Processo nº: 0.610/2006 Reclamantes: Marli Martins de Assis e Hugo Henry Martins de Assis Soares Reclamada: Varig S/A DECISÃO Trata-se de processo administrativo iniciado via reclamação do consumidor, nos termos do art. 33, III, do Decreto Federal 2.181/97, colhido pelo setor de atendimento ao consumidor do Procon/Uberaba em 28/07/06. Aduz os reclamantes que o vôo que os levariam de São Paulo a Santiago, no Chile, marcado para as 09h35min horas do dia 17/06/07, somente partiu às 20h30min horas. Durante este período, não receberam qualquer assistência da empresa. Quando do retorno, teve seu vôo cancelado pela empresa e precisou arcar com as despesas surgidas com a viagem de volta. O atraso da ida gerou despesas naturais de alimentação e fez com que perdessem uma diária no hotel da capital chilena. Todas as despesas provenientes do cancelamento do vôo de volta também correram por conta dos Reclamantes e um deles, a Sra. Marli Martins de Assis, teve sua saúde abalada com o episódio, o que gerou ainda mais gastos. No mais, aproveito o relatório do esmerado parecer jurídico de fls. 154 e ss, que passa a fazer parte dessa decisão. É o suficiente relatório, passo a decidir. Preliminarmente, manifestação de fls. 163 exclui o reclamante Hugo Henry Martins de Assis Soares deste processo administrativo, haja vista solução judicial sobre a questão. A relação de consumo se deu entre a Reclamante e a empresa Varig S/A – Viação Aérea Riograndense – como prova documento de fls. 09. No cadastro de ocorrência lavrado na ocasião da reclamação foi erroneamente lançado o nome da empresa Varig Log, que excluo definitivamente do feito. Merece menção o equívoco cometido pelo Procon/Uberaba para que jamais ocorra. Em e-mail endereçado à advogada do órgão, o setor de Relacionamento com o Cliente da Varig S/A informa que a notificação poderá ser enviada ao departamento da empresa que funciona no “Aeroporto Internacional Tancredo Neves” e assim foi feito. Logo, o Superintendente da Infraero, responsável por aquele aeroporto apressou-se a esclarecer que nada tinha a ver com isso. Somente em 02/03/07 a notificação alcançou a Reclamada! Em manifestação de fls. 46/47, a Reclamada afirma que o referido vôo sofreu atraso de apenas uma hora e cinqüenta e cinco minutos, mas não junta nenhuma prova disso, o que não seria difícil. Já a Reclamante juntou uma confirmação de vôo com partida às 09h35min horas (fls. 09) e também um cartão de embarque constando 20h30min horas (fls. 14). Onze horas de atraso. O Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei Federal 7.565/86) dispõe com clareza: Art. 230. Em caso de atraso da partida por mais de quatro horas, o transportador providenciará o embarque do passageiro, em vôo que ofereça serviço equivalente para o mesmo destino, se houver, ou restituirá, de imediato, se o passageiro o preferir, o valor do bilhete de passagem. Art. 231. Quando o transporte sofrer interrupção ou atraso em aeroporto de escala por período superior a quatro horas, qualquer que seja o motivo, o passageiro poderá optar pelo endosso do bilhete de passagem ou pela imediata devolução do preço. Parágrafo único. Toda a despesa decorrente da interrupção ou atraso da viagem, inclusive transporte de qualquer espécie, alimentação e hospedagem, correrão por conta do transportador contratual, sem prejuízo da responsabilidade civil. A Reclamada não se preocupou com a situação dos passageiros, não se deu ao trabalho de tranqüilizá-los ou de tornar o tempo de espera em Guarulhos um pouco menos desagradável. Descumpriu na totalidade o dispositivo legal. Quando se faz uma reserva num vôo, se adquire uma passagem aérea, comparece-se no horário designado, salvo por um fato da natureza ou motivo de força maior, é justo acreditar que o embarque ocorrerá sem dificuldades. Se assim não acontece, houve defeito na prestação do serviço. Prevê o Código de Proteção e Defesa do Consumidor (CDC): Art. 14. O fornecedor de serviço responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levandose em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - o modo de seu fornecimento; II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi fornecido. A prestação de serviço de transporte aéreo de passageiros é de resultado. As conseqüências da sua não prestação adequada recaem sobre o fornecedor: Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I - a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível; II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III - o abatimento proporcional do preço. § 1° A reexecução dos serviços poderá ser confiada a terceiros devidamente capacitados, por conta e risco do fornecedor. § 2° São impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam às normas regulamentares de prestabilidade. Identificadas as infrações cometidas, passo a analisar a responsabilidade das empresas envolvidas no processo de aquisição da Varig S/A, talvez a mais candente controvérsia desse cansativo processo. A Varig S/A – Viação Aérea Riograndense – em manifestação de fls. 46, apontou a VRG Linhas Aéreas S/A como responsável “por cumprir as obrigações inerentes a contratos de transportes e programa Smiles”. Por outro lado, a VRG Linhas Aéreas S/A salienta que adquiriu, em leilão realizado no bojo de processo de recuperação judicial, a unidade produtiva da Varig S/A, sem que houvesse sucessão ou assunção de obrigações decorrentes dos negócios da Varig S/A, exceto aquelas previstas no edital de arrematação, como as geradas pelo Programa Smiles. Ademais, alega que a homologação da arrematação está condicionada a autorização da Anac, que ocorreu em 14/12/2007 e só a partir dessa data poderia ser ver obrigada. Nesse ínterim, surgiu a compra da VRG Linhas Aéreas S/A pelo grupo GTI, que comanda a empresa de transportes aéreos Gol. Ocorre que o Cade determinou o funcionamento em separado das unidades administrativas das empresas, decisão que perdura até a presente data, portanto, não há que se falar em responsabilidade da Gol. Em 17/06/2006 a Varig S/A entrou com pedido de recuperação judicial perante a 8ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro. Note-se – um mês antes da viagem da Reclamante – no dia da viagem foi aprovado o plano de recuperação judicial para soerguer a empresa, que previa a alienação da unidade produtiva da Varig S/A. A VRG venceu o leilão, ocorrido em 20/07//06. O edital condicionava a eficácia da arrematação à autorização da Anac e dispunha também sobre obrigações referentes ao programa de milhagens. Entendo que devemos nos ater ao momento das infrações e por esse prisma não restam dúvidas quanto à responsabilidade da Varig S/A pelos fatos que motivaram este processo. Quanto às obrigações atinentes ao programa de milhagens, certo é que pertencem à VRG, mas esta não poderá receber qualquer sanção, pois não houve recusa de sua parte. A Reclamante tentou usar seus créditos do programa para voltar ao Brasil e não conseguiu, mas a gestão do programa, à época, era da Varig S/A também. A VRG imiscuiu-se nessas obrigações a partir de 14/12/06. Não restam dúvidas quanto à obrigação da Varig S/A reembolsar a Reclamante de todas as despesas oriundas das seguidas lesões sofridas, mas estas só poderão ser sopesadas e de fato cobradas no âmbito judicial, inclusive aquelas de natureza moral. Não houve a composição dos interesses na fase de audiência, o que poderia ter encurtado o problema e o processo. Nesse caso, o acordo homologado no Procon/Uberaba produziria seus efeitos no mundo jurídico. Como isso não ocorreu, à consumidora resta a via judicial e ao órgão de proteção ao consumidor a possibilidade de sanção administrativa. Diante do exposto, julgo procedente a reclamação da consumidora em face da empresa Varig S/A – Viação Aérea Riograndense - nos termos do art. 57 do CDC, art. 24 do Decreto Federal 2.181/97 e art. 40 do Decreto Municipal 2.575/07, por infração aos arts. 14 e 20 do CDC, cc art. 230, 231 do Código Brasileiro de Aeronáutica e pela prática infrativa prevista no art. 12, X, do Decreto Federal 2.181/97 e condeno a Reclamada à pena de multa, que passo a dosar: I) a conduta da Autuada é considerada grave; II) a vantagem auferida é considerável, pois recebeu pela viagem de volta e não a realizou, além de não ter ressarcido a consumidora das despesas que fez por sua culpa; III) a condição econômica da Autuada é indiscutível, mesmo sob recuperação judicial, possui condições econômicas mais do que suficientes para suportar a sanção; Destarte, fixo a pena-base em R$67.000,00 (sessenta e sete mil reais). Reconheço a incidência da circunstância atenuante do art. 25, II, do Decreto Federal 2.181/97 e diminuo o valor da pena base em 1/3, restando o valor de R$44.666,00 (quarenta e quatro mil e seiscentos e sessenta e seis reais). Presentes as circunstâncias agravantes do art. 26, III, IV, VI e VIII, razão pela qual dobro o valor da pena-base, passando esta a somar R$89.333,00 (oitenta e nove mil e trezentos e trinta e três reais). Notifique-se a empresa infratora, na forma legal, para recolher em favor do Fundo Municipal dos Interesses Difusos (Fumid), contacorrente 64-7, operação 6, da Caixa Econômica Federal, o valor da multa aplicada ou, querendo, apresentar recurso, no prazo de dez dias a contar do recebimento da notificação, nos termos do art. 46, §2º e art. 49, caput, ambos do Decreto 2181/97. Caso haja o recolhimento da multa no prazo de dez dias a contar do recebimento da notificação, concedo-lhe desconto de 10% do valor, nos termos do art. 45 do Decreto Municipal 2.575/07. Na ausência de recurso ou no caso do seu improvimento, caso o valor da multa não tenha sido pago no prazo de trinta dias, remeter à Secretaria Municipal da Fazenda para proceder à inscrição do valor em dívida ativa, para posterior cobrança judicial com juros, correção monetária e demais acréscimos legais, na forma do caput do art. 55 do Decreto 2181/97. Providencie-se a inscrição do nome da empresa infratora no Cadastro de Reclamações Fundamentadas, nos termos do caput do art. 44 da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) e inciso II do art. 58 do Decreto 2181/97. Notifique- se a consumidora para desta tomar conhecimento. Registre-se. Publique-se. Uberaba, 04 de dezembro de 2007. Leonardo Rodrigo da Silva Chefe do Setor de Contencioso Procon/Uberaba