Rua das Mercês, 8 9000-420 – Funchal Telef (+351291)214970 Fax (+351291)223002 Email: [email protected] [email protected] http://www.madeira-edu.pt/ceha/ Vieira, Alberto(2008): MADEIRA- Um Cais de Permanentes Chegadas e Partidas, COMO REFERENCIAR ESTE TEXTO: Vieira, Alberto(2008): MADEIRA- Um Cais de Permanentes Chegadas e Partidas, Funchal, CEHABiblioteca Digital, disponível em: http://www.madeira-edu.pt/Portals/31/CEHA/bdigital/avieira/2008-avmigra.pdf, data da visita: / / RECOMENDAÇÕES O utilizador pode usar os livros digitais aqui apresentados como fonte das suas próprias obras, usando a norma de referência acima apresentada, assumindo as responsabilidades inerentes ao rigoroso respeito pelas normas do Direito de Autor. O utilizador obriga-se, ainda, a cumprir escrupulosamente a legislação aplicável, nomeadamente, em matéria de criminalidade informática, de direitos de propriedade intelectual e de direitos de propriedade industrial, sendo exclusivamente responsável pela infracção aos comandos aplicáveis. MADEIRA Um Cais de Permanentes Chegadas e Partidas ALBERTO VIEIRA Investigador-Coordenador Centro de Estudos de História do Atlântico (MADEIRA) [email protected] Vimos muito espalhar portugueses no viver, Brasil, ilhas povoar e às Índias ia morar, natureza lhes esquecer (Garcia de Resende, 1534) Os descobrimentos europeus a partir do século XV não podem ser vistos apenas na perspectiva do encontro de novas terras, novas gentes e culturas, pois a isto deverá associar-se a migração de homens, plantas utensílios, conhecimentos e doenças em vários sentidos. O movimento do Homem arrastou consigo o universo envolvente da fauna, flora, tecnologia, usos e tradições que tiveram um impacto evidente nos novos e velhos espaços. Este processo de que os portugueses foram pioneiros no século XV é aquilo que Pierre Chaunu1 define como o desencravamento planetário que abriu as portas para o abraço entre todos os continentes ou então a chamada economia-mundo de F. Braudel2, ou ainda o processo de descompartimentação do mundo que nos refere Pierre Léon3. Em termos actuais foi o começo do processo de globalização. Neste quadro o Atlântico define-se a partir do século XV como um novo espaço para a afirmação dos impérios europeus onde as ilhas assumem a função de ponte no cruzamento de rotas, circulação de pessoas e produtos4. A construção da sociedade atlântica a partir do século XV resultou do movimento de populações provocado pela expansão europeia. As ilhas que, num primeiro momento, haviam sido as principais receptoras, assumem de imediato a função de centros difusores de mão-de-obra especializada para a expansão da cultura e tecnologia dos novos produtos da economia agrícola 1. CHAUNU, Pierre (1976), A história como ciência social, Rio de Janeiro: Zahar Editores. BRAUDEL, Fernand (1989), Gramáticas das Civilizações, Lisboa, Teorema. 3 LÉON, Pierre (dir.) (1984), História Económica e Social do Mundo, vol.I, Lisboa, Sá da Costa. 4 . De acordo com RUSSELL-WOOD, A. J. R. (1998), Um Mundo em Movimento. Os Portugueses na África, Ásia e América (1415-1808), Lisboa, Difel, p.11). «Para além de diferentes níveis de expecta tiva, de aspirações, de relutância ou de rejeição, estes contactos inauguraram inexoravelmente uma nova era de globalização transcontinental, transoceânica e transnacional, caracterizada pela interdependência, pela acção recíproca e pelo intercâmbio entre os povos» Cf. José Manuel Azevedo e Silva, A Importância dos Espaços Insulares no Contexto do mundo Atlântico, in História das Ilhas Atlânticas, vol. I, Funchal, 1997, pp.125-161. GRUZINSKI, Serge (2004), Les Quatre Parties du Monde. Histoire d’une Mondialisation, Paris, Editions de La Martinière. OSTERHAMMEL, Jürgen, PETERSSON, Niels P. (2005), Globalization – A Short History, Oxford/Princeton, Princeton University Press; Rodrigues, Jorge Nascimento, Tessaleno Devezas, Pioneers of Globalization: Why the Portuguese surprised the World, Lisboa, 2007 [informação on-line em http://www.centroatl.pt/globalization/news.html] George Modelski, the Evolutionary World Politics Homepage, on line https://faculty.washington.edu/modelski/, Washington, University of Washington, 1997-2007) 2 atlântica. Elas foram espaços de permanente movimento de populações, situação que funcionou como válvula de escape para as limitadas possibilidades do espaço face ao crescendo da população. A situação charneira do arquipélago madeirense no traçado das rotas oceânicas dos portugueses de ida para a costa africana e o facto de ter sido o primeiro espaço de ocupação e valorização económica portuguesa condicionou a primeira leva de europeus e fez com que os madeirenses estivessem presentes em todos os espaços onde os portugueses chegaram, por força da exploração agrícola, actividade comercial e das armas para defesa e manutenção dos espaços. A juntar a tudo isso tivemos o rápido progresso social, resultado do porvir económico, que condicionou o aparecimento de uma aristocracia terra tenente. Esta, imbuída do ideal cavalheiresco e do espírito de aventura, embrenhou-se na defesa das praças marroquinas, na disputa pela posse das Canárias e nas viagens de exploração e comércio ao longo da costa africana e, até mesmo, para Ocidente. A mobilidade social é uma das características da sociedade insular. O fenómeno da ocupação atlântica lançou as bases da sociedade e a emigração ramificou-a e projectou-a além Atlântico. As ilhas foram, num primeiro momento, pólos de atracção, passando depois a áreas de divergência de rotas, gentes e produtos. A novidade, aliada à forma como se processou o povoamento, activaram o primeiro movimento. A desilusão inicial com as escassas e limitadas possibilidades económicas e a cobiça por novas e prometedoras terras, definiram o segundo surto. Primeiro foi a Madeira, depois as ilhas próximas dos Açores e das Canárias e, finalmente, os novos continentes e demais ilhas. O madeirense, desiludido com a ilha, procurou melhor fortuna nos Açores ou nas Canárias, e depositou, na costa africana as prometedoras esperanças comerciais. No grupo incluem-se principalmente os filhos-segundos deserdados da terra pelo sistema sucessório. É disso exemplo Rui Gonçalves da Câmara, filho do capitão do donatário no Funchal, que preferiu ser capitão da ilha distante de S. Miguel a manter-se como mero proprietário na Ponta do Sol. Com ele surgiram outros que deram o arranque decisivo ao povoamento da ilha. A Madeira evidencia-se também no século quinze como um centro de divergência de gentes à procura do no novo mundo. Os monarcas a definiram políticas de restrição no movimento migratório em favor da fixação do colono à terra, como forma de evitar o despovoamento das áreas já ocupadas. O apelo das riquezas de fácil resgate africano ou da agricultura americana eram para o homem do século XV mais convincentes, tendo a favor a disponibilidade dos veleiros que escalavam com assiduidade os portos insulares. A emigração era inevitável. Todo o movimento de migrações é resultado de um conjunto variado de factores que em diversos momentos condicionaram a maior ou menor disponibilidade para as chegadas ou partidas5. Nem sempre é o mesmo princípio que reúne todos aqueles que se aproximam do cais da partida. Há os que são obrigados a partir por força da violência, expressa na intolerância política, religiosa e desrespeito pela condição humana. São os que partem de forma forçada, na condição de escravo, ou quase escravo, como foi o caso da emigração oitocentista conhecida como escravatura branca, porque foram obrigados a entregar o seu destino nas mãos de outros. A estes juntam-se os 5 Para o debate sobre as motivações que regem os fenómenos migratórios remetemos o leitor interessado para a bibliografia que a seguir emunciamos: RAVENSTEIN, Ernest G. (1885), "The laws of migration", Journal of the Royal Statistical Society, Vol. 48, Part II, pp. 167-227 RAVENSTEIN, Ernest G. (1889), "The laws of migration", Journal of the Royal Statistical Society, Vol. 52, Part II, pp. 241-301; ZIPF, Georges K. (1946), “The P1 P2 / D hypothesis: on the intercity movement of persons”, American Sociological Review, Vol. 11, Nº 6, pp. 677 -680;ROSSI, Peter H. (1955), “Why families move”, in P.F. Lazarsfeld e M. Rosenberg (Ed.), The Language of Social Research, Glencoe, The Free Press, pp. 457-468; THOMAS, Brinley (1968), “Migration: economic aspects”, in International Encyclopedia of the Social Sciences, Nova Iorque, Macmillan and Free Press, Vol. 10, pp. 292-300; Jansen, Clifford J.(1969), Some Sociological aspects of migration, in J. A. Jackson (ed.), Migration, Cambridge, CUP, 60-73; Zelinsky, Wilbur (1971), The hypothesis of the mobility transition, The Geographical Review, 61-2, 219-249; PETERSEN, William (1975), “The general determinants of migration”, in Population, Nova Iorque, Macmillan, pp. 279-334; CLARK, W. A. V. (1986), Human Migration, Beverly Hills, Sage; ZOLBERG, Aristide R. (1989), "The next waves: migration theory for a changing world", International Migration Review , Vol. 23, Nº 3, pp. 403-430;PORTES, Alejandro e József BÖRÖCZ (1989), "Contemporary immigration: theoretical perspectives on its determinants and modes of incorporation", International Migration Review, Vol. 28, Nº 3, pp. 606-630; MASSEY, Douglas S. et al. (1993), “Theories of international migration: a review and appraisal”, Population and Development Review, Vol. 19, Nº 3, pp. 431-466; Matos, Cristina (1993), Migrações. Decisões individuais e estruturas sociais, Socius Working Papers , 5/93, SOCIUS- Centro de Investigação em Sociologia Económica e das Organizações on -line [ disponível em http://pascal.iseg.utl.pt/~socius/publicacoes/wp/wp935.pdf]; Peixoto, João (2004), As teorias explicativas das migracoes. Teorias micro e macro sociológicas, in Socius Working Papers, 11/2004, SOCIUS-Centro de Investigação em Sociologia E conómica e das Organizações on-line [disponível em http://pascal.iseg.utl.pt/~socius/publicacoes/wp/wp200411.pdf]. perseguidos pelas suas opções religiosas e políticas. É por isso que a diáspora judaica marcou de forma evidente o processo dos descobrimentos portugueses nos séculos XVI e XVII e que tivemos a situação particular na década de quarenta do século XIX de perseguição na Madeira os seguidores do pastor protestante Robert Kalley. Mas depois com o advento da Revolução Francesa surgiram novos mecanismos de afrontamento marcados pela vida politica. À força das convicções políticas junta-se a violência da palavra e a intolerância do convívio entre adversários. Esta última manifesta-se através da prepotência dos regimes políticos que procura apagar toda e qualquer reacção ou obstáculo através da perseguição e deportação dos adversários políticos. Há os que partem de livre vontade, movidos pelo espírito de aventura, a possibilidade de encontrar novas e melhores condições de vida. O sonho que comanda a partida muitas vezes se desfaz mesmo aí à saída do cais, com um naufrágio, ataque de piratas ou qualquer outro acidente, pois nem todos chegam ao destino e conseguem lograr todas as suas expectativas. Todos eles partiram cheios de esperanças, mas nem todos chegaram a bom porto e para muitos o lugar a terra de destino foi tão madrasta como aquela que os viu nascer. Outros ainda, entregaram a sua vida pela possibilidade de títulos e honras e, por isso, partem ao encontro do inimigo na frente de batalha, quer no Norte de África ou no Índico. Não podemos esquecer as propostas aliciadoras dos locais de destino ou resultantes da política régia de ocupação e povoamento dos novos espaços. A própria coroa promoveu este movimento. Primeiro foram os técnicos experimentados na cultura dos canaviais e fabrico do açúcar que partiram da Madeira ao encontro de novos canaviais e engenhos nas ilhas e litoral brasileiro. Depois a necessidade de firmar de facto a soberania através de uma ocupação do território tivemos incentivos à saída de casais, que serão a nossa garantia de posse das terras brasileiras ou angolanas. Por força da intervenção da coroa tivemos também o movimento de funcionários régios, governadores, religiosos e militares. Tudo isto gerava um rodopio permanente de homens ou de famílias. A todos estes aventureiros, perseguidos, deportados, deslocados junta-se um grupo em permanente mudança ligado como agentes e factores do próprio movimento entre os locais de partida e de destino. Marinheiros em diversas posições têm o mar por casa e por isso estarão em todo o lugar onde haja o porto das partidas e chegadas. Mercadores e seus agentes sustentam este movimento através da circulação de mercadorias e fazem disso a sua principal motivação para aguardar no cais ou partir em busca de outros mais prósperos. Um cais ou um porto insular e sempre um local de partidas e chegadas. Este movimento e de todos os tempos. Os que partem poderão cruzar-se com os que chegam, sendo por vezes semelhantes os motivos que conduzem a semelhante movimento. Mas quase sempre ambos os movimentos acontecem em momentos distintas pois, as partidas quando acontecem querem dizer que as perspectivas são pouco animadoras para propiciar essas chegadas. A conjuntura que alimenta as chegadas e distinta, alenta o ânimo e as esperanças para todos. A eles anima a mesma esperança e defrontam-se como as mesmas dificuldades à chegada para os outros que partiram. Por vezes estes imigrantes cruzam-se no mesmo cais de chegada com os que retornam de forma definitiva ou temporária. Aqui as posturas são muitas vezes semelhantes uma vez que nem todos os que regressam assumem uma posição de afirmação social manifesta do sucesso. De novo poderão ser confundidos como imigrantes sofrendo as mesmas humilhações e dificuldades de integração no meio que continua a rejeita-los. São estas vivências complexas que domimam o movimento das migrações e que na sociedade do século XXI, que se quer intercultural nos devem levar a reflectir sobre a postura de cada um de nós sobre estes protagonistas das chegadas e partidas. O movimento das populações no espaço atlântico insular a partir do século XV apresenta múltiplas motivações. O quadro a seguir apresentado resume de forma sucinta essas redes. MOTIVAÇÕES DEGREDO: justiça IMIGRAÇÃO EMIGRAÇÃO Ilhas (Madeira, Açores), Portugal Continental, Ilhas (Madeira, Açores) Norte de África (praças marroquinas), Cabo Verde, São Tomé, Brasil, Índia RELIGIÃO: perseguição para judeus e protestantes Ilhas (Madeira, Açores, S. Tomé, Canárias), Brasil Portugal Continental, Ilhas (Madeira, Açores) ECONÓMICA: ambição e busca de melhores condições de vida - Movimento de troca e circulação de mercadorias Ilhas (Madeira, Açores, Cabo Verde, S. Tomé), Angola, N. África, Brasil, Índia EUROPA, Portugal Continental, Ilhas (Madeira, Açores) ADMINISTRAÇÃO: funcionários régios Ilhas (Madeira, Açores, Cabo Verde, S. Tomé), Angola, N. África, Brasil, Índia MILITAR: militares para defesa de possessões Ilhas (Madeira, Açores), Brasil, Angola, Norte de Africa, Índia Portugal Continental, Ilhas (Madeira, Açores) POLÍTICA: deportação Ilhas (Madeira, Açores, Cabo Verde, S. Tomé), Angola, Brasil Portugal Continental, Ilhas (Madeira, Açores) Portugal Continental 1. A BIBLIOGRAFIA E O TEMA. Revestindo os estudos sobre migrações internacionais um carácter muito complexo, em que se devem entrosar métodos e instrumentos de natureza demográfica, estatística, geográfica, antropológica, sociológica e política, nunca devem ser perdidos os fios condutores que relacionam os números com as pessoas; as tendências colectivas com as motivações individuais; os diferentes contextos (legal, social, económico e cultural), entre si; e, finalmente, as situações circunstanciais próprias de cada tempo e de cada par de lugares. [Maria Beatriz da Rocha Trindade, A realidade da imigração em Portugal, in I CONGRESSO IMIGRAÇÃO EM PORTUGAL [DIVERSIDADE - CIDADANIA INTEGRAÇÃO] 18 / 19 DE DEZEMBRO DE 2003 Lisboa, 2004, p.172] Hoje, na verdade, as temáticas da imigração e emigração, ou se quisermos das migrações, são de grande interesse e motivam o empenho das comunidades política e científica6. Deste momento nos ARROTEIA, Jorge Carvalho, e ROCHA - TRINDADE, Maria Beatriz(1984), Bibliografia da Emigração Portuguesa, Lisboa, Instituto de Português à Distância, GALAP, J. Lirus(1981), Seconde génération ou enfants d'immigrés. Bibliografia internationale (1969-1979), Cahiers d'anthropologie 3-4, pp. 1-230., Miguel Monteiro, Sala do Conhecimento, Fafe, Museu do Emigrante, [on-line] Fafe, Museu do Emigrante, [disponível em http://www.museu-emigrantes.webside.pt/museu.htm], Matias, Ana Raquel e Fernando Luís Machado (2006), Bibliografia sobre imigração e Minorias Étnicas em Portugal 2000-2006), Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, on-line [disponível em http://blogsocinova.fcsh.unl.pt/mjvrosa/files/BIBLIOGRAFIA_sobre_Imigrantes.pdf]; Baganha, Maria Ioanis, Pedro Góis e José Carlos Marques (2006), Bibliografia sobre a Imigração em Portugal, Coimbra, Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra Núcleo de Estudos das Migrações,. on-line [disponível em http://www.ces.uc.pt/nucleos/migracoes/pdfs/bibliografia_imigracao_em_portugal.pdf]; Garcia, José Luís e Nunes, Diana de Brito (2000), Migrações e Relações Multiculturais uma bibliografia, Oeiras, Celta; Teixeira, Carlos, Lavigne, Gilles (1996), Os Portugueses no Canadá-Uma Bibliografia: 1953-1996,Toronto. 6 últimos anos várias entidades promoveram estudos alargados sobre os fenómenos, com o intuito de entender os seus reflexos na sociedade portuguesa. A bibliografia é extensa e permanente a publicação e projectos de estudo, quer no meio académico, quer institucional7 . Tenha-se, por exemplo em conta o trabalho do Observatório da Imigração e de diversas estruturas oficiais entretanto criadas8. Devemos ainda considerar a dinâmica resultante da política de criação de museus da emigração9 que se reflectiu em Portugal com a criação no ano de 2001 em Fafe do Museu do Emigrante e das Comunidades 10, secundado por idêntico projecto para os Açores em 200511. Porque Portugal foi por muito tempo terra de emigrantes a temática dominante foi quase sempre a da emigração. A obra de Joel Serrão foi e continua a ser uma referência para os estudos sobre o tema12. Apenas no virar da centúria se descobriu a necessidade de voltar a atenção para o fenómeno da imigração, que assumiu uma importância primordial nestes primeiros anos do século XXI13 . Por outro lado o estudo das temáticas das migrações implica hoje uma formulação diferente e co-participativa de todos os domínios das Ciências Sociais, tal como se tem postulado nos últimos anos e tem sido pratica em muitos dos encontros e publicações científicas de referência14. E é na verdade isso que temos visto nos últimos anos, através de colóquios, seminários e publicações colectivas. O estudo das migrações madeirenses tem sido feito de modo parcelar existindo ainda uma grande lacuna sobre esta área que importa colmatar com novos estudos e análises. Na verdade desde 1985 com os Colóquios de História realizados pelo CEHA tivemos várias apresentações e contributos para o tema, incluso no primeiro encontro aconteceu uma mesa redonda coordenada Esta evidência foi constatada pelos compiladores de uma bibliografia sobre imigração e minorias étnicas em Portugal: “Poucos temas sociais suscitarão presentemente um tão intenso ritmo de pesquisa e publicação, o que dá bem conta do interesse que em Portugal se coloca no conhecimento daquela que é uma das suas grandes transformações dos últimos trinta anos, a passagem a país de imigração, sem ter deixado de ser país de emigração. A principal razão para uma produção tão abundante é que o estudo deste tema, nas suas inúmeras facetas, tem mobilizado muitas disciplinas e investigadores na universidade e fora dela, dentro e fora do país. E isso explica também que tenhamos ficado surpreendidos e que muitos outros venham provavelmente a ficar. (Fernando Luís Machado e Ana Raquel Matias (2006), Bibliografia sobre imigração e Minorias Étnicas em Portugal (2000-2006), Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, on line[disponível em http://blogsocinova.fcsh.unl.pt/mjvrosa/files/BIBLIOGRAFIA_sobre_Imigrantes.pdf]). 8 Cf página web: http://www.oi.acidi.gov.pt/. Neste contexto merece toda a atenção para o trabalho da Secretaria de Estado das Comunidades no período da Drª. Manuela Aguiar em que foi responsável do Centro de Documentação a Prof. Maria Beatriz da Rocha Trindade[O período de intervenção como Secretária de Estado foi entre 1980-1981, e 1983-87. Cf. Santos, Vanda(2004), O discurso oficial do Estado sobre a emigração dos anos 60 a 80 e emigração dos anos 90 à actualidade, Lisboa, ACIME. Maria Beatriz da Rocha Trindade, (1982), Da emigração às Comunidades Portuguesas, colecção Temas sociais nº 15, Lisboa, edições Conhecer.] 8, e a partir de 1996 o ACIME[O Alto Comissário para a integração das Minorias Étnicas, foi criado em 1996, on-line, [disponível em http://www.acime.gov.pt/]. ], hoje ACDI (O Alto Comissariado para a Imigração e diálogo Intercultural, desde 2007 cf. On-line, [disponível em http://www.acime.gov.pt/]), através do Observatório da Imigração. 9 Veja-se a Migration Museums Network, on-line, http://www.migrationmuseums.org/web/ 10 Cf. on-line http://www.museu-emigrantes.webside.pt/ 11 Cf. On-line http://intracmrg.cm-ribeiragrande.pt/mea/ 12 SERRÃO, Joel (dir.)( 1981) Dicionário de História de Portugal, 6 vols., Porto, Liv. Figueirinhas; SERRÃO, Joel e outros (1976), Testemunhos sobre a emigração portuguesa, Lisboa, Livros Horizonte, SERRÃO, Joel, “A emigração portuguesa para o Brasil na segunda metade do século XIX (esboço de problematização)”: in Temas oitocentistas -I, Lisboa, Livros Horizonte, pp.161-186. Idem (1977), A Emigração Portuguesa, 2" edição, Lisboa, Livros Horizonte, SERRÃO, Joel, e MARTINS, Gabriela (1978), Da Indústria Portuguesa - Do Antigo Regime ao Capitalismo, Lisboa, Livros Horizonte, SERRÃO, Joel(1973), Fontes de Demografia Portuguesa, 1800-1862, Lisboa, Livros Horizonte, idem(1965), Emigração, Dicionário da História de Portugal, 7, Iniciativas Editoriais, Lisboa, pp. 19-29; idem (1985), Sobre a emigração e mudança social no Portugal contemporâneo, Análise Social, 87-88-89 (21), pp. 995-1004; idem, A Emigração Portuguesa, sondagem histórica, Horizonte, Lisboa 1982. idem (1970), Conspecto histórico da emigração portuguesa, Análise social, 32 (8), pp. 597617. 13 Baganha, Maria (2006), Pedro Góis e José Carlos Marques, Bibliografia sobre a Imigração em Portugal, Coimbra, Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra-Núcleo de Estudos das Migrações, on-line [disponível em http://www.ces.uc.pt/nucleos/migracoes/pdfs/bibliografia_imigracao_em_portugal.pdf]. Fernando Luís Machado e Ana Raquel Matias (2006), Bibliografia sobre imigração e Minorias Étnicas em Portugal (2000-2006), Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, on-line [ disponível em http://blogsocinova.fcsh.unl.pt/mjvrosa/files/BIBLIOGRAFIA_sobre_Imigrantes.pdf]. Maria Isabel Rodrigues Baptista, A Demografia e os Estudos da População em Portugal: uma bibliografia, Lisboa, Associação Portuguesa de Demografia, on-line, [ disponível em http://www.apdemografia.pt/bibliografia.htm.], é uma versão alargada do texto publicado em Análise Social, Vol.XLII, nº 183, 2ºtrimestre de 2007. Em 2003 o ACIME organizou o primeiro colóquio sobre a emigração em Portugal de que dispomos das actas on-line em http://www.oi.acime.gov.pt/docs/pdf/Actas%20CongressoIm.pdf; Cf. ainda: João Peixoto, "País de emigração ou país de imigração? Mudança e continuidade no regime migratório em Portugal, on-line, Lisboa, Socious, 2004 [disponível em http://pascal.iseg.utl.pt/~socius/publicacoes/wp/wp200402.pdf]. Esteves, Maria Céu (Org.) (1991), Portugal, País de Imigração, Lisboa, Instituto de Estudos para o Desenvolvimento. 14 Cf. ALMEIDA, Carlos C.(1974), “Sobre a problemática da emigração portuguesa: notas para um projecto de investigação interdisciplinar”, Análise Social, nº. 40, pp, 778-788. 7 pelo Prof. Joel Serrão. Depois tivemos em 2001 um seminário sobre a Emigração e Imigração nas Ilhas. A isto podemos juntar estudos esparsos publicados em revistas e partes de livros15 . Mas acontece que não existe um estudo aprofundado sobre os fenómenos migratórios e o seu impacto na economia, sociedade e cultural madeirense. Aliás olhando retrospectivamente para tudo o que foi feito podemos afirmar que ainda há muito para descobrir neste campo, pois ainda estamos no início e apostados em pesquisas preliminares. Assim fazem falta estudos sistemáticos sobre o movimento da emigração madeirense para os quatro cantos do mundo e estudos que permitam mostrar o que foram e são essas comunidades madeirenses. Hoje continua a insistir-se no movimento estatístico e na ideia de sangria populacional que o fenómeno gerou na ilha. Ainda estamos por saber de forma clara qual o impacto deste fenómeno na demografia da ilha e a ignorar-se a importância do retorno e as implicações que teve e continua a ter na ilha. Algumas épocas, como o século XIX e destinos, como o Brasil16 , América Central17, Havai18 continuam a monopolizar a atenção dos especialistas, sendo pouca ou nenhuma atenção dada a destinos e comunidades como a Austrália, África do Sul19, Venezuela20, Estados Unidos da América21 e ex. colónias, como foram o caso do território da actual Republica Popular de Angola22. O estudo da emigração madeirense passa ainda por outras posturas cientificas e institucionais que vão desde a necessidade de criação de um museu centro de documentação a exemplo do que existe em Fafe e na Ribeira Grande Açores, como pela valorização dos contributos da História oral através de Histórias de vida. Desde 1986, altura em que tivemos oportunidade de estar em Toronto a convite The Multicultural History Society of Ontário23, temos insistido na Atente-se nas Revistas Atlântico e Islenha onde podemos encontrar os seguintes trabalhos: Para os estudos integrados em livros assinalamos os seguintes. Já quanto a comunicações em colóquios e seminários tivemos: 16 GOUVEIA, Horácio Bento (1948), “Aspectos da emigração madeirense para o Brasil nos reinados de D. João V e D. José”, Das Artes e da História da Madeira, pp. 17-20; GUEDES, Max Justo (1990), As Ilhas Atlânticas e sua contribuição à restauração do nordeste brasileiro II Colóquio Internacional de História da Madeira, p. 565; FERRAZ, Maria de Lourdes de Freitas (1988), “Emigração madeirense para o Brasil no séc. XVIII. Seus condicionalismos”, Islenha, 2, pp. 88-101; COUTO, Adelaide B., GAMA, Edina L.N., SANT'ANA, M.( 1990), “O povoamento da Ilha de Santa Catarina e a vinda dos casais ilhéus”, II Colóquio Internacional de História da Madeira, P. 247. PIAZZA, Walter F. (1999), A Epopeia Açórico-Madeirense (1746 -1756), Funchal, CEHA, Idem (1990)“Madeirenses no povoamento da Santa Catarina (Brasil) Século XVIII”, I Colóquio Internacional de História da Madeira, p. 1268, idem (1990) “Raízes madeirenses em Santa Catarina, Brasil”, II Colóquio Internacional de História da Madeira, p. 355; SANTOS, Maria Licínia Fernandes dos (1999), Os Madeirenses na Colonização do Brasil, Funchal, CEHA. JANES, Emanuel (2000), “Emigração Madeirense para o Brasil durante a 2.ª Guerra Mundial (1939-1945.” In As Ilhas e o Brasil, Funchal, Ceha, pp.481-508. 17. MENEZES, Mary Noel (1988), “A sociedade portuguesa de beneficiência na Guiana Britânica”, Atlântico, Nº 15, pp.210-216, IDEM (1988), “Os portugueses da Madeira e o estabelecimento da igreja católica na Guiana Britânica”, Atlântico, Nº 15, pp.217-219, IDEM (1989), The Wingwd Impulse.The Madeiran Portugueses in guyana na Economic Social-Culture Perspective, I Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal, DRAC., vol II, pp.1322-1335, IDEM(1986), Scenes from the History of the Portugueses u«in Guyana, Londres, Idem(1990), “The First Twenty-Five Years of Madeiran emigration to British Guiana 1835-1860”, II Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal, CNDP, pp.415-440. SILVA, Mariana Xavier da (1988), “O Demerarista”, Islenha, Nº 2, pp. 102-112. SOARES, Maria José(1985), “Destino Curaçau”, Atlântico, Nº 2, pp.114-119. FERREIRA, Jo-Anne Sharon(1996), Do atlântico às Antilhas : o caso Trinidad, Islenha, 19 (Jul.-Dez.), 95-107, (2001), A imigração Madeirense a Trinidad durante o Século XIX, in Emigração e Emigração nas Ilhas, Funchal, Ceha, pp.123-144. 18. KNOWLTON JR., Edgar Colby (1990), “Madeirans in Hawaii”, I Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal, DRAC, p. 1287; Silva, Joaquim Palminha (1996), Portugueses no Havai: sécs. XIX e XX: (da imigraçäo à aculturaçäo) /. - [Angra do Heroísmo]: Gabinete de Emigraçäo e Apoio às Comunidades Açorianas; Luís Francisco de Sousa Melo (1988), E contudo eles foram... : a emigração madeirense par o Hawai no séc. XIX In: Islenha. - Funchal. - Nº 2 (Jan.-Jun.). - p. 81-87; FERNANDES, Ferreira(2004), Madeirenses errantes, 1ª ed. Lisboa: Oficina do Livro; History of Hawai`i: The Pokiki: Portuguese Traditions [disponível na Internet via WWW, http://www.islandermagazine.com/port.html] Arquivo capturado em 3 de Janeiro de 2001; Spranger, Ana Isabek (2001), O Quotidiano dos Ilhéus no Havai após o contrato no século XIX, in Imigração e Emigração nas Ilhas, Funchal, CEHA, pp.159-172. 19 Para este país apenas conhecemos o estudo de Victor Pereira da Rosa e Salvato Trigo, Islands in a segregated land: The Portuguese in South Africa, in Higs, David (1990), Portugueses Migration in Global Perspective, Toronto, MHSO, pp.182-199. Cf. Ainda Carlos Fontes, Emigração Portuguesa na África do Sul, on-line [disponível em http://imigrantes.no.sapo.pt/page6AfricSul.html]. Rovisco, Maria Luís (2001), Panorama histórico da emigração portuguesa, Jaunus, on-line, [disponível em http://www.janusonline.pt/sociedade_cultura/sociedade_2001_3_2_2_c.html#1]; Pina, António (2001), Os Portugueses na África do Sul, Jaunus, on-line[disponível em http://www.janusonline.pt/sociedade_cultura/sociedade_2001_3_2_11_c.html] 20 GOMES, Nancy (2001), Os portugueses nas Américas: Venezuela, Canadá e EUA, Janus, on-line [disponível em http://www.janusonline.pt/sociedade_cultura/sociedade_2001_3_2_5_c.html] 21 Sobre Estados Unidos temos agora o livro de Mendonça, Duarte (2007), da Madeira a New Bedford. Um Capitulo Ignorado da Emigração Portuguesa nos Estados Unidos da América, Funchal, Funchal, DRAC. 22 . Neste caso apenas tem sido dada atenção à saída de madeirenses para Mossamedes. Cf. Leandro de Mendonça, Colonização Madeirense no sul de Angola, Das Artes e da História da Madeira, vol.1, n.5, 1951; Carlos Alberto Medeiros, Colonização das Terras Altas da Huíla(Angola).Estudo de Geografia Humana, Lisboa, 1976; ARRIMAR, Jorge de Abreu (1997), Os Bettencourt da ilha da Madeira ao Planalto da Huíla, Funchal. 23 Veja-se actas do encontro em Higs, David (1990), Portuguese Migration in Global Perspective, Toronto, MHSO. 15 necessidade de se apostar nas Histórias de vida através da História oral ou memórias biográficas24, como repositório fundamental para reconstituir o quotidiano da emigração de forma a que se torne possível construir a História do mesmo fenómeno de forma abrangente e global. A oportunidade que nos foi dada de ter acesso a alguns registos sonoros sobre as peripécias vividas nos primórdios da emigração para o Canadá foi motivo suficiente para abalizarmos da importância desta técnica nos estudos sobre a emigração. Mais tarde, em 1991, com o Museu da Pessoa em S. Paulo25, onde podemos encontrar algumas memórias vivas de madeirenses, foi a prova de que necessitamos de avançar por esta via caso queiramos preservar as memórias da emigração madeirense. Foi com base nestes resultados e na pertinência desta opção que propomos a António Abreu Xavier uma metodologia semelhante para o estudo da emigração madeirense para a Venezuela, de que resultou o projecto Histórias de Vida do Correio da Venezuela26. Da primeira colheita de 234 entrevistas feitas por António Abreu Xavier resultou importante informação que foi condensada na tese de doutoramento defendida pelo mesmo em 200727. O tema da imigração parece ser uma página em branco na produção científica madeirense. Foi quase sempre defendido que a Madeira era um mercado de origem de emigrantes e nunca como destino de imigrantes. Embora a palavra imigração não pareça constar da História madeirense temos que dizer que este fenómeno foi uma constante na nossa História, não obstante só a partir de finais do século XX a comunicação social e o universo político se terem apercebido desta realidade. As grandes obras especializadas para a construção do aeroporto e da rede viária obrigaram necessariamente à entrada de mão-de-obra do continente português e de outras origens, nomeadamente do Brasil e dos países de leste. Na verdade, quase sempre se ignora que a sociedade madeirense foi fruto da imigração de gentes do reino e de outras proveniências europeias que se misturaram com escravos de Canárias, N. de África e Costa da Guiné. A etnogenia da sociedade madeirense despertou desde sempre o interesse da literatura, etnografia e História, mas não existem consensos sobre as origens daqueles que estiveram no princípio do povoamento da Madeira28. Foi aqui que se manteve o debate por muito tempo, esquecendo-se a multiplicidade de origens do fermento da sociedade madeirense. Esta permanente abertura do porto funchalense à entrada de passageiros com estadia passageira ou prolongada mercê ser melhor equacionada. Povoadores, escravos, funcionários, mercadores, foragidos da justiça, das perseguições religiosas e políticas, deportados, doentes em busca de cura e, finalmente, trabalhadores fazem parte desta mistura de raças, culturas e povos que identificam a sociedade madeirense na actualidade. Temos dados e informações sobre este movimento de permanente entrada de imigrantes, mas faltam-nos estudos sobre a sua importância na sociedade e demografia madeirenses29. A situação dos últimos decénios é uma realidade desconhecida e apenas temos informação em estudos de âmbito nacional30. Falta, diga-se em boa razão, um estudo sobre as vagas de imigração dos últimos decénios. Devemos ainda considerar o retorno de madeirenses da Venezuela e África do Sul, que tem tido nos últimos anos um impacto evidente na sociedade. Estamos perante uma realidade ainda não É o caso de Sardinha, Adelino (1996), Adelino´s dream. Na American Story, Funchal, edição de autor. Cf página web http://www.museudapessoa.net/ 26 Cf. On-line, Pagina web [disponível em http://www.correiodevenezuela.com/_Historias/Historias.php]. 27 (2007), Com Portugal en la maleta, Caracas, Editorial Alfa. 28 . MATOS, A. T. (1983), "Origem e reminiscências dos povoadores das ilhas Atlânticas", in Congresso Internacional Bartolomeu Dias e a sua época, actas, III, Porto, 241-252. MELO, Luís de Sousa (1988), "O Problema da origem geográfica do povoamento", in Islenha, 3, 20-34, (1991) “Contribuição açoriana na formação da população madeirense no século XVI”, Girão, 7, pp. 327-331.PINTO, Maria Luís e Teresa Maria Ferreira Rodrigues (1993), "Aspectos do Povoamento das Ilhas da Madeira e Porto Santo nos séculos XV e XVI", i n III Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal, 403-471. SILVA, José Manuel Azevedo e (1995), A Madeira e a Construção do Mundo Atlântico (séculos XV-XVII), 2 vols, Funchal, CEHA. 29 Tenha-se em atenção: Rodrigues, Teresa [2007], Portugal nos séculos XVI e XVII. Vicissitudes da dinâmica demográfica, Lisboa, Cepese, on-line [disponivel em http://cepese.up.pt/ficheiros/WP%20TRodrigues%202.pdf]; OLIVEIRA, Isabel Tiago (2004), A transição da fecundidade nas ilhas da Madeira e de S. Miguel, Revista de Demografía Histórica, XXII, II, segunda época, pp. 85-104. 30 Cf. Baganha, Maria, Pedro Góis e José Carlos Marques (2006), Bibliografia sobre a Imigração em Portugal, Coimbra, Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra-Núcleo de Estudos das Migrações, on-line [disponível em http://www.ces.uc.pt/nucleos/migracoes/pdfs/bibliografia_imigracao_em_portugal.pdf]. Fernando Luís Machado e Ana Raquel Matias (2006), Bibliografia sobre imigração e Minorias Étnicas em Portugal (2000 -2006), Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, on-line [ disponível em http://blogsocinova.fcsh.unl.pt/mjvrosa/files/BIBLIOGRAFIA_sobre_Imigrantes.pdf]. 24 25 devidamente quantificada e quase desconhecida em termos de estudos sociodemográficos. Todos temos conhecimento e contacto no dia à dia com estes, que se identificam facilmente através da forma como falam, mas parece que queremos ignorar a sua presença e a considera-los como um obstáculo. Neste sentido do discurso da intolerância face aos emigrantes recordo aquilo que dizia Roberto Carneiro31 na apresentação de um livro, quando assinalava o facto de sermos historicamente um pais gerador de emigrantes, os tais imigrantes, iguais ou certamente menos qualificados32 que os que hoje recebemos, pelo que o discurso da reciprocidade deve ser uma palavra de ordem das politicas e dos nossos comportamentos sociais face a estes imigrantes. 2.-IMIGRAÇÃO NA MADEIRA. A ilha, porque um espaço desabitado, começou a sua inserção no mundo europeu atlântico através de um processo de povoamento com gentes de diversas proveniências. A primeira chegada foi marcada pela curiosidade e aventura associados à necessidade de encontrar terra que escasseava no reino. Depois a riqueza que estes primeiros povoadores conseguiram arrancar do solo chamou outros, seja mercadores nacionais e estrangeiros, seja diversos oficiais mecânicos necessários à composição harmónica do quadro sócio-profissional. Assim os séculos XV e XVI foram marcados por esta chegada dos europeus a que se associaram os escravos africanos, primeiro das Canárias e depois da Costa de Guiné. A grande atracção do primeiro momento foi paulatinamente sendo desvalorizada pelo aparecimento de novos espaços com idênticas garantias e novas motivações que motivaram novos rumos para as migrações, a que não ficaram alheios estes que acabavam de chegar. A mobilidade social é assim uma das características mais evidentes destas novas sociedades. A partir do de meados século XVI a atracção do solo madeirense é desvalorizada em favor de novos espaços atlânticos, mas isso não impediu que as portas se mantivessem abertas para novas chegadas, de mercadores, soldados, aristocratas, deportados. Deste modo os séculos XIX e XX, por questões ligadas à conjuntura politica e económica foram marcados por diversos momentos de forte atracção. Aqui as motivações e as condições das migrações são distintas. Continuamos a ter os que chegam de livre vontade e os que são forçados de forma violenta a fazer esse movimento, mas enquanto no momento anterior estes eram os que apareciam na condição de escravos agora são as convicções politicas que levam a esta situação e que fazem com que as ilhas se transformem muitas vezes em presídios para políticos. Por outro lado na década de setenta as mudanças políticas deram lugar a uma nova realidade para o arquipélago madeirense. O processo de autonomia politica foi o motor de arranque para uma política de desenvolvimento económico assente num conjunto variado de obras públicas. Estas criaram necessidades de mão-de-obra que a ilha não tinha condições de assegurar pelo que a partir dos anos noventa do século XX a Madeira passou também a ser um destino para emigrantes da Guiné-Bissau, Brasil e países do leste europeu. Esta baixa capacidade do mercado de trabalho madeirense em dar resposta a esta demanda, por força do volume de obras públicas, do aparecimento de novos serviços na hotelaria, restauração e comércio levou a esta inversão com implicações sócio-demograficas evidentes. Deste modo para a Madeira à realidade da emigração, que ainda continua e manter-se-á presente, veio juntar-se a de imigração, com todas as situações decorrentes da integração destas comunidades que geram mais motivos de intervenção no quadro político regional. Santos, Vanda (2004), O discurso oficial do Estado sobre a emigração dos anos 60 a 80 e emigração dos anos 90 à actualidade, Lisboa, ACIME, p.9. Refere o mesmo a propósito: Um país que é simultaneamente fornecedor de mão-de-obra para economias mais desenvolvidas e que é importador de mão-de-obra imigrante para sustentação das necessidades da sua economia doméstica vive uma tensão permanente. (ibidem, p.10) 32 Sobre a situação dos novos imigrantes cf. Jorge Malheiros org. (2007), Imigração brasileira em AA.VV. (2002), A Imigração em Portugal. Os Movimentos Humanos e Culturais em Portugal, Lisboa, SOS Racismo; Jorge Malheiros org. (2007), Imigração brasileira em Portugal, Lisboa ACIDI; Cádima, Francisco Rui (2003), Representações (imagens) dos imigrantes e das minorias étnicas na imprensa, Lisboa, OBERCOM; LAGES, Mario e outros (2006), Os Imigrantes e a População Portuguesa Imagens Recíprocas Análise de duas Sondagens, Lisboa, ACIME. SANTOS, Pedro Filipe (2004), Vento de Leste: a nova imigração em Portugal; rev. Piedade Góis. - 1ª ed. - Lisboa: Edeline, Portugal, Lisboa ACIDI; Góis, Pedro e José Carlos Marques (2007), Estudo Prospectivo sobre Imigrantes Qualificados em Portugal, Lisboa, ACIDI., Peixoto, João (1998), As Migrações dos Quadros Altamente Qualificados em Portugal- Fluxos migratórios inter-regionais, Internacionais e mobilidade inter-organizacional, Lisboa, Dissertação de Doutoramento em Sociologia Económica e das Organizações, ISEG/UTL. 31 2.1.Séculos XV e XVI: A CHEGADA DE EUROPEUS E AFRICANOS. As ilhas atlânticas assumiram uma situação particular no contexto das migrações portuguesas do século XV. Perante os portugueses deparam-se ilhas desertas, que pela riqueza do solo ou posição geográfica são ocupadas33. Para isso foi necessário encontrar, não só marinheiros, mas também, lavradores, homens braçais e de diversos ofícios disponíveis para esta tarefa de montar a nova sociedade e economia no meio do atlântico nestes espaços ermos. Ate ao século XX não se torna fácil saber quantos imigrantes de diversas proveniências a ilha acolheu. A informação e apenas qualitativa, pois através da documentação disponível só poderemos saber dos principais momentos destas levas migratórias e da importância que as mesmas comunidades assumiram na economia e sociedade madeirense em diversos momentos. A presença de escravos, judeus, comerciantes italianos, flamengos, franceses, espanhóis e ingleses foi uma realidade ao longo dos tempos que não pode ser mensurável de forma estatística. Os dados que se seguem têm a finalidade de evidenciar essa importância. OS POVOADORES. No momento da ocupação as dificuldades sentidas foram inúmeras, variando à medida que se avançava para Ocidente ou rumo ao Sul. A coroa e o senhorio sentiram na necessidade de atribuir incentivos à fixação de colono através da entrega de terras de sesmaria, privilégios e isenções fiscais variadas e a saída forçada daqueles que eram sentenciados em pena de degredo. Tudo isto começou na Madeira, alargando-se depois às restantes ilhas. A concessão de terras foi, a par dos inúmeros privilégios fiscais, um dos principais incentivos à fixação de colonos, mesmo em áreas inóspitas como Cabo Verde e S. Tomé. A avidez de terras e títulos por parte dos filhos-segundos e da pequena aristocracia do reino contribuiu para alimentar a diáspora. Sabe-se, de acordo com um capítulo de uma carta de D. Joio I inserido noutra de 1493, que foi o rei quem regulamentou a forma de entrega das terras na Madeira. Ela deveria ser feita de acordo com o estatuto social do colono. Assim os vizinhos de mais elevada condição e possuidores de proventos recebem-nas sem qualquer encargo. Os pobres e humildes que viviam do seu trabalho só a elas tinham direito mediante requisitos especiais, e apenas as terras que pudessem arrotear e tornar aráveis num prazo de dez anos. Com estas cláusulas restritivas favorecia-se a concentração da propriedade num reduzido número de povoadores. Aos primeiros obreiros e cabouqueiros seguiram-se diversas levas de gente, entusiasmadas com o progresso atingido pela ilha. Neste grupo surgem trinta e seis apaniguados da casa do infante, na sua maioria escudeiros e criados, que adquiriram uma posição proeminente ao nível administrativo e fundiário. Mesmo assim João Gonçalves Zarco sentiu dificuldade em encontrar varões de qualidade para desposarem as suas filhas, tendo solicitado ao monarca o seu envio do reino. Isto poderá ser o indicativo de que a aristocracia reinol apostava mais nas façanhas bélicas em Marrocos do que num projecto de povoamento. A enxada não lhes era familiar. Por outro lado confirma o fracasso de Zarco no recrutamento de gente nobilitada, que teve de ser suprida com aqueles que pretendiam "buscar vida e ventura". O processo de povoamento decorreu de forma faseada. Primeiro tivemos na década de vinte os aventureiros e companheiros de João Gonçalves Zargo e TristãoVaz. Depois em meados da centúria surge novo grupo, atraído pela fama das riquezas da ilha, alguns filhos-segundos de famílias nobilitadas oriundas do norte. Por fim, a partir da década de sessenta, após a morte do infante, foi o entusiasmo de estrangeiros, nomeadamente, oriundos das cidades italianas, a quem as portas se abriram. É comum afirmar-se que os primeiros povoadores da Madeira são oriundos do Algarve. A primeira questão que se deve colocar quando pretendemos abordar a presença do Algarve na História da Madeira é a da origem dos primeiros colonos que povoaram a ilha. É comum afirmar-se 33 ALBUQUERQUE, Luís de, "O avanço no Atlântico. Necessidade estratégica de ocupação das ilhas atlânticas", in Portugal no Mundo, vol. I, pp.201-211. que os primeiros povoadores da Madeira são oriundos do Algarve34. Esta ideia filia-se na tradição algarvia da gesta expansionista e na seguinte expressão de Jerónimo Dias Leite: «muitos do Algarve»35. Mais uma vez estamos perante uma dedução apressada, uma vez que faltam provas que a corroborem. Os mais eminentes investigadores madeirenses hesitam entre a procedência minhota ou algarvia dos primeiros colonos36. Ernesto Gonçalves, no entanto, é peremptório em apontar a ascendência minhota dos primeiros obreiros do povoamento do arquipélago37. Tendo em consideração que o povoamento da Madeira é um processo faseado, em que intervêm colonos oriundos dos mais recônditos destinos, e que de todo o reino surgem gentes empenhadas nesta tentadora experiência, é de prever a confluência de várias localidades, em especial a norte do Tejo Aveiro, Porto e Viana -, adestradas no arroteamento de terras incultas ou nas lides do mar. Se é certo que do Algarve partem muitos dos apaniguados da casa do infante, com uma função importante no lançamento das bases institucionais do senhorio, não é menos certo que do norte de Portugal, nomeadamente da região de Entre Douro e Minho, provêm os cabouqueiros das ilha. 2.2- OS DEGREDADOS. A política de penas de degredo pela justiça acompanhou de perto o processo da expansão portuguesa, sendo a forma mais comum da coroa proceder à ocupação de novos espaços 38. O primeiro sentenciado de degredo para a Madeira, de que ficou notícia, foi João Anes. Ele, entretanto, fugira para Ceuta e em 1441, passados onze anos, veio a solicitar o perdão régio. Para os Açores o encaminhamento dos degredados passou a ser feito por pedido expresso do infante D. Henrique no período da regência de D. Pedro. Mas as ilhas pouco cativavam a sua atenção, como se depreende do requerimento feito por João Vaz para que lhe fosse comutada a pena para Ceuta, pois no seu entender "as dictas ilhas nom eram taes pera em ellas homens poderem viver". ETNOGENIA MADEIRENSE. O povoamento dos arquipélagos atlânticos faz-se em consonância com as condições oferecidas pelo meio, o satisfazer as necessidades cerealíferas ou válvula de escape para os atritos sociais e políticos da península. No caso português a inexistência de população nas ilhas entretanto ocupadas levou à canalização dos excedentes populacionais ou os disponíveis no reino. O fenómeno de transmigração da época quatrocentista apresenta, ao nível da mobilidade social, um aspecto particular das sociedades insulares. Elas foram, primeiro, pólos de atracção e, depois, viveiros disseminadores de gentes para a faina atlântica. No começo, a novidade aliada aos inúmeros incentivos de fixação definiram o primeiro destino, mas, depois, as escassas e limitadas possibilidades económicas das ilhas e o fascínio pelas riquezas das Índias conduziram a novos rumos. No primeiro caso a Madeira, porque foi rápida a valorização económica, galvanizou as atenções portuguesas e mediterrâneas. Só depois surgiram novos destinos insulares, como as Canárias, Açores, Cabo Verde e S. Tomé, onde os madeirenses jogaram um importante papel. Desta forma a Madeira do século XV poderá ser definida como um pólo de convergência e redistribuição do movimento migratório no mundo insular. 34 MATOS, A.T. (1987), "Do contributo algarvio no povoamento de Madeira e dos Açores" in Actas das I Jornadas de História do Algarve e Andaluzia, Loulé, 173-183; IDEM (1989), "Origem e reminiscências dos povoadores das ilhas atlânticas", in Congresso Internacional. Bartolomeu Dias e a sua época, Vol. III, Porto, 241-252. 35. Ob. cit., 16; Gaspar FRUTUOSO, ob.cit., 54. 36. Fernando Augusto da SILVA, «Do começo do povoamento madeirense», in Das Artes e História da Madeira, Vol. VIII, nº 37, 5; SERRÃO, Joel (1961), «Na alvorada do mundo atlântico», in Ibidem, VI, nº 31, 6. 37. (1955), «No Minho ao sol de Verão», in Ibidem, IV, nº 21, 45-46; Vaz, Fernando M., Famílias da Madeira e Porto Santo, vol. I, Funchal, s.d., pp. 224 (nº 1) e 248 (nº 1). 38 Cf. COATES, Timothy J. (1998), Degredados e Orfãs: Colonização Dirigida pela Coroa no Império Português. 1550-1755, Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses. OS PORTUGUESES. Os fermentos da geografia humana das ilhas foram peninsulares, de origens diversas, cuja incidência as fontes históricas nos impedem de afirmar com firmeza. Insiste-se para a Madeira, Açores e Cabo Verde que as primeiras levas de povoadores foram de proveniência algarvia, mas não há dados suficientemente claros sobre a sua dominância. Esta dedução resulta do facto de o infante D. Henrique ter fixado morada no litoral algarvio e de lá terem partido as primeiras caravelas de reconhecimento e ocupação das ilhas. Mas como encontrar colonos disponíveis gente numa área que carecia deles? Os que partiam do Algarve eram mesmo daí oriundos ou gentes que aí afluíam atraídas pela azáfama marítima que lá se vivia?39 Orlando Ribeiro40 afirma, a este propósito, que nas ilhas da Madeira, Porto Santo, Santa Maria e S. Miguel, ao primeiro impacto de gente do sul se seguiu o nortenho. Numa listagem sumária dos primeiros povoadores, onde foi possível reunir 179, a presença nortenha é maioritária: a norte do Tejo temos a maior incidência dos nacionais. Além disso os registos paroquiais da freguesia da Sé para o período de 1539 a 1600 corroboram a ideia, dando-nos um número maioritário de nubentes das regiões de Braga, Porto e Viana do Castelo41. Esta mesma ideia é corroborada nas restantes freguesias da ilha42. Também na listagem do grupo de mercadores, nos primeiros anos é dominante a presença de gentes de Entre-Douro-e-Minho, nomeadamente dos portos costeiros de Ponte Lima, Vila Real e Vila do Conde43. OS ESTRANGEIROS. A presença de estrangeiros é evidente desde os primórdios da ocupação da Madeira. Eles actuaram primeiro na condição de estantes e depois conseguiram a necessária naturalização que lhes permitiu uma participação activa na sociedade madeirense. O primeiro grupo, atraído pelo comércio do açúcar foi dominado pelos italianos, flamengos e franceses, seguindo-se os ingleses à procura do vinho e, finalmente, os sírios e os alemães à conquista do bordado. A Madeira atraiu a partir de meados do século XV uma vaga de forasteiros, atraídos pela exploração do açúcar. Apenas as ordenanças limitativas de residência na ilha impostas pelos locais os impediram de uma maior penetração O monarca facultara a entrada e a fixação de italianos, flamengos, franceses e bretões, por meio de privilégios especiais, como forma de assegurar um mercado europeu para o açúcar. Esta influência foi considerada lesiva para os mercadores nacionais e coroa, pelo que se determinou a proibição de permanência na ilha como vizinhos. O problema foi levado às cortes de Coimbra (1472-1473) e de Évora (1481), reclamando a burguesia do reino contra o monopólio, de facto, dos mercadores genoveses e judeus no comércio do açúcar e propondo que tal se fizesse a partir de Lisboa nas mesmas condições. O monarca, comprometido com a posição vantajosa assumida pelos estrangeiros, mercê dos privilégios que lhes concedera, actuou de modo ambíguo, procurando ao mesmo tempo salvaguardar os seus compromissos e atender às solicitações que lhe eram dirigidas. Assim estabeleceram-se limitações à residência de estrangeiros, fazendo-a depender de licenças especiais. Quanto à Madeira definiu-se a impossibilidade da vizinhança sem licença sua, ao mesmo tempo que se interditava a revenda no mercado local. A Câmara do Funchal, baseada nestas ordenações e no desejo dos moradores, ordenou a sua saída até Setembro de 1486, no que foi impedida pelo duque. Somente em 1489 foi consensual o reconhecimento da utilidade da presença de estrangeiros na ilha. Deste modo João II ordenou a D. Manuel, Duque de Beja e senhor da ilha, que os estrangeiros fossem considerados como “naturais e vizinhos de nossos reinos”. 39 Veja-se o contributo de Alberto IRIA (O Algarve e a ilha da Madeira no século XV (documentos inéditos), Lisboa, 1974) e a crítica de Fernando Jasmins PEREIRA (1991) ("O Algarve e a ilha da Madeira. Críticas e aditamentos a Alberto Iria", in Estudos sobre História da Madeira, Funchal, pp. 283-296). O tema foi retomado por Artur Teodoro de MATOS (1987) ["Do contributo algarvio no povoamento da Madeira e dos Açores", in Actas das I Jornadas de História medieval do Algarve e Andaluzia, Loulé], que releva a importância das gentes algarvias no povoamento da Madeira e Açores. 40. (1962),"Aspectos e problemas da expansão portuguesa", in Estudos de Ciências Políticas e Sociais, nº.59, Lisboa. 41 MELO (1988), Luís de Sousa, "O problema da origem geográfica do povoamento", in Islenha, nº.3, 20-34. 42 PINTO, Maria Luís Rocha e Teresa Maria Ferreira RODRIGUES (1993), "Aspectos do povoamento das ilhas da Madeira e Porto Santo nos séculos XV e XVI", in Actas do III Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal, 403-471. 43 VIEIRA, Alberto (1987), O Comércio inter-insular nos séculos XV e XXXVI. Madeira, Açores e Canárias, Funchal, pp.87 -89. Os problemas surgidos no mercado açucareiro a partir da década de 1490 conduziram ao ressurgimento da política xenófoba. Os estrangeiros passaram a dispor de três ou quatro meses, isto é entre Abril e meados de Setembro, para comerciar os seus produtos, não podendo dispor de loja e feitor. Foi D. Manuel quem em 1498reconheceu o prejuízo que as referidas medidas causavam à economia madeirense, afugentando os mercadores, revogando as interdições anteriormente impostas. A partir daqui as facilidades concedidas à estadia destes agentes forasteiros permitiram a assiduidade da sua frequência, bem como à fixação e intervenção na estrutura fundiária e administrativa. Genoveses, Florentinos e Venezianos. No início a comunidade de mercadores estrangeiros na Madeira estava dominada pelos florentinos, genoveses e venezianos, a que se seguiam os flamengos e os franceses. Todos eles foram atraídos pelo tão solicitado ouro branco. Em especial florentinos e genoveses, conseguiram, desde meados do século XV, afirmar-se como os principais agentes do comércio do açúcar, alargando, depois, a actuação ao domínio fundiário, por meio da compra e laços matrimoniais. A actividade comercial, principal móbil de fixação destes estrangeiros, não absorveu por completo a sua intervenção, pois que se subdividiam entre o comércio, o transporte, a banca, a produção e a administrações local e central. As primeiras actividades complementavam-se e garantiam-lhes um pecúlio vantajoso, enquanto a última lhes assegurava as condições e os meios preferenciais da sua acção. Aquilo que mais favoreceu a presença desta comunidade italiana na ilha, para além do conhecimento dos "segredos" da produção e comércio do açúcar, foi a fácil naturalização de direito, adquirida por alvará régio, ou de facto, por meio do relacionamento matrimonial com as principais famílias da ilha. A forma mais eficaz de naturalização e de plena intervenção do estrangeiro na vida do madeirense estava no casamento, que foi para muitos a via de penetração na sociedade e de conquista de uma posição de relevo ao nível fundiário e institucional. A presença destes cidadãos das Repúblicas de Itália deriva, não só da sua implantação na Península Ibérica e manifesto empenho na revelação do novo mundo, mas também, do facto da ilha se tornar numa importante área de produção e comércio do açúcar. Assentaram morada nos portos ribeirinhos de maior animação comercial, evidenciando-se como mercadores, mareantes e banqueiros. Os de Génova e Florença, cidades de grande animação comercial e marítima, abriram, nos locais de fixação, novas vias para o comércio com o mercado mediterrânico. Os genoveses acompanharam o périplo da cana-de-açúcar para Ocidente e depois além-Atlântico. O empenho genovês no mercado atlântico resulta da perda de posição no mercado mediterrânico, mercê da rivalidade com Veneza e das ameaças propiciadas com o avanço turco. A perda de influência no mercado açucareiro cipriota é compensada com a intervenção privilegiada nas ilhas atlânticas. Foi, na realidade, a partir da década de setenta que o açúcar ganhou uma posição dominante na produção e comércio da ilha. A sua íntima ligação ao açúcar é manifesta quando procuramos indagar da sua presença em momentos de crise de produção e comércio da cultura. A partir da década de trinta da centúria quinhentista é difícil encontrar o seu rastro na ilha. Apenas os que nela criaram raízes familiares. Os demais debandaram rumo aos novos e mais promissores mercados. As evidências desta realidade são notórias. Na década de 70, mediante o contrato estabelecido com o senhorio da ilha para o comércio do açúcar, detinham uma posição maioritária na sociedade criada para o efeito, sendo representados por Baptista Lomellini, Francisco Calvo e Micer Leão. Os mercadores-banqueiros de Florença evidenciaram-se nas transacções comerciais e financeiras em torno do açúcar madeirense no mercado europeu. A partir de Lisboa, onde detinham uma privilegiada posição junto da coroa, mantiveram uma extensa rede de negócios que abrangia a Madeira e as principais praças europeias. Primeiro conseguiram, por meio do contrato com a Fazenda Real, o quase exclusivo comércio do açúcar resultante dos direitos reais. Depois apoderaram-se do açúcar em comércio, tomando o exclusivo dos contingentes estabelecidos pela coroa, em 1498. A manutenção desta rede de negócios fazia-se por intervenção directa dos mercadores ou com o recurso a procuradores e agentes substabelecidos. Não obstante os obstáculos colocados pelos madeirenses podemos considerar a sua presença na ilha como benéfica. Estes, para além de propiciarem o desenvolvimento das relações de troca em torno do açúcar, foram portadores de novas técnicas e meios de comércio, imprescindíveis para as dimensões que o trato assumiu. De entre estes destacam-se os florentinos que promoveram as companhias e sociedades comerciais e o uso das letras de câmbio nas vultuosas operações comerciais. O negócio do açúcar foi promovido pelos mercadores que, através de familiares e amigos, lançaram uma rede que atingiu as principais praças europeias. O domínio atingiu, não só as sociedades criadas no exterior com intervenção na ilha, mas também, o numeroso grupo de agentes ou feitores e procuradores substabelecidos no Funchal. A afirmação desta comunidade mercantil na sociedade madeirense foi acentuada. O usufruto de privilégios reais e o relacionamento familiar conduziram à plena inserção na aristocracia terra tenente e administrativa. Foram proprietários e mercadores de açúcar, dominando as terras de melhor e maior produção. Também não se coibiram de intervir na vida local, desde a vereação às repartições da Fazenda Real, áreas administrativas cuja acção tinha incidência na economia açucareira. Foram almoxarifes e provedores da fazenda, como responsáveis pela arrecadação dos direitos reais e rendeiros. Franceses e Flamengos. Franceses e flamengos, a exemplo dos cidadãos das diversas cidadesestado italianas, surgem, desde finais do século XV, atraídos pelo comércio do açúcar, mas sem criarem raízes na sociedade insular. O interesse estava única e exclusivamente na aquisição do açúcar a troco dos artefactos, alheando-se da realidade produtiva e administrativa. João Esmeraldo, António Leme e os irmãos Henrique e Guirarte Terra Nova são a excepção. Os franceses pautaram a sua presença na ilha por uma activa intervenção no comércio do açúcar da primeira metade do século XVI. Eles iam referenciados com frequência nas comarcas do Funchal, Ponta do Sol, Ribeira Brava e Calheta, onde adquiriam grandes quantidades de açúcar que transportavam em embarcações próprias aos portos franceses. A presença flamenga torna-se visível a partir da década de setenta do século XV, estabelecendo uma rota directa de comércio de açúcar entre a Madeira e as praças de Bruges e Antuérpia. Uma das mais evidentes contrapartidas deste relacionamento comercial está ainda hoje visível na presença das diversas oficinas de pintura da Flandres, dispondo a Madeira de uma das mais importantes e valiosas colecções de arte flamenga fora do seu espaço. Ingleses Em 1873 Álvaro Rodrigues de Azevedo44 chamava a atenção para a posição assumida pelos ingleses na Madeira, sendo corroborado em 1924 pelo testemunho de Raul Brandão45 . O cosmopolitismo britânico era um facto e coroava todo o impacto da sua histórica presença. Os ingleses foram os últimos a se envolverem pelo fascínio da ilha mas os que mais deixaram marcas visíveis da sua presença. A eles se deve a descoberta das qualidades terapêuticas, as espécies botânicas e a fruição das belezas do interior, em passeios a pé, a cavalo ou em rede. A afirmação da hegemonia britânica no Atlântico e Índico, a partir do século XVII, fez com que a Madeira se transformasse num dos pilares deste vasto império, uma base imprescindível para o corso marítimo e porto obrigatório de abastecimento das embarcações do comércio de vinho. No século XVIII ficou reforçada a vocação atlântica, contribuindo para isso o facto dos ingleses não dispensarem o porto do Funchal e o vinho madeirense na sua estratégia colonial. Os diversos Actos de Navegação (1660, 1665), corroborados pelos tratados de amizade, como o de Methuen (1703), abriram o caminho para que a ilha entrasse na área de influência do mundo inglês. A presença e importância da feitoria inglesa, no século XVIII, são uma realidade. A Madeira funcionava para os ingleses como uma colónia com um papel fundamental nas ligações entre a metrópole e as possessões americanas e das Índias Ocidentais e Orientais. A presença de armadas inglesas no Funchal era constante e o relacionamento com as autoridades locais sempre foi amistoso, pois eram recebidos pelo governador com toda a 44 Anotações, Frutuoso, Gaspar (1873), As Saudades da Terra, Funchal, 720. (1926)Ilhas Desconhecidas, Lisboa, 264. 45. hospitalidade. Destas relevam-se as de 1799 e 1805, compostas, respectivamente de 108 e 112 embarcações. Era também assídua a presença de uma esquadra inglesa a patrulhar o mar madeirense Os britânicos concretizaram uma velha ambição, fazendo da ilha mais um recanto de Sua Majestade. O primeiro indício desta apetência surgiu em 1660 com as negociações para o dote do casamento da infanta portuguesa D. Catarina com o rei inglês Carlos II em que a parte inglesa terá reivindicado a inclusão da ilha da Madeira. A situação baseava-se no facto da infanta ser detentora de uma doação de 1656. A conjuntura política decorrente das ambições imperiais de Napoleão Bonaparte repercutiu-se de forma evidente no espaço atlântico, provocando uma alteração no movimento comercial. O mútuo bloqueio continental entre a França e a Inglaterra lançou as bases para uma nova era na economia atlântica. Os tradicionais circuitos comerciais que se iniciavam e finalizavam nos portos eu O bloqueio não foi assumido e fiscalizado na totalidade. E significou apenas a alteração de algumas rotas comerciais. A Madeira perdeu os portos do reino e do norte da Europa, mas em contrapartida ganhou nos contactos com os Açores e com as colónias inglesas do Índico. Perante tudo isto só faltava hastear a bandeira no torreão do palácio de S. Lourenço, proclamar a soberania britânica na ilha e reclamar do madeirense o juramento de fidelidade a Sua Majestade. Esta situação persistiu até 1814. Note-se que anos antes (entre 24 de Julho de 1801 e 25 de Janeiro de 1802) a conturbada conjuntura europeia e os pactos estabelecidos pela velha aliança levaram a que os ingleses se limitassem apenas a ocupar a ilha, mantendo-se a soberania portuguesa. Os ingleses, fiéis às ordens de Sua Majestade acataram as determinações régias de 16 de Maio de 1806, favorecendo, inevitavelmente, a Madeira. A partir daqui todas, ou quase todas as embarcações que se dirigiam aos portos franceses e castelhanos foram desviadas para a Madeira. As principais casas comerciais reforçaram a sua posição, acabando por dominar o mercado da exportação do vinho e de importação de artefactos e alimentos. A posição privilegiada dos ingleses está expressa no estabelecimento a partir de 1765 da feitoria britânica. De acordo com os tratados, eles usufruíam de regalias especiais, sendo isentos dos direitos de exportação do vinho, e dispunham de conservatória e juiz privativo. O século XIX marcou o fim desta situação, primeiro com a perda do juiz em 1812 e a definitiva extinção da feitoria em 1842. A feitoria, através das cotizações dos mercadores, construiu o cemitério britânico em 1808 e a Capela da Sagrada e Indivisa Trindade em 1822. A mesma manteve no hospital da Misericórdia uma enfermaria para uso exclusivo da comunidade. Os ingleses ao mesmo tempo que se serviam da ilha para a afirmação da estratégia colonial, procuraram fruir da riqueza controlando o comércio do vinho e desfrutar das belezas e clima ameno, fazendo do Funchal uma das mais importantes estâncias de Inverno e de cura da tísica pulmonar. Deste modo podemos afirmar que foram eles que definiram o mercado do vinho nos séculos XVII e XVIII, lançaram as bases do turismo madeirense e divulgaram, em estudos científicos, a fauna e flora do arquipélago. Tudo isto porque a coroa portuguesa preferiu entregar o controlo da ilha aos súbditos de Sua Majestade através das cedências expressas nos inúmeros tratados luso-britânicos. Em síntese poder-se-á afirmar que as comunidades estrangeiras, de origem italiana e flamenga, deram um contributo relevante ao povoamento e valorização económica das ilhas. Na Madeira e nas Canárias evidenciaram-se os genoveses como principais arautos da economia açucareira, enquanto nos Açores os segundos afirmaram-se como povoadores de algumas ilhas e principais promotores da cultura do pastel. A presença flamenga na Madeira e Canárias é tardia, o que não prejudicou a sua vinculação à cultura e comércio do açúcar. Entre eles merece especial referência os Weselers com importantes interesses na Madeira e em La Palma. ESCRAVOS. A migração de escravos assume uma situação particular no contexto das emigrações em que o movimento e comandado de fora por interesses económicos que conduzem a uma forma de dominação e subordinação de outros povos. Esta forma de migração forcada, que marcou a Historia do Atlântico por mais de quatro séculos foi responsável por diversas assimetrias sociais entre os dois lados do oceano. Neste contexto dominador e opressivo do ser humano a Madeira tem um papel de abertura a nova realidade. O GUANCHE. O guanche foi a primeira vítima dos assaltos peninsulares. Eles surgem com alguma frequência na Madeira e Algarve, sendo raros nos Açores. Aqui contam a assiduidade dos contactos e a vinculação destas gentes às diversas tentativas de conquista henriquina de algumas ilhas do arquipélago. A sua presença na Madeira é um facto natural. Para isso contribuíram a proximidade da Madeira e o total comprometimento dos madeirenses na empresa henriquina. Decorridos, apenas 26 anos após o início do povoamento da Madeira, os madeirenses embrenharam-se na complexa disputa pela posse das Canárias ao serviço do senhor, o infante D. Henrique. Tais condições supracitadas definiram a intervenção madeirense neste mercado de escravos, surgindo, na primeira metade do século XV, algumas incursões de que resultou o aprisionamento de escravos. Destas referem-se três (1425, 1427, 1434) que partiram da Madeira. Mais tarde, com a expedição à costa africana de 1445 o madeirense Álvaro de Ornelas fez um desvio à ilha de La Palma onde tomou alguns indígenas que conduziu à Madeira. Aliás, nas inúmeras viagens organizadas por portugueses entre 1424 e 1446, surgem escravos que, depois, são vendidos na Madeira ou em Lagos. A partir de meados do século XV, são assíduas as referências a escravos canários na ilha da Madeira como pastores e mestres de engenho46. A sua presença na ilha deveria ser importante nas últimas décadas do século XV. Os documentos clamando por medidas para acalmar a sua rebeldia são indício disso. Muitos deles, fiéis à tradição de pastoreio, mantiveram-se na Madeira fiéis a este ofício. Estranhamente, nos testamentos do século XV, não encontramos indicação de qualquer escravo guanche. Para além dos dois escravos que possuía o capitão Simão Gonçalves da Câmara, sabe-se que João Esmeraldo, na Lombada da Ponta do Sol, era também detentor de escravos desta origem, sem ser referido o número 47. Cadamosto, na primeira passagem pelo Funchal em 1455, refere ter visto um canário cristão que se dedicava a fazer apostas sobre o arremesso de pedras48. Será que o Pico Canário (Santana) e o lugar do Canário (Ponta de Sol) se referem ao escravo ou ao pássaro tão comum nestes arquipélagos? Nos anos de 1445 e 1446 estão documentadas diversas expedições às Canárias, que contribuíram para o aumento das presas de escravos do arquipélago na Madeira. Em 1445 ambos os capitães da ilha - Tristão Vaz e Gonçalves Zarco - enviaram caravelas de reconhecimento à costa africana, mas o fracasso da viagem levou-os a garantirem a despesa com uma presa em La Gomera. Álvaro Fernandes fez dois assaltos em La Gomera e em 1446 foi enviado por João Gonçalves Zarco, referindo Zurara a intenção de realizar alguma presa. A última expedição, bem como as acima citadas revelam que os escravos canários adquiriram uma dimensão importante na sociedade madeirense pela sua intervenção na pastorícia e actividade dos engenhos. Aqui, a exemplo das Canárias, eles, nomeadamente, os fugitivos foram um quebra-cabeças para as autoridades. Por tudo isto podemos concluir que as Canárias se afirmaram no século XV como o principal fornecedor de escravos, complementando com as presas dos assaltos à costa marroquina e viagens para sul. Os canários foram na ilha pastores e mestres de engenho. O MOURISCO. Os cronistas do século XV e XVI relevam o activo protagonismo dos madeirenses na manutenção e defesa das praças de Marrocos. A principal aristocracia da ilha fez delas o meio para o reforço das tradições da cavalaria medieval, uma forma de serviço ao senhor e fonte 46. SIEMENS, Lothar y Liliana BARRETO (1974), "Los esclavos aborigenes canarios en la isla de la Madera (1455-1505)", in Anuário de Estudios Atlanticos, nº 20, 111-143. Aqui utilizamos o termo canário para designar os escravos oriundos do arquipélago das Canárias, não obstante esse termo querer significar os habitantes de Gran Canária. Mas segundo Gaspar FRUTUOSO (livro primeiro das Saudades da Terra, p. 73) "desta (Gran Canaria) tomaram o nome geral de canários os habitadores das outras, ainda que também seus particulares nomes". 47. FRUTUOSO, Gaspar (1979), Livro primeiro das Saudades da Terra. P. Delgada, 124. 48. GARCIA, José Manuel (1983), Viagens dos Descobrimentos, Lisboa, p. 86. granjeadora de títulos e honras. Esta acção foi evidente, e imprescindível à presença portuguesa, na primeira metade do século XVI, destacando-se diversas armadas de socorro a Arzila, Azamor, Mazagão, Santa Cruz de Cabo Gué, Safim. Aí os protagonistas foram os capitães do Funchal e Machico, bem como a aristocracia da Ribeira Brava e Funchal. A dupla intervenção dos madeirenses na conquista e manutenção das praças marroquinas e portos da costa além do Bojador contribuiu para a abertura das rotas de comércio de escravos, daí oriundos. No caso de Marrocos a assídua participação deles na defesa trouxe-lhes algumas contrapartidas favoráveis em termos das presas de guerra. Daí terão resultado os escravos mouriscos que encontrámos. O NEGRO DA GUINÉ. O comprometimento dos madeirenses com as viagens de exploração e comércio ao longo da costa africana, e a importância do porto do Funchal no traçado das rotas definiram para a ilha uma posição preferencial no comércio dos escravos negros da Guiné. Deste modo não seria difícil de afirmar, embora nos faltem dados, que os primeiros negros da costa ocidental africana chegaram à Madeira muito antes de serem alvo da curiosidade das gentes de Lagos e Lisboa. A situação da Madeira e dos madeirenses nas navegações supracitadas, a par da extrema carência de mão-de-obra para o arroteamento das diversas clareiras abertas na ilha pelos primeiros povoadores, geraram, inevitavelmente, o desvio da rota do comércio de escravos, surgindo o Funchal, em meados do século XV, como um dos principais mercados receptores. Em nenhum outro local o escravo era tão importante como na Madeira. É pouca a informação disponível mas o suficiente para revelar a importância que assumiu na Madeira o comércio com o litoral africano, onde os escravos deveriam preencher uma posição dominante. Todavia ela impede-nos de avaliar com segurança o nível deste movimento e a importância que os mesmos escravos assumiram, no século XV, na sociedade madeirense. A prova da existência deste activo comércio de escravos entre a Madeira e Cabo Verde temo-la em 156249 e 156750. Nesta década as dificuldades sentidas na cultura do açúcar levaram os lavradores a solicitarem junto da coroa, facilidades para o provimento de escravos na Guiné, com o envio de uma embarcação para tal efeito. O rei acedeu a esta legítima aspiração dos lavradores madeirenses e ordenou que, após o terminus do contrato de arrendamento com António Gonçalves e Duarte Leão - , isto é, em 1562, aqueles pudessem enviar anualmente uma embarcação a buscar escravos. Em 1567 foi necessário regulamentar, de novo, o privilégio atribuído aos madeirenses, sendo-lhes concedido o direito de importar anualmente, por um período de cinco anos, de Cabo Verde e dos Rios de Guiné, cento e cinquenta peças de escravos, dos quais cem ficariam no Funchal e cinquenta na Calheta. A COMUNIDADE SEFARDITA DA MADEIRA. No Portugal dos séculos XV e XVI a presença de comunidade sefardita era importante detendo um papel destacado na economia e finanças. Notese que judeu era sinónimo de negociante51. O despoletar do processo dos descobrimentos atlânticos e os consequentes mercados e rotas comerciais fez com que a sua atenção estivesse para aí virada assumindo idêntico protagonismo52. Neste contexto, a Madeira, porque assumir um papel evidente em todo o processo, será o primeiro pólo de atracção desta comunidade. As perspectivas eram promissoras, pois o lançamento em meados do século XV da cultura açucareira transformou a Madeira num dos principais mercados atlânticos. A atracção principal era o açúcar que tinha mercado no Mediterrâneo e norte da Europa. E por ele a Madeira acolheu, primeiro os judeus, genoveses e venezianos e, depois, flamengos e franceses. Com o açúcar estavam encontrados os ingredientes fáceis para atrair os agiotas da finança e comércio internacional. 49. A.R.M., Documentos Avulsos, cx. 2, nº 194. 50. Idem, C.M.F., t. 3, fl. 137 vo-138. . cf. Salvador, José G. (1978), Os Cristãos -novos e o comércio no Atlântico meridional, S. Paulo, 149; Saraiva, António José (1994), Inquisição e Cristãos Novos, Lisboa, 134-135. 52. Vide Tavares, Maria José Ferro (1995), os judeus na época dos descobrimentos, Lisboa. 51 Um dos factos comprovativos do interesse da comunidade sefardita pelo açúcar revela-se em meados do século XVI em que a crise da produção madeirense fez alargar a diáspora a novos mercados mais promissores como Pernambuco no Brasil. Para a comunidade judaica a Madeira foi o primeiro alvo da expansão europeia que os levou depois aos quatro cantos do Novo Mundo, acompanhando o rasto do açúcar e do tráfico dos escravos no espaço atlântico. Perante isto importa conhecer qual o papel que estes assumiram neste primeiro poiso da diáspora atlântica. Até ao estabelecimento do tribunal de inquisição em Portugal (1536) não é fácil identificar a comunidade judaica na documentação. Todavia a sua presença fazia-se sentir de forma evidente em múltiplos domínios de sociedade e economia portuguesa. A evidente xenofobia, testemunhada pela documentação, fazia com estes procurassem iludir as suas crenças religiosas, apagando todo o rasto possível. Apenas com a instituição do tribunal do santo ofício foi possível estabelecer o rasto do grupo destes convertidos ao cristianismo, e por isso considerados cristãos-novos53 . A Madeira não foge à regra de modo que a xenofobia é uma das armas entre a concorrência das diversas sociedades mercantis. Na década de sessenta o principal alvo dos madeirenses era os judeus e genoveses que monopolizavam o comércio do açúcar. Deste modo os moradores reclamaram em 1461 perante o infante D. Fernando no sentido de proibir a sua actividade na ilha, como compradores de açúcar ou arrendadores dos direitos54 . É fácil encontrar os judeus em ligação estreita aos genoveses, controlando parte significativa do comércio rendoso gerado pelos novos espaços atlânticos. E deste modo a sua presença nas ilhas é evidente desde os inícios de sua ocupação. Difícil é encontrar o rasto da sua presença, pois tal como nos diz José Gonçalves Salvador55 “muitos vão para as ilhas e se acobertam sob a capa de cristãos”. Os judeus estão envolvidos em todas as actividades, todavia, como nos refere Maria José Ferro Tavares, “a actividade mercantil e a ocupação principal”. E dentro destas parecem ter uma predilecção especial pelos negócios baseados no açúcar. Pelo menos é a opinião de José Gonçalves Salvado56, que é peremptório em afirmar que “os hebreus sefarditas aparecem identificados com as actividades ligadas ao açúcar primeiro nas ilhas adjacentes a Portugal e depois nas demais possessões”. A estratégia dos judeus para o domínio do mercado açucareiro do espaço atlântico passa por uma estreita aliança com os mercadores flamengos e italianos nomeadamente os genoveses. Esta aliança fora já denunciada nas Cortes de 1471-72, mas continuará a progredir nos decénios seguintes. No caso do comércio do açúcar da Madeira é comum encontrar-se esta forma de actuação. Assim quando o comércio do açúcar estava sujeito a um monopólio da Coroa, mandado a sociedades estes surgem aliados aos Lema, Lomellini e Marchione. No caso do monopólio do comércio do açúcar com a Flandres é uma sociedade entre os Leme e Abravanel que controla o processo. Já para as cidades italianas são Moisés Latam e Guedelha Palaçam que se associam a B. Marchione. De acordo com o livro de estimos do açúcar do Funchal em 149457 é evidente a presença de judeus, como Isaac Abeacar, Moisés Benagaçam e David de Negro nas transacções açucareiras, achando na ilha através de procuradores italianos como era o caso de Dinis Sernige, Lucas César, Sisto Lomellini. Ainda segundo V. Rau os judeus junto com outros estrangeiros, aqui dominados pelos genoveses, dominavam em 1494 as transacções açucareiras com 11.373 arrobas, o equivalente a 64% do total em causa58. Esta posição não está longe da realidade desta e posterior centúria, uma vez que os dados por nós apurados entre 1490 e 1550 apontam de novo para esta 53. Para a Madeira não existe estudo completo sobre a inquisição como é o caso de Braga, Paulo (1997), A Inquisição nos Açores, P.D. Mesmo assim temos os estudos de Olival, Fernanda (1990),"A Inquisição e a Madeira: a visita de 1618", in Actas do I Colóquio Internacional de História da Madeira - 1986, Vol. II, Funchal, Governo Regional da Madeira - Secretaria Regional do Turismo, Cultura e Emigração - Direcção Regional dos Assuntos Culturais, , pp.764-810, IDEM (1993), A Visita da Inquisição à Madeira em 1591-92, III Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal, CEHA, pp.492-519;Guerra, Jorge Valdemar (2003), Judeus e Cristãos-novos na Madeira. 1461-1650, in Arquivo Histórico da Madeira, Série Transcrições documentais.1, Funchal, Arquivo Regional da Madeira, pp.9-252. 54. AHM, Vol. XV, 1972, 14-15, 3 de Agosto de 1461. 55. (1978) Os cristãos novos e o comércio Atlântico Meridional, S. Paulo, 246. 56. (1981) Os magnatas do Tráfico Negreiro, S. P., 87. 57. Publ. Rau, V. (1962), O açúcar na Madeira, Funchal. 58. Ob.cit., p. 24 esmagadora presença dos mercadores italianos com 80% das operações comerciais do açúcar madeirense59. Os aferidores mais importantes da religiosidade dos madeirenses são, sem dúvida, os testemunhos exarados, primeiro nos diversos livros das visitações e depois nos processos perante o Santo Ofício. A inquisição exercia a actividade através do tribunal de Lisboa, a quem pertencia todo o espaço atlântico. A acção do tribunal nestas paragens não era permanente e fazia-se através de visitadores aí enviados. Na Madeira e nos açores realizaram-se três visitas: em 1575 por Marcos Teixeira, em 1591-93 por Jerónimo Teixeira Cabral e em 1618-19 por Francisco Cardoso Tornéo, mas só é conhecida a documentação das duas últimas. Nas ilhas foi evidente a conivência das autoridades com a presença da comunidade judaica, o que resultou em facilidades à sua fixação quando perseguidos no reino. Em finais do século dezasseis foram arrolados 94 cristãos novos, mas em 1618 o seu número não passou de 5, quando sabemos que em 1620 eram 58 os judeus que pagavam a taxa. A presença da comunidade judaica era evidente. Os judeus, maioritariamente comerciantes, estavam ligados, desde o início, ao sistema de trocas nas ilhas, sendo os principais animadores do relacionamento e comércio a longa distância. A criação do tribunal do Santo Ofício em Lisboa conduziu a que avançassem no Atlântico: primeiro nas ilhas e depois no Brasil. Tal diáspora fez-se de acordo com os vectores da economia atlântica pelo que deixavam atrás um rasto evidente na sua rede de negócios. O açúcar foi sem dúvida um dos principais móbeis da sua actividade, quer nas ilhas, quer no Brasil. O relacionamento destes espaços com os portos nórdicos conduziu a uma maior permeabilidade às ideias protestantes, o que gerou inúmeras cuidados por parte do clero e do Santo Ofício. A incidência do comércio da Madeira no açúcar, pastel e vinho conduziu ao estabelecimento de contactos assíduos com os portos da Flandres e Inglaterra, que não era bem visto pelo tribunal. Isto deverá ter favorecido a presença de uma importante comunidade, o que veio a avolumar as preocupações dos inquisidores. As perseguições movidas pelo Santo Ofício conduziram a que muitos destes judeus se refugiassem nas ilhas Canárias, Cabo Verde, S. Tomé e, finalmente o Brasil. A juntar a isto está a crise da produção açucareira madeirense em contrastante com a promissora cultura nas terras brasileiras que conduziu a que a diáspora se alargasse até aqui. E de novo os judeus estarão ligados à produção açucareira60. IMIGRAÇÃO e UNIÃO IBÉRICA. A14 de Setembro de 1580 Filipe II é aclamado rei em Lisboa, sendo confirmado nas cortes realizadas no ano seguinte em Tomar. O processo de pacificação das regiões do império português que no mês de Junho haviam aclamado D. António, Prior do Crato, é lenta e só nos Açores, por ser um dos pilares dos interesses em jogo, será demorada. Na verdade a conjuntura política definida pela união das duas coroas apresentava-se favorável para os ilhéus, ao sedimentar o intercâmbio entre os arquipélagos. Os contactos e a familiaridade entre estes eram tão evidentes, que o processo de passagem dos poderes para a nova coroa filipina deveria ser obrigatoriamente pacífica para os insulares. No arquipélago açoriano as hostilidades aos novos soberanos foram sangrentas e demorou três anos o processo de pacificação61 . Já na Madeira o processo foi distinto. D. António fora apenas aclamado no Porto Santo 62 e na Ponta de Sol, pois a ideia dominante na aristocracia local estava no novo monarca. Note-se que António Carvalhal mobilizou homens para defender o Funchal de 59. (1987) O Comércio Inter-Insular, Funchal, 130. MELLO, José António Gonsalves de (1989), Gente da nação: cristãos-novos e judeus em Pernambuco, Recife; RIBEMBOIM, José Alexandre (1995), Senhores de Engenho judeus em Pernambuco colonial 1542-1654, Recife; SALVADOR, José Gonçalves (1976), Os Cristãos-Novos. Povoamento e Conquista do Solo Brasileiro (1530-1680), S. Paulo. 61 MENEZES, Avelino de Freitas (1987), Os Açores e o Domínio Filipino.I- A Resistência Terceirense e as Implicações na Conquista Espanhola, Angra do Heroismo. 62 A atitude deste município foi imputada ao capitão Diogo Perestrelo, que foi em 1586 alvo de múltiplas acusações do município, sendo devassado em 1606, com a perda da capitania; veja-se Anais do Município do Porto Santo, Porto Santo, 1989, p. 16, nota 10; Alberto Artur SARMENTO (1946), Ensaios Históricos da Minha Terra. Ilha da Madeira , vol.I, Funchal, p.173 60 qualquer assalto da esquadra francesa. Aqui os representantes da coroa filipina só se tiveram que haver com um grupo restrito de personalidades afectas a D. António, uma vez que alguns destes haviam-se juntado às suas hostes na ilha Terceira 63. Foi a ameaça de ocupação da ilha por parte de uma armada franco-inglesa, surgida a 24 de Julho de 158264, que levou Filipe II a ordenar em 19 de março de 1582 a D. Agustin de Herrera que fosse defender a ilha com uma armada de 300 homens. O desembarque no Funchal teve lugar a 29 de Maio, com a maior quietação para evitar qualquer alvoroço. No dia imediato, na presença de todas as autoridades e povo, fez-se juramento de fidelidade ao novo rei. O Conde permaneceu na ilha com as suas tropas enquanto duraram as hostilidades na ilha Terceira. Com a batalha decisiva de conquista da ilha a 26 de Julho de 1582, por D. Álvaro Bazan, festejada no Funchal a 1 de Setembro, ele recebeu a 2 de Setembro autorização para abandonar a ilha, ficando em seu lugar, como chefe do presídio, D. Juan de Aranda, com uma guarnição de 500 Homens, incluídos os 200 soldados andaluzes que haviam chegado em Junho. As grandes dificuldades porque passaram as forças ocupantes da ilha, mais conhecida por tropa do presídio, não derivaram tanto do possível afrontamento da população local, mas sim dos problemas surgidos com o seu abastecimento5. A cidade debatia-se já com esta situação vendo-a agora agravada com a presença de mais 500 homens. A conjuntura foi deveras difícil no período que decorre desde158965 . D. Agustin de Herrera, conde de Lanzarote7, ao assumir em 1582 a posse, ainda que temporariamente, do governo da ilha, veio a permitir mais assíduos contactos entre a Madeira e Lanzarote. Ali s o próprio conde proporcionou esta situação através de vínculos familiares com o casamento da sua filha bastarda, dona Juana de Herrera, filha de Dona Bernaldina, com Francisco Acciauoli, filho de Zenóbio Acciouli, um dos mais destacados mercadores e terra tenentes italianos, estabelecidos na ilha desde 151566. O exemplo foi seguido por muitos dos militares que o acompanharam67 . Por isso no período de 1580 a 1600 os castelhanos adquiriram uma posição maioritária na imigração madeirense, como se poderá verificar pelos registos de casamento da Sé do Funchal 68 2.2. Séculos XVIII-XX: NOVAS CHEGADAS. A partir do século XVIII o movimento de gentes na cidade do Funchal anima-se com o chamado turismo terapêutico e as expedições científicas. Esta situação perdura nas centúrias seguintes. Enquanto nos cientistas a permanência é reduzida, já no caso dos visitantes, ou turistas, nomeadamente aqueles que a ilha acolhe por razões terapêuticas a permanência é mais demorada. É de acordo com esta situação que à Madeira pode muito bem ser atribuído o epíteto de salas de visitas do espaço atlântico, pois foi desde os primórdios da ocupação europeia um espaço aberto à presença quase assídua de forasteiros. A hospitalidade madeirense é uma constante da História que não se cansa de assinalar a frequência de aventureiros, marinheiros, mercadores, aristocratas, políticos, artistas, escritores, cientistas69. Uns surgem apenas de vista fugaz Confronte-se A.RUMEU DE ARMAS (1984), "El Conde de Lanzarote, capitán general de la isla de la Madera (1582-1583)", in Anuario de Estudios Atlânticos, nº.30, pp.404-406. 64 Ideia defendida já por SIMENS HERNANDEZ L. ( 1979), "La expedición a la Madera del Conde de Lanzarote desde la perspectiva de las fuentes madeirenses", in Anuario de Estudios Atlânticos, nº.25, pp.289-305. O texto de Gaspar Frutuoso (Livro Segundo das Saudades da Terra, Ponta Delgada, p. 406-407) é muito sugestivo sobre isso: "...depois quer foi julgado Portugal ser do católico rei Filipe, senhor nosso, e teve posse àele, mandou a ilha da Madeira por capitão-mor e governador dela o desembargador João Leitão, depois que chegou à ilha, de mandado do mesmo rei Filipe, por capitão-mor dela e da do Porto Santo, dom Agustinho Herrera, Conde de Lançarote e Senhor de Forteventura; no qual tempo, na era de mil e quinhentos e oitenta e dois anos, foi, da banda do Norte, António do Carvalhal à cidade do Funchal, com trezentos homens, que manteve à sua custa cinco meses, do de Maio até Setembro, em serviço do Católico rei Filipe, para ajudar a defender a desembarcação dos franceses da armada de Dom António, que em aquele tempo na ilha se esperava". RUMEU DE ARMAS, A., ibidem, pp.436, 455-459 65 SARMENTO, A.A., ob.cit., vol.I, p. 188 e segs. 66 . SARMENTO, A.A. (946)., Ensaios históricos da Minha Terra, vol. I, Funchal, p.27; Nobiliario de Canarias, tomo I, pp.50-63. 67 Arquivo Regional da Madeira, Misericórdia do Funchal, 684, fls.710-711; MELO, Luís de Sousa e (1979), " A imigração na Madeira.paróquia da Sé.1571-1600", in História e Sociedade, 3, (republicado em Islenha, 3, 1988, pp.20-34), pp.52-53. 68 MELO, Luís de Sousa e, art.cit. 69 Bibliografia sobre visitantes: Visconde do Porto da Cruz (1953), Algumas da Figuras Ilustres Estrangeiras que Visitaram a Madeira, 63 de passagem, outros vêm ao encontro da ilha, em busca da cura para as doenças ou do tédio dos ambientes aristocráticos. A todos a ilha acolheu de braços abertos. ARISTOCRATAS, POLÍTICOS e ESCRITORES. A Madeira cedo ganhou o epíteto de estância turística do atlântico, firmando-se como um espaço destacado da história do turismo no Ocidente. A revelação da Madeira como estância de turismo terapêutico aconteceu a partir da segunda metade do século XVII. As qualidades profiláticas do clima na cura da tuberculose cativaram a atenção de novos forasteiros70. Foi a busca da cura para a tísica que propiciou aos madeirenses o convívio com poetas, escritores, políticos e aristocratas. Dos visitantes que a ilha merecem especial atenção quatro grupos distintos: invalids (=doentes), viajantes, turistas e cientistas. Os primeiros fugiam ao Inverno europeu e encontravam na temperatura amena o alívio das maleitas. Os demais vinham atraídos pelo gosto de aventura, de novas emoções, da procura do pitoresco e do conhecimento e descobrimento dos infindáveis segredos do mundo natural. O viajante diferencia-se do turista pelo aparato e intenções que o perseguem. É um andarilho que percorre todos os recantos na ânsia de descobrir os aspectos mais pitorescos. Na bagagem constava sempre um caderno de notas e um lápis. Através da escrita, do desenho e gravura regista as impressões do que vê. Daqui resultou uma prolixa literatura de viagens, que se tornou numa fonte fundamental para o conhecimento da sociedade oitocentista das ilhas. O turista, ao invés, é pouco andarilho, preferindo a bonomia das quintas, e egoísta, guardando para si todas as impressões da viagem. O testemunho da sua presença é documentado apenas pelos registos de entrada dos vapores na alfândega, pelas notícias dos jornais diários e pelos "títulos de residência". A Madeira foi desde então um espaço aprazível de acolhimento para a maior parte da aristocracia europeia. Bulhão Pato diz-nos que, de entre os numerosos visitantes da década de 50 do século XIX, muitos são oriundos da aristocracia de dinheiro e de sangue. Alguns rendidos pelo fascínio das suas belezas, testemunhando em inúmeros livros publicados em inglês, francês, alemão, outros pela necessidade de encontrar no clima da ilha as condições de alívio e cura para a tuberculose. Neste grupo podemos enquadrar escritores, como Júlio Dinis (1869), António Nobre (1898-1899), Bernard Shaw (1924), John dos Passos (1905, 1921, 1960) e muitos outros que deixaram testemunho escrito da passagem pela ilha. Um grupo significativo de doentes e visitantes situava-se entre a mais destacada aristocracia europeia e mesmo de algumas casas reais, como foi o caso da Rainha Adelaide de Inglaterra (1847), Princesa Dona Maria Amélia (1853), da Imperatriz Isabel da Áustria, mais conhecida por Sissi (1860-1861, 1893-1894), a imperatriz Carlota do México(1859, 1864), Alberto I, Rei da Bélgica(1909), o imperador da Áustria, Carlos de Habsburgo (1921), Ferdinando I, rei da Bulgária(1936), Marash de Barodá, soberano indiano(1932), Wilhem Prinz zu Wied, ex-rei da Albânia(1932). Também, por força das circunstâncias de o Funchal ser um porto de escala das rotas europeias que ligavam à América e África, tivemos várias personalidades em passagem obrigatória no Funchal, sendo quase sempre alvo do melhor acolhimento pelas autoridades do arquipélago, que improvisavam cais de desembarque e faustosas recepções. Em alguns casos a ocorrência resultou de condições difíceis para os próprios, sendo a ilha porto de escala de caminho para o exílio, como sucedeu com Napoleão Bonaparte (1815), o imperador da Áustria, Carlos de Habsburgo (1921), Fulgêncio Baptista y Zaldivar, ex-presidente de Cuba (1959). Outros mais políticos desfilaram pelo porto e ruas da cidade funchalense, como os Generais Luís Botha (1909) e Jan Christian Smuts (1921) da União SulAfricana. Revista Portuguesa, 72. Silva, A. Marques da (1985), Visitantes Estrangeiros na Madeira. Uma Tradição de Violência. O Tipo Físico e o Carácter do Madeirense, Atlântico, nº1. Sainz-Trueva, José de (1990), Forasteiros na Madeira Oitocentista. Uma Estação de Turismo Terapêutico, Funchal. 70 Sobre turismo terapêutico: Albizzi, Marquis Degli (1891), Guide Pratique pour Malades et Touristes, Zurique; Benjamin, S. W. G. ( 1878), The Atlantic Islands as resorts of health and pleasure, Londres; González Lemus, Nicolás (1995), Las Islas de la Macaronesia como los Nuevos Health Resorts del Siglo XIX, Islenha, 17, 64-74. Barral, F. A. ( 1854), Notícia sobre o clima do Funchal e sua Influência no Tratamento da Tísica Pulmonar, Lisboa. Johson, James(1885), Madeira its Climate and Scenery, Londres; Wilhelm, Eberhard Axel (1993), A Madeira entre 1850 e 1900. Uma Estância de tísicos Alemães, Islenha, 13. IDEM (1990), Visitantes de Língua Alemã na Madeira (1815-1915), Islenha 6. IDEM (1995), Seis Meses e Meio na Madeira (1854-1855) Os Diários da Governante Alemã Augusta Werlich, Islenha, 16, 60-71. EXPEDICIONISTAS E CIENTISTAS. As ilhas entraram rapidamente no universo da ciência europeia. Os séculos XVIII e XIX foram momentos de assinaláveis descobertas do mundo através de um estudo sistemático da fauna e flora. A procura e descoberta da natureza circundante cativou toda a Europa, mas foram os ingleses que marcaram presença mais assídua nas ilhas, sendo menor a de franceses e alemães. Aqui são protagonistas as Canárias e a Madeira. A Inglaterra apostava nas ilhas como pontos fundamentais da estratégia colonial, acabando por estabelecer na Madeira uma base para a guerra de corso no Atlântico. Se as embarcações de comércio e as expedições militares tinham cá escala obrigatória, mais razões assistiam à passagem quase que obrigatória de inúmeras expedições científicas. Foram inúmeras as expedições científicas europeias que escalaram o Funchal. Desde a segunda metade do século XVIII que o porto do Funchal se animou com a passagem assíduas destas expedições. De entre estes expedicionários podemos contar com alemães (1860, 1874, 1910, 1937), americanos (1838, 1915, 1939), austríacos (1857), belgas (1897, 1911, 1922), dinamarqueses (1845, 1921), franceses (1785, 1883, 1903, 1908, 1911, 1913,1923, 1933), ingleses (1755, 1764, 1766, 1768, 1772, 1792, 1816, 1824, 1839, 1841, 1842-1846, 1901, 1902, 1910, 1914, 1921, 1922, 1929, 1934, 1937) e noruegueses (1910, 1914, 1922, 1930). Instituições, como o Museu Britânico, Linean Society, e Kew Gardens, enviaram especialistas às ilhas proceder à recolha de espécies, enriquecendo os seus herbários. Os estudos no domínio da Geologia, Botânica e Flora são resultado da presença fortuita ou intencional dos cientistas europeus. E por cá passaram destacados especialistas da época, sendo de realçar John Ovington(1695), John Byron(1764), Joseph Banks(1768), James Cook(1768, 1772), Humboldt, John Forster(1772), John Barow(1792), Robert Scott(1910). O próprio Darwin deslocou-se às Canárias e aos Açores (1836), deixando os estudos sobre a Madeira nas mãos de um discípulo. James Cook escalou a Madeira por duas vezes em 1768 e 1772, numa réplica da viagem de circumnavegação apenas com interesse científico. Os cientistas que o acompanharam intrometeram-se no interior da ilha à busca das raridades botânicas para a classificação e depois revelação à comunidade científica. DEPORTADOS POLITICOS e MILITARES. A deportação foi nos séculos XIX e XX uma poderosa arma ao serviço dos regimes políticos. Em todo o mundo foi evidente a utilização desta forma de migração forçada como meio para impedir a acção dos opositores políticos71 . A prática não é recente sendo uma constante do processo histórico em que se demarcam a diáspora judaica e escravatura dos negros africanos. O processo de deportação por razões políticas poderá ser assinalado a partir de 1797 com a ida dos opositores da Revolução Francesa para a Guiana, prática que os franceses mantiveram a partir de 1852 com as chamadas ilhas presídio, como foi o caso das ilhas do Diabo, Caiena, e de Saint-Laurent-du-Maroni 72. No século XX esta situação foi responsável pela mobilidade humana, sendo a situação mais considerada a dos judeus para os campos de concentração nazistas. Tenha -se em conta os livros de Alexander Soljenitsin (1918-2008]. Cf. o livro polémico Stéphane Courtois, Nicolas Werth, Jean-Louis Panné, Andrzej Paczkowski, Karel Bartosek, Jean-Louis Margolin, O livro negro do comunismo. Crimes, terror e repressão, Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, 1999, Veja-se ainda Robert Conquest, The Harvest of Sorrow: Soviet Collectivization and the Terror-Famine, Oxford University Press, 1987, IDEM(2005), The Dragons of Expectation: Reality and Delusion in the Course of History, Duckworth. 72 O relato desta situação ficou documentado no romance Pappillon de Henri Charrièrre. Cf. Narrative of the Deportation to Cayenne, of Barthélemy, Pichegru, Willot, Marbois, La Rue, Ramel, &c. &c. in Consequence of the Revolution of the 18th Fructidor, (September 4, 1797).: Containing a Variety of Important Facts Relative to that Revolution and to the Voyage, Residence and Escape of ... Por Ra mel, Ramel (Jean Pierre), Jean Pierre Ramel, William Gregory Publicado por J. Wright, 1799; Histoire du dix-huit fructidor. La déportation des députés à la Guyane, leur évasion et leur retour en France: La déportation des députés a la Guyane. Leur évasion et leur retour en France Por Isaac Étienne Larue, chevalier de Isaac-Étienne Larue Publicado por E. Plon, Nourrit, 1895; Narrative of the Deportation to Cayenne, and Shipwreck on the Coast of Scotland, of J. J. Job Aimé Por Jean-Jacques Aymé Publicado por Printed for J. Wright, 1800. Guide des sources documentaires sur la déportation conservées en France: conservées en France, Fondation pour la mémoire de la déportation, Direction des archives de France Publicado por La Fondation, 2000; Andre-Daniel Laffon-Ladebat, Journal de Ma Deportation a la Guyane Francaise, 1912. 71 Em Portugal a conjuntura politica oitocentista post revolução liberal provocou migrações forçadas por força de perseguições políticas. Neste caso as ilhas, da Madeira, Açores e Cabo Verde serviram de espaços de deportação de alguns políticos e militares menos gratos aos diversos regimes políticos ou grupos com controlo do poder. Militares, advogados, escritores e mesmo trabalhadores e lavradores experimentaram a condição amarga de serem separados dos seus e conduzidos à força para as ilhas, ficando cativos em fortalezas, asilos ou espaços especialmente preparados para o efeito como foi o caso do Tarrafal em Cabo Verde. A par disso temos de considerar o movimento ocasional de militares para a Madeira, ocorrido por diversas vezes, em situação de instabilidade politica ou não. Assim em 28 de Janeiro de 1856 desembarcou o Regimento de Infantaria 1, que ficou marcado pela chegada do cóleramorbus trazido por algumas praças já doentes, que provocou a morte de mais de 10.000 madeirenses. Por outro lado a Madeira acolheu também alguns fugitivos, militares ou políticos, de diversas proveniências. Assim temos em 1876 a presença de 70 militares espanhóis adeptos de Carlos, duque de Madrid, pretendente carlista ao trono espanhol com o nome de Carlos VII, em oposição à Rainha Isabel II. Em 1919 a Madeira recebe outra leva de prisioneiros políticos resultantes das revoltas que assolavam o país. São 289 políticos monárquicos que se haviam envolvido na revolta do Monsanto e que por isso são conduzidos ao Funchal no vapor África, com uma escolta da marinha ficaram internados no Lazareto de Gonçalo Aires. Com o novo regime político saído da revolta de 28 de Maio de 1926 tivemos o período de Ditadura Militar, marcado pela instabilidade governativa que se manteve até a chegada ao poder de Salazar em Abril de 1928, como Ministro das Finanças. Em Fevereiro de 1927, duas revoltas uma no Porto e outra em Lisboa, tentaram o regresso à democracia. O general Sousa Dias, líder da revolta do Porto, preso e enviado com residência fixa para a Madeira juntamente com outros revoltosos. O general Sousa Dias. Encontrava-se deportado na Madeira por participação em Fevereiro de 1927 no movimento revolucionário no continente. Foi chefe da Junta Militar que assumiu o comando após a revolta de 4 de Abril. Terminada a “República” da Madeira foi demitido do exército em 12 de Maio de 1931 e deportado para Cabo Verde onde morreu a 27 de Abril de 193473. Aquando da revolta de 1931 a Madeira acolhia mais de três centenas de políticos continentais que aí estavam deportados. O último grupo de deportados pela política chegou à Madeira em 26 de Abril de 1974, a caminho do exílio no Brasil. A Junta de Salvação Nacional decidiu deportar para o Funchal o Presidente da República, o Presidente do Conselho de Ministros e os Ministros da Defesa e Interior. A instabilidade politica dos séculos XIX e XX para além de terem provocado algumas saídas de políticos e militares são ainda responsáveis por uma mobilidade de militares em serviço. Assim para o período de 1823 a 1931 assinala-se a presença, ainda que temporária, destas forças em missão de defesa da costa ou de restabelecer e manter a ordem pública. Certamente que o momento em que fomos confrontados com a maior mobilização de tropas do continente foi em 1931 com a revolta da Madeira. Primeiro em Fevereiro e depois em Abril. Guarnição Regimento de Infantaria n.º 7 e Destacamento de artilharia nº.2 Força de Artilharia Período Permanencia 1823-1826 Numero Homens observações 1823 . Sobre a Chamada Revolta da Madeira: Alves, Ferro (1935), A Mornaça: a revolta nos Açores e Madeira em 1931 , Parceria A. Pereira, DIONÍSIO, Fátima Pitta (1987), “A Revolução da Madeira de 1931”, Atlântico, N.º 9, Primavera de 1987, pp.43-59, FERRONHA, António Luís Alves (1987), “Revolta na Madeira” 1931, Atlântico, nº 12, pp.303-308, SOARES, João (1979), A Revolta da Madeira, Lisboa, Perspectivas e Realidades; BRAZÃO, Maria Elisa de França, e Maria Manuela Abreu (1994, com reedição em 2008) A Revolta da Madeira, 1931, Funchal, Secretaria Regional do Turismo e Cultura e Direcção Regional dos Assuntos Culturais. 73 Batalhão de Infantaria nº.1 e 2, Contingente de Caçadores nº.11 Regimento de Infantaria nº.13, 4 companhias do Regimento de Caçadores da Beira Alta e 1º. Batalhão do Regimento de Infantaria de Lagos. Batalhão de Infantaria nº6. -1829 Batalhão de Caçadores nº.4 e Destacamento de Artilharia nº.2 Batalhão de Caçadores nº.6 Batalhão de Infantaria nº.7 Batalhão de Infantaria nº.13 Batalhão de Caçadores nº.2 Batalhão de Infantaria nº.4 Batalhão de Infantaria, nº.1 Batalhão de Infantaria, nº.1 Batalhão de Infantaria, nº.10 Batalhão de Infantaria, nº.2 Batalhão de Caçadores nº.1 Batalhão de Caçadores nº.5 Batalhão de Caçadoresº.12 Batalhão de Caçadores nº.5 Regimento de Infantaria nº.1 e Companhia de Caçadores nº.5 Batalhão de Caçadores nº.2 Companhia de Artilharia Companhia de Caçadores nº.5 1847- Durante governo D. Miguel 1831 1847-1852 1847-1852 1852-1853 1853-1854 1854-1855 1855-1856 1856-58 1858-59 1859-1860 1860-1861 1861-62 1862-64 1864-69 1869-1870 1887 1911 1918-19 1931 Foram responsáveis pela revolta de 29 de Abril de 1847, regressando em Lisboa em Agosto Dos Açores a pedido da Junta Governativa 420 241 250 Com quatro companhias Portadores da cólera-morbus 306 218 82 Revolta eleições para junta de Paroquia Epidemia colérica Defesa ilha 1ª força comando de Silva Leal, enquanto a segunda pelo Capitão Botelho Moniz. O século XX foi um momento de grandes transformações no mundo ocidental, marcado por diversos conflitos mundiais cujo impacto foi evidente na mobilidade das populações insulares atlânticas. A primeira metade da centúria foi um dos momentos mais importantes e de dificuldade para os insulares. As duas guerras mundiais na Europa reflectiram-se na navegação oceânica e na vida das gentes ribeirinhas. Durante o período da Segunda Guerra Mundial Portugal serviu de refúgio para muitos dos gibraltinos que fugiam aos constantes bombardeamentos alemães a Gibraltar. Destes cerca de dois mil permaneceram na Madeira, hospedados em hotéis e pensões, que na época se encontravam vazios por força da falta de turismo provocada pela guerra74. A partir das décadas de sessenta e setenta o turismo adquire uma importância fundamental na economia da região. A procura pelo destino madeirense foi em crescendo, nomeadamente a partir do momento que surgiu como alternativa o transporte aéreo com a construção do aeroporto. As constantes melhorias no transporte aéreo fizeram com que o turismo fosse em crescendo, afirmando-se hoje o sector com o principal da economia madeirense. Esta evolução condicionou o aumento do número de turistas, bem como diversificou as possibilidades de permanência destes mesmos. Assim se nos primórdios do turismo a permanência era prolongada por alguns meses, nomeadamente o período de inverno na Europa. Já a partir da segunda metade do século XX estas passam a ser encurtadas pelas possibilidades de comunicação, como pelo perfil do visitante e a forma como se estruturava o turismo. Hoje a situação é diferente, pois desapareceram as permanências prolongadas e a aposta está nas curtas permanências que se ajustam às programações dos operadores turísticos, definindo-se diversas épocas de actuação. Janes, Emanuel (2001), Reflexo da 2º Guerra Mundial na Madeira. A Imigração Gibraltina, in Imigração e Emigração nas Ilhas, Funchal, CEHA, pp.191-200. 74 A evolução do turismo foi significativa a partir da década de oitenta. A reactivação dos investimentos hoteleiros a partir de 1 979 e as diferentes apostas do Governo Regional, quer em infra-estruturas, nomeadamente aeroportuárias, quer na divulgação do mercado turístico madeirense conduziram a que o turismo assumisse esta posição dominante na sociedade madeirense. Aumentou o parque hoteleiro e múltiplos serviços de apoio, desde a restauração, agências de viagem, rent-a-car foram também em crescendo. Entre 1975 e 1985 o número de hóspedes duplicou, mantendo-se sempre em subida nas décadas seguintes. Anos 1946-49 1950-59 1960-69 1970-79 1980-89 1990-99 2000-07 Numero de hóspedes 5.482 101.516 356.332 2.046.783 3.703.138 6.324.854 7.702.384 Fonte: Retrospectiva-Estatisticas do Turismo (1946-75), FUNCHAL, DRE, 1978; Série RetrospectivaEstatisticas do Turismo (1976-2007), FUNCHAL, DRE, 2007. OBRAS PUBLICAS E IMIGRANTES. A partir da década de setenta as mudanças políticas ocorridas conduziram a uma viragem no quadro de desenvolvimento da região. A partir de 1978 com o primeiro governo regional a Madeira passou a poder definir uma politica de desenvolvimento regional que procurará colmatar as assimetrias que entravavam uma evolução integrada do arquipélago. O regime autonómico propiciou a definição de politicas sectoriais que se materializaram em importantes obras públicas nas décadas seguintes. Apostou-se no sector dos transportes com a ampliação do aeroporto, a melhoria e construção da rede portuária de ambas as ilhas, bem como da definição de uma rede viária capaz de aproximar os diversos núcleos populacionais. Até então a politica de construção da rede viária ia ao encontro das políticas de turismo, enquanto agora estas alargam-se a outras necessidades e têm como alvo os madeirenses. Nos anos cinquenta o Estado Novo completou o circuito de estradas à volta da ilha, mas o esbater das distâncias foi uma conquista apenas dos anos oitenta com a política de viadutos, túneis levou ao estabelecimento de vias rápidas na vertente sul e desta com o norte. A realização de todos estes empreendimentos só foi possível com o apoio financeiro da Comunidade Económica Europeia. A adesão de Portugal à CEE, partir de 1986, facilitou à Madeira o financiamento das obras necessárias e o superar das dificuldades proporcionando um desenvolvimento integrado. Para isso contribuiu a aposta a partir de 1975 na política regional como forma de reforçar o espírito comunitário. A rede viária em 1975 resumia-se a 265 Km que com o processo autonómico dos últimos 25 anos do século XX foram ampliados para o dobro. A partir daqui a aposta da política regional assentou num programa de obras públicas no sentido de favorecer as acessibilidades entre os diversos pólos de desenvolvimento económico do arquipélago. O programa começou por privilegiar a vertente sul, com a via rápida Ribeira Brava / Aeroporto (1997/2000), seguindo-se depois outras vias radiais no sentido de uma maior aproximação à encosta norte com o túnel da Encumeada e via Machico-Faial-Santana-S.Vicente. A esta rede de estradas, pontes e túneis que invadiu a ilha de lés a lés temos a juntar um conjunto de outras obras de carácter social e cultural. Enfim um conjunto de infra-estruturas que para a sua construção demandaram muita mão-de-obra que a ilha não dispunha. É na sequência desta nova realidade que a Madeira se torna num destino privilegiado de mão-de-obra para a construção. Primeiro recruta-se no continente, mas depois surge a oportunidade dos emigrantes africanos, brasileiros e dos países de leste. As diversas comunidades de emigrantes que hoje persistem na ilha são herdeiras desta situação e da grande demanda de mão-de-obra para o sector de serviços, nomeadamente a hotelaria. Esta conjuntura desenvolvimentista permitiu também que o retorno de alguns emigrantes não criasse instabilidade no mercado de trabalho, mercê da rápida absorção. Tenha-se em conta que esta aposta governamental foi acompanhada de perto pelos privados através da construção hoteleira de redes de serviços diversos, como grandes superfícies de venda ao público, como supermercados. A situação acima descrita aponta para uma demanda temporária de mão-de-obra para os grandes empreendimentos a cargo do Governo Regional, nomeadamente a obra de ampliação do aeroporto, a realização do plano viário e as diversas infra-estruturas a cargo das Sociedades de Desenvolvimento. A isto junta-se outra demanda permanente resultante de novos serviços do comércio e hotelaria, de que se destaque as redes de super e Hipermercados, Centros comerciais. A presença de significativas comunidades de países africanos, como Guiné, de países de leste, como a Ucrânia, e Brasil, não é alheia a esta situação do mercado de trabalho do arquipélago das últimas décadas. A contabilização destas presenças e permanências não se torna fácil de quantificar, tendo em conta que a Madeira não actua como fronteira de entrada para a maioria destes, que entram quase sempre pelo continente português. O registo de estrangeiros residentes é um indicativo que pode ser usado para aferir deste movimento de imigrantes. A partir da informação estatística sobre os estrangeiros residentes na ilha podemos fazer uma ideia da sua entrada e permanência nos últimos anos. Os fluxos imigrantes estão de acordo com a situação geral do país, evidenciando-se as mesmas tendências75. O número de pedidos de estatuto de residente aumentou nos inícios da presente centúria, o que é revelador da demanda de mão-de-obra para o grande boom de empreendimentos públicos nos dois últimos mandatos do Governo Regional76. O abrandamento do ritmo de obras públicas nos últimos anos não se fez reflectir número dos estrangeiros residentes que em vez de diminuir continuou a aumentar. Esta situação evidencia que a entrada destes não se regeu apenas pelas necessidades de força de trabalho para as obras públicas, mas que esta entrada foi ao encontro da maior demanda de mão-de-obra para o sector dos serviços, em que se destaca a hotelaria77 . Por outro lado podemos dizer que o mercado regional de trabalho teve capacidade para absorver e integrar estes imigrantes. Ano pedidos estatuto residente Residentes 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 Sobre a imigração cf: Jorge Malheiros org. (2007), Imigração brasileira em Portugal, Lisboa ACIDI; Góis, Pedro e José Carlos Marques (2007), Estudo Prospectivo sobre Imigrantes Qualificados em Portugal, Lisboa, ACIDI., Peixoto, João (1998), As Migrações dos Quadros Altamente Qualificados em Portugal- Fluxos migratórios inter-regionais, Internacionais e mobilidade inter-organizacional, Lisboa, Dissertação de Doutoramento em Sociologia Económica e das Organizações, ISEG/UTL. AA.VV. (2002), A Imigração em Portugal. Os Movimentos Humanos e Culturais em Portugal, Lisboa, SOS Racismo; Jorge Malheiros org. (2007), Imigração brasileira em Portugal, Lisboa ACIDI; Cádima, Francisco Rui (2003), Representações (imagens) dos imigrantes e das minorias étnicas na imprensa, Lisboa, OBERCOM; LAGES, Mario e outros (2006), Os Imigrantes e a População Portuguesa Imagens Recíprocas Análise de duas Sondagens, Lisboa, ACIME. SANTOS, Pedro Filipe (2004), Vento de Leste: a nova imigração em Portugal; rev. Piedade Góis. - 1ª ed. - Lisboa: Edeline, João Peixoto, "País de emigração ou país de imigração? Mudança e continuidade no regime migratório em Portugal, on-line, Lisboa, Socious, 2004 [disponível em http://pascal.iseg.utl.pt/~socius/publicacoes/wp/wp200402.pdf]. Esteves, Maria Céu (Org.) (1991), Portugal, País de Imigração, Lisboa, Instituto de Estudos para o Desenvolvimento. Maria Beatriz da Rocha-Trindade, A realidade da imigração em Portugal, in I Congresso Imigração em Portugal [Diversidade - Cidadania - Integração] 18 / 19 de Dezembro de 2003, Lisboa, 2004, p.172 76 Cf. (2006) 30 anos de Autonomia Desenvolvimento Equipamentos e obras públicas e Privadas- Res non Verba(Actos e não Palavras), Funchal, Governo Regional Da Madeira/Secretaria Regional dos Recursos Humanos, 12 vols. 77 De acordo com J. Macaísta Malheiros (A Imigração Brasileira em Portugal, Colecção Comunidades, 1, Lisboa: ACIDI, 2007) a entrada de brasileiros entre 1999 e 2004, no Algarve e Madeira está direccionada para o turismo. 75 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2369 2532 2838 3138 3396 3784 3962 5629 6959 2713 1027 99 655 526 1912 Fonte: SEF 3. EMIGRAÇÃO MADEIRENSE “Deus deu-nos tão pouca terra para o nascimento, e tantas terras para a sepultura, Para nascer pouca terra, para morrer toda a Terra, para nascer Portugal, para morrer o Mundo” (Pe. António Vieira,) O fenómeno da emigração madeirense pode ser definido em dois momentos distintos. Primeiro tivemos a intervenção dos madeirenses no processo de descobrimento, conquista e ocupação de espaços no atlântico e indico. Depois foram as condições propiciadas por todos estes espaços, associadas as dificuldades da vida na ilha, a motivar a saída de muitos madeirenses. A primeira descoberta e aventura. A elevada mobilidade social é uma característica da sociedade insular. O fenómeno da ocupação atlântica lançou as bases da sociedade e a emigração ramificou-a e projectou-a além Atlântico. As ilhas foram assim, num primeiro momento, pólos de atracção, passando depois a actuar como áreas centrífugas. A novidade do novo espaço, aliada à forma como se processou o povoamento, activaram o primeiro movimento. A desilusão associada às escassas e limitadas possibilidades económicas e a cobiça por novas e prometedoras terras geraram o segundo movimento. Primeiro foi a Madeira, depois as ilhas próximas dos Açores e das Canárias e, finalmente, os novos continentes ou ilhas. O madeirense, desiludido com a ilha, procurou melhor fortuna nos Açores ou nas Canárias, e depositou, depois, na costa africana as prometedoras esperanças comerciais. Neste grupo incluem-se principalmente os filhos segundos desapossados da terra pelo sistema sucessório. É disso exemplo Rui Gonçalves da Câmara, filho do capitão do donatário no Funchal, que preferiu ser capitão da ilha distante de S. Miguel a manter-se como mais um mero proprietário na Ponta do Sol. Com ele surgiram outros que deram o arranque decisivo ao povoamento desta ilha. Deste modo a Madeira evidencia-se também no século quinze como um centro de divergência de gentes no novo mundo. A elevada mobilidade do ilhéu levou os monarcas a definirem uma política de restrições no movimento emigratório em favor da fixação do colono à terra, como forma de se evitar o despovoamento das áreas já ocupadas. Mas o apelo das riquezas fáceis, do resgate africano ou da agricultura americana eram mais convincentes, tendo a seu favor a disponibilidade dos veleiros que escalavam com assiduidade os portos insulares. A emigração era inevitável. A Madeira desfrutava no século XV, a exemplo das Canárias, de uma posição privilegiada perante a costa e ilhas africanas. Deste modo ela afirmou-se por muito tempo como um importante centro emigratório para os arquipélagos vizinhos ou longínquos continentes. Para isso contribuiu o facto de estar associada ao madeirense uma cultura que foi a principal aposta das arroteias do Atlântico, isto é, a cana sacarina. Os madeirenses aparecem nas Canárias, Açores, S. Tomé e Brasil a dar o seu contributo para que no solo virgem brotem os canaviais, apareçam os canais de rega ou de serviço aos engenhos, a que também foram seus obreiros nos avanços tecnológicos. A crise da produção açucareira madeirense, gerada pela concorrência do açúcar das áreas que os seus habitantes contribuíram para criar, empurrou-nos para destinos distantes. Nesta diáspora atlântica, iniciada na Madeira, é de referenciar o caso da emigração inter-insular dos arquipélagos do Mediterrâneo Atlântico. As ilhas, pela proximidade e forma similar de vida, aliadas às necessidades crescentes de contactos comerciais, exerceram também uma forte atracção entre si. Madeirenses, açorianos e canários não ignoravam a condição de insulares e, por isso mesmo, sentiram necessidade do estreitamento destes contactos. A Madeira, mais uma vez, pela posição charneira entre os Açores e as Canárias e da anterioridade no povoamento, foi, desde meados do século XV, um importante viveiro fornecedor de colonos para estes arquipélagos e elo de ligação entre eles. A ilha funcionou mais como pólo de emigração para as ilhas do que como área receptora de imigrantes. Se exceptuarmos o caso dos escravos guanches e a inicial vinda de alguns dos conquistadores de Lanzarote, podemos afirmar que o fenómeno é quase nulo, não obstante no século dezasseis os açorianos surgirem com alguma evidência no Funchal. Note-se, ainda, a presença de uma comunidade de açorianos nas ilhas Canárias, principalmente nas ilhas de Gran Canaria, Tenerife e Lanzarote, dedicados à cultura dos cereais, vinha, cana sacarina e pastel. Mas açorianos e canarianos, bem posicionados no traçado das rotas oceânicas, voltaram a sua atenção para o promissor novo mundo. A MADEIRA E AS CANÁRIAS. Um dos aspectos reveladores das conexões madeirenses e açorianas foi o relacionamento com as Canárias. Para Perez Vidal 78 a presença portuguesa no arquipélago resultou da sua intervenção em dois momentos decisivos: um primeiro, demarcado pelas acções da coroa e do infante D. Henrique, nos séculos XIV e XV que terá o seu epílogo em 1497 com o tratado de Alcáçovas; o segundo, de iniciativa particular, abrangendo os séculos XVI e XVIII, em que os impulsos individuais se sobrepõem à iniciativa oficial. Este último foi o momento de expressão plena da presença lusíada e do seu paulatino definhar em face da Restauração da monarquia portuguesa e da guerra de fronteiras mantida até 1665. A questão ou disputa pela posse das ilhas Canárias foi o prelúdio de novos confrontos com o objectivo de monopólio das navegações atlânticas. O inicial afrontamento foi entre Portugal e Castela, tendo como palco as ilhas Canárias. Esta disputa começou em meados do século catorze mas só na centúria seguinte por iniciativa do infante D. Henrique teve a sua maior expressão. A expedição de Jean de Betencourt em 1402 marca o início da conquista das Canárias enquanto a sua subordinação à soberania da coroa castelhana e o reconhecimento em 1421 pelo papado desta nova situação fez reacender a polémica do século XIV. Ao infante português restavam apenas duas possibilidades: a solução diplomática, fazendo valer os seus direitos junto do papado e o recurso a uma intervenção bélica, legitimada pelo espírito de cruzada que a ela se pretendia associar. Desta última situação resultaram as expedições de D. Fernando de Castro (1424 e 1440) e de António Gonçalves da Câmara (1427). Mas em todas as frentes as conquistas foram efémeras e de pouco valeu, por exemplo, a compra em 1446 da ilha de Lanzarote a Maciot de Bettencourt, por 20.000 reais brancos ao ano e regalias na ilha da Madeira. Disso apenas resultou a ramificação desta 78. "Aportación portuguesa a la población de canarias. Datos", in Anuario de Estudios Atlânticos, nº 14, 1968. Este e outros estudos foram reunidos em Los portugueses en Canarias. portuguesismos, Las Palmas, 1991. importante família à Madeira e, depois, aos Açores. O litígio encerra-se em 1480 com a assinatura de um tratado em Toledo. Desde então a coroa portuguesa abandona a sua reivindicação pela posse dessas ilhas com garantias de que a burguesia andaluza não se intrometerá no trato da Guiné. A conjuntura destas ilhas e do relacionamento das coroas peninsulares acompanhou desde o início as conexões canário-madeirenses. No século XV a vinculação da Madeira a Lanzarote filiase na célebre na disputa das coroas peninsulares pela posse das Canárias. Em finais do século seguinte a sua reafirmação e alargamento a todo o arquipélago canário foram resultado da ocupação da ilha em 1582 por D. Agustin Herrera, acto que materializou na Madeira a união das duas coroas peninsulares79. Entretanto nos Açores tivemos desde 1582 a presença de importantes contingentes militares espanhóis, mas sendo reduzida a presença de canários. Todavia o efeito social dos dois fenómenos em ambos os arquipélagos foi diverso. O primeiro permitiu a afirmação madeirense em Lanzarote, enquanto o segundo, para além do natural reforço da realidade condicionou a presença canária no Funchal, que nunca foi muito significativa. Talvez o momento de maior intervenção seja o do século XV com a presença dos aborígenes canários, como escravos, ao serviço da pastorícia e safra do açúcar80. Se à componente política se deverá conceder o mérito de abertura e incentivo das conexões humanas, ao económico ficou a missão de reforçar e sedimentar este relacionamento. Desta forma os contactos comerciais surgem em simultâneo como consequência e causa das migrações humanas. Todavia tal intercâmbio só adquiriu a plenitude no século XVI, incidindo preferencialmente no comércio de cereais dos mercados de Tenerife, Fuerteventura e Lanzarote. A proximidade da Madeira ao arquipélago canário e o rápido surto do povoamento e valorização sócio-económica do solo orientou as atenções do madeirense para esta promissora terra. Assim, decorridos apenas vinte e seis anos após a ocupação do solo madeirense, embrenharam-se na controversa disputa pela posse das Canárias ao serviço do infante, em 1446 e 1451. A presença madeirense na empresa canária conduziu a uma maior aproximação dos dois arquipélagos ao mesmo tempo que influenciou o traçado de vias de contacto e comércio entre os dois arquipélagos. Pela Madeira tivemos, primeiro, o saque fácil de mão-de-obra escrava para a safra do açúcar e, depois, o recurso ao cereal e à carne, necessários à dieta alimentar do madeirense. Pelas Canárias foi o recurso à Madeira com o porto de abrigo das gentes molestadas com a conturbada situação que aí se viveu no século XV. Em 1476 com a conquista levada a cabo por Diogo de Herrera, muitos dos descontentes com a nova ordem emigraram para a Madeira ou Castela. De entre eles podemos referenciar Pedro e Juam Aday, Juan de Barros, Francisco Garcia, Bartolomé Heveto e Juan Bernal. Esta corrente migratória resultante do descontentamento gerado em face da conquista e ocupação do arquipélago canário iniciara-se já por volta de meados do século XV, sendo seu arauto Maciot de Bettencourt. O sobrinho do primeiro conquistador das Canárias, amargurado com o evoluir do processo e em litígio com os interesses da burguesia de Sevilha, cedeu o direito do senhorio de Lanzarote ao infante D. Henrique mediante avultada soma de dinheiro, de fazendas e regalias na Madeira. Iniciava-se assim uma nova vida para esta família de origem normanda que das Canárias passa à Madeira e aos Açores, relacionando-se aí com a principal nobreza da terra, o que lhe valeu uma lugar de relevo nas sociedades madeirense e micaelense do século XV. Acompanharam o desterro de Maciot de Bettencourt a sua filha Maria e os sobrinhos e netos Henrique e Gaspar. Todos eles conseguiram uma posição de prestígio e avultadas fazendas mercê do relacionamento matrimonial com as principais famílias da Madeira. D. Maria Bettencourt, por exemplo, casou com Rui Gonçalves da Câmara, filho segundo do capitão do donatário do Funchal e futuro capitão do donatário da ilha de S. Miguel. 79 SIEMENS HERNANDEZ, Lothar (1979), "La expedición de la Madera del Conde de Lanzarote desde la perspectiva de las fuentes madeirenses", in Anuario de Estudios Atlânticos, nº.25, Las Palmas; RUMEU DE ARMAS (1984), A., "El conde de Lanzarote, capitán general de la Madera", in ibidem, nº.30. 80 SIEMENS HERNANDEZ, Lothar e Liliana BARRETO (1974), "Los esclavos aborigenes canarios en la isla de la Madera (1455-1505)", in Anuario de Estudios Atlânticos, nº.20, 111-143. A compra em 1474 por Rui Gonçalves da Câmara da capitania da ilha de S. Miguel implicou a ramificação da família aos Açores. Com D. Maria Bettencourt seguiu para Vila Franca o seu sobrinho Gaspar, que mais tarde viria a encabeçar o morgado da tia em S. Miguel, avaliado em 2.000 cruzados. Os filhos, Henrique e João evidenciaram-se na época pelos serviços prestados à coroa, tendo recebido em troca muitos benefícios. Henrique de Bettencourt preferiu o sossego das terras da Band'Além, na Ribeira Brava, onde viveu em riquíssimos aposentos. Aí instituiu um morgado e participou activamente na vida municipal e nas campanhas africanas. Os descendentes destacaram-se na vida local e nas diversas campanhas militares em África, Índia e Brasil. Se esta primeira vaga migratória traçou o rumo e destino madeirense, a expedição pacificadora de D. Agustin Herrera, conde de Lanzarote, em 1582, sedimentou e estreitou os contactos entre a Madeira e Lanzarote81. O próprio conde de Lanzarote, na curta estadia na ilha, foi um dos arautos deste relacionamento, pois ligou-se aos Acciaiolis, importante casa de mercadores e terra tenentes florentinos, fixada na ilha desde 1515. As suas hostes seguiram-lhe o exemplo, tendo muitos dos trezentos homens do presídio criado família na ilha. No período de 1580 a 1600 os espanhóis surgem em primeiro lugar na imigração madeirense82. O descerco em 1640 trouxe consigo consequências funestas para tal relacionamento. Assim os madeirenses residentes em Lanzarote foram alvo de represálias, sendo de referir o confisco dos bens do filho varão de Simão Acciaioli que casara com a filha do Conde de Lanzarote. O impacto da presença lusíada nas Canárias notou-se muito cedo, tendo a Madeira como um dos principais eixos do movimento. A presença alargou-se às ilhas de La Palma, Lanzarote, Tenerife e Gran Canaria. Os portugueses assumiram um lugar de relevo, situando-se entre os principais obreiros da valorização económica das ilhas. Eles foram exímios agricultores, pescadores, pedreiros, sapateiros, mareantes, deixando marcas indeléveis da portugalidade na sociedade canária83. A tradição bélica e aventureira de alguns madeirenses levou-os a participar activamente nas campanhas de conquista de Tenerife, recebendo por isso, como recompensa, inúmeras dadas de terra. Daí resultou a forte presença lusíada nesta ilha, onde em algumas localidades, como Icode e Daute, surgem como o grupo maioritário. O mesmo se poderá dizer para a ilha de La Palma onde os portugueses marcaram bem forte a sua presença, tendo a testemunha-lo a existência de alguns registos paroquiais feitos em português. Entretanto em Lanzarote o forte impacto madeirense está comprovado pelas inúmeras referências da documentação e pelo testemunho de Vieira y Clavijo de que a Madeira era familiar para os lanzarotenhos que era aí conhecida como a "ilha". A acentuada participação lusíada no arquipélago foi resultado das possibilidades económicas que o mesmo oferecia e as necessidades em mão-de-obra e da possibilidade de penetração no comércio com a costa africana e depois com o novo continente americano. Assim, num primeiro momento, fomos confrontados com um numeroso grupo de aventureiros dos quais se recrutaram os oficiais mecânicos e agricultores e só depois surgiram os agentes de comércio e transporte, todos eles com uma acção decisiva na economia do arquipélago nos séculos XV e XVII. É fácil testemunhar a assiduidade dos contactos mas difícil se torna avaliar a dimensão assumida pela presença portuguesa neste arquipélago, quanto à sua origem geográfica. Nos diversos actos notariais, que compulsámos, ignora-se, muitas vezes, a origem geográfica dos intervenientes portugueses. O facto de muitos surgirem em diversos actos relacionados com outros da Madeira ou outorgando poderes para a cobrança de dívidas e administração das heranças leva-nos a suspeitar a sua origem madeirense. Uma vez que os contactos entre a Madeira e as Canárias foram mais frequentes é natural a presença de uma importante comunidade madeirense nesse arquipélago, com principal relevo para as ilhas de Lanzarote, Tenerife e Gran Canária. Aí foram agentes destacados do comércio e 81. SIEMENS HERNANDEZ, Lothar (1979), "La expedicion a la Madera del Conde de Lanzarote desde la perspectiva de las fuentes madeirenses", in Anuario de Estudios Atlanticos, nº.25. 82. Melo, Luís Francisco de Sousa 1979), "Imigração na Madeira. Paróquia da Sé 1539-1600, in História e Sociedade, nº 3, 52-53. 83 Cf Perez Vidal, J.( 1991), Los portugueses en Canarias. portuguesismos, Las Palmas. transporte entre os dois arquipélagos ou artífices, nomeadamente sapateiros. Os açorianos, maioritariamente das ilhas Terceira e S. Miguel, surgem em menor número e preferentemente ligados à faina agrícola. A classe mercantil de origem madeirense nas Canárias segue um rumo peculiar. Eles ao contrário dos flamengos e italianos não se avizinham de imediato, mantendo o estatuto de estantes. A necessidade de fixação é quase sempre o corolário do progresso das suas operações comerciais e dos investimentos fundiários. As mudanças operadas na conjuntura política a partir dos acontecimentos do ano de 1640 condicionaram a presença do madeirense. Ele que até então usufruía de um estatuto preferencial na sociedade e economia lanzarotenha, por exemplo, desaparece paulatinamente do palco de acção. E, facto insólito, os poucos que conseguimos rastrear na documentação procuram ignorar ou apagar a sua origem, surgindo apenas como vizinhos sem outra referência. Esta situação coincide com o fim do relacionamento comercial incidindo sobre os cereais de Canárias pois a partir de 1641 deixou de aparecer no Funchal, sendo substituído pelo açoriano ou por novos mercados como a Berberia e América do Norte. Será ela resultado da crise da cultura cerealífera canária ou fruto da ambiência de mútua represália peninsular ? Note-se, ainda que a partir de então surgiram novos e mais promissores destinos para a emigração, como o Brasil, que terão motivado a mudança. MADEIRA E AÇORES. O movimento emigratório entre a Madeira e os Açores é posterior e teve início em 1474 com Rui Gonçalves da Câmara, que a partir desta data foi capitão da ilha de S. Miguel. Não obstante estar referenciada em época anterior a estância de Diogo de Teive84 na ilha Terceira como companheiro de Jácome de Bruges, que em 1452 teria descoberto as ilhas das Flores e Corvo, o certo é que só a partir da década de setenta se generaliza esse movimento, que conduziu às ilhas de S. Miguel, Terceira Santa Maria e Pico muitos filhos segundos da aristocracia madeirense. Aliás, a carta da infanta D. Beatriz, autorizando a venda da capitania refere que "a dita ilha des o começo da sua povoação até o prezente he muy mall aproveitada e pouco povoada"85. Na Madeira havia-se esgotado a possibilidade de livre aquisição de terras, coisa que nos Açores era facilitado. Note-se, ainda, que o incentivo de culturas, como a cana sacarina e a vinha, estão também ligados os madeirenses. Daqui resulta uma forte presença madeirense nas ilhas de Santa Maria, São Miguel, Terceira, S. Jorge, Graciosa, Faial e Flores86. O movimento inverso foi pouco frequente e só teve lugar a partir de princípios do século XVI. Para isso deverá ter contribuído a assiduidade dos contactos entre os dois arquipélagos provocada pelo comércio de cereais e, ainda, o temor das crises sísmicas que asilaram as ilhas açorianas, com especial relevo para as de 1522 e 156387. AS ILHAS DA GUINÉ As ligações dos arquipélagos da Madeira e Açores com os dois da costa e golfo da Guiné não foram frequentes, sendo a primeira motivação a busca de escravos negros. Neste contexto a abordagem feita pelas gentes insulares é quase sempre sazonal, o tempo suficiente para as operações comerciais. Todavia encontramos em S. Tomé e Santiago referências à presença de madeirenses e açorianos avizinhados. Esta presença é resultado da ida de técnicos ligados à cultura do açúcar e, depois, de comerciantes interessados no comércio de escravos para a Madeira ou para as Antilhas, como sucedeu no século XVII. Um caso exemplificativo disso é Francisco 84 AGOSTINHO, José (1943), "Diogo de Teive povoador da ilha Terceira, descobridor das ilhas das Flores e do Corvo, explorador dos mares do ocidente, não foi o responsável pelo desaparecimento de Jácome de Bruges", in Boletim do Instituto Histórico da ilha Terceira, nº.1, Angra do Heroísmo; GONÇALVES, Ernesto (1992), "Diogo de Teive", in Portugal e a ilha, Funchal, pp. 85-110; IDEM (1992), "Para o conhecimento dum percursor de Colombo", ibidem, pp.111-118. 85. ARRUDA, Manuel Monteiro Velho (1977), Colecção de documentos relativos ao descobrimento e povoamento dos Açores, Ponta Delgada, p.CXLV. 86 Esta situação é evidenciada por Gaspar Frutuoso, Saudades da Terra, livros terceiro, quarto e sexto. 87.Confronte-se MELO, Luís de Sousa (1991), "Contribuição açoriana na formação da população madeirense no século XVI", in Girão, nº.7, pp.328-331. Dias88. Ele fixou-se na Ribeira Grande, donde coordenava uma rede de negócios que ligava os Rios da Guiné aos Açores, Madeira e Antilhas de Castela. DAS ILHAS AO LITORAL. Os fenómenos emigratórios insulares ultrapassaram as barreiras do seu mundo e projectaram-se além fronteiras no Brasil e no Oriente. Num e noutro espaço os insulares foram importantes como povoadores, guerreiros e descobridores. Esta era única alternativa para muitos filhos-segundos em que a sociedade possibilitava o acesso a comendas, títulos e cargos. No caso madeirense existiu uma relação permanente, desde o século quinze, com as praças marroquinas, sendo eles que acudiam com o cereal e mais mantimentos para as guarnições das praças, os homens para as defender, o dinheiro e materiais de construção para as fortalezas. Muitos aí morreram na defesa das possessões e outros que adquiriram títulos e honras. As praças eram um local de "diversão" para a cavalaria madeirense, nomeadamente para os filhos-segundos, sedentos de aventura e benefícios89. OS INSULARES E O BRASIL. O Brasil exerceu junto dos insulares ao longo da História um certo fascínio sobre os insulares, que se encontram ligados ao processo da sua construção desde o início. A História dos arquipélagos da Madeira, Açores, Cabo Verde e Canárias têm relevado nos últimos anos a presença dos insulares como lavradores, mercadores, funcionários e militares. Para os séculos XVI e XVII valorizou-se a presença de madeirenses, de Norte a Sul, como lavradores e mestres de engenho, que foram pioneiros na definição da agricultura de exportação baseada na cana-de-açúcar, funcionários que consolidaram as instituições locais e régias, ou militares que se bateram em diversos momentos pela soberania portuguesa. O forte impacto madeirense nos primórdios da sociedade brasileira levou Evaldo Cabral de Mello a definir a capitania de S. Vicente como a Nova Madeira.90 Os primórdios da colonização do Brasil estão ligados à Madeira, tendo-se estabelecido uma ponte entre a ilha e as colónias do Brasil. Os primeiros engenhos açucareiros foram construídos por mestres madeirenses. Em S. Vicente (Santos) foram feitas escavações no engenho do senhor governador, o primeiro que terá sido construído no Brasil por carpinteiros madeirenses. António e Pedro Leme terão sido os primeiros a chegar aqui com as primeiras socas de cana. A cultura expandiu-se entretanto para norte. Na Baia e Pernambuco e Paraíba de novo encontramos muitos madeirenses ligados à safra açucareira, como técnicos ou donos de engenho. Aos agricultores e técnicos de engenho seguiram-se os aventureiros, os perseguidos da religião (= os judeus) e alguns foragidos da justiça. Deste modo a presença de madeirenses, ainda que mais evidente nas terras de canaviais de Pernambuco, espalhou-se a todo o espaço com focos de maior influência em S. Vicente, Baía, Caraíbas e Ilhéus. A situação tem eco na Historiografia brasileira. Afrânio Peixoto afirmava em 1936 que a Madeira foi entreposto, estancia de passagem para o Brasil, enquanto Gilberto Freire em 1952 define de forma clara esse relacionamento: A irmã mais velha do Brasil é o que foi verdadeiramente a Madeira. E irmã que se extremou em termos de mãe para com a terra bárbara que as artes dos seus homens... concorreram para transformar rápida e solidamente com nova Lusitânia. Por outro lado os ilhéus evidenciaram-se na defesa do território brasileiro. A libertação do Maranhão em 1642 foi obra de António Teixeira Mello, enquanto em Pernambuco a resistência ao holandês foi organizada desde 1645 por João Fernandes Vieira. Ainda, a defesa da soberania lusíada foi conseguida também com o envio de companhias de soldados desde a ilha. Assim temos: em 1631 de João de Freitas da Silva, 1632 de Francisco de Bettencourt e Sá e em 1646 de 88.Arquivo Regional da Madeira, Misericórdia do Funchal, nº.684, fls.785-790vº. 89. SOUSA, João José de (1985), "Emigração madeirense nos séculos XV a XVII", in Atlântico, nº.1, pp.46-52. 90.Conferência, in As Ilhas e o Brasil, Funchal, CEHA, 2000, p.13. Evaldo Cabral de Mello Neto, como José António Gonsalves de Mello, são raros exemplos na historiografia brasileira de valorização da presença madeirense. Cf. Costa, José Pereira da (2000) [O Brasil,…, in As Ilhas E o Brasil, Funchal, pp.22-23]refere que a Historiografia brasileira dedica pouca atenção às ilhas. Francisco Figueiroa. Esta situação continuou no último quartel do século XVII com o envio de soldados para o Maranhão e Rio de Janeiro e Santa Catarina. O processo ganha uma nova vertente no século XVIII com a emigração de casais. Esta foi a solução para resolver os problemas sociais das ilhas e de garantir a soberania das terras do Sul brasileiro. Em 1746 temos o envio de casais açorianos e madeirenses para o sul como garantia de defesa das fronteiras do Tratado de Madrid. A fundação da cidade de Portalegre é feita por um madeirense, sendo aqui a presença de colonos, fundamentalmente, açoriana. As evidências da situação estão ainda hoje presente no estado de Santa Catarina através de diversas manifestações como as festas do Espírito Santo. Nos séculos XIX e XX o Brasil continuou a ser um destino cobiçado dos insulares. A História e o quotidiano registam de forma evidente esse movimento. Este protagonismo das ilhas nas ligações com o Brasil é um marco importante que importa realçar no momento que se evoca o descobrimento do Brasil. Nos séculos XVIII e XIX as ligações comerciais das ilhas mantêm-se suportadas na oferta de vinho, vinagre, mantendo-se o retorno de açúcar e aguardente. A relação alargou-se a partir de 1746 à presença de casais insulares no Sul e à forte emigração da segunda metade do século XIX. No século XX o Brasil continuou a ser ainda o El Dourado para os insulares, nomeadamente os madeirenses, que encontram no Rio e Santos, a fuga às dificuldades da guerra ou às difíceis condições de sobrevivência. Hoje são ainda evidentes os vestígios da secular ligação dos ilhéus ao Brasil. Os Madeirenses mantêm a tradição do bordado, nomeadamente em S. Paulo. A Sul, no Estado de Santa Catarina (em Blumenau, Camboriú, Florianópolis...) é evidente a influência das tradições culturais açorianas com as festas do Espírito Santo. Por outro lado as ilhas não ficaram imunes às influências brasileiras. Estas evidenciam-se na arquitectura com as chácaras, como nas artes decorativas, com o recurso às madeiras brasileiras (jacarandá, sicupiru) para a construção de mobiliário. A última situação encontra vestígios nomeadamente nos Açores no mobiliário religioso. Também as madeiras das caixas que transportaram o açúcar tiveram uma reutilização quer na Madeira, quer nos Açores. Tenha-se em consideração que o retorno tem a ver com a existência de uma rota comercial entre as ilhas e o Brasil e no caso dos Açores o papel assumido no traçado das rotas oceânicas. A EMIGRAÇÃO nos Séculos XIX e XX. A emigração do século dezanove assume características diferentes das situações. Até então estávamos perante uma saída de acordo com as solicitações externas, em que se aliava o desejo de aventura aos interesses económicos e políticos. O movimento de gentes era da iniciativa da coroa ou particular e tinha por objectivo a ocupação dos espaços não habitados como forma de consolidação da soberania. A partir do século XIX os movimentos migratórios passaram a estar dominados por factores internos da própria ilha. A terra, que os recebera há quatrocentos anos apresentava-se agora madrasta e incapaz de satisfazer as suas necessidades vitais e, por isso mesmo, impelia-os para fora rumo às terras americanas na esperança de uma mudança das condições de vida. A emigração foi uma constante da sociedade madeirense, na segunda metade do século XIX sendo alimentada pelas incessantes solicitações do mercado internacional da mão-de-obra como pelas difíceis condições de vida dos madeirenses provocadas pela crise económica, ou pela forma opressiva como se definiu o sistema de propriedade da terra, através do contrato de colonia. A emigração era assim considerada a única fuga possível à fome como a esta servidão. No século XIX as condições não foram favoráveis ao madeirense. A crise do comércio e produção do vinho pautou a conjuntura económica, provocando crises de fome. Destas ficou conhecida a de 1847, quando era governador civil José Silvestre Ribeiro. Do outro lado do Atlântico estávamos perante um momento de euforia económica, com a mineração ou safra agroindustrial, que não se compadecia com as medidas de abolição da escravatura. Perante isto o ilhéu, desapossado da terra pelo regime sucessório e de mando económico, abandonou o próprio meio e saiu rumo a estes destinos, aliciado pelas propostas dos engajadores ao serviço dos ingleses que os procuravam para substituir a mão-de-obra escrava. Por esta razão, muitos políticos da época consideravam esta forma de recrutamento de mão-de-obra como uma nova escravidão, ou seja, uma “escravatura branca”. Nos anos de 1844 - 46, o proselitismo religioso, protagonizado por R. Kalley, veio a forçar a saída de muitos madeirenses que haviam aderido ao protestantismo, quando o Estado decidiu persegui-los. A segunda fase da diáspora, mais importante que a primeira, atingiu o apogeu a partir de 1847, sendo resultado da crise económica, agravada depois pela situação da viticultura. As doenças que atacaram a cultura da vinha (o oídio em 1852 e a filoxera em 1872) deitaram por terra a única esperança económica dos madeirenses, obrigando-os a sair rumo às ilhas de Havai. A partir de agora os destinos da emigração madeirense diversificam-se e articulam-se de forma directa com as alterações da conjuntura do mercado de mão-de-obra. Os rumos da emigração para os séculos XIX e XX expressam da seguinte forma: DATAS E PRINCIPAIS DESTINOS DA EMIGRAÇÃO MADEIRENSE Anos de início 1792, 1966 1748-1751, 1939, 1952 1840 1872, 1950 1878 1884 1936-1938, 1948, 1953 1951 1953 Destino Estados Unidos Brasil Guiana e Demerara Cabo, África do Sul Sandwich Huíla Curaçau União Sul Africana Venezuela O continente americano foi o principal porto de destino da emigração madeirense no século XIX, recebendo 98% dos emigrantes saídos da Madeira. São três as principais áreas de destino: Antilhas inglesas, América do Norte e Brasil. As Antilhas inglesas foram o principal mercado receptor da mão-de-obra madeirense com 86% dos saídos legalmente, que se distribuíram de forma irregular por St. Kitts, Suriname, Jamaica e Demerara, áreas conhecidas do madeirense e ligadas à ilha através do comércio do vinho. Demerara pode ser considerado o principal destino dos emigrantes, tendo recebido 70%. Apenas entre 1841 a 1889 recebeu 36724 madeirenses. Os dados disponíveis dão conta de dois momentos da emigração: a década de quarenta e as de setenta e oitenta. O último coincide com o aparecimento de um novo destino, o Havai. Demerara foi nas décadas de quarenta e cinquenta, o Eldorado do madeirense, disputando esta posição nas décadas de setenta e oitenta com o recém-descoberto paraíso havaiano. No período de 1853 a 1881 entraram nas Antilhas inglesas mais de quarenta mil madeirenses, maioritariamente para a ilha de Demerara. A emigração para as ilhas Canecas (Sandwich, Havai) surge a partir de 1878 mercê da acção da agência de W. H. Hillebrand, residente à data no Funchal, que a solicitação do governo de Honolulu, lançou um novo destino e rota da emigração madeirense. O primeiro grupo de casais seguiu no navio “Priscilla” e demorou cento e vinte dias a alcançar o arquipélago. A duração e dureza do cruzeiro, do Funchal a este recôndito arquipélago no Pacífico, não foi óbice à sua abertura, pois as promessas aliciadoras das autoridades compensavam o risco da demorada viagem. A chegada a Honolulu, a 30 de Setembro de 1878, do navio “Priscilla” com o primeiro grupo de madeirenses foi saudada pela imprensa da comunidade havaiana. Das vinte e sete embarcações que aportaram ao referido arquipélago, dez eram provenientes da Madeira, nove dos Açores e oito tiveram escalas diversas na Madeira, Açores e Continente. Os navios transportaram das ilhas 18.285 (78%) insulares, sendo 4.352 (18%) da Madeira e 6.533 (27%) dos Açores. A viagem para estas ilhas do Pacífico foi para muitos uma aventura sem retorno. As condições de vida a bordo em tão longa travessia não eram as melhores como testemunham alguns dos sobreviventes. É o caso do diário da viagem de João Baptista de Oliveira e Vicente Ornelas, que saíram do Funchal a 8 de Novembro de 1887 no navio “Thomas Bell” e que só atingiu o seu destino a 14 de Abril de 1888, após 156 dias de viagem. Com a assinatura em 1882 do tratado de emigração entre Portugal e o Havai ficaram estabelecidas as regras reguladoras do movimento emigratório das ilhas e continente para este arquipélago, ao mesmo tempo que foram criadas as condições para que aumentassem as saídas de portugueses. Foi neste momento que se atingiu o maior volume da emigração madeirense. A emigração para estas paragens tinha um tratamento privilegiado, existindo no governo civil um livro para o registo dos passageiros que embarcaram para lá. A partir dele sabe-se da saída, em 1883, de 2293 madeirenses nos navios Hancow, City of Paris e Bourdeaux. Esta forma de emigração contribuiu para o rápido enraizamento do madeirense na sociedade dos locais de destino. A escalada da emigração continuou, na última década do século dezanove e princípios do XX mantendo-se os países de destino, com especial destaque o Brasil e Estados Unidos. A grande depressão dos anos trinta levou ao encerramento das portas de alguns, enquanto se abriram outros novos, como a África do Sul, e reabriu-se de novo em 1939 o Brasil. As duas guerras mundiais (1914-18, 1939-45) provocaram nova leva de emigrantes. O Brasil continuou a ser um dos destinos preferenciais da maioria dos madeirenses, mas as possibilidades de opção alargaram-se a outros mercados receptivos de mão-de-obra. Nos anos de 1936 e 1948 tivemos a emigração orientada pela companhia Shell para o Curaçau que permitiu a saída de muitos madeirenses 91. De acordo com José Fernandes Moreira da Cunha a Madeira teria enviado para aí 7734 emigrantes, entre 1937 e 194092. Muitos destes deram o salto para a Venezuela que conjuntamente com o Canadá, Austrália, América do Sul e as colónias portuguesas de Angola e Moçambique foram os novos destinos. As sequelas económicas da segunda guerra mundial fizeram-se sentir em toda a ilha, mas de modo especial no norte. Deste modo quando se abriram as portas da emigração na América, nomeadamente no Brasil, Venezuela e África do Sul, a saída foi geral. O recrutamento de emigrantes contou com o apoio do Governo Civil e dos consulados no Funchal, que actuavam como angariadores de potenciais emigrantes. A Venezuela manteve desde princípios do século XX até 1958 uma política de portas abertas o que permitiu a emigração de muitos europeus e no caso português de um grupo importante de madeirenses. Em 1960 a população portuguesa na Venezuela era superior a 40.000, sendo constituída na sua maioria por madeirenses. Nos anos cinquenta este foi o principal destino da emigração madeirense, tendo acolhido 14.424 emigrantes da ilha93. A presença madeirense alargou-se também a outros quadrantes, sendo de salientar a África do Sul e Austrália. No primeiro a vinculação portuguesa é muito antiga, remontando à viagem de Vasco da Gama, mas foi a partir do século XVIII que tivemos notícia dos primeiros portugueses no Cabo (Capetown). No século XIX a rota regular dos vapores do cabo que escalavam o Funchal permitiu a definição de um novo rumo para a emigração madeirense. Mas esta presença torna-se mais notada a partir de 1904 no sector da pesca, mas foi nos anos cinquenta que este destino ganhou dimensão, tendo saído 5118. As décadas de cinquenta e sessenta foram momentos de forte imigração tendo como principais destinos a Venezuela, Brasil, África do Sul, Estados Unidos, Canadá e Austrália. A crise que envolveu a ilha lançando a mão-de-obra para o desemprego, as dificuldades de recrutamento de imigrantes no velho continente, onde eram necessários na frente de batalha, conduziram a que a Madeira se apresentasse como um centro importante de recrutamento de homens para as Um dos testemunhos destes emigrantes foi recolhido por António Ribeiro Marques da (1989), Manuel Falarás as Trovas da Emigração, Islenha, 4 (Jan-Jun), 89-92. Aí se dá conta da experiência de Manuel da Silva que em 19 de Fevereiro de 1944 partiu com outros madeirenses no navio Cuba para o Curaçau. 92 Viagem à Venezuela, Caracas, 1998, p.141. Cf. Xavier, António de Abreu (2007), Com Portugal en la Maleta, Caracas, Editorial Alfa. 93 Sobre a História da Emigração na Venezuela veja-se: Saignes, Miguel Acosta (1997), Los Portugueses en Venezuela, Caracas; Freitas, Anitza e Irene Lasique (1989), Los Portugueses en Venezuela, Caracas; Perazza, Nicolás, Acerca da emigração Portuguesa na Venezuela, Caracas; Romero, Dália (1992), Los Portugueses en Venezuela, Caracas; Eugénia Zaldivar, Maria (1986), Un Estudio de Inmigración Reciente a Venezuela. El caso português, Caracas; Cunha, José Fernando Moreira da (1998), Viagem a Venezuela, Caracas; Xavier, Antonio de Abreu (2007), Con Portugal en la Maleta, Caracas, Editorial Alfa; GAMA, Manuel da Encarnação Nóbrega da(2001), Os Padrões de Fé na Venezuela, Funchal. 91 actividades da Shell no Curaçau, ou para o incremento da indústria brasileira, venezuelana e sulafricana. Os dados oficiais disponíveis atestam da evolução destes rumos da emigração madeirense após a segunda guerra mundial e evidenciam que os destinos da emigração madeirense se diversificaram de acordo com a demanda de mão-de-obra e as oportunidades oferecidas pelos principais mercados de trabalho: EMIGRAÇÃO MADEIRENSE. 1945-2007 Destino Brasil EUA Canadá Venezuela África do Sul França Alemanha Antilhas Holandesas Outros total 1945-49 3.279 726 2.150 2.526 1950-59 22.233 290 249 15.904 5.118 2.115 823 11.619 129 519 44.442 1960-69 4.534 326 412 22.833 579 31 2 1970-79 497 1.202 763 15.758 683 1.017 51 28.717 5.788 1980-89 1990-99 2000-2007 Um fenómeno particular ocorreu a partir de 1952 com a emigração sazonal para Inglaterra, principalmente para as Ilhas do Canal. Estes madeirenses, ocupados na hotelaria, deslocavam-se na época de Verão rumo a este destino para trabalhar no mesmo sector, regressando à ilha para a época invernal. Hoje mantém-se esta tradição mas ligada ao sector agrícola, uma vez que o turismo madeirense perdeu a sazonalidade que então mantinha94. A viragem no processo da emigração madeirense aconteceu na década de setenta. As mudanças políticas resultantes da Revolução do 25 de Abril de 1974 conduziram à valorização do espaço sócio-económico da ilha, condicionando a emigração. As mudanças políticas ao nível mundial, a situação dos habituais mercados receptores de mão-de-obra madeirense em contraste com a melhoria das condições de vida na ilha, fizeram com que o madeirense buscasse o Eldorado na sua própria terra e que muitos regressassem. Primeiro foram os chamados “retornados” das excolónias e depois os da Venezuela e África do Sul. Hoje a emigração madeirense adquiriu outros contornos. Assim, a saída definitiva deu lugar à temporária para a Europa, nomeadamente a Suíça e Ilhas do Canal. Esta realidade reflectiu-se no movimento da população que contraria a situação das décadas de 60 e 70. 94 Cardoso, Agostinho(1968), O Fenómeno Económico-Social da Emigração Madeirense, Coimbra, p.16. temp. definitiva 2000 1000 1999 1998 1997 1996 1995 1994 1993 1992 1991 1990 1989 1988 1987 1986 1985 1984 1983 1982 1981 1980 1979 1978 1977 0 Emigração Madeirense: temporária e definitiva 1977 -1999 DEPORTADOS POLITICOS. No quadro das migrações madeirenses para os séculos XIX e XX devemos assinalar a intervenção de vários factores. Nesta fase não foi apenas o factor económico a propiciar esta fuga quase generalizada da população, pois outras situações de carácter político conduziram a que muitos madeirenses fossem forçados a sair da sua terra por causa das suas convicções políticas ou religiosas. A fuga às perseguições de origem política, ou a deportação por força das suas convicções políticas obrigaram muitos madeirenses a sair da sua terra para o continente, Açores, Cabo Verde, Angola e Brasil. As transformações políticas resultantes da revolução liberal de 1820 criaram uma nova situação para a vida politica do reino e do arquipélago. Em Julho de 1823 as primeiras manifestações de hostilidade na vida politica iniciam um processo de emigração de algumas personalidades, como foi o caso de Nicolau Caetano Pitta, editor do primeiro jornal madeirense, o Patriota Funchalense, que teve que se acolher na Terceira onde veio a falecer. O golpe chefiado por D. Miguel inicia o regime de deportação para punir os adversários políticos. Esta conjuntura forçou igualmente a fuga generalizada de famílias, comprometidas com D. Pedro para Inglaterra, Brasil e América do Norte. Em 1844 a Madeira recebe um grupo de 21 insurgentes da revolta de Torres Vedras, ocorrida a 4 de Fevereiro de 1844 contra o governo de Costa Cabral. O processo político liberal sofreu um recuo em 1823 com a Vilafrancada. As Cortes foram suspensas e a Constituição foi abolida. A Madeira aderiu à nova situação aclamando rei a 13 de Junho o príncipe D. Miguel. O governador Manuel de Noronha foi substituído por Manuel de Portugal e Castro. O novo governador fez-se acompanhar de um Regimento de Infantaria e uma alçada de seis magistrados para comandar a repressão aos liberais madeirenses. As consequências da mudança foram imediatas, ocorrendo as primeiras perseguições no funcionalismo público com a expurga dos liberais e mações, enquanto os demais foram obrigados a assinar um compromisso de não filiação em nenhuma sociedade secreta. Por sentença de 26 de Outubro foram condenados 24 indivíduos na sua maioria pertencentes às lojas maçónicas União, Fidelidade e Constância, em que se contavam padres, morgados, militares e intelectuais. Numa segunda sindicância, foram presos 56 membros da Grande Loja Maçónica, entre outros, o morgado João de Carvalhal Esmeraldo, Francisco de Paula Medina de Vasconcelos, Nicolau Bettencourt Pita, etc. deportados para Angola, Ilha Terceira e Lisboa. Entre 1828 e 1834 o reino esteve a saque e a política fazia-se com violência, sangue e morte. A guilhotina de Robespierre chegara a Portugal pelas mãos de D. Miguel que durante esse período foi o símbolo da implacável justiça. Até Julho de 1831 as alçadas, ordenadas por D. Miguel, conduziram à prisão nas cadeias do Limoeiro e S. Julião de 26 270 indivíduos, à deportação para África de 16 000, à emigração forçada de 13 000 e ao enforcamento de 37 inimigos da sua causa. No período do governo da ditadura sucederam-se diversas convulsões contra o regime sendo de assinalar a revolta da Madeira em 1931. Este movimento de 4 de Abril está relacionado com outro ocorrido em Fevereiro do mesmo ano e que ficou conhecido como a Revolta da Farinha. A publicação de um decreto regulando o sector moageiro foi o principal motivo da agitação popular. Para conter a revolta o governo enviou um contingente de tropas e quando se preparava para deportar os principais intervenientes do movimento decidiu-se por uma segunda convulsão com a participação dos militares que aqui se encontravam deportados. Todavia a “republica madeirense” foi efémera e o governo central com o envio de tropas conseguiu reaver a posse da ilha em princípios de Maio, iniciando-se aqui o processo de deportação aos principais cabecilhas e intervenientes da revolta. Uns foram conduzidos para o Porto Santo, enquanto outros seguiram para a ilha de S. Nicolau em Cabo Verde. Cinco anos mais tarde, em 1936, tivemos a chamada revolta do Leite contra um decreto regulador dos lacticínios na Madeira, que viria a lançar o alvoroço em muitas das freguesias rurais, conduzindo a que mais uma centena de madeirenses deportados e presos para o continente. Entre eles contava-se o Padre Teixeira da Fonte, considerado pelas autoridades como o principal instigador da revolta. GUERRA COLONIAL. O ano de 1961 é assinalado nos anais de História Colonial como um ano negro. Perderam-se as possessões de Goa, Damão e Diu e iniciou-se a guerra provocada pelos movimentos de libertação de Angola, seguindo-se a Guiné em 1963 e Moçambique em 1964. Esta situação obrigou à mobilização de tropas, correspondendo ao apelo de Salazar: “Para a Angola, rapidamente e em força”. A primeira questão aconteceu na Índia. A partir de 1947 com a retirada inglesa e a fundação da União Indiana abriu-se a porta para a integração de Goa, Damão e Diu. Os problemas surgiram a partir de 1954 e levam o governo a mobilizar tropas, seguindo do Funchal uma companhia de caçadores para Diu. Mas em 1961 a União Indiana invadiu as possessões portuguesas, anexando-as definitivamente no seu território. Entretanto em África o movimento pró-independência atingiu as colónias portuguesas, surgindo movimentos de libertação em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. O assalto à cadeia de Luanda a 4 de Fevereiro de 1961 motivou a pronta resposta do regime com o envio de forças militares. Na Madeira foram recrutados muitos jovens em 5 batalhões e 64 companhias constituídas no Batalhão de Infantaria Independente n.º 19, e no grupo de Artilharia e Guarnição n.º 2. Embora os dados disponíveis não sejam muito fiáveis, aqui os deixamos para que se possa fazer uma ideia. Durante os treze anos de guerra foram mobilizados 820 000 militares de que resultaram 8 831 mortos e 32 195 feridos. De entre estes os mortos contam-se pelo menos 169 madeirenses. Perante este conjunto de situações tivemos a saída de muitos madeirenses que fugiam ainda jovens ao recrutamento militar e à mobilização para a guerra colonial, a que se juntaram opositores ao regime político, perseguidos pela polícia política. Muitos tomaram esta decisão de livre vontade95, mas outros foram obrigados a sair por força das perseguições a que estavam sujeitos pela polícia politica ou então porque foram conduzidos à prisão ou degredo, como sucedeu em 194996. OS REGRESSOS. No estudo das migrações o retorno tem sido quase sempre esquecido. Também não se torna fácil o seu estudo, nomeadamente em termos quantitativos. Todavia nos últimos anos, talvez porque o retorno seja uma evidência na sociedade portuguesa, o tema tem merecido a atenção dos estudiosos97. Não podemos esquecer o caso dos retornados da ex-colónias no período Por exemplo, Asdrúbal Vieira, em Vencedor Vencido conta a sua aventura e fuga para a Suécia no tempo de Salazar. Nepomuceno, Rui (2006), História da Madeira. Uma Visão Actual, Porto, Companhia das Letras, p.418. 97. Sobre o retorno Cf. KUBAT, Daniel (ed.) (1984) The Politics of Return - International Return Migration in Europe, New York/ Roma, Center for Migration Studies; GARMENDIA (1981), José A., La Emigracion Española en la Encrucijada - Marco General de la Emigracion de Retorno, Madrid, Centro de Investigaciones Sociologicas, Madrid; KING, Russel e outros(1984), "Return Migration and the Development of the Italian Mezzo-giorno", in KUBAT, Daniel (ed.), The Politics of Return - International Return Migration in Europe, New 95 96 de 1974 a 1975 98 e depois, no caso especifico da Madeira o retorno de emigrantes da África do Sul e da Venezuela. Mas sem dúvida a imagem que mais permanece no imaginário e na literatura a evocar este processo é a do brasileiro99. Na actualidade a imagem do retorno é denunciada pela presença de emigrantes e descendentes da Venezuela. Aliás este país terá sido o que proporcionou mais regressos nos últimos 25 anos. A conjuntura política e económica não tem sido muito favorável a estes emigrantes que têm regressado à ilha de forma regular. A primeira leva aconteceu na década de oitenta do século XX, com os motins populares de 1989, seguindo-se depois outra nos finais da década seguinte, provocada pela instabilidade politica e enxurradas de Vargas. No total assinala-se o regresso de 5553 madeirenses. Destes madeirenses e descendentes regressados não temos grande conhecimento da forma como se integraram na nova sociedade, mas também não temos notícias de que tenha surgido alguma questão social de significativo interesse, o que poderá ser a prova de que a sua integração na sociedade madeirense terá sido pacifica 100. Aqui estamos perante um campo em aberto para a investigação em Ciências Sociais e que deveria merecer a atenção de políticos e investigadores. Todos, ou quase todos iam com a intenção de regressar mas poucos o fizeram e nem sempre pelas mesmas razões. A imagem do imigrante que regressa está quase sempre presente no imaginário popular como o de uma figura distinta que manifesta a riqueza por todas as formas. A aparência física, o vestir de branco ou com trajes vistosos ou distintos do comum, o falar e a forma desinibida dos seus comportamentos denunciam facilmente a figura de um emigrante de regresso temporário ou definitivo. Não são conhecidos como regressados ou retornados, mas sim como o demerarista, o da Guiana, o brasileiro, o venezuelano ou de forma depreciativa de miras, e o americano. Mas de uma forma genérica é conhecido no século XX como o emigrante, não importa aqui a sua origem, seja do Brasil, Venezuela, França, África do Sul, Canadá, Curaçau ou Austrália. Enquanto no continente português ficou evidente a figura do brasileiro101 e do francês, aqui na York/ Roma, Center for Migration Studies, pp. 79-87; PEREZ, Jose Cazorla (1981), Emigracion y Retorno: una perspectiva europeia, Madrid, Instituto Español de Emigracion; SERRA-SANTANA, Ema (1984), "Return of Portuguese: economic goals or retention of one's identity", in KUBAT, Daniel (ed.), The Politics of Return - International Return Migration in Europe, New York/ Roma, Center for Migration Studies, pp. 55-56. RICHMOND, A.H.,(1984),"Explaining Return Migration", in KUBAT, Daniel (ed.), The Politics of Return - International Return Migration in Europe, New York/ Roma, Center for Migration Studies, pp. 269-275. CHEPULIS, Rita L. (1984), "Returnal Migration: an anaytical framework", in KUBAT, Daniel (ed.), The Politics of Return - International Return Migration in Europe, New York/ Roma, Center for Migration Studies, , pp. 239-245. Para Portugal Cf. SILVA, Manuela, e outros (1984), Retorno, Emigração e Desenvolvimento Regional em Portugal, Lisboa, I.E.D; POINARD, Michel (1983), "Emigrantes Portugueses: o Regresso", Análise Social, nº 75, pp. 29-56, (1983), "Emigrantes Retornados de França: a Reinserção na Sociedade Portuguesa", Análise Social, nº 76, 261-296; BRANDÃO, M. de Fátima (1993), "O bom emigrante à casa torna?", in PEREIRA, Miriam Halpern, e outros (eds.), (1984), Emigração/imigração em Portugal, Lisboa, Fragmentos, pp. 163-183; CÓNIM, Custódio N. P. S.(1983/4), "Emigrantes Portugueses: o regresso", Revista do Centro de Estudos Demográficos, nº 26, pp. 73-126; PORTELA, Irene ,e OLIVEIRA, M. Ermelinda (1987), Migrantes Portugueses no Brasil: o paradoxo do retorno, Porto, S.E.E. 98 Dacosta, Fernando e Leonel Brito [1984], Os retornados estão a mudar Portugal , Lisboa, Distribuição, Dijornal; Pires, Rui Pedro Pena e Manuela Silva (1984), Os Retornados: um estudo sociográfico,Lisboa, Instituto de Estudos para o Desenvolvimento; Carrington, William J. The Impact of 1970s Repatriates from Africa on the Portuguese Labor Market; Pires, Rui Pena (2003), Migrações e integração. Teoria e Aplicações à Sociedade Portuguesa, Lisboa, Celta Editora. O tema é também motivo na literatura de que referenciamos: António Pires (1976), Desalojados: a tragédia nacional dos "retornados", portugueses expulsos de Angola : romance, Livraria Popular de F. Franco; Pires, Rui Pena e outros (1987), Os Retornados. Um Estudo Sociográfico, Lisboa Instituto de Estudos para o Desenvolvimento; Calamoto, Albertino (2006), O Retornado.Crónicas, Lisboa, ed. Autor,, on-line,[disponível em http://two.xthost.info/alsica/Retornado.pdf]; Magalhães, Júlio (2008), Os Retornados. Um amor nunca se esquece, Lisboa, Esfera dos Livros; Antunes, António Lobo (1988), As Naus, Lisboa, Publicações D. Quixote; Viegas, Aida (2002), abandonar Angola-Um olhar à Distância, Aveiro, ed. A; Pizarro, Teresa (2004), Os Retornados, Almargem do Bispo, Padrões culturais Editora; 99 "A designação de "brasileiro" adquiriu para nós uma significação singular e desconhecida para o resto do mundo. Em Portugal, a primeira ideia, talvez , que suscita este vocábulo é a de um indivíduo cujas características principais e quase exclusivas são viver com maior ou menor largueza e não ter nascido no Brasil; serum homem que saíu de Portugal na puerícia ou na mocidade mais ou menos pobre eque, anos depois, voltou mais ou menos rico." HERCULANO, Alexandre, Opúsculos - II , (organização, introdução e notas de Jorge Custódio e José Manuel Garcia), Lisboa, Presença, p. 68. Cf. REGO, Santos, Diogo Pinho dos (1961), Os "Brasileiros" de Camilo, V.N. de Famalicão, Centro Gráfico; CESAR, Guilhermino(1969), O "Brasileiro" na Ficção Portuguesa, Lisboa, Parceria A. M. Pereira; Cabral, A. M. Pires (1985), A emigraçäo na literatura portuguesa: uma colectânea de textos , [Lisboa] : Secret. de Estado da Emigraçäo, imp.. 100 A problemática do retorno de emigrantes madeirenses não tem merecido até ao momento qualquer atenção por parte da pesquisa. Apenas se assinalam algumas reportagens jornalísticas e do mais todos nós testemunhamos por experiencia própria fr uto da nossa observação directa no dia a dia. 2007 por Pereira, Ana Cristina, “Depois da emigração, o regresso-Portugueses da Venezuela regressam” à Madeira por causa da falta de segurança”, reportagem do Público de 28.10.2007, on-line [disponível em http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1308972, http://ibericos.wordpress.com/2007/10/30/venezuela-madeira-oregresso/] visita em 15-09-2008. 101 Cf. CESAR, Guilhermino (1969), O "Brasileiro" na Ficção Portuguesa, Lisboa, Parceria A. M. Pereira; LOUREIRO, José Carlos (1989), "A casa do Brasileiro", Os Portugueses e o Mundo - Conferência Internacional (1985), vol. VI, Fundação Engº António de Almeida, pp. 33-36; madeira foram estas figuras as que marcaram o retorno da emigração. Para o século XIX assinalam-se as figuras do demerarista e do brasileiro. Este último perdura no século XX assinalando uma nova vaga emigratório para o Brasil durante a segunda guerra mundial, juntandose a imagem emblemática do venezuelano, que chega ao cumulo de importar carros ao estilo norteamericano, que não se adequam às reduzidas dimensões das estradas rurais madeirenses A memória colectiva e a literatura madeirenses retiveram estas imagens, por vezes burlescas, do emigrante retornado à sua terra natal 102. A primeira foi a do demerarista, definido assim por Fernando Augusto da Silva: O demerarista que à custa de penosissimos trabalhos e de flagelos de toda a espécie conseguia amontoar capitais, não se esquecia em geral da sua terra, e era aqui que gostava de vir passar o resto da sua vida, rodeado de comodidades e confortos a que não fora habituado na sua mocidade. Era ele quem nas freguesias fazia com maior empenho as festas do Senhor, festas em que havia sempre grande abundância de tiros e foguetes, cousas estas muito do agrado do povo rude da nossa ilha103. A sua presença deveria ser tão evidente na cidade e em toda a ilha que muitos forasteiros a ela se referem, como foi o caso de R. Burton104 que o compara ao estatuto do brasileiro ao nível de Portugal continental. Tenha-se em conta que Álvaro Rodrigues de Azevedo105 publicou em 1859 um drama em que abordava esta situação particular do emigrante madeirense retornado.O tema foi retomado em 1893 por João de Nóbrega Soares na peça intitulada “A Virtude Premiada”.106 . Tal como refere Agostinho Cardoso este emigrante não era tão afirmativo como o brasileiro ou venezuelano107 . A figura do emigrante da Guiana inglesa foi Monteiro, Miguel (1996); Migrantes, Emigrantes e “Brasileiros” (1834-1926)- territórios, itinerários e trajectórias, Braga, Instituto de Ciências Sociais, Universidade do Minho,(1996) “Migrantes, Emigrantes e Brasileiros", Actas do 2º Congresso Histórico de Guimarães, Vol. 7, Câmara Municipal de Guimarães - Universidade do Minho, pp. 285 – 330(1999) O Papel dos “Brasileiros” nas vilas do Minho: o caso de Fafe, in Os “Brasileiros” da Emigração, Jorge Fernandes Alves (Coord), Vila Nova de Famalicão, Museu Bernardino Machado ,(2000), Marcas da Arquitectura de Brasileiro na Paisagem do Minho,” O Brasileiro de Torna Viagem, CNCDP - Portugal, Comissão Nacional para as comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa(2000) “O Público e o Privado”, O Brasileiro de Torna Viagem, Lisboa, CNCDP – Portugal, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa (2000), “Representações materiais do «Brasileiro» e construção simbólica do retorno”, Camões, Número 11, Outubro-Dezembro, (2005) “Representações Materiais do ‘brasileiro’ e Construção Simbólica do Retorno”, in Turbulência Cultural em Cenários de Transição – O século XIX Ibero – americano, Neide Marcondes e Manoel Bellotto (orgs.), São Paulo, Edusp – Editora da Universidade de São Paulo, pp.165-189, (2006) ´O Museu da Emigração e os “Brasileiros” do Rio: o público e o privado na construção de mode rnidade em Portugal', I Encontro luso-Brasileiro de Museus casas: Espaço, Objeto e Museografia, Fundação Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro. in Revista da Faculdade de Letras HISTÓRIA, Porto, III Série,, vol. 8, 2007, PP.443-458; BENIS, Maria Ioannis, “Uma contra - imagem do “Brasileiro”, in Revista de História Económica e Social, nº7, 1981, pp. 129-137; BRAGA, Jorge Salazar, A Casa do "brasileiro" e a paisagem rural do século XIX, Lisboa, 1986; BRANDÃO, Maria de Fátima, “ O bom emigrante à casa torna”, in PEREIRA, Míriam Halpern, e outros (eds.), Emigração/imigração em Portugal, Lisboa, Fragmentos, 1993, pp. 163-183; CÉSAR, Guilhermino, O “Brasileiro” na Ficção Portuguesa, Lisboa, Parceria A. M. Pereira, 1969; GONÇALVES, Albertino, “O Presente Ausente - 0 emigrante na sociedade de origem”, in Cadernos do Noroeste, vol.l/l, Braga. 1987. pp. 7-30; GONÇALVES, Albertino, “O Presente Ausente II - Vias e desvios na intelecção da emigração e da sociedade portuguesa”, in Cadernos do Noroeste, vol. 112/3, 1989, pp. 125-153; LOUREIRO, José Carlos, “A casa do Brasileiro”: Os Portugueses e o Mundo Conferência Internacional (1985), vol. VI, Fundação Eng.º António de Almeida, 1989, pp. 33-36; MONTEIRO, Miguel, Representações Materiais do "Brasileiro" e Construção Simbólica do Retorno in Turbulência Cultural em Cenários de Transição – O século XIX Ibero – americano, Neide Marcondes e Manoel Bellotto (orgs.), São Paulo, Edusp – Editora da Universidade de São Paulo, 2005, pp.165-189; PINA-CABRAL, João de e outros, “A casa do noroeste - um encontro pluridisciplinar”, in Análise Social, nº95, 1987, pp.151-163; QUEIRÓS, Eça de, O brasileiro, Uma Campanha Alegre (de «As farpas»), Porto, Vol. 2, Lello, 1978, pp. 87-89; REGO, Diogo Pinho dos Santos, “Os Brasileiros» de Camilo , V. N. de Famalicão, Centro Gráfico, 1961; ROCHA-TRINDADE, M. Beatriz , “Remigratório: migração e retorno”, História, nº 98. 1986, pp. 4-15; Figueiredo, Cláudia, Maria da Conceição Amaral [org.] (2000), Os brasileiros de torna-viagem, Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses; coord. - Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses. 102 Não existe qualquer levantamento e estudo sobre a temática da emigração na literatura madeirense. As referências que podemos compilar são avulsas e vão desde Manuel Gonçalves [Emigração da Madeira (1902)], Elmano Vieira [Última Bênção (1917)], Ricardo Jardim [Saias de Balão-na ilha da Madeira (1945)], Herberto Hélder [Os Passos em Volta (1963)], João França [O Emigrante( 1978)], Horácio Bento de Gouveia [Torna-viagem-romance do emigrante (1979), Helena Marques [O Último Cais (1993), Os íbis Vermelhos de Guiana (2002)]. Lilia Mata[Contos de Embarcar (2002)]. A estes podemos ainda juntar José Rodrigues Miguéis,[Gente da Terceira Classe (4ª edição, 1984)]. Sobre este ultimo romance cf. Duarte Mendonça, Em busca do American Dream: Emigrante madeirense imortalizada no livro Gente da Terceira Classe, [on-line], [disponível em http://www.arquivo-madeira.org/item2_detail.php?lang=0&id_channel=23&id_page=200&id=30] 103 Silva, Fernando Augusto da (1984), Elucidário Madeirense, Funchal, Drac, vol.I, p.392. 104 Another important change is being brought about by the emigrant. During the last few years the old rule has been relaxed, and whole families have wandered abroad in search of fortune. Few Madeirans in these days ship for the Br azil, once the land of their predilection. They prefer Cape Town, Honolulu, the Antilles, and especially Demerara; and now the ’Demerarista’ holds the position of the ’Brasileiro’ in Portugal and the ’Indio’ or ’Indiano’ of the Canaries: in time he will bu y up half the island.[ Burton, Richard F. and Verney Lovett Cameron[1883], To the Gold Coast for Gold, A Personal Narrative, Londres]. 105 A Família Demerarista. Drama em um acto, Funchal, Typ. do Funchalense. Cf. Brereton, Bridget, Kevin A. Yelvington (1999), The Colonial Caribbean in Transition: Essays on Postemancipation Social and Cultural History, Florida, University Press of Florida, p.170. 106 Temos ainda um outro texto de Xavier, Mariana (1988), O Demerarista, Islenha, nº.2, 102-112. 107 “ O demerarista retornado, era um tipo curioso de homem do povo, enriquecido à custa do trabalho, regressado à ilha para aqui também motivo de referência sarcástica no quotidiano e literatura. Todavia só se conhece um poema, a Guyaneida, escrito por várias mãos, que ainda se encontra inédito108. Depois foi o reavivar a memória deste destino da emigração madeirense através dos romances de Helena Marques. A imagem do venezuelano é sem duvida a que mais perdura no imaginário popular pela sua exuberante chamada de atenção em público e acima de tudo pela forma exibicionista com que cumprem as promessas aos oragos da sua freguesia, organizando de forma ostentatória os festividades109 . A situação do emigrante venezuelano mudou nas últimas décadas. As mudanças políticas decorrentes da eleição de Hugo Chaves em 1998 As conquistas da Revolução de 1974 e o processo autonómico conduziram a múltiplas transformações na sociedade madeirense que conseguiram estancar a emigração, uma constante que se reconverte para uma dimensão sazonal assente na saída temporária de jovens madeirenses para trabalhar nas ilhas do Canal em Inglaterra. Os fluxos migratórios para os tradicionais destinos foram perdendo importância e interesse para a maioria da mão-de-obra disponível na ilha que estes destinos mais aliciantes de um trabalho temporário nas épocas de maior demanda de trabalho nas ilhas inglesas. Estamos perante um destino que começou em 1952 em relação directa com a hotelaria e que se foi alargado até as actividades do sector primário. Desde o início do processo autonómico que as autoridades regionais tiveram consciência da dimensão e importância das comunidades madeirenses espalhadas por todo o mundo, nomeadamente na Venezuela e África da do Sul. Deste modo em 1977 o primeiro governo Regional, presidido pelo Engº Ornelas Camacho, reuniu no Porto Santo em 1977 diversos emigrantes chamados à ilha pela mão do mensageiro do governo, o actor Vergílio Teixeira, para que o processo que se iniciava pudesse contar com a colaboração de todos os madeirenses, residentes ou não no arquipélago. O encontro, Congresso do emigrante, Madeirem, teve lugar no Porto Santo e foi encerrado a 30 de Junho pelo então Presidente da República, o General Ramalho Eanes. Entretanto a 2 de Julho de 1976 o Governo Regional havia decidido criar o Centro do Emigrante Madeirense, que passou a funcionar na Presidência. A partir de 1988 este centro passou para a alçada da então criada Secretaria Regional do Turismo Cultura e Emigração e no mandato seguinte, em 1992, mudou para a tutela da Secretaria Regional dos Assuntos Parlamentares e Comunicações., hoje Secretaria Regional dos Recursos Humanos. Na década de oitenta consolida-se a ideia das comunidades madeirenses alargada a todo o universo dos madeirenses residentes também no estrangeiro, ao mesmo tempo que estes passam a ser um referencial importante na política governamental. A homenagem e valorização destas comunidades estão expressas no monumento inaugurado em 1982 na Avenida do Mar e das Comunidades Madeirenses. Depois foi a chamada dos mesmos para uma participação indirecta na política local através do Congresso das Comunidades Madeirenses, que teve o seu primeiro encontro em 1984, a que se associou a criação do Conselho das Comunidades Madeirenses pelo Decreto Regional nº6/84/M. Ainda, em 1989 o dia 1 de Julho, oficialmente o dia da Região, foi declarado Dia da Região Autónoma da Madeira e das Comunidades Madeirenses. Entretanto em 2006 foi criada a Convenção das Comunidades Madeirenses e o Conselho Permanente das Comunidades Madeirenses pelo decreto legislativo Regional 39/2006/M de 4 de Agosto. A emigração passou já a sua fase negra e difícil. Durante muito tempo ela foi apenas encarada pela vertente fúnebre, mas hoje passaram-se esses tempos e o tema está presente de forma distinta no nosso quotidiano. A emigração definitiva deixou de ser uma constante da nossa sociedade e a sociedade do século XXI propicia mecanismos de aproximação mais fáceis entre os exercer a sua actividade ou passar, em merecidas férias, o resto da vida, mais sóbrio que o brasileiro de Camilo, ou do que o venezuelano, que volta com grande automóvel e começa por despender dezenas de contos ao promover, com exagerada e inútil pompa, a festa do orago da sua freguesia.”Cardoso, Agostinho (1968) O Fenómeno Económico-Social da Emigração Madeirense, [sep. Da Revista de Direito Administrativo, t. XII, nº.3], Coimbra, p.7 108 Cf. Silva, Fernando Augusto da (1984), Elucidário Madeirense, Funchal, Drac, vol.II, pp.111-112. 109 Pereira, Eduardo (1968), Ilhas de Zargo, Funchal, CMF, vol.II, p.276. que partiram e os que ficaram. Assim sendo sair da sua terra não é mais uma aventura quase sempre no desconhecido, como o era até então. Por outro lado, hoje em dia o tema torna-se presente noutro sentido, pelo retorno de muitos que haviam partido e que as condições dos destinos de origem os obrigaram a retorno a casa. Nos últimos anos o retorno acentuado de muitos emigrantes madeirenses na Venezuela e África do Sul obrigou a um reajustamento da política governamental, assumindo o centro do emigrante um papel fundamental de apoio ao regresso. Por outro lado surgiram associações para apoiar e defender os interesses destes imigrantes de que se destaca a o Clube Social das Comunidades Madeirenses, criado em 30 de Maio de 2000110. Entretanto nos meses de Verão sucedem-se encontros e semanas culturais tendo como tema o emigrante111 Por fim não podemos esquecer as grandes transformações ocorridas nas últimas décadas que conduziram a profundas transformações nos fluxos migratórios. O transporte melhorou de forma apreciável, passando-se a usufruir de melhores condições para a viagem por via aérea, que em alguns casos, como sucedeu com a Inglaterra e Venezuela se faz através de ligação directa. Acresce ainda que as comunicações, com especial destaque para a Internet e a Televisão via satélite, permitiram esbater muitas fronteiras e manter relações de proximidade entre os que partiram e os que ficaram. Parece que tudo mudou, mas para quem transita pelos circuitos das migrações a realidade é distinta, pois continuam em pleno século XXI continuam a manter-se os circuitos da emigração clandestina, marcados por um exploração dos que se sujeita a tal condição, que ainda se tem que haver com comportamentos racistas e xenófobos das sociedades de acolhimento, muitas delas também com história marcada pela emigração. A condição do emigrante ou imigrante, dependendo da perspectiva como se veja este homem que parte ou que chega em busca de melhores condições de vida, ainda apresenta situações pouco claras e merecedoras da recriminação de todos. A ilha como espaço aberto ao mundo é um permanente cais de chegadas e partidas. Hoje, mais do que nunca, as condições do transporte favorecem a mobilidade em todos os sentidos. Os ritmos históricos internos e do entorno definiram diversas formas e ciclos da mobilidade dos madeirenses e da atracção da ilha para outras gentes. De entre estes últimos a História assinalou primeiro os colonos povoadores, os escravos, os mercadores, aventureiros(...), depois o protagonismo do arquipélago no espaço atlântico definiu outra forma de atracção e novas formas de imigração com os cientistas, turistas, foragidos e perseguidos pela política, deportados. No passado os momentos de partida distanciavam-se dos de chegada, mas hoje as condições e a conjuntura são diferentes e no mesmo cais podemos nos encontrar com os que partem e chegam, num permanente rodopio de gentes, produtos, usos e costumes. Hoje uma ilha de emigrantes pode muito bem acolher imigrantes, pois as expectativas de uns e outros são distintas. A ilha permanecerá sempre como um espaço aberto e acolhedor. De acordo com os estatutos a sua missão é: “ARTIGO SEGUNDO – A Associação tem por objecto promover as relações de carácter cultural, recreativo, desportivo e social; fomentar a solidariedade e fraternidade entre todos os emigrantes madeirenses espalhados pelo mundo.” 111 No ano de 2008 o Clube Social das Comunidades Madeirenses dedicou a VI Semana Cultural ao “Emigrante no Arraial Madeirense”, A Associação Desportiva do Campanário dedicou um dia aos “Encontros de Cá e Lá- Madeira e Venezuela” e a Casa do Povo da Freguesia da Ilha (Santana) com o “dia do Emigrante”. 110