A HARMONIZAÇÃO DOS QUADROS JURÍDICOS NACIONAIS COMO ESTRATÉGIA PARA O DESEMPENHO DA INSERÇÃO DA AGENDA DE INTEGRAÇÃO REGIONAL NOS PLANOS NACIONAIS DE DESENVOLVIMENTO - Viagem (jurídica) através das 8 Comunidades Económicas Regionais Africanas Por Prof. Doutor GILLES CISTAC Director-Adjunto para Investigação e Extensão Coordenador do Curso de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane 1 INTRODUÇÃO Uma aproximação analítica aparece como necessária para delimitar o âmbito da presente comunicacão. Essa abordagem permitirá melhor definir o seu objecto através da síntese dos seus respectivos elementos. Logicamente, aplica-se o método analítico à temática proposta, três elementos fundamentais aparecem como constitutivos do seu objecto: “A harmonização dos quadros jurídicos” (1), a “estratégia para o desempenho da inserção da agenda de integração regional” (2) e os “planos nacionais de desenvolvimento” (3). 1. Primeiro quando se fala de “harmonização dos quadros jurídicos” do que se trata? Uma interpretação literal permite identificar pelo menos três sentidos diferentes1, contudo, a que se mostra mais relevante para a temática em causa – num “pre-entendimento” da matéria para parafrasear ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO2 - é a que define a “Harmonização” como a operação que designa a “aproximação entre dois ou mais sistemas jurídicos”3. Neste sentido, a aproximação literal da palavra permite, por um lado, situar esta técnica no âmbito do processo de integração jurídica dos Estados membros de uma determinada organização económica regional sem portanto assimilar esta técnica a da unificação4 ou uniformização das legislações desses mesmos Estados5, e, por outro lado, identificar, pelo menos, a priori, alguns instrumentos susceptíveis de operacionalizar esta técnica como a “directiva” ou a “convenção” internacional6. Além disso, o sentido literal da palavra permite, também, identificar alguns modos de operacionalização material desta técnica que consistem na “Supressão das 1 Vide, por exemplo, Vocabulaire juridique (Association Henri Capitant – publicado sob a direcção de GÉRARD ª CORNU), Paris, Quadrige/PUF, 7 . éd., 2005, vide, Harmonisation. 2 MENEZES CORDEIRO A., Tratado de Direito Civil Português, I, Ed., Admedina, Coimbra, 3.ª, 2005, p. 152; MENEZES CORDEIRO A., Ciência do Direito e Metodologia Jurídica nos finais do Século XX, Lisboa 1989, Separata da Revista da Ordem dos Advogados, p. 73. 3 Vocabulaire juridique, op. cit., vide, Harmonisation. 4 Alguns sistemas jurídicos nacionais implementaram, também, métodos e técnicas de unificação do direito, vide, por exemplo, GRAVESON R.H., “L’unification des différents systèmes juridiques en vigueur dans les iles britanniques”, Revue Internationale de droit comparé, 1966, vol. 18, n.° 2, pp. 395-412; ORTUN F., “L’unification du droit civil espagnol”, Revue Internationale de droit comparé, 1968, vol. 18, n.° 2, pp. 431-421. 5 Sobre a noção de uniformização do direito, vide, ISSA-SAYEGH J., "L’OHADA, instrument d’intégration juridique des pays africains de la zone franc", Revue de jurisprudence commerciale, juin 1999, p. 237 e em, http://www.ohada.com/biblio_detail.php?article=35 Ohadata D-02-13 (as referências utilizadas no presente trabalho são as da Ohadata), p. 2; CEREXHE E., "L’intégration juridique comme facteur d’intégration régionale", Revue burkinabé de droit n.° spécial, 39-40, p. 21 e seguintes e em, http://www.ohada.com/biblio_detail.php?article=666O Ohadata D-05-36 (as referências utilizadas no presente trabalho são as da Ohadata), p. 7. 6 Vocabulaire juridique, op. cit., vide, Rapprochement des législations. 2 Código de campo alterado Código de campo alterado divergências e disparidades entre as legislações dos Estados membros”7 da organização sem, portanto chegar a uma unificação dessas8. Porque harmonizar? A temática da harmonização dos quadros jurídicos nacionais faz realçar as relações mais profundas do direito e da economia e, mais particularmente, o papel do direito no desenvolvimento económico9. Com efeito, o direito tem uma influência real sobre a economia e tem um papel significativo na construção de um espaço económico e, consequentemente, a sua ausência neste processo pode ter efeitos negativos, como por exemplo, a da criação de uma situação de insegurança nas trocas entre agentes económicos10. Nesta perspectiva, HELMUT WAGNER concluiu que: “Legal diversity usually goes along with legal uncertainty and, hence, with a rise in costs. The reason is that the legal diversity may imply: - Additional costs for acquiring the information needed to write a particular contract in other legal areas, - Higher costs for litigating issues under various contracts governed by different legal regimes, - Costs of instability due to the fact that several contracts are subject to subsequent changes in the law, - Diversity in judicial administration across the different countries”11. Por outras palavras: “This unpredictability or uncertainty about the costs of cross-border transactions may stem from the diversity in the formal legal systems or diversity in judicial administration across the individual member countries”12. Assim, a certeza das previsões que constitui a base de todas transacções comerciais aparece como o primeiro valor do direito harmonizado. Além disso, o direito harmonizado pode trazer soluções às exigências de segurança, eficácia e justiça nas relações económico-comerciais. Tudo indica que a harmonização do direito pode contribuir para impulsionar e consolidar e de uma certa forma, estruturar o processo de integração regional com a implementação de normas jurídicas homogéneas entre os diferentes Estados membros da organização para que a actividade económica se desenvolva com bases 7 Idem, vide, Coordination. Sobre as distinções subtéis entre “harmonização”, “coordenação” e “aproximação de legislações”, vide, MONACO R., “Comparaison et rapprochement des législations dans le Marché Commun Européen”, Revue Internationale de droit comparé, 1960, vol. 12, n.° 1, p. 63 e seguintes. 9 Vide, em particular, as contribuições apresentadas no XXXI Congresso do Instituto Internacional de Direito de Expressão e de Inspiração Francesas (IDEF) consagrado à temática: “Le rôle du droit dans le développement économique”, Lomé – 17 au 20 novembre de 2008, em, http://www.Institut-idef.org 10 CISTAC G., “L’intégration régionale dans “tous” ses états: SADC et OHADA”, em, The Harmonization of Commercial Laws in Africa and its Advantage for Chinese Investments in Africa, University of Macau – Institute for Advanced Legal Studies, November 2008, p. 128 e seguintes. 11 WAGNER H., “Costs of Legal Uncertainty: Is Harmonization of Law a Good Solution?”, em, Modern Law for Global Commerce. Congress to celebrate the fortieth annual session of UNCITRAL Vienna, 9-12 July 2007, em, http://www.unitral.org/uncitral/en/about/congresspapers.html , p. 6. 12 Idem, p. 1. HELMUT WAGNER acrescentou: “Legal uncertainty can be regarded as a non-tariff trade barrier”, ibid., p. 6; WAGNER G., “Transaction Costs, Choice of Law and Uniform Contract Law”, em, Modern Law for Global Commerce, op. cit., p. 1. 8 3 duradouras e equitativas13; como realça ainda HELMUT WAGNER: “Law is a fundamental instrument of all transnational economic integration”14. Todavia, na prática, existem situações bastante desiguais no continente africano. Enquanto que a África do Oeste e do Este (Região África Ocidental, Região África Oriental e Região África Central15) fizeram um esforço considerável para harmonizar os seus quadros jurídico-económicos16, a África Austral e mais particularmente, a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (a seguir designada pela sua sigla inglesa SADC)17 “... deve ainda explorar o potêncial que constitui a regulamentação do direito privado como motor para a cooperação e o desenvolvimento económicos”18 19. 2. Segundo a “estratégia para o desempenho da inserção da agenda de integração regional”, integra duas componentes distintas. Primeiro, a “estratégia” que consiste, fundamentalmente, em um conjunto de meios e planos para atingir um fim aplicada à harmonização dos direitos internos dos Estados membros de uma determinada organização de integração regional. Não é apenas uma questão ou preocupação das organizações regionais intergovernamentais, outras institucionais têm, também, interesses a promover uma “estratégia” desta natureza. É o caso em particular do Banco Africano de Desenvolvimento que reconhece que a integração regional é um dos seus objectivos prioritários e, nesta perspectiva, elaborou uma “estratégia do direito ao serviço do desenvolvimento”20 focando, mais particularmente, a questão da harmonização das legislações comerciais. Segundo, esta estratégia tem um objecto específico: “o desempenho da inserção da agenda de integração regional” ou seja, a harmonização dos quadros jurídicos nacionais é instrumentalizado para atingir um objectivo o da inserção da agenda da integração regional nos planos nacionais de desenvolvimento. 13 FALL A., “Harmoniser le droit des affaires dans un espace multilingue et pluri-juridique: l’expérience du Groupe de la Banque africaine de développement (BAB)”, Rev. dr. unif. 2008, pp. 59-67; BOURÉLY N., “The context for transactional legal harmonization in the americas”, em, http://www.um.edu.my/professionals/ips/list_programmes/academies/aca_prg_details.php?intPrefLangID=1& RecordID=87 , p. 8 e seguintes. HELMUT WAGNER defende que: “As will be argued, full harmonization may (at first sight) seem to be an adequate instrument for reducing the costs of cross-border legal uncertainty; however, full harmonization itself tends to imply high economic costs, so that it is not generally recommendable. Nevertheless, a gradual (partial) harmonization process could, in some circumstances, be beneficial”, “Costs of Legal Uncertainty: Is Harmonization of Law a Good Solution?”, op. cit., p. 1. 14 Id., Ibid. 15 O Tratado que cria a Comunidade Económica Africana - CEA (Tratado de Abuja de 3 de Junho de 1991) subdivide a África em cinco regiões: África do Norte, África Ocidental, África Oriental, África Central e África Austral (alínea d) do Artigo 1). 16 Devido, em particular, aos trabalhos da UEMOA, da CEMAC e da OHADA. 17 Sobre a SADC, vide, OOSTHUIZEN G.H., The Southern African Development Community. The organization, its policies and prospects, Midrand, South Africa, Institute for Global Dialogue, 2006; MACHAVA A.Z., Free Trade and Regional Integration in a Globalized World: The Case of Southern Africa Development Community and its Impact in Mozambique, University of Macau, Macau, 2008. Sobre o potencial da Região, vide, SADC, Major Achievements and Challenges, Gaborone, SADC, Published, 2005, p. 9 e seguintes. 18 KRONKE H., “Congrès du 75ème Anniversaire d’UNIDROIT – Harmonisation mondiale du droit privé et intégration économique régionale: Hypothèses, certitudes et questions pendantes)”, Rev. dr. unif. 2003-1/2, p. 13. 19 É de notar que apesar da emergência de novas potências económicas em algumas regiões (mais particularmente na Asia e Pacífica), os esforços para a integração estão ainda poucos desenvolvidos. 20 FALL A., op. cit., p. 61. 4 Regra geral, as comunidades económicas regionais elaboraram, “agendas” no que concerne a implementação do seu processo de integração. Todavia, em alguns tratados constitutivos transparecem formalmente, várias “agendas”. Por exemplo, o Tratado da SADC, distingue a “Agenda Comum da SADC” da “Agenda de integração da SADC”. Com efeito, a “Agenda Comum da SADC”, é constituído pelo conjunto de princípios e valores fundamentais que orientam a “agenda de integração da SADC”21, o que pressupõe a existência de pelo menos duas “agendas”: a da “Agenda Comum” e a da “Agenda de integração”. Nesta perspectiva, o Artigo 5.° A do Tratado da SADC, com epígrafe “Agenda Comum da SADC”, não pormenoriza em particular, o conteúdo desta agenda, apenas remete para o Artigo 5° que estabelece os objectivos da organização. Todavia, um aspecto importante que transparece no Artigo 5.° A é o da competência para elaborar e implementar esta agenda, neste caso, esta competência cabe ao Conselho (n.° 2 do Artigo 5.° A). Além disso, a dimensão da “Agenda”, não é apenas material, no sentido de estabelecer os modos de implementação e materialização dos objectivos da organização; há também, uma dimensão temporal da “Agenda”, isto é, qual é a sequência temporal da implementação desses objectivos? No entanto, parece que esta Agenda temporal não é uniforme e não é igual em relação a todas as políticas e estratégias sociais e económicas existentes nem com todas as áreas prioritárias de intervenção. Por exemplo, quem conhece a agenda temporal da igualdade do género e desenvolvimento (4.4.5 do RISDP22) ou da ciência e tecnologia (4.5.5. do RISDP23) 21 Artigo 1.° do Tratado da SADC. METAS META 1: Elaboração e consolidação das políticas nacionais e dos quadros institucionais sobre o género, até finais de 2003, harmonização pelo Secretariado da SADC e elaboração de uma política regional sobre o género, até meados de 2004. META 2: Assinatura, adesão e ratificação pelos Estados Membros dos instrumentos internacionais e regionais sobre os direitos humanos em matéria de igualdade do género até 2004 e sua incorporação até finais de 2004. META 3: Eliminação das disposições discriminatórias das constituições, leis, políticas e outros intrumentos até 2005 e sua incorporação até finais de 2004. META 4: Estabelecimento de mecanismos de execução e criação de instituições de provisão de serviços até 2006. META 5: Adopção de um plano, orçamento e processos de implementação sensíveis às questões do género, realização de programas de capacitação institucional e formação regulares em matérias sobre o género, e criação de mecanismos de recolha de dados desagregados em termos de género até finais de 2006. META 6: Elaboração, consolidação e implementação de programas específicos para a capacitação económica da mulher até finais de 2007. META 7: Alcance para todos os Estados Membros dos seguintes marcos: Pelo menos, 30% de lugares de decisão ocupados por mulheres nos governos locais, parlamento, governo central e postos seniores no sector público até 2005, ou implementar medidas de discriminação positiva com vista a acelerar o alcance desta meta; Pelo menos, 40% de lugares de decisão ocupados por mulheres nos governos locais, parlamento e postos seniores no sector público até 2010, ou implementar medidas de discrimação positiva com vista a acelerar o alcance desta meta; Pelo menos 50% de lugares de decisão ocupados por mulheres nos governos locais, parlamento, governo central e postos seniores no sector público até 2015, ou implementar medidas de discriminação positiva com vista a acelerar o alcance desta meta; Pelo menos 20% de lugares de decisão ocupados por mulheres em algumas grandes empresas do sector privado seleccionados pelos Estados Membros até 2005, 30% até 2010 e 40% até 2015. 22 5 na SADC? Quem conhece a agenda temporal do comércio, liberalização económica e desenvolvimento (4.10.5 do RISDP24)? Pode-se afirmar que a taxa de conhecimento da segunda é muito mais elevada do que a primeira. META 8: Erradicação e redução de todas as formas de violência contra as mulheres e as crianças: Até 2007, redução, em pelo menos 50% de todos os actos de violência contra as mulheres e crianças e de abuso das mesmas; Até 2015, erradicação de todas as formas de violência contra mulheres e crianças. 23 METAS META 1: Até 2005, políticas e estratégias formuladas para a cooperação regional em C&T, incluíndo a transferência e divulgação até 2005. META 2: Até 2006, deverá ter-se elaborado os quadros institucionais e legais para cooperação. META 3: Até 2010, harmonização das legislações relativas aos direitos de propriedade intelectual em todos os Países Membros. META 4: Até 2006, programas da SADC sobre pesquisa e desenvolvimento de tecnologias. META 5: Até 2006, deverá ter-se uma rede operacional de centros de excelência. META 6: Até 2008, existência de um programa da SADC para promover o entendimento público da ciência e tecnologia. META 7: Despesas nacionais em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias, atingem um mínimo de 1% do PIB, até 2015. 24 METAS META 1: Zona do Comércio Livre – 2008 (informação a recolher a partir da revisão intercalary a ser concluída até Junho de 2004). META 2: Conclusão das negociações sobre a União Aduaneira – 2010. META 3: Conclusão das negociações sobre o Mercado Comum da SADC – 2015. META 4: Diversificação da estrutura industrial e das exportações, com maior ênfase na mais valia e a em todos os sectores económicos – 2015, tomando em linha de conta os seguintes factores: Diversificação (aumento de exportações não tradicionais) e manutenção dos níveis de crescimento das exportações em pelo 5% por ano; Aumento das trocas comerciais intra-regionais para pelo menos 35% até 2008; Aumento na transformação industrial para 25% do PIB até 2015; META 5: Convergência macroenonómica em: Índice de inflação de um só dígito até 2008, 5% até 2012, e 3% até 2018; Relação entre o défice orçamental e o PIB inferior a 5% até 2008 e 3% como uma referência na faixa de 1% até 2012, devendo manter-se ao nível de 2012 até 2018; Valor Actual Líquido da dívida pública e da dívida pública garantida deve situar-se em menos de 60% do Produto Interno Bruto até 2008, devendo manter-se durante todo o período do plano (2018); META 6: Outros Indicadores Financeiros: Reservas externas/cobertura de importações de pelo menos 3 meses até 2008 e mais de 6 meses até 2012; Créditos do Banco Central ao Governo inferiores a 10% das receitas tributárias do ano anterior até 2008 e inferiores a 5% até 2015; Aumento dos níveis de poupança para pelo menos 25% do PIB até 2008 e para 30% até 2012; Aumento no nível dos investimentos internos num mínimo de 30% do PIB até 2008; Interligação gradual entre o sistema de pagamentos e o de compensação na SADC até 2008; Alcance da convertibilidade da moeda até 2008; Conclusão do quadro jurídico e regulador para a listagem dupla e cruzada nas bolsas de valores regionais até 2008; Liberalização do controlo cambial: transacções da conta corrente entre os Estados Membros até 2006 e conta de capital até 2010; Aumento da quota de crédito concedido às mulheres e PMEs para pelo menos 5% do crédito concedido ao setor privado até 2008. META 7: Criação da união monetária da SADC até 2016: 6 Em alguns casos, se a palavra “Agenda” não consta formalmente do tratado constitutivo da organização, a redacção de algumas disposições desse permitirá destacar claramente o mesmo. Por exemplo, o Artigo 6 do Tratado da CEEAC, estabelece as fases da constituição e implementação da referida Comunidade (12 anos), que se subdividem em três fases de 4 anos25. 3. Terceiro, os “planos nacionais de desenvolvimento”, estão constituídos por um conjunto de instrumentos que integram uma projecção no tempo de acções direccionadas ao desenvolvimento a realizar por fases e segundo um modo operacional próprio. Neste sentido, pode existir num determinado Estado, vários instrumentos desta natureza, chamados “planos”26 ou não (por exemplo, “programas”27 ou “políticas”28). Além disso, esses instrumentos podem ter um âmbito ”nacional” ou “local”29. Contudo, serão apenas os primeiros que servirão de objecto de comparação e análise na presente comunicação. A primeira questão a explorar, é a do fundamento jurídico da harmonização dos direitos nacionais ou por outras palavras, das suas fontes (I). A seguir será necessário analizar o âmbito da harmonização dos quadros jurídicos nacionais (II) e as técnicas de harmonização das legislações nacionais (III) e finalmente esses processos, carecem de uma programação/planificação e avaliação eficiêntes para a consolidação do próprio processo de integração regional no seu conjunto (IV). Concluir a elaboração do quadro institucional, administrativo e legal para a criação do Banco Central da SADC até 2016; Introduzir uma moeda regional para a União Monetária da SADC até 2018. 25 Primeira fase: estabilidade do regime fiscal e aduaneiro vigente à data da entrada em vigor do Tratado, e elaboração de estudos afim de determinar o calendário para eliminar de forma progressiva as barreiras tarifárias e não tarifárias ao comércio intracomunitário, fixação de um calendário das tarifas aduaneiras dos Estados membros para uma tarifa externa comum; segunda fase: criação de uma zona de livre comercio; terceira fase: implementação de uma união aduaneira. Vide, também, Artigo 2 e n.° 2 do Artigo 5 e Artigo 76 do Tratado da EAC; Artigo 55 do Tratado da CEDEAO. 26 Por exemplo, em Moçambique, o Plano Económico e Social que tem “… como objectivo orientar o desenvolvimento económico e social no sentido de um crescimento sustentável, reduzir os desequilíbrios regionais e eliminar progressivamente as diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo” (n.° 1 do Artigo 128 da Constituição da República). 27 Por exemplo, em Moçambique o Programa Quinquenal do Governo (Artigo 198 da Constituição da República). 28 Por exemplo, a Política Nacional de Água moçambicana aprovada em 2007 (Resolução n.° 46/2007, de 30 de Outubro) prevê, entre outros, que: “Os objectivos pretendidos serão alcançados através de: (...) - Acordos abrangentes para as bacias hidrográficas partilhadas, seguindo as orientações do Protocolo da SADC; - Revisão de acordos passados para os alinhar com os princípios e orientações do Protocolo da SADC ...”. 29 Vide, por exemplo, em Moçambique, Plano Provincial e Plano distrital, artigos 123, 124 e 125 do Decreto n.° 11/2005, de 10 de Junho. 7 I – O FUNDAMENTO JURÍDICO DA HARMONIZAÇÃO DOS DIREITOS NACIONAIS A harmonização dos quadros jurídicos nacionais numa organização de integração regional, é concebida na maior parte dos casos, não como uma finalidade em si mas como um meio destinado a contribuir para a realização entre outros, de um mercado unificado dentro desta organização como estabelece, por exemplo, o Artigo 4 do Tratado da COMESA: “In order to promote the achievement of the aims and objectives of the Common Market as set out in Article 3 of this Treaty and in accordance with the relevant provisions of the Treaty, the Member States shall: (...) In the field of economic and social development (...) harmonise or approximate their laws to the extent required for the proper funcioning of the Common Market”. É pois, através de princípios que constituem a base da organização e consagrados em vários instrumentos, que se pode fazer uma ideia precisa dos objectivos que deve prosseguir o processo de harmonização das legislações nacionais. Regra geral, esses princípios estruturantes encontram-se concretizados nas quatro liberdades fundamentais que constituem a base de um mercado comum, isto é, a livre circulação das pessoas30, a livre circulação das mercadorias31, a livre prestação de serviços32 e a livre circulação de capitais33 34. Trata-se de assegurar a igualdade nas condições de concorrência e de eliminar as entraves, que constituem verdadeiros obstáculos à circulação dos factores de produção e distribuição. Afim de garantir a concretização dessas quatro liberdades (e outras), os tratados prevêm várias disposições destinadas a evitar que possam ser violadas, por actos desviantes praticados pelos Estados membros. Em segundo lugar, esses princípios estruturantes podem ser consagrados também, nas políticas aprovadas pela organização regional, em particular, quando se trata de sectores sensíveis (por exemplo, a agricultura, os transportes, a energia ou o sector mineiro35). Finalmente, esses princípios podem também, se encontrar em alguns instrumentos que têm por objecto, realizar a coordenação de políticas económicas gerais, por exemplo, em matéria de politica comercial e/ou providênciar orientações estratégicas aos projectos e actividades de uma determinada organização de integração regional, por exemplo, o Plano Estratégico Indicativo de Desenvolvimento Regional da SADC (RISDP) prevê que até 2010 as legislações relativas aos direitos de propriedade intelectual em todos os Países Membros devem ser harmonizadas (META 3 – 4.5.5. do RISDP). A realização desses princípios pode ser efectuada com a criação de um direito novo – técnica de uniformização do direito36 - ou pela aproximação de legislações 30 Por exemplo, alínea e) do n.° 6 do Artigo 4 do Tratado da COMESA. Por exemplo, alínea a) do n.° 1 do Artigo 4 do Tratado da COMESA. 32 Por exemplo, alínea e) do n.° 6 do Artigo 4 do Tratado da COMESA. 33 Por exemplo, alínea c) do n.° 4 do Artigo 4 do Tratado da COMESA. 34 Vide, também, (iii) da alínea d) do n.° 2 do Artigo 3 do Tratado da CEDEAO. 35 UNECA, Harmonization of Mining Policies, Standards, Legislative and Regulatory Frameworks in Southern Africa, ECA/SA/TPub/Mining/2004/03, 30 December 2004. 36 Vide, por exemplo, CISTAC G., “L’intégration régionale dans “tous” ses états: SADC et OHADA”, op. cit., p. 117 e seguintes. 31 8 existentes – técnica de harmonização do direito37. Apenas esta última técnica, que será apresentada nesta comunicação. Nesta perspectiva, a questão é de saber como os tratados de integração regional, principalmente em África38, consagram os poderes jurídicos necessários para que os órgãos da respectiva organização pudessem proceder à harmonização das legislações dos respectivos Estados membros. Em todo caso, não se deve esquecer que este poder jurídico de harmonização visa essencialmente estabelecer uma determina conformidade entre as disposições legislativas, regulamentares ou administrativas dos Estados membros, pela eliminação ou atenuação das disparidades que possam constituir obstáculos para a realização dos objectivos dos respectivos tratados; assim, como refere ANNE LIMPENS: “Qualquer harmonização, pressupõe consequentemente a modificação das normas de direito interno de, pelo menos um Estado membro”39. Duas situações opostas são tecnicamente possíveis: ou o Tratado constitutivo da organização prevê expressamente a fundamentação jurídica da harmonização das legislações dos Estados membros (A); ou, pelo contrário, esta fundamentação formal é meramente ausente do tratado constitutivo da organização (B). A. A fundamentação explícita da harmonização jurídica O tratado constitutivo da organização de integração regional, pode estabelecer uma cláusula geral de harmonização das legislações nacionais (a); e/ou prever disposições específicas de harmonização de algumas dessas (b). a) A cláusula geral de harmonização O princípio da harmonização das legislações no âmbito de uma organização de integração regional, pode ser formalmente estabelecido numa disposição expressamentente prevista para o efeito, no tratado constitutivo da organização. Por exemplo, o Tratado da COMESA, prevê como meio para a realização dos seus objectivos: “harmonise or approximate their laws to the extent required for the proper functioning of the Common Market” (alínea b) do n.° 6 do Artigo 4). Em todo caso, o exemplo da COMESA, é um precedente que permanece isolado dentro do conjunto das Comunidades Económicas Regionais Africanas. Com efeito, nenhum dos outros tratados constitutivos explicita formalmente a harmonização das legislações dos respectivos Estados membros, de uma forma geral40. Num outro sentido, isto explica muito bem porque surgiram organizações de 37 As duas técnicas são perfeitamente compatíveis, vide, o exemplo europeu, MONACO R., “Comparaison et rapprochement des législations dans le Marché Commun Européen”, op. cit., p. 62 e seguintes. 38 O presente estudo apenas tomará em conta as 8 Comunidades Económicas Regionais (CER) reconhecidas pela União Africana, isto é, a União do Maghreb Árabe (UMA), a Comunidade dos Estados Saelo-saarianos (CEN-SAD), o Mercado Comum para a África Austral e do Este (COMESA), a Comunidade da África Oriental (EAC), a Comunidade Económica dos Estados da África do Oeste (CEDEAO), a Comunidade Económica dos Estados da África Central (CEEAC), a Autoridade Intergovernamentl para o Desenvolvimento (IGAD) e a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC). 39 LIMPENS A., “Harmonisation des législations dans le cadre du Marché Commun”, Revue Internationale de droit comparé, 1967, vol. 19, n.° 3, p. 622. 40 Outras organizações intergovernamentais consagraram com mais precisões esta orientação, vide, por exemplo, ISSA-SAYEGH J.,"La production normative de l’UEMOA. Essai d’un bilan et de perspectives", em 9 âmbito regionais ou continentais especializadas total ou parcialmente na harmonização e uniformização do direito41, para responder a este deficit congenital de ausência de visão jurídica do processo de integração42. Apesar de existir um poder jurídico formalmente estabelecido no tratato constitutivo da organização regional, com o objectivo de harmonizar alguns quadros jurídicos nacionais, o seu domínio depende ainda essencialmente, da iniciativa dos órgãos da organização que devem posicionar a sua acção no âmbito dos objectivos definidos no respectivo tratado. b) As cláusulas específicas de harmonização jurídica Disposições peculiares que correspondem aos domínios jurídicos, em que a necessidade de uma aproximação das legislações nacionais é considerada como necessária podem também, ser formalmente estabelecidas no tratado constitutivo da organização e especificar as modalidades da sua harmonização. Por exemplo, o Tratado da CEDEAO, prevê como meios para a realização dos objectivos do Tratado: “(i) a harmonização dos códigos nacionais sobre os investimentos conduzindo à aprovação de um código único sobre os investimentos” (n.° 2 do Artigo 3). Assim, pode reparar-se que a formulação utilizada no referido tratado nem é geral e nem abarca todos os sectores de um verdadeiro processo de integração, pelo contrário, é bastante restritiva na sua forma porque o processo de harmonização abrange formalmente apenas no exemplo referido, “os códigos sobre os investimentos”. Outro exemplo, é o do Artigo 46 do Tratado da CEDEAO que prevê em matéria de Regulamentação e cooperação aduaneiras, “Os Estados Membros (...) tomam todas as medidas utéis com vista a harmonizar os seus regulamentos e formalidades aduaneiras para assegurar a aplicação efectiva das disposições do presente capítulo e para facilitar a circulação dos bens e serviços que atravessam as suas fronteiras”43; ou que em matéria de Cooperação Judiciária e Jurídica, “Os Estados Membros se comprometem a promover a cooperação judiciária, com vista a harmonizar os sistemas judiciários e jurídicos” (n.° 1 do Artigo 57 do Tratado da CEDEAO)44. Deste modo, a alínea b) do Artigo 85 do Tratado da COMESA em matéria de transporte rodoviário estabelece que os Estados Membros devem “harmonize the provisions of their laws concerning the equipement for and markings of vehicules used for inter-States transport within the Common Market” ou a alínea c) do n.° 2 do Artigo 60 do Tratado da CEEAC que estabelece que os Estados Membros se http://www.ohada.com/biblio_detail.php?article=366 OHADATA D-03-18 (as referências utilizadas no presente trabalho são as da Ohadata), p. 6. É também o caso do Tratado de Asunción que constitui um Mercado Comum da América do Súl entre Argentina, Brasil, Paraguay e Uruguay. Este Tratado prevê explicitamente como um dos objectivos a harmonização das legislações dos Estados membros. 41 Vide, por exemplo, o Tratado da Organisation pour l’Harmonisation en Afrique du Droit des Affaires (OHADA) ou da União Económica e Monetária da África do Oeste (UEMOA). 42 Nesta perspective, a ligação entre a CEDEAO e a UEMOA é explícita (vide, Preâmbulo do Tratado da UEMOA). 43 Vide, também, no âmbito da liberalização do comércio e da cooperação alfandegária, a alínea c) do n.° 1 do Artigo 4 do Tratado da COMESA. 44 Vide,também, em matéria de harmonização da legislação laboral, alínea b) do n.° 2 do Artigo 61 do Tratado da CEDEAO. 10 Código de campo alterado comprometem em “harmonizar gradualmente as suas legislações laborais, os seus regimes de segurança social e os seus sistemas jurídicos e administrativos sobre o estado das pessoas”45 46. B. A ausência de fundamentação explícita da harmonização jurídica Alguns tratados constitutivos de organizações regionais de integração, não preveram formalmente a harmonização das legislações nacionais47, apesar do facto de a palavra “harmonização” constar do mesmo48. Por outras palavras, não existe uma base legal explícita para implementar um processo de harmonização dos quadros jurídicos nacionais. Com efeito, “harmonizar políticas e planos sócioeconómicos”49, “harmonizar as políticas económicas, científicas, técnicas, culturais e sociais”50, harmonizar as “políticas nacionais”51, “harmonizar as suas políticas macro-económicas”52, “harmonizar planos nacionais”53, não significa stricto sensu harmonizar quadros jurídicos ou implementar um processo de harmonização normativa. O que fazer se se considerar que esta harmonização dos direitos internos dos Estados membros da organização regional é necessária? Reformar o tratado constitutivo e introduzir uma base legal inicialmente ausente? Seria o ideal, mas a reforma ou a alteração de um tratado internacional mesmo de âmbito regional é sempre uma operação complexa que, em todo caso, necessitará de tempo sem se ter a máxima certeza do seu êxito. Será que existem alternativas? Pelo menos três soluções aparecem como tecnicamente possíveis: o recurso à teoria dos poderes implícitos (a), o recurso ao efeito útil de disposições já existentes no Tratado constitutivo (b) ou a delegação implícita desta tarefa a uma outra organização regional, sub-regional ou continental (c). a) O recurso à teoria dos poderes implícitos Regra geral, a força normativa do Tratado é incompatível com a existência de competências não escritas, salvo nos casos de o próprio tratado autorizar o órgão máximo da organização, a alargar o leque de competências especificadas no referido 45 Vide, também, a alínea c) do n.° 1 do Artigo 47 em matéria de harmonização das legislações em matéria de transportes e comunicações. 46 Vide, também, o Tratado da EAC em matéria de harmonização das legislações bancárias (alínea b) do Artigo 85); em matéria de direito dos transportes (alíneas b), c) e k) do Artigo 90 e alínea a) do Artigo 95); em matéria de legislação laboral (alínea e) do n.° 3 do Artigo 104) ; em matéria de legislação ambiental (alínea j) do n.° 2 do Artigo 112) e de harmonização das formações jurídicas (alínea b) do n.° 2 do Artigo 126). 47 É o caso, em particular, do Tratado constitutivo da SADC mas não só, vide, também os Tratados da UMA, da CEN-SAD e da IGAD. Vide, em particular, CISTAC G., “L’intégration régionale dans “tous” ses états: SADC et OHADA”, op. cit., p. 119 e seguintes. 48 Vide, por exemplo, a alínea a) do n.° 2 do Artigo 5.° do Tratado da SADC que estabelece como meio para atingir os objectivos da referida organização: “harmonizar políticas e planos sócioeconómicos”. 49 Alínea a) do n.° 2 do Artigo 5.° do Tratado da SADC. 50 Alínea a) do n.° 3 do Artigo 7 do Tratado da CEDEAO. 51 Alínea f) do n.° 2 do Artigo 4 do Tratado da CEEAC. 52 Alínea b) do n.° 4 do Artigo 4 do Tratado da COMESA. 53 Alínea a) do n.° 2 do Artigo 54 do Tratado da CEEAC. 11 tratado. Todavia, é admissível uma complementação de competências dos órgãos instituídos no tratado através do manejo de instrumentos metódicos de interpretação sobretudo de interpretação sistemática ou teleológica54. Assim, por esta via, pode-se chegar a duas hipóteses de competências complementares implícitas. Primeiro pode-se admitir que a competência de harmonizar legislações nacionais enquadra-se numa competência explícita e justificável porque não se trata de alargar competências, mas sim de aprofundar competências já existentes. Por exemplo, se o Conselho, no âmbito do Tratado EAC, pode “make policy decisions for the efficient and harmonious functioning and developpement of the Comunity” (alínea a) do n.° 3, do Artigo 14, do Tratado) e “make regulations, issue directives, take decisions, make recommendations and give opinions in accordance with the provisions of this treaty” (alínea d) do n.° 3 do Artigo 14 do Tratado), pode-se legitimamente inferir que tem competência para aprovar uma directiva ou tomar uma decisão no âmbito da harmonização das legislações dos Estados Membros porque esta competência, é apenas a materialização do aprofundamento de competências já existentes55. Segundo, também, pode-se, considerar como competência implícita complementar à harmonização dos quadros jurídicos dos Estados membros de uma determinada organização, quando surge como uma necessidade para preencher lacunas patentes no tratado, através de uma leitura sistemática e analógica dos preceitos ou objectivos e tarefas contidos nos tratados. Por exemplo, o CAPÍTULO XIII do Tratado da CEEAC relativo à Cooperação em matéria de educação, formação e cultura prevê no seu Artigo 61, com epígrafe “Education et formation” que: “1. Les Etats membres conviennent d’élaborer une politique commune de l’éducation incluant des modèles éducatifs qui tiennent davantage compte des réalités économiques et socio-culturelles de la sous-région, en vue de former des hommes et des femmes enracinés dans leur milieu et capables de promouvoir les changements nécessaires au progrés social et au développement. 2. Aux fins du paragraphe 1 du présent article, les Etats membres s’engagent à: a) améliorer l’efficacité des systèmes éducatifs existants par la promotion de la formation des formateurs et par la mise en oeuvre de méthodes et d’équipements appropriés; b) créer et renforcer les institutions de formation nationales et sous-régionales existantes; c) élaborer des programmes communs de formation mieux adaptés aux problèmes de développement por assurer progressivement une autosuffisance en personnel qualifié; d) promovoir l’échange systématique d’expériences et d’information en matière de politique et de planification de l’éducation”. Como se pode verificar não existe nenhuma disposição formal sobre a harmonização das legislações nacionais dos Estados membros em matéria de Educação e Formação56. Como se sabe, um quadro harmonizado de programas de 54 Vide, mais particularmente no âmbito do Direito Constitucional, GOMES CANOTILHO J.J., Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Ed. Almedina, 7.ª ed., 2003, p. 549. 55 Vide, também, alínea j) do n.° 2 do Artigo 5 do Tratado da SADC. 56 Pelo contrário, o Tratado da EAC estabelece que “The Partner States shall, with respect to education and training: (…) 12 ensino superior em África, em geral57 e, no âmbito da CEEAC, em particular, é uma necessidade para estimular a cooperação na trocas de informações, a harmonização dos procedimentos, das políticas e da validação dos diplomas universitários, a comparabilidade das qualificações, e da normalização dos programas com a finalidade de facilitar a mobilidade profissional procura de emprego e prossecussão de estudos. Como resolver este problema aplicando as princípios acima referidos? Primeiro, no Preâmbulo do Tratado da CEEAC, os Estados membros se comprometeram “... à mettre en oeuvre toutes mesures et à prendre les dispositions requises pour l’adoption de textes législatifs propres à assurer l’exécution des obligations découlant du présent Traité ou résultant des institutions de la Communauté”. Isto significa que, no caso em que, os Estados membros da organização decidem que a harmonização das legislações nacionais dos Estados Membros em matéria de Educação e Formação constituir um pré-requisito para conseguir cumprir com as obrigações estabelecidas no Artigo 61, esses poderão se socorrer de competência implícita complementar do facto de que a referida harmonização permite preencher a lacuna patente no Artigo 61. Segundo uma interpretação analógica do Artigo 61, em relação as outras disposições do referido Tratado permite chegar à mesma conclusão58. b) O recurso ao efeito útil de disposições já existentes no Tratado constitutivo Apesar de não tratar especificadamente de harmonização, algumas disposições podem conduzir à implementação de um tal processo através do uso da regra do efeito útil que permite chegar a uma interpretação eficaz das disposições convencionais59. Por exemplo, as disposições relativas a materialização de uma determinada política podem necessitar da harmonização dos quadros jurídicos nacionais; é o caso, em particular da matéria relativa à cooperação no desenvolvimento dos transportes e comunicações60. Deve-se supor que os autores do Tratado elaboraram esta disposição para que seja aplicada e ter um efeito prático, isto é, que seja atingido um mercado comum dos transportes e comunicações. Deve-se, portanto, pensar em termos de aplicação efectiva desta disposição o que pressupõe, entre outros, uma harmonização das legislações nacionais para atingir este objectivo. Em todo caso, esta interpretação (e) harmonise curricula, examination, certification and accreditation of education and training institutions in the Partner States though the joint action od their relevant national bodies charged with the preparation of such curricula” (n.° 2 do Artigo 102). 57 Vide, por exemplo, UNION AFRICAINE, Réunion de validation du mécanisme africain de l’évaluation de la qualité et de la stratégie de l’harmonisation et de l’enseignement supérieur – 25 au 27 mars 2008, Accra, Ghana. Harmonisation des programmes d’enseigment supérieur en Afrique: Opportunités et défis, AU/AQRM/3. Partie I. 58 Por exemplo, o princípio da harmonização de quadros jurídicos nacionais é previsto em matéria de transportes e comunicações (alínea c) do n.° 1 do Artigo 47) ou em matéria de recursos humanos (alínea c) do n.° 2 do Artigo 60). 59 Sobre a regra do efeito útil, vide, QUOC DINH N., DAILLIER P., PELLET A., Direito Internacional Público, Lisboa, Ed. Fundação Calouste Gulbenkian, 2.ª ed., 2003, n.° 169. 60 Vide, por exemplo, o Capítulo 11 do Tratado da COMESA. 13 não viola a letra e o espírito dos tratados de integração económica regional porque o seu próprio objecto e fim reclamam esta harmonização sobre tudo quando outras disposições daqueles tratados consolidam esta orientação. Por exemplo, “The objectives of the Community shall be to develop policies and programmes aimed at widening and deepening co-operation among the Partner States in (…) legal and judicial affairs, for their mutual benefit” (n.° 1 do Artigo 5 do Tratado da EAC) ou “In pursuance of the provisions of paragraph 1 of this Article, the Partner States undertake to establish among themselves and in accordance with the provisions of this Treaty, a Customs Unions, a Common Market, subsequently a Monetary Union and ultimately a Political Federation in order to strengthen and regulate the industrial, commercial, infrastructural, cultural, social, political and other relations of the Partner States to the end that there shall be accelerated, harmonious and balanced development and sustained expansion of economic activities, the benefit of which shall be equitably shared” (n.° 2 do Artigo 5 do Tratado da EAC). Além disso, como ensina ANNE LIMPENS citando o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias: “… o efeito útil postula uma harmonização geral não só de uma notável parte da legislação económica, social e fiscal dos Estados membros mas também das regras de direito privado, que servem de quadro às transacções”61. c) A “subcontratatação” da harmonização das legislações nacionais O estudo de relacionamentos entre algumas organizações económicas regionais, permite chegar à conclusão que de facto, algumas dessas organizações, são mais especializadas que as outras em termos de métodos de harmonização e uniformização do direito económico, actuaram como “subcontratantes” de outras organizações no âmbito da harmonização de alguns quadros jurídicos nacionais (1). Todavia, este fenómeno levanta a questão fundamental da devida coordenação das suas actividades (2). 1. O fenómeno de “subcontratação” da harmonização dos quadros jurídicos nacionais Por razões essencialmente práticas, algumas organizações regionais podem considerar que é mais oportuno confiar a harmonização de determinados quadros jurídicos nacionais dos seus Estados membros, a outras organizações de âmbito regional ou continental. Com efeito, a experiência e o saber-fazer que acumularam algumas organizações (por exemplo, a UEMOA62 ou a OHADA) em matéria de harmonização e uniformização do direito económico no continente africano, faz com que algumas outras organizações regionais e os seus Estados membros decidem implicita ou explicitamente entregar as tarefas de harmonização ou uniformização de alguns sectores do direito económico a essas organizações. Por exemplo, a CEDEAO aceitou adoptar os documentos de declaração alfandegária e os mecanismos de compensação da UEMOA63. Da mesma forma que, 61 LIMPENS A., “Harmonisation des législations dans le cadre du Marché Commun”, op. cit., p. 652. ISSA-SAYEGH J.,"La production normative de l’UEMOA. Essai d’un bilan et de perspectives", op. cit., p. 4. 63 Les blocs sous-régionaux, piliers de l’intégration régionale?, em, http://doc.abhatoo.net.ma/doc/IMG/pdf/Chap3.pdf, p. 44. 62 14 vários Estados membros oriundos das CERs são, ao mesmo tempo, membros da OHADA e, no âmbito desta organização, aprovaram os actos uniformes64 elaborados no seio desta organização. 2. A necessidade de coordenação das actividades de harmonização dos quadros jurídicos nacionais O facto de existirem, em tratados constitutivos de organizações regionais distintos, atribuições similares, concedidas às respectivas organizações em matéria de harmonização ou uniformização de quadros jurídicos nacionais, faz correr o risco da criação de normas concorrentes65, sobreposições inúteis de “agendas”, reuniões, procedimentos, mobilização de recursos humanos para chegar ao mesmo objectivo ou que culminem, num crescimento da carga financeira dos Estados membros sem real contrapartida66. Já existem iniciativas concretas, que não se limitam às questões jurídicas para proceder a uma determinada aproximação das CERs, entre elas, e como outras organizações sub-regionais, constituem em si “... imperativos para o sucesso da integração regional em África”67. Em África do Oeste, por exemplo, a aproximação entre a CEDEAO e a UEMOA, traduziu-se pela elaboração de um programa de acção comum sobre a liberalização das trocas e a convergência das políticas macroeconómicas. A CEDEAO e a UEMOA, acordaram também sobre as regras de origem com a finalidade de facilitar o comércio e, como já foi referenciado, a CEDEAO aceitou adoptar os documentos de declaração alfandegária e os mecanismos de compensação da UEMOA68 69. Nesta perspectiva, a questão da coordenação dos processos de harmonização e uniformização do direito económico ao nível do continente africano deveria ser uma prioridade; aliás, o n.° 2 do Artigo 28 do Tratado de Abuja estabelece que: “Os Estados membros comprometem-se, por outro lado, a adoptar todas as medidas necessárias com vista à progressiva dinamização de uma cooperação cada vez mais estreita entre as referidas comunidades, nomeadamente através da coordenação e harmonização das suas actividades em todos os sectores ou domínios, com vista à realização dos objectivos da Comunidade”. O risco de não se preocupar do processo de harmonização ou uniformização do direito é de que a falta de harmonização pode constituir um real travão para a criação de uma União Aduaneira a nível continental. Com efeito, a Quarta etapa de estruturação da Comunidade Económica Africana prevista no Tratado de Abuja prevê que: “Durante um período de 2 (dois) anos, coordenação e harmonização dos 64 ISSA-SAYEGH J., "Quelques aspects techniques de l’intégration juridique: l’exemple des actes uniformes de l’OHADA", em, http://www.ohada.com/biblio_detail.php?article=37 Ohadata D-02-11 (as referências utilizadas no presente trabalho são as da Ohadata). 65 ISSA-SAYEGH J.,"La production normative de l’UEMOA. Essai d’un bilan et de perspectives", op. cit., p. 12. 66 O problema não se limita apenas ao sector do direito, vide, por exemplo, Les blocs sous-régionaux, piliers de l’intégration régionale?, op. cit., p. 41 e seguintes. 67 Les blocs sous-régionaux, piliers de l’intégration régionale?, ibid., p. 44. 68 Sobre outros exemplos, vide, Les blocs sous-régionaux, piliers de l’intégration régionale?, ibid., p. 44. 69 Vide, também, a harmonização dos instrumentos de cooperação comercial entre a CEMAC e a CEEAC, ECA/SRO-CA/NRP/06/02, Réunion ad hoc d’experts sur l’harmonisation des programmes et activités des acteurs de l’intégration en Afrique centrale: Harmonisation des outils et instruments de coopération commerciale CEMAC – CEEAC – Documents de travail. 15 sistemas tarifários e não tarifários entre as diferentes comunidades económicas regionais, com vista a criação de uma União Aduaneira a nível continental, através da adopção de uma tarifa exterior comum” (alínea d) do n.° 2 do Artigo 6). Em particular, a harmonização das normas técnico-administrativas susceptíveis de constituir obstáculos não tarifários constitui uma tarefa de uma peculiar dificuldade e, ao mesmo tempo, necessária para garantir a livre concorrência na União Aduaneira a constituir. Assim, sem a devida harmonização prévia dos obstáculos técnicos e administrativos às trocas em númerosos sectores (agrícola, comercial, administrativo, fiscal, etc ...) durante a Terceira etapa (criação de uma Zona de livre troca a nível de cada comunidade económica regional), o período de 2 (dois) anos inicialmente previsto será largamente excedido70 e consequentemente, terá implicações sobre a realização da etapa seguinte. Em resumo, as organizações de integração regional devem colaborar com outras organizações africanas de integração regional, para racionalizar o trabalho de harmonização jurídica à escala do continente no seu conjunto, bem como outros actores institucionais que trabalham no domínio da integração regional e na promoção do desenvolvimento em África. 70 Os autores do Tratado idealizaram essas dificuldades quando na (iii) da Segunda etapa prescreverem já a “coordenação e harmonização das actividades entre as comunidades económicas existentes e futuras”. 16 II – O ÂMBITO NACIONAIS DA HARMONIZAÇÃO DOS QUADROS JURÍDICOS Um princípio deveria nortear a constituição do âmbito da harmonização dos quadros jurídicos nacionais: harmonizar apenas o que é necessário (A). Todavia, na prática, como determinar o que é realmente necessário e que, consequentemente, necessita de uma harmonização dos quadros jurídicos nacionais? (B). A. O princípio básico: harmonizar apenas o que é necessário O princípio básico que deveria logicamente nortear qualquer processo de harmonização dos quadros jurídicos nacionais seria: harmonizar apenas o que necessário, ou seja, aproximar as legislações nacionais na medida em que esta é necessária para o funcionamento optimal da organização ou a realização dos seus objectivos71 ou seja, harmonizar as normas jurídicas nacionais que têm realmente uma incidência directa sobre o processo de estruturação e funcionamento da organização regional como “Comunidade”. Este princípio, é formalmente estabelecido, por exemplo, no n.° 2 do Artigo 4 do Tratado da EAC: “The Community shall have power to perform any the functions conferred upon it by this Treaty and to do all things, including borrowing, that are necessary or desirable for the performance of those functions” (o sublinhado é nosso) ou na alínea b) do n.° 6 do Artigo 4 do Tratado da COMESA: “harmonize or approximate their laws to the extent required for the proper functioning of the Common Market” (o sublinhado é nosso). Por outras palavras, a harmonização das legislações pode deixar subsistir divergências entre os direitos nacionais a partir do momento em que essas não constituem um obstáculo à realização dos objectivos da organização, até essa diversidade poder constituir um complemento positivo do processo de harmonização; como defende HELMUT WAGNER: “Competition is the most efficient mechanism to control politicians and to restrain their rent-seeking activities. In contrast, harmonization in a union can be considered as a restriction of competition analogous to a cartel, where non-member countries are outsiders”72. B. As dificuldades inerentes à determinação da harmonização dos direitos nacionais Na prática, determinar “o que é apenas de facto necessário”, é um exercício particularmente difícil. Harmonizar o que? Direito dos contratos?73 A compra e venda 71 Alguns economistas fundamentam neste sentido; como refere HELMUT WAGNER: “There is a good deal of evidence that complete harmonization would lead to substantial costs”, “Costs of Legal Uncertainty: Is Harmonization of Law a Good Solution?”, op, cit., p. 4; SMITS J.M., “The Practical Importance of Harmonization of Commercial Contract Law”, em, Modern Law for Global Commerce, op. cit., p. 3. Qualquer processo jurídicointegrativo deve deixar transpirar um ambiente concorrencial; como ensina HELMUT WAGNER: “Competition is the most efficient mechanism to control politicians and to restrain their rent-seeking activities. In contrast, harmonization in a union can be considered as a restriction of competition analogous to a cartel, where nonmember countries are outsiders”, ibid., p. 5. 72 Id., ibid. 73 Vide a crítica de JAN M. SMITS, ibid., p. 1. 17 de mercadorias? O transporte de mercadoria? O Direito Processual Civil? O Direito Fiscal? O Direito Aduaneiro? Este exercício é ainda mais complexo, quando a organização tem por objectivo criar uma “Comunidade” cujos objectivos são extremamente diversificados e não se limitam apenas ao sector económico como é o caso, por exemplo, da SADC74. Neste caso, a questão persiste o que deve prevalecer? Quais são as prioridades? O dileme é real. A elaboração de um plano de acção credível é necessário, por um lado, porque é impossível harmonizar tudo ao mesmo tempo, mas, por outro lado, o âmbito da harmonização das legislações nacionais é particularmente vasto o que dificulta a realização de um levantamento sistemático e uma classificação por ordem de prioridade ou de urgência: porque a harmonização do direito fiscal, seria mais necessária ou importante do que a harmonização da legislação social? O problema se complexifica ainda mais quando em cada sector, objecto de harmonização, a escolha é ainda quantitativa e demasiadamente importante. Por exemplo, se a opção é de harmonizar em primeiro lugar as normas técnicoadministrativas, o que se deve harmonizar em prioridade, as que se aplicam em matéria de produtos alimentícios, as que se aplicam no sector fitosanitário, as que regulam os produtos forestais ou as que se aplicam aos produtos farmaceúticos? Do mesmo modo, se a opção é de harmonizar as normas existentes no sector agrícola, o que privilegiar, a harmonização das normas técnicas dos produtos alimentícios, dos sementes, dos fertilizantes, dos produtos florestais ou dos controlos veterinários? A experiência de organizações regionais de integração que iniciaram este processo de harmonização dos quadros jurídicos nacionais há bastante tempo é de que, confrontadas a esses problemas, estas optaram por uma abordagem resolutamente pragmática do problema; como refere ANNE LIMPENS no que concerne a experiência do Mercado Comum Europeio: “As primeiras decisões tomadas no âmbito da harmonização foram sobretudo inspiradas por considerações pragmáticas”75 ou como ensina RONALD HARRY GRAVESON: “L’expérience pratique d’opérations telles que celles de la Conférence de droit international privé de La Haye enseigne trés vite l’ordre véritable des priorités et la différence entre ce qui est scientifiquement désirable et ce qui est pratiquement possible”76. Será que existe motivos suficientes para se afastar deste princípio de conduta nesta matéria? De facto, existe uma ligação estreita entre considerações pragmáticas e a agenda da organização regional e dentro das agendas existentes, se for o caso, a escolha da agenda prioritária ou “agenda leader” que é constituído pela criação de um Mercado Comum77 que, logicamente, deve prevalecer. O programa de harmonização dos quadros nacionais deverá logicamente e prioritariamente tomar em conta esta agenda. A palavra “prioritariamente” não significa exclusivamente. Com efeito, tudo depende dos recursos disponíveis e mobilizaveis pela organização regional para realizar a harmonização dos quadros jurídicos nacionais. Nesta perspectiva, são as regras técnico-administrativas que constituem, numa primeira 74 Vide, Artigo 5° do Tratado da SADC. LIMPENS A., “Harmonisation des législations dans le cadre du Marché Commun”, op. cit., p. 626. 76 GRAVESON R.H., “L’unification des différents systèmes juridiques en vigueur dans les iles britanniques”, op. cit., p. 407. 77 Por exemplo, alínea d) do n.° 2 do Artigo 3 do Tratado da CEDEAO. 75 18 fase, a fonte de disparidades substanciais entre as legislações nacionais dos Estados membros da organização. Em todo caso, vários elementos e factores devem ser tomados em conta devido ao facto da complexidade da decisão a tomar nesta matéria. 1. Primeiro, se o impulso do processo de harmonização partir dos órgãos da organização de acordo com os Estados membros, esses devem tomar em conta várias fontes de referência. Em primeiro lugar, pode ser os trabalhos de organizações similares, que já iniciaram um processo de harmonização dos quadros jurídicos nacionais dos respectivos Estados membros; em segundo lugar, pode-se ser o estudo das queixas e reclamações dirigidas aos órgãos da organização pelos Estados membros e/ou agentes económicos interessados em relação às normas ou sectores a harmonizar. 2. Segundo, competências vinculadas dos órgãos pelas disposições do tratado podem coabitar com uma livre escolha das legislações a harmonizar. Duas situações podem aparecer formalmente na prática. Na primeira hipótese, os sectores ou normas jurídicas a harmonizar constam do próprio tratado constitutivo da organização; é o caso, em particular, do Tratado da COMESA em matéria de cooperação aduaneira78, de simplificação e harmonização de processos e documentos comerciais79 ou de cooperação no desenvolvimento dos transportes e comunicações80 ou do Tratado da CEEAC em matérias de transportes e comunicações81 ou de recursos humanos82. Por outras palavras, qualquer processo de harmonização de disposições nacionais legislativas, regulamentares ou administrativas, deve tomar em conta os principais objectivos do mercado comum e essencialmente permitir a realização de quatro liberdades fundamentais (livre circulação de mercadorias, livre circulação de pessoas, livre circulação de serviços e livre circulação de capitais). Só assim esta tarefa terá tida como realizada e que outros domínios poderão ser abertos ao processo de harmonização. Ou seja, os objectivos a atingir estabelecidos nos tratados das CERs, são faseados segundo uma determinada perspectiva: objectivos imediatos, intermediários e a longo prazo. Em princípio, apenas os objectivos imediatos constituem o objecto de obrigações precisas no tratado, enquanto que os outros são menos detalhados. Mas mesmo assim, não significa que o processo de harmonização iniciará logo nesses sectores. O referido processo está condicionado ainda a uma decisão políticotécnica dos órgãos competentes da organização neste sentido. Segunda hipótese, o Tratado constitutivo não integra nas suas disposições estatutárias, um determinado ramo de legislações a harmonizar que possa se revelar necessário para harmonizar posteriormente a sua entrada em vigor porque as disparidades resultantes dessas legislações revelaram uma incidência negativa sobre o processo de integração em curso. Neste caso, o poder de apreciação dos referidos órgãos é ainda maior, contudo, se justifica ainda mais uma auscultação apurada dos 78 Alínea b) do n.° 1 e alínea f) do n.° 2 do Artigo 63 do Tratado da COMESA. N.° 2 do Artigo 71 do Tratado da COMESA. 80 Alíneas b), d) e i) do Artigo 85 do Tratado da COMESA. 81 alínea c) do n.° 1 do Artigo 47 do Tratado da CEEAC. 82 alínea c) do n.° 2 do Artigo 60 do Tratado da CEEAC. 79 19 círculos interessados e o método “bottom up” ou “step-by-step approach”83 faz plenamente sentido. 3. Terceiro é a disponibilidade de recursos suficientes para proceder às operações de harmonização dos quadros jurídicos nacionais. Com efeito, a harmonização das legislações nacionais requer recursos em qualidade e quantidade suficientes para garantir o seu êxito, ou seja, recursos humanos (técnicos competentes e disponíveis), recursos financeiros (organização de reuniões de trabalho, consultas, estudos, deslocações, etc...) e materiais (material informático, bibliografia, revistas especializadas, consumíveis, etc...). O âmbito do processo de harmonização será dependente dos fundos afectados a essas operações, o que significa que a sua amplitude será dependente do volume dos recursos disponibilizados para o efeito. 83 Como afirma HELMUT WAGNER: “Correspondingly, it might be better to adopt a step-by-step approach. One could start with harmonization of contract law for international (transborder) transactions. This would give individuais time to get acquainted with the new regime and to evaluate it. A step-by-step approach would also allow the correction of errors at an early stage. Against the backgroundof the experience gathered, one could then turn to a more comprehensive harmonization at a later stage if this then is assessed as being desirable” (“Costs of Legal Uncertainty: Is Harmonization of Law a Good Solution?”, op. cit., p. 6); como ensina JAN M. SMITS em matéria de harmonização do direito dos contratos: “It means the time is not for grand projects. Instead, one should adopt a model that allows corrections at an early stage and allows business and consumers to get acquainted with a new contract law regime. This points in the direction of drafting an optional contract code that parties can choose for it they find this code suits their interests best. Such an optional code would allow harmonization to take place from the bottom-up” (“The Practical Importance of Harmonization of Commercial Contract Law”, op. cit., p. 6). 20 III – AS TÉCNICAS DE HARMONIZAÇÃO DAS LEGISLAÇÕES NACIONAIS A harmonização das legislações nacionais pode ser prosseguida através de vários instrumentos jurídicos (A). Todavia a optimização desta e a sua eficiência depende, principalmente, de uma adequada combinação desses instrumentos (B). A relativa diversidade dos instrumentos jurídicos e a riqueza potencial das suas combinações não significam garantia de eficiência na sua aplicação: obstáculos político-institucionais e processuais constituem reais travões a sua existência e implementação (C). A. A diversidade dos intrumentos aproximação das legislações nacionais técnicos para a realização da Os instrumentos técnico-jurídicos susceptíveis de concretizar a aproximação das legislações dos Estados membros de um organização regional são diversos: directivas (a), regulamentos (b), decisões (c) e acordos internacionais (d). As recomendações que aparecem em vários tratados constitutivos das CERs84 não constituem, contrariamente a experiência europeia85, instrumentos de harmonização dos direitos nacionais. Elas constituem apenas instrumentos de relacionamentos inter-institucionais86 e não tem efeitos externos à organização, por esta razão o seu estudo não será desenvolvida nesta comunicação. a) A directiva O instrumento jurídico da directiva é consagrado em vários tratados constitutivos das CERs87. Todavia, as definições consagradas nos referidos tratados não são formuladas com a mesma precisão em todos (1) e o conteúdo da noção é distinto segundo os tratados o que não facilita a sua comparação (2). 1. A imprecisão nas definições Se a directiva é definida com bastante precisão no Tratado da COMESA como: “... shall be binding upon each Member State to which it is addressed as to the result 84 Alínea a) do n.° 2 do Artigo 13 do Tratado da CEEAC; alínea a) do n.° 3 do Artigo 10 do Tratado da CEDEAO; n.° 5 do Artigo 10 do Tratado da COMESA. 85 LIMPENS A., “Harmonisation des législations dans le cadre du Marché Commun”, op. cit., p. 635 e seguintes. 86 Por exemplo, que a Conferência nomeia, sob recomendação do Conselho, os fiscais (alínea e) do n.° 3 do Artigo 7 do Tratado da CEDEAO), que o Conselho emite recomendações à intenção da Conferência sobre toda acção visando a realização dos objectivos da Comunidade (alínea a) do n.° 3 do Artigo 10 do Tratado da CEDEAO), que a Conferência pode, a qualquer momento, sob recomendação do Conselho, decidir que todo direito aduaneiro seja reduzido mais rapidamente ou removido mais cedo (n.° 3 do Artigo 28 do Tratado da CEEAC), que the Council of Ministers “make recommendations to the Authority on matters of policy aimed at the efficient and harmonious functioning and development of the Common Market” (alínea b) do n.° 2 do Artigo 9 do Tratado da COMESA – vide, também, alínea i) do n.° 2 do Artigo 9) ou que The Assembly “make recommendations of the Council as it may deem necessary for the implementation of the Treaty” (alínea c) do n.° 2 do Artigo 49 do Tratado da EAC). Vide, também, n.° 7 do do Artigo 10 do Tratado da SADC. 87 Vide, por exemplo, alínea d) do n.° 2 do Artigo 9 e n.° 5 do Artigo 10 do Tratado da COMESA; alínea a) do n.° 3 do Artigo 7 e alínea c) do n.° 3 do Artigo 10 do Tratado da CEDEAO; Artigo 11 do Tratado CEEAC; n.° 5 do Artigo 14 do Tratado da EAC. 21 to be achieved but not as as to the means od achieving it”88 o que aproxima o conceito do vigente na União Europeia89, o Tratado da CEDEAO estabelece apenas que a Conferência “... aprova directivas ...”90 ou que o Conselho “... toma, sob delegação de poderes da Conferência, directivas nos domínios da harmonização e da coordenação das políticas de integração económica”91 ou que a “Conferência actua por directiva”92, sem especificar nem os efeitos e conteúdo das referidas directivas muito menos o seu âmbito estrito de aplicação, apesar do facto de que essas precisões foram formalmente estabelecidas em relação aos regulamentos do Conselho no caso do Tratado da CEDEAO93. Apesar disso, algumas imprecisões não facilitam a identificação da natureza desses actos. Por exemplo, o n.° 1 do Artigo 12 do Tratado da CEDEAO estabelece que “Os actos do Conselho são denominados regulamentos”, mas será que “as directivas” não são actos do Conselho? Assim, é do estudo cuidadoso de cada tratado que se infere o conteúdo da noção de directiva. 2. As directivas com conteúdo indeterminado A análise do conteúdo e do âmbito de aplicação das directivas nos tratados das CERs, revela que essas não têm o mesmo conteúdo e nem a mesma função. Se em alguns tratados a directiva aparece apenas como um instrumento de relacionamento inter-institucional (2.1.), em outros casos, elas constituem verdadeiros instrumentos de harmonização de quadros jurídicos nacionais (2.2.). 2.1. A directiva como instrumento de relações inter-institucionais Em alguns tratados a directiva é concebida apenas como um instrumento de relacionamento inter-institucionais; é o caso, em particular, no n.° 2 do Artigo 11 do Tratado da CEEAC que prevê que: “Les directives ont force obrigatoire à l’égard des institutions auxquelles elles s’adressent à l’exclusion de la Cour de Justice” (o sublinhado é nosso)94. Por outras palavras, a sua função não é de proceder directamente à harmonização das legislações nacionais, mas sim de servir de veículo à expressão da vontade da Conferência, nas suas relações com as outras instituições da Comunidade sob reserva da Cour de justice (Conselho de Ministros, secretário geral, Comissão consultiva e comité ou órgão técnico especializado95). Todavia, não significa que a directiva não pode julgar um papel importante em matéria de harmonização de legislações nacionais. Pelo contrário, é pela directiva 88 N.° 3 do Artigo 10 do Tratado da COMESA. Além disso, “Directives (…) shall be notified to those to whom they are addressed and shall take effect upon the receipt of such notification or on such date as may be specified in the directives …” (n.° 2 do Artigo 12 do Tratado da COMESA). 89 Vide, por exemplo, MOTA DE CAMPOS J., MOTA DE CAMPOS J.L., Manual de Direito Comunitário, Coimbra Editora, 5.ª., ed., 2007, p. 323 e seguintes. 90 Alínea a) do n.° 3 do Artigo 7 do Tratado da CEDEAO. 91 Alínea c) do n.° 3 do Artigo 10 do Tratado da CEDEAO. 92 N.° 1 do Artigo 11 do Tratado da CEEAC. 93 Artigo 12 do Tratado da CEDEAO. 94 É também uma da função da directive no Tratado da EAC mas não exclusivamente, vide, Artigo 16 do Tratado da EAC. 95 N.° 1 do Artigo 7 do Tratado da CEEAC. 22 que a Conferência pode no Tratado da CEEAC por exemplo, dar impulso a um processo de harmonização de legislações nacionais, dando instruções ao Conselho de Ministros neste sentido. 2.2. A directiva como instrumento de harmonização dos quadros jurídicos nacionais É no Tratado da COMESA que a função da directiva como instrumento de harmonização dos quadros jurídicos nacionais aparece com clareza. Com efeito, de acordo com o n.° 3 do Artigo 10 do referido Tratado: “The Directive shall be bindind upon each Member States to which it is addressed as to the result to be achieved but not as to the means of achieving it”. Além disso, o efeito obrigatório da directiva foi estabelecido em outras disposições do referido Tratado (n.° 3 do Artigo 9) bem como no Artigo 16 do Tratado da EAC96. Assim, a directiva não constitui um acto normativo directo, ela cria apenas efeito de direito pela acção jurídica dos Estados que adoptarão disposições normativas internas em conformidade com os princípios estabelecidos pela directiva. A directiva parece constituir, nos exemplos acima citados, um instrumento próprio para realizar a aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos seus Estados membros. A directiva constitui um “acto sui generis”97 que permite às instituições comunitárias competentes fixar um objectivo comum, deixando, ao mesmo tempo, às autoridades nacionais o poder de se pronunciarem sobre a forma e os meios a utilizar. Todavia, se a forma dos actos a praticar não suscita regra geral, dificuldades como ensina ANNE LIMPENS: “pode-se entender por esta palavra, o aspecto formal do procedimento concreto que cada Estado utiliza para efectuar a aproximação requerida, tal como, lei, decreto, diplomas normativos, etc...”98, pelo contrário, a noção de meios (“means”) foi bastante discutida na doutrina99. O entendimento mais claro do conceito parece convergir para a seguinte definição: “procedimento concreto utilizado para atingir o objectivo fixado pela directiva e, segundo a situação normativa de cada Estado no momento em que a directiva é aprovada”100. Assim, três situações são tecnicamente possíveis: ou a legislação de um determinado Estado é conforme à directiva e neste caso, o referido Estado não tem nada para que fazer; ou a legislação de um determinado Estado é parcial ou totalmente contrária à directiva e neste caso, o referido Estado deverá revogar as normas contrárias à directiva; ou a legislação de um determinado Estado é insuficiente para atingir os objectivos definidos na directiva e o referido Estado 96 “Subject to the provisions of this Treaty, the (…) directives (…) of the Council or given in pursuance of the provisions of this Treaty shall be binding on the Partner States, on all organs and institutions of the Community other than the Summit, the Court and the Assembly within theirs jurisdictions, and on those to whom they may under this Treaty be addressed”. 97 LIMPENS A., “Harmonisation des législations dans le cadre du Marché Commun”, op. cit., p. 638. 98 Id. Ibid. 99 Vide, por exemplo, LIMPENS A., ibid., p. 638. 100 Id. Ibid. 23 deverá aprovar disposições novas para se conformar com os objectivos estabelecidos na directiva. b) O regulamento O instrumento jurídico-técnico “regulamento” aparece como consagrado na maior parte dos tratados dos CERs101. Todavia, existem várias diferenças (potenciais) no que concerne o conteúdo desses instrumentos o que faz com que o seu estudo não pode ser liminarmente afastado como devia logicamente o ser pelo facto de que, teoricamente, o regulamento constitui um instrumento de uniformização e não de harmonização das legislações nacionais. Assim, duas situações podem ser destacadas: a onde o regulamento constitui um verdadeiro instrumento de uniformização dos quadros jurídicos nacionais (1) e a onde, este pode efectivamente revestir esta função mas não de uma forma exclusiva (2). 1. O regulamento como instrumento de uniformização dos quadros jurídicos nacionais O Tratado da COMESA, em particular, define de forma precisa a figura jurídica do “regulamento”. A definição adoptada é muito próxima da vigente no sistema jurídico da União Europeia102: “A regulation shall be binding on all the Members States in its entirely” (n.° 2 do Artigo 10). Além disso, algumas disposições do referido Tratado explicitam os sectores em que deverá se exercer este poder de regulamentação, como por exemplo, em matéria de concorrência entre os Estados Membros (n.° 3 do Artigo 55 do Tratado da COMESA). Nesta perspectiva, o regulamento constitui um instrumento de unificação do direito. O referido instrumento jurídico, pode substituir às regras nacionais uma norma jurídica comum ou criar uma norma jurídica nova que se sobrepõe às legislações nacionais existentes. É pois, um instrumento visando à unificação do direito dos Estados membros. Todavia, na media em que o regulamento teria por consequência eliminar ou adaptar disposições nacionais contraditórias, pode-se considerar igualmente, neste caso, como um verdadeiro instrumento de harmonização dos quadros jurídicos nacionais. Contudo, o regulamento não é em matéria de harmonização o instrumento jurídico ideal; como refere ANNE LIMPENS em relação aos regulamentos da CEE: “Alors que l’harmonisation consiste à rendre les différents droits nationaux analogues tout en leur conservant leur individualité, le règlement dépasse largement un tel objectif en ce qu’il crée d’emblée une norme unique communautaire”103. 2. O regulamento como instrumento ambivalente 101 N.° 1 do Artigo 12 do Tratado da CEDEAO; n.° 1 do Artigo 15 do Tratado CEEAC; n.° 2 do Artigo 10 do Tratado da COMESA; alíneas d) e g) do n.° 3 do Artigo 14 e Artigo 16 do Tratado da EAC. 102 MOTA DE CAMPOS J., MOTA DE CAMPOS J.L., Manual de Direito Comunitário, op. cit., p. 311 e seguintes. 103 LIMPENS A., “Harmonisation des législations dans le cadre du Marché Commun”, op. cit., p. 640. 24 A ambivalência do conteúdo do regulamento resulta do facto de em alguns tratados não se definir com precisão o conteúdo do mesmo e as suas funções. As disposições convencionais concentram-se sobre os modos de aprovação deste instrumento, bem como sobre os seus efeitos mas não indica claramente o que é a sua função. Por outras palavras, será que o regulamento pode ser exclusivamente um instrumento de uniformização dos quadros jurídicos nacionais, ou será que este instrumento pode realizar essas duas funções de harmonização e uniformização ou, finalmente, será que apesar do termo “regulamento”, este instrumento desenvolverá a função de uma “directiva”? O Artigo 12 do Tratado da CEDEAO com epígrafe” “RÉGLEMENTS” ilustra esta situação. Depois de ter afirmado no n.° 1 do referido artigo que “Os actos do Conselho são denominados regulamentos”, os n.°s 2, 3 e 4 do mesmo estabelecem as condições de aprovação do regulamento, os seus efeitos jurídicos e as condições da sua publicação104. Todavia, não há nenhuma precisão sobre a sua função. Nesses casos, a solução aceitável parece ser o estudo da prática das autoridades competentes na matéria para avialiar, caso a caso, a função e conteúdo material atribuídos aos regulamentos. c) A decisão O instrumento da “decisão”, é a técnica que aparece com mais frequençia nas CERs105. Todavia, o seu âmbito de aplicação é bastante difícil a circunscrever de uma forma geral, por causa do caracter genérico e indeterminado da sua formulação na maior parte dos tratados constitutivos das CERs. Assim, ou a decisão tem por finalidade exclusiva aplicar-se a casos particulares (2) ou não se pode distinguir o âmbito do seu conteúdo e consequentemente, não se pode excluir, a priori, o seu uso para proceder a harmonização dos quadros jurídicos nacionais (1). 1. A indeterminação do conteúdo da “decisão” A maior parte dos tratados das CERs, não atribuem um conteúdo específico a palavra instrumental “decisão”. Por exemplo, o n.° 1, do Artigo 11 do Tratado da CEEAC dispõe: “A Conferência actua por decisão ...”106 ou de acordo com o n.° 1, do Artigo 9 do Tratado da CEDEAO: “Os actos da Conferência são denominados decisões”. Do mesmo modo, o n.° 9, do Artigo 10° do Tratado da SADC estabelece que: “As decisões da Cimeira são tomadas por consenso ...”. Assim, nessas hipóteses não se pode com certeza identificar a priori, qual é o conteúdo da “decisão” (geral e abstracto, individual e/ou colectiva). Em alguns casos, não se pode também, identificar o efeito jurídico da decisão. Por exemplo, se o n.° 9, do Artigo 10° do Tratado da SADC precisa que: “As decisões da Cimeira (...) 104 Mesma lógica no Artigo 15 do Tratado da CEEAC. N.° 3 do Artigo 8, n.° 3 do Artigo 12 e Artigo 16 do Tratado da COMESA; Artigo 9 do Tratado da CEDEAO; Artigo 11 do Tratado da CEEAC; n.° 3 do Artigo 12 e Artigo 16 do Tratado da EAC; n.° 9 do Artigo 10° e n.° 7 do Artigo 10°A e n.° 6 do Artigo 11° do Tratado da SADC; Artigo 6 do Tratado da UMA; n.° 4 do Artigo 9 do Tratatdo da IGAD; Artigo 4 do Tratado da CEN-SAD. 106 Vide, também, n.° 3 do Artigo 12 do Tratado da EAC; n.° 1 do Artigo 11 do Tratado da CEEAC. 105 25 são vinculativas” e nem se sabe em relação a quem e muito menos se conhecem as condições da própria vinculação. Do mesmo modo, o Tratado da SADC, não estabelece nenhuma precisão sobre o carácter vinculativo ou obrigatório das decisões do Conselho (n.° 6 do Artigo 11° do Tratado). Este estado de indeterminação, faz com que não se possa a priori, afastar a “decisão” como instrumento de harmonização dos quadros jurídicos nacionais. 2. A decisão como veículo de uma obrigação imposta a determinado(s) destinatário(s) Alguns tratados consagram uma definição mais precisa da “decisão”, o que permite melhor situar as funções deste instrumento jurídico em relação aos outros. É o caso em particular do Tratado da COMESA, que define a decisão nos seguintes termos: “A decision shall be binding upon those to whom it is adressed” (n.° 4 do Artigo 10 do Tratado da COMESA)107. Esta definição é muito próxima da consagrada no Tratado da Comunidade Europeia108. Assim, a decisão no Tratado da COMESA, obriga apenas aos destinatários que ela própria designa, individualizando-os. A decisão tem como regra geral, pôr finalidade aplicação das regras do Direito produzidas pela própria comunidade a casos particulares, mas nada obsta que este instrumento seja utilizado para prescrever a um Estado ou a um grupo de Estados membros com objectivo, cuja a sua realização passa pela adopção de medidas nacionais de alcance geral. Nesses termos, a decisão pode constituir um instrumento de harmonização de quadros jurídicos nacionais. d) O acordo internacional Não se pode excluir que no âmbito de um processo de integração, a harmonização dos quadros jurídicos nacionais se realiza na base de acordos entre Estados109. Neste sentido duas situações aparecem nitidamente na prática das CERs: ou a harmonização mediante acordos internacionais é considerada como um meio acessório da harmonização das legislações nacionais (1) ou, pelo contrário, como meio principal para realizar a mesma (2). Em todo caso, o uso do acordo internacional não é sempre a técnica mais apropriada para proceder a harmonização dos quadros jurídicos nacionais (3). 1. O acordo internacional como meio acessório de harmonização jurídica Sem excluir totalmente o acordo internacional como meio de harmonização de quadros jurídicos nacionais, alguns tratados constitutivos das CERs apenas consagram esta técnica de forma acessória para a regulação de sectores muito específico, ou seja, são os instrumentos comunitários que constituem os meios 107 Vide, também, o Artigo 16 do Tratado da EAC. MOTA DE CAMPOS J., MOTA DE CAMPOS J.L., Manual de Direito Comunitário, op. cit., p. 311 e seguintes. 109 CEREXHE E., "L’intégration juridique comme facteur d’intégration régionale", op. cit., p. 8. 108 26 privilegiados do processo de harmonização dos quadros jurídicos nacionais e não os acordos internacionais que revestem, nos referidos casos, a forma de “protocolos”. É o caso, em particular, no âmbito da cooperação em matéria de transporte no Tratado da COMESA. Com efeito, no fundamento da alínea b) do n.° 2 do Artigo 4 do referido Tratado que impõe aos Estados membros de “make regulations for facilitating transit trade within the Common Market” e da alínea h) do Artigo 85 do mesmo que impõe aos Estados membros de “establish common measures for the facilitation of road transit traffic”, os referidos Estados aprovaram o Protocol on Transit Trade and Transit Facilities que procedeu a harmonização de vários procedimentos nesta matéria. 2. O acordo internacional como meio principal de harmonização jurídica Alguns Tratados das CERs consagram o acordo internacional como o instrumento privilegiado para proceder não só a harmonização dos quadros jurídicos nacionais mas também para realizar o objectivo da integração regional no seu conjunto110. É o caso, em particular do Tratado da SADC na qual a Cimeira dos Chefes de Estado ou de Governo aprovou - até hoje - 22 protocolos nos sectores considerados como essenciais pelos Estados membros (Educação e Formação, Turismo, Sector Mineiro, Circulação de pessoas, Finança e Investimentos, Trocas comerciais, etc …)111 112. Alguns desses protocolos estabelecem explicitamente obrigações para os Estados signatários em termos de harmonização de legislações internas. É o caso, em particular, do Protocolo da SADC sobre as Trocas Comerciais, de 24 de Agosto de 1996 que prevê nos seus artigos 4 e 5 do seu Anexo II a harmonização das leis e práticas de valorização aduaneira e de simplificação e harmonização dos procedimentos aduaneiros respectivamente. 3. Os limites da técnica do acordo internacional como instrumento de harmonização das legislações nacionais Mesmo se o acordo internacional oferece possibilidades de aprovar “leis uniformes” ou “leis modelos”, esta técnica como instrumento de harmonização das legislações nacionais foi bastante criticado para constituir uma resposta adequada ao processo de harmonização das legislações nacionais e unificação do direito. 1. Primeiro esses instrumentos não são realmente concebidos para lutar contra a disparidade das legislações nacionais que constituem um obstáculo objectivo pela realização de um espaço económico e social verdadeiramente integrado; como refere MARIO MATTEUCCI, de uma forma geral: “... a forma 110 N.° 3 do Artigo 10 do Tratado da SADC. CISTAC G., “L’intégration régionale dans “tous” ses états: SADC et OHADA”, op. cit., p. 122 e seguintes; SHAMS R., Regional Integration in Developing Countries: Some Lessons Based on Case Studies, Hamburg Institute of International Economics (HWWA), Discussion paper, 251, 2003, p. 23; como comenta o referido autor: “This is strongly reminiscent of the predecessor of the SADC i.e. SADCC (Southern African Development Coordination Conference)”, Ibidem 112 Vide, também, o exemplo da CEDEAO, Les blocs sous-régionaux, piliers de l’intégration régionale?, op. cit., p. 52. 111 27 tradicional da unificação pelo meio da convenção internacional não é sempre a mais apropriada para a unificação de alguns ramos do direito no âmbito das uniões de Estados. O insucesso deste sistema é revelado pelo atraso nas ratificações e as vezes pela ausência total dessas”113. A SADC fornece um bom exemplo deste “insucesso”. Com efeito, apesar da sua aprovação pela Cimeira de Chefes de Estados114, os protocolos são abertos à assinatura e ratificação dos Estados e não existe nenhum mecanismo que garante e assegure que todos os Estados membros procederão, de modo uniforme ao cumprimento de todas essas formalidades. Na prática, pode-se medir os efeitos perversos e inadaptados desses intrumentos jurídicos para garantir um verdadeiro processo de integração. Com efeito, os protocolos entram em vigor 30 dias após o depósito dos instrumentos de ratificação de dois terços dos Estados membros115 o que deixa instalar-se grandes incertezas sobre a implementação concreta dos protocolos, vista a lentidão com a qual alguns Estados membros ratificam ou ratificaram alguns protocolos116. Além disso, alguns protocolos previram um processo de denúncia117 ou retirada118. A admissão de um novo Estado membro sob condição da sua aceitação de todos os intrumentos reconhecidos como importantes nos sectores essenciais da integração119 é apenas uma medida de circunstância que não garante a uniformidade na execução dos protocolos e que não constitui uma obrigação de comportamento pelo futuro. Além disso, os protocolos muito dificilmente poderão promover um interesse colectivo, pelo contrário, apenas serão promotores, no final, de uma soma de interesses Estaduais. 2. Segundo, mesmo na hipótese em que um protocolo entra em vigor pelo cumprimento da condição acima referida, nada garante a uniformidade na adopção e aplicação de medidas internas visando o respeito das obrigações que ele impõe. Fenómenos de assimetrias na aplicação desses disposições podem implicar incertezas e efeitos negativos nos operadores do comércio internacional. Pois, a técnica da convenção internacional ou do protocolo, implica apenas harmonização ou uniformização dos quadros jurídicos nacionais quando o instrumento é, além de ser ratificado pelos Estados signatários, acompanhado por uma actividade normativa interna apropriada. 113 MATTEUCCI M., “L’évolution en matière d’unification du droit”, Revue Internationale de droit comparé, 1961, vol. 13, n.° 3, p. 290; LIMPENS A., “Harmonisation des législations dans le cadre du Marché Commun”, op. cit., p. 641. 114 n.° 3 do Artigo 10 do Tratado da SADC. 115 N.°4 do Artigo 22 do Tratado da SADC. 116 NG’ONG’OLA C., "Protocoles de la SADC: Réalisation à ce jour et le chemin qui nous attend", SADC – Barometer, Mars 2005, p. 8 e seguintes. Vide, também, sobre as dificuldades de implementação do Protocolo sobre as Trocas Comerciais, SULULO N., “Liberalização do comércio e a integração económica regional. Desafios e Oportunidades”, Maputo, Seminário sobre “Semana Aberta sobre o Sistema de Comércio Multilateral”, Junho de 2007 (np), p. 11; Les blocs sous-régionaux, piliers de l’intégration régionale?, op. cit., p. 51 e seguintes. 117 Vide, por exemplo, o Artigo 20 do Protocolo de Cooperação no Domínio da Energia; o Artigo 14.4 do Protocolo sobre Transportes, Comunicações e Meteorologia. 118 Vide, por exemplo, o Artigo 15 do Protocolo sobre o Sector Mineiro. 119 NG’ONG’OLA C., op. cit., p. 10. 28 Assim, esta situação oferece a possibilidade de conceber CERs a geometria variável120 ou, por outras palavras, uma CER constituída de Estados que ratificaram uma boa parte dos protocolos e que executaram as suas disposições e Estados membros que ratificaram poucos protocolos e que têm, visivelmente, muitas dificuldades a implementá-los. 3. Terceiro, o acordo internacional situa-se a margem do tratado constitutivo da organização porque, os Estados que celebraram o acordo não actuam como órgãos da Comunidade mas como poderes soberanos independentes. B. A optimização do uso das técnicas para conseguir uma eficiente harmonização das legislações A optimização do uso de técnicas harmonizadoras do direito depende essencialmente da existência de um sistema abrangente, flexível e completo (1) e de ter previamente resolvido dificuldades metodológicas (2). a) A necessidade de conceber um sistema abrangente, flexível e completo É porque “É extremamente difícil precisar a priori, em que caso é preciso recorrer a uma ou a outra dessas técnicas”121, que um sistema eficiente de harmonização de quadros jurídicos nacionais deve ser, ao mesmo tempo abrangente, isto é, integrar, ao mesmo tempo, técnicas de harmonização e de uniformização jurídica; completo, isto é, integrar o conjunto de técnicas susceptíveis de produzir da harmonização jurídica (recomendação, directiva, decisão, regulamento, acordo internacional), flexível no sentido de que a escolha da técnica de harmonização depende dos objectivos a atingir. Partindo desses presuppostos, pode-se observar: Primeiro que todas as CERs não contemplam ao mesmo tempo instrumentos de harmonização e uniformização do direito, o que pode dificultar alguns aspectos do processo de integração jurídica no seu conjunto nessas organizações regionais porque, em algumas situações a harmonização das legislações nacionais não é suficiente para atingir esta integração. Com efeito, pode-se verificar que no que concerne, em particular, a harmonização de disposições técnicas e administrativas um alto grau de precisão é necessário, e muito das vezes, indispensável. Por outras palavras, o resultado esperado, só pode ser atingido nessas matérias apenas se os Estados se conformarem a instruções precisas e detalhadas porque, diferenças mínimas nessas podem estar na origem de obstáculos sérios122. Isto implica que o sistema possa fornecer escolhas de um instrumento que permite atingir este resultado com sucesso, principalmente o regulamento que constitui um instrumento, por natureza, de uniformização do direito. 120 Vide, em particular, o caso da SADC, NG’ONG’OLA C., Ibidem; CLEARY S., "Variable Geometry and Varying Speed: An Operational Paradigm for SADC", em, CLAPHAN C., MILLS G., MORNER A. e SIDIROPOULOS E. (Editors), Southern Africa: Comparative International Perspectives, Published by SAIIA, January 2001, pp. 87104. 121 CEREXHE E., "L’intégration juridique comme facteur d’intégration régionale", op. cit., p. 6. 122 BEL N., “L’harmonisation des dispositions techniques dans le cadre de la C.E.E.”, Revue du Marché commun, 1966, n.° 37, p. 30. 29 Assim, um sistema desde logo abrangente no sentido acima definido permite oferecer mecanismos mais diversos para responder à diversidade de situações concretas que possam surgir na realidade do processo de integração regional e enfrentá-lo em boas condições. Segundo, o que oferecem as CERs em termos de instrumentos jurídicos susceptíveis de harmonizar os quadros jurídicos nacionais, não é de uma grande diversidade e, em todo caso, não constituem sistemas completos de harmonização das legislações nacionais (sem entrar no caso da uniformização dessas). Regra geral, os tratados constitutivos não contemplam o instrumento da “recomendação”. Mesmo se, em algumas situações, a recomendação for bastante criticada como instrumento eficiente para realização da harmonização das disposições nacionais123, não se pode esquecer que a recomendação constitui uma fonte indirecta de harmonização na medida em que os Estados aceitam introduzir no seu direito interno normas compatíveis com a recomendação. Apesar de constituir uma “fonte aleatória de harmonização”124, a recomendação permite acomodar interesses políticos indissociáveis da soberania nacional, pois, desempenham um papel bastante útil quando a questão da transferência de soberania e de supranacionalidade ainda permanecem não consolidadas. Além disso, raros são os sistemas integrativos que oferecem “regulamentos” e “directivas” nos termos acima referidos como verdadeiros instrumentos de harmonização ou uniformização do direito económico. O “protocolo” permanece o instrumento privilegiado para proceder à harmonização dos quadros jurídicos nacionais, o que limita desde logo a capacidade do sistema para responder com eficiência ao desafio da complexidade do processo de harmonização dos quadros jurídicos nacionais. Terceiro, a flexibilidade permanece, na maior parte dos casos reduzida, pelo facto da limitação na escolha das técnicas de harmonização para responder eficientementemente aos objectivos a atingir. A natureza das questões a tratar (questões meramente técnica ou técnico-políticas) ou o grau de precisão que esses instrumentos devem atingir faz com que a escolha entre um ou outro instrumento seja sempre uma opção delicada. Por exemplo, “A escolha entre o regulamento e a directiva depende, as vezes, ou da maturidade da questão a tratar, ou da vontade de preparar os espíritos à uma mutação legislativa”125. Além disso, quando a precisão e o detalhe não se consideram como necessário para a harmonização de quadros jurídicos nacionais, a directiva aparece como um instrumento flexível no que diz respeito ao seu conteúdo deixando aos Estados membros aprovar os medidas normativas apropriadas. Assim, a ausência desses instrumentos implica uma redução da flexibilidade do sistema para atingir com eficâcia os objectivos previamente definido. Além disso, a flexibilidade de um sistema constituído por instrumentos provedores de harmonização se concretiza ainda na possibilidade de combinação múltiplas entre os referidos intrumentos. Por exemplo, a harmonização dos quadros jurídicos nacionais deve tomar em conta a evolução do progresso técnico e isto implica, as vezes, uma capacidade de adaptação bastante célere das normas até 123 LIMPENS A., “Harmonisation des législations dans le cadre du Marché Commun”, op. cit., p. 637. Id. Ibid. 125 ISSA-SAYEGH J.,"La production normative de l’UEMOA. Essai d’un bilan et de perspectives", op. cit., p. 6. 124 30 então existentes. Assim, deve-se considerar que a combinação de vários instrumentos técnico-jurídicos são necessários para responder a essas necessidades. Por exemplo, o método da delegação de poderes entre o órgão político máximo da organização e um órgão meramente executivo pode trazer uma solução bastante satisfatória126. Assim, o órgão máximo da organização pode conferir ao órgão executivo a competência para a execução das normas que ele estabelece. A questão da delegação de poderes suscita interesse no que concerne, em particular, a gestão do progresso técnico numa determinada área a harmonizar. É essencial, nesta perspectiva, que o instrumento que visa harmonizar as legislações nacionais previsse mecanismos de adaptação deste à evolução do progresso técnico da matéria objecto do processo de harmonização. Além disso, não parece desejável que o órgão máximo da organização proceda à solução de questões meramente técnicas. Na maior parte dos tratados das CERs, o órgão máximo da organização reúne-se apenas uma vez por ano,127 o que não é plenamente satisfatório para a estrita resolução de questões técnicas visto que, regra geral, este órgão é responsável pela política geral da organização e as grandes orientações da respectiva Comunidade128. Optar para usar um tempo bastante escasso para resolver aspectos secundários da actividade do referido órgão cria riscos de atrasar o próprio movimento de harmonização dos quadros jurídicos nacionais. Do mesmo modo, não é aconselhavél que a delegação de poderes seja dirigida a órgão da organização que tem os mesmos “defeitos” que o órgão máximo da Comunidade em termos de disponibilidade temporal ou de preocupações funcionais como é o caso das delegações concedidas pela autoridade máxima da Comunidade ao Conselho de ministros129. O ideal seria uma delegação de poderes de execução a um “secretariado executivo” da Comunidade que poderia executar as decisões aprovadas pelas instâncias superiores da Comunidade trazendo as precisões técnicas necessárias para uma implementação eficiente das referidas decisões ou seja, o órgão máximo poderia aprovar uma directiva quadro e o órgão executivo assumiria a execução pela elaboração de “directiva de execução”130. b) As dificuldades metodológicas ligadas à operação de harmonização das legislações nacionais 126 A delegação de poderes da Conferência para o Conselho de ministros é expressamente prevista no Tratado da CEEAC (alínea i) do n.° 2 do Artigo 9) e no Tratado da CEDEAO (alínea f) do n.° 3 do Artigo 7). A Cimeira, no Tratado da EAC, pode delegar o exercício das suas funções, “to a member of the Summit, to the Council or the Secretary General” (n.° 5 do Artigo 11). No Tratado da SADC a Cimeira pode “… delegar a sua autoridade ao Conselho ou a qualquer outra instituição da SADC que a Cimeira considere apropriada” (n.° 3 do Artigo 10° do Tratado da SADC). 127 N.° 5 do Artigo 8 do Tratado da COMESA; n.° 1 do Artigo 12 do Tratado da EAC; n.° 1 do Artigo 8 do Tratado da CEDEAO; n.° 1 do Artigo 10 do Tratado da CEEAC; Artigo 4 do Tratado CEN-SAD; n.° 3 do Artigo 9 do Tratado da IGAD. Duas vezes no Tratado da SADC (n.° 5 do Artigo 10° do Tratado da SADC). 128 Vide, por exemplo, alínea a) do n.° 2 do Artigo 9 do Tratado da CEEAC; alínea a) do n.° 3 do Artigo 7 do Tratado da CEDEAO; n.° 2 do Artigo 8 do Tratado da COMESA. 129 Vide, por exemplo, a alínea i) do n.° 2 do Artigo 9 do Tratado da CEEAC; alínea f) do Tratado da CEDEAO. 130 Vide, por exemplo, LIMPENS A., “Harmonisation des législations dans le cadre du Marché Commun”, op. cit., p. 645. 31 A questão do método de harmonização das normas nacionais levanta três problemas fundamentais: a determinação de um padrão comum (1); quem é a entidade mais indicada para proceder à harmonização (2) e como realizar esta (3). 1. Em busca do padrão comunitário A harmonização de quadros jurídicos nacionais, pressupõe um padrão comum ou como referem alguns tratados, um “common standards”131 ou ainda, como estabelecem alguns documentos técnicos, um “common goal”132 ou como ensinam alguns autores, uma “norma que é tomada como base”133. O padrão comum pode revestir várias formas: pode ser uma norma já existente (por exemplo, a de um Estado membro ou de um organismo internacional) ou nova, que pode por sua vez revestir duas formas: ou constituir a síntese de normas existentes na Comunidade de referência ou ser uma nova, totalmente nova. Em todo caso, os Estados membros deverão esforçar-se em aproximar as suas legislações, deste padrão de referência. A leitura dos tratados das CERs, não esclarece sobre os modos em que os Estados membros devem proceder para elaboração deste padrão de referência, daí o facto de se afirmar que “The Member States shall: (...) (a) harmonize and simplify regulations, goods classification, procedures and documents required for their multimodal inter-State transport” (Artigo 91 do Tratado da COMESA) não resolve o problema de método. Qual é o padrão de referência neste caso? É nesta situação que a intervenção de um órgão comunitário independente dos interesses nacionais, capaz de fazer prevalecer os interesses comunitários em relação as dos Estados membros faz plenamente sentido. Caso contrário, ou um dos Estados membros tentará fazer prevalecer a sua norma como norma comunitária, o que será dificilmente aceitável para os outros Estados membros, ou o processo dará lugar a uma negociação de “mercadores”, onde cada Estado tentará fazer prevalecer os seus interesses jogando preferencialmente com base na regra do consenso para poder estabelecer uma ponte de interesses, entre a referida negociação e uma outra que decorre ou que estiver a decorrer. 2. Quem deve realizar a harmonização? Tecnicamente várias situações são possíveis que se podem articular em relação a uma diferenciação preliminar entre o orgão decisório de quem depende a aprovação do instrumento harmonizador e o órgão materialmente responsável para a sua elaboração. Primeira situação, é a da unidade orgânica entre o órgão decisório e o que elabora materialmente o padrão comunitário. Segunda situação é a da diferenciação entre o órgão decisório e o órgão materialmente responsável para sua elaboração. De facto, este sistema distingue 131 Alínea j) do n.° 2 do Artigo 91 do Tratado da EAC. UNECA, Harmonization of Mining Policies, Standards, Legislative and Regulatory Frameworks in Southern Africa, op. cit., p. 9. 133 MONACO R., “Comparaison et rapprochement des législations dans le Marché Commun Européen”, op. cit., p. 69. 132 32 entre o órgão politicamente responsável para a aprovação dos instrumentos/padrões de harmonização – regra geral a instituição mais elevada na hierarquia dos órgãos da organização – e o órgão encarregue da concepção e elaboração do padrão harmonizador, órgão de carácter técnico e dotado de uma competência geral. Esta separação funcional tem várias vantagens. Por natureza a harmonização afecta a soberania dos Estados membros que constitui, de facto, um espaço rico em potenciais conflitos de interesses. A sua resolução deve ser, logicamente, do órgão da organização que ocupa o lugar mais apropriado para o efeito e regra geral, o órgão posicionado no topo da organização. Geralmente, as questões meramente técnicas, dependem de um órgão técnico que procede à selecção dos sectores em que a harmonização é prioritária bem como ao levantamento das disposições normativas que deverão ser objecto de aproximação. Do ponto de vista metodológico, alguns autores reconhecem o sucesso do processo de unificação escandinávio sobre tudo na fase preparatória dos diplomas a elaborar bem como, na de introdução das leis uniformes nos sistemas jurídicos nacionais. Este método caracteriza-se pela grande flexibilidade na fase de elaboração das normas134. Nesta fase cada um dos países participante aos esforços de unificação cria um comité nacional encarregue de estudar a matéria objecto da unificação e de preparar um relatório. Só despois deste estudo, realizada no plano nacional, que os comités nacionais iniciam a sua cooperação com vista a elaborar um diploma uniforme; como reconhece MARIO MATTEUCCI: “Este sistema é muito mais eficaz do que aquele que é praticado pelos organismos que presidem à unificação regional, sistema que consiste em criar um comité ou grupo de trabalho formado de delegados dos diferentes Estados, ao qual é confiado a tarefa de redigir um diploma de direito uniforme sem exame prévio da questão pelos organismos competentes de cada Estado. O resultado inevitável deste sistema é de que os delegados não tendo tido a possibilidade de estudar de uma maneira aprofundada a matéria abordada pelo comité e sendo desprovidos de instruções precisas, são obrigados de manter uma atitude reservada sobre cada problema ao detrimento da unificação projectada”135. Mas, não se pode negar que numa determinada fase do processo um esforço de centralização das operações de harmonização permanece ser necessário e isto para garantir a unidade de concepção e de método bem como de centralização das informações necessárias para a elaboração da proposta, a coordenação do trabalho dos técnicos e para velar pelo cumprimento do calendário da elaboração da respectiva proposta bem como do, mais geral, da agenda da integração da respectiva comunidade. Assim, um órgão especializado responsável do conjunto do processo de harmonização dos quadros jurídicos nacionais parece ser a opção mais indicada. Em todo caso, o objecto da harmonização não deve e nem pode ser circunscrito apenas à “lei” stricto sensu, deve também, integrar as normas regulamentares e administativas dos Estados membros. 3. As modalidades práticas da harmonização 134 135 MATTEUCCI M., “L’évolution en matière d’unification du droit”, op. cit., p. 290. MATTEUCCI M., ibid., p. 290. 33 Quando se trata de harmonizar quadros jurídicos nacionais, trata-se, fundamentalmente de eliminar os contrastes substanciais ou lógicos que existem entre as normas ou seja, eliminar tudo o que se opõe a que as normas produzem efeitos similares na sua aplicação. Em todo caso, como refere RICCARDO MONACO: “... a harmonização pode também afectar a substância de determinadas regras, mas em princípio ela deixa subsistir as diversas origens, de estrutura e de denominação dessas regras”136. C. Os obstáculos político-institucionais e processuais à existência e eficiência dos instrumentos jurídicos da harmonização dos quadros jurídicos nacionais Alguns autores estudaram com profundidade os obstáculos para uma verdadeira integração na África do Oeste137 e as principais conclusões convergem para admitir que o principal travão reside na preponderância das soberanias nacionais nas instâncias decisionais, o que se manifesta principalmente, pela preeminência da conferência de chefes de Estados ou do Governos na tomada de decisões, pela representação nacional através do Conselho de Ministros e das comissões técnicas intergovernamentais, pela regra do consenso, pelo carácter embrionário dos “secretariados” e pela jurisdição limitada dos tribunais com carácter regional138. Essas conclusões são perfeitamente extensivas ao conjunto das CERs o que prejudica em particular, a existência e eficiência do processo de harmonização dos quadros jurídicos nacionais. Para ilustrar este aspecto apenas duas caractéristicas das acima referidas serão analisadas em particular: a da sobrevalorização da vontade dos Estados (a) e a da regra do consenso na tomada de decisão (b). Quais são as consequências do “intergovernamentalismo” sobre o processo de harmonização dos quadros jurídicos nacionais? (c). a) A sobrevalorização da vontade dos Estados O “predominância do interetatismo”139 que LUABA LUMU NTUMBA identificou como um obstáculo maior ao processo de integração na CEDEAO, CEEAC e ZEP e, também, meramente extensivo à COMESA, SADC, CEN-SAD, IGAD e EAC. Com efeito, a preponderência do “intergovernamentalismo” que resulta do facto de que a cúpula da hierarquia institucional está ocupada exclusivamente por 136 MONACO R., “Comparaison et rapprochement des législations dans le Marché Commun Européen”, op. cit., p. 65. 137 Vide, em particular, o estudo de LUABA LUMU NTUMBA, “Ressemblances et dissemblances institutionnelles entre la CEDEAO, la CEEAC et la ZEP”, em Intégration et coopération régionales en Afrique de l’Ouest (sob a direcção de RÉAL LAVERGNE), Paris e Ottawa, Ed. Karthala e CRDI, 1996, p. 349 e seguintes. 138 NTUMBA L.L., “Ressemblances et dissemblances institutionnelles entre la CEDEAO, la CEEAC et la ZEP”, ibid., p. 349. 139 Como ensina LUABA LUMU NTUMBA: “Entende-se por « interétatismo » uma aproximação da integração fundamentada na soberania dos Estados e condicionada pela intervenção dos Estados membros no funcionamento das instituições regionais”, ibid., pp. 349-350. 34 órgãos compostos de representantes governamentais140 não é o apanágio da CEDEAO e da CEEAC. As principais instituições da SADC, da COMESA e da EAC estão, também, compostas unicamente de representantes estatais ou governamentais. A “Cimeira” no Tratado da SADC141, a “Authority” no tratado da COMESA142, o “Summit” no Tratado da EAC143 ou o “Conseil de Présidence” no Tratado da UMA144 são as instituições nas quais se concentram todos os poderes essenciais da respectiva Comunidade145. Esses órgaos, situados no topo da pirâmide da organização regional, constituem as verdadeiras e únicas instâncias de policy making power. Eles asseguram a direcção geral da respectiva comunidade bem como a definição da política geral e das grandes orientações146. São, também, órgãos de concepção, de orientação e de controlo; como escreve LUABA LUMU NTUMBA em relação à CEDEAO, CEEAC e ZEP, mas a análise é extensiva à SADC, COMESA e EAC: “A conferência decide de todo, estatui em última instância, exerce a tutela sobre o conjunto das instituições qui lhes são subordinadas e supervisa os mecanismos comunitários”147. Além disso, o “intergovernamentalismo” atinge, também, o segundo órgão comunitário, isto é o Conselho de ministros que é, igualmente, constituído de representantes governamentais. Regra geral, o Conselho de Ministros vela pelo bom funcionamento e desenvolvimento da respectiva comunidade e dirige instruções às outras instituições comunitárias que lhes são subordinadas148. Além disso, esta instituição orienta as actividades do secretariado bem como as dos organismos técnicos e especializados. De facto, o Conselho de ministros depende substancialmente do órgão político máximo da organização (Conferência, Summit, Authority)149. As razões desta estruturação típica são devidas ao fenómeno que LUABA LUMU NTUMBA caracteriza por “presidencialismo panafricano”150, isto é, o que é reproduzido ao nível das CERs é o que é consagrado nas constituições nacionais, no Tratado de Abjuda e no Tratado da União Africana: a realidade do poder pertence aos Chefes de Estado e de Governo. Assim, as CERs reproduziram este modo de estruturação do poder onde sobreprevalece a figura do chefe de Estado e de Governo. b) A regra do consenso 140 NTUMBA L.L., ibid., p. 350. Artigo 10° do Tratado da SADC. 142 Artigo 8 do Tratado da COMESA. 143 CHAPTER FOUR do Tratado da EAC. 144 Artigo 4 do Tratado da UMA. 145 Por exemplo, no Tratado da UMA: “O Conselho da Presidência é só habilitado a tomar decisões” (Artigo 6 do Tratado). 146 Por exemplo, a Cimeira no Tratado da SADC “é a instituição suprema de formulação de políticas da SADC” (n.° 1 do Artigo 10° do Tratado da SADC) e “é responsável pela orientação política global e pelo control das funções da SADC” (n.° 2 do Artigo 10° do Tratado da SADC); n.° 2 do Artigo 8 do Tratado da COMESA. 147 NTUMBA L.L., op. cit., p. 350. 148 N.° 2 do Artigo 11° do Tratado da SADC; n.° 2 do Artigo 9 do Tratado da COMESA. 149 Exemplo, no Tratado da SADC, o Conselho de Ministros, “aconselha”, “recomenda”, ”cumpre as obrigações”, “presta contas” à Cimeira (alíneas c), f), h), l) do n.° 2 e n.° 5 do Artigo 11° do Tratado da SADC). 150 NTUMBA L.L., op. cit., p. 352. 141 35 A regra do consenso é consagra em todos tratados das CERs151 e tem como principal objectivo garantir a primazia das soberanias nacional sobre o interesse geral comunitário152. Esta regra traduz, também, o espírito de interetatismo que nortea o conjunto desses tratados. Com efeito, como refere LUABA LUMU NTUMBA: “A regra do consenso (...) tende a assegurar o respeito pleno do princípio da soberania dos Estados membros, porque nenhuma obrigação não pode ser imposta a um Estado membro fora de um compromisso ou de um acto expresso de vontade de sua parte”153. O consenso aparece pois mais como uma “disposição de segurança”154 assegurando o condicionamento dos actos da organização pelas soberanias nacionais. Pelo contrário no sistema da União Europeia, como refere PIERRE PESCATORE: “O verdadeiro significado da regra da maioria, na concepção originária do tratado da CEE, era de tirar aos Estados a possibilidade de bloquear unilateralmente o processo de decisão e de excluir, de facto, os traficos bem conhecidos que podem suscitar a exploração de uma situação de bloqueio”155. c) As consequências do “intergovernamentalismo” sobre o processo de harmonização dos quadros jurídicos nacionais Quais são as consequências do “intergovernamentalismo” em termos de processo de harmonização dos quadros jurídicos nacionais? Primeiro afirmar desde logo que a incidência do quadro institucional sobre a eficâcia e o êxito do movimento de integração regional constitui um parâmetro de extrema importância156; como refere um autor: “A estrutura das instituições de integração económica influência directamente a implementação dos acordos de integração regional”157. A harmonização é apenas um elemento de um sistema. Nesta perspectiva, como refere LUABA LUMU NTUMBA: “O sistema institucional deveria não só responder aos objectivos a curto prazo que conduziram a criar o grupamento económico, mas igualmente estimular a acção necessária para atingir as finalidades a longo prazo que este se fixou. As estruturas institucionais estão chamadas a assumir uma função de apoio, enquadramento e impulso do processo integrativo e podem constituir, ou um travão ou um motor na dinâmica da integração regional”158. Outros autores defendem que o aparelho institucional deve estar em relação directa e proporcional com a natureza, a amplitude e a incidência das matérias a integrar159. Assim, os problemas institucionais não são problemas marginais e devem ser postos no centro do processo de integração dessas comunidades. 151 Artigo 19° do Tratado da SADC; n.° 3 do Artigo 12 e n.° 4 do Artigo 15 do Tratado da EAC; n.° 7 do Artigo 8 e n.° 6 do Artigo 9 do Tratado da COMESA; n.° 2 do Artigo 9 do Tratado da CEDEAO; n.° 4 do Artigo 11 e n.° 3 do Artigo 15 do Tratado da CEEAC; n.° 4 do Article 9 do Tratado da IGAD. O Tratado da UMA estabelece a regra da unanimidade (Artigo 6). 152 NTUMBA L.L., op. cit., p. 354. 153 Id. Ibid. 154 NTUMBA L.L., ibid., p. 355. 155 PESCATORE P., Le droit de l’intégration, Bruxelles, Ed. Bruylant, 2005, p. 20. 156 PESCATORE P., ibid., p. 13 e seguintes. 157 Les blocs sous-régionaux, piliers de l’intégration régionale?, op. cit., p. 45. 158 NTUMBA L.L., op. cit., p. 349. 159 SOLDATOS P., Le Système institutionnel et politique des Communautés européennnes dasn un monde en mutation: théorie et pratique, Bruxelles, Bruylant, 1989, p. 185, Ap. NTUMBA L.L., op. cit., p. 349. 36 Segundo coloca-se a questão fundamental de saber: quem é o órgão que defende melhor o interesse comunitário? Será que a Conferência, a Authority ou o Summit são os órgãos mais indicados apesar de monopolizar todos os poderes nessas comunidades? O “intergovernamentalismo” faz com que existe um fenómeno de reprodução da estruturação de sistema de governo com prevalência da figura do Chefe de Estado e de governo o que infere o cuidado de subordinar o interesse geral comunitário às preocupações nacionais porque a referida figura tem a sua legitimidade da eleição nacional e, consequentemente, será sempre mais atenta às reivendicações do seu eleitorado nacional - se quer realizar uma carreira política longa - do que as preocupações e necessidades comunitárias. Nessas circunstâncias é preciso olhar para uma instituição independente dos Estados membros com características verdadeiramente comunitárias o que implica urgentemente uma reflexão sobre uma reforma institucional das CERs sem a qual essas organizações serão na incapacidade de responder aos desafios de uma verdadeira integração regional. Nesta perspectiva, como afirma LUABA LUMU NTUMBA: “Os mesmos instrumentos institucionais não podem ter uma eficiência equiparada segundo do que se trata de estabelecer uma zona de livre comércio, edificar uma união aduaneira, construir um mercado comum, constituir uma união económica e monetária ou realizar uma integração total. A cada etapa ou grau da integração regional deve em princípio corresponder um quadro institucional e decisional apropriado. Se a fase da integração negativa (eliminação dos obstáculos tarifários e não tarifários às trocas de bens) pode eventualmente acomodar-se com um dispositivo institucional mais rudimentar, a integração positiva (implementação de uma política comercial externa coordenada e comum; livre circulação das pessoas, dos serviços e dos capitais; livre estabelecimento; aprovação de diversas políticas comuns, harmonizadas ou coordenadas; política monetária comum e estabelecimento de uma moeda comum) postula um sistema institucional e decisional complexo, com forte componente supranacional”160. Acrescentar que do ponto de vista dos intrumentos normativos a existência de intrumentos normativos eficientes não deve necessariamente acompanhar o desenvolvimento institucional. Pelo contrário, desde logo esses intrumentos devem existir. Por outras palavras, é muito mais eficaz realizar a integração mesma negativa com instrumentos eficientes para isso como o regulamento ou a directiva do que com o uso exclusivo de protocolos. Terceiro o “intergovernamentalismo” não se compadece com o processo de harmonização das legislações nacionais que precisa da mobilização quasepermanente de técnicos altamente qualificados, de uma coordenação eficiente e de númerosas reuniões de trabalho. A periodicidade das reuniões do órgão político máximo (1 vez por ano) ou do Conselho de Ministros (1161, 2162 ou 4163 vezes por ano) não permite verdadeiramente garantir uma organização eficaz do processo de harmonização e/ou uniformização do direito dos Estados membros. Com efeito, uma periodicidade fortemente espaçada das sessões das instâncias políticas é susceptível 160 NTUMBA L.L., ibid., p. 349. N.° 4 do Artigo 9 do Tratado da COMESA. 162 N.° 1 do Artigo 15 do Tratado da EAC. 163 N.° 4 do Artigo 11° do Tratado da SADC. 161 37 de gerar inércias, acrescer os pesadelos, suscitar imobilismo, prorrogar os prazos na aprovação e aplicação das decisões. Esses aspectos negativos, são ampliados pela regra do consenso que reduz consideravelmente a capacidade de impulso e de inovação das instâncias comunitárias. Esta regra além do facto de constituir um factor suplementar de morosidade prejudiciável à tomada de decisão, pode conseguir bloquear o processo decisiório. A prática do consenso não parece pois, constituir um factor capaz de reforçar a dinâmica integrativa. Quarto a obrigatoriedade dos actos aprovados pelos órgãos das CERs é diferente em função desses mesmos órgãos. Por exemplo, enquanto que a decisão aprovada pela Conferência, no Tratado da CEDEAO, é obrigatória pelos Estados membros e as Instituições da Comunidade (n.° 4 do Artigo 9), pelo contrário, os regulamentos do Conselho de Ministros da mesma organização são obrigatórios em relação às instituições que lhes são subordinadas mas são apenas obrigatórios para os Estados Membros depois da aprovação pela Conferência (n.° 3 do Artigo 12)164 165 166 o que, por um lado emfraqueça a autoridade do Conselho de Ministros não podendo impor obrigações directas aos Estados Membros, e por outro lado, deixa a porta aberta a novas negociações ao nível da Conferência o que pode ser um obstáculo não negligenciável ao processo de harmonização ou uniformização dos direitos internos. 164 Não é o caso no Tratado da CEEAC (n.° 2 do Artigo 15); no Tratado da EAC (n.° 3 do Artigo 9) e no Tratado da EAC (Artigo 16). 165 As decisões do Conselho no Tratado da SADC não podem impor nenhuma obrigação juridica aos Estados Membros (vide, Artigo 11° do Tratado). 166 Vide o caso particular do Tratado da UMA que precisa que apenas o Conselho de Presidência pode tomar decisões sem precisar nem a natureza nem os efeitos dessas (Artigo 6 do Tratado). 38 IV – A PROGRAMAÇÃO/PLANIFICAÇÃO, ACOMPANHAMENTO E AVALIAÇÃO DA HARMONIZAÇÃO JURÍDICA DOS QUADROS NACIONAIS Sem dúvida, estabelecer um programa de trabalho conforme aos objectivos dos tratados constitutivos das CERs sobre a harmonização incluíndo, em alguns casos, a uniformização das legislações nacionais é uma tarefa que não é fácil. Nesta perspectiva, o estudo da experiência e dos movimentos de harmonização ou unificação internacional ou regional poderia ser de uma grande utilidade. O facto que algumas matérias foram mais do que as outras objecto de um movimento de harmonização pode constituir uma indicação não negligenciável. Nesta perspectiva, o direito comercial (contrato de compra/venda, transporte, sociedades, direitos intelectuais ...), o direito social (circulação dos trabalhadores, condições de trabalho, ...), o direito internacional privado, alguns aspectos do direito civil (obrigações, responsabilidade) e de direito penal foram objecto de processos de harmonização ou uniformização167. Poderia analizar-se o lugar que ocupam esses diversos domínios no âmbito do processo de harmonização das legislações nas CERs, contudo, não é esta via que será explorada nesta comunicação; são apenas as temáticas da programação/planificação (A), por um lado e, a do acompanhamento e avaliação (B), por outro lado, vistas nos seus aspectos meramente técnicos - quaisquer que sejam os domínios abrangidos pelo próprio processo de harmonização - que serão desenvolvidas no presente momento. Em todo caso pode-se defender ainda que os problemas de implementação dos acordos económicos regionais são devidos à fraqueza dos mecanismos nacionais168 e é por isso que o estudo desta temática é de um particular interesse. A. A programação/planificação da harmonização dos quadros jurídicos nacionais A maior parte dos protocolos, decisões e acordos de integração devem ser implementados ao nível nacional. Por isso, mecanismos nacionais são necessários para a planificação, organização e coordenação das medidas correspondentes aos compromissos assumidos para cada país. Esta problemática implica uma reflexão sobre, primeiro o objecto da planificação (a) e, segundo, sobre a escolha do instrumento planificador (b). a) O objecto da planificação 167 LIMPENS A., “Harmonisation des législations dans le cadre du Marché Commun”, op. cit., p. 650. Em particular, os governos não conseguem transpor ou integrar os seus compromissos internacionais nas suas políticas, leis, normas e regulamentos nacionais; os governos não são dispostos a subalternizar os interesses imediatos das políticas nacionais aos objectivos económicos a longo prazo da região ou a ceder aspectos essenciais da soberania do Estado à instituições regionais; não existe mecanismos de implementação e de acompanhamento visando a garantir o respeito das agendas fixadas para a aprovação de medidas tais como a redução das tarifas aduaneiras e dos obstáculos não tarifários ou dos objectivos mais ambiciosos, como a estabilização macroeconómica; as políticas nacionais não tomam suficientemente em conta as disposições da CEA e o facto de pertencer a comunidades económicas regionais (Les blocs sous-régionaux, piliers de l’intégration régionale?, op. cit., pp. 45-46). 168 39 O objecto da planificação depende fortemente da natureza do acto ou dos actos a praticar e das operações práticas a realizar. Com efeito, o enquadramento eficaz da aplicação desses nos planos internos depende, por parte, da natureza e dos efeitos dos actos praticados pelos órgãos da própria organização. Por outras, palavras o problema não se coloca da mesma maneira numa organização que tem o poder de aprovar regulamentos ou decisões com aplicação directa nos Estados membros que constituem a expressão de um poder supranacional do que numa organização que tem apenas o poder de elaborar protocolos sujeitos a ratificação. A posição dos Estados é meramente diferente. Num primeiro caso, a intervenção dos Estados Membros pode ser muito reduzida enquanto que, no segundo caso, a intervenção dos Estados Membros é necessária. Assim, pode existir desigualdades reais entre as CERs devida as normas que elas podem efectivamente produzir. Portanto, dois aspectos da questão aparecem claramente quaisquer que sejam as CERs: um é normativo (1) e o outro é meramente material (2). 1. Os aspectos normativos Qualquer programação ou planificação deve tomar em conta os efeitos produzidos pelos actos comunitários. Em alguns casos é apenas suficiente planificar os efeitos jurídicos da norma produzida (1.1.), em outros casos, a situação é mais complexa, é preciso previamente à planificação dos efeitos jurídicos proceder a planificação da produção normativa de instrumentos jurídicos internos (1.2.). 1.1. A planificação dos efeitos jurídicos Quando os actos fontes de harmonização das legislações nacionais aprovados pela Comunidade Regional constituem actos auto-suficientes porque a sua natureza implica a produção de efeitos jurídicos directos nas ordens jurídicas nacionais o acto de planificaçao interna torna-se reduzido. Por exemplo, o regulamento e a decisão são actos obrigatórios em todos os seus elementos para os seus destinatários169 e isto significa que, a partir da sua vigência170, os Estados membros devem cumprir com o seu conteúdo171. O problema não é ou raramente uma questão normativa porque o acto comunitário tem efeito directo na ordem dos Estados membros sem precisar de nenhuma decisão nacional para ser recebido nesta ordem. É só aplicar o acto. A questão descoloca-se do plano jurídico para o plano meramente material. Todavia, em alguns casos, o regulamento, por exemplo, pode não se apresentar sempre como um acto normativo completo, plenamente aplicável e exequível “per se”. Nestes casos, cumpre aos Estados membros prover às omissões verificadas ou porque o próprio regulamento assim o prevê e determina. 169 Vide, por exemplo, os n.°s 2 e 4 do Tratado da COMESA. Publicação “in the Official Gazette of the Common Market” pelos regulamentos do Conselho da COMESA (n.° 1 do Artigo 12 do Tratado da COMESA) e das decisões da Conferência no “journal official de la Communauté” (n.° 2 do Artigo 11 do Tratado da CEEAC) no Tratado da CEEAC. 171 ”décisions” no Tratado da CEDEAO (n.°s 4 e 6 do Artigo 9 do Tratado da CEDEAO); n.° 2 do Artigo 11 do Tratado da CEEAC. 170 40 1.2. A planificação dos instrumentos normativos e dos efeitos jurídicos esperados Outra situação é aquela, mais frequente nas CERs, em que os actos comunitários aprovados precisam de um acto jurídico interno para produzir os seus efeitos. Por exemplo, o facto de a directiva determinar apenas os objectivos a atingir na ordem jurídica interna dos Estados membros faz, com que os Estados membros devem forçosamente intervir adoptando as decisões normativas em conformidade com os princípios estabelecidos pela directiva. A directiva compromete os Estados membros no que concerne unicamente o resultado a atingir. Por outras palavras, os Estados dispõem de uma total liberdade no que concerne os meios e a forma do acto jurídico que procederá à transposição da directiva comunitária (lei, decreto, diploma ministerial, circular, etc...) e de uma autonomia institucional na designação do órgão nacional ou dos serviços encarregados de aplicá-la. Todas essas características têm implicações do ponto de vista da planificação normativa, isto é, o Estado membro deve proceder à verificação de como o seu ordenamento jurídico deverá adaptar-se e aproximar dos objectivos e padrões estabelecidos pela directiva e isto necessitará, talvez, da aprovação de novas normas, da revogação de outras contrárias a norma comunitária ou da realização das duas referidas operações. Do mesmo modo, a aprovação de um protocolo pela Cimeira, no Tratado da SADC, é apenas o início de um processo moroso que passará por várias fases no ordenamento jurídico interno e implicará a aprovação de vários actos internos (ratificação, lei(s), decreto(s) ou outros instrumentos internos de execução). Nesses casos, as autoridades governamentais devem planificar a produção dos actos a ser praticados para proceder à execução dos actos comunitários dentro dos prazos estipulados nesses se for o caso. 2. Os aspectos materiais A existência de actos jurídicos comunitários ou nacionais com carácter executório terão vocação a produzir efeitos na ordem jurídica interna dos Estados membros. A execução concreta de novas normas jurídicas terão certamente implicações materiais, financeiros e humanos. Por exemplo, a aplicação de um regulamento comunitário ou de uma lei nacional que aplica uma directiva implicará a formação de agentes públicos, a realização de estudos complementares, a compra de instrumentos técnicos e outros e/ou a adopção de técnica de trabalho até então desconhecidas. Todas essas operações terão reflexos em termos orçamentais e planos de formação nas respectivas administrações e não só, os agentes económicos deverão, também, adaptar os seus comportamentos aos novos intrumentos jurídicos em vigor o que implicará, também, planos de formação, investimentos e implementação de estratégias apropriadas. Todos essas operações materiais implicarão um esforço de projecção pelas administrações dos Estados membros dos efeitos e consequências futuras desses que se traduziram, em parte, nos planos nacionais de desenvolvimento. b) A escolha do instrumento planificador 41 A escolha de um instrumento planificador apropriado depende entre outras coisas, de dois elementos essenciais: a natureza e características do instrumento planificador nacional (1) e da complexidade dos actos jurídicos e operações materiais a realizar ao nível nacional, para a execução do acto comunitário e do acordo internacional (2). 1. A tomada em conta da natureza e características do instrumento planificador nacional A escolha do instrumento de planificação mais adequado, deve tomar em conta as próprias características desse intrumento. 2. A tomada em consideração da complexidade dos actos jurídicos e operações materiais a realizar ao nível nacional para a execução do acto comunitário e do acordo internacional O instrumento de planificação nacional, deve tomar em consideração a complexidade da implementação do acto comunitário ou do protocolo, que se traduzirá poucas vezes, na devida aprovação dos actos jurídicos nacionais e nas operações materiais necessárias para a sua implementação. Por exemplo, a aprovação de uma lei pelo Parlamento nacional, é tecnicamente mais difícil do que a aprovação de uma norma meramente administrativa. O planificador deverá tomar em conta também, o facto de que não é apenas um acto jurídico que é necessário para executar o acto comunitário, mas sim uma sequência de actos jurídicos; por exemplo, uma lei, um ou vários decretos e um diploma ministerial que podem se combinar, e ainda com várias operações materiais (formação de agentes, divulgação do conteúdo das normas aprovadas, etc...). Em todo caso, essas operações de planificação serão facilitadas se já existirem ao nível comunitário num Programa geral de harmonização das legislações nacionais, tomando em conta o programa geral de acções da respectiva Comunidade que integra os objectivos, os domínios, os instrumentos e os métodos susceptíveis de ser utilizados para a aproximação das legislações na respectiva comunidade. Este programa poderia esclarecer e orientar melhor o trabalho dos técnicos de planificação nacional. Assim, a elaboração de uma agenda regional de harmonização dos quadros jurídicos nacionais, em consonância com a agenda política regional e sustentado pelos objectivos consagrados no tratado constitutivo da organização, constituiria uma peça chave na sustentabilidade de um processo eficiente de harmonização dos quadros jurídicos nacionais. B. O acompanhamento da execução dos harmonização dos quadros jurídicos nacionais actos comunitários de Não é suficiente aprovar actos comunitários (regulamentos, decisões, directivas) ou protocolos que visam harmonizar os quadros jurídicos nacionais é preciso, também, garantir a sua execução efectiva pelos Estados membros da organização o que levanta duas questões fundamentais: a de quem exercita essas actividades (a) e a de quais são os mecanismos para o efeito (b)? 42 a) Os órgãos de acompanhamento e de controlo O acompanhamento pode ser realizado ao nível comunitário (1) ou ao nível nacional (2). 1. O acompanhamento comunitário Regra geral são os órgãos permanentes das respectivas comunidades compostas de agentes independentes dos Estados Membros172 que devem proceder ao acompanhamento da execução dos actos aprovados pelas respectivas comunidades pelos Estados Membros. Assim, no âmbito do Tratado da EAC é uma das função do Secretariado zelar pela implementação das decisões da Cimeira e do Conselho (alínea l) do n.° 1 do Artigo 71 do Tratado da EAC). Todavia, os órgãos integrados encarregados deste acompanhamento foram bastante criticados. Em particular, alguns autores defendem que esses órgãos – “os secretariados” – eram inadaptados para cumprir eficazmente esta missão173. Com efeito, como afirma LUABA LUMU NTUMBA: “No conjunto, os secretariados de todas as comunidades económicas são apenas órgãos de preparação e execução de actos das instâncias deliberantes intergovernamentais. Chamados só para assegurar o funcionamento regular, no dia a dia, do aparelho comunitário, eles são bastante prejudicados pela ausência de um poder real em matéria de tomada de decisão”174. Além disso, os secretariados subiram uma erosão das suas prerrogativas do facto da omnipresença do presidente do órgão político máximo da respectiva comunidade que exerce, na maior parte dos casos, uma espécie de tutela política permanente sobre as suas actividades175. Por outras palavras, como o poder político é concentrado nos órgãos representativos dos Estados membros não se distingue muito bem como os “secretariados” poderiam prosseguir uma política própria ou independente176. Além disso, a “diluição orgânica” através da criação de numerosos órgãos técnicos e comités provoca problemas sérios de coordenação; como acrescenta ainda o referido autor: “Por outro lado, a existência de órgãos técnicos e especializados intergovernamentais cujas atribuições colidam com as dos departamentos ou direcções do secretariado, coloca enormes problemas de coordenação. Esta situação de fonte de dúvidas sobre a distribuição das tarefas e ocasiona sobreposições provocando, as vezes, a inercia e o imobilismo”177. 2. O acompanhamento ao nível dos Estados membros O acompanhamento dos actos comunitários ao nível nacional é uma necessidade. Cada Estado deve assumir os seus compromissos, de uma forma concreta e de boa fé. Alguns Estados implementaram mecanismos institucionais para 172 Vide, por exemplo, n.° 6 do Artigo 17 do Tratado da COMESA; n.° 1 do Artigo 72 do Tratado da EAC. NTUMBA L.L., op. cit., p. 358. Id. Ibid. 175 Id. Ibid. 176 Vide, por exemplo, PESCATORE P., Le droit de l’intégration, op. cit., p. 15. 177 NTUMBA L.L., ibid., p. 358. 173 174 43 garantir este aspecto criando, em particular, um ministério encarregado especialmente das questões de integração regional178. Mas, este meio é uma excepção. Regra geral, os mecanismos não são devidamente definidos ou não beneficiam de recursos humanos materiais e financeiras necessárias179. b) Os mecanismos de acompanhamento O acompanhamento do processo de harmonização dos quadros jurídicos nacionais, é um verdadeiro desafio que deve se enfrentar. As CERs e não só, a OHADA também, enfrentam, este problema da conformidade das legislações nacionais com os actos uniformes vigente nesta organização180. Na prática das CERs, raros são os exemplos de consagração de mecanismos ou sistemas de acompanhamento de processo de harmonização dos quadros jurídicos nacionais. A questão deve ser colocada em termos mais abrangente e se situar ao nível do acompanhamento do processo de integração regional no seu conjunto. Nesta perspectiva, o Tratado da COMESA em particular, consagra um CAPÍTULO em especial (32) a esta questão. A ideia central é a de que os Estados membros desta organização, afirmam que as disposições do Tratado, podem ser o objecto de programas de avaliação, baseados em mecanismos específicos de avaliação e consagrando metas a cumprir (n.° 1 do Artigo 173). De acordo com o referido Tratado cabe ao Secretariado a responsabilidade “... for following up and and monitoring the implementation by the Member States of the provisions of this Treaty and the regulations made, directives issued, recommendations made and decisions taken and opinions delivered by the Council” (n.° 2 do Artigo 173). Todavia, a eficácia do acompanhamento dependerá da informação fornecida pelos Estados membros aos órgãos comunitários encarregues desta tarefa e sem a transmissão de uma informação verdadeira e atempada a esses órgãos o processo de acompanhamento corre o risco de tornar-se ineficiente o que consequentemente, impedirá aos próprios órgãos da organização, conhecerem a situação real sobre o seu próprio processo de integração regional. CONCLUSÃO A harmonização dos quadros jurídicos nacionais é um processo complexo em si. Não resulta sempre de imperativos económicos e nem funda-se sempre no mandato das respectivas organizações de integração regional. Porém, outros actores podem se substituir aos órgãos da organização e podem tomar a iniciativa de 178 Por exemplo, a Costa da Marfim tem um Ministério da Integração Africana e o Togo tem um Ministère de Negócios Estrangeiros e da Integração Regional. 179 Les blocs sous-régionaux, piliers de l’intégration régionale?, op. cit., p. 45. 180 FALL A., “Harmoniser le droit des affaires dans un espace multilingue et pluri-juridique: l’expérience du Groupe de la Banque africaine de développement (BAB)”, op. cit., p. 64. 44 elaborar programas de trabalho, realizar investigações preliminares ou elaborar projectos de legislações harmonizadas181 182. Em todo caso, o pressuposto de qualquer processo de harmonização dos quadros jurídicos nacionais é de que a organização regional tinha uma ideia clara sobre o seu próprio projecto de integração. Por outras palavras, o processo de harmonização jurídica pode dificilmente ser conduzido com sucesso quando o processo é altamente condicionado por factores de ordem regulamentar, fiscal ou outros sobre os quais a própria organização não tem nenhum poderes de intervenção e/ou quando não há uma vontade política clara e afirmada de transferir ou atribuir uma tal competência aos órgãos da organização183. Nesta perspectiva, a organização regional pode se inspirar dos trabalhos e experiências de outras organizações que já ultrapassam a fase na qual ela está184. Levanta-se, também, a questão das relações entre os instrumentos universais e os instrumentos regionais. Este relacionamento deve ser estudado de forma sistemática185. Em particular, como realça MARIO MATTEUCCI: “Le seul remède logique aux inconvénients ci-dessus dénoncés serait de soumettre les matières qui, par leur caractère général, sont susceptibles d’intéresser le plus grand nombre de pays – ce qui est le cas de la plupart des lois commerciales – à un examen préalable en vue de leur unification à l’échelle la plus vaste (mondiale ou tout au moins continentale). Si ce programme maximum s’avérait irréalisable, on devrait se replier sur l’unification à portée plus restreinte. Une pareille vision universaliste des problèmes juridiques est, à notre avis, la plus appropriée à une époque où les échanges internationaux ne sont pas limités par les frontières des États ou des unions d’États, mais s’établissent entre des États situés dans différents continents et appartenant à des régimes économiques et politiques souvent nettement opposés”186. Além disso, o processo de harmonização das legislações nacionais e, a um grau mais elevado o da sua uniformização, não seria completo sem a harmonização ou uniformização da interpretação do direito harmonizado ou unificado; como refere HELMUT WAGNER: “However, legal harmonization only makes sense if it is accompanied by a thorough reform of the system of civil justice and harmonization of procedural law”187. Em todo caso, o sucesso do processo de harmonização dos quadros jurídicos nacionais depende, em boa parte, da possibilidade de tornar os círculos jurídicos nacionais (legisladores, juízes, práticos do direito) mais sensíveis aos problemas da harmonização do direito, bem como da possibilidade de dar uma maior difusão aos 181 KRONKE H., “Congrès du 75ème Anniversaire d’UNIDROIT – Harmonisation mondiale du droit privé et intégration économique régionale: Hypothèses, certitudes et questions pendantes”, op. cit., pp. 16-17. 182 Vide, por exemplo, no continente americano, a ALENA. 183 Vide, alguns exemplos, KRONKE H., op. cit., p. 27. 184 Por exemplo, no princípio do processo de harmonização das legislações nacionais na Comunidade Económica Europeia, a Comissão utilizou os trabalhos da Organização Europeia de Cooperação Económica sobre as regras técnicas e administrativas que constituiam obstáculos ao comércio e à livre concorrência para realizar a harmonização das disposições nacionais dos Estados Membros da referida organização neste sector (vide, LIMPENS A., “Harmonisation des législations dans le cadre du Marché Commun”, op. cit., p. 627 e seguintes). 185 KRONKE H., op. cit., p. 17. 186 MATTEUCCI M., “L’évolution en matière d’unification du droit”, op. cit., p. 288. 187 WAGNER H., “Costs of Legal Uncertainty: Is Harmonization of Law a Good Solution?”, op. cit., p. 6. 45 projectos de harmonização dos direitos para permitir aos interessados de apreciar a sua pertinência e qualidade, as vantagens que eles oferecem em relação ao direito nacional e, consequentemente, a oportunidade de os defender e aprovar. 46