Adolescência no contexto da cidadania Arilda Guedes dos Santos Silva1 Fundação Estadual da Criança e do Adolescente Resumo O presente texto trata da problemática da adolescência no contexto da educação e da cidadania, considerando, a evolução sócio-histórica da Adolescência e da Cidadania, a luz das políticas públicas e da legislação brasileira. O enfoque recai sobre a dura realidade vivida pelos adolescentes em meio a violência que tem se alastrado ao longo da história da infância e juventude no Brasil. Perspectivado neste texto o papel da família e da escola em um mundo em contínuas mudanças. Apresenta um caso de intervenção comunitária e aponta ainda algumas perspectivas e desafios na superação da problemática. Palavras-chave Adolescência, Educação, Cidadania, Políticas públicas. "O verão é a estação das tempestades, das altas temperaturas, ora é o Sol, ora é a chuva. Na juventude também é assim, acontece tempestade de emoções, as paixões são mais ardentes e os sentimentos sofrem constantes oscilações. "São momentos de crise, individual e coletiva, mas também de compromisso entusiástico e sem reservas: e, no fundo, não vamos encontrar os jovens na linha de frente das revoltas e das revoluções"?" (Levi & Schmitt, 1996;12) A sociedade Humana é fruto da existência do homem tendo como princípio da vida a infância e a juventude. Nas últimas décadas produziu-se uma ampla rede de 1 Técnica de Nivel Superior da Fundação Estadual da Criança e do Adolescente (FUNDAC\RN); il da5 1@ho tmail.com aril ilda5 da51@ho [email protected] ar 393 Arilda dos Santos Silva conceitos em torno da adolescência, entretanto o conceito emerge no contexto histórico das mudanças ocorridas a partir do século XIX, com a Revolução Industrial, e das transformações no seio da sociedade e da família. A medida em que essas mudanças foram ocorrendo o conceito foi se alterando emoldurando o que é nos dias atuais a família moderna. A violência no mundo atual, tem sido palco de manchetes e jornais, a cada dia nos surpreendemos com as estatísticas desse antro que tem assolado o mundo atual. A violência que vem se instalando nas últimas décadas, tem deixado marcas profundas, na família, e na sociedade contemporânea, sobretudo comprometendo a paz e a segurança. Nesse contexto estão crianças e adolescentes envolvidos nesse antro. Com base no exposto, algumas questões merecem a seguinte reflexão: para onde caminha a nossa juventude? Que conceitos têm de vida, de mundo e de sociedade? Qual é o papel da educação e da família enquanto instituição social no mundo em contínuas mudanças? Como é sabido, a adolescência é investida de outros valores, dentre os quais estão a educação e a cidadania. Não dá para tratar as questões fora deste contexto. A adolescência é uma fase do desenvolvimento considerada por alguns estudiosos como um período de crises. Segundo César (apud.19982): Maldonado (2000) ressalta os estudos de Caplan (1967), Erikson (1959), Bribing (1961) e Benedek (1959), estes afirmam que essas crises são pontos decisivos para o crescimento emocional do ser humano e podem determinar, em parte, o estado de saúde ou doença mental. Este artigo não tem a pretensão de esgotar o assunto, haja vista, a vastas bibliografia de grandes teóricos sobre o assunto, mas contribuir para ampliar a discussão sobre a temática. A realidade aqui tratada é uma pequena síntese sobre a adolescência no Brasil (nomeadamente os adolescentes em conflito com a lei em Brasília no Distrito Federal). As “reformas higienistas” no Século XIX,”· ocorridas na Europa e no Brasil foram responsáveis pelo aparecimento de pessoas as quais se encontravam alijadas da ordem burguesa. Eram as famílias disfuncionais, os delinquentes juvenis e as jovens prostitutas. As famílias operárias e famílias pobres, além da carência de recursos materiais, faltavamlhes recursos morais e intelectuais, o que dificultava a educação dos filhos. Hardt 2 394 http://www .r edepsi.com.br/por es/soapbo x/pr int.php?ar ticl eID=25 1. http://www.r .redepsi.com.br/por edepsi.com.br/portt al/modul al/modules/soapbo es/soapbox/pr x/print.php?ar int.php?articl ticleID=25 eID=251 Adolescência no Contexto da Cidadania (2005, p.13), refere-se, a classe operária como sendo todos os trabalhadores assalariados, diferenciando-os dos pobres que prestam serviços domésticos sem remuneração e de todos os demais que não recebem salário. A questão do gênero e a sexualidade caracterizavam as desordens sociais, criando assim, a imagem da delinquência juvenil. No caso dos rapazes eram: furtos, bebidas alcoólicas, cigarro, ociosidade e a prática do onanismo. Entretanto, para as garotas era a prática da “sexualidade ilícita”. A adolescência é uma fase do desenvolvimento que se caracteriza pelas transformações físicas (puberdade), psicoafetivas e sociais que emergem para a definição da identidade do adolescente. A biologia divide a juventude em duas fases: a pré-adolescência (de 10 a 14 anos) e a adolescência (de 15 a 19 anos). Para a Sociologia, a juventude começa aos 15 e termina aos 24 anos. Hipoteticamente a falta de maturidade e políticas públicas efetivas, de lazer, cultura, desporto e outros bens culturais, são geradores da ociosidade na vida dos adolescentes, tornando-os vulneráveis à pressão de grupos, acesso fácil as droga e consequentemente a delinquência juvenil, o que significa uma ameaça do ponto de vista pessoal e social (Silva, 2002, p.8). Costa (1998, p.4) define a “adolescência como um segundo nascimento do indivíduo e atribui como tarefas básicas deste período a construção da identidade pessoal/social. O que isto quer dizer? Tentando ampliar o entendimento deste conceito, Silva (2003) afirma que a construção da identidade ocorre a partir do momento em que possibilitamos ao adolescente desenvolver uma consciência crítica do eu eu, do outro e do meio meio, ou seja do quem sou eu? Como eu me vejo? Como o outro me vê? É com base nessa reflexão que o adolescente vai situar-se no contexto social mais amplo e a partir daí construir sua identidade conforme o seu imaginário social. (ideais de mudança). Na concepção da autora, o indivíduo é portador de duas identidades. Uma biológica expressa. A segunda é a identidade pessoal, essa identidade vai sendo construída na relação com o outro e com o meio (sentido antropológico), a medida em que este vai construindo seu projeto de vida, vai alcançando projeçoes em sua trajetória de conquistas. É nessa perspectiva que a identidade vai ganhando novo tom, ou seja, enquanto a identidade biológica é permanente, a identidade pessoal ganha notoriedade conforme o crescimento e desenvolvimento pessoal e intelectual do sujeito. Corroborando com Silva , Knobel (1999, p.60-62): 395 Arilda dos Santos Silva enfatiza que o adolescente busca a sua identidade adulta; no entanto assinala a identidade não como fenômeno próprio apenas do adulto, mas que a cada momento do desenvolvimento o indivíduo tem uma identidade própria, fruto das identificações e experiências vitais (interação mundo interno-externo). Violência Juvenil: a dura realidade O Programa de Proteção a Criança e Adolescente Ameaçados de Morte (PPCAAM), foi instituído no ano de 2003, como uma estratégia do Governo Federal, no enfrentamento ao crescimento de homicídios entre jovens, adolescentes e crianças no Brasil. O estudo epidemiológico sobre os padrões de mortalidade juvenil no Brasil (Mapa da Violência 2006), indica que a população adolescente é especialmente vitimizada no que se refere as mortes violentas por causas externas, que correspondem a 72,1% do total dos óbitos ocorridos na faixa etária entre 15 e 24 anos, sendo responsável por 39,7% do total de mortes em 2004 de jovens e adolescentes do sexo masculino, residentes nas periferias das grandes metrópoles, afro descendentes e sem escolarização são o alvo prioritário, embora não exclusivo, da violência letal. Segundo dados divulgado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) da Presidência da República, o número de adolescentes infratores que cumprem medida privativa de liberdade em todo o país cresceu 363% nos últimos dez anos. A estatística da violência envolvendo crianças e adolescentes ainda é alarmante, em 1997 15.426 jovens em unidades de internação, enquanto em 1996 eram 4.245. Os dados fazem parte da pesquisa Política de Atendimento a Adolescentes em Conflito com a Lei. Essa problemática tem merecido, uma atenção maior por parte de cientistas sociais, políticos, professores, pais e profissionais interessados na questão. O Distrito Federal, está no ranking das estatísticas da violência juvenil, segundo o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, as escolas da Asa Sul e Asa Norte, representam o maior foco de risco de violência infanto-juvenil. O acesso a educação secundária, é de apenas 33% dos adolescentes de 15 a 19 anos. Segundo a Coordenadoria de Planejamento (CODEPLAN) 20% da população local é de jovens adolescentes, 25% das gestações são de adolescentes entre 10 e 19 anos. Tentando dar resposta ao quadro de violência infanto-juvenil, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH), através da Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente (SPDCA) implementou o Programa de Proteção a Crianças 396 Adolescência no Contexto da Cidadania e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM), com o objetivo de preservar a vida destes, além de incidir na elaboração de estudos e na construção de políticas públicas para prevenção deste em conflito com a lei. Lidar com a fase conturbada da adolescência, tem exigido dos pais e professores um esforço muito maior, sobretudo sensibilidade e habilidade para lidar com essa fase do desenvolvimento. A família e a escola encontram-se submersas numa crise de valores sem precedentes, principalmente a família no papel de educar os filhos e prepará-los para vida futura, num mundo conturbado, pela desintegração da civilidade e da segurança, fruto de uma modernidade desvirtuada de padrões éticos, morais, e espirituais. Antes a educação dos filhos era moldada de dentro para fora, hoje sofre influências externas: meios de comunicação, consumismo exacerbado, a prevalência do Ter sobe o Ser, pressão de grupos, o meio, acesso fácil as drogas, busca de identidade, são geradores de comportamento desviante, entende-se comportamento desviante a incapacidade do indivíduo de adaptar-se as normas e regras sociais. Percebe-se também, a prevalência dos aspectos materiais em detrimento dos aspectos moral, emocional e espiritual, valores estes essenciais na formação do caráter e da personalidade dos filhos. Quando bem trabalhados pela família e pela escola, podem prevenir os distúrbios de comportamento e dirimir a vulnerabilidade de riscos. Portanto, ou educamos e formamos cidadãos críticos, éticos e produtivos, ou vamos continuar formando “monstrinhos” para aterrorizar a sociedade, ameaçar a segurança pública e o que é pior, quando não são mortos entre gangues, ou troca de tiro com a polícia, são confinados em instituições carcerárias, que não oferece a mínima estrutura de reeducação e ressocialização destes, ao convívio em sociedade, restando-lhes portanto, se especializar no mundo do crime. A escola por sua vez, encontra-se despreparada para atender aos interesses de seus educandos em suas especificidades, carência afetiva, angústias, frustrações, conflitos, insegurança, ociosidade. Nesse contexto, os adolescentes encontram-se desorientados e sem parâmetros para refletirem sobre suas práticas. Hipoteticamente esses problemas podem estar associados a fatores emocionais uma vez que não tendo maturidade suficiente, não conseguem administrar, seus problemas, o que pode se atribuir a falta de uma educação integrada ao contexto da “inteligência emocional”. Platão (apud) Bolívar: Educar, é propiciar a saída da obscuridade para a luz, romper as cadeias da ignorância e das paixões que nos escravizam e nos impedem de 397 Arilda dos Santos Silva ver a vida com lucidez. “Somente se crescermos emocional e intelectualmente poderemos descobrir e compreender nosso universo interno. Só assim poderemos ter saúde psicológica”. Na concepçãp da autora um dos objetivos da educação deveria ser formar seres adultos independentes, capazes de romper com o paternalismo protecionista foi o caso da América Latina, que se manteve na pobreza, atraso e subdesenvolvimento. O que vem corroborar com Gardner (apud Bergo, 2002 p.37), quando afirma que a inteligência emocional envolve talentos com capacidade de motivar e persistir diante de frustrações; controlar impulsos e adiar a satisfação; regular o próprio estado de espírito e impedir que a aflição invada a capacidade de pensar; criar empatia e esperar, com o objetivo de assegurar uma vida bem sucedida. Educação e cidadania “ A educação deve contribuir para o desenvolvimento total da pessoa – espírito e corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético, responsabilidade social, espiritualidade. Todo ser humano deve ser preparado especialmente graças a educação que recebe na juventude, para elaborar pensamentos autónomos e críticos e para formular seus próprios juízo de valor, de modo a poder decidir por si mesmo nas diferenças circunstanciais da vida” (Relatório da ONU) Educação para cidadania é um campo teórico e prático onde se traduzem, em acordos e desacordos, as nossas concepções de vida social e política, a definição dos direitos, liberdades e obrigações que julgamos legítimas para nós e para os outros. Também as nossas formas de pensamento em relação aos conflitos e a sua resolução, as nossas concepções sobre educação, o papel da família, da escola e outras instituições susceptíveis de intervir na instrução, na educação e na socialização. O lugar que tem os conhecimentos ou experiência na construção coletiva das competências. Freitas (apud) Audigier (1999, p.5). Afinal, o que é educação e que conceito de educação mais se adequa a realidade de um mundo em contínuas mudanças? Convém aqui a assinalar a contribuição de Libâneo, sobre o conceito de educação: “A educação corresponde a toda modalidade de influências e inter-relações que convergem para a formação de traços de personalidade social e do caráter implicando uma concepção de mundo, ideais, valores, modos de agir, que se traduzem em convicções 398 Adolescência no Contexto da Cidadania ideológicas, morais, políticas, princípios de ação frente a situações reais e desafios da vida prática”. (Libâneo,1994). Para Leontiev (1978) não há aptidões e características especificamente humanas que tenham sido transmitidas por hereditariedade, todas foram adquiridas. O homem não nasce, portanto, dotado das aptidões e habilidades históricas, houveram conquistas e estas foram criadas. Cabe aqui retomarmos a citação do autor: “Quanto mais progride a humanidade, mais rica é a prática sócio-histórica acumulada por ela, mais cresce o papel específico da educação e mais complexa é a sua tarefa. Razão por que toda a etapa nova no desenvolvimento da humanidade, bem como nos diferentes povos, apela forçosamente para uma nova etapa no desenvolvimento da educação: o tempo que a sociedade consagra à educação das gerações aumenta; criamse estabelecimentos de ensino, a instrução toma formas especializadas, diferencia-se o trabalho do educador do professor; os programas de estudo enriquecem-se, os métodos pedagógicos aperfeiçoam-se, desenvolve-se a ciência pedagógica. Esta relação entre o progresso histórico e o progresso da educação é tão estreita que se pode sem risco de errar julgar o nível geral do desenvolvimento histórico da sociedade pelo nível de desenvolvimento do seu sistema educativo e inversamente”. (Leontiev, 1978, p. 273). Costa (apud) Figueiredo (1998, p.4) emoldura a juventude de hoje no contexto de uma economia globalizada, no trabalho pós-industrial e na cultura pós-moderna. E configura o quadro liberal do mundo atual como carente de utopias, esvaziado de valores éticos e saturado de exclusão social. Na sua definição de protagonismo juvenil, considera que “o grande desafio da educação nos dias atuais é fazer com que os jovens identifiquem, incorporem e vivenciem valores positivos”. O autor define valor como a “força capaz de tirar o indivíduo da sua indiferença, e valores positivos como aqueles relacionados ao bem-estar, ao desejo e à auto-realização”. Portanto, a família e a escola precisa refletir sobre formas de mediar as possibilidades de vivências, experiências juntos aos adolescentes, que promova a autonomia, auto-estima, auto-disciplina auto-aceitação, auto-responsabilidade para que estes possam desenvolver suas habilidades para lidar com os conflitos e inseguranças. É nesta perspectiva que o Projeto: “Formando Multiplicadores”, tem como proposta formar protagonistas da prevenção na escola e na comunidade. Segundo o dicionário Silveira Bueno (1996, p.535), a palavra protagonista vem do grego protagonistés, o principal, lutador, principal personagem de uma peça dramática, pessoa que desempenha ou ocupa o primeiro lugar em um acontecimento. 399 Arilda dos Santos Silva Adolescência e cidadania Embora nos últimos anos tenhamos assistido no Brasil ao avanço de estudos e implementação de políticas direcionados para a infância e juventude vulnerabilizadas, ainda estamos longe na solução da problemática. É sabido que a cidadania teve suas bases no contexto histórico das revoluções inglesas, americana e francesa. Após estes acontecimentos o conceito de cidadania desenvolveu-se conforme a evolução da sociedade (direitos sociais, luta das mulheres e das minorias, meio ambiente, etc.). A Revolução Inglesa (1640-1688) assinalou uma mudança nas relações de poder na sociedade, ficando esse poder nas mãos de uma nova classe social, abrindo caminho para o livre desenvolvimento do modo de produção capitalista. Inicia-se assim, uma preocupação com “[...] a inclusão dos despossuídos e o tratamento dos iguais com igualdade e dos desiguais com desigualdade” (Mondaini, 2003, p.131). ocorrendo portanto, uma mudança de paradigma da era dos deveres para a era dos direitos. Sabemos que a Revolução Americana (1776) foi a pioneira na formulação dos direitos humanos. A declaração da independência americana trouxe um contributo significativo para as questões de cidadania, como sendo: o direito à vida, à liberdade, à felicidade e à igualdade entre os homens. A liberdade, conforme Karnal (2003, p.140), “[...] passou a ser constituída como fator de integração nacional e de invenção do novo Estado”. A Revolução Francesa (1789) foi um marco na evolução do conceito de cidadania, tomando como base os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade, mentora dos direitos civis e também um marco na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Segundo Freita3 (apud Fernandes, 1998) identifica três aspectos importantes na definição do conceito de cidadania. A participação ativa e o envolvimento na vida de uma comunidade que sustenta e contribui para a produção do conhecimento, para a responsabilização; a partilha de culturas e o desenvolvimento da identidade dos sujeitos; o direito de participação na vida política, econômica e social. “A cidadania ativa decorre do sentimento de pertença dos indivíduos e dos grupos à sociedade em 3 400 Professor de Teoria, Filosofia Política e Direitos Humanos junto ao Centro de Humanidades da Universidade Federal de Campina Grande; professor do Curso de Especialização em Direitos Humanos do CCHLA da UFPB; membro da Comissão de Direitos Humanos da UFPB. Adolescência no Contexto da Cidadania que se inserem e, por isso, depende também da promoção de condições de inclusão, assim como também do desenvolvimento de atitudes e valores”. A Cidadania a luz da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente “Na teoria constitucional moderna, cidadão é o indivíduo que tem um vínculo jurídico com o Estado. É o portador de direitos e deveres fixados por uma determinada estrutura legal (Constituição, leis) que lhe confere, ainda, a nacionalidade. Cidadãos são, em tese, livres e iguais perante a lei, porém súditos do Estado. Nos regimes democráticos, entende-se que os cidadãos participaram ou aceitaram o pacto fundente da nação ou uma de nova ordem jurídica.” Segundo (apud) Benevides, (1994) Cidadania representa o conhecimento de direitos e deveres, contidos no art. 5º da Constituição da República. “A cidadania no Estado democrático de direito, desde que efetivada, oferece aos cidadãos, condições iguais de existência; o gozo actual de direitos e a obrigação do cumprimento de deveres, os quais: exercício de direitos fundamentais e participação; e os deveres de colaboração e solidariedade”. No Brasil, foi a partir da Constituição de 1988, com a abertura política e a campanha das “directas já”; é que se concretizou as bases para a formação de um Estado Democrático de Direito. Com a Constituição Federal, as crianças e os adolescentes passaram a usufruir todos os direitos que garantem as pessoas maiores de 18 anos. Passaram da situação de menor para a condição de criança cidadã e adolescente cidadão. Direitos estes consagrados no artigo 227 da Constituição Federal: Art. 227: É dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação; à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, exploração, violência, crueldade e opressão. Em 1990, entrou em vigor o Estatuto da Criança e do Adolescente, lei 8.069\90, o que representou um marco para as “relações entre pais e filhos, inclusive os adotados, passaram a terem seus direitos amplamente protegidos e respeitados. O Brasil ainda é signatário da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (ONU, 1989), recebendo o status de direito fundamental em nosso sistema constitucional. 401 Arilda dos Santos Silva O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), apesar de ser considerada uma legislação avançadas, embora uma prática atrasada, se comparada as outras que a antecederam, conseguiu romper com o passado de discriminação e violência de crianças e adolescentes colocando-os como prioridade absoluta, conforme estabelece a lei. Se reportarmos sinteticamente ao passado vamos perceber na evolução histórica da criança e do adolescente, diferentes formas de percepção. No século XIII eram desprezadas por seus pais, que o abandonavam sem qualquer sentimento de culpa. Com a entrada da família burguesa, essas crianças passaram a ser incorporadas a família já de forma fraternal, embora continuassem expostas como diferente, e marginalizada. A partir das últimas décadas é que passaram a ser reconhecidas no seu desenvolvimento psicossocial e reconhecidas como sujeitos de direitos. Essa mudança provocou nova forma de organização familiar, refletindo no que se pode chamar hoje família moderna. A mudança de paradigma no trato da infância e adolescência e a garantia de direitos no ECA Arilda dos Santos Silva ático de int er venção comunit ár ia U m caso pr inter erv comunitár ária prático O Projecto: “Desenvolvimento Social: formando multiplicadores” foi elaborado com base nos resultados positivos de um projeto que o antecedeu: “Adolescência e Protagonismo Juvenil” desenvolvido entre Agosto/Dezembro de 2002, em duas Escolas Públicas do Ensino fundamental no Brasil. A proposta surgiu como alternativas para dar resposta aos sérios problemas de indisciplina, drogas e violência juvenil. O projeto teve como objetivo central: Capacitar os adolescentes para serem protagonistas da informação e prevenção na escola e na comunidade; promover a participação destes, em suas comunidades no sentido de possibilitar uma convivência saudável, harmônica e responsável. A Me Mett a foi contemplar no primeiro momento 60 adolescentes de 13 e 18 anos, entre os períodos Agosto/Dezembro de 2002. Já em Natal, a realidade foi bem diferente, a meta era contemplar 60 adolescentes, mas tendo em vista a problemática destes tivemos que abranger um número muito maior, 256 adolescentes, permanecendo no projecto apenas 153. A população alva era constituída por adolescentes de 13 e 19 anos em situação de risco. A escola nesse período, estava enfrentando um quadro preocupante de desordem social, drogas, indisciplina e vandalismo. Até os frisos cromados das cadeiras da sala de aula eram arrancados, vendidos ou trocados por drogas. Eram alunos egressos de instituições de atendimento ao adolescente de risco, e por se encontrarem, fora da faixa escolar eram atendidos no Programa, de Educação de Jovens e Adultos (EJA). As atividades temáticas desenvolvidas durante o curso: adolescência: construção social, identidade, valores, auto-estima; Educação ética – o caráter conta; Dependência química e toxicologia; Sexualidade na adolescência; Oficina de arte; visita a uma instituição; Projeto pessoal de vida. O projeto procurou envolver a comunidade escolar (professores, pais e alunos), o que não foi tarefa fácil. A metodologia utilizada foi interactiva, em que os adolescentes contribuíam com suas vivências e experiências, enquanto os instrutores (oficineiros), desenvolviam oficinas juntos com os adolescentes, visando atender os interesses e necessidade dos adolescentes. A avaliação aconteceu de forma parcial a cada unidade trabalhada e ao final avaliação geral de todas as atividades desenvolvidas. Os resultados tiveram impacto bastante positivo. Houve considerável mudança de comportamento e atitude dos adolescentes, sobretudo motivados a dar continuidade ao projeto. 404 Adolescência no Contexto da Cidadania Parcerias: Secretaria de Educação; Secretaria de Saúde; Departamento da Criança e do Adolescente; apoio logístico da Escola laboratório, voluntários dos Partners of Amér ican Comité Brasília|Washington. Apoio Financeiro: Partners of American. Américan O resultado mais surpreendente foi exatamente com o público-alvo de Natal em 2003. Seis meses depois, tivemos informações, que dos 153 alunos trabalhados pelo projecto, 50% já estavam no mercado de trabalho. A mudança de comportamento e atitude foi bastante perceptível e a escola teve a sua funcionalidade com mais tranquilidade e segurança. Conclusão Como se vê, adolescência e cidadania tiveram um longo percurso na evolução dos conceitos conseguindo expressar no sentido amplo da palavra, a efetivação dos direitos civis, políticos e sociais, embora seja um tema bastante questionável, uma vez que não responde ao quadro de exclusão e injustiça social, onde milhões de vidas humanas vivendo uma vida sub-humana, sem pão, sem teto, sem esperança, restandolhes apenas as rua como espaço de sobrevivência. Neste contexto crianças e adolescentes a mendigar o pão, expostos a toda sorte de violência. Como sobreviver em um contexto, onde o mais básico dos direitos, o alimento lhes são tirados? Educação e cidadania caminham juntas. Educar para a cidadania é, sobretudo aprimorar o “indivíduo” como pessoa no sentido amplo da palavra, mente, corpo, e espírito. Já dizia Aristóles: O conhecimento ministrado em sala de aula, de nada adianta se não estiver contido o contexto social, político e cultural, onde o indivíduo se perceba como construtor de sua história e da história. Do contrário, vamos continuar formando construtores da violência e da desordem social. Compete então a escola identificar as necessidades de seus educandos e adequar a metodologia tendo como instrumento fundamental a “informação, dos saberes, das competências e capacidades” possibilitando a estes, uma compreensão critica da realidade, visão de mundo e de sociedade. Para além disto, Governo, Organizações não Governamentais e outros actores institucionais, de forma integrada precisam encontrar mecanismos capazes de viabilizar projectos que possam contribuírem para atitudes positivas dos jovens em relação ao exercício de suas capacidades, autonomia e construção de seus projetos de vida. 405 Arilda dos Santos Silva Dentre estes desafios para o novo milênio, está o de elevar o nível de participação e conquistas da população desassistida, especialmente dos jovens adolescentes vulneráveis as mazelas sociais, garantindo-lhes o direito a vida e liberdade de oportunidade. Bibliografia AUDIGIER, F. (1999) A Educação para Cidadania. Instituto Nacional de Pesquisa Pedagógica, França. BARBOSA, H. (2003) Sistema de Garantia dos Direitos. Campo Grande, Escola de Conselho/ UFMS; BENEVIDES, M. V. de M. (1994) Cidadania e Democracia. Revista Lua Nova, 33, ANPOCS, CEDEC. BERGO, Heliane Maria. 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