IMAGENS DO POVO BRASILEIRO:
O “EXTRAORDINÁRIO” E O “MÁGICO” NO DISCURSO DOS POLÍTICOS
Rosália de Fátima e Silva
Doutora em Educação
Departamento de Educação - UFRN
No imaginário brasileiro, o homem político parlamentar é o vilão EF.2 que realiza acordos
escusos, não trabalha e é excessivamente vaidosoPOL.7.1 Parlamentares, em um número considerável,
são associados a fantasmas: este número de parlamentares fantasmas são pessoas que passam,
sucedem e desaparecem. Pessoas que jamais produziram E.F.5. O político que no passado teria uma
imagem melhor, que seria alvo de uma brincadeira carinhosa hoje é um ladrão EF.2. Torna-se senso
comum a negação de qualquer mudança desta imagem negativa. O político brasileiro se beneficia
da confiança da populaçãoPOL.6. Sua imagem é negativa... Sempre foi assim”E.F.9.2 Predominam
imagens, do parlamentar, associadas aos segredos dos acordos distanciados dos compromissos
proclamados com o povo.3
Neste tempo, de crise representativa geralPOL:06, o “fazer da política” dar-se-ia
diferentemente do verdadeiro sentido da “política”: como criação social e histórica, uma atividade
por excelência da instituição global da sociedade (Arendt, 1993, p.34). O espaço político
corresponderia aos interesse contraditórios, aos acordos e compromissos datados. A imagem social
do “fazer da política” sugere-a como um campo social privilegiado para os negócios obscuros, os
acordos clandestinos e de negação da autonomia. Hoje, a sociedade brasileira está vivendo um
momento de muita apatia, muita indiferença e até um certo desprezo em relação à atividade
política POL.11.
O objetivo deste artigo é apresentar um caminho à compreensão explicativa do “fazer da
política” através das imagens implicadas nos discurso dos políticos brasileiros. Partimos da
constatação de reposições de imagens antigas e distintas sobre o povo brasileiro. Pois, embora os
discursos ordinários da política afirmem atualmente os slogans “cidadania ativa” e “cidadania
participativa” percebemos nos discursos disjunções entre o que é o povo e o que representa a
sociedade brasileira. Consideramos, que apesar da aparente clareza das mensagens da política, de
uma transparência proclamada das suas intenções - nós damos a transparência se ela não existirPOL.2
-, os apelos utilizados pelo homem político são reveladores de multiplicidade de imagens e de
símbolos. A opacidade dos discursos esconde mais que revela as implicações dos sujeitos/cidadãos
no « fazer da política ».4 A opacidade dos discursos revela impossibilidade da sua redução da
realidade aos seus elementos mais simples (Ardoino, 2000, p.258).5
Na complexidade que engloba o “fazer da política”, começamos por perceber a duplicação
do real e das imagens evocadoras de significações sociais nos discursos ordinários. O tema do
duplo corresponderá nos discursos à “ilusão” (Rosset, 1984, p.11) de uma autonomia da parte dos
1
As siglas utilizadas ao longo do trabalho e repostas neste artigo, correspondem às palavras e função das pessoas
entrevistadas e tem relação direta com o método utilizado: POL. = políticos, E.F. = funcionários. Ver a nota n°6.
2
Estas citações são resultantes de pesquisa de doutorado realizada no período de 1995-2000. Nesta pesquisa partimos da
constatação de uma “idéia forte” da cidadania, impondo-se como uma evidência e uma necessidade reafirmada nos
discursos políticos. O objetivo principal desta pesquisa é a compreensão do jogo de imagens veiculando os símbolos e as
significações sobre esta relação na argumentação política que circulava no Brasil entre 1995 e 1997. [22]
3
A palavra povo é uma palavra não generalizavel e perigosa. Busnel e Tellier [3] notam que a unidade do povo é um
conceito procurando simplificar uma realidade social complexa e plural, escondendo atrás desta aparente unidade do povo
se esconde toda uma ordem de classes sociais, de comunidades de pertencimentos de estratos de grupos.
4
A base de compreensão da análise é a noção do imaginário social como instituinte do social-histórico, e, o socialhistórico como instituído. Isto, implica na compreensão das significações imaginárias sociais como criações contínuas,
num processo irredutível à lógica identitária. Em aceitar o indefinido presente nas construções simbólicas, nas
subjetividades, nos mitos e nas objetividades presentes no suporte da reflexão [4]
5
Os trabalhos realizados por Jacques Ardoino nos ajudam nesta compreensão da realidade como complexa e assim
homogênea e heterogênea, opaca e muldimensional exigindo assim uma compreensão multireferencial. [2]
políticos, em suas soluções propostas, que traduzirão o que nomeamos como “transfiguração”. Por
exemplo, a ação dos sujeitos implicados com o “fazer da política” sai dos compromissos de ação
pelo bem comum – no seu Estado, pela Nação - proclamados nas campanhas políticas. O discurso
no “fazer da política” se desloca do ideal do “bem do povo” e se refaz em atividades pontuais, ou
acordos com grupos economicamente fortes, movimentos sociais, grupos minoritários etc. O
homem político, em contradição e conflito “transfigura” o seu discurso pela educação, cidadania e
pelo povo brasileiro, em “missões” precisas. Assim, ele recupera para si mesmo sua imagem do
herói ou daquele que toma decisões para definição da política do Estado. 6
Nos discursos analisados7 buscamos o que poderia ser potencial de transformação ou de
“bloqueio” à autonomia e participação. Observamos, por exemplo, as reafirmações de continuidade
6
Os trabalhos de Norbert Elias [7] clareiam nossa compreensão do duplo como “double lien” nas configurações que os
homens estabelecem entre si numa relação de interdependência [8].
7
O suporte das análises consiste em diferentes discursos: O discurso oral de dezoito políticos parlamentares da Comissão
de Educação e Desporto da Câmara dos Deputados Federal. 2. Entrevistas com onze funcionários que ocupam postos no
governo central. 3. Editoriais do primeiro ano do governo do Presidente eleito Fernando Henrique Cardoso. 4. O discurso
de posse (1995) e o programa de campanha de 1994.
Lista dos políticos trabalhados neste artigo
N°:
Partido Profissão antes Situação na Comissão Local da entrevista
Situação no momento da
de ser político de Educação
entrevista
POL.01 PFL
Agronomo e Titular
Sala de trabalho na Sozinho e sem interrupção
Professor
Câmara Federal
POL.02 PDT
Advogado
e Titular e Presidente da Sala na Secretária da Com muita interrupção
Prefeito
Comissão de Educação Comissão
POL.03 PSDB
Advogado
e Titular
Sala de trabalho na Sozinho e sem interrupção
Prefeito
Câmara Federal
POL.06 PSDB
Professor
Titular
Sala de trabalho na Sozinho
mais
com
Câmara Federal
interrupções
POL.07 PL
Diplomata
Titular
Reunião do Partido Com membros do partido
no seu apartamento
POL.09 PMDB Prefeito
e Titular
Sala de trabalho na Sozinho e sem interrupção
Dentista
Câmara Federal
POL.10 PMDB Professor
Titular
Sala de trabalho na Sozinho
e
sem
Câmara Federal
interrupções
POL.11 PMDB Professor
Titular
Sala de trabalho na Sozinho com interrupções
Câmara Federal
POL.16 PT
Professor
e Titular
Sala de trabalho na Sozinho
e
sem
Padre
Câmara Federal
interrupções
Lista de Funcionários trabalhados neste artigo
N°:
Função que exerce
Profissão antes ou Local da entrevista
Situação no momento da
cocomitante
entrevista
E.F.01
Assessor de députado do Pesquisador no CNPq No seu escritório
Sozinha com interrupção
PT
E.F.02
Funcionário do Setor de Sempre foi funcionário Secretária
Sozinho
com
muita
Taquigrafia da Câmara
interupção
Federal
E.F.06
Funcionário do MEC
Funcionário
da Sala de Coordenação Sozinho com interrupção
Câmara Federal
da
Campanha
Acorda Brasil- É
Hora da Escola
E.F.07
Funcionário do MEC
Professor/ Assessor da Sala de Trabalho no Sozinho com interrupções
Secretária de Educação MEC
do Estado de São Paulo
E.F.09
Professor e membro do Professor
Lanchonete
da Muito barulho
sindicato
Câmara Federal
E.F.10
Membro do Conselho Professor
Sala do Conselho Sozinho sem interrupção
Nacional de Educação
Nacional
de
Educação
do autoritarismo do Poder Executivo numa contradição em relação com a abertura democrática: o
governo atual é pior que a ditadura exclamam indignados vários políticos. Ou, a ditadura era
melhor para com a produção cientifica E.F.1. Ou ainda, as contínuas afirmações de impotência
traduzidas por “um sempre foi assim no BrasilPOL.3..8
Como exemplo de incoerências e indefinições, encontramos expressões políticas reveladoras
de uma concepção do homem/cidadão brasileiro. A cidadania corresponde à prática política de
participação e de construção da autonomia do sujeito. Assim, enquanto um projeto social, que vise
ao exercício da autonomia corresponde a um estado inacabado de ser do cidadão. Não é suficiente
ficar sentado e esperando que alguém defenda os seus direitos EF2. Isto implica a busca constante de
formas e espaços de participação social e política.9 Todavia, como o brasileiro se sente enquanto
um cidadão? – Pergunta um político –, nós não temos isto nítido pois, nós não temos uma “massa”
de cidadania POL.10. Desta forma, as imagens implicadas nos discursos analisados, como significações
sociais e históricas, traduzem a criação dos sentidos extraordinários e mágicos. O discurso do
progresso, da nação, da participação são invariantes nas falas dos sujeitos.
As variâncias correspondem ao que escapa a continuidade de imagens, e, dentro delas nos
encontramos o extraordinário e o mágico. O “sacrifício”, a “missão”, o “medo”, são exemplos de
elementos que saem nos discursos caracterizando sua desestruturação. Centrado no passado, o
discurso extraordinário constitui o discurso da nostalgia e da negação das mudanças próprias ao
discurso ordinário. Nomeamos como mágico o que sai da junção do ordinário e extraordinário mas
que adquire nas mensagens uma força mobilizadora por excelência. O discurso mágico no “fazer da
política” é o discurso da produção de efeitos. Este discurso não é centrado em nenhum tempo mais
na junção de temporalidades pois se constrói a partir dos efeitos que produz.
O ponto de referência destes sentidos é o discurso ordinário da política contemporânea
brasileira. Na argumentação política que circulava no Brasil entre 1995 e 1997, é continuamente
afirmada a necessidade de participação do cidadão nos processos de decisão política para a
educação. As reiterações da palavra “participação” à torna uma palavra mágica. Uma participação
social que aparece como central no discurso político para a educação do candidato e Presidente
eleito Fernando Henrique Cardoso.10
No discurso do governo que se inicia em 1995, atualizar o País corresponde a implementar
novas políticas de gestão. Para isto, os conceitos de solidariedade, de participação e de autonomia
transformam-se em apelos de propaganda e instrumentos da ação política. A decisão do Presidente é
louvada como uma real e enfim concretizada vontade política de resolver o problema numero um do
Brasil: a educação, ufana o editorial Educação- Já, do Jornal do Brasil, no primeiro ano do
governo.
Estes conceitos, associados à educação escolar e ao exercício da cidadania, implicariam na
participação da comunidade na prática da gestão pedagógica. A ação política da escola deverá ser
ampliada, adequando-se à construção de uma nova ordem global: pragmática, cientificizada, e,
influente na criação de novas formas de participação locais.
Neste discurso existe a certeza das medidas tomadas pelo poder central. Mas, é um discurso
profético e oracular, o qual divulga numa visão antecipada um acontecimento. Nas suas mensagens,
8
A análise compreensiva é utilizada na interpretação do conjunto dos discursos (Kaufmann, 1996). Nesta forma de
análise dos dados parte-se do pressuposto de que os homens como produtores ativos do social têm um saber que deve
ser analisado a partir do interior, pelo sistema de valores do indivíduo. Contudo, a compreensão da pessoa é apenas um
instrumento. O objetivo do pesquisador seria a explicação compreensiva do social (Kaufmann, 1996, p.23). Esta
metodologia completa nossa aceitação do discurso como ato da palavra em processo que implica as contradições, as
incoerências e as indefinições.
9
Na interligação homem/cidadão buscamos a superação da dicotomia entre o que é considerado como pertencente ao
cidadão: aquele que tem não só o dever mas o direito de participar. Isto corresponde à superação do pensar disjunto no qual
as objetividades e as subjetividades são percebidas como domínios distintos e numa relação causal.[12]
10
O objetivo declarado do governo é a atualização rápida da sociedade brasileira: é necessário atualizar a escola definindo
as prioridades do sistema de ensino. As imagens presentes no programa de campanha, do então candidato, são reforçadas
pela idéia que as exigências de um mundo de novas tecnologias, da informatização e de novos modelos de consumo se
impõem à educação. [22]
especialmente quando em campanha, o homem da política trabalha com a idéia da certeza das
decisões tomadas como corretas. Todavia, a confusão entre os significados de povo e de sociedade
coloca em dúvida a certeza que caracteriza o discurso ordinário. Na negação explicita da dúvida e
reafirmação constante da certeza predominante metáforas e símbolos são construídos ligados ao
tempo de um futuro certo e bom do Brasil. A imagem do destino ao progresso aparece como de
alcance imediato. Se o País renasce, no desejo do discurso ordinário, faz-se preciso um crescimento
rápido. É necessário também sincronizar não importa sob quais meios, o tempo, dentro das várias
instâncias de decisão política.11 No discurso que se faz como ordinário, a afirmação de mitos
brasileiros reencontrando, por exemplo, os apelos ordinários com o slogan da “comunidade
brasileira como naturalmente solidária”.
Esta imagem, de um destino certo ao progresso, exprime contudo o real da crise brasileira.
Afirmando o destino profeticamente e a existência de uma crise moral de gestão do setor público, o
discurso político ordinário invoca esta imagem: a sociedade que coopera e é solidária.
O duplo entre certeza > progresso, e, incerteza > crise, prepara a cena discursiva para
aplicação do novo: nós devemos mudar paradigmasE.F.6. Largamente divulgado, pelos organizadores
da campanha Acorda Brasil – É hora da Escola, as reiteração sobre a necessidade de mudar
paradigmas, demonstra as incertezas. Afinal, a campanha afirma como mitos brasileiros questões
concretas, ligadas à história política educativa brasileira.12
Como instituir um novo modelo numa sociedade brasileira caracterizada como paternalista?
Como, enfim, garantir a certeza do progresso existindo uma crise de representação política? Qual o
verdadeiro sentido da solidariedade brasileira? As imagens do povo e do “fazer da política",
justapostas, se confundem, unem políticos e povo no tempo e no espaço político. O discurso
ordinário de atualização do governo, como um discurso oracular, constitui-se em paradoxos pois a
proclamação do oráculo se caracteriza pela conjugação da certeza e incerteza. Assim, o discurso
ordinário é na verdade o discurso da crise.
Contudo, como o discurso do destino certo do progresso, o discurso ordinário se refaz como
norma e propõe o novo paradigma centrado em dois eixos:
1.
A necessidade de uma “visão realista” conduz aos discurso pela “moralização do
público” e substituição do princípio igualitário pelo princípio da “eqüidade
social”.
2.
O eixo da “liberdade/cooperação” conduz aos discursos de progresso pela
solidariedade social de acordo com o desenvolvimento da globalização.
Neste artigo nos deteremos nos desdobramentos do primeiro eixo de mesmo que
mantenhamos eixo da “liberdade-cooperação como pano e fundo na construção dos argumentos
discursivos. A luta pelo « respeito às diferenças » dos grupos minoritários traduz o princípio da
igualdade pela diferença. Em substituição ao “princípio da igualdade” o princípio da “equidade
social” torna-se justificador à política educativa. Percebemos estes princípios não em oposição e
sim, entrecruzados, no acordo das necessidades do “fazer da política”.
A IGUALDADE PELA DIFERENÇA
A busca de compreensão das necessidade no “fazer da política” nos conduz a crise do
Estado do Bem-Estar-Social. Segundo Rosanvallon (1995, p.9), a crise atual consiste no início de
11
Isto fica nítido nas análises sobre a nova LDB. A palavra gestão se torna central mas ela não poderá ser compreendida
desconcertada da sincronização do tempo. É o tempo que o aluno permanece no ensino fundamental – um tempo que não
passa – que determinará a adoção do princípio da progressão contínua.[22]
12
Este slogan constitui um dos meios utilizados nos discursos da política. Os meios utilizados são da ordem do racional,
mas também da ordem do afetivo : os sentimentos do público brasileiro em relação a universidade. Por exemplo, para os
organizadores da campanha Acorda Brasil – É hora da Escola, existem três mitos presentes na mentalidade do povo
brasileiro: 1 A descrença do povo nas mudanças conduziria ao mito “a educação impossível”. 2.A confusão entre Estado e
Nação corresponderia ao mito da “unidade nacional”. 3. A “corrida” pelas vagas na universidade pública implicaria no
mito do “desejo de ser doutor”.[22]
uma crise filosófica que retoma a raiz da questão dos direitos tal qual havia sido formulada no
século XVII segundo o individualismo liberal.13 Nós interpretamos a afirmação de Rosanvallon pela
substituição do princípio de uma igualdade universal – presente no conceito de cidadania – pelo
princípio da igualdade pela diferença. Hoje, existe, uma noção de cidadania muito importante na
recuperação da igualdade pela diferença EF.10.
Na verdade, os discursos atuais tratam de um novo instrumento conceitual introduzido nos
discursos da cidadania e utilizados pela política do Estado. A característica moderna da luta política
atual refletiria a luta de blocos de status ou de comunidades de interesses: a raiz é o reconhecimento
e respeito das diferenças de raça, de sexo etc. (Turner, 1989, p. 63-68). A luta política é então
localizada nos grupos e nos movimentos sociais.
Todavia, observamos no imaginário político global uma nova direção do sentimento de
solidariedade do povo como ligado ao amor à Pátria, a existência de uma homogeneidade do corpo
político. Eu não posso, diz um político, ser um cidadão sem minha formação profissional mas em
relação ao conceito da cidadania? Eu devo dispor do conjunto de valores da minha Pátria e estes
valores não são colocados à disposição de todosPOL:02.
O povo como uma entidade abstrata e homogênea está contido pela noção da Pátria: todo
cidadão deve ter o sentimento por sua Pátria. Uma cidadania adquirida pela educação, pela saúde,
pela segurança e pelo amor... o amor à Pátria, precisa um político. O valor do amor à Pátria é
sagrado POL.9 Lembramos a antiga imagem continuamente reafirmada de uma vontade geral – do
povo – unido com o dirigente político (Giradet, 1986, p.95). Este, por sua vez, posto como o
“salvador” e apenas concretizador desta vontade respeitada. Fernando Henrique Cardoso fez muito
para melhorar. Falta confiança no povo? O Presidente faz um grande esforço para conquistar esta
confiançaPOL.1.
O M.E.C. só executa a vontade geral. Esta vontade geral é explicitada nos anúncios
de campanha do Presidente. Tudo foi conseqüência dos debates sobre o Plano
Decenal de Educação para Todos que tinha mobilizado praticamente todo o Brasil e
constitui a origem direta da criação de uma agenda mínima e consensual E.F.7..
Esta citação nos reconduz a outras imagens, percebidas e justapostas. Por exemplo, a
imagem do “corpo político” que sustenta “o amor à Pátria” e a imagem da “fragmentação de
corpos políticos” que é presente no discurso contemporâneo do “respeito à diferença”. No “fazer da
política”, o princípio igualitário continuará a ser afirmado no que se refere a substância da lei.
Contudo, em relação aos direitos políticos, submetidos ao crivo dos grupos considerados
minoritários sustentarão os apelos ao que será considerado como “politicamente correto”,
escondendo mais que revelando mitos brasileiros de uma sociedade aberta e antiracista (Ianni,
1987).
Estes dois aspectos formam um discurso e dupla entrada para o Estado contemporâneo. De
um lado, a substância de uma cidadania centrada no indivíduo, constituirá o ponto de partida do
papel deste Estado, como equalizador das diferenças. Este é o contexto dos apelos de uma
sociedade solidária. Em relação aos qualificativos do cidadão, temos o cidadão consumidorPOL.11,
explicita indignado um político. Mas, este cidadão deve ser o contribuintePOL:01, afirma um outro
político. Enfim o cidadão é o parceiro dos projetos dos Estado, em liberdade-cooperação. Explica
então, um representante do sindicato: a comunidade neoliberal não é a comunidade dos
cidadãosE.F.09. Por outro lado, a supervalorização do indivíduo retoma a substância igualitária,
substituindo-a de acordo com as necessidade do “fazer da política”. Estas questões são explicadas
nos discursos analisados a partir dos qualificativos: de uma dimensão negativa, do discurso do moimêmeE.F.10., que corresponderia a super-valorização do individualismo contemporâneo, e, de uma
dimensão positiva pois, a partir das demandas dos grupos e dos movimentos começa a aparecer
uma maior consciência do respeito à individualidade das pessoas E.F.10.
13
La crise philosophique conduit à reprendre à la racine la question des droits telle qu’elle a été formulée dès le XVII
siècle selon l’individualisme libéral.
O duplo nas expressões “movimento social” e “cidadania organizada” se reproduz na
medida em que estas expressões significam de um lado, a ação de resistência do sujeito/ator social.
Por um outro lado, estas expressões correspondem a instrumento suplementar dentro da retórica
política. Isto, porque, os direitos políticos e sociais da cidadania encontra conforme percebemos, o
ponto de apoio atual, no princípio da igualdade pela diferença. Todavia, este princípio é de fato
definido pela aceitação. É o quem, o como e onde participa que determinará o reconhecimento e o
respeito das diferenças pelo poder estabelecido. O extraordinário e o mágico se encontram.
O discurso é mágico na construção dos efeitos à que conduz o uso da palavra participação
como símbolo da cidadania ativa e organizada. Por exemplo, o sentido mágico nos discursos, se
encontra na norma não dita de quem é o cidadão apto a participar. Existem os procedimentos
considerados corretos à esta participação. No relato abaixo a esquerda brasileira seria o grande
impedimento à participação da sociedade, pois afastaria o cidadão contribuinte:
A esquerda se refugiou nas organizações da sociedade civil. Eles criaram uma
polarização entre a sociedade e o governo. Eles tinham o controle do dinheiro. A
sociedade tinha mecanismos rápidos e interessantes. Participar significa tomar parte
se associando à um projeto democrático. A presença dos militantes de esquerda
contribuiu para a polêmica em relação aos fundos financeiros. A sociedade brasileira
é conservadora e a esquerda impede a cidadania POL.:01.
A argumentação do político faz um desvio na definição da tarefa do governo e defini a
sociedade como uma organização constituída de mecanismos rápidos e interessantes, e, classifica a
“esquerda” brasileira como a grande vilan na medida em que impediria a cidadania. Vejamos a
frase: O governo deve gerir os recursos, ele contribui graças a legitimidade que o povo lhe dá POL.:01.
A legitimidade é dada pelo povo? Ou, a legitimidade é dada sociedade/empresários? Governo e
empresários são confundidos.
No relato que segue o povo manipulado repete o discurso da impressa e não se reconhece
sem os direitos da cidadania:
O povo da periferia está fora do processo político. Nós não temos espaço físico. O
espaço é insalubre. É difícil trabalhar com o povo. Eu fiz um trabalho com os
catadores de lixo. Nós aplicamos uma estratégia para levar a participação do povo.
Durante nove meses, mesmo com dinheiro não conseguimos nada. Nós tentamos fazer
uma reunião para discutir. Eu falei com cada um individualmente. Então eu decidi de
montar uma estratégia.Nós preparamos um lanche. Mas, eles não vieram. Eles estão
habituados a cheirar “cola”.
Depois de noves meses, começamos a sentir algum efeito. Mas, não sentimos nenhum
verdadeiro avanço. Somente talvez três ou quatro pessoas. E mais? Marx, havia
razão. Eles tem uma cabeça de burguês. Uma das coisas que mais me feriu em
escutar. Foi, numa reunião de uma comunidade pobre, as pessoas a repetir as criticas
dos jornalistas sobre os Sem-Terra. Uma faxineira que não se considerava como
pobre POL.:16.
O extraordinário põe a dúvida na certeza ordinária e reafirmada no « fazer da política”.
Eu não tenho um discurso para o favelado. As pessoas que estão a passar fome são
muito negativas. A educação é a condição pois, é através da educação que nós vamos
realmente formar cidadãos. Estas pessoas não tem a educação como um instrumento
de mudanças pois, eles estão a passar fomePOL.10.
Estas longas citações nos conduzem à constatação de que novos acordos simbólicos são
feitos alternando-se imagens com outras há muito sedimentadas. O mágico é o discurso da
diferença de participação política entre o povo e a sociedade. Mas, no mágico está contido o
extraordinário das imagens sedimentadas. O povo brasileiro permanece associado ao Zé Povão,
ignorante, alienado e negativo.
A EQÜIDADE SOCIAL
A grande polêmica de fundo neste relato é em torno da racionalidade econômica pois, as
medidas da política deve passar pela racionalização de despesas com a maximização dos resultados
econômicos, e, uma minimização da participação do Estado na resolução da questão social. Desta
forma, na ótica do governo o grupo classificado como de esquerda, não teria, a visão realista
necessária ao desenvolvimento ou ao progresso desejado pelo governo.
A principal questão no discurso ordinário é estimular formas de participação do
povo/sociedade brasileira. O princípio da equidade social traz ao cenário político questões ligadas
ao atraso regional. A qualidade do trabalho seja dos indivíduos, seja das sociedades, tomadas em si,
é fragmentada em comunidades que gestionam a “coisa pública”. Isto define o respeito pela
competência e o atendimento pelo Estado às diferenças: o governo na sua função distributiva ajuda
os Municípios mais pobres pois, o cidadão é aquele que merece ter oportunidades POL.:01. A
cidadania é associada ao mérito das individualidades. Ao poder central caberia o respeito às
diferenças na aplicação da sua política distributiva. É do reconhecimento e definição do que é a
qualidade de ser competente que o Estado desenvolverá o slogan educativo “do direito universal ao
acesso”, sustentando o princípio da “equidade social”.
A ambigüidade da utilização do princípio da igualdade pela diferença conduz ao mesmo
tempo ao combate às discriminações técnicas, sociais e do mercado EF.10. Estas demandas alimentam
o discurso neoliberal e constitui um nível importante na compreensão do « fazer da política ». A
equidade e a participação pressupõem a organização de todos em direção a um grande projeto
nacional para consolidação da democracia na América Latina. Isto constitui o grande desafio das
políticas governamentais (CEPAL. UNESCO, 1995, p.7).
No discurso atual brasileiro o governo é considerado liberal mas, ele é o espaço da
equalização social POL.01.A substituição do princípio da universalidade pelo princípio da equidade
social deverá conduzir à formação dos cidadãos conscientes de sua responsabilidade. Isto pressupõe
que eles sejam solidários e ativos para assumir as tarefas que são próprias da qualidade de membros
de uma organização tendo um projeto comum (CEPAL. UNESCO, 1995, p.199). Desta forma,
enquanto o discurso do princípio da “igualdade pela diferença” tem sua origem nos movimentos
sociais, comunitários e dos grupos considerados minoritários, os argumentos em direção do
“princípio da equidade” têm o seu fundamento no discurso sobre o progresso da técnica. É o
progresso que serve de impulso à produtividade e se torna um motor da democracia.
O aumento da produtividade é motor do progresso e da democracia e a educação se torna um
elemento mais do que nunca necessário. A grande questão concerne no modelo de desenvolvimento
sustentado dentro da qual as antigas mensagens relacionadas com o princípio da igualdade não tem
mais espaço considerável na realidade. Esta realidade impõe três aspectos centrais no discurso da
equidade: a competitividade, a competência e a descentralização: a competitividade que conduz ao
aumento do nível de vida é baseado sobre a difusão do progresso técnico. Seu caráter sistêmico
exige um nível adequado de coesão social e de equidade (CEPAL. UNESCO, 1995, p.38).
Lembramos que os discursos se refazem como extraordinários e mágicos na construção dos
efeitos à que conduz o uso da palavra participação na política de gestão. Como desenvolver uma
política de eqüidade social se nós não teríamos uma massa de cidadania? Não ter cidadania nos
conduz a imagem de algo informe e uniforme, sem rosto, e, a própria negação de uma cidadania
ativa.
Se o povo brasileiro é nestes discursos o povo-vítima,14 e povo-ignorantePOL:09é um povo
também solidário. De uma solidariedade diferenciada entre o Sul e o Norte, NordestePOL:06. Neste
14
O Editorial Vitrina Fechada do jornal Estado de São Paulo relata o recuo do ministro Paulo Renato de Souza no
anúncio da Medida Provisória n° 988 que trata do “provão” e da escolha dos dirigentes universitários. Neste relato o
Ministro e o povo são colocados como vitimas e as universidades públicas, com interesses corporativos minaram o
processo, pois os resultados dos alunos das instituições federais poderiam atestar claramente suas despesas (…) os
maus resultados atestariam a necessidade da substituição do corpo de professores (...) os círculos de poder se mantém
com as mesmas idéias sobre a universidade financiada com o dinheiro público. [24]
sentido, o ser solidário e o ser ignorante culturalmente se encontram nos discursos: As pessoas são
mais exigentes no Sul. Mas, a solidariedade e a humanidade são mais desenvolvidas no Nordeste
POL:06
.
O tempo distinto de desenvolvimento implica no não saber da política e assim, do ser
cidadão. Afinal, o povo das regiões pobres não sabem escolher os seus representantes: se o povo
não sabe votar? Isto é conseqüência da falta de discussão, de cultura, do atraso regional! Porque o
povo é diferente em função da região. O mal vem das escolhas nas regiões pobres que são
submetidas às práticas de compra de votosPOL:09. O tempo distinto do povo, de acordo com a região,
determinaria a associação da heterogeneidade de saberes e formas de aplicação da política
eqüitativa: pois, nós temos tempos diferentes e no Nordeste predomina o atrasoE.F.:07.
Neste emaranhado de sentidos e imagens sobre o povo brasileiro o mais importante é
ressaltar que o duplo nos discursos se faz pela distância entre dois acontecimentos: 1. A luta pelo
“respeito às diferenças » dos grupos minoritários traduz o princípio da igualdade pela diferença. 2.
A substituição ao “princípio de uma igualdade universal” pelo princípio da “equidade social”
É na distância entre os dois acontecimentos que se coloca a incerteza em um discurso que no
ordinário prega a certeza no desenvolvimento de suas metas através da participação do povo
brasileiro. A ênfase colocada na força dos grupos específicos, dos movimentos dos grupos
indígenas, negros, de pais de alunos etc., esconde, mais que revela o verdadeiro acontecimento: o
princípio da eqüidade social como o mais adequado a modelo neoliberal adotado no País. Este é o
verdadeiro ponto de partida da política atual. Esta é a unidade do discurso ordinário: o fundamento
da estrutura oracular.
O desejo de uma unidade e a realidade de uma fragmentação impõem uma organização e
uma logística e de procedimentos sobre o onde, o como e quem deve participar de acordo com a
ótica do poder (Chauí, 1982). Como desdobramento desta unidade, na visão realista – eixo do novo
paradigma - predomina então, a idéia de moralização do setor público. O extraordinário e o mágico
se confundem no tempo e no espaço para a ação política. É neste momento que se configura a ilusão
de sua ação. Na relação (de tempo e de espaço) a idéia de “unidade do povo” sustenta-se na
homogeneidade que contém a significação social de sua “vontade soberana”. Uma força do povo,
que o povo brasileiro desconhece: as pessoas não se dão conta de que têm um poder imenso nas
mãos POL.06 Um político recorre então, ao passado recente do Brasil e explica: talvez pelos 20 anos de
regime de exceção. Estes anos tivessem nos sufocado um pouco, explica um político. Não fomos
autores da história. Talvez tivéssemos nos sentido como coadjuvantes desta história. POL.10
Este mesmo político associa a situação brasileira a idéia da não existência de uma massa de
cidadania. Nada é mais distante do que podemos pensar sobre a noção de autonomia dos
sujeitos/cidadãos, coadjuvantes da história, que liga-los a esta imagem de uma “massa”. Este
qualificativo de “massa” acrescido da idéia da unidade do povo constituem slogans nos discursos do
“fazer da política”. Para nós, o mais importante é concluir este artigo, ressaltando o
desconhecimento do saber da e na política. Não sabemos os sentidos das palavras que são utilizadas
nos discursos políticos. Repetimos slogans. O "fazer da politíca" é também – além do espaço dos
acordos secretos e escusos - o fazer pela delegação de autoridade de quem deverá ser porta-voz
deste saber.
Nos discursos : 1.O homem político parlamentar é o vilão. 2. A sociedade brasileira vive um
momento de grande apatia em relação à atividade política. 3. Imagens do povo alternam : a
ignorância, a submissão, a não esperança e a alienação. 4. Mas, o povo tem uma vontade soberana
e como tal, respeitada pelos centros de decisão política. 4. Na sociedade conservadora se encontra,
na fala do homem da politica, a sabedoria quanto as formas corretas de exercer a “cidadania ativa”.
Percebemos, assim, no desconhecimento que transfigura, nos discursos da política, os
sentidos extraordinários tornando em efeito mágico o discurso da participação política do povo
brasileiro. Nas incoerências e ambiguidades predomina na atualidade o discurso da transparência
nos ditos e nas ações que tratam da qualidade e de uma competência à participação do que deverá
ser, antes de tudo, reconhecido como correto pelo poder.
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