Grupo de Trabalho 04
Título do Trabalho: O ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI E O
MUNDO DO TRABALHO
Autor(a): Beatriz Saks Hahne (Psicóloga, Associação Horizontes ); Marília
Rovaron (Cientista Social, Associação Horizontes)
RESUMO: O presente projeto tem o objetivo de analisar o
acesso ao mundo do trabalho pela juventude brasileira,
especificamente dos adolescentes em conflito com a lei,
a partir da nova ideologia de educação profissional
imposta a essa juventude, no contexto da reestruturação
produtiva, vigente no país desde a década de 1990. A
pergunta que buscamos responder com este estudo é:
quais são as perspectivas desta parcela da juventude
brasileira, com os atuais paradigmas impostos ao mundo
do trabalho? Nossa hipótese é que não existem
condições iguais de oportunidade de acesso ao trabalho
por essa juventude dentro do modelo de educação
profissional vigente, pautado em uma política capitalista
global desigual e excludente, que limita o acesso dessa
juventude à precarização e a subcontratação do trabalho,
em condições degradantes e sem perspectivas de
construção da emancipação humana e das
relações sociais, que entendemos ser a gênese do
trabalho.
PALAVRAS-CHAVE: Trabalho, Direitos Humanos,
Reestruturação Produtiva, Qualificação Profissional,
Juventude, Adolescentes em conflito com a lei.
ABSTRACT: This article aims to access to work by
Brazilian youth, specifically adolescents in conflict with the
law, based on the new ideology of professional education
imposed on the youth in the context of restructuring
productive force in the country since the 1990s. The
question we seek to answer is: What are the perspectives
of this population, with current paradigms imposed on the
world of work? Our hypothesis is that there are not equal
conditions of access to work opportunities for the youth
within the prevailing model of professional education,
based on an unequal and excluding policy in global
capitalism, limiting access of youth to precariousness and
outsourcing of work, in degrading conditions and without
prospects for emancipation of human and social relations,
which we believe is the genesis of the work.
1
PALAVRAS-CHAVE: Work, Human Rights, Productive
Restructuring,
Professional
Qualification,
Youth,
Adolescents in conflict with the law.
2
INTRODUÇÃO
Para alcançarmos os objetivos propostos neste projeto, fazemos uso de uma
orientação teórico-metodológica no campo do marxismo e da psicanálise.
Entendemos que esses referenciais são os que melhor correspondem aos
nossos objetivos analíticos de considerar a totalidade dos fenômenos a serem
analisados, isto é, entendemos que a relação entre o todo e as partes possuem
uma conexão que deve ser devidamente mediatizada, considerando-se sua
universalidade, singularidade e particularidade. Outro aspecto que nos faz
optar por este núcleo teórico-metodológico é o fato de envolver uma reflexão
que traz uma perspectiva de classe, fazendo um resgate histórico de nosso
passado e suas bases econômicas e sociais para assim termos condições de
compreender o mundo do trabalho onde estamos inseridos e buscar um mundo
novo.
Este trabalho é embasado nas experiências cotidianas com as quais nos
deparamos em meio à atuação junto aos meninos e meninas que se encontram
em cumprimento de medida socioeducativa de privação de liberdade. É escrito,
também, com a investida de que possa ser um meio possível das autoras
elaborarem um tanto do cotidiano vivido – e sofrido – em meio à realidade aqui
apresentada. Nossa escolha por este tema é justificada pelo trabalho que
desenvolvemos com essa população. Atualmente fazemos parte da Associação
Horizontes, uma
entidade não governamental situada em São Paulo que
mantém um convênio com a Fundação CASA (antiga Febem) para execução
dos cursos de qualificação profissional básica dos adolescentes que estão
cumprindo medida socioeducativa de internação nos centros da região
metropolitana de São Paulo e litoral do Estado. Somos parte da equipe
responsável pela coordenação desse trabalho e todas as atividades que
desenvolvemos geram uma análise crítica, enquanto profissionais de diversos
campos, como Sociologia e Psicologia. Desse modo, pensamos ser
fundamental que os atores envolvidos nos processos educativos, sobretudo no
campo da formação para o trabalho, problematizem os diversos aspectos que
compõem as relações sociais e históricas dos indivíduos, principalmente da
3
juventude, para além das regras e procedimentos já estabelecidos nos campos
técnicos.
O trabalho junto ao adolescente em conflito com a lei é exigente em razão das
múltiplas questões que nos coloca o objeto – os sujeitos: quem são, qual a
história anterior, o local de retorno após a internação, o acesso (ou a falta de) à
justiça, a faixa etária, dentre outras questões sobre as quais somos obrigados a
pensar uma vez que não optamos pela imparcialidade e nos colocamos
enquanto possíveis agentes de transformação de uma realidade social que
ininterruptamente se mostra inadequada e ineficaz na real inclusão de seus
atores. Ainda assim, carregamos a tranquilidade da certeza de que as
perguntas não se esgotam, mas que a abordagem do tema possibilita o acesso
possível e próximo aos sujeitos com os quais trabalhamos. Trassi (2006) afirma
a importância do questionamento inesgotável, que considera o sujeito através
dos diferentes olhares que o perpassam: ...Há o benefício da perplexidade:
mais perguntas do que respostas, a possibilidade de desvendamentos de
aspectos obscuros da singularidade do sujeito-personagem e de outros
aspectos do fenômeno, na medida em que os personagens são, também,
construções biográficas em/de uma circunstância histórica (p. 18).
OS NINGUÉNS1: ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI
Sempre tratada como uma “questão pública” na sociedade moderna e
contemporânea, a juventude geralmente é classificada como violenta,
promíscua e conflituosa, ao mesmo tempo em que é considerada um fortíssimo
consumidor e também agente de transformações sociopolíticas. Grande parte
dos estudos sobre este tema converge para a afirmação de que, a partir da
Revolução Industrial, a juventude passa a ser rotulada como delinquente,
desregrada,
viciada
e
criminosa.
Diversos campos procuram realizar
diagnósticos acerca da juventude e assim, explicar e “dar conta” de seus
“problemas”. Existem as concepções biológicas, que tratam da puberdade e do
corpo; a Psicologia, que utiliza o termo adolescência e se baseia na formação
da personalidade e a Sociologia, que utiliza o termo juventude e, por vezes,
1
Menção ao poema “Os Ninguéns”, de Eduardo Galeano.
4
contempla o termo adolescência, como uma subcategoria. Há que se
apresentar, ainda que brevemente, o período da adolescência, pois é
justificativa do local aonde se dá nossa intervenção, ou seja, da escolha pelo
trabalho com indivíduos que cumprem medida de internação nesta etapa da
vida.
Para uma análise da juventude, em qualquer aspecto, acreditamos que seja
fundamental ter clareza de que todos os campos da ciência são necessários e
todos os saberes se complementam. Embora nosso pressuposto seja o de que
as condições histórico-sociais são determinantes, para se pensar no jovem
como um ser completo faremos uso também das explicações biológicas e
psicológicas, pois além das estruturas e dinâmicas histórico-sociais devemos
considerar a transformação do corpo, a crise de identidade e o conflito de
gerações que marcam, de forma concreta tal juventude, além de suas
especificidades (classes sociais, gênero, etnia, territorialidade, religião, etc.).
Ou seja, partimos de uma perspectiva que vê o ser social em sua totalidade.
Vale lembrar que essa fase da vida é marcada por um entendimento dos
jovens sobre quem são, por que existem e qual o sentido dessa existência,
além da busca em se situar no entorno, nas relações sociais e nas atitudes
individuais que configuram um modo específico de ser, de agir diante do grupo
ao qual pertencem ou buscam pertencer, da família e da sociedade, na qual o
conhecimento se apresenta cada vez mais fragmentado, refletindo nesses
jovens. Dessa forma, cabe afirmar que em nossa realidade concreta, não
temos “uma juventude” específica, e sim: “várias juventudes” 2. Trataremos, em
nossos estudos, da juventude brasileira, na faixa etária de 12 a 21 anos3, que
cumpre medida socioeducativa, ou seja, que está em conflito com a lei.
Razão desta abordagem está, também, na constatação diária do discurso
popular de que o adolescente, uma vez que cometa ato infracional, tem toda
2
COSTANZI, Rogério Nagamin. Trabalho decente e juventude no Brasil. Brasília: Organização
Internacional do Trabalho, 2009.
3
Apesar de a faixa etária de 15 a 24 anos tradicionalmente ser empregada pelas Nações
Unidas como período que compreende a juventude, utilizaremos em nosso trabalho o conceito
de juventude como a população com faixa etária entre 12 e 21 anos, conforme estabelecido
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA –, a ser passível de cumprimento de Medida
Socioeducativa.
5
sua vida definida – pelo ato e pela completa consciência (imaginada) de que o
cometeu e por qual razão. O saber social que afirma quem é este adolescente
– que, por ser de classe baixa, é o dito “menor”- em seu não aprofundamento
da questão recorre no erro de condenar esse sujeito à exclusão social cada vez
mais cedo, daí, por exemplo, o atual projeto de redução da maioridade penal,
que diz não como deve ser o tratamento fornecido ao adolescente, mas sim
que a exclusão é fator necessário para resolução da questão.
O desconhecimento sobre quem é o adolescente e, particularmente, o
adolescente autor de ato infracional hoje é, também, justificativa para este
estudo... Não se conhece a repercussão dos ideais culturais nele projetados,
os efeitos da ruptura com os valores da história e da tradição, as marcas
psíquicas das vivências neste ambiente social (Trassi, p. 18).
Nasio (2010) define o período da adolescência a partir de três pontos
fundamentais e interligados: o biológico, o psicanalítico e o sociológico. O
primeiro trata das mudanças no corpo – crescimento dos pêlos, mudanças na
voz, sexualidade; o segundo significa em embasamento teórico, adotado pelo
autor, segundo o qual, “tudo nele (o adolescente) é contraste e contradição” (p.
15). Por fim, a compreensão sociológica afirma ser a adolescência o “período
de transição entre a dependência infantil e a emancipação do jovem adulto”
(p.14). Ainda, afirma que em nossa sociedade (diferentemente de outras
culturas), o tempo para alcance de autonomia é longo, ficando o jovem
financeiramente e emocionalmente dependente da família por mais tempo,
umas das causas sendo o aumento do desemprego.
Em seu livro A Adolescência, Calligaris (2009) define o adolescente como
aquele que foi “instruído e treinado por mil caminhos – pela escola, pelos pais,
pela mídia – para adotar os ideais da comunidade” (p. 15). Continua
defendendo ser a adolescência um período de moratória, no qual o
adolescente, não sendo mais criança, e ainda não atingindo a idade adulta, tem
como uma das “tarefas” buscar compreender o que, inconscientemente, os
adultos lhe pedem e dele esperam. Um dos exemplos do que o autor coloca
como realização, pelo adolescente, dos desejos inconscientes dos adultos,
está no ato infracional: “a idealização do que está fora da lei é própria à cultura
6
moderna” (p. 27). Ainda além, a idealização do fora-da-lei faria parte da cultura
popular como forma de compensar os “pedidos” paradoxais socialmente
impostos.
Dados
estatísticos
recentes4
sobre
jovens
que
cumprem
medida
socioeducativa de internação atualmente apontam, para região sudeste, uma
maioria de adolescentes que cometeram primeiro ato infracional na faixa entre
15 e 17 anos de idade (46,2%), seguido de 45% que o fizeram entre 12 e 14
anos, sendo que 60% deles estavam em primeira internação e 39,7% eram
reincidentes. Em nossa atuação, em conversa com os alunos, é recorrente
falas de que a dificuldade no acesso à escola e/ou emprego é um importante
fator que contribui para o retorno ao crime – nesse sentido, é também notável a
vinculação desses desafios à auto-imagem que os adolescentes possuem e à
possibilidade de se imaginarem em outra atuação que não a ilegal.
De forma geral, ao buscarmos o perfil dos adolescentes que cumprem medida
socioeducativa no Brasil hoje, verificaremos que se trata de um adolescente
pobre, morador da periferia e negro. O fato da existência expressivamente
menor de adolescentes pertencentes a outro grupo social – brancos,
moradores de áreas nobres da cidade – não significa que não haja
envolvimento dos jovens das classes média e alta com atos infracionais.
Significa que a desigualdade no acesso à justiça é mais um dos elementos
responsáveis pela criminalização da pobreza e estigmatização do adolescente
pobre que é feito refém da suspeição generalizada5.
Não pretendemos limitar a desigualdade social como o único fator responsável
pela prática do ato infracional, mas não podemos ignorar que esta é, sem
dúvida, a causa principal da criminalidade no Brasil. Há que se considerar
diferenças importantes em relação ao alcance às oportunidades de
atendimento à saúde, educação, lazer, emprego e outros. Dizer isso é afirmar
que, quando atuamos nas unidades de atendimento, trabalhamos - mais que
com uma faixa etária -, com uma parcela restrita da sociedade e que
4
Panorama nacional „A execução das medidas socioeducativas de internação‟. Programa
Justiça ao Jovem.
5
Estratégia nomeada por Sidney Chalhoub para explicar a forma utilizada para controlar a
população negra recém liberta, no fim do século XIX.
7
compreender isso é poder estruturar formas de alcance a esses sujeitos que,
de fato, tenham significado e aprofundamento.
Desta forma, o que buscamos lembrar é que, ainda que uma condição apenas
não defina o ato infracional – ou a vida desses sujeitos -, há condições
interrelacionadas que, ainda que não concluam o futuro desses jovens,
certamente não permite largas (ou justas) possibilidades de alteração
econômica e social.
8
O SENTIDO E OS LIMITES DO TRABALHO
No Brasil, a reestruturação produtiva6 teve inicio na década de 1980, quando
começam a ser implantadas no país algumas técnicas e princípios
organizacionais do toyotismo. No entanto, tal reestruturação só é intensificada
na década de 1990, principalmente pela política neoliberal do então Presidente
da República Fernando Henrique Cardoso. Neste período ocorreram diversas
reformas, que visavam à reestruturação do Estado, entre elas a educação em
termos gerais e também a da educação profissionalizante.
O objetivo da reestruturação era adequar o Estado e as políticas sociais à
gênese dos fundamentos macroeconômicos, utilizando, para tanto, ajustes
fiscais e liberação do mercado – o que significa, basicamente: privatização,
flexibilização, da legislação trabalhista e profunda desregulação financeira.
Como não há vagas para todos no “mercado de trabalho”, ainda que os sujeitos
tenham as competências necessárias para executarem determinada função,
não existem garantias de que será empregado, tamanho é o excedente da
força de trabalho.
Segundo Gentili (2002), “isso não significa, então, para o discurso dominante,
garantia de integração, senão melhores condições de competição para
sobreviver na luta pelos poucos empregos disponíveis: alguns sobreviverão,
outros não.” Dessa maneira, o capital utiliza da estratégia de eliminar os
trabalhadores considerados “inadaptáveis” e “problemáticos”, o que caracteriza
um mecanismo de pressão para os que continuam nos empregos – e vivem
constantemente sob ameaça de desemprego.
O caminho seguido pelo governo FHC (que em certa medida continuou no
governo posterior) é o da privatização do Estado, que segue a lógica do
mercado, reduzindo as políticas sociais e destruindo os direitos educacionais e
6
Como forma de responder à crise vigente, o capital desenvolveu o complexo de
reestruturação produtiva, que se pautava, sobretudo, na formação da classe trabalhadora. A
reestruturação produtiva, produto da ofensiva do capital, é o desenvolvimento de formas
inéditas de gestão da produção, das novas tecnologias, do trabalho flexível e da formação do
tipo ideal de trabalhador. No bojo de suas ações, ela apresenta novas ideias e teorias sobre a
nova ordem do mundo do trabalho. Nesse contexto, surgem termos como sociedade da
informação, sociedade de conhecimento, empregabilidade, sociedade cognitiva, competências,
entre outros.
9
trabalhistas. Tal contexto gera a política de criminalização da pobreza, que
podemos reduzir à culpabilização dos pobres por sua situação social, o que
gera a naturalização da pobreza e atinge, de forma cruel, a juventude (Batista,
2003).
A partir da reestruturação produtiva os novos programas de qualificação
profissional buscam moldar a juventude pobre para que tenha condições
mínimas de aproveitamento do capital. É importante destacar que tais
programas são notavelmente direcionados para as camadas economicamente
desfavorecidas da população, uma vez que é pouco ou nada atraente para as
classes privilegiadas, pois não oferecem os requisitos necessários para a
continuidade dos estudos em níveis superiores, ao mesmo tempo em que
procuram dar conta da formação de mão de obra para as funções mais baixas
e mal remuneradas do chamado mercado de trabalho.
A qualificação profissional exercida no Brasil, a partir da década de 1990, se
reduz a um treinamento da mão de obra para o mercado de trabalho. Há,
também, o objetivo da geração de trabalho e renda, que se reduzem à
capacidade de cada indivíduo e seus esforços para entrada e permanência
neste mercado. A vulnerabilidade social7 da juventude brasileira não permite
que a qualificação profissional avance e restitua ao trabalhador a possibilidade
de transformar-se e desenvolver-se através do trabalho.
A exigência mínima necessária para tal desenvolvimento é que o sujeito
domine as competências básicas da educação formal. Basta pensarmos em
qual educação formal a juventude pobre tem acesso no Brasil e saberemos que
o mínimo necessário não é garantido. Ou seja, a exclusão que inicialmente se
dá no âmbito escolar tem continuidade no campo do trabalho.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho – OIT – o desemprego no
Brasil é: juvenil feminino, negro e metropolitano. Ainda segundo esta
7
Vulnerabilidade social é o resultado negativo da relação entre a disponibilidade dos recursos
materiais ou simbólicos dos atores, sejam eles indivíduos ou grupos, e o acesso à estrutura de
oportunidades sociais, econômicas, culturais que provêm do Estado, do mercado e da
sociedade. Esse resultado se traduz em debilidades ou desvantagens para o desempenho e
mobilidade social dos atores. Em tal conceito nos baseamos em ABRAMOVAY, Miriam.
Juventude, violência e vulnerabilidade social na América Latina: desafios para políticas
públicas / Miriam Abramovay et alii. – Brasília: UNESCO, BID, 2002.
10
organização, em 2010 havia 15 milhões de jovens excluídos do mercado de
trabalho formal no Brasil, sendo 11 milhões ocupados no setor informal, de
forma precária, sem os direitos sociais e trabalhistas básicos. Nosso panorama
é: de um lado, temos um mercado de trabalho globalizado, com necessidades
específicas e, de outro, a fragilidade de um sistema educacional totalmente
excludente, com altos índices de analfabetismo, que resulta na acentuação das
desigualdades sociais e na forte restrição dos horizontes de vida. Ao contrário
do que ocorre na prática, a qualificação profissional deve trazer elementos que
instrumentalizem o trabalhador no desenvolvimento autônomo de suas
competências através do trabalho. É ela que gera a possibilidade de
reconhecer, apropriar-se dos saberes e transformar a produção a partir de sua
organização, valendo-se dos conhecimentos técnicos e científicos adquiridos.
Dessa maneira, é inviável pensarmos na qualificação como um fator separado
da divisão social do trabalho e, conseqüentemente, na luta de classes.
Quem detém o conhecimento, na sociedade contemporânea, denominada de
Sociedade do Conhecimento, tem a chave das portas da inclusão social, que
lhe permite transitar no mercado de trabalho em busca da melhor colocação,
enquanto os excluídos do saber ficam limitados a acompanhar tudo de longe, à
margem da dinâmica econômica, sem valor nenhum de troca como força de
trabalho. O que há é uma meritocracia individualista, que vincula o lugar que o
trabalho ocupa no mercado de trabalho apenas aos seus méritos pessoais,
desconsiderando totalmente a força que as determinações sociais têm nesses.
Se acima falávamos sobre o período de moratória do adolescente, é possível
apontar que tal verdade não se aplica aos jovens que encontramos nas
unidades de internação, que, de forma geral, desde cedo colaboram em casa
cuidando dos irmãos, buscando formas de contribuir financeiramente
(legalmente ou não) e, em muitos casos, se tornam pais desde cedo 8. O
imperativo da necessidade os fazia escolher o trabalho e não a escola para
assegurar a sobrevivência pessoal e da família, ou “escolhiam” outras
estratégias de sobrevivência, como o delito, por exemplo (Trassi, p. 26).
8
Relatório produzido pelo CNJ (Conselho nacional de justiça) em 2012 apontou que 14% dos
jovens entrevistados, em internação, possuíam pelo menos um filho.
11
Admite-se que a violência, como todo fenômeno social, é determinada pela
concatenação de vários fatores interligados, como contexto socioeconômico,
relações comunitárias, características individuais, aspectos circunstanciais, etc.
Os números referentes à correlação entre raça e vítimas de homicídios, porém,
apontam para a força com que as determinações históricas se fazem presentes
no contexto socioeconômico e portanto são decisivas na compreensão da
violência (Roman, p. 92, 2009).
Tal situação influi diretamente nas escolhas que este jovem poderá fazer ao
buscar sua inserção no mercado de trabalho; é nesse contexto que tende a se
dar a vinculação do adolescente ao ilícito. Fefferman (2009) aponta pesquisa
realizada com jovens atuantes no tráfico de drogas, por meio do qual muitos
afirmavam o reconhecimento social importante para construção da identidade –
nesse sentido, o trabalho no tráfico confere aos jovens um lugar de destaque
que dificilmente seria alcançado de outra forma, quando consideramos o nível
de escolaridade que conseguem atingir e as ofertas de trabalho: “pode-se dizer
que o mercado ilegal se constitui como resposta à marginalidade econômica”
(p. 63).
Para conhecermos quem são os adolescentes e o que eles pensam do mundo
precisamos tirar o véu da naturalidade que cobre nossos olhos e enxergarmos
além do que comodamente nos habituamos a ver.
A invisibilidade
descaracteriza o indivíduo enquanto um ser social pertencente a uma
sociedade e as maneiras encontradas por estes indivíduos para saírem desse
estado de “seres invisíveis” gera incômodo e medo aos olhos acostumados a
não ver, a não reconhecer.
O desafio que enfrentamos diariamente para além do nosso campo de trabalho
é o da necessidade de fazermos uma leitura verdadeira de quais são as
responsabilidades
destes
adolescentes
e
quais
são
as
nossas
responsabilidades nas relações que mantemos entre nós, sem perder de vista
que em qualquer processo educativo precisamos humanizar o outro e,
cotidianamente, humanizar-nos, pois acreditar na construção de um mundo
livre das desigualdades sociais, onde todos tenham seus direitos realmente
12
assegurados e não sejam submetidos à barbárie dos privilégios é mais do que
nossa esperança, é nosso dever enquanto profissionais e sociedade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRAMOVAY, Miriam. Juventude, violência e vulnerabilidade social na
América Latina: desafios para políticas públicas / Miriam Abramovay et alii.
– Brasília: UNESCO, BID, 2002.
ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho – ensaio sobre afirmação e a
negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 1999.
CALLIGARIS, Contardo. A Adolescência. São Paulo: Publifolha, 2009.
COSTANZI, Rogério Nagamin. Trabalho decente e juventude no Brasil.
Brasília: Organização Internacional do Trabalho, 2009.
FEFERMANN, Marisa. Os jovens inscritos no tráfico de drogas: os
trabalhadores ilegais e invisíveis / visíveis. In: BOCAYUVA, Helena;
NUNES, Silvia Alexim (org.) Juventudes, subjetivações e violências. Rio de
Janeiro: Contra Capa, 2009.
FRIGOTTO, Gaudêncio. A produtividade da escola improdutiva. São Paulo:
Editora Cortez, 1984.
GENTILI, Pablo A. Três teses sobre a relação trabalho e educação em
tempos neoliberais. In: LOMBARDI, J. C.; SAVIANI, D.; SANFELICE, J. L.
(orgs.). Capitalismo, trabalho e educação. Campinas: Autores Associados,
2002.
NASIO, Juan-David. Como agir com um adolescente difícil. Rio de Janeiro:
Zahar, 2011.
Panorama nacional ‘A execução das medidas socioeducativas de
internação’.
Programa
Justiça
ao
Jovem’.
In:
http://www.cnj.jus.br/images/programas/justicaaojovem/panorama_nacional_jus
tica_ao_jovem.pdf
ROMAN, Marcelo Domingues. Psicologia e adolescência encarcerada. São
Paulo: Cortez, 2006.
TRASSI, Maria de Lourdes. Adolescência Violência: desperdício de vidas.
São Paulo: Cortez, 2006.
13
Download

1 Grupo de Trabalho 04 Título do Trabalho: O ADOLESCENTE EM