Grupo de Trabalho 04 Título do Trabalho: O ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI E O MUNDO DO TRABALHO Autor(a): Beatriz Saks Hahne (Psicóloga, Associação Horizontes ); Marília Rovaron (Cientista Social, Associação Horizontes) RESUMO: O presente projeto tem o objetivo de analisar o acesso ao mundo do trabalho pela juventude brasileira, especificamente dos adolescentes em conflito com a lei, a partir da nova ideologia de educação profissional imposta a essa juventude, no contexto da reestruturação produtiva, vigente no país desde a década de 1990. A pergunta que buscamos responder com este estudo é: quais são as perspectivas desta parcela da juventude brasileira, com os atuais paradigmas impostos ao mundo do trabalho? Nossa hipótese é que não existem condições iguais de oportunidade de acesso ao trabalho por essa juventude dentro do modelo de educação profissional vigente, pautado em uma política capitalista global desigual e excludente, que limita o acesso dessa juventude à precarização e a subcontratação do trabalho, em condições degradantes e sem perspectivas de construção da emancipação humana e das relações sociais, que entendemos ser a gênese do trabalho. PALAVRAS-CHAVE: Trabalho, Direitos Humanos, Reestruturação Produtiva, Qualificação Profissional, Juventude, Adolescentes em conflito com a lei. ABSTRACT: This article aims to access to work by Brazilian youth, specifically adolescents in conflict with the law, based on the new ideology of professional education imposed on the youth in the context of restructuring productive force in the country since the 1990s. The question we seek to answer is: What are the perspectives of this population, with current paradigms imposed on the world of work? Our hypothesis is that there are not equal conditions of access to work opportunities for the youth within the prevailing model of professional education, based on an unequal and excluding policy in global capitalism, limiting access of youth to precariousness and outsourcing of work, in degrading conditions and without prospects for emancipation of human and social relations, which we believe is the genesis of the work. 1 PALAVRAS-CHAVE: Work, Human Rights, Productive Restructuring, Professional Qualification, Youth, Adolescents in conflict with the law. 2 INTRODUÇÃO Para alcançarmos os objetivos propostos neste projeto, fazemos uso de uma orientação teórico-metodológica no campo do marxismo e da psicanálise. Entendemos que esses referenciais são os que melhor correspondem aos nossos objetivos analíticos de considerar a totalidade dos fenômenos a serem analisados, isto é, entendemos que a relação entre o todo e as partes possuem uma conexão que deve ser devidamente mediatizada, considerando-se sua universalidade, singularidade e particularidade. Outro aspecto que nos faz optar por este núcleo teórico-metodológico é o fato de envolver uma reflexão que traz uma perspectiva de classe, fazendo um resgate histórico de nosso passado e suas bases econômicas e sociais para assim termos condições de compreender o mundo do trabalho onde estamos inseridos e buscar um mundo novo. Este trabalho é embasado nas experiências cotidianas com as quais nos deparamos em meio à atuação junto aos meninos e meninas que se encontram em cumprimento de medida socioeducativa de privação de liberdade. É escrito, também, com a investida de que possa ser um meio possível das autoras elaborarem um tanto do cotidiano vivido – e sofrido – em meio à realidade aqui apresentada. Nossa escolha por este tema é justificada pelo trabalho que desenvolvemos com essa população. Atualmente fazemos parte da Associação Horizontes, uma entidade não governamental situada em São Paulo que mantém um convênio com a Fundação CASA (antiga Febem) para execução dos cursos de qualificação profissional básica dos adolescentes que estão cumprindo medida socioeducativa de internação nos centros da região metropolitana de São Paulo e litoral do Estado. Somos parte da equipe responsável pela coordenação desse trabalho e todas as atividades que desenvolvemos geram uma análise crítica, enquanto profissionais de diversos campos, como Sociologia e Psicologia. Desse modo, pensamos ser fundamental que os atores envolvidos nos processos educativos, sobretudo no campo da formação para o trabalho, problematizem os diversos aspectos que compõem as relações sociais e históricas dos indivíduos, principalmente da 3 juventude, para além das regras e procedimentos já estabelecidos nos campos técnicos. O trabalho junto ao adolescente em conflito com a lei é exigente em razão das múltiplas questões que nos coloca o objeto – os sujeitos: quem são, qual a história anterior, o local de retorno após a internação, o acesso (ou a falta de) à justiça, a faixa etária, dentre outras questões sobre as quais somos obrigados a pensar uma vez que não optamos pela imparcialidade e nos colocamos enquanto possíveis agentes de transformação de uma realidade social que ininterruptamente se mostra inadequada e ineficaz na real inclusão de seus atores. Ainda assim, carregamos a tranquilidade da certeza de que as perguntas não se esgotam, mas que a abordagem do tema possibilita o acesso possível e próximo aos sujeitos com os quais trabalhamos. Trassi (2006) afirma a importância do questionamento inesgotável, que considera o sujeito através dos diferentes olhares que o perpassam: ...Há o benefício da perplexidade: mais perguntas do que respostas, a possibilidade de desvendamentos de aspectos obscuros da singularidade do sujeito-personagem e de outros aspectos do fenômeno, na medida em que os personagens são, também, construções biográficas em/de uma circunstância histórica (p. 18). OS NINGUÉNS1: ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI Sempre tratada como uma “questão pública” na sociedade moderna e contemporânea, a juventude geralmente é classificada como violenta, promíscua e conflituosa, ao mesmo tempo em que é considerada um fortíssimo consumidor e também agente de transformações sociopolíticas. Grande parte dos estudos sobre este tema converge para a afirmação de que, a partir da Revolução Industrial, a juventude passa a ser rotulada como delinquente, desregrada, viciada e criminosa. Diversos campos procuram realizar diagnósticos acerca da juventude e assim, explicar e “dar conta” de seus “problemas”. Existem as concepções biológicas, que tratam da puberdade e do corpo; a Psicologia, que utiliza o termo adolescência e se baseia na formação da personalidade e a Sociologia, que utiliza o termo juventude e, por vezes, 1 Menção ao poema “Os Ninguéns”, de Eduardo Galeano. 4 contempla o termo adolescência, como uma subcategoria. Há que se apresentar, ainda que brevemente, o período da adolescência, pois é justificativa do local aonde se dá nossa intervenção, ou seja, da escolha pelo trabalho com indivíduos que cumprem medida de internação nesta etapa da vida. Para uma análise da juventude, em qualquer aspecto, acreditamos que seja fundamental ter clareza de que todos os campos da ciência são necessários e todos os saberes se complementam. Embora nosso pressuposto seja o de que as condições histórico-sociais são determinantes, para se pensar no jovem como um ser completo faremos uso também das explicações biológicas e psicológicas, pois além das estruturas e dinâmicas histórico-sociais devemos considerar a transformação do corpo, a crise de identidade e o conflito de gerações que marcam, de forma concreta tal juventude, além de suas especificidades (classes sociais, gênero, etnia, territorialidade, religião, etc.). Ou seja, partimos de uma perspectiva que vê o ser social em sua totalidade. Vale lembrar que essa fase da vida é marcada por um entendimento dos jovens sobre quem são, por que existem e qual o sentido dessa existência, além da busca em se situar no entorno, nas relações sociais e nas atitudes individuais que configuram um modo específico de ser, de agir diante do grupo ao qual pertencem ou buscam pertencer, da família e da sociedade, na qual o conhecimento se apresenta cada vez mais fragmentado, refletindo nesses jovens. Dessa forma, cabe afirmar que em nossa realidade concreta, não temos “uma juventude” específica, e sim: “várias juventudes” 2. Trataremos, em nossos estudos, da juventude brasileira, na faixa etária de 12 a 21 anos3, que cumpre medida socioeducativa, ou seja, que está em conflito com a lei. Razão desta abordagem está, também, na constatação diária do discurso popular de que o adolescente, uma vez que cometa ato infracional, tem toda 2 COSTANZI, Rogério Nagamin. Trabalho decente e juventude no Brasil. Brasília: Organização Internacional do Trabalho, 2009. 3 Apesar de a faixa etária de 15 a 24 anos tradicionalmente ser empregada pelas Nações Unidas como período que compreende a juventude, utilizaremos em nosso trabalho o conceito de juventude como a população com faixa etária entre 12 e 21 anos, conforme estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA –, a ser passível de cumprimento de Medida Socioeducativa. 5 sua vida definida – pelo ato e pela completa consciência (imaginada) de que o cometeu e por qual razão. O saber social que afirma quem é este adolescente – que, por ser de classe baixa, é o dito “menor”- em seu não aprofundamento da questão recorre no erro de condenar esse sujeito à exclusão social cada vez mais cedo, daí, por exemplo, o atual projeto de redução da maioridade penal, que diz não como deve ser o tratamento fornecido ao adolescente, mas sim que a exclusão é fator necessário para resolução da questão. O desconhecimento sobre quem é o adolescente e, particularmente, o adolescente autor de ato infracional hoje é, também, justificativa para este estudo... Não se conhece a repercussão dos ideais culturais nele projetados, os efeitos da ruptura com os valores da história e da tradição, as marcas psíquicas das vivências neste ambiente social (Trassi, p. 18). Nasio (2010) define o período da adolescência a partir de três pontos fundamentais e interligados: o biológico, o psicanalítico e o sociológico. O primeiro trata das mudanças no corpo – crescimento dos pêlos, mudanças na voz, sexualidade; o segundo significa em embasamento teórico, adotado pelo autor, segundo o qual, “tudo nele (o adolescente) é contraste e contradição” (p. 15). Por fim, a compreensão sociológica afirma ser a adolescência o “período de transição entre a dependência infantil e a emancipação do jovem adulto” (p.14). Ainda, afirma que em nossa sociedade (diferentemente de outras culturas), o tempo para alcance de autonomia é longo, ficando o jovem financeiramente e emocionalmente dependente da família por mais tempo, umas das causas sendo o aumento do desemprego. Em seu livro A Adolescência, Calligaris (2009) define o adolescente como aquele que foi “instruído e treinado por mil caminhos – pela escola, pelos pais, pela mídia – para adotar os ideais da comunidade” (p. 15). Continua defendendo ser a adolescência um período de moratória, no qual o adolescente, não sendo mais criança, e ainda não atingindo a idade adulta, tem como uma das “tarefas” buscar compreender o que, inconscientemente, os adultos lhe pedem e dele esperam. Um dos exemplos do que o autor coloca como realização, pelo adolescente, dos desejos inconscientes dos adultos, está no ato infracional: “a idealização do que está fora da lei é própria à cultura 6 moderna” (p. 27). Ainda além, a idealização do fora-da-lei faria parte da cultura popular como forma de compensar os “pedidos” paradoxais socialmente impostos. Dados estatísticos recentes4 sobre jovens que cumprem medida socioeducativa de internação atualmente apontam, para região sudeste, uma maioria de adolescentes que cometeram primeiro ato infracional na faixa entre 15 e 17 anos de idade (46,2%), seguido de 45% que o fizeram entre 12 e 14 anos, sendo que 60% deles estavam em primeira internação e 39,7% eram reincidentes. Em nossa atuação, em conversa com os alunos, é recorrente falas de que a dificuldade no acesso à escola e/ou emprego é um importante fator que contribui para o retorno ao crime – nesse sentido, é também notável a vinculação desses desafios à auto-imagem que os adolescentes possuem e à possibilidade de se imaginarem em outra atuação que não a ilegal. De forma geral, ao buscarmos o perfil dos adolescentes que cumprem medida socioeducativa no Brasil hoje, verificaremos que se trata de um adolescente pobre, morador da periferia e negro. O fato da existência expressivamente menor de adolescentes pertencentes a outro grupo social – brancos, moradores de áreas nobres da cidade – não significa que não haja envolvimento dos jovens das classes média e alta com atos infracionais. Significa que a desigualdade no acesso à justiça é mais um dos elementos responsáveis pela criminalização da pobreza e estigmatização do adolescente pobre que é feito refém da suspeição generalizada5. Não pretendemos limitar a desigualdade social como o único fator responsável pela prática do ato infracional, mas não podemos ignorar que esta é, sem dúvida, a causa principal da criminalidade no Brasil. Há que se considerar diferenças importantes em relação ao alcance às oportunidades de atendimento à saúde, educação, lazer, emprego e outros. Dizer isso é afirmar que, quando atuamos nas unidades de atendimento, trabalhamos - mais que com uma faixa etária -, com uma parcela restrita da sociedade e que 4 Panorama nacional „A execução das medidas socioeducativas de internação‟. Programa Justiça ao Jovem. 5 Estratégia nomeada por Sidney Chalhoub para explicar a forma utilizada para controlar a população negra recém liberta, no fim do século XIX. 7 compreender isso é poder estruturar formas de alcance a esses sujeitos que, de fato, tenham significado e aprofundamento. Desta forma, o que buscamos lembrar é que, ainda que uma condição apenas não defina o ato infracional – ou a vida desses sujeitos -, há condições interrelacionadas que, ainda que não concluam o futuro desses jovens, certamente não permite largas (ou justas) possibilidades de alteração econômica e social. 8 O SENTIDO E OS LIMITES DO TRABALHO No Brasil, a reestruturação produtiva6 teve inicio na década de 1980, quando começam a ser implantadas no país algumas técnicas e princípios organizacionais do toyotismo. No entanto, tal reestruturação só é intensificada na década de 1990, principalmente pela política neoliberal do então Presidente da República Fernando Henrique Cardoso. Neste período ocorreram diversas reformas, que visavam à reestruturação do Estado, entre elas a educação em termos gerais e também a da educação profissionalizante. O objetivo da reestruturação era adequar o Estado e as políticas sociais à gênese dos fundamentos macroeconômicos, utilizando, para tanto, ajustes fiscais e liberação do mercado – o que significa, basicamente: privatização, flexibilização, da legislação trabalhista e profunda desregulação financeira. Como não há vagas para todos no “mercado de trabalho”, ainda que os sujeitos tenham as competências necessárias para executarem determinada função, não existem garantias de que será empregado, tamanho é o excedente da força de trabalho. Segundo Gentili (2002), “isso não significa, então, para o discurso dominante, garantia de integração, senão melhores condições de competição para sobreviver na luta pelos poucos empregos disponíveis: alguns sobreviverão, outros não.” Dessa maneira, o capital utiliza da estratégia de eliminar os trabalhadores considerados “inadaptáveis” e “problemáticos”, o que caracteriza um mecanismo de pressão para os que continuam nos empregos – e vivem constantemente sob ameaça de desemprego. O caminho seguido pelo governo FHC (que em certa medida continuou no governo posterior) é o da privatização do Estado, que segue a lógica do mercado, reduzindo as políticas sociais e destruindo os direitos educacionais e 6 Como forma de responder à crise vigente, o capital desenvolveu o complexo de reestruturação produtiva, que se pautava, sobretudo, na formação da classe trabalhadora. A reestruturação produtiva, produto da ofensiva do capital, é o desenvolvimento de formas inéditas de gestão da produção, das novas tecnologias, do trabalho flexível e da formação do tipo ideal de trabalhador. No bojo de suas ações, ela apresenta novas ideias e teorias sobre a nova ordem do mundo do trabalho. Nesse contexto, surgem termos como sociedade da informação, sociedade de conhecimento, empregabilidade, sociedade cognitiva, competências, entre outros. 9 trabalhistas. Tal contexto gera a política de criminalização da pobreza, que podemos reduzir à culpabilização dos pobres por sua situação social, o que gera a naturalização da pobreza e atinge, de forma cruel, a juventude (Batista, 2003). A partir da reestruturação produtiva os novos programas de qualificação profissional buscam moldar a juventude pobre para que tenha condições mínimas de aproveitamento do capital. É importante destacar que tais programas são notavelmente direcionados para as camadas economicamente desfavorecidas da população, uma vez que é pouco ou nada atraente para as classes privilegiadas, pois não oferecem os requisitos necessários para a continuidade dos estudos em níveis superiores, ao mesmo tempo em que procuram dar conta da formação de mão de obra para as funções mais baixas e mal remuneradas do chamado mercado de trabalho. A qualificação profissional exercida no Brasil, a partir da década de 1990, se reduz a um treinamento da mão de obra para o mercado de trabalho. Há, também, o objetivo da geração de trabalho e renda, que se reduzem à capacidade de cada indivíduo e seus esforços para entrada e permanência neste mercado. A vulnerabilidade social7 da juventude brasileira não permite que a qualificação profissional avance e restitua ao trabalhador a possibilidade de transformar-se e desenvolver-se através do trabalho. A exigência mínima necessária para tal desenvolvimento é que o sujeito domine as competências básicas da educação formal. Basta pensarmos em qual educação formal a juventude pobre tem acesso no Brasil e saberemos que o mínimo necessário não é garantido. Ou seja, a exclusão que inicialmente se dá no âmbito escolar tem continuidade no campo do trabalho. Segundo a Organização Internacional do Trabalho – OIT – o desemprego no Brasil é: juvenil feminino, negro e metropolitano. Ainda segundo esta 7 Vulnerabilidade social é o resultado negativo da relação entre a disponibilidade dos recursos materiais ou simbólicos dos atores, sejam eles indivíduos ou grupos, e o acesso à estrutura de oportunidades sociais, econômicas, culturais que provêm do Estado, do mercado e da sociedade. Esse resultado se traduz em debilidades ou desvantagens para o desempenho e mobilidade social dos atores. Em tal conceito nos baseamos em ABRAMOVAY, Miriam. Juventude, violência e vulnerabilidade social na América Latina: desafios para políticas públicas / Miriam Abramovay et alii. – Brasília: UNESCO, BID, 2002. 10 organização, em 2010 havia 15 milhões de jovens excluídos do mercado de trabalho formal no Brasil, sendo 11 milhões ocupados no setor informal, de forma precária, sem os direitos sociais e trabalhistas básicos. Nosso panorama é: de um lado, temos um mercado de trabalho globalizado, com necessidades específicas e, de outro, a fragilidade de um sistema educacional totalmente excludente, com altos índices de analfabetismo, que resulta na acentuação das desigualdades sociais e na forte restrição dos horizontes de vida. Ao contrário do que ocorre na prática, a qualificação profissional deve trazer elementos que instrumentalizem o trabalhador no desenvolvimento autônomo de suas competências através do trabalho. É ela que gera a possibilidade de reconhecer, apropriar-se dos saberes e transformar a produção a partir de sua organização, valendo-se dos conhecimentos técnicos e científicos adquiridos. Dessa maneira, é inviável pensarmos na qualificação como um fator separado da divisão social do trabalho e, conseqüentemente, na luta de classes. Quem detém o conhecimento, na sociedade contemporânea, denominada de Sociedade do Conhecimento, tem a chave das portas da inclusão social, que lhe permite transitar no mercado de trabalho em busca da melhor colocação, enquanto os excluídos do saber ficam limitados a acompanhar tudo de longe, à margem da dinâmica econômica, sem valor nenhum de troca como força de trabalho. O que há é uma meritocracia individualista, que vincula o lugar que o trabalho ocupa no mercado de trabalho apenas aos seus méritos pessoais, desconsiderando totalmente a força que as determinações sociais têm nesses. Se acima falávamos sobre o período de moratória do adolescente, é possível apontar que tal verdade não se aplica aos jovens que encontramos nas unidades de internação, que, de forma geral, desde cedo colaboram em casa cuidando dos irmãos, buscando formas de contribuir financeiramente (legalmente ou não) e, em muitos casos, se tornam pais desde cedo 8. O imperativo da necessidade os fazia escolher o trabalho e não a escola para assegurar a sobrevivência pessoal e da família, ou “escolhiam” outras estratégias de sobrevivência, como o delito, por exemplo (Trassi, p. 26). 8 Relatório produzido pelo CNJ (Conselho nacional de justiça) em 2012 apontou que 14% dos jovens entrevistados, em internação, possuíam pelo menos um filho. 11 Admite-se que a violência, como todo fenômeno social, é determinada pela concatenação de vários fatores interligados, como contexto socioeconômico, relações comunitárias, características individuais, aspectos circunstanciais, etc. Os números referentes à correlação entre raça e vítimas de homicídios, porém, apontam para a força com que as determinações históricas se fazem presentes no contexto socioeconômico e portanto são decisivas na compreensão da violência (Roman, p. 92, 2009). Tal situação influi diretamente nas escolhas que este jovem poderá fazer ao buscar sua inserção no mercado de trabalho; é nesse contexto que tende a se dar a vinculação do adolescente ao ilícito. Fefferman (2009) aponta pesquisa realizada com jovens atuantes no tráfico de drogas, por meio do qual muitos afirmavam o reconhecimento social importante para construção da identidade – nesse sentido, o trabalho no tráfico confere aos jovens um lugar de destaque que dificilmente seria alcançado de outra forma, quando consideramos o nível de escolaridade que conseguem atingir e as ofertas de trabalho: “pode-se dizer que o mercado ilegal se constitui como resposta à marginalidade econômica” (p. 63). Para conhecermos quem são os adolescentes e o que eles pensam do mundo precisamos tirar o véu da naturalidade que cobre nossos olhos e enxergarmos além do que comodamente nos habituamos a ver. A invisibilidade descaracteriza o indivíduo enquanto um ser social pertencente a uma sociedade e as maneiras encontradas por estes indivíduos para saírem desse estado de “seres invisíveis” gera incômodo e medo aos olhos acostumados a não ver, a não reconhecer. O desafio que enfrentamos diariamente para além do nosso campo de trabalho é o da necessidade de fazermos uma leitura verdadeira de quais são as responsabilidades destes adolescentes e quais são as nossas responsabilidades nas relações que mantemos entre nós, sem perder de vista que em qualquer processo educativo precisamos humanizar o outro e, cotidianamente, humanizar-nos, pois acreditar na construção de um mundo livre das desigualdades sociais, onde todos tenham seus direitos realmente 12 assegurados e não sejam submetidos à barbárie dos privilégios é mais do que nossa esperança, é nosso dever enquanto profissionais e sociedade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAMOVAY, Miriam. Juventude, violência e vulnerabilidade social na América Latina: desafios para políticas públicas / Miriam Abramovay et alii. – Brasília: UNESCO, BID, 2002. ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho – ensaio sobre afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 1999. CALLIGARIS, Contardo. A Adolescência. São Paulo: Publifolha, 2009. COSTANZI, Rogério Nagamin. Trabalho decente e juventude no Brasil. Brasília: Organização Internacional do Trabalho, 2009. FEFERMANN, Marisa. Os jovens inscritos no tráfico de drogas: os trabalhadores ilegais e invisíveis / visíveis. In: BOCAYUVA, Helena; NUNES, Silvia Alexim (org.) Juventudes, subjetivações e violências. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2009. FRIGOTTO, Gaudêncio. A produtividade da escola improdutiva. São Paulo: Editora Cortez, 1984. GENTILI, Pablo A. Três teses sobre a relação trabalho e educação em tempos neoliberais. In: LOMBARDI, J. C.; SAVIANI, D.; SANFELICE, J. L. (orgs.). Capitalismo, trabalho e educação. 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