V Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Santo Domingo, Rep. Dominicana, 24 - 27 Oct. 2000
Autonomia e flexibilidade na gestão da regulação dos setores de
energia elétrica e de telecomunicações no Brasil(*)
Tomás de Aquino Guimarães, UnB, Brasília, Brasil
Eduardo Ramos Ferreira da Silva, IESB, Brasília, Brasil
1. Introdução
A literatura organizacional tem considerado que o empreendedorismo, a inovação e a
competência são essenciais para a competitividade das organizações e que o uso desses conceitos está
diretamente relacionado com a adoção, pela organização, de processos e métodos de gestão flexíveis
(Prahalad e Hamel, 1990; Hamel e Prahalad, 1995). No caso de organizações públicas, parece haver
uma relação de interdependência entre flexibilidade e autonomia, na medida em que aquela só é
alcançada com a existência desta e vice-versa. Considerando essas suposições como verdadeiras, este
trabalho apresenta os resultados preliminares de uma pesquisa, em andamento, contendo as
informações de análise documental e de entrevistas, realizadas entre os meses de maio e julho de 2000,
a respeito de características de autonomia e de flexibilidade na gestão das agências encarregadas da
regulação dos setores de energia elétrica e de telecomunicações no Brasil.
Inicialmente apresenta-se uma breve revisão de literatura sobre a lógica do movimento de
transformação da administração pública, com ênfase nas questões relacionadas a autonomia e
flexibilidade; descreve-se, de forma resumida, o processo recente de transformação que vem ocorrendo,
desde 1995, na administração pública no Brasil; explora-se o conceito de regulação e sua importância
para a administração pública, suas principais características, finalidades e modelo de organização da
regulação governamental no Brasil. Em seguida, são descritas as características básicas, como os
processos de criação, organização e funcionamento da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL)
e da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) e analisadas as percepções de representantes
do ambiente externo dessas agências, a respeito dos seus processos de gestão. Essas percepções têm
como base informações coletadas em oito entrevistas, realizadas com técnicos e gestores dos
Ministérios supervisores dessas agências, e do Tribunal de Contas da União (TCU). Ao final, são
apresentadas as conclusões e recomendações decorrentes do trabalho.
2. O Movimento da Nova Administração Pública
Os governos de diferentes países tem sido criticados por sua incapacidade de responder com
agilidade e efetividade às novas demandas e expectativas dos cidadãos e às pressões da sociedade por
serviços públicos de qualidade. Os conflitos inerentes ao exercício, por parte do governo, de múltiplos
papéis, por exemplo, de formulador e executor de políticas públicas, de regulador, de promotor do
desenvolvimento social e econômico, de produtor e provedor de serviços públicos, também constituemse em fonte de ineficiência. Além disso, os governos são criticados por não focarem seus esforços nas
funções essenciais e exclusivas do Estado, que não poderiam ser legitimamente desenvolvidas por
outros agentes. Ao mesmo tempo, os cidadãos relutam cada vez mais em aceitar aumentos na carga
tributária e demandam serviços públicos com melhor relação custo/benefício, exigindo uma atuação do
setor público mais orientada para o mercado, mais eficiente e efetiva, sem redução no nível dos
serviços. Diante dessas pressões e das transformações decorrentes de um processo mais amplo de
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Este trabalho contou com apoio financeiro do Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
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reestruturação produtiva, em curso nas sociedades contemporâneas, a administração pública dos mais
diferentes países vem passando por movimentos de mudança.
O processo de reestruturação acima mencionado resulta num novo modelo de produção, chamado
de produção flexível, o qual inclui a organização e a especialização flexíveis. De acordo com esse
modelo os mercados tornam-se cada dia menos caracterizados pela produção padronizada e em larga
escala e mais pela oferta de bens e serviços de alto valor agregado (Guimarães, et al. 2000). Segundo
Lastres, et al. (1999) a emergência de um novo paradigma tecnológico e a globalização financeira são
os traços mais marcantes da economia mundial no final do século XX. Ainda segundo esses autores, em
tal quadro, a competitividade entre firmas e nações parece estar cada vez mais correlacionada à sua
capacidade inovadora, cenário onde a mudança tecnológica tem se acelerado significativamente e as
direções que tomam tais mudanças são complexas, sendo que uma de suas principais características
relaciona-se à crescente intensidade de investimentos em conhecimento. Nesse contexto, cresce a
importância da dimensão tecnológica da competitividade. Em outras palavras, a capacidade de gerar
inovações tecnológicas, de produtos e de processos, passa a ser fator crucial no aumento da
competitividade dos países e das empresas, pois é por intermédio dessa capacidade que se eleva o
potencial de conquista dos mercados.
Enquanto no setor privado as inovações, na forma de produtos e processos novos ou melhorados,
constituem-se a pedra angular da sustentabilidade e da competitividade das empresas, no setor público,
o desafio que se coloca para a Nova Administração Pública é como transformar estruturas burocráticas,
hierarquizadas e que tendem a um processo de insulamento, em organizações flexíveis e
empreendedoras. Trata-se, nesse caso, de inovar nos métodos e processos de gestão, promovendo-se
uma espécie de racionalização organizacional. Esse processo de racionalização organizacional implica
na adoção, pelas organizações públicas, de padrões de gestão desenvolvidos para o ambiente das
empresas privadas, com as adequações necessárias à natureza do setor público (Ferlie et al. 1996;
Bresser Pereira e Spink, 1998). As tentativas de inovação nesse setor significam a busca da eficiência e
da qualidade na prestação de serviços públicos. Para tanto, é necessário o rompimento com os modelos
tradicionais de administrar os recursos públicos e a introdução de uma nova cultura de gestão.
Ferlie et al. (1996), com base em pesquisas realizadas sobre os movimentos de mudança na
administração pública da Grã-Bretanha e em extensa revisão da literatura sobre tais movimentos em
diferentes países, sugerem a existência de quatro modelos de gestão que podem ser percebidos no setor
público, representando, cada um deles, momentos de distanciamento de modelos clássicos de
administração pública. Utilizando a técnica analítica do “tipo ideal” weberiano, esses autores
descrevem os referidos modelos da Nova Administração Pública, denominados de Impulso para a
Eficiência, Downsizing e Descentralização, Em Busca da Excelência e Orientação para o Serviço
Público. Outros três modelos de administração pública, denominados de Ortodoxo, Liberal e
Empreendedor, são apresentados por Martins (1997), que realizou uma revisão de literatura sobre o
assunto.
Os modelos de administração pública acima mencionados são caracterizados, de um lado, em
função da concepção do papel do Estado e pela forma daí demandada de administração das
organizações públicas. No que se refere ao Estado, percebe-se uma ênfase maior no seu papel de
promotor e regulador do desenvolvimento social e econômico, com menos interferência na atividade
produtiva. Quanto à administração pública, trata-se de aproximar seus padrões de gestão aos das
empresas privadas, dotando as organizações públicas de maior autonomia, com estruturas flexíveis e
inovadoras. Os termos autonomia e flexibilidade são utilizados com muita freqüência na literatura
organizacional e constituem-se numa espécie de receita geral para tornar mais eficientes os padrões de
gestão de organizações em geral e de organizações públicas em particular. No entanto, esses termos são
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interdependentes, plurais e multifacetados.
Autonomia é um conceito que envolve a liberdade de ação de uma pessoa física ou jurídica,
porém, de forma relacional. O grau de autonomia de uma equipe de trabalho ou de uma organização,
como um todo, pode ser analisado quando é comparado com o de equipes ou organizações congêneres.
Essa autonomia pode ser medida pelo grau com que as decisões sobre os objetivos, atividades, planos e
programas de trabalho da organização, isso é, sobre o quê fazer e como fazer, são tomadas sem
necessidade de consulta a agentes externos.
Nas organizações privadas essas decisões são tomadas, regra geral, pelos proprietários ou
acionistas, com assento em seus conselhos deliberativos ou de administração, e executadas pela
diretoria, geralmente formada por administradores profissionais. Não é raro, no entanto, encontrar
situações em que membros das diretorias dessas organizações, encarregadas de coordenar seus
processos produtivos e de administração, possuem assento em seus conselhos, fazendo com que a
decisão sobre o quê fazer aproxime-se do como fazer.
No caso de organizações públicas, a autonomia necessita ser analisada levando-se em conta suas
especificidades, fazendo com que as mesmas tornem-se diferentes de empresas privadas. Em primeiro
lugar, essas organizações pertencem à sociedade e prestam serviços públicos que envolvem interesses
sociais amplos implicando em externalidades diferentes das que ocorrem com a produção de bens e
serviços para o mercado, realizada por empresas privadas. Nesse sentido, a autonomia do processo
decisório das organizações públicas requer que se considere, dentre outros, os seguintes aspectos: a) o
processo de escolha de seus dirigentes, conselheiros e diretores, isto é, em que medida esses gestores
são escolhidos por com base em critérios profissionais, tendo em conta suas competências técnicas, ou
tendo em conta suas relações sociais e políticas; b) o nível de envolvimento de distintos agentes
externos no processo de gestão da organização, em especial no que diz respeito às suas decisões de
caráter estratégico.
Em segundo lugar, a administração pública tende a adotar regras e padrões uniformes de
funcionamento, de forma a facilitar os processos de acompanhamento e de controle das atividades e dos
resultados das organizações públicas. Essa padronização significa, em essência, o uso de critérios
burocráticos de gestão, com as conseqüências naturais das disfunções da burocracia, por exemplo, o
excesso de formalismo e o foco na eficiência dos meios. Portanto, a análise do nível de autonomia do
processo de gestão de uma organização pública passa, também, pelo questionamento se as regras para
gestão de seus recursos humanos, físicos e financeiros são diferentes e, portanto, mais flexíveis, em
relação às regras que o governo utiliza para acompanhar e controlar o trabalho das demais organizações
públicas.
Em terceiro lugar, há princípios gerais da legislação brasileira que diferenciam a gestão de
empresas privadas da gestão de organizações públicas. Por exemplo, enquanto para aquelas é permitido
fazer o que não está proibido pela legislação, para estas só é lícito fazer o que está previsto em lei.
Assim, a autonomia das organizações públicas estará limitada ao previsto na legislação que lhes for
aplicável. Considerando que as leis evoluem, em regra, a reboque das transformações sociais,
econômicas e tecnológicas, é possível inferir que a autonomia das organizações públicas estará, sempre,
aquém do que seria apropriado e desejável para os padrões sociais vigentes.
O conceito de flexibilidade, por seu turno, está associado à idéia de inovação, de mudança, de
agilidade e de capacidade de adaptação, de forma que a organização possa responder com eficiência às
demandas da sociedade, de seus clientes e dos demais agentes que compõem os seus ambientes interno
e externo. Nas organizações públicas, por suposto encarregadas da prestação de serviços e não de
produção de bens de consumo, a flexibilidade envolve a inovação em processos de gestão, tanto no
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nível da organização, como na gestão de seus recursos humanos. Ao tratar do conceito de flexibilidade,
Legge (1995) sugere que, para serem capazes de planejar e administrar seus processos de mudança,
antecipar-se às pressões e incertezas, e adaptar-se às mudanças ambientais, as organizações necessitam
evitar as estruturas burocráticas, rígidas e hierarquizadas, geralmente dominadas por grupos de
interesses, e inibir as demarcações entre grupos de trabalho. Ainda segundo essa autora, as organizações
deveriam procurar alcançar a flexibilidade, por intermédio de estruturas orgânicas, da descentralização
extensiva do poder decisório, da delegação do controle e pela adoção de novas formas de divisão do
trabalho, mediante a flexibilidade funcional, representada pela polivalência e pela multifuncionalidade
da mão-de-obra, em substituição às divisões profissionais tradicionais.
3. A Nova Administração Pública e a Regulação no Brasil
Seguindo a onda de transformação que vem ocorrendo nos padrões da administração pública de
diferentes países, o Governo Fernando Henrique Cardoso vem implementando no Brasil, desde 1995,
uma Reforma do Aparelho do Estado. Essa Reforma pressupõe mudanças no papel do Estado, que
deixaria de ser intervencionista e produtor para tornar-se regulador, e na sua forma de gestão. A Nova
Administração Pública brasileira estaria baseada no denominado modelo gerencial de administração,
com base nos princípios de autonomia, descentralização do poder decisório e da flexibilização,
adotando-se “formas flexíveis de gestão, horizontalização das estruturas, descentralização de funções e
incentivos à criatividade” (Brasil, 1995, p. 23). No que se refere à divisão do trabalho o Plano de
Reforma prevê quatro setores: Núcleo Estratégico, Atividades Exclusivas do Estado, Serviços
Não-exclusivos, e Produção para o Mercado.
O Núcleo Estratégico tem por função propor as leis, formular e avaliar políticas públicas, estando
incluídos a Presidência da República, os ministros de Estado, o Ministério Público, e os órgãos dos
Poderes Legislativo e Judiciário. O segundo setor, das Atividades Exclusivas do Estado, inclui as
funções de fiscalização, de controle, de tributação, de segurança pública, de segurança social básica e
de regulação. O terceiro setor, de Serviços Não-exclusivos do Estado, compreende atividades de
interesse público onde poderia haver competição, cabendo citar, por exemplo, as atividades
relacionadas a educação, cultura e saúde. Nesse caso, o governo propõe-se a atuar mais como promotor
do que como executor. O quarto setor compõe-se das atividades de Produção para o Mercado, estando
prevista a retirada do governo, mediante a venda do controle acionário de empresas estatais dos mais
diversos ramos, como das telecomunicações, siderurgia e energia elétrica.
A atividade regulatória assume, na Nova Administração Pública brasileira, um papel distinto do
que no passado. Em primeiro lugar porque as fronteiras entre os setores público e privado estão se
tornando mais tênues, requerendo das organizações públicas uma capacidade maior para atuar de forma
cooperativa, em rede, realizando alianças com outras empresas, com organizações não governamentais,
grupos e associações, requerendo maior descentralização. Em segundo lugar o País vive uma crise
fiscal, resultante do desequilíbrio entre receitas e despesas governamentais, que requer um esforço
político por reformas estruturais, como da previdência social, do sistema tributário e das relações de
trabalho (Bresser Pereira, 1998). Em terceiro lugar porque, se antes o Estado brasileiro era, ao mesmo
tempo, produtor e regulador, na sua nova conformação a atividade de produção tende a ser transferida
para o setor privado. Atividades e serviços públicos com alto grau de externalidade, como produção e
distribuição de energia elétrica, telecomunicações, administração de portos e de estradas, estão
deixando de ser monopólios do Estado e sendo repassados para a iniciativa privada.
No entanto, como observa Peci (1999), a simples transferência da responsabilidade de produção,
do governo para o setor privado, não garante uma melhor prestação de serviços públicos, acarretando
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uma necessidade de mudança no perfil e no papel do Estado. É preciso evitar os potenciais impactos
negativos da privatização, como a transformação de monopólios públicos em monopólios privados e a
formação de cartéis. Além de ser necessário garantir serviços de qualidade, a preços compatíveis, com
uma melhor relação custo/benefício. Portanto, o papel regulador do governo envolve, primordialmente,
a promoção do equilíbrio de interesses entre prestadores de serviços públicos e consumidores. A seguir
são apresentados conceitos, características, finalidades, formas e princípios de regulação, com base nos
textos Why should we regulate - and why is it complicated (Corry, 1995) e The Design and use of
Regulatory Checklists in OECD Countries (OECD, 1993).
A regulação pode ser entendida como o ato de estabelecer regras para administrar as relações
entre o Estado, os prestadores de serviços públicos e os consumidores. O que se regula são relações, por
exemplo, entre profissionais e clientes, entre consumidores e empresas, entre governo e empresas, entre
empresas e outras empresas, que envolvem a utilização de recursos estratégicos e interesses conflitantes
ou complementares. A atividade regulatória pode ser exercida por diferentes agentes, como as
associações profissionais, destinadas à auto-regulação do exercício das profissões; as redes voluntárias de consumidores, de representantes de categorias sociais, de moradores etc., que podem exercer uma
regulação delegada, e por agências governamentais. A regulamentação governamental, necessária à
atividade regulatória, pode tanto promover os direitos e liberdades dos cidadãos, quanto a restrição de
seu comportamento. Esses objetivos contraditórios são frequentemente a essência das diferentes
políticas entre os partidos. De qualquer forma, a maioria dos cidadãos reconhece a necessidade da
intervenção governamental quando um mercado não regulado pode prejudicar direitos e quando
mercados falham em garantir uma aceitável igualdade social.
Reconhecendo tais diferenças filosóficas e políticas, os governos devem garantir que a regulação
seja realizada de forma justa, efetiva, equilibrada e que haja participação e comprometimento da
sociedade nessa atividade. Existem alguns objetivos de Estado que justificam uma regulação, como: a)
proteger e enfatizar direitos e liberdades de todos os cidadãos, isso é, igualdade de oportunidades,
anti-discriminação, liberdade de informação; b) promover uma sociedade segura e pacífica; c)
salvaguardar a saúde e a segurança, por exemplo, por meio do desenvolvimento e do uso de legislação
sobre segurança no trânsito, proteção das crianças, saúde e segurança no trabalho, controle da poluição;
d) proteção contra abuso econômico, incluindo a proteção ao emprego, o estabelecimento de padrões de
comércio, a garantia da concorrência, a proteção da propriedade intelectual e industrial, e) proteção ao
meio ambiente; f) proteção aos cidadãos, restringindo o acesso a filmes e o consumo de produtos
nocivos à saúde, como cigarro, bebidas e drogas; g) arrecadação de impostos e de taxas e assegurar que
os recursos sejam gastos de acordo com os objetivos das políticas públicas. O primeiro desses
objetivos, por tratar dos direitos e liberdades dos cidadãos engloba os demais.
A atividade regulatória pressupõe uma intensidade da regulação em função dos impactos e dos
riscos envolvidos na atividade regulada. Cabe ao governo, além de exercer uma parte dessa atividade,
por intermédio de agências especializadas, exercer a regulação da regulação. Isto corresponde a
formular, implementar e coordenar a execução das políticas e diretrizes da regulação, com o
envolvimento de múltiplos níveis de governo, passando a solução de problemas, freqüentemente, pela
ação cooperativa. A cooperação, por sua vez, pode demandar a construção de novas formas de parcerias
e relacionamentos administrativos. Adicionalmente, a regulação acarreta algumas conseqüências nas
relações entre os agentes envolvidos, como o estabelecimento de padrões de responsabilização e de
penalidades e a redução da autonomia das empresas no processo de tomada de decisão sobre preços.
Várias podem ser as formas de atuação do Estado no contexto da regulação, incluindo: a
aplicação de multas e de sanções ao setor privado, quando esse atuar de forma irregular; a atuação
como árbitro nos casos que envolvam conflitos e ambigüidades entre os direitos e deveres de
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prestadores de serviços públicos e consumidores. Para Abranches (1999), a regulação é controle,
estando presente em praticamente toda a ação do Estado, embora alguns setores da economia sejam
merecedores de maior atenção dessa função. Segundo esse autor, existem diversas formas de regulação,
como o próprio monopólio estatal, as ações dos órgãos fiscalizadores do meio ambiente, dos conselhos
de defesa do consumidor e dos agentes públicos que tenham, por função, a inibição da formação de
cartéis, de trustes ou de ações por parte dos agentes econômicos que acarretem aumento abusivo de
preços.
A estrutura regulatória governamental brasileira, no nível federal, compreende uma série de
órgãos. Incluem-se, dentre esses órgãos, o Banco Central (BACEN) e a Comissão de Valores
Mobiliários (CVM), que regulam o mercado financeiro; o Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (CADE), a Secretaria de Direito Econômico (SDE) e a Secretaria de Acompanhamento
Econômico (Seae), para defesa da concorrência, e agências setoriais para o Petróleo, para a Vigilância
Sanitária, para as Telecomunicações e para a Energia Elétrica. Encontram-se em fase de instalação ou
criação, dentre outras, as agências reguladoras das águas (recursos hídricos), de transportes aéreos, de
previdência complementar, de saúde etc. Adicionalmente, há outros órgãos cuja ação envolve a
regulação, como o IBAMA na área ambiental e os Procons, para a defesa do consumidor (Abranches,
1999). Uma análise preliminar dessa estrutura permite inferir que o governo brasileiro carece de uma
política que estabeleça as diretrizes e os princípios da regulação, incluindo a definição do conteúdo
substantivo, o desenvolvimento e revisão da regulação, a exemplo dos regulatory checklists utilizados
pelos países-membros da OECD (OECD, 1993). A estrutura governamental da regulação no Brasil é
fragmentada (Oliveira, 2000), resultando em superposições e conflitos de poder. Uma parte dessa
superposição tende a ser minimizada com a decisão recente do governo de criar a Agência Nacional de
Defesa do Consumidor e da Concorrência, fundir o CADE e a SDE.
4. Os Casos da ANEEL e da ANATEL
4.1. Caracterização da ANEEL
A ANEEL foi criada em 26.12.1996, pela Lei 9427, por decorrência da privatização do setor
elétrico brasileiro, antes sob monopólio estatal. Essa privatização, principalmente na parte de geração
de energia, acarretou a necessidade de se regular o setor, estabelecendo-se regras para a iniciativa
privada, incluindo qualidade dos serviços, competição, prática de tarifas e demais fatores relacionados à
cadeia de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, com vista aos interesses da população
e das prestadoras dos serviços.
A ANEEL está caracterizada como autarquia, sob regime especial, vinculada ao Ministério das
Minas e Energia e com sede no Distrito Federal. Sua criação substituiu o então Departamento Nacional
de Águas e Energia Elétrica - DNAEE que tinha, como parte de suas incumbências, a regulação e a
fiscalização do setor de águas e de energia elétrica. A missão dessa Agência é “proporcionar condições
favoráveis para que o mercado de energia elétrica se desenvolva com equilíbrio entre os agentes e em
benefício da sociedade” (ANEEL, 2000a e 2000b). “Energia elétrica para todos com satisfação da
sociedade” (ANEEL 2000b) é a visão de futuro da ANEEL para o ano 2005.
Segundo sua Lei de criação, a ANEEL possui, entre outras, as seguintes competências básicas:
regulação e fiscalização da produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica,
em conformidade com as políticas e as diretrizes do governo federal; execução dessas políticas e
diretrizes, visando a exploração da energia elétrica e o aproveitamento dos potenciais hidráulicos;
introdução da competição na exploração do mercado de energia elétrica; celebração e gerência dos
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contratos de concessão ou de permissão de serviços públicos de energia elétrica, de concessão de uso de
bem público, e moderação de divergências entre as empresas operadoras no setor elétrico e seus
consumidores. A ANEEL possui como principais fontes de receitas, os recursos oriundos de cobrança
de taxa de fiscalização sobre serviços de energia elétrica e do orçamento do Tesouro Nacional.
A direção superior da ANEEL é constituída por um Diretor-Geral e quatro Diretores, que atuam
em regime de colegiado. Abaixo desse nível hierárquico existem 20 superintendentes e 241
profissionais de nível superior. Os demais profissionais a serviço da Agência, que desempenham
funções de níveis médio e básico, são empregados terceirizados. O Diretor-Geral e os quatro Diretores
da ANEEL são nomeados pelo Presidente da República para quatro anos, não coincidentes. A
exoneração de quaisquer dos seus dirigentes, prevista no artigo 8º da Lei 9427, de 26/12/1994, somente
poderá ser promovida nos quatro meses iniciais do mandato, findos os quais é assegurado ao dirigente o
pleno e integral exercício do cargo. Essa exoneração é cabível nos casos de prática de ato de
improbidade administrativa, de condenação penal transitada em julgado e do descumprimento
injustificado do contrato de gestão.
A ANEEL adota um modelo de organização e divisão do trabalho baseado em processos e não
em funções, visando representar a multifuncionalidade necessária ao trabalho em equipe. A Agência
conta com dois níveis hierárquicos, o primeiro correspondente aos macro processos, e o segundo aos
processos organizacionais. Araújo da Silva (1999), ao estudar o modelo de gestão da ANEEL, sugere
que essa forma de divisão do trabalho implica no desenvolvimento de novas habilidades e de maior
autonomia e responsabilidade por parte das equipes, além da prática de um sistema gerencial
descentralizado. Esse autor observa que uma organização orientada por processos necessita de um
realinhamento cultural, passando por mudança nas atitudes dos empregados e adotando o foco no
cliente.
Como forma de controle, a priori, da sua atuação administrativa, a ANEEL possui suas metas
previstas em contrato de gestão, firmado entre a Agência e o Governo Federal. O seu Plano Estratégico
para o período 2000-2005 (ANEEL, 2000b) foi concebido numa filosofia de previsão e superação dos
desafios que deverão ser enfrentados pela Agência nos próximos 5 anos. Na sua introdução, o
documento reconhece a necessidade de acompanhamento, por parte da ANEEL, de um mercado do
setor elétrico ainda não competitivo. Acompanhamento, esse, que implica uma orientação das
atividades de fiscalização, de regulação e de mediação dos serviços de energia elétrica, como uma das
principais finalidades dessa Agência, além do estímulo à competição na exploração desse serviço.
Ainda conforme o referido Plano Estratégico, diversos pressupostos serviram como base para a
estruturação dessa Agência, como: a criação de uma Agência voltada para o desenvolvimento de um
ambiente propício ao funcionamento do mercado e o progresso dos agentes envolvidos, incluindo
consumidores, produtores, sociedade e governo. Além de voltar-se para a implantação da política de
descentralização, para o estímulo à competição e à integração dos agentes envolvidos nos serviços de
energia elétrica; para o incentivo à distribuição universal dos benefícios do setor elétrico, e para a
transparência das ações por parte de todos os envolvidos.
4.2. Caracterização da ANATEL
A ANATEL foi criada em 16.07.1997, pela Lei 9472, por decorrência da privatização do setor de
telecomunicações no Brasil. Essa Agência, também, caracteriza-se como autarquia especial, possui sua
sede em Brasília - DF e vincula-se ao Ministério das Comunicações. Sua missão é
“promover o desenvolvimento das telecomunicações do País de modo a dotá-lo de uma
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moderna e eficiente infra-estrutura de telecomunicações, capaz de oferecer à sociedade serviços
adequados, diversificados e a preços justos, em todo o território nacional” (ANATEL, 2000)
Algumas das competências da ANATEL são: a expedição de normas com relação à outorga,
prestação e fruição, bem como a edição de atos de outorga e extinção dos direitos de exploração dos
serviços de telecomunicações no regime público; a celebração e o gerenciamento dos contratos de
concessão; a fiscalização da prestação dos serviços no regime público e a aplicação de sanções e
realização de intervenções; o controle e o acompanhamento das tarifas dos serviços prestados pelas
prestadoras de serviços, com o poder de fixação ou de reajuste dessas tarifas, e a expedição de normas e
de padrões sobre prestação de serviços de telecomunicações no regime privado, bem como a expedição
e a extinção de autorização para essa prestação de serviços.
A ANATEL foi concebida para ser administrativamente independente e possui autonomia
financeira, principalmente por meio dos recursos oriundos do Fundo de Fiscalização das
Telecomunicações - FISTEL, o qual é gerenciado por essa Agência (ANATEL, 2000). A sua prestação
anual de contas, após aprovada pelo Conselho Diretor, deve ser submetida ao Ministro de Estado das
Comunicações, que a enviará ao Tribunal de Contas da União - TCU. (ANATEL, 1997).
As decisões tomadas pela ANATEL só podem ser contestadas no âmbito do Poder Judiciário, fato
esse que sugere a autonomia técnica da Agência. O órgão gestor máximo da Agência é o seu Conselho
Diretor, formado por cinco Conselheiros, sendo um deles o Presidente da ANATEL. Esses
Conselheiros possuem períodos de mandato diferenciados, entre três e sete anos, sendo vedada a
recondução após o término do mandado. Durante o mandato, os membros do Conselho Diretor
possuem estabilidade na função, podendo perdê-la somente por renúncia, condenação judicial transitada
em julgado ou por processo administrativo. Segundo documentos internos da Agência, um dos critérios
predominantes para a escolha dos membros do seu Conselho Diretor é a capacidade técnica,
possibilitando, assim, que sejam conduzidos à função de Conselheiro, profissionais conhecedores do
setor de telecomunicações e, ao mesmo tempo, sem possuir interesses, diretos ou indiretos, em qualquer
empresa ligada à telecomunicações.
As sessões do Conselho Diretor da ANATEL são públicas e, caso não haja algum fator
impeditivo, podem ser gravadas por quem se interessar. As atas de reuniões e os documentos relativos à
atuação da Agência encontram-se disponíveis ao público na sua biblioteca. O Regimento Interno da
Agência (ANATEL, 1997a, 1997b, 1999, 2000) prevê a existência de um Conselho Consultivo, com o
objetivo de proporcionar que a sociedade participe dos atos e decisões da Agência, acompanhando e
fiscalizando suas iniciativas. A consulta pública é outro recurso que a ANATEL utiliza, com vistas à
participação da sociedade. As normas elaboradas por essa Agência são, à priori, submetidas aos
cidadãos, com prazo não inferior a dez dias (ANATEL, 1999 e 2000), para que esses possam propor
modificações, se for o caso.
A Lei 9472 previu a elaboração de 3 planos para o setor de telecomunicações. O Plano Geral de
Outorgas, define as áreas geográficas no Território Nacional, as modalidades de serviços, classificadas
como local, de longa distância nacional e internacional, intra-regional e inter-regional , e as respectivas
prestadoras desses serviços por área geográfica. Em outras palavras, esse plano define quem faz o quê,
e em que área. O Plano Geral de Metas para Universalização do Serviço Telefônico Fixo Comutado
Prestado no Serviço Público estabelece as metas a serem cumpridas pelas prestadoras, quanto à oferta
de Serviço Telefônico Fixo Comutado para 1999, 2000 e 2001. E, finalmente, o Plano que se refere às
metas de qualidade para o serviço telefônico fixo comutado, que as prestadoras de serviços devem
cumprir. Como órgão regulador, compete à ANATEL a fiscalização do cumprimento dessas metas.
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4.3. Autonomia e Flexibilidade na Gestão da ANEEL e da ANATEL
A seguir, são analisados os resultados das informações coletadas em entrevistas, comentando-se
as percepções de técnicos e gestores dos Ministérios supervisores da ANATEL e da ANEEL e do
TCU. Procurou-se obter as opiniões dos entrevistados sobre o modelo de regulação que vem sendo
implementado pelo atual governo, em especial no que diz respeito à criação das agências reguladoras.
De um modo geral, as expectativas dos entrevistados quanto ao sucesso desse modelo é positiva,
principalmente pela autonomia gerencial. Há uma percepção por parte de todos os respondentes de que
as agências sejam órgãos fortes, autônomos e consolidados, como mostram os seguintes depoimentos:
“Eu penso que esse modelo é o mais adequado. (...) É imprescindível que o órgão
regulador seja autônomo, seja soberano nas suas decisões.”
“Eu vejo esse modelo por uma expectativa bastante positiva, no sentido de que você
está agregando ao mesmo órgão especificamente para essas atividades. Quando foi criada a
ANEEL e a ANATEL eles recrutaram pessoas ligadas às atividades ha muitos anos, para
desenvolver esse trabalho...”
“(...) embora eu entenda que as agências estejam ainda aprendendo a caminhar esses
novos passos, as melhorias são bem nítidas em relação ao que se tinha e, de certa forma, eu
acho isso muito positivo e estimulante, porque vai ao encontro dos propósitos do governo, das
premissas que orientaram a criação das agências.”
Essas perspectivas positivas são contrabalançadas com algumas preocupações sobre o
funcionamento das agências no tocante à flexibilidade. Entre as principais apreensões está uma
possível incapacidade de atendimento ao usuário, devido à falta de experiência e de uma cultura de
regulação, num Estado que está mudando seu perfil de interventor e produtor para o de regulador,
devido ao grande volume de atividades e aos problemas de estruturação das agências. Tanto a atividade
regulatória, como o modelo de organização das agências constituem-se num desafio novo para o País,
gerando diversas expectativas a respeito do funcionamento das referidas agências. Alguns dos
entrevistados descrevem assim essas preocupações:
“Acho que para um começo de atuação, e nós temos aí dois, três anos de instalação das
agências, já dá para ter alguma percepção positiva quanto a alguns aspectos, negativa quanto
a outros, ou seja, nós estamos caminhando no fio da navalha”.
“O modelo ainda carece de melhor estrutura, porque há uma demanda de serviços e de
qualidade de serviços ainda muito grande no País e as operadoras não estão ainda num
patamar suficiente para atender isso. Então, há uma sobrecarga de trabalho nas Agências, no
sentido de regular e ao mesmo tempo fiscalizar.”
“Eu acho que a coisa tem que ser equilibrada. Não adianta ter um modelo regulador
enquanto não se tem poderes ou velocidade para corresponder a essa expectativa de atuação.
Eu digo especificamente por setores de saúde, ou por setores da área de telecomunicações,
porque nós passamos por uma fase assim, em que, ao mesmo tempo, que se exige a atuação de
um órgão regulador, este ainda não se encontra devidamente preparado para atuar na
velocidade que a sociedade esperava. A impressão que se tem é que as mudanças estão
acontecendo muito rapidamente e não existem, ainda, instrumentos para as agências atuarem
efetivamente. É uma experiência, de qualquer forma. Mas a sociedade não pode ser penalizada
(...).”
“(...) se uma empresa privatizada começa a oferecer serviços piores do que
anteriormente eram oferecidos, isso tudo fatalmente vai repercutir contra a própria Agência
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que, em última análise é quem é responsável por isso. Então, com relação à questão de
regulação, eu acho que as agências têm um caminho enorme a percorrer e muitos desafios.”
Ainda no que tange à autonomia das agências, foi questionado se os entrevistados entendiam
que a ANEEL e a ANATEL atuam com imparcialidade, tendo em vista suas atuações em um mercado
onde o poder econômico, e às vezes político, são bastante significativos, ao que os entrevistados, no
geral, responderam positivamente. Para isso duas razões foram significativas. A relacionada com a
composição da Diretoria que, em ambas as Agências possuem mandatos fixos, sem possibilidade de
exoneração na vigência desse mandato, salvo por circunstâncias específicas e por motivos definidos em
lei. E a baseada em fatos concretos, divulgados pela imprensa em geral, dando conta da aplicação de
pesadas multas, por parte da ANATEL, em empresas prestadoras de serviços de telefonia. Segundo um
dos respondentes, essa Agência tem agido com muita coragem e, em muitos momentos, com ousadia e
risco.
Um dos entrevistados, no entanto, mostrou-se reticente quanto à imparcialidade das agências.
Comentando especificamente a situação da ANEEL o referido entrevistado observou que, além do
papel de órgão regulador e fiscalizador de um serviço público, essa Agência, assim como as demais,
possui um outro papel, de promotora de investimentos e do desenvolvimento do setor em que atuam.
Essa promoção tem como função principal a atração de investimentos. Assim, é possível questionar se
esse papel de promoção deveria ser realmente implementado por uma Agência Reguladora, uma vez
que se contrapõe diretamente com o papel fiscalizador e controlador, inerente à regulação. Sob esse
ponto de vista, pode ser criada uma situação desconfortável, um vez que, segundo o entrevistado
“(...) esse tipo de conflito, que pode gerar alguma desconfiança. (...) a mesma equipe
que promove, que é o vendedor, é também o fiscal. O vendedor de hoje é o fiscal de amanhã, a
mesma equipe (...)”.
Ainda com relação à questão da atuação imparcial por parte das Agências, outro entrevistado,
também, demonstrou um certo ceticismo. O depoimento desse entrevistado, com relação à ANEEL,
adiante transcrito, é esclarecedor:
“O que a gente pode dizer é que as agências são formadas por ex-integrantes das
concessionárias, porque não tinha como trazer especialistas que conhecessem os serviços que
estavam sendo delegados. (...) É evidente que essas pessoas conhecem as outras pessoas por
que ficaram lá (nas empresas concessionárias), porque trabalharam 10, 20, 30 anos juntas.
Isso aí são amizades que eu acho que não deveriam interferir no campo profissional. Agora
estão do outro lado, cabe a eles defender os interesses da sociedade”.
Um outro entrevistado relaciona a imparcialidade da atuação das Agências com o fator humano:
“Eu acho que elas reúnem a principal condição para a imparcialidade, que é o
profissionalismo e a competência técnica”.
Quanto à autonomia há que se considerar, em primeiro lugar, a visão que a organização tem
desse conceito. Um dos respondentes comparou a situação atual da atividade regulatória com a anterior
e realizou uma análise da autonomia das agências reguladoras nos seguintes termos:
“A impressão que eu tenho é que elas tem autonomia adequada para fazer o que têm
que fazer. Mas como a gente vem de uma realidade onde a autonomia era nenhuma, as
autarquias e as fundações viraram administração direta, sob o ponto de visa da gestão, com
500 mil amarras e 500 mil controles, absolutamente desnecessários. Será que estou achando
isso porque eu conheço uma realidade que era muito pior? Mas, em princípio, elas me parecem
adequadas, sim. Na verdade eu (...) gostaria de ver todas as agências trabalhando com contrato
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de gestão. (...) o contrato de gestão é um instrumento de transparência para a sociedade. É
para se trabalhar com resultados.”
Entretanto, a autonomia concedida pelo governo no que se refere à gestão dos recursos
humanos, materiais e financeiros, é vista pela maioria dos entrevistados como um ponto que dever ser
melhorado, apesar do reconhecimento de avanços em relação ao modelo das fundações e autarquias
tradicionais. Na gestão de recursos humanos, foram apontados como empecilhos, a obrigatoriedade da
realização de concurso público para ingresso nos quadros, os salários das agências, se comparados aos
do setor privado, e a ausência de um plano de carreiras para os empregados. Na gestão dos recursos
materiais, o ponto central das dificuldades é a obrigatoriedade da observação da Lei 8666 para a
realização das compras. Um ponto positivo da gestão das compras na ANATEL refere-se à
implementação do “pregão”, conforme o depoimento de um dos entrevistados:
“Para materiais e serviços, desde a lei geral, a ANATEL já foi constituída com poderes
para exercer o chamado pregão. No pregão sentam-se numa mesa todos os interessados, que
podem se qualificar na hora, ou seja, para evitar todo e qualquer tipo de conluio. Apresentam
suas propostas, essas propostas são abertas e ali mesmo acontece um leilão daquilo que está
sendo vendido. No ano passado, utilizando esse sistema a ANATEL economizou, pelo que estou
informado, mais de R$ 30 milhões, ou seja, significou uma economia de 30% das suas compras
de materiais e serviços e numa agilidade extraordinária, porque terminada aquela reunião, a
compra já está feita, a encomenda já está a caminho”.
Na gestão dos recursos financeiros, o ponto crítico, mencionado por quase todos os
entrevistados é a exigência de que os recursos arrecadados pelas agências sejam recolhidos ao caixa
central da União, o que obriga a solicitação de autorização por parte do Ministério do Planejamento
para a utilização de suas próprias receitas.
Com relação à flexibilidade, foi perguntado se as Agências estão devidamente estruturadas e
organizadas para trabalhar com maior grau de agilidade, se comparadas com os órgãos que as
antecederam. Nessa questão houve unanimidade quanto a resposta afirmativa. Todos os respondentes
reconhecem que o modelo atual é mais flexível do que o anterior, exemplificado pelas palavras de um
dos entrevistados, ligado ao setor de telecomunicações:
“A gente nota pelo resultado, pelo quantitativo existente antes e pelo que se tem hoje.
Sem sombra de dúvida não sei se é o resultado da agência reguladora, mas é o resultado da
privatização. Nós tínhamos uns doze ou treze milhões de linhas telefônicas, aumentando para
vinte e cinco, trinta milhões (...) Os resultados foram de um valor extraordinário para o Brasil.
Em torno de dois a três anos a situação mudou completamente.”
5. Conclusões e Recomendações
A análise documental sugere que, em tese, os modelos de gestão, tanto da ANEEL, quanto da
ANATEL estão voltados para os propósitos da autonomia gerencial e financeira, da transparência, da
responsabilidade democrática, da internalização da imagem do consumidor como cliente-cidadão, do
controle à priori, via estabelecimento e cumprimento de metas, da descentralização e do incentivo à
competitividade. Esses são alguns dos pressupostos básicos para a adoção de um modelo gerencial e, no
caso específico da ANEEL, seu organograma com apenas dois níveis hierárquicos e voltado para
processos reforça a intenção dessa Agência de implementar um modelo ágil e flexível de gestão.
No que se refere à autonomia real, percebida pela atuação das agências, houve manifestações
positivas da parte de alguns entrevistados, dirigidas ao processo de escolha das diretorias das agências
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analisadas e sobre a competência técnica de seus dirigentes. Foi apontado, também, que o contrato de
gestão, no caso da ANEEL e a fixação de metas de desempenho, no caso da ANATEL, constituem-se
em mecanismos que podem proporcionar uma atuação autônoma dessas agências. Entretanto, o conflito
de papéis – fomento, outorga e regulação constitui-se em fator inibidor da autonomia e, portanto, da
atuação imparcial das agências.
Entretanto, analisando as entrevistas realizadas, apesar dos avanços quanto à prática de modelos
de gestão em relação às fundações e autarquias criadas no passado, essas agências, por estarem
atreladas a um modelo ainda burocrático de administração pública vigente no Brasil, terão que superar
obstáculos legais para alcançar maiores graus de flexibilidade, principalmente na gestão dos recursos
humanos, materiais e financeiros. Costa (1999, p.192) lembra que, no passado, vários esforços para
flexibilizar a gestão pública no Brasil foram envidados. Esse autor alerta que, a longo prazo, medidas
como “criação de autarquias, fundações, empresas, programas, convênios”, entre outros “trouxeram
problemas de extrema complexidade, obrigando a Administração Pública buscar seu enquadramento
no sistema geral de controles”. Assim, as Agências Reguladoras estariam diante do desafio de não
repetir o passado, ou seja, retornar ao modelo burocrático de gestão.
Em resumo, embora o processo de institucionalização das agências analisadas esteja em sua fase
inicial, é possível inferir que a criação e funcionamento das mesmas constitui-se em uma experiência
inovadora de gestão pública no Brasil, pelas ações que as mesmas vem introduzindo em seus processos
de trabalho. Por outro lado, é importante enfatizar que este estudo, inicialmente, tomou como base a
análise documental e entrevistas realizadas com oito representantes dos ambientes externos das
agências analisadas, que não representam o universo. Ainda serão entrevistados outros agentes externos
e internos às referidas organizações, para se formar uma idéia mais elaborada sobre a atuação das
mesmas.
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Resenhas biográficas dos autores
TOMÁS DE AQUINO GUIMARÃES, 49, é Administrador pela Associação de Ensino Unificado do
Distrito Federal (1974), Mestre em Administração pela Escola de Administração de Empresas de São
Paulo da Fundação Getúlio Vargas (1982) e Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo
(1994). Participou de programa de estudos junto à Science Policy Research Unit da University of
Sussex, Grã-Bretanha (1991-1993), na condição de study fellow e atuou como Pesquisador e Gestor da
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Atualmente é Professor e Coordenador da PósGraduação em Administração da Universidade de Brasília. Suas áreas de interesse em pesquisa e ensino
incluem a inovação e o comportamento organizacional, a gestão de competências e aprendizagem
organizacional. Possui diversos trabalhos apresentados em encontros científicos no Brasil e no exterior,
bem como artigos publicados em periódicos nacionais e internacionais.
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E-mail: [email protected]
EDUARDO RAMOS FERREIRA DA SILVA, 47, Consultor de Organizações, é Administrador pela
Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas e Engenheiro pela Escola de
Engenharia Veiga de Almeida. Possui diversos cursos de extensão, tanto na área de ciências humanas,
como na área tecnológica. Desenvolveu trabalhos de instrutoria e de consultoria junto à FGV/RJ,
Governo do Estado do Rio de Janeiro, METRÔ/RJ, Cia Siderúrgica Belgo-Mineira, Fundação Nacional
do Índio - FUNAI, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Hospital Universitário - UFRJ, Fundação
Oswaldo Cruz e Agência Brasileira de Inteligência - ABIN, entre outras Organizações públicas e
privadas. Foi professor convidado da Fundação Getúlio Vargas em diversos cursos de especialização e
extensão universitária. Professor do Conselho Regional de Administração - CRA - DF, e da ESCOLA
NACIONAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - ENAP. Atualmente, é Mestrando em Administração
pela Universidade de Brasília e Professor do Instituto de Educação Superior de Brasília. Possui diversos
artigos publicados no Jornal do Brasil e na Revista Brasileira de Administração.
E-mail: [email protected]
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