Lei n.º 277/74, de 25 de Junho (da Presidência do Conselho de Ministros) Saneamento da Administração Pública Considerando que o Programa do Movimento das Forças Armadas prevê o saneamento da actual política interna e das suas instituições; considerando que se impõe a imediata reestruturação do aparelho do Estado em função da ordem democrática, em termos de o dotar de maleabilidade e eficiência; considerando que as forças armadas tomaram análogas medidas para o seu próprio saneamento; usando da faculdade conferida pelo n.º 1, 3.º, do artigo 16.º da Lei Constitucional n.º 3/74, de 14 de Maio, o Governo Provisório decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte: Artigo 1.º - 1. Os servidores civis do Estado, serviços e empresas públicas, autarquias locais e demais pessoas colectivas de direito público podem ser demitidos, mandados aposentar, suspender ou transferir, nos termos estabelecidos por este diploma. 2. Será constituída, por despacho do Primeiro-Ministro, uma Comissão Interministerial de Reclassificação, encarregada de estudar e apresentar aos Ministros competentes propostas para a suspensão, transferência, aposentação ou demissão dos funcionários ou agentes a que refere o número anterior. 3. O processo de saneamento regulado no presente diploma não prejudica o apuramento de quaisquer responsabilidades disciplinares, civis ou criminais imputáveis aos funcionários visados. Artigo 2.º - 1. Os funcionários ou agentes referidos no n.º 1 do artigo anterior inscritos na Caixa Geral de Aposentações que contem 60 ou mais anos de idade podem, independentemente da forma do respectivo provimento e por mera conveniência de serviço, ser mandados aposentar imediatamente por despacho do Ministro competente, sem necessidade de prévia audiência da Comissão Interministerial de Reclassificação. 2. Para efeito de cálculo da respectiva pensão de aposentação, incluir-se-á no cômputo do tempo de serviço efectivo o tempo que faltar para os interessados atingirem o limite de idade. Artigo 3.º - 1. Sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo anterior, os funcionários ou agentes que contem, pelo menos, 15 anos de serviço efectivo podem ser aposentados compulsivamente por simples despacho do Ministro competente, desde que, pelo seu comportamento, mostrarem não oferecer actualmente garantias de idoneidade para o exercício das suas funções, revelarem desrespeito pelos princípios consignados no Programa do Movimento das Forças Armadas ou comprometerem a eficácia do serviço público. 2. Os funcionários ou agentes que contem menos de 15 anos de serviço efectivo e se encontrem nas situações previstas no número anterior serão demitidos. 3. O despacho ministerial que aplique algumas das sanções previstas neste artigo deve ser proferido com prévia audiência ou sobre proposta da Comissão Interministerial de Reclassificação. Artigo 4.º - 1. Os funcionários ou agentes referidos no n.º 1 do artigo 1.º podem ainda, por despacho do Ministro competente, independentemente da forma do respectivo provimento, ser suspensos do exercício das suas funções por período não superior a três meses, mantendo, porém, durante o período da suspensão, o direito à antiguidade e às remunerações certas correspondentes ao respectivos cargos, como se estivessem ao serviço efectivo. 2. Mediante proposta da Comissão Interministerial de Reclassificação e com vista a uma melhor estruturação da Administração Pública, os funcionários podem, findo o período da suspensão, ser transferidos para lugares, serviços, organismos ou quadros diferentes, mesmo que de outro Ministério, mediante despacho conjunto dos respectivos Ministros. 3. Independentemente do disposto nos dois números anteriores, os funcionários ou agentes podem ainda, por mera conveniência de serviço e mediante simples despacho do respectivo Ministro, ser transferidos, sem prejuízo do seu vencimento, para lugares, serviços, organismos ou quadros diferentes, mas do mesmo Ministério. Artigo 5.º - 1. A Comissão Interministerial de Reclassificação, quando proponha a transferência, aposentação ou demissão de qualquer funcionário ou agente, deverá fundamentar a sua proposta tendo sobretudo em conta os seguintes aspectos: a) Comportamento contrário ao espírito da ordem democrática estabelecida, revelado já depois do dia 25 de Abril de 1974; b) Factos que comprovadamente revelem a inadaptação do funcionário ao novo regime democrático; c) Características e qualificações do funcionário que o recomendem para funções diversas das anteriormente exercidas. 2. No caso previsto no n.º 1 do artigo 3.º, a Comissão Interministerial de Reclassificação poderá propor e o Ministro respectivo determinar que, atentas as circunstâncias, sejam atenuadas ou, até, que deixem de verificar-se os efeitos que, nos termos da lei geral, a aposentação compulsiva importa. Artigo 6.º Cessam em 30 de Junho de 1974 todas as comissões de serviço iniciadas antes de 25 de Abril do ano corrente, continuando, porém, os funcionários ou agentes nessa situação a desempenhar as respectivas funções enquanto não for feita nova nomeação, salvo decisão ministerial em contrário. Artigo 7.º São demitidos da função pública todos os funcionários da extinta DirecçãoGeral de Segurança ou polícias suas predecessoras, bem como os seus informadores e aqueles que nelas prestaram serviço em comissão. Artigo 8.º Das decisões definitivas e executórias proferidas nos termos e ao abrigo deste diploma poderão os interessados interpor recurso de plena jurisdição para o Supremo Tribunal Administrativo no prazo de quinze dias após a sua notificação. Artigo 9.º São garantidas, nos termos da lei, a natureza vitalícia e a inamovibilidade dos juízes dos tribunais ordinários em efectividade de funções. Decreto-Lei 366/74, de 19 de Agosto Comissões Ministeriais de Saneamento Encontram-se vários Ministérios a braços com graves e numerosos problemas de saneamento que nem podem ser deixados a juízos emitidos por grupos anónimos, nem decididos personalística e discri-cionariamente pelo titular de cada pasta. O Decreto-Lei n.° 277/74, de 25 de Junho, veio estabelecer os princípios básicos do saneamento da actual política interna e das suas instituições, na linha definida pelo Programa do Movimento das Forças Armadas institucionalizado pela Lei Constitucional n.° 3/74, de 14 de Maio. Ao abrigo do n.° 2 do artigo 1.° do aludido decreto-lei foi já designada uma Comissão Interministerial de Reclassificação que deverá orientar a sua actuação segundo as normas traçadas naquele diploma e aplicando os critérios nele definidos, mas é evidente que o seu funcionamento, para ser verdadeiramente profícuo e para que possa atingir os objectivos em vista, deve ser regulamentado, carecendo igualmente de regulamentação o processo de reclassificação ou saneamento, cujas linhas mestras ficaram traçadas no citado diploma legal. Nestes termos: Usando da faculdade conferida pelo n.° l, 4.°, do artigo 16.° da Lei Constitucional n.° 3/74, de 14 de Maio, o Governo Provisório decreta e eu promulgo o seguinte: Artigo l.º 1. Em todos os Ministérios civis será criada, no prazo de dez dias, a contar da entrada em vigor deste diploma, uma comissão ministerial para o saneamento e reclassificação, composta por três membros, a nomear pelo respectivo Ministro de entre os trabalhadores do departamento, um dos quais será designado presidente. 2. Haverá também uma comissão ministerial para o saneamento e reclassificação na Presidência do Conselho de Ministros, a nomear pelo Primeiro-Ministro, e cuja competência abrangerá o pessoal do respectivo quadro único, e ainda o pessoal de todos os organismos dela dependentes. Artigo 2.º As comissões para o saneamento e reclassificação tomarão posse no prazo de cinco dias após a publicação do despacho da sua designação, perante o PrimeiroMinistro ou o Ministro do departamento respectivo, entram imediatamente em funções, e consideram-se extintas no dia 31 de Dezembro do corrente ano. Artigo 3.° 1. As mesmas comissões funcionarão em estreita colaboração e segundo o plano e directrizes coordenativas traçadas pela Comissão Interministerial de Reclassificação, e têm por principais atribuições as seguintes: a) Inquirir por sua iniciativa quaisquer factos que visem a aplicação do Decreto-Lei n.° 277/74, de 25 de Junho; b) Anunciar, por qualquer meio de publicidade, o início das suas actividades, estabelecendo um prazo não superior a trinta dias, a contar da data do anúncio, para apresentação de queixas, reclamações ou participação de factos, por escrito, assinado e com indicação de meios de prova, bem como proceder ou mandar proceder a inquéritos sumários ou outras diligências que julguem necessárias para o apuramento da verdade; c) Elaborar, com base nos elementos reunidos, propostas para a suspensão, transferência, aposentação ou demissão dos funcionários ou agentes que prestem serviço nos respectivos departamentos, submetendo-as directamente à apreciação ministerial nos casos do n.° l do artigo 2.° e n.ºs l e 3 do artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 277/74, ou enviar os respectivos processos à Comissão Interministerial de Reclassificação, acompanhados do seu parecer nos restantes casos. 2. Quaisquer comissões que tenham sido ou vierem a ser constituídas no âmbito dos serviços, com vista ao saneamento das instituições públicas, devem agir em estreita colaboração com as comissões ministeriais previstas neste diploma, devendo igualmente submeter-se às orientações por elas traçadas, e dar-lhes conta dos resultados das suas actividades na consecução das finalidades impostas pelo Decreto-Lei n.º 277/74. Artigo 4.º A competência das comissões ministeriais para o saneamento e reclassificação não substitui, nem por qualquer forma prejudica a competência e poderes atribuídos pelo Decreto-Lei n.° 277/74, de 25 de Junho, aos titulares de quaisquer pastas ministeriais. Artigo 5.º O Governo estabelecerá, por sua iniciativa ou proposta da Comissão Interministerial de Reclassificação, critérios gerais a observar no funcionamento das comissões criadas pelo presente diploma. Artigo 6.º 1. As comissões ministeriais de inquérito para o saneamento e reclassificação devem ouvir o funcionário ou agente, sempre que entendam haver motivo para que lhe possa ser aplicada algumas das medidas legais, mandando reduzir a escrito a sua defesa quando esta for prestada oralmente. 2. As mesmas comissões poderão requisitar todos os elementos e documentos necessários à instrução dos processos de que se ocupem a qualquer entidade pública ou privada, e, bem assim, proceder a quaisquer diligências necessárias à obtenção de uma decisão conscienciosa. 3. Em caso de difícil averiguação, as comissões ministeriais poderão propor a designação de um relator para proceder a quaisquer diligências de instrução, findas as quais apresentará relatório fundamentado sobre as respectivas conclusões. Artigo 7.º As propostas e pareceres referidos no artigo 3.° deverão conter ou ser acompanhados dos seguintes elementos: 1.° - Identificação completa e situação actualizada dentro do serviço do funcionário ou agente a que se referem; 2.° Curriculum vitae do funcionário ou agente, a elaborar segundo modelo a fornecer pela Comissão Interministerial de Reclassificação; 3.° - Indicação sucinta, mas precisa, dos factos denunciados ou apurados relativamente ao funcionário ou agente a que diz respeito a proposta ou parecer; 4.° - Referência às provas que possam fundamentar a proposta ou parecer; 5.° - Indicação da medida a aplicar ao funcionário ou agente, nos termos legais. Artigo 8.° A Comissão Interministerial de Reclassificação poderá devolver à comissão ministerial competente qualquer proposta dela oriunda, quando reconheça a sua deficiente fundamentação, ou a carência de quaisquer deligências ou de meios probatórios que considere necessários. Artigo 9.º As deliberações da Comissão Interministerial da Reclassificação, bem como das comissões ministeriais, serão tomadas por maioria dos seus membros, sendo a votação rigorosamente secreta, e não sendo permitida qualquer declaração de vencido. Artigo 10.º Os membros das comissões a que se refere o artigo 1.° são designados nos despachos que as instituem e podem ser exonerados e substituídos a todo o tempo por decisão do Ministro competente. Artigo 11.º O presidente da Comissão Interministerial de Reclassificação e os presidentes das comissões ministeriais de saneamento e reclassificação têm, designadamente, as seguintes funções: a) Dirigir e coordenar os trabalhos das comissões a que presidem; b) Convocar as reuniões, e, de uma maneira geral, definir e estabelecer a ordem dos trabalhos a efectuar; c) Assinar todo o expediente relativo às actividades a desenvolver pelas comissões, podendo corresponder-se com quaisquer autoridades do País, seja qual for a sua categoria. Artigo 12.º 1. A Comissão Interministerial de Reclassificação e as comissões referidas no artigo 1.° deste diploma funcionam, respectivamente, junto da Presidência do Conselho de Ministros e dos Gabinetes dos Ministros competentes. 2. Às referidas comissões será agregado o pessoal de apoio jurídico, técnico e administrativo que for necessário ao seu funcionamento, mediante proposta dos seus presidentes ao respectivo membro do Governo, que o designará por despacho. 3. O pessoal a agregar nos termos do número anterior será constituído por funcionários ou agentes destacados de quaisquer organismos públicos, com o acordo prévio dos membros do Governo de que dependam, sempre que não pertençam ao departamento junto do qual funciona a respectiva Comissão, e ficará com direito aos abonos e gratificações que forem fixados por lei, consideradas as características e duração do trabalho despendido. 4. As comissões poderão ainda agregar outros cidadãos que ofereçam a sua colaboração, mediante despacho de concordância do respectivo membro do Governo. Artigo 13.º 1. As propostas ou pareceres que as comissões apresentem, tendo em vista a transferência de funcionários e agentes, deverão explicitar as características e qualificações reconhecidas àqueles nos respectivos processos e as que forem exigidas pelas novas funções a desempenhar. 2. Para o efeito assinalado no número anterior, a Comissão Inter-ministerial de Reclassificação adoptará os procedimentos que entender convenientes, cabendo aos organismos e serviços prestar àquela a mais pronta colaboração no sentido de se conseguirem as soluções mais favoráveis à Administração. Artigo 14.º As disposições do presente diploma e quaisquer medidas que venham a ser tomadas pelas comissões não afectam quaisquer providências ou medidas que hajam sido já tomadas anteriormente peêlos titulares das pastas dos vários departamentos ministeriais, que deverão, assim, manter-se inteiramente. Artigo 15.º O presente diploma não se aplica à reclassificação e saneamento de quaisquer elementos pertencentes aos três ramos das forças armadas, bem como de quaisquer elementos integrados nas forças militarizadas. Artigo 16.º As referências feitas neste diploma a funcionários ou agentes dos Ministérios entendem-se aplicáveis aos funcionários ou agentes pertencentes a quaisquer entidades de direito público que de algum modo dependam desses Ministérios. Artigo 17.º Todas as dúvidas suscitadas na interpretação e aplicação do presente decreto regulamentar serão resolvidas por despacho do Primeiro-Ministro.