EXMO. SR. DR. JUIZ FEDERAL DA ____ª VARA FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE GOIÁS “É possível fazer mais com menos e é isso que nós vamos perseguir nos próximos quatro anos, no governo da presidente Dilma”, Miriam Belchior, Ministra do Planejamento, em entrevista coletiva em 24.11.2010 O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República que esta subscreve, vem, amparado nos artigos 127 e 129, III da Constituição da República, no art. 5º, inc. I, h, III, b, V, b, e 6º, VII, b, da Lei Complementar 75/93, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA em face de • UNIÃO FEDERAL, pessoa jurídica de direito público interno, que deve ser citada na pessoa de seu representante, o Procurador-Chefe da União neste Estado, com endereço na Rua 82, esquina com 83, nº 179, 12º andar - Ed. Funasa - Praça Cívica, Setor Sul, CEP nº 74083-010, Cidade de Goiânia, GO, pelos fatos e fundamentos que passam a ser expendidos. I. INTRÓITO A União Federal, por meio do Ministério do Turismo, celebra Convênios e Contratos de Repasse com órgãos ou entidades públicas, ou privadas sem fins lucrativos, para a execução de programas, projetos e atividades de interesse recíproco que envolvam a transferência de recursos financeiros oriundos do Orçamento Fiscal da União, destinados, no que pertine à presente ação, ao apoio a eventos que visem ao desenvolvimento, à comercialização e à promoção do turismo em âmbito nacional, de acordo com os objetivos da Política Nacional de Turismo – PNT (Lei n. 11.771/2008). PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM GOIÁS Avenida Olinda, Conjunto G e H, Lote 02, Park Lozandes,–Goiânia/GO CEP 74884-120 www.prgo.mpf.gov.br A celebração e a execução do que consignam tais instrumentos de gestão descentralizada são regidos - além, por óbvio, da Constituição da República, da lei n. 8.666/1993 etc. - por regulamentos específicos, quais sejam a Instrução Normativa n. 01/97 da Secretaria do Tesouro Nacional, a Portaria Interministerial n. 127/2008, dos Ministérios do Planejamento, Orçamento e Gestão, da Fazenda, e do Controle e da Transparência, e as Portarias ns. 171/2008 e 153/2009, do Ministério do Turismo. A condução dos trabalhos empreendidos por este Ofício do Núcleo de Combate à Corrupção da PR/GO, bem como a experiência aglutinada pelos anos de exercício dos misteres do Parquet Federal, fizeram com que os muitos Procedimentos Administrativos (PAs) e Inquéritos Civis Públicos (ICPs) versando sobre ilegalidades e/ou irregularidades na celebração de tais negócios jurídicos, bem como na execução de seus objetos, chamassem a atenção deste Procurador e conduzissem à propositura da presente demanda. Desvios pequenos ou isolados ocorridos no bojo de certos convênios ou repasses rendem ensejo à propositura da pertinente Ação de Improbidade Administrativa. Todavia, o que se observa na praxis ministerial é que tais ações, incidindo pontual e casuisticamente, mostrar-se-ão insuficientes para o saneamento de falhas crônicas e perniciosas que, por atingirem grande número de ajustes, celebrados com distintos sujeitos de direito público e privado, acabam por possibilitar lesões suntuosas – e nem sempre facilmente detectáveis - ao Erário Federal. Proliferam-se as representações que chegam ao MPF dando conta de que convênios e repasses celebrados pelo MTur, apesar do nobre desiderato de fomento ao promissor potencial turístico brasileiro, têm sido instrumentos para a malversação, o desvio, a dilapidação do patrimônio público. Tornou-se público e notório que os órgãos de controle têm reiteradamente localizado ilegalidades ou irregularidades dos mais variados tipos na execução das avenças. Vícios diversos que sempre conduzem a um resultado: a lesão ao patrimônio estatal. E justamente em um Ministério cujas transferências voluntárias crescem a cada ano, afinal, em 2003, o MTur gastou cerca de 116,5 milhões de reais na promoção de festas, enquanto nos últimos três anos, têm sido gastos cerca de 601,2 milhões de reais por ano. Considerável parcela dessas transferências, ressalte-se, provem de emendas parlamentares. Assim, antes mesmo de fundamentar e externar sua pretensão, o Ministério Público, como forma de construir sólido alicerce fático sobre o qual há de se amparar a lide aqui suscitada, selecionou, entre os PAs e os ICPs em trâmite neste Ofício que tenham por objeto alguma forma de transferência voluntária feita pelo MTur, casos paradigma. 2 Tais procedimentos – não bastassem os desvios apurados em seu bojo – permitem esboçar, de maneira ampla, a deficiência do citado Ministério desde a ausência de planejamento para liberar recursos dentro dos preceitos ditados pela legislação e pelos regulamentos aplicáveis, bem como em, uma vez liberadas as verbas, fiscalizar os gastos e a execução do objeto acordado. A reiteração de tão graves problemas, em que pese tratar-se de alguns casos concretos selecionados dentre outros em trâmite tão-somente neste Ofício do Núcleo de Combate à Corrupção, permite aferir que as falhas do citado Ministério, se não atentam diretamente contra a ordem jurídica, e a ordem e a probidade administrativas, abrem caminho para que, sem a necessidade de ladinices maiores, seja o interesse público violado em grau e ordem que chegam a permitir uma analogia com um Esquema Ponzi1. II. QUESTÃO COGNITIVA PRÉVIA E SUBJACENTE À PRETENSÃO PROCESSUAL O leitor assíduo dos informativos de jurisprudência, seja do STF, seja do STJ, sabe que usual controvérsia levada aos tribunais superiores refere-se à oposição de entes político-constitucionais à implementação de importantes políticas públicas, como educação e saúde, sempre com a invocação da chamada ‘cláusula da reserva do possível’. Cito, à guisa de exemplo, os informativos de nº 581, 520, 407, do Excelso Pretório e os de nº 431, 430 e 418 do Superior Tribunal de Justiça, onde constam decisões de demandas judiciais onde o poder público alega impossibilidade de atender ao pleito dos cidadãos argumentando com a escassez de recursos públicos. Há cerca de um semestre me deparei com um acórdão do Superior Tribunal de Justiça, o recurso especial nº 1.185.474, julgado pela segunda turma da cortequiçá a melhor daquele sodalício-, relatado pelo Min. Humberto Martins e secundado, sem qualquer surpresa, pelos Min. Herman Benjamin e Mauro Campbell, cuja pertinência com a demanda ora trazida à baila é esplêndida, merecendo transcrição de parte da ementa: “1. A tese da reserva do possível assenta-se em idéia que, desde os romanos, está incorporada na tradição ocidental, no sentido de que a obrigação impossível não pode ser exigida (Impossibilium nulla obligatio est - Celso, D. 50, 17, 185). Por tal motivo, a insuficiência de recursos orçamentários não pode ser considerada uma mera falácia. 1 Convenentes mal-intencionados, direta ou indiretamente favorecidos pela ineficiência do MTur em garantir o bom uso das verbas que libera, obtêm rendimentos anormalmente altos, muitas vezes sem qualquer contraprestação objetivamente observável, às custas do dinheiro vertido pelos contribuintes aos cofres públicos. 3 2. Todavia, observa-se que a dimensão fática da reserva do possível é questão intrinsecamente vinculada ao problema da escassez. Esta pode ser compreendida como "sinônimo" de desigualdade. Bens escassos são bens que não podem ser usufruídos por todos e, justamente por isso, devem ser distribuídos segundo regras que pressupõe o direito igual ao bem e a impossibilidade do uso igual e simultâneo. 3. Esse estado de escassez, muitas vezes, é resultado de um processo de escolha, de uma decisão. Quando não há recursos suficientes para prover todas as necessidades, a decisão do administrador de investir em determinada área implica escassez de recursos para outra que não foi contemplada. A título de exemplo, o gasto com festividades ou propagandas governamentais pode ser traduzido na ausência de dinheiro para a prestação de uma educação de qualidade.” Eis o que pretende o parquet com o ajuizamento da presente demanda: enfrentar a questão subjacente e prévia à invocação da ‘reserva do possível’, atacando o gasto perdulário de recursos públicos, de modo a garantir a existência de verba destinada a suprir as reais necessidades dos cidadãos brasileiros; cauterizar o mal em seu estágio inicial, obliterando ad futurum a alegação de ausência de recursos para atendimento ao mínimo existencial. Destaco, para contornar futuras invocações do princípio da separação de poderes, ou alegação de que o Ministério Público pretende judicializar políticas públicas, que não se pretende subtrair as escolhas deixadas constitucionalmente a cargo do administrador, ou infiltrar determinado viés ideológico nas decisões políticas. O que se pretende nesta demanda - e tal admissão não pode deixar de provocar algum constrangimento- é que o Poder Público observe, quando de sua atuação, comandos constuticionais, legais e regulamentares aplicáveis, o que não tem sido constatado hoje, conforme restará largamente demonstrado. Como salientado, a lide ora inaugurada versa sobre a celebração e execução de transferência voluntária de recursos, instrumentalizada sob a forma de convênios acordados entre a União Federal, por meio do Ministério do Turismo, e entes públicos e privados, supostamente com o fim de promover o turismo em nosso país. 4 A constatação, contudo, é que o Ministério metamorfoseou-se em Midas da execução de projetos dissociados do interesse da coletividade, à guisa de patrocinador, papel este que não lhe foi dado pelo ordenamento jurídico. Com o desiderato de provar que a assertiva não constitui alegação genérica, despida de comprovação empírica, passa-se a descrever, mais uma vez em caráter exemplificativo- vez que rol taxativo escapa às possibilidades investigativas não só do MPF, mas de todo aparato estatal brasileiro- fatos que tem o condão de provar quão dissociado do arcabouço normativo se encontra a atuação do Ministério do Turismo (Mtur). III. CASOS PARADIGMA PA . 1.18.000.000189/2010-21 – “Equipe Chakart” (Doc. 02) Ao longo do ano de 2009 o MTur celebrou, com entidade denominada “Equipe Chakart”, 5 convênios, perfazendo o valor de R$ 1.100.000,00, todos destinados à realização, em diversas localidades goianas, de eventos variados, como festival de bandas, festival cultural, festival de forró, e rodeio shows. Interessante notar que a Equipe Chakart, declarada aos 29.09.2004 entidade de utilidade pública pela Lei n. 14.966/2004 do Estado de Goiás, foi criada, aos 15.03.1999, como uma “entidade sem fins lucrativos, com o objetivo de competir com os veículos do tipo kart de competição, nos campeonatos regionais, e nacionais”, no que é uníssono o art. 7º do Estatuto Social datado de 08.08.1999, e o art. 2º do Estatuto de 08.08.2005, que, sobre as finalidades sociais, dispõe: “Art. 2º – A EQUIPE CHAKART tem por finalidades: I – Incentivar as corridas de Kart e o desenvolvimento de seus pilotos em todo o território brasileiro; II – Promover reuniões de caráter social, recreativo, desportivo e cívico; III – Incrementar a prática de kartismo em geral; IV – Realizar obras de assistência social.” Analisando a cronologia de suas alterações contratuais, evidencia-se que a entidade, na ânsia de passar a operar sob o influxo de dinheiro público, sofreu incrível metamorfose. 5 O Estatuto Social datado de 01.12.2008 alterou o apontado art. 2º, atribuindo à Equipe uma finalidade social nova, e sem qualquer nexo com as demais, qual seja: “V – Incentivar e promover o turismo, o esporte e a cultura regional”. Nesse diapasão, de um primeiro estatuto singelo, partiu-se para um segundo, reformulado de maneira a se adequar à Lei da Assistência Social (Lei n. 8.742/1993), à Lei das Organizações Sociais e dos Contratos de Gestão (Lei n. 9.637/1998), e à Lei das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público-OSCIP e dos Contratos de Repasse (Lei n. 9.790/1999). Essa nova finalidade social, apesar de não guardar qualquer harmonia com as demais, que regiam a Equipe Chakart já há quase uma década, é plenamente compreensível quando se observa que, datando ela de 1º de dezembro de 2008, já em maio de 2009 a citada entidade – até poucos meses antes destinada a “Incrementar a prática de kartismo em geral” - assinou com o Ministério do Turismo o Convênio n. 703505/2009, recebendo do Erário Público R$ 300.000,00 a serem empregados na execução do “2º Rodeio Show de Senador Canedo/GO”. De fomentadora do kartismo a produtora de rodeios em cerca de 6 meses. Logo em seguida, o Ministério do Turismo celebrou, com a convenente, os seguintes Convênios: aos 04.06.2009, Convênio n. 703563/2009, concedendo R$ 200.000,00 para a realização do “5º Rodeio Show de Cristianópolis/GO”; aos 28.08.2009, Convênio n. 704658/2009, concedendo R$ 300.000,00 para a realização do “1º Festival do Forró”; aos 23.09.2009, Convênio n. 705008/2009, concedendo R$ 100.000,00 para a realização do “43º Festival Cultural de Rubiataba/GO”; e aos 24.11.2009, Convênio n. 713304/2009, concedendo R$ 200.000,00 para a realização do “Festival de Bandas em Aparecida de Goiânia/GO”. Foram R$ 1.100.000,00 despejados, entre maio e novembro de 2009, na citada entidade. De uma análise detida de cópias, remetidas pelo MTur, dos processos de prestação de contas dos apontados convênios, ressalta-se a existência, em todos eles, de ilegalidades e irregularidades atinentes à falta de comprovação do objeto pactuado, ao indevido reconhecimento de dispensa ou inexigiblidade de licitação, bem como a fraudes nas prestações de contas. Mostra-se clara a falta de comprovação do objeto pactuado em cada um dos Convênios. Comprovação que, a bem da verdade, considerando a forma como as propostas são elaboradas pelo ente proponente, é impossível de ser feita. 6 Afinal, os projetos que a Equipe Chakart encaminha ao MTur – e que por este são prontamente aprovados – mantêm características perenes: as propostas são flagrantemente genéricas, além de praticamente idênticas. Nenhum dos projetos, conforme a documentação que compõe os autos, traça propostas com grau de objetividade - e, portanto, de aferibilidade concreta – superior a: “incentivar e incrementar cada vez mais o turismo”, ou “promover a inclusão social”. E tais proposições são quase que integralmente repetidas em cada um dos projetos, a despeito de se cuidar de um “Festival Cultural”, de um “Festival de Forró”, ou de um “Rodeio Show”. As inovações não passam de um simplório resumo, facilmente obtenível na internet, da história da cidade onde se realizará o evento. Daí resulta que: se o proponente não se compromete a cumprir metas objetivamente aferíveis, e, mesmo assim, o Ministério aprova a proposta, como se poderá, na análise da prestação de contas, verificar se o dinheiro público foi efetivamente utilizado na finalidade para a qual, teoricamente, fora liberado? Ad impossibilia nemo tenetur, ou seja, como não se teme ao que é impossível, maiores problemas não devem surgir na prestação de contas e na comprovação do cumprimento das metas de um projeto que foi apresentado e aprovado sem a previsão de qualquer parâmetro concreto de fomento turístico. Observe-se a seguinte tabela. Convênio Justificativa/Objetivo “Benefícios alcançados”, conforme Relatório de Cumprimento do Objeto 705008/2009 “[…] incentivar e incrementar cada vez Tal Relatório não consta da cópia mais o desenvolvimento do turismo de integral que processo administrativo de lazer, cultural e a conscientização. Prestação de Contas enviado ao Parquet Resultados importantes esperados são, pelo MTur. em termos de viabilidade econômica, sendo responsável por gerar empregos diretos e indiretos, promoção e divulgação do município e seus pontos turísticos.” (Espelho do Convênio no SICONV) 713304/2009 “Expectativa de público é de mais de A Prestação não foi pedida ao MTur. 100.000 pessoas de nossa cidade e de toda a região. […] o evento será 7 Convênio Justificativa/Objetivo “Benefícios alcançados”, conforme Relatório de Cumprimento do Objeto realizado “de portões abertos”, com acesso livre para toda população, a fim de promover a inclusão social. [...] Espera-se, com este evento, fomentar o turismo cultural e de eventos como alternativa de geração de emprego e renda para nosso município […].” 703505/2009 “[…] incentivar e incrementar cada vez “A cidade ficou lotada, sendo visitada mais o desenvolvimento do turismo de por vários turistas principalmente lazer, do turismo rural, cultural e a advindos de Goiânia, e outras cidades conscientização. O objetivo primordial do interior, o evento trouxe geração de é: a produção (oferta) de bens e divisas e empregos para a população serviços, os gastos (demanda) das local. famílias, mão-de-obra ocupada […] (emprego), pontos essências para o Benefícios alcançados: desenvolvimento. Resultados - Geração de renda para o município importantes em termos de viabilidade - Criação de novos postos de trabalho econômica, sendo responsável por gerar direto e indireto empregos diretos e indiretos. O evento - Lotação de hotéis constituiu significância para a economia - Geração de renda para o comércio, do município em sua totalidade, visto a principalmente bares, restaurantes e modificação da matriz econômica que a postos de combustível.” cada ano, recebe um maior número de turistas […].” (Espelho do Convênio no SICONV) 703563/2009 Ipsis litteris, a mesma. (Parecer Técnico Os mesmos. n. 234/2009 do MTur) 704658/2009 “[…] incentivar e incrementar cada vez “[...] o evento proporcionou muitos mais o desenvolvimento do turismo de pontos positivos ao município, foi lazer, cultural e a conscientização. O possível: objetivo primordial é: a produção - a divulgação e valorização do ritmo do (oferta) de bens e serviços, os gastos Forró, levando mais cultura à (demanda) das famílias, mão-de-obra população; ocupada (emprego), pontos essências - o acrescimento da oferta de bens e para o desenvolvimento. Resultados serviços com o aumento na demanda 8 Convênio Justificativa/Objetivo “Benefícios alcançados”, conforme Relatório de Cumprimento do Objeto importantes em termos de viabilidade em diversos ramos do comércio, entre econômica, sendo responsável por gerar eles: meios de hospedagem, restaurantes empregos diretos e indiretos. O evento e bares; constituiu significância para a economia - o aumento de empregos diretos e da cidade de Goiânia.” (Espelho do indiretos, destacando os pontos de Convênio no SICONV) venda de alimentos e bebidas;” Diante de tal quadro, é compreensível (apesar de intolerável) que, apesar de se comprometer, em todas as propostas encaminhadas ao Executivo federal, a incentivar e incrementar o turismo, e a gerar empregos diretos e indiretos, não tenha a Equipe Chakart, em nenhuma das prestações de contas, apontado: a. o movimento turístico gerado, facilmente observável pela aferição do número de visitantes de cada evento, bem como pelo aumento da taxa de ocupação de leitos nos hotéis próximos ao local que recebeu o evento; b. quantos empregos - pelo menos diretos – o evento gerou, o que se demonstra através do número de seguranças, de técnicos, de músicos, de garçons, de atendentes etc., que o evento mobilizou. No entanto, as comprovações apresentadas não ultrapassaram generalidades como: “O evento […] foi um sucesso total. A cidade ficou lotada, sendo visitada por vários turistas principalmente de Goiânia, e outras cidades do interior, o evento trouxe geração de divisas e empregos para a população local.” (Relatório de Cumprimento do objeto do Convênio n. 703553/2009). Além da injuridicidade apontada, detectou-se durante a atividade apuratória desenvolvida no PA n. 1.18.000.000189/2010-21, fraudes e incongruências nas Prestações de Contas já referidas, atinentes a: ausência de licitações; destinação da receita da venda de ingressos; contratos com a mídia. Analisando as Prestações de Contas, percebe-se que elas foram instruídas com um termo de homologação e adjudicação por meio do qual a Equipe Chakart homologa a contratação da empresa responsável pela realização e organização do respectivo evento. Todavia, apesar de a Lei n. 8.666/93, o Decreto n. 6.170/07, a Portaria Interministerial n. 127/08, e a Portaria n. 171/08 do próprio MTur disporem em sentido contrário, os citados termos não foram acompanhados das cotações prévias dos preços de, pelo menos, três empresas dispostas a prestarem os serviços contratados. 9 Ou seja, foi contratada, com dinheiro público oriundo dos Convênios n. 703553/2009 e 703505/2009, a empresa LBS Eventos e Consultoria Ltda., sem prova de que ela tenha oferecido a melhor proposta. Exceção para o Convênio n. 704658/2009, no bojo do qual, após a apresentação de propostos orçamentárias das empresas MR Eventos – Transportes e Serviços Ltda., Mega – E. A. Alves Comunicação, e Oficina de Eventos – M. P. & T. Produções e Eventos (fls. 16/22, autos principais), sagrou-se vencedora a MR Eventos. É também especial o Convênio n. 705008/2009 (“43º Festival de Cultural de Rubiataba/GO”), que sequer conta com o indigitado termo de adjudicação e homologação, de forma que, com base na prestação de contas, sequer é possível aferir a empresa contratada. Perceba-se que, consoante determinaram os pareceres técnicos que aprovaram cada um dos projetos, foi o convenente informado que, nos termos do Acórdão n. 96/2008-TCU-Plenário: “os valores arrecadados com a cobrança de ingressos em show e eventos ou com a venda de bens e serviços produzidos ou fornecidos em função dos projetos beneficiados com recursos dos convênios devem ser revertidos para a consecução do objeto conveniado ou recolhidos à conta do Tesouro Nacional. Adicionalmente os referidos valores devem integrar a prestação de contas.” Todavia, quase nenhuma das prestações de contas faz menção aos ingressos vendidos em cada noite de eventos e, por conseguinte, aos valores assim arrecadados e à destinação dada a tal montante. O “quase” se deve à Prestação de Contas do Convênio n. 703505/2009 (“2º Rodeio Show de Senador Canedo/GO”), que traz um relatório da receita da bilheteria do evento que, por si só, impõe 3 constatações: a. para o cálculo da receita, todos os ingressos, de todos os dias do evento, a despeito de se tratar de “meia entrada” ou não, foram calculados pelo valor unitário de R$ 10,00, apesar de terem sido vendidos ingressos a R$ 10,00 (“Normal antecipado”), a R$ 20,00 (“Camarote”), e a R$ 35,00 (“Open bar”); b. teriam sido vendidos 5.187 ingressos para o primeiro dia de evento (show de Eduardo Costa), ao passo que o Relatório de Cumprimento do Objeto informa que o público teria sido de 15 mil pessoas; teriam sido vendidos 1.884 ingressos para o quarto dia do evento (show de Os Parada Dura e de Racine e Rafael), ao passo que, conforme o 10 citado Relatório, o público teria sido de cerca de 7 mil pessoas; c. não há comprovação de que os valores arrecadados com a venda de ingressos (R$ 103.420,00) foram revertidos para a consecução do objeto conveniado. Ainda, uma “peculiaridade” notada na Prestação de Contas do Convênio n. 703505/2009 (“2º Rodeio Show de Senador Canedo/GO”) diz respeito aos contratos de publicidade firmados com a TV Serra Dourada Ltda. (Contrato n. 770/09). Percebeu-se que, apesar de a Equipe Chakart ter recebido verba de convênio destinada à inserção de mídia em rádio e TV, assim como apesar de o objeto do contrato firmado entre ela e a empresa LBS – Eventos e Consultoria Ltda. incluir a “inserção em mídia rádio e TV”, pelo que a empresa foi devidamente remunerada ( ex vi Nota Fiscal de Serviços n. 0115 da LBS), quem contratou os serviços de publicidade do apontado grupo de comunicação foi a Prefeitura Municipal de Senador Canedo/GO, e não a Equipe Chakart, nem a LBS. Apesar disso, a Prestação de Contas oferecida pela convenente usa este mesmo contrato celebrado com a TV Serra Dourada para justificar gastos da ordem de R$20.000,00. Resta claro o desvio das verbas, bem como a fraude na prestação de contas. PA n. 1.18.000.001234/2009-21 – Pecuária de Pontalina/GO (Doc. 03) Aos 10.07.2009 teve início a vigência do Convênio n. 704026/2009, celebrado entre o MTur e o Município de Pontalina/GO, prevendo repasse de R$ 300.000,00 destinados a, conforme a Justificativa da proposta registrada no SICONV, ex verbis: “[...] incentivar o desenvolvimento do turismo de lazer, do turismo rural, e o turismo de negócios. O evento constituiu significância para a economia do município em sua totalidade, visto a modificação da matriz econômica que a cada ano recebe um maior número de turistas, algo que vem contribuindo com o desenvolvimento do turismo no município. A Prefeitura, objetiva através de este evento incentivar a incrementar: produção (oferta) de bens e serviços, os gastos (demanda) das famílias, mão-de-obra ocupada desenvolvimento.” (emprego), pontos essenciais para o 2 Seguindo a exigência legal e regulamentar de efetuar cotação de preços 2 Perceba-se a coincidência: a justificativa apresentada pela Prefeitura de Pontalina/GO é idêntica à apresentada pela Equipe Chakart na quase totalidade dos convênios que esta celebrou, conforme alhures demonstrado. Como adiante se perceberá, este não é o único ponto de interseção entre estes dois PAs. 11 entre três empresas aptas à prestação do serviço a ser contratado, a Prefeitura Municipal de Pontalina/GO avaliou os orçamentos de três empresas supostamente especializadas na produção e realização de eventos: a LBS – Eventos e Consultoria Ltda., a Mega – E. A. Alves Comunicação, e a Oficina de Eventos – M. P. & T. Produções e Eventos. Sagrou-se vencedora a LBS3, tendo sido contratada pela Prefeitura para a “prestação de serviços de contratação de shows artísticos, através de empresa especializada” (Contrato n. 199/2009), para a “prestação de serviços de contratação de mídia radiofônica para publicidade” (Contrato n. 198/2009), e para a “prestação de serviços de contratação de mídia televisiva para publicidade” (Contrato n. 200/2009). Todavia, a grande incongruência do presente convênio reside no que concerne à (não) realização de certames licitatórios para a contratação de terceiros prestadores de serviços. Com efeito, uma vez celebrado o Convênio com o MTur, e tendo sido, aos 10.09.2009, em conta-corrente específica da agência 0704-8 do Banco do Brasil S.A., liberada verba de R$ 300.000,00 destinada à contratação de 400 inserções em mídia radiofônica, 100 inserções em mídia televisiva, 2 atrações artísticas de grande porte e de renome nacional, e 2 atrações artísticas de médio porte e de renome nacional, bem como considerando que, como já dito, houve apreciação de propostas orçamentárias oferecidas por três empresas interessadas na prestação do serviço, sendo contratada uma delas, o esperado era que a contratada fosse remunerada, pelos serviços prestados, com a verba de convênio depositada no Banco do Brasil. Não se menospreza, sob qualquer hipótese, seja realizado - no lugar da banal comparação de preços exigida pelos regulamentos para a celebração de convênios e contratos de repasse com a Administração Federal – certame licitatório guiado pelas regras insculpidas na Lei n. 8.666/93. Todavia, no caso in loco, a Prefeitura decidiu – ao invés de contratar a empresa especializada que apresentou a melhor proposta, e remunerá-la com a verba adequada - realizar licitação, ou melhor, reconhecer casos teratológicos de dispensa de licitação, e contratar a empresa que já vencera a comparação de preços, remunerando-a, todavia, consoante expressam os contratos e o Documento de Execução Orçamentária e Financeira acostados aos autos, “a conta de recursos do tesouro municipal”. Que foi feito, então, com os recursos da União, os quais foram liberados de maneira regular, e no prazo acordado entre o MTur e a Prefeitura? 3 Perceba-se aqui nova coincidência quanto ao narrado acerca do PA referente à Equipe Chakart: as empresas que se envolvem no trâmite dos projetos, seja apenas oferecendo propostas orçamentárias, seja celebrando contrato com o convenente, são as mesmas: LBS, Mega, e Oficina de Eventos. 12 Falou-se em teratologia porque a Prefeitura de Pontalina/GO instaurou os processos de inexigibilidade ns. 008/2009, 009/2009, e 010/2009 e, ao final, reconheceu, respectivamente, inexigível o certamente licitatório para a contratação de artistas e de mídias radiofônica e televisiva, sempre por intermédio da LBS, por ser esta detentora de Carta da Exclusividade dos cantores, e ser representante comercial das emissoras. Inobstante, tal perniciosa simulação de caso de inviabilidade de competição, de tão difundida entre os especialistas em rastrear “brechas” na lei, tem sido especificamente combatida pelo TCU, como se extrai do Acórdão n. 96/2008-TCU-Plenário, que pondera existir gritante diferença entre o contrato de exclusividade registrado em cartório – único instrumento apto a configurar a exclusividade exigida pelo art. 25, III, da lei n. 8.666/93 -, e a Carta de Exclusividade, que, por si só, é insuficiente para tornar inexigível a licitação. Assim entendeu o TCU, no citado julgado: “20. […] i) os Ministérios deveriam incluir em seus manuais de prestação de contas de convênio e nos termos de convênio, para conhecimento dos convenentes, que, quando da contratação de artistas consagrados por meio de intermediários, com utilização da inexigibilidade prevista no inciso III do art. 25 da Lei nº 8.666/1992, devem ser apresentadas cópias do contrato de exclusividade dos artistas com o empresário contratado, registrado em cartório. Ademais, essa contratação deve ser publicada no Diário Oficial da União no prazo de cinco dias, consoante previsto no art. 26 da mesma Lei, sob pena de glosa. Deve ser ressaltado que o contrato de exclusividade difere de carta conferindo exclusividade apenas para os dias correspondentes à apresentação dos artistas e restrita ao município da realização do evento. Os concedentes que não observarem tais ditames poderão ser enquadrados no § 2º do art. 25 da Lei de Licitações […]. […] 21. […] e) determine ao Ministério do Turismo que informe em seus manuais de prestação de contas de convênio e no próprio termo de convênio que, quando da contratação de artistas consagrados, enquadrados na inexigibilidade prevista no inciso III do art. 25 da Lei nº 8.666/1992, por meio de intermediários ou representantes: - deve ser apresentada cópia do contrato de exclusividade dos artistas com o empresário contratado, registrado em cartório. Deve ser 13 ressaltado que o contrato de exclusividade difere da autorização que confere exclusividade apenas para os dias correspondentes à apresentação dos artistas e que é restrita à localidade do evento;” Entendeu-se, ainda, inexigível a licitação para a contratação, por intermédio da LBS, de publicidade junto às emissoras Terra FM e TV Serra Dourada 4. Por ser em parte incompreensível, e em parte “curiosa”, merece transcrição a Justificativa dada pela Comissão de Licitação da Prefeitura de Pontalina para a inexigibilidade de licitação para contratar a Terra FM. Argumentos em todo análogos aos relativos à contratação do citado canal televisivo. “[...] sendo indispensável a contratação de emissora de rádio com frequência muito abrangente, até na Capital do estado, que envolva público agrosertanejo. No caso a Rádio Terra FM de Goiânia contempla estas características. CONSIDERANDO que a divulgação através desta emissora, além de dotarmos as festividades de ampla divulgação, teremos a oportunidade de maior afluxo de público e, de conseqüência, maior movimento financeiro no comércio local e, maior arrecadação municipal. CONSIDERANDO a ausência de possibilidade de competição das características da emissora […].” Ora, a bem da verdade, teria a Terra FM frequência abrangente de porção territorial superior à de suas concorrentes a ponto de tornar impossível a concorrência entre elas? Ser ela emissora que “envolva público agrosertanejo” também justifica a inexigibilidade, posto existirem outras com semelhante apelo? Pouco crível que não exista em Goiás outra emissora de rádio cujo sinal seja captado em muitos municípios e que seja voltada ao público sertanejo, melhor se configurando que de fato ocorreu foi um ilegal favorecimento da LBS, da Terra FM e da TV Serra Dourada. ICP n. 1.18.000.001425/2009-92 – Associação Cena Aberta (Doc. 04) Entre 2006 e 2008, o Ministério do Turismo celebrou com a Associação Cena Aberta os Convênios ns. 336/2006, 510/2007, 1129/2008, 1153/2008, e 1196/20084, transferindo-lhe, assim, o montante de R$ 3.119.940,00 destinados à realização, em vários 4 Uma terceira coincidência com o PA anteriormente tratado: sem pesquisar preços com quaisquer outras emissoras, a LBS sempre contrata a Terra FM e a TV Serra Dourada. 14 municípios goianos, de eventos como o “Tour Turismo”, temporada de férias do rio Araguaia na cidade de Aruanã/GO, Festa da Romaria do Muquém e Festa do Cerrado, e a XXII Feria Agroindustrial de Anápolis e Região. Mantendo paridade com o que já se teceu acerca dos convênios celebrados por outras entidades com o MTur, os convênios dos quais a Associação Cena Aberta é convenente guardam notória homogeneidade entre si. Afinal, é apresentada ao Ministério uma “Justificativa da Proposição” que fala das potencialidades do turismo, que traz uma breve descrição do local que receberá o evento proposto, seguindo-se, então, uma proposta de realização de não mais que um show musical. Extrai-se da “Justificativa da Proposição” do Convênio n. 1153/2008 (Festa da Romaria do Muquém e Festa do Cerrado), posto que, mutatis mutandis, todos os convênios se valerão da mesma justificativa, para propor o mesmo tipo de evento: “O projeto pretende ressaltar a importância dos eventos para o turismo no Estado de Goiás, uma vez que os shows servirão para expor e destacar as cidades neste contexto e oportunizar aos visitantes conhecer parte do universo turístico e dos santuários religiosos e ecológicos que possui as cidades em pauta, gerando, certamente, benefícios socioeconômicos que fluem das atividades turísticas. Com o fortalecimento do turismo, abrem-se novas frentes para a geração de emprego e renda por meio das atividades turísticas, que atrai visitantes para os municípios e regiões. O apoio e a promoção destes eventos no Estado de Goiás visam incentivar a valorização das comunidades carenes, nas áreas de lazer e entretenimento. Pretende, ainda, estimular produção artística e a geração de empregos e renda de modo a garantir a democratização do acesso aos recursos públicos.” A repetição do problema ressalta sua perniciosidade: não são apresentadas propostas claras e dotadas de um mínimo de objetividade. A proponente fala em gerar “benefícios socioeconômicos”, em abrir “novas frentes para a geração de emprego e renda por meio das atividades turísticas”, em incentivar “a valorização das comunidades carentes”, e em “garantir a democratização do acesso aos recursos públicos”, todavia, não menciona, quando do oferecimento da proposta, como pretende atingir tais objetivos, e – o que é ainda pior -, quando da apresentação da prestação de contas final, não comprova ter atingido qualquer um de tais compromissos. O que se percebe é que a Associação Cena Aberta, como muitos dos convenentes aqui apontados, especializou-se em - por meio de convênios 15 que, teoricamente, deveriam cumprir os nobilíssimos desideratos listados no parágrafo anterior – promover shows às expensas do MTur. Afinal de contas, como se extrai da “Relação pormenorizada de custos e suas especificações” do Convênio n. 1153/2008 (novamente aqui tomado como mero exemplo, posto que o que se observa nele se repete em todos os outros convênios listados), a promoção do Evento Turístico será implementada através de propaganda (através de panfletos, cartazes e rádio), locação de palco, de sistema de som, de luzes e efeitos especiais, de sistema de vídeo, de camarins, e de gerador de energia, da contratação de seguranças e da contratação de atrações artísticas. Em termos lídimos, a Associação Cena Aberta se compromete a, remunerada com dinheiro da União, realizar, em cidade por ela previamente escolhida, um show qualquer (afinal, ao aprovar a proposta, o Ministério não sabe quem será contratado). Como somente tal ação é descrita de maneira concreta e dotada de contornos claros e definidos, somente ela é aferida no momento da prestação de contas, donde resulta que a única ação que se necessitará comprovar será a realização do show. Restando comprovado que o evento realmente foi realizado, deve-se tomar tal fato como presunção de que isso, por si só, bastou para garantir fomento e incentivo ao desenvolvimento cultural e turístico, criar empregos diretos e indiretos, incrementar o turismo na região que recebeu o evento e no Estado de Goiás etc. (consoante “Objetivos Específicos” do Convênio n. 1153/2008), sem que na prestação de contas seja minimamente aferido quantas pessoas compareceram ao evento e de onde elas proveem (fluxo turístico), o aumento da taxa de ocupação dos hotéis, e do número de visitantes dos pontos turísticos tradicionais da região etc. É de se convir se tratar de postura altamente questionável entender que alugar um palco e equipamentos de som e vídeo, e realizar um show qualquer basta para que se tenha um “evento turístico”. Na verdade, o que se tem é uma simples festa, que pode ser capaz de atrair público de todo o Estado, ou de toda a região, ou de todo o Município, ou de todo o bairro onde foi ela realizada. É justamente este o problema: partindo-se das ideias da metafísica aristotélica de diferenciação entre potência e ato, percebe-se que o Erário Público remunera uma coisa em potência (uma coisa que tende a ser outra, ou seja, um show que tende a ser um evento capaz de incrementar o turismo), mas, no momento de aferir a boa utilização de seus recursos, contenta-se em verificar que a coisa existiu (que houve uma apresentação), sem qualquer preocupação em aferir se a potência se realizou (se, realmente, o show contribuiu para o turismo, ou se não passou de uma festividade que somente beneficiou 16 seus organizadores). Como aqui já asseverado, as propostas, conforme aprovadas pelo MTur, são empecilhos praticamente invencíveis para uma concreta aferição do movimento (da transformação da potência em ato). Afinal, considerando que as prestações de contas se baseiam, na esmagadora maioria das vezes, em informações que o convenente produz e apresenta ao concedente, já após a realização do evento (sendo que só em poucos casos há um acompanhamento in loco do evento por servidores do Ministério), bem como tendo em mente que não houve propostas de um incremento turístico concreto e objetivamente observável, torna-se praticamente impossível, uma vez que a prestação de contas esteja sobre a mesa do servidor público que a apreciará, seja apreciado, para além da mera execução do show, a verificação de um verdadeiro fomento turístico, que é, afinal de contas, a finalidade precípua dos recursos do Ministério do Turismo liberados em cada um dos convênios aqui já listados. Interessante, por fim, notar que a Associação Cena Aberta, conforme se extrai do “Cadastro do Órgão ou Entidade e do Dirigente Proponente” que integra a proposta que culminou no Convênio n. 510/2007 (2º Tour Turismo), o primeiro por ela celebrado com o MTur, informa como seu endereço a Av. Mato grosso S/N, sala 02, Residencial Thermas do Rio Quente, Rio Quente/GO. Tal endereço é repetido nas propostas de todos os outros convênios, bem como é o informado no site da Associação e nos papéis timbrados usados em suas comunicações oficiais. Todavia, diligência in loco deprecada e realizada por Oficial da 3ª Promotoria de Justiça de Caldas Novas/GO, resultou em certidão que informa: “[...] dirigi-me ao local citado no dia 1º/07/2010, aproximadamente às 16 horas, e fui recebido pela Sra. Maria Cristina, síndica do condomínio. A mesma informou que a Sala 02, pertence á J&L Construtora e Incorporadora LTDA, mas que nunca foi usada (matriz em Goiânia-GO) e sempre esteve vazia (fotos anexas). Através do telefone fixo do condomínio, contatei o Sr. Júlio, representante da referida construtora e o mesmo confirmou as informações prestadas pela síndica, colocando-se à disposição para qualquer outra informação.” Tal inconsistência entre as informações que a Associação Cena Aberta 17 presta ao concedente dos convênios que firma e aos órgãos de controle foi percebido justamente em um momento em que tal entidade passou a expandir para todo o Brasil os shows e eventos que promove. Afinal, a despeito de ser uma associação pequena (é composta por 5 associados, todos componentes de sua Diretoria), situada no município de Rio Quente/GO, após receber mais de 3 milhões de reais para a “promoção do turismo” em vários municípios goianos, a Associação, a partir de 2009, espraiou suas atividades para outras unidades da Federação, celebrando os Convênios ns. 705790/2009 e 707682/2009, por meio dos quais recebeu R$600.000,00 para a execução, respectivamente, do “II Bahia Tour” (festivais musicais nos municípios de Urandi/BA e Pindaí/BA) e da “Festa do Galeto” (festivais musicais no município de Barra do Piraí/RJ). ICP n. 1.18.000.001452/2009-65 – Prefeitura Municipal de Piracanjuba/GO (Doc. 05) Aos 05.01.2007 teve início a vigência dos Contratos de Repasse ns. 0212501-39 (SIAFI n. 589663/2007) e 0213112-46 (SIAFI n. 589666/2007), celebrados entre o MTur e o Município de Piracanjuba/GO, prevendo, respectivamente, repasse de R$ 975.000,00 destinados à construção de um centro de exposição de orquídeas, e de R$ 370.500,00 destinados à construção de um lago artificial naquela cidade. Requisitou-se cópia do projeto básico e do plano de trabalho de cada um dos projetos, sendo que, após o aporte deles nesta Procuradoria, foi o ICP epigrafado encaminhado à Assessoria Técnico-Pericial do MPF, que em Parecer Pericial n. 180/2009, destinado a aferir se tal documentação se adequa ao preconizado pelo art. 6º, IX, da Lei n. 8.666/1993, consignou: “7. [...] observamos que os Planos de Trabalhos encaminhados carecem das informações essenciais necessárias à realização de licitações, visto estarem ausentes informações que caracterizem as instalações e obras a serem executados, condições atuais dos terrenos, cronogramas de execução física e de desembolso financeiro. 8. Os documentos encaminhados como Projetos Básicos resumem-se às plantas baixas, e são insuficientes para análise, não demonstrando as condições atuais dos terrenos. Essas informações são necessárias para planejar os serviços de adequação do terreno às construções. 9. Em especial, observamos que as plantas para cosntrução do lago 18 artificial não informam as cotas ou curvas de nível do terreno e das construções, não apresentam os limites de propriedades e a situação das obras em relação à região em que serão implantadas. 10.Também observamos a ausência dos demais elementos constituintes do Projeto Básico: Memorial Descritivo das obras, Especificações técnicas a serem seguidas, Planilha Orçamentária contendo estimativas de serviços e custos, inclusive memória de cálculo dos quantitativos e serviços, e documentos técnicos complementares. 11.Além desses aspectos, inerentes às obras civis, para a obra de construção do lago artificial, também são necessários estudos sobre a adequabilidade das obras em relação à micro-bacia, os estudos de impacto ambiental, a avaliação hidrológica, estudos sobre tipologia do solo, nível do lençol freático e permeabilidade do terreno. 12.Acrescentamos que, por serem obras com significativo impacto sobre as regiões vizinhas, á importante constar, em cada projeto, um estudo sobre adequação dessas obras ao plano diretos do Município, incluindo uma estimativo do impacto sobre as vias urbanas, principalmente durante a realização de eventos nos espaços planejados. 13.Também deve integrar o Projeto Básico, no caso específico do projeto do Palácio das Orquídeas, um estudo inerente a viabilidade econômica da construção do empreendimento em função de seu objetivo comercial, segundo o Plano de Trabalho. 14. […] a documentação apresentada não atende ao preconizado no artigo 6º, inciso IX da Lei 8.666/93. Acrescentamos que, em função dos valores dos Convênios, os mesmos não se enquadram nas condições estabelecidas para aprovação com base em Projeto Básico simplificado, previstas na Instrução Normativa nº 01/97 do Tesouro Nacional.” Enviados ofícios à Caixa Econômica Federal, ao MTur, e à Prefeitura Municipal de Piracanjuba/GO, requisitando o envio da documentação cuja irregular ausência foi constatada, tais entes encaminharam ao Parquet as tergiversações adiante expostas. A Caixa Econômica Federal atua, in casu, como mandatária da União para a operacionalização e acompanhamento das ações de infra-estrutura com finalidade turística, mediante repasse de recursos consignados no Orçamento Geral da União ao MTur, conforme informado por esse Ministério no ICP em comento, bem como nos termos da cláusula décima dos contratos de repasse firmados5. Ou seja, o Ministério avalia o projeto proposto, libera os 5 “Cláusula Décima – Das Prerrogativas 19 recursos, e a Caixa fiscalização a execução da obra e a liberação dos recursos. Nesse diapasão, em Ofício n. 3-0584/2010/SR/RSGOV/GO, a Caixa, após baldadas explicações para as faltas aferidas, informa: “A verificação dos aspectos legais em relação aos procedimentos licitatórios extrapola a competência da CAIXA enquanto instituição financeira, nos termos do Decreto-Lei nº. 759/1969 para realizar atividades de controle não previstas em seu Estatuto.” A Prefeitura de Piracanjuba/GO, por meio do ofício n. 355/10 -PJ/GAB, informa: “Na busca pelo referido documento – estudo de viabilidade econômica – que antecedesse a celebração do referido contrato, não foi possível encontrá-lo, em razão de que, no período de transição [da gestão anterior para a atual], não nos foi passada qualquer documentação dos convênios celebrados.” O Ministério do Turismo informou, por meio de Memorando encaminhado pelo ofício n. 416/2010/AECI/MTur: “[...] informamos que a Prefeitura Municipal encaminhou à Procuradoria Regional do Estado de Goiás, o Ofício nº 355/10-PJ/GAB […] por meio do qual informa a impossibilidade de encontrar o referido estudo, considerando que no período de transição não foi passada qualquer documentação referente aos convênios celebrados.” Aclarando o que se extrai das informações prestadas: foram os projetos aprovados, e R$ 1.345.500,00 em recursos públicos liberados, apesar de inexistentes - à época da aprovação das propostas, bem como atualmente - a documentação necessária para a devida caracterização das obras, para a asseguração da viabilidade técnica e do adequado tratamento dos impactos ambientais dos empreendimentos, bem como para a avaliação do custo da obra etc. O resultado da aprovação de um projeto básico deficiente exsurge, como de outra forma não era de se esperar, no ofício n. 171/10-PJ/GAB da Prefeitura da Piracanjuba/GO: “[...] de acordo com o Termo de Aceitação Definitiva de Obras (em anexo), o Lago Artificial, na nascente do Córrego 'Zé Rato', foi recebido totalmente na data de 29 de janeiro de 2.009. Já a obra do Centro de Exposição de Orquídeas, ainda não foi 10 – É o Ministério do Turismo a autoridade normatizadora, com competência para coordenar e definir as diretrizes do Programa, cabendo à CONTRATANTE o acompanhamento e avaliação das ações constantes do Plano de Trabalho. […] 10.2 – É prerrogativa da União, por intermédio do Ministério do Turismo e da CONTRATANTE, promover a fiscalização físico-financeira das atividades referentes a este Contrato de Repasse […].” 20 totalmente executada, em virtude de problemas estruturais, que estão sendo reavaliados, para a conclusão da obra.” PA n. 1.18.000.001255/2010-80 – Instituto Centro-Brasileiro de Cultura-ICBC (Doc. 06) Desde 2007, o MTur e a EMBRATUR celebraram com o Instituto CentroBrasileiro de Cultura (ICBC) 8 ajustes, entre convênios e repasses, prevendo transferências que somam R$ 10.304.049,98 (fls. 07/14), todos destinados à realização, em diversas localidades goianas, de objetos variados, como “Criação de Programa de Gestão de Destinos Turísticos”, “I Ciranda Cultural do Cerrado”, “Rádio-Novela, sobre a história de Goiás e região”, “Fortalecimento das ações de turismo de base comunitária – TBC”, “Capital Fashion Week”, “Desenvolvimento e implantação de sistema de acompanhamento operacional do Programa de Qualificação Profissional – Bem Receber Copa 2014”, dentre outros. O ICBC, pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, foi fundado aos 14.04.2003, sendo que, nos termos do art. 2º do Estatuto datado de 14.04.2003:: “Artigo 2º - […] tem por objetivo precípuo a promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico, artístico, defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável. Parágrafo único: [O ICBC] não distribui entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados ou doadores eventuais excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e os aplica integralmente na consecução do seu objetivo social. […] Artigo 16 - […] Parágrafo 1º: Os Diretores, Conselheiros, Sócios, Instituidores, Benfeitores ou equivalentes não poderão perceber remuneração em razão das competências, funções ou atividades que lhes sejam atribuídas pelos respectivos atos constitutivos. […] Artigo 35º – Os recursos necessários para a manutenção do [ICBC] serão levantados por meio de cotização entre os sócios, bem como de percentual sobre os projetos, para cobertura de despesas administrativas.” 21 Tais disposições quedaram perenes em tal ajuste, salvo posteriores ampliações dos objetivos sociais, bem como peculiar inovação trazida ao Estatuto por modificação ao citado §1º do art. 16, aprovada por Assembleia-Geral Extraordinária de 31.07.2008, qual seja: “Os diretores, conselheiros ou equivalentes poderão perceber remuneração em razão das competências, funções, projetos ou atividades que lhes sejam atribuídas pelos respectivos atos constitutivos.” Dentre os muitos contratos de repasse celebrados entre o ICBC e o Mtur ou a EMBRATUR, cujos processos administrativos de prestação de contas final integram os anexos do ICP epigrafado, destaca-se aqueles que apresentam ilegalidades e irregularidades de interesse para a presente lide. Aos 21.12.2006, a EMBRATUR celebrou com o ICBC contrato de repasse no valor de R$ 657.786,51 (recursos provenientes de cotas de verbas descentralizadas de promoção internacional de eventos e marketing dos estados de Goiás, Mato grosso, Mato Grosso do Sul, e do Distrito Federal). Da “Justificativa da Proposição” se extrai: “Para promover as potencialidades turísticas da região Brasil Central é necessário uma boa promoção focada no público alvo, que levará ao turista potencial e às operadoras de turismo, informações que despertem a vontade de conhecer os roteiros turísticos desta região. […] A fim de alavancar o turismo, transformando o Brasil Central em um dos principais destinos do país, gerando divisas para os municípios, emprego e renda para as comunidades e compatibilizando a oferta com a demanda turística, o grupo vem desenvolvendo ações que reajam de acordo com as necessidades do mercado e ações de promoção de eventos em outros Estados.” Consoante o Plano de Trabalho aprovado pela EMBRATUR, e suas três alterações, as verbas públicas remunerariam a realização de um workshop com Operadores Incaming no Rio de Janeiro, e outro em São Paulo, o treinamento de agentes6 em Lisboa, Madri, Frankfurt, Roma e Londres, bem como famtours7 em Brasília, Goiás, Mato Grosso, e Mato Grosso do Sul, além da participação nas feiras Mundo Abreu e Mundovip Roadshow 2007, ambas em Portugal, e em road show no Reino Unido. Porém, três fatos maculam gravemente a execução desse projeto, 6 Destinado a qualificar agentes de viagem a venderem pacotes turísticos para certo destino. Viagem organizada para que agentes de viagens e jornalistas conheçam um determinado local ou roteiro turístico. 7 22 quais sejam a constatação de que o ICBC usou considerável montante de verbas de repasse para a manutenção do próprio instituto, a repetida contratação de serviços sem a realização de licitação, bem como a dissimulada percepção de remuneração por servidores da Agência Goiana de Turismo. Do Plano de Trabalho datado de 25.06.2007, extrai-se que dos R$ 657.786,51 repassados, o ICBC planejou gastar R$ 79.200,00 (12,04% dos recursos) com a rubrica “Coordenação Executiva e Operacional”. Oras, enquanto as outras rubricas desse mesmo Plano descrevem, ao menos minimamente, as atividades a serem custeadas pelos recursos nelas incluídos8, nada se sabe sobre quais atividades teriam sido desenvolvidas sob o rótulo de “coordenação” do projeto. Felizmente, tal expediente tendente a autorizar gastos de dinheiro público destituídos de qualquer forma de controle prévio foi percebido pela EMBRATUR, que, em Parecer n. 129/2010/CCON/DAFIN/EMBRATUR, no item 5.2.5.g, constatou: “[...] que o ICBC recebeu o montante de R$ 79.200,00, a título de Coordenação Executiva Projeto. No entanto, não foi apresentado juntamente com os recibos informações detalhadas das ações e/ou atividades executadas, bem como lista de funcionários que receberam tais recursos, conforme preceitua o inciso IV do §2º do art. 10 da Lei n. 9.790/1999.” A despeito de, no caso do citado Termo de Parceria, ter-se constatado a incoerência de se estabelecer uma rubrica genérica para o custeio de despesas plenamente previsíveis (afinal o art. 10, §2º, IV, da Lei n. 9790/99 fala em “remunerações e benefícios de pessoal a serem pagos, com recursos oriundos ou vinculados ao Termo de Parceria, a seus diretores, empregados e consultores”), o mesmo não houve em outros Termos cujos Planos de Trabalho e análises de Prestações de Contas compõem o PA em comento. Observe-se o Termo de Parceria n. 002/07 (“Vila Cultural”), que dos R$ 204.514,64 repassados, previu o gasto de R$ 26.073,00 (12,74% dos recursos) com “Coordenação Executiva”. Consoante Parecer Técnico de Análise de Prestação de Contas n. 001/2009, do MTur, à exceção de ressalvas quanto à elaboração de roteiros para spot e da confecção de banner, foi a prestação aprovada. Nesse ínterim, é necessário apor que, entre 28.05 e 08.06 de 2007, a Controladoria Geral da União, através de diligências atinentes ao Termo de Parceria n. 8 Tenha-se como exemplo o “Treinamento de Agentes - FRANKFURT” (item 5 do Plano de Trabalho), cuja implementação foi subdividida em: Aluguel de espaço (incluso buffet), Hospedagem, Aluguel de equipamentos multimídia, Animação artística cultural, Seguro viagem, e Relações públicas. 23 001/2006 (“Goiânia por inteiro, preços pela metade”), celebrado entre o MTur e o ICBC, consignadas no Relatório de Fiscalização n. 192529 de 29.06.2007, verificou: “12. Constatamos que na relação de custo do Projeto Básico, referente ao Plano de Trabalho aprovado pelo Instituto Brasileiro de Turismo/Ministério do Turismo, consta o item 1.7 – Produção Executiva, com custo estabelecido no valor de R$ 44.823,70 para sua execução. Verificamos no recibo emitido pelo ICBC, constante da Prestação de Contas do Termo em questão, que o mesmo recebeu a título de Produção executiva o referido valor. Observamos que não consta na Prestação de Contas o detalhamento das ações e/ou atividades executadas como Produção executiva pelo ICBC, bem como documentos que comprovam os gastos com a mesma. Observamos que existem 3 funcionários trabalhando e executando diariamente atividades do ICBC em horário comercial, no entanto, o Instituto não forneceu a lista de seus funcionários à Equipe de Fiscalização. Dessa forma, solicitamos ao ICBC que apresentasse a do documentação detalhada do item “Produção Executiva”, conforme preceituado no inciso IV do §2º do art. 10 da Lei 9.970, de 23/03/1999, bem como a prestação de contas dos recursos recebidos e relacionados ao referido item. 13. O ICBC informou, mediante o Ofício nº 1.12-6/2007, que o recurso referente à Produção Executiva é destinado ao fundo do Instituto Centro Brasileiro de Cultura (Instituto Casa Brasil de Cultura) e que, posteriormente, esse recurso será usado na consecução do respectivo objeto social, com realizações de projetos e atividades em que o próprio Instituto é patrocinador, como publicações de obras literárias, apoio às divulgações de projetos arquitetônicos, conferências e exposições sobre o patrimônio art déco brasileiro e estudos do meio ambiente. Quanto ao pagamento de salários dos três funcionários, informou que o Instituto não realiza pagamentos com eventuais excedentes dos recursos operacionais aos sócios, conselheiros, diretores, empregados e doadores. 14. A informação do ICBC confirma a falha apontada quando diz que o recurso em questão será usado em atividades que o Instituto é patrocinador […], ou seja, tais atividades não condizem com o preconizado no Plano de Trabalho do termo de Parceria. Quanto ao pagamento de salários aos três funcionários, não informou quais os valores pagos a cada um, apenas que não são pagos com recursos do Termo de Parceria. Portanto, a justificativa apresentada não elide a falha constatada, uma vez que não foram apresentados documentos que 24 discriminem e comprovem os gastos com o item “Produção Executiva” constante da Prestação de Contas do termo de Parceria. Dessa forma, o Instituto está contrariando a determinação contida no inciso IV do §2º do art. 10 da Lei 9.790, de 23/03/1999. […] 23. […] entendemos que a falha constatada no item 12 deste Relatório aponta para a ocorrência de prejuízo ao erário, tendo os recursos correspondentes desconformidade com as condições sido aplicados pactuadas em e com a legislação pertinente.” Outro problema – por certo, o maior deles – é o atinente à institucionalizada e repetida não realização de certames licitatórios pelo ICBC. Perceba-se que o art. 4º da Lei n. 9.790/1999 exige, das pessoas jurídicas que pretendam alcançar o caráter de OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), sejam elas regidas por estatutos que, dentre outros pontos, disponham expressamente sobre: a observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e da eficiência, bem como a adoção de práticas de gestão administrativa, necessárias e suficientes a coibir a obtenção, de forma individual ou coletiva, de benefícios ou vantagens pessoais, em decorrência da participação no respectivo processo decisório. O art. 14 da citada Lei impõe a publicação de regulamento próprio para compras e para a contratação de obras e serviços com recursos do Poder Público. Nesse ínterim, o ICBC criou um Regulamento Geral de Compras e Licitações destinado a dirigir as aquisições de bens e serviços pelo Instituto. Todavia, tal Regimento não impediu que, a cada repasse recebido do MTur, o ICBC contratasse serviços e efetuasse compras prescindindo de qualquer modalidade de certame licitatório. Como se extrai do item 5.2.3 do Parecer n. 129/2010/CCON/DAFIN/EMBRATUR, referente à Prestação de Contas Final do Termo de Parceria n. 00001/2006 (“Mostra Brasil Central”), o ICBC não apresentou mapas de apuração de pesquisa de preço que demonstrassem a contratação da proposta mais vantajosa, ou apresentassem justificativas pertinentes para não tê-lo feito, de hotéis, agências de viagem, restaurantes, empresas de táxi aéreo, empresas de publicidade etc. Assim, contrataram, sem comprovar a realização de certame licitatório ou, ao menos, pesquisa de preços, serviços que perfizeram o montante de R$ 296.628,11 (45,09% dos recursos repassados). Da análise da Prestação de Contas Final referente ao termo de Parceria n. 004/06 (“Apoiar a promoção e divulgação do turismo no Estado de Goiás com o projeto 25 intitulado Mostra Goiás”), o MTur ressalvou não ter observado a realização de licitação ou comparação de preços, nem sequer a apresentação de justificativa para tal falta, no tocante a compras e serviços que somaram R$ 227.888,52 (81,97% do valor repassado pelo MTur). A mesma situação se repete no Termo de Parceria n. 007/06 (“Festival de Música Instrumental de Goiânia – GO”), no tocante a compras e serviços que perfazem R$ 86.263,40 (86,26% do valor repassado). Ainda, no Termo de Parceria n. 01/06 (“Goiânia por inteiro, preços pela metade”), no tocante a operações que somaram R$ 295.956,70 (67,87% do valor liberado). As contratações com dispensa ou inexigibilidade de licitação de agências de turismo, restaurantes, agências de publicidade locais, gráficas etc. já são, de per si, cabalmente injustificáveis, sendo desnecessárias divagações maiores tendentes a demonstrarem não haver qualquer critério, dentre os elencados pelo Regimento de Compras e Contratações do ICBC (que, por seu turno, não pode contrariar a Lei n. 8666/1993, ex vi art. 27, parágrafo único, da IN 01/97 STN), que torne prescindível a concorrência entre interessados em contratar com entidade privada que lida com recursos recebidos do Poder Público. O único parâmetro utilizado foi a discricionariedade (abusiva, como evidente) dos dirigentes da OSCIP. O que emerge com vigor ainda maior quando se atenta para o fato de que sequer foram apresentadas justificativas para a preterição de certame licitatório ou procedimento análogo. Todavia, foram detectados certos casos em que o abuso dos dirigentes da OSCIP foi compreendido e, por isso mesmo, encetou reprovação ainda maior. Perceba-se que, no tocante ao Termo de Parceria n. 00001/2006 (“Mostra Brasil Central”), apesar de o ICBC ter destinado a ele próprio cerca de 12% dos recursos recebidos, a fim de prover a “Coordenação Executiva e Operacional” do projeto, extrai-se dos autos que a coordenação do projeto era efetivamente exercida por Leonora Guedes Vieira, à época Gerente de Projetos Turísticos da Goiás Turismo (Agência Estadual de Turismo Agetur)9, e que não consta como Diretora ou sequer associada ao ICBC. Fazem prova de tal afirmação o fato de que, apesar das contratações sem comprovação de se cuidar da proposta mais vantajosa, dentre as pesquisas de preços que o ICBC juntou aos autos da Prestação de Contas Final, percebe-se que boa parte delas (orçamentos enviados por 3 hotéis, por 4 agências de viagens, e por empresa de transporte internacional de cargas) não era destinada a qualquer Diretor ou empregado do Instituto, mas à nomeada servidora estadual. 9 Autarquia do Estado de Goiás. 26 No mesmo sentido, os ofícios e memorandos da Agetur, todos subscritos pela servidora Leonora Guedes Vieira, solicitando que o ICBC: a. cumprindo os itens 1 e 2 do Plano de Trabalho, alugue espaço e equipamentos, bem como contrate buffet para os workshops no Rio de Janeiro e em São Paulo, além de providenciar hospedagem e passagens aéreas para os operadores participantes do evento, todos listados no próprio ofício; b. cumprindo os itens 3 e seguintes do Plano de Trabalho, compre passagens aéreas, contrate seguro viagem, relações públicas, buffet e animação artística cultural, alugue espaço, bem como providencie hospedagem e ajuda de custo para os participantes (também listados no ofício) das missões internacionais; c. cumprindo o item 13 do Plano de Trabalho, contrate empresa para criação de texto e formação de material de apresentação, bem como de tradução de textos; d. dando cumprimento ao item 15, providencia a participação em feiras turísticas em Portugal; dentre outros. Chega-se ao extremo de, no Memorando n. 23/07, a servidora solicitar ao ICBC providências “para o pagamento da Coordenação Executiva e Operacional”. Ou seja, sujeito estranho ao ICBC pede a ele que providencie, com verbas por ele geridas, um pagamento que deve ser feito ao próprio Instituto. Não resta dúvidas quanto ao absurdo da situação: apesar de o ICBC receber, para concretizar a “Mostra Brasil Central”, verbas outrora pertencentes a Secretarias de Turismo e congêneres de várias unidades da Federação (entre as quais está a própria Agetur), todas as atividades eram efetivamente dirigidas por uma servidora da Agetur. Claro, portanto, que, ao menos no caso do Termo de Parceria em comento, o ICBC não passou de artifício para centralizar, em pessoa jurídica estranha à Administração Pública e, assim, alheia às amarras legais para o controle de gastos, portentosa quantia de verbas públicas federais. Compreende-se a finalidade de tal expediente quando se verifica que, no Memorando n. 032/07, a servidora Leonora Guedes Vieira solicita “as devidas providências para contratação de uma coordenação técnica, ligada à coordenação executiva para atender às questões de conteúdo, uniformização e sinergia entre os estados do Brasil Central”, tendo sido a única empresa a se “apresentar” e ser – sem licitação nem comparação de preços – contratada pelo ICBC a ARTICUM – Desenvolvimento de Negócios Culturais Ltda., CNPJ n. 07.930.112/0001-90, que tem em seu rol de sócios Marcelo de Oliveira Safadi, que, até meados de 2007, ocupou o cargo de Presidente da multicitada Agetur. Tal situação afronta de maneira clarividente o art. 4º, caput, incisos I e II, e parágrafo único da Lei n. 9790/1999, ipsis litteris: 27 “Art. 4º Atendido o disposto no art. 3º, exige-se ainda, para qualificarem-se como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, que as pessoas jurídicas interessadas sejam regidas por estatutos cujas normas expressamente disponham sobre: I – a observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e da eficiência; II – a adoção de práticas de gestão administrativa, necessárias e suficientes a coibir a obtenção, de forma individual ou coletiva, de benefícios ou vantagens pessoais, em decorrência da participação no respectivo processo decisório; […] Parágrafo único. É permitida a participação de servidores públicos na composição de conselho de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, vedada a percepção de remuneração ou subsídio, a qualquer título.” Não obstante, tal situação não é inédita. Afinal, a Nota Técnica CGRG/DEAOT – 051/2008 do MTur, referente ao Termo de Parceria n. 008/06 (“Elaborar o Plano de Desenvolvimento do Turismo do estado de Goiás – 1ª e 2ª Etapa”), por meio do qual foram repassados R$ 314.208,70, informa que a primeira etapa do projeto consistiu na contratação de 5 empresas de consultoria, dentre as quais a Articum, o Grupo Nativa – Proteção, Pesquisa e Informação Ambiental S/S (que também tinha, à época, Marcela de Oliveira Safadi entre seus sócios), e a Guará Consultoria – Negócios, Projetos Culturais e Turismo Ltda. (que tem Leonora Guedes Vieira no seu quadro societário). Bem assim, no Relatório Final da Comissão de Acompanhamento e Avaliação do Termo de Parceria n. 008/07 (“Qualificação de artesãos para o aprimoramento de produtos que preservem a tradição e cultura local, associando o produto ao destino turístico” - repasse de R$ 501.561,00), compôs a equipe de coordenação do ICBC, na função de Consultor, novamente Marcelo de Oliveira Safadi. Ainda, tal situação se mantém no tempo, posto que do Plano de Trabalho do Termo de Parceria n. 002/09 (“Fortalecimento das ações de Turismo de Base Comunitária – TBC para a inserção no mercado” - repasse de R$ 450.000,00) extrai-se: “[...] é importante ressaltar que, no caso de serviço técnico especializado, apresenta-se a equipe de consultores da Casa Brasil que participarão do desenvolvimento do referido projeto […]: […] 28 − Consultoria para integração das mídias e comunicação do projeto – Empresa Articum; − Contratação de consultoria técnica para apoio à festão, organização e execução do projeto – Empresa Guará.” O mesmo ocorre no Termo de Parceria n. 003/10 (“Diversificação da oferta com a integração econômica das iniciativas de Turismo de Base Comunitária na cadeia produtiva dos destinos – repasse de R$ 829.440,00), de cuja relação de bens e serviços contratados consta remuneração a Leonora Guedes Vieira e a Marcelo de Oliveira Safadi por serviços de consultoria. IV. A INOBSERVÂNCIA DOS PRCEITOS NORMATIVOS APLICÁVEIS Analisando o panorama bem delineado pelos casos expostos, resta às escâncaras que a celebração de convênios pelo Ministério do Turismo, nos moldes que vem ocorrendo, não se presta às finalidades pretendidas, além de representarem excelente oportunidade para que as rapinas do dinheiro público empreendam seus ataques ao erário. Mister obstaculizar a manutenção de tal status quo, que se dá em detrimento da população e em benefício direto de reduzido grupo. O modus operandi atualmente adotado na pactuação da transferência voluntária de recursos vulnera dispositivos de toda a hierarquia e das mais diversas densidades normativas de nosso arcabouço jurídico. 4.1. PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA (ART. 37, C.R.) E DA ECONOMICIDADE (ART. 70, C.R.) Embora tenham os indigitados princípios conteúdos diversos e âmbito de incidência igualmente não coincidente, é pertinente a sua invocação neste tópico pela possibilidade de extrair-se da sua exegese idéia incontroversa: os postulados são direcionados à busca do maior alcance ao interesse da coletividade empreendendo-se o menor esforço possível, ou seja, uma relação direta de custo x benefício. A sistemática hoje adotada pelo MTur torna absolutamente impossível aferir se a atuação da Administração Pública, através da celebração de convênios vem 29 atendendo a estes princípios. Explico. Como salientado, as propostas de convênio apresentadas pelos convenetes, e encampadas pela União Federal, possuem objetos genéricos como “incentivar e incrementar cada vez mais o turismo”, ou “promover a inclusão social”, “criar empregos na localidade”. Não há estimativa do volume de turistas a serem atraídos, dos “socialmente incluídos” ou do número e espécie de empregos criados em razão do evento. Não há a menor idéia do benefício à população local que o aporte de trezentos mil reais à determinada entidade trará em termos concretos. Contudo, se a injeção do numerário referido produzir como efeito concreto apenas a contratação temporária (para o dia do evento) de seguranças, garçons e artistas, resta injustificável tal aporte financeiro, e às escâncaras a violação aos princípios da eficiência e da economicidade. O defeito já havia sido detectado em auditoria realizada pela 5ª SECEX do TCU no Ministério do Turismo “158. Foi verificado, em alguns convênios da amostra, que as propostas apresentadas não detalham com precisão os objetos e que os pareceres técnicos elaborados não atentam para esse fato. A imprecisão do objeto (ações e metas) dificulta uma correta análise de custos, bem como o controle por parte da entidade concedente.” A conclusão, mostra-se irretocável, e demonstra, de forma inarredável, o acerto das premissas fáticas aqui imputadas, bem como as conseqüências jurídicas “178. A avaliação da viabilidade de um convênio deve relacionar o benefício obtido com o custo envolvido. Não basta descentralizar os recursos, é preciso, sobretudo, garantir a correta e exata alocação dos valores. A análise detalhada de custos dos objetos dos convênios é parte integrante do exame da viabilidade do empreendimento e, entre outros, tem por finalidade evitar sobrepreço e (ou) superfaturamento por parte do convenente, bem como maximizar a gerência dos recursos financeiros destinados à ação e ao programa de governo. 179. De acordo com a análise empreendida, concluímos que os procedimentos adotados pelo MTur não garantem que os projetos aprovados sejam de fato vantajosos, no que se refere à relação custo-benefício, e economicamente viáveis, uma vez que se baseiam apenas em orçamentos encaminhados pelos proponentes, como nos casos das análises realizadas pela Coordenação-Geral de Análise de Projetos, não se referem à metodologia utilizada ou mesmo não evidenciam que os custos foram analisados.” Como conseqüência, constou do dispositivo do acórdão TCU nº 5078/2009, aparentemente sem que qualquer modificação fática tenha sido implementada, 30 determinação para que o Mtur “1.5.1.3. proceda, na análise técnica de propostas de convênios, a uma efetiva análise dos seus custos e dos benefícios advindos, explicitando a metodologia e os parâmetros de preços adotados, de maneira a garantir a observância ao princípio da economicidade, em atenção ao art. 31 da Portaria Interministerial nº 127/2008;” 4.2. ART. 173 E 174, C.R. Os dispositivos em questão preceituam que Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. A idéia que se extrai da exegese conjunta destes dispositivos constitucionais é constituir regra a exploração de atividade econômica pelo particular, sendo a atuação estatal, seja como agente econômico, seja como fomentador, a exceção. Não é o que tem ocorrido. Sob a roupagem de termos de transferência voluntária de recursos o que se tem de fato é a injeção de recursos federais em eventos que são ínsitos à exploração da iniciativa privada. Tomo como exemplo a realização do “1º Festival do Forró”. O evento foi realizado em casa noturna particular, apresentando artistas de forró e cobrando ingresso a preços normais dos interessados em assistir às apresentações. O que diferencia este evento de um show de banda regional realizado na mesma casa noturna quase toda semana, sem o recebimento de recursos federais? Absolutamente nada, salvo a ingerência política e a inação regulatória do ministério, indicando a atuação da União, ainda que como “sócio oculto” como agente econômico, o patrocinador do evento. O ato violador dos postulados constitucionais aplicáveis já havia sido detectado outrora pelo Tribunal de Contas da União, não recebendo, contudo, acato do Mtur, 31 como demonstra o acórdão 96/2008 daquele sodalício, onde restou consignada a determinação “9.6. determinar ao Ministério do Turismo que, quando da análise de propostas de celebração de convênios ou contratos de repasse com entidades de natureza pública ou privada, verifique: (...) 9.6.2. se o objeto do convênio destina-se ao cumprimento do interesse público, evitando participar de ajustes em que o interesse seja fundamentalmente privado, sob pena de caracterizar subvenção social a entidade privada, que é vedada pela Lei de Responsabilidade Fiscal e pelo caput do art. 16 da Lei nº 4.320/1964; 9.6.3. o impacto potencial da consecução do objeto avençado sobre o setor turístico.” Tendo ainda a questão do patrocínio sob a forma de convênio sido enfrentada na decisão “(...)Além disso, a contrapartida é feita de acordo com a localidade convenente, o que simplesmente não faz sentido quanto estamos lidando com entidades privadas. Desse modo, parece tácita a vedação à transferência de recursos públicos para subvencionar shows e eventos particulares, à luz da Lei Complementar nº 101/2000 e da LDO 2005, motivo pelo qual, tal irregularidade deve ser investigada em sede de tomada de contas especial; 4.3. DECRETO 6.170/2007, PORTARIA INTERMINISTERIAL 127/08 e PORTARIA 153/09 DO MINISTÉRIO DO TURISMO Este normativo pretende “regulamenta(r) os convênios, contratos de repasse e termos de cooperação celebrados pelos órgãos e entidades da administração pública federal com órgãos ou entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos, para a execução de programas, projetos e atividades de interesse recíproco que envolvam a transferência de recursos oriundos do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social da União ”, conforme depreende-se de seu art. 1º, sendo ele norma regulamentar do art. 84, IV da Constituição da República, bem como do art. 25 da Lei Complementar 101/00. Suas disposições, por sua vez, são minudenciadas na Portaria Interministerial nº 127/08. Este normativo, de maior densidade normativa, regula com riqueza de detalhes a execução de transferência voluntárias de recursos, ainda que sofra de menor 32 rigidez que sua antecessora, a Instrução Normativa do STN nº 01/97. Pela pertinência, destaco alguns dispositivos, claramente incidentes aos convênios em discussão, sendo estridente a infrigência a seus preceitos Art. 1º Esta Portaria regula os convênios, os contratos de repasse e os termos de cooperação celebrados pelos órgãos e entidades da Administração Pública Federal com órgãos ou entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos para a execução de programas, projetos e atividades de interesse recíproco que envolvam a transferência de recursos financeiros oriundos do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social da União. (...) § 2º A descentralização da execução por meio de convênios ou contratos de repasse somente poderá ser efetivada para entidades públicas ou privadas para execução de objetos relacionados com suas atividades e que disponham de condições técnicas para executá-lo. Depois da extensa narrativa sobre as mazelas que atingem os convênios, pareceria despiciendo destacar as incongruências entre o plano normativo e o mundo dos fatos. Com vistas a espancar qualquer dúvida, entretanto, faz-se cotejo analítico. A norma exige, como condição para a celebração de convênio, que o objeto da avença seja ligado à atividade do exeutor. Como largamente demonstrado, a ‘Equipe Chakart’ era uma equipe de kart –como o nome indica- artificialmente transformada em entidade fomentadora do turismo para receber verbas públicas. Perceba-se a investida de perspectiva: ao invés do dinheiro buscar as entidades que atuam no seguimento, transforma-se uma entidade para que ela ingresse no seguimento e torne-se apta ao recebimento de recursos públicos. Exige-se, ainda, como condição para a avença do poder público com o particular, que este “disponha de condições técnicas para executá-lo”. Como largamente demonstrado no tópico referente á “organização Cena Aberta”, restou evidente tratar-se de entidade que conta com cinco associados, com endereço fictício, investida da pretensão de realizar eventos por todo o país. Desnecessário mencionar a ausência de aferição da capacitação técnica da entidade em malogro ao normatizado. Clara a violação à teleologia do preceito normativo, bem como ao do próprio ministério, a Portaria 153/09, como evidencia seu art. 2º, § 1º e 2º § 1o Somente poderão receber apoio do Ministério do Turismo as entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos que disponham de condições técnicas para executar o convênio e 33 cujas competências/objeto social sejam compatíveis com as características do projeto proposto, conforme dispõe o inciso VII, do art. 6o, da Portaria Interministerial no 127/2008 MPOG/MF/CGU, atualizada. § 2º A destinação de recursos às entidades privadas sem fins lucrativos dependerá de análise pela área competente do MTur quanto à viabilidade e adequação do projeto proposto aos objetivos do Programa Nacional de Turismo - PNT, além da comprovação da atividade regular da entidade nos últimos 3 (três) anos, a qual será atestada pela inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica - CNPJ e por 3 (três) declarações de funcionamento regular da entidade beneficiária, emitida por 3 (três) autoridades locais, sob as penas da lei, em conformidade com o disposto na Lei de Diretrizes Orçamentária do respectivo exercício. A modificação da realidade que se pretende com a norma repete-se concretizada em vedação Art. 6º É vedada a celebração de convênios e contratos de repasse: (...) VII - com entidades públicas ou privadas cujo objeto social não se relacione às características do programa ou que não disponham de condições técnicas para executar o convênio ou contrato de repasse; O que se extrai da investigação realizada pelo Ministério Público Federal é a ausência de diligências, por parte do concedente, com vistas a aferir a correlação da atividade do convenente com o objeto do convênio ou a sua capacidade técnica. Uma simples visita in loco à “Cena Aberta” teria trazido à tona o fato de tratar-se de entidade operando com endereço fictício. Prosseguindo, o normativo é explícito também em relação aos requisitos da proposta de trabalho, conforme depreende-se de seu art. 15 Art. 15. O proponente credenciado manifestará seu interesse em celebrar instrumentos regulados por esta Portaria mediante apresentação de proposta de trabalho no SICONV, em conformidade com o programa e com as diretrizes disponíveis no sistema, que conterá, no mínimo: I - descrição do objeto a ser executado; II - justificativa contendo a caracterização dos interesses recíprocos, a relação entre a proposta apresentada e os objetivos e diretrizes do programa federal e a indicação do público alvo, do problema a ser resolvido e dos resultados esperados; Desnecessário repetir quão longe passam as propostas recebidas e 34 aprovadas do standart normativo. O descumprimento dos termos da Portaria, longe de ser injurídico praticado apenas pelos convenentes, é detectado igualmente por parte do MTur, como deixa claro a auditoria levada a efeito pelo Tribunal de Contas da União “208. Em vários convênios referentes a Eventos Geradores de Fluxo Turístico, o parecer técnico não se manifesta quanto à geração de fluxo turístico com a realização do evento, mesmo quando a proponente menciona dados na proposta, fato que pode ocasionar apoio do MTur a convênios que, de fato, pouco contribuem para o desenvolvimento do turismo na região.” Segue a longa lista de descaso com as disposições do normativo regente dos convênios, e, por conseguinte, com o destino dado aos recursos públicos. Art. 16. O órgão ou entidade da Administração Pública federal repassador dos recursos financeiros analisará a proposta de trabalho e: O exame dos procedimentos requisitados ao MTur deixou evidente que não há exame efetivos das propostas, mas tão somente a verificação de check list dos documentos formalmente exigidos. Tudo opera-se apenas no campo da formalidade, sem qualquer verificação de conteúdo, permitindo entrever o descaso do destino a ser dado aos recursos públicos. É de clareza solar o descumprimento ao normativo do próprio ministério, como pode constatar-se da comparação com o art. 28 da Portaria MTur nº 153/09 Art. 28. O critério utilizado para avaliação da proposta é de natureza técnica, com base em parecer da área técnica específica do MTur, que deverá analisar, além do alinhamento às políticas públicas de turismo e dos aspectos formais e legais, a realização das bases turísticas para o desenvolvimento da atividade de forma sustentável, de modo a aferir o atendimento das variáveis previstas de modo qualitativo e quantitativo, visando ao desenvolvimento do turismo. Como restou repetido á exaustão durante o detalhamento fático das injuridicidades dos convênios, nada disto é observado. Pontifico, para que não soem como ilações isoladas do subscritor da demanda, que os defeitos identificados, bem como a indicação de providências a serem adotadas para a sua correção já tinham sido objeto de atenção do Tribunal de Contas da União, conforme atestam o dispositivo do acórdão nº 5078/2009 35 “1.5. Determinações: 1.5.1. à Secretaria-Executiva do Ministério do Turismo que: 1.5.1.1. observe, ao promover processo público de seleção de projetos de órgãos ou entidades, as disposições expostas no art. 5º da Portaria Interministerial nº 127/2008, especialmente ao que se refere a publicidade do chamamento público e à aferição da qualificação técnica e capacidade operacional da entidade privada sem fins lucrativos participante do certame; 1.5.1.2. aprove somente propostas de convênios que apresentem a descrição detalhada e completa do objeto, de forma que permita a identificação inequívoca, nos pareceres técnicos de análise, do que será realizado em termos de produtos e serviços, em atenção ao disposto no art. 31 da Portaria Interministerial nº 127/2008, e de modo a evitar o ocorrido quanto aos objetos referentes aos Convênios Siafi nºs 627662; 631701; 634102; 638459; 650702; (...) 1.5.1.6. não utilize convênio como forma de ajuste quando os interesses das partes não concorrerem para o mesmo objetivo, situação na qual se configura contrato, devendo, portanto, ser realizado o devido certame licitatório; (...) 1.5.3.2. explicite nos pareceres técnicos de análise, nas propostas de convênios referentes a Eventos Geradores de Fluxo Turístico, manifestação fundamentada quanto à potencial geração de fluxo turístico do evento proposto, indeferindo aquelas que não se coadunem com esse fato; A leviandade com que o MTur trata a análise das propostas de convênio que servirão de supedâneo jurídico para o aporte de milhões de reais em entidades com fins absolutamente divorciados do interesse da coletividade foi, uma vez mais, detectado por auditoria do TCU, deixando claro que não se trata de percepção subjetiva do demandante, ou fenômeno isolado, como lê-se no relatório de auditoria no TC 013.105/2009-3 “5. De modo geral, os pareceres técnicos sobre o plano de trabalho são superficiais e a análise leva em conta somente alguns aspectos do plano. Muitas vezes, não há análise sobre a capacidade técnica ou operacional das entidades proponentes, sobre a contrapartida ou do interesse recíproco. A análise do objeto e dos custos é insuficiente e, em certos casos, nos pareceres constam apenas textos-padrão que informam que os custos estão de acordo com o praticado ou que o objeto se encontra em consonância com o Plano Nacional do Turismo.” Constatou-se, ainda, outra reiterada omissão do MTur no que se refere à fiscalização das bonanças financeiras que concede a particulares com o pseudônimo de 36 convênio Art. 52. O concedente ou contratante deverá prover as condições necessárias à realização das atividades de acompanhamento do objeto pactuado, conforme o Plano de Trabalho e a metodologia estabelecida no instrumento, programando visitas ao local da execução com tal finalidade que, caso não ocorram, deverão ser devidamente justificadas. Analisando as prestações de contas ofertadas pelo convenentes, resta claro que na maior parte dos casos não há acompanhamento in loco do evento por agentes do MTur, deixando a veracidade das informações prestadas inteiramente ao talante do beneficiário dos recursos públicos. Outro reforço à sistemático do faz-de-conta instaurada pelo MTur para o emprego de recursos caros à coletividade. Destaco trecho do relatório da SECEX que evidencia a veracidade do alegado “284. Portanto, as fiscalizações in loco realizadas não se prestaram a avaliar adequadamente a execução dos convênios. Os relatórios elaborados foram meramente pro-forma, com afirmações genéricas, sem abordar cada uma das metas e ações previstas nos respectivos Planos de Trabalho. 285. O procedimento adotado causa insegurança a respeito da regular execução do objeto e, em certos casos, pode não justificar o esforço orçamentário e de pessoal do MTur para a realização da fiscalização.” Também no que se refere à apreciação da prestação de contas, encontrase o MTur em situação de flagrante desobediência ao normativo Art. 60. A autoridade competente do concedente ou contratante terá o prazo de noventa dias, contado da data do recebimento, para analisar a prestação de contas do instrumento, com fundamento nos pareceres técnico e financeiro expedidos pelas áreas competentes. Uma vez mais o exame das prestações de contas requisitadas ao MTur deixa evidente que o prazo para a apreciação das contas não vem sendo cumprido, o que é corroborado pelo susomencionado relatório de auditoria, com conseqüências previsíveis “8. O acúmulo de processos prejudica a realização de análises tempestivas e a adoção de medidas imediatas para a instauração de TCEs. 9. A análise conjunta dos achados permite concluir pela existência de verdadeiro ciclo de falta de controle dos procedimentos necessários para a análise dos processos de 37 convênios, iniciando-se na análise superficial da proposta, gerando comprometimento do acompanhamento da execução e finalizando na fase de análise de prestação de contas, que resta prejudicada pela ausência de detalhamento do objeto e pelo grande volume de processos a serem analisados. (...) 81. Mais de 80% (oitenta por cento) das prestações de contas que se encontram no estágio “a aprovar” se referem a convênios cuja vigência foi encerrada nos exercícios de 2006 e 2007. Assim, torna-se evidente o alto número de prestações de contas que estão pendentes de análise pelo Ministério, referentes a antigos convênios. (...) 85. O MTur possui 619 (seiscentos e dezenove) convênios no estágio “a aprovar”. Desses, mais de 90% (noventa por cento) referem-se a convênios cuja vigência se encerrou em 2007 ou 2008. Isso demonstra o alto estoque de prestações de contas pendentes de análise, referentes a convênios celebrados pelo MTur em 2007. (...) 330. O MTur possui elevado e crescente estoque de processos de convênios pendentes de pronunciamento final acerca da aprovação ou não, o que demonstra que o órgão não está estruturado para efetuar a análise das prestações de contas com a mesma presteza que firma convênios.” Resta evidenciado que a celeridade impressa na liberação de recursos é inversamente proporcional à agilidade na prestação de contas, tornando os convênios presa fácil à apropriação de recursos públicos sem que se possa adotar tempestivas medidas de responsabilização. Ressalto, por derradeiro, utilidade desta demanda que revela-se consectário de trazer-se os fatos à apreciação judicial: obliterar a invocação de desconhecimento dos fatos quando do ajuizamento das ações de improbidade administrativa decorrentes da repetição das falhas nos futuros convênios a serem celebrados, caso não haja implementação fática do ora postulado. V. DOS PEDIDOS Ex positis, pugna o Ministério Público Federal: a) pela concessão de tutela antecipada, após a oitiva dos representantes judiciais da demandada, consoante o art. 2º da Lei 8437/92, determinando-se a impossibilidade da ocupante do pólo passivo em celebrar novos convênios com municípios ou o Estado de Goiás por 38 meio do Ministério do Turismo sem sejam efetivamente analisadas as propostas de convênio, mormente no que se refere: a.1) o impacto potencial da consecução do objeto avençado sobre o setor turístico, com a adoção de critérios objetivamente aferíveis, promovendose o cotejo do custo do evento objeto do convênio com os retornos sócio-econômicos esperados, com explicitação da metodologia e parâmetros adotados; a.2) aquilatação do interesse público no evento, abstendo-se de subvencionar shows e eventos particulares; a.3) mensuração do interesse recíproco na avença, que justifique a utilização do convênio para transferência de recursos; a.4) avaliação concreta da aptidão técnica e operacional do convenente para a execução do objeto; a.5) avaliação concreta da atuação da entidade na execução do convênio, de modo a evitar a liberação de recursos a entidade que realize apenas o gerenciamento financeiro do convênio; a.6) avaliação do histórico de alterações do estatuto social do convenente, de forma a evitar a admissão a convênio de entidade que modifique seu contrato social com o desiderato único de receber recursos públicos, fixando-se multa cominatória em desfavor do Coordenador-Geral de convênios do Ministério do Turismo em caso de descumprimento da decisão; b) pela concessão de tutela antecipada para determinar que abstenha-se a demandada de efetuar os repasses financeiros aos convênios já celebrados, mas ainda não iniciados, procedendo-se à revisão dos termos de convênio de forma a aferir o preenchimento das avenças com os requisitos apontados no pedido anterior; c) pela citação da demandada para que, querendo, apresente resposta; d) pelo julgamento da lide com resolução de mérito, consoante o art. 269, I, do Código de Processo Civil, impondo à demandada obrigação de não fazer, mais especificamente na obrigação de não celebrar convênio sem que se proceda às aferições detalhadas no pedido “a”; e ainda, e) pelo julgamento da lide com resolução de mérito, consoante o art. 269, I, do Código de Processo Civil, impondo à demandada obrigação de 39 não fazer, mais especificamente na obrigação de não celebrar convênio sem que o MTur comprove ter estrutura capaz de proceder à análise da prestação de contas no prazo de noventa dias (art. 60 da Portaria Interministerial 127/08); e ainda, f) pelo julgamento da lide com resolução de mérito, consoante o art. 269, I, do Código de Processo Civil, impondo à demandada obrigação de fazer, mais especificamente na obrigação de prover as condições necessárias ao acompanhamento do objeto conveniado, com a programação de visitas ao local de todos os eventos, salvo exceção devidamente fundamentada. Protesta, para comprovar a veracidade de suas alegações, pela produção de prova documental, que já acompanha esta exordial. Dá-se à causa o valor de R$ 6.000.000,00. Goiânia, 19 de janeiro de 2011 Raphael Perissé Rodrigues Barbosa Procurador da República 40