… da Literatura para a Vida …
Projeto da disciplina de Literatura Portuguesa
No âmbito deste projeto serão divulgados textos
produzidos pelos alunos, com uma periodicidade mensal.
-------------------------------------------------------------------------------------… De olhos abertos …
Desde os primórdios, a Literatura – já na sua fundação mítica, na
figura de Orfeu – é indissociável da formação de indivíduos livres e de
cidadãos responsáveis que contribuam, ativamente, para o «bom governo
da cidade», numa conjugação de paideia e humanitas, de formação,
cultura e cidadania. Nesta linha de pensamento, George Steiner entende
que «as humanidades, no sentido mais profundo e mais criador, visam,
eternizar o homem».
A literatura expõe quer as mutações históricas quer a condição
humana no seu devir, questiona tanto o enigma do humano como o sentido
da vida, encarnando, deste modo, a renúncia à resignação formulada por
Albert Camus: «se o mundo fosse claro, a arte não existiria».
O conhecimento a que a literatura dá acesso mostra-se também
através das metáforas que a desvelam e atravessam os tempos, na sua
qualidade de metáforas da existência humana. O género romance é, por
alguns, associado a Janus, o deus de todas as portas, o das partidas e dos
regressos; o deus dos começos e de todas as vias de comunicação.
Representado com duas cabeças – o bifronte – é o guardador do exterior e
do interior da morada, do acesso e da saída de todas as portas. Janus foi
considerado o promotor dos empreendimentos humanos e foi-lhe atribuído
um papel decisivo na criação do mundo. Um exemplo significativo desta
conceção é o belíssimo texto de Henry James, The house of fiction,
ilustrativo da riqueza e multiplicidade de perspetivas sobre a «cena
humana» que o romance constrói. Há, por outro lado, um entendimento
da literatura como labirinto – evidenciado na parábola de Jorge Luis
Borges, O jardim dos caminhos que se bifurcam –
que pressupõe um
trajeto e uma incógnita, a construção de um percurso por entre o
desconhecido, problemas e possibilidades de escolha, questionamentos,
encruzilhadas e saídas.
A Biblioteca de Alexandria, a «grande época da biblioteca privada», a
«Biblioteca de Babel» imaginada por Jorge Luis Borges, a «Enciclopédia»
na aceção de Umberto Eco e a biblioteca virtual configuram o cruzamento
de tempos civilizacionais diferenciados e sinuosos, num itinerário que
contém e conta a cultura e a memória da humanidade. A sua confluência
na contemporaneidade possibilita o acesso a formas de conhecimento, de
consciência crítica e de densidade que contraditam a «gente vinda do
presente», nas palavras de Mário de Carvalho, despojada da memória e do
«tempo para o amadurecimento» que George Steiner preconiza para a
relação com os livros. A frase «n’allez pas trop vite» atribuída a Marcel
Proust em conversa com um jovem diplomata, pressupõe um olhar
demorado, uma atenção ao pormenor, uma valorização da particularidade
que distingue, implicando uma maior compreensão do mundo.
No entendimento de Umberto Eco, uma biblioteca à medida do ser
humano é também «alegre» ou como disse Marcel Proust a André Gide:
«acredito que é possível ter uma opinião bastante elevada da literatura e,
ao mesmo tempo, rir genuinamente dela». Por seu turno, Herman Hesse
concebe a sua «biblioteca universal», em contínua construção, como
«património da humanidade», apoiado no «facto de as obras mais velhas
serem as que envelhecem menos». E se na aceção de Italo Calvino, «um
clássico é um livro que nunca acabou de dizer o que tem a dizer», tal não
significa que a literatura dê respostas, antes coloca questões, pois, como
afirma Marguerite Yourcenar,
colocar a questão – que pressupõe estar
atento – é já uma ‘resposta’ porque, acima de tudo, é necessário «ter os
olhos abertos».
Nesta perspetiva, a prática das humanidades pressupõe uma ética e
incita a uma lucidez moral que se afasta do puro entretenimento, da
distração, e reconduz ao «sofrimento do mundo». Por conseguinte, tal
como escreve Gonçalo M. Tavares, a leitura é um «convite para a ação»,
pois exige «uma vitalidade que só quem age com força sobre o mundo
consegue acompanhar» e, nesta medida, os livros são, para o leitor,
«incentivos».
Rainer Maria Rilke concede à literatura e
às obras de arte
«existências secretas, cuja vida permanece, ao lado da nossa que passa».
Assim, cabe a cada um caminhar para as apreender e fazer-lhes justiça,
com
a consciência de que a escalada é árdua … mas as portas estão
acessíveis…
A professora
Fernanda Peixoto
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Texto da professora Fernanda Peixoto