61 &$5$&7(5Ë67,&$6 62 5.1. O ritual Montagem ilustrativa dos preparativos e da Congada - *$%$55$/DULVVD2OLYHLUD$GDQoDGD 7UDGLomR&RQJDGRGH8EHUOkQGLDVpFXOR;;'LVVHUWDomRGHPHVWUDGRSHOR,QVWLWXWR GH+LVWRULDGD8QLYHUVLGDGH)HGHUDOGH8EHUOkQGLD8EHUOkQGLDS Primeiro dia: Os três dias mais intensos do ritual são a própria festa, espaço da dramatização da vida, da história e da fé. Eles expressam a cultura afrodescendente na festa do Congado, a Congada Segundo dia: Pintam os instrumentos. [f1] Cozinham o feijão. [f2] Picam as couves. [f3] Trançam os cabelos. [f4] Alguns desses preparativos vêem sendo feitos há meses. Os dançadores concentramse no quartel para fazerem os arremates. No outro dia, é só aproveitar o aché . Às 6h da manhã, a igreja está vazia. [f5] Nos quartésis, a agitação. Colocam as indumentárias. [f6 e f7] Ajeitam os estandartes. [f8] Tomam o remedinho. [f9] E saem. 63 O encontro dos ternos da cidade e dos ternos visitantes se dão na Av. Floriano Peixoto, entre o Fórum e a Igreja do Rosário. [f11 e f12] Ao meio dia todos os ternos são recebidos na porta da igreja. [f13] Fazem suas danças. [f14] características Busca-se as imagens da N.S. do Rosário e São Benedito que serão colocadas nas pontas dos mastros na casa do presidente da Irmandade. [f10] 64 Dois deles levantam, cada um [f15], um mastro[f16]. Voltam para os quartéis, onde é servido o almoço. [f17] Homenageiam os reis e rainhas Congo.[f18] Seguem em cortejo até a igreja. [f19] Começa a procissão. [f20 e f21] O rei e a rainha Congo de São Benedito acompanham o andor da imagem de São Benedito.[f22] O rei e a rainha Congo de N. S. do Rosário acompanham o andor da imagem de N.S. do Rosário. [f23] 65 características Na missa[f24] ocorre a troca de coroas e cetros dos reis e rainhas Congo daquele ano com o do ano seguinte. [f25] Também, São Benedito na figura de um anjo negro entrega o rosário à Virgem Maria. [f26] O terno de Marinheiro trança fita. [f27] Os congadeiros cumprimentam os amigos durante a dança de despedida daquele dia.[f28] Um pagodinho não pode faltar na volta para os quartéis. Terceiro dia: dançando e tocando o dia todo. [f29 e f30] 66 Fazem visitas às casas dos amigos, parentes e em quartéis de outros ternos, afirmando antigas e novas relações de solidariedade. [F31 e f32] Caída a noite os moçambiques descem os mastros [f33 e f 34]. Guardam-nos no altar. [f35] E todos se despedem, cantando.[f36, f 37 e f 38 ] Até para o ano que vem! 67 características se são m oçambiques as patangongas vibram em suas 5. 1.1 . Mi ssa s d e Do m i n go mãos. Entram no local, agradecendo e pedindo a bênção Todos os domingos há mais de dez (10) anos, depois da para o dono daquela casa. Cada missa das 16h, na Igreja do Rosário, ocorre uma reunião de terno reza à sua maneira o congadeiros, quando se encontram os capitães ou um representante rosário. No Catupé do Martins as de cada terno, a diretoria da Irmandade e o pároco responsável pela mulheres são as responsáveis, Igreja do Rosário. São nessas reuniões que se discute a sua reza é o cantar da Ave Maria. programação da festa, a divisão do subsídio público entre os ternos, Já no Moçambique Estrela Guia a entrada de novos ternos na Irmandade e é onde é entregue o a reza do rosário é em conjunto tradicional alvará municipal para cada um dos representantes dos com os homens, a madrinha do ternos que, a partir daquele momento, estão liberados para cantar terno é a responsável para puxar e dançar nas ruas da cidade de Uberlândia, dando início aos ritos a reza. Em dia de campanha de preparação da festa. rezam um mistério. Depois da músi ca, 5. 1. 2. Campa n h as d o s Tern o s: o l ei l ão e o terço depois da reza começa o leilão, ou no quintal da casa ou na rua. As campanhas e Leilões ocorrem nos três ou dois meses A devota, dona da casa, entrega anteriores a festa. Nesse momento pode ouvir os ternos de Congado, as prendas, e entre os presentes dançando nos arredores de seus quartéis, normalmente entre as 20h elas são arrematadas. O dinheiro e 23h, duas ou três vezes por semana. Esse período é de positivação v ai da fé no rosário e nos toques dos tambores, mas o sagrado, desde indumentárias, a manutenção e este momento até o último dia da festa, é deslocado do ambiente a compra dos instrumentos e os religioso e inserido no espaço público da cidade. Os congadeiros alimentos dos dias da festa. saem dos seus quartéis (onde os instrumentos são guardados) e vão Acabado o leilão, mais um dançando até a casa onde a santa se encontra. Chegando lá a música momento de consagração da fé, aumenta sua força, os repiliques soam alto, tocados pelos congos; a m úsica v olt a a ecoar se para o f eitio das 68 despedindo da casa, levando a sa n t a para mais 5.1.3. Ocupação Urbana e Localização dos Quartéis uma c a m i n ha d a . V ã o em b o r a , A visibilidade que a comunidade congadeira exerce em tempo cantando e dançando até a de campanha caracteriza o tempo em que a cultura de matriz africana próxima casa que irá receber expõe-se e impõe-se através de uma parcela da população urbana a santa e dispor de prendas que faz da rua a sua casa. Cada terno ocupa uma grande área ao para o l ei l ão segui nt e. As redor de seu quartel, por onde passa em marcha nesses meses c a m p an h a s c o st u m a m anteriores a festa. Os ternos também visitam lugares mais acontecer nas terças, quintas- longínquos, dependendo da importância da promessa ou do devoto feiras e sábados. As segundas, para o terno. Em anexo na dissertação de mestrado (Gabarra, 2004) quartas e sextas-feiras ficam tem o mapa de ocupação da área no bairro ao redor do quartel que r e se r v a d a s para outros compromissos com a fé. No coletiv o, os e n co n t r o s se m a na i s n o t u r no s sã o momentos de contar histórias, de reaf i rm ar t radi ções, de propor e discutir novidades. os ternos ocupam feito a partir dos endereços visitados durante as campanhas dos Ternos de Marujo Azul de Maio, Caputé Nossa Senhora do Rosário/Martins, Moçambique Estrela Guia. O anexo 16.4 é o mapa de ocupação da área total dos ternos de Congado de Uberlândia feito a partir da projeção da área ocupada pelos ternos estudados, durante a pesquisa de mestrado supracitada e a atualização da localização dos novos ternos a partir do Álbum de família Afro-descendente de Fabiola Benfica Marra, também em anexo. Assim, a identidade e a construção da cultura são 5.1.4. Novena da Igreja e Leilão da Irmandade reinventadas. Os preparativos, c o m o a s c a m p a n ha s, a s A utilização pública dos arredores dos quartéis amplia-se para reuniões na igreja, a feitura das o centro da cidade na semana anterior a festa, os ternos se deslocam indumentárias e instrumentos dos bairros para a Igreja N.S. do Rosário, alternadamente de dois ou são muito importantes para três por dia. É o período da Novena quando se tem os leilões de reafirmarem os laços sociais responsabilidade da Irmandade e da Igreja. Os fundos arrecadados estabelecidos pelo rito. com os leilões referentes à novena vão para a Igreja. O Sr. Deny, atual 69 características presidente da Irmandade do Rosário, explica que antigamente era uma campanha só. Tirava esmola de porta em porta. A zeladora da igreja daquela época é que inventou a campanha (entrevista, 2003). Tanto num caso como no outro a ocupação do espaço público permanece em evidência, aproximando ainda mais as relações sociais entre a igreja, o governo municipal e a população afro-descendente. Arroyo relata suas impressões acerca do Congado no último dia de novena Os cantos e a reza eram repetidos inúmeras vezes, em ritmo arrastado que combinava com a luz pouco intensa, ia-se fazendo ouvir mais potente a sonoridade de suas caixas e chocalhos que encobria a reza no interior da igreja, encontro de dois mundos – o católico e o afro – que se fundiam de modo intenso (Arroyo, 1999). O trajeto dos ternos em direção ao centro da cidade prepara os Que por sua vez estende-se para al ém do t erno, permanecendo no congado, quando os namoros durante as festas concretizam em outras uniões e possíveis novos ternos. As diferenças entre os ternos e as relações de força entre as famílias que operam no ritual da f esta f az parte da própri a t ra di ção e são cidadãos que não participam da festa para o apogeu do ritual, que representadas nas demandas ou ocupa as principais ruas do centro da cidade durante dois dias da di sput as festa. Em setembro, A relação entre os ternos do município de (normalmente palavras com Uberlândia se dá independente das relações dos ternos com a cargas mágicas) que um terno Irmandade e das datas de constituição dos ternos na cidade de f az para o out ro. Antes do Uberlândia. Essas relações fazem parte de um tempo não cronológico, encontro eles demandava, eles que integra a tradição à história de vida de cada família. fazia a festa particular assim. da s cant ori as A questão familiar move as relações entre os ternos, elas se (...)Um ia cantando depois não iniciam no interior deles como explica Dolores: O capitão do meu dava conta de canta, perdia o terno é casado, a mulher dele ajuda minha filha a comandar as verso. Era demanda mesmo. meninas da bandeira, ajuda a fazê campanha (entrevista, 2001) A Não sei o povo antigo era bobo filha dela, Antônia, é a madrinha de bandeira do terno, hoje ocupa o demais. Às vezes, um cantava lugar de sua mãe, falecida em 2006, como dona do terno. A relação mais bonito, o outro atrapalhava familiar no interior dos ternos se constitui então a partir de um núcleo o outro (Dolores, entrevista, familiar que agrega outras famílias formando uma família ampliada. 2001). Essas relações foram 70 construídas no passado, mas que Nascimento, dos fins do século XIX, Congo e dos Matinada (Benedito também, através das memórias Silva), Catupé, década de 1940, na verdade, são núcleos familiares sociais, são reconstruídas hoje, que ampliados expressam experiências do tempo diferentes, que se reafirmando núcleos familiares de apresentam como tradições diversas. Os descendentes das cinco tradições distintas, inaugurando famílias têm um poder baseado na acumulação de conhecimento outros de procedência de alguma imaterial. dessas já sólidas tradições A história familiar é permeada de tempos passados onde essas categorias identitárias foram germinadas e que cultivadas se praticadas no Congado. A ref erênci a a uma adaptam às condições do tempo histórico, que está sendo vivido. A cultura diferente que as tradições circunstância de formação daquele terno em relação aquela família do Congado insistem em mostrar vai consolidar as diferentes nações de procedência, Catupé, Marinheiro, é entendida a partir do significado Moçambique e Congo, e cada família ao assumir uma dessas da essa tradições assume também símbolos que representem a nação e população. Cada família carrega também o seu lugar dentro do conjunto, ou seja, o seu tempo de o conhecimento de seu ancestral experiência. Nas experiências da própria festa, de preparação dessa e esse não é igual aquele. O ritual e do cotidiano do grupo, o núcleo familiar atualiza o conhecimento ensinado através da oralidade no oral e espiritual, através da ritualização do Congado. E as relações interior de cada família pertence entre os ternos vão se dando na medida das relações entre as famílias ao conhecimento daquele avô e e os rituais que lhes pertencem. Algumas vezes, esses rituais daquela avó que desde seus avós familiares se aproximam de outros de outras famílias e outras vezes e av ôs v êm recebendo os se afastam, criando a dinâmica do próprio Congado. orali dade para fundamentos daquele grupo ou etnia africana. As famílias de 5 . 1. 6 . E n con t r o s d e Te r no s : Gessy (Adão Ferreira), Inácio e Miguel, que constituíram ternos A agenda anual do congadeiro não se restringe à festa ou em Uberlândia em meados da aos preparativos da festa. Entre as famílias e os dançantes se cria década de 60 do século XX, uma rede de relacionamentos que permeiam várias instâncias da vida respectivamente, Marinheiro, cotidiana. Durante o ano todo, os congadeiros fazem eventos uns Catupé e Moçambique; a dos para os outros, ampliando os contatos entre si e também entre a