo, Gênero e Subjetividade
esforço descomunal de aprendizagem, muitas vezes imposta, pode
ser compreendido como forma inicial de disciplinamento. Atualmente, as línguas de Sinais em várias partes do mundo, já são
reconhecidas oficialmente, porém vistas, ainda, como meio mais
eficaz de se atingir os objetivos da tecnologia específica do poder.
Entender como a ciência e a educação concebem ou conceberam o sujeito surdo requer que se observe a organização e a coerência das práticas sociais e educacionais no processo histórico.
Para compreender a constituição da subjetividade surda no
processo histórico tem-se que voltar à idade antiga e se reportar
à visão aristotélica em que a audição era considerada como uma
das sensações que mais contribuía para o desenvolvimento da
inteligência e aquisição do conhecimento. Portanto, os nascidos
surdos eram considerados insensatos e sem capacidade para a razão. Segundo Goldfeld (1997), muitos surdos foram condenados
à morte e ao abandono e aqueles que sobreviviam não tinham direito de receber a comunhão por não poderem confessar os seus
pecados. Também não podiam se casar, receber heranças, enfim,
exercer práticas sociais que aos outros era comum e permitido.
Com o surgimento do cristianismo medieval tem-se o nascimento das técnicas de confissão e seu apogeu deu-se pela Igreja,
das quais os surdos não podiam participar, eram então destituídos de seu direito. Por volta do século XVIII, essa técnica especializou- se e multiplicou-se em especificidade, ou seja, diferentes
campos do saber (biologia, medicina, psiquiatria, psicologia, moral e política) passaram a produzir discursos específicos de acordo
com seus interesses cujo efeito era o aumento dos discursos sobre
determinadas áreas do ser humano, como o sexo e a sexualidade. Tem-se então a formação de uma ciência-confissão, a instauração da verdade agora científica que, de acordo com Foucault
(1985, p. 58), “[...] a confissão da verdade se inscreveu no cerne
dos procedimentos de individualização pelo poder”. A confissão
passa a ser injunção desses novos saberes e as ciências humanas
esmeram-se em elaborar suas verdades, pela nova ciência. A igreja
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