_________________________________ IV SIMPÓSIO NACIONAL ESTADO E PODER: INTELECTUAIS ________________________ 8 a 11 de outubro de 2007 Universidade Estadual do Maranhão São Luís/MA TRAJETÓRIA E ASCENSÃO SOCIAL DE JOSÉ MARIA DA SILVA PARANHOS: o jornalismo como estratégia (1850-1851) Brenda Coelho Fonseca (mestranda no Programa de Pós-Graduação em História Social da UFRJ; Bolsista CAPES) Resumo: Com o objetivo de compreender como se deu a ascensão social de José Maria da Silva Paranhos, o futuro visconde do Rio Branco, durante o II Reinado, conquistando um espaço privilegiado junto ao Imperador, além de ocupar os principais cargos do Império, este artigo analisa as especificidades de sua trajetória e sua entrada no clube político. Acreditamos que as crônicas publicadas por Paranhos, anonimamente, no Jornal do Commercio, durante os anos de 1850 e 1851, intituladas Ao amigo ausente, bem como sua mudança do Partido Liberal para o Conservador, serviram de estratégia para sua ascensão social e política. “Ainda não conheci pessoa mais inteligente e perspicaz” Pedro II, sobre Paranhos Um cronista na Corte Paranhos nasceu na Bahia, em 16 de março de 1819, filho de Agostinho da Silva Paranhos, comerciante português, e Josefa Emerenciana Barreiros Paranhos, de família de militares. O pai morreu na infância de Paranhos, ficando sua herança comprometida por dívidas, cobradas por um parente e sócio de Agostinho.1 1 Josefa Emerenciana separou-se do primeiro marido João da Silva Telles, que retornara a Portugal, e se uniu a Agostinho da Silva Paranhos. José Maria da Silva Paranhos e seus dois irmãos mais velhos, Agostinho e Antônio, só receberam o sobrenome do pai quando este morreu em 1822. Após a morte do segundo marido, Josefa teve ainda uma filha, chamada 1 _________________________________ IV SIMPÓSIO NACIONAL ESTADO E PODER: INTELECTUAIS ________________________ 8 a 11 de outubro de 2007 Universidade Estadual do Maranhão São Luís/MA Com a morte de sua mãe, Paranhos partiu para o Rio de Janeiro, em 1836, onde ingressou na Escola da Marinha com a ajuda do tio materno, Eusébio Barreiros, militar do Corpo de Engenheiros e professor de Matemática da Escola Militar. Em 1841, na conclusão do curso, foi promovido a GuardaMarinha. Em seguida, matriculou-se na Escola Militar, tornando-se dois anos depois tenente do Corpo de Engenheiros; é ainda designado, na mesma ocasião, para ensinar Artilharia na Escola da Marinha. Logo, se tornou – na Escola da Marinha e também na Escola Militar – professor de Matemática. No ano de 1842, casou-se com a D. Teresa de Figueiredo Faria, irmã de um amigo seu da Marinha, nascida no Rio de Janeiro e filha de um negociante português. Com D. Teresa teve nove filhos: José Maria da Silva Paranhos, posteriormente o Barão do Rio Branco; Maria Luísa, que fugiu de casa para se casar com José Bernardino da Silva, de origem humilde; Amélia, que se casou, em 1875, com Pedro Afonso Ferreira, bacharel em direito; Maria Honorina; Pedrinho, que era paralítico; Augusta Amélia, casada com Luís Cavalcanti, ambos morrem de tuberculose; João Horácio, que entrou para o exército em 1880; Luisa que também morreu de tuberculose; e Alfredo, boêmio, foi morar com a mãe em Paris em 1894, morreu de congestão pulmonar.2 No Partido Liberal, Paranhos foi eleito deputado provincial no Rio de Janeiro, em 1845. Contribuindo para sua eleição a atividade jornalística, desenvolvida desde o ano anterior, quando se tornara redator do Novo Tempo, folha liberal da época. Seguiu, a despeito da imersão na política, com suas atividades docentes na Escola Militar, lecionando Matemática. Maria Luísa, com o juiz de órfãos Luis Paulo de Araújo Bastos, o Barão de Fiais. Enquanto o filho mais velho, Agostinho, “se perdeu” na vida boêmia em Salvador, Antônio fez carreira no exército e acompanhou José Maria em sua missão ao Prata, sobre Maria Luísa, a única a informação é que José Maria providenciou seu enterro, além de nunca ter freqüentado a casa do irmão, cheia de figuras ilustres do Império. Ver: MOURA, Cristina Patriota de. Herança e metamorfose: a construção de dois Rios Brancos. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, CPDOC/FGV, n. 25. Ano: 2000/2001. p. 6, 9 e 11. 2 Ibidem. p. 11 e 12. 2 _________________________________ IV SIMPÓSIO NACIONAL ESTADO E PODER: INTELECTUAIS ________________________ 8 a 11 de outubro de 2007 Universidade Estadual do Maranhão São Luís/MA Foi designado ao cargo de secretário da Província do Rio de Janeiro, e em 1847, nomeado vice-presidente da mesma província, porém o presidente Visconde de Sepetiba, eleito senador, deixou a presidência e Paranhos acabou assumindo a província de maio a setembro. Contava ele 26 anos de idade. Já em 1848, entrou para o Correio Mercantil, jornal também ligado ao Partido Liberal. Nesse mesmo ano, é nomeado Catedrático da cadeira de Artilharia e Fortificação da Escola Militar. Nota-se, que Paranhos rapidamente ascende de deputado a presidente da Província do Rio de Janeiro, fato destacado ironicamente anos mais tarde por Quintino Bocaiúva afirmando que Paranhos não subiu, mas sim escorregou para cima.3 A década de 1840 – após o período da Regência, marcado por revoltas – foi apontada por Justiniano José da Rocha, jornalista conservador, como reação monárquica. Conhecido como o regresso conservador, esse período devolveu ao governo central os poderes perdidos com a legislação descentralizadora da Regência, principalmente o Ato Adicional de 1834 e o Código de Processo Criminal de 1832. 4 Afirma o jornalista que “tal foi a obra da reação monárquica, tão completa como havia sido a da ação democrática; uma partira do medo e da suspeita contra o poder e o aniquilara; a outra, do medo da turbulência e do horror ao tumulto e à anarquia, e aniquilara a liberdade”.5 3 BESOUCHET, Lídia. José Maria da Silva Paranhos – Visconde do Rio Branco. Ensaio históricobiográfico. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985, p. 62. 4 Em 1840 foi interpretado o Ato Adicional, em 1841 foi reformado o Código. Assim, as assembléias estaduais deixaram de ter jurisdição sobre os funcionários do governo central; o funcionalismo da Justiça e da polícia passou a ser controlado pelos ministros da Justiça e do Império, entre outras mudanças. Com a maioridade em 1840, voltou o Poder Moderador e o Conselho de Estado. CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 249-256. 5 ROCHA, Justiniano José da. Ação, reação e transação. In: MAGALHÃES JR, Raimundo. Três Panfletários do Segundo Reinado. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1956. p. 211. 3 _________________________________ IV SIMPÓSIO NACIONAL ESTADO E PODER: INTELECTUAIS ________________________ 8 a 11 de outubro de 2007 Universidade Estadual do Maranhão São Luís/MA Em 1842, os liberais revoltaram-se contra as leis de interpretação do Ato Adicional de 1840 e a reforma do Código Criminal de 1841 promovidas pelos conservadores. No entanto, ao assumirem o poder, em 1844, perceberam a utilidade para o exercício do governo. Em quatro anos no poder, os liberais continuaram seguindo os mesmos princípios do regresso conservador. Em 1848, ocorreu o último recurso às armas por parte dos liberais, com a revolta da Praia em Pernambuco, promovendo o domínio completo dos conservadores por meio de seu grupo mais representativo, os saquaremas do Rio de Janeiro. Honório Hermeto Carneiro de Leão, o futuro Marquês de Paraná, em 1848, presidiu a província de Pernambuco após a derrota dos liberais e percebeu a necessidade de promover um entendimento entre os partidos, dadas as possíveis conseqüências do monopólio do poder pelos conservadores, tendo em vista os conflitos anteriores. O ano de 1850 foi um marco decisivo. Estava no governo, desde 1848, um ministério solidamente conservador. Além de Araújo Lima (depois Marquês de Olinda), pela segunda vez a “trindade saquarema” da província do Rio – Euzébio de Queiroz, Paulino José Soares de Souza (depois Visconde do Uruguai) e Joaquim José Rodrigues Torres (depois Visconde de Itaboraí). A Câmara era praticamente unânime: um liberal entre 110 conservadores. Nesse ano, Paranhos passou para o Jornal do Commercio, e a seguir, começou a publicar, anonimamente, as crônicas semanais, intituladas Ao amigo ausente. Segundo Joaquim Nabuco, “Paranhos era um homem de talentos e faculdades diversas. (...) Como jornalista mostrara-se natural, simples, preferindo a lucidez do pensamento ao ornato litterario.” 6 As crônicas, em forma de cartas, saíam na segunda página do jornal com o título Comunicado e narravam a vida da Corte brasileira na década de maiores transformações para o II Reinado. Nelas, Paranhos versava sobre 6 NABUCO, Joaquim. Um Estadista do Império – Nabuco de Araújo – sua vida, suas opiniões, sua época, por seu filho Joaquim Nabuco. Rio de Janeiro: H. Garnier, [1897]-1927. p. 167. 4 _________________________________ IV SIMPÓSIO NACIONAL ESTADO E PODER: INTELECTUAIS ________________________ 8 a 11 de outubro de 2007 Universidade Estadual do Maranhão São Luís/MA assuntos como economia, política interna e externa, modernização, progresso material, industrialização, vida social, literatura, entre outros. Ressaltando a grande preocupação com o crescimento do Brasil, incluiu nas propostas de suas cartas todos os problemas materiais mais importantes discutidos na imprensa e tratados na tribuna do Parlamento. Nesse sentido, diz Paranhos em uma das crônicas: Enquanto uns sonham com a reforma desta ou daquela instituição política, e outros não dormem para vigiá-la e só cuidam de pôr-lhe bons contrafortes, os agricultores dão-se aos diabos porque as chuvas lhes embargam os gêneros nas estradas, os consumidores porque compram por dez o que lhe custaria cinco se não fôra aquêle motivo; (...) os costumes e sentimentos do povo se corrompem por falta de educação; a nossa mocidade não tem escolas e mestres hábeis que formem o seu coração, que cultivem o seu espírito, que lhe façam conhecer e amar o país, que enfim a leve pela senda da civilização com a rapidez das gerações européias. 7 Alguns autores que estudam as relações entre jornalismo e literatura no Brasil do século XIX afirmam que Francisco Otaviano de Almeida Rosa8 foi o “primeiro a cultivar entre nós o folhetim caracterizado pela leveza de estilo e variedade de assunto”.9 Suas crônicas publicadas sob o título de A Semana no Jornal do Commercio, entre 1852 e 1854, tinham como tema o dia-a-dia da cidade do Rio de Janeiro, retratado de forma peculiar pelo autor que ficou conhecido como “pena de ouro”. 10 7 PARANHOS, José Maria da Silva. Carta n. 23, 17 de maio de 1851, p. 128. Francisco Otaviano de Almeida Rosa (1826-1889) foi um importante político do II Reinado e que se tornou conhecido no meio literário por seus textos jornalísticos e poesias. Em 1896, foi escolhido pelo Visconde de Taunay como patrono da cadeira de número 13 da Academia Brasileira de Letras. Ver EWALD, Ariane. Crônicas Folhetinescas – subjetividade, modernidade e circulação da notícia. Trabalho apresentado no Seminário História e Imprensa, promovido pela UERJ em junho de 2003. p. 9. 9 FARIA, João Roberto. Alencar: A semana em revista. In: A crônica: o gênero, sua fixação e suas transformações no Brasil. São Paulo: Editora da UNICAMP; Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1992. p. 304. 10 EWALD, Ariane, 2003. Op. cit., p. 9. 8 5 _________________________________ IV SIMPÓSIO NACIONAL ESTADO E PODER: INTELECTUAIS ________________________ 8 a 11 de outubro de 2007 Universidade Estadual do Maranhão São Luís/MA No entanto, Ariane Ewald acredita ser José Maria da Silva Paranhos o precursor da crônica social no Brasil. Nesse sentido diz a autora: O Visconde do Rio Branco usa a forma de correspondência para narrar, às vezes em detalhes surpreendentes, a Corte brasileira no fim do ano de 1850 e durante o ano de 1851. O texto ainda não é “descontraído” como os de José de Alencar, em Ao correr da Pena, (1854-1855), e nem nos faz rir pela ironia como os de Machado de Assis, nos Commentarios da Semana e em Ao Acaso, mas já antecipa a forma que será empregada por Francisco Otaviano de Almeida Rosa em A Semana (1852-1854).11 Através das cartas abertas a um amigo fictício distante da Corte, Paranhos comentava, de forma bastante pessoal, o cotidiano da cidade e os principais acontecimentos da semana. A idéia de cronista que enviava cartas estava ligada à tarefa de historiar, mas sob o olhar de quem as escrevia e muitas vezes, podia se comportar como cronista-historiador Paranhos se intitulou – um “historiador de fatos”. 12 , como o próprio 13 O autor das cartas Ao amigo ausente explicou a razão de utilizar esse meio para publicar suas crônicas no jornal. Segundo ele, surgiu a partir de um artigo do Jornal dos Debates, cuja tradução foi publicada no Brasil, onde “alguns britânicos espertos, para escaparem à finta do correio, em vez de cartearem-se, correspondem-se por meio dos jornais em anúncios de tal sorte redigidos, que são para os profanos verdadeiros enigmas”. 14 As cartas Ao amigo ausente, além de fragmentos, são elementos do social que tornam perceptíveis as mudanças ocorridas no Rio de Janeiro e no Império em meados do século XIX. Esse período foi apontado por Capistrano de 11 EWALD, Ariane P.. Crônicas Folhetinescas; o renascimento da vida moderna no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Museu da República, 2005. p. 49. 12 Ver LOPEZ, Telê Porto Ancona. A crônica de Mário de Andradre: impressões que historiam. In: A crônica: o gênero, sua fixação e suas transformações no Brasil. São Paulo: Editora da UNICAMP; Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1992. p. 176. 13 PARANHOS, José Maria da Silva. Op. cit. Carta n. 1, p. 1. 14 Idem. 6 _________________________________ IV SIMPÓSIO NACIONAL ESTADO E PODER: INTELECTUAIS ________________________ 8 a 11 de outubro de 2007 Universidade Estadual do Maranhão São Luís/MA Abreu como o marco da história do II Reinado. A década de 1850, não assinalou no Brasil somente a metade do século, mas foi também o ano de inúmeras transformações que alteraram a fisionomia do país, no sentido de uma modernidade, com características centralista, imperialista e industrial.15 De acordo com Lilia Schwarcz, foi a década da estabilidade financeira e momento de paz no país e, com isso, crescendo a popularidade de D. Pedro II e do Império.16 A chegada do vapor, o fim do tráfico de escravos, o incremento da imprensa, as divergências partidárias, as questões sobre política externa, a aprovação do Código Comercial, a promulgação da Lei de Terras, a centralização da Guarda Nacional e o desenvolvimento das indústrias, foram as principais preocupações do momento, constantemente debatidas por Paranhos em suas crônicas. Assim, em contraste com o período anterior da Regência, bastante conturbado, teve início no Brasil uma nova era de relativa prosperidade. Pode-se dizer, como afirma o historiador Caio Prado Jr., que foi nesta época que o Brasil tomou conhecimento, pela primeira vez, do progresso moderno e uma certa riqueza e bem-estar material. 17 Nesse contexto, além de caracterizar uma fonte primordial para o conhecimento de um momento tão específico do Império, as cartas revelam também as idéias e o perfil de José Maria da Silva Paranhos ainda no início de sua carreira política. Mostram o seu interesse em discutir projetos de Brasil, com um discurso muito influenciado pela formação técnica que possuía. Para Besouchet18, a entrada no principal jornal conservador, refletiu sua consolidação política no Partido Conservador.19 A posição política de 15 ABREU, Capistrano de. Fases do Segundo Império. Ensaios e Estudos, 3ª série. Rio de Janeiro: Sociedade Capistrano de Abreu, 1938. 16 SCHWARCZ, Lilia Moritz. As Barbas do Imperador – Pedro II, um monarca nos trópicos. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 104. 17 PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1961. p. 113-235. 18 Ver BESOUCHET, Lídia. Op. cit., p. 67. 7 _________________________________ IV SIMPÓSIO NACIONAL ESTADO E PODER: INTELECTUAIS ________________________ 8 a 11 de outubro de 2007 Universidade Estadual do Maranhão São Luís/MA Paranhos, concernente ao seu liberalismo e conservadorismo causou polêmicas durante sua vida pública e sua aproximação com o Partido Liberal, enquanto jovem, foi bastante cobrada posteriormente. “Paranhos, entretanto, forja um liberalismo muito seu, aliás muito típico do conservador da época”20. Estava preocupado em buscar os progressos materiais, sociais e políticos para o seu país. Esses avanços, porém, deviam ser convenientemente ajustados, de forma segura e por meio de uma liderança nacional demarcada. “Mas ao mesmo tempo possui um conservantismo natural, de infância”21. Esta inclinação espontânea pela moderação política, posições desenraizadas de qualquer regionalismo e uma visão, sobretudo, nacional, o atraiu irremediavelmente para o Partido Conservador. Diante disso, Besouchet afirma que: Num artigo de Paranhos, datado de 1844, isto é, quando contava exatamente 25 anos, vamos encontrar tôda a linguagem típica do romantismo da época: exagêro sentimental das imagens, adjetivação excessiva e exaltada, mas já apresenta uma certa dose de comedimento, certa prédica de meio têrmo, fornecendo base para a formação de uma nova corrente de idéias até então desconhecida no Brasil, expressamente dividido por lutas partidárias. (...) Desde a época do “Correio Mercantil”, do “Novo Tempo”, até a do “Jornal do Comércio”, muda Paranhos de Partido, porém não de atitude. 22 A inserção de Paranhos no Jornal do Commercio pode ser vista como uma estratégia de ascensão política e social, numa sociedade cujos caminhos 19 Existem divergências quanto à mudança de Paranhos do Partido Liberal para o Conservador. Segundo o Visconde de Taunay, essa transferência se deu após sua entrada no Ministério da Conciliação (1853-1857), enquanto que Besouchet afirma que teria sido já durante seu trabalho junto ao Jornal do Commercio (1851-1853). BESOUCHET, Lídia. Op. cit., p. 67; TAUNAY, Visconde de. O Visconde do Rio Branco (Glória do Brasil e da Humanidade. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 1988. (Coleção Afrânio Peixoto). p. 82. 20 BOAVENTURA, Tomás de Aquino Silveira. A política externa brasileira na concepção do Visconde do Rio Branco. Dissertação de Mestrado (Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas, UnB, 1986. p. 8 21 Idem. 22 BESOUCHET, Lídia. Op. cit., p. 59. 8 _________________________________ IV SIMPÓSIO NACIONAL ESTADO E PODER: INTELECTUAIS ________________________ 8 a 11 de outubro de 2007 Universidade Estadual do Maranhão São Luís/MA da mobilidade social eram dominados pelo patronato e empenho, ou seja, os espaços da política eram, sobretudo, restritos aos que pertenciam a famílias influentes do período, onde os laços familiares favoreciam a entrada nos altos círculos da Corte. Algumas vezes, esse acesso se dava através do casamento com mulheres possuidoras de um bom dote, ligadas a famílias importantes.23 Para José Murilo de Carvalho, além do casamento, o talento jornalístico era um dos recursos “mobilizados por pobres inteligentes para furar as barreiras sociais. (...) Um jornalista bom de briga era indispensável aos partidos numa época em que a imprensa era tão importante, se não mais que a tribuna”.24 As crônicas evidenciam as propostas de Paranhos e suas idéias em relação ao Brasil. Seu discurso, fortemente influenciado pela sua formação técnica em Matemática e Engenharia, o diferia dos juristas, pois o curso de Direito era voltado à formação de homens encarregados de aplicar leis e defender os interesses da ordem. Desse modo, Paranhos afirma que: Se com efeito os nossos políticos, em vez de questionarem sôbre metafísica social, discutirem as necessidades da agricultura e da indústria do país, se, em vez da educação política exclusivamente ocuparem-se da educação moral do nosso povo, se, em vez de andarem à cata de um progresso de legislação que é muito contestável, emprenharem-se no progresso material do Brasil, ó! quanto não ganhará nossa pátria em paz, riqueza, ilustração e força!25 Paranhos prossegue dizendo que: De tôdas as partes do Império ouço vozes que gritam: “Deixemos de regular a administração pública pelos conselhos 23 Ver o caso de Antônio Nicolau Tolentino. CARVALHO, José Murilo. Veredas do Poder. Folha de São Paulo. Jornal de Resenhas, São Paulo, p. 10, 13 abr. 2002. Resenha do livro CANDIDO, Antonio. Um Funcionário da Monarquia – ensaio sobre o segundo escalão. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2002. 24 Idem. 25 PARANHOS, José Maria da Silva. Op. cit. Carta n. 18, 12 de abril de 1851, p. 94. 9 _________________________________ IV SIMPÓSIO NACIONAL ESTADO E PODER: INTELECTUAIS ________________________ 8 a 11 de outubro de 2007 Universidade Estadual do Maranhão São Luís/MA das paixões e pelas exigências dos interêsses pessoais; vamos promover a colonização, fomentar a indústria, explorar as imensas riquezas naturais com que a providência nos dotou, facilitar a exportação dos produtos do interior e as relações das províncias entre si!” 26 A maior parte da elite imperial tinha formação jurídica, já os indivíduos com menor poder aquisitivo podiam escolher a carreira eclesiástica, a Escola Militar, para seguir a carreira militar, ou a Escola de Minas para uma carreira técnica. Nenhuma dessas escolas cobrava anuidade, a Escola de Minas dava bolsa a alunos pobres e a Escola Militar pagava pequeno soldo. Paranhos se formou pela Escola Militar não obstante, atuou na área jurídica ao longo de sua carreira. 27 De acordo com John Schulz, a Escola Militar era uma ilha de instrução em uma sociedade constituída por uma maioria analfabeta.28 A educação militar salientava tanto a formação profissional quanto a formação técnica, formando oficiais, mas também engenheiros capazes de construir pontes e estradas.29 Os estudantes estavam em sintonia com os acontecimentos internacionais. Instruídos por engenheiros percebiam a importância da indústria e das ferrovias, além de verem a escravidão como obstáculo para a modernização e progresso do país. As discussões presentes nas crônicas de José Maria da Silva Paranhos, sobretudo as de política externa, levaram Honório Hermeto Carneiro Leão, em 1851, até a redação do Jornal do Commercio para convidar Paranhos 26 Idem. Paranhos ocupou o cargo de consultor do Ministério dos Negócios Estrangeiros (1862-1864), e emitia pareceres de cunho, sobretudo, jurídico. MELLO, Fernando Figueira de. O Visconde do Rio Branco: Entre a biografia estabelecida e a reconstrução da biografia. In: FRANCO, Alvaro da Costa. (Org.) Com a palavra, o Visconde do Rio Branco: a política exterior no Parlamento Imperial. Rio de Janeiro: CHDD; Brasília: FUNAG, 2005. p. 15. 28 SCHULZ, John. O Exército na Política: origens da intervenção militar (1850-1894). São Paulo: Edusp, 1994. p. 31. 29 CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 75. 27 10 _________________________________ IV SIMPÓSIO NACIONAL ESTADO E PODER: INTELECTUAIS ________________________ 8 a 11 de outubro de 2007 Universidade Estadual do Maranhão São Luís/MA a compor, como secretário, a missão especial ao Rio da Prata, segundo o biógrafo Visconde de Taunay.30 A partir daí, sua carreira política e diplomática foi ascendente, passando a fazer parte, em 1853, do Gabinete da Conciliação31 como ministro dos Negócios da Marinha.32 Nas cartas Ao amigo ausente, nota-se que a discussão de Paranhos, quase sempre, gira em torno da necessidade de um acordo entre os partidos, em benefício dos melhoramentos técnicos e materiais do país. Assim, confirmando as expectativas do cronista, no período da conciliação o Império apresentou significativos progressos materiais, com a construção de estradas de ferro, multiplicação das linhas de navegação a vapor, etc. Paranhos ocupou, durante sua carreira pública, inúmeros cargos de grande importância, como o de conselheiro de Estado e senador, entre outros. Chegou em 1871, à posição de presidente do Conselho de Ministros e ministro do Império, quando foram instituídas a Lei de Reforma Judiciária e a Lei do Ventre Livre33, tornando-se – nas palavras de José Murilo de Carvalho – “o mais brilhante diplomata do Império e um típico conservador modernizante, cujo plano político era esvaziar o programa liberal realizando suas reformas”.34 O futuro visconde do Rio Branco ganhou a simpatia de D. Pedro II a partir de sua ação frente à Guerra do Paraguai e, principalmente, após a aprovação da Lei do Ventre Livre, contrariando a opinião de seu partido. “Transformou-se no reformador de confiança do Imperador”35. Diante disso, 30 TAUNAY, Visconde de. Op. cit., p. 71. Os partidos, liberal e conservador, após anos de desentendimentos, chegam, temporariamente, a um acordo nacional, expresso no Ministério da Conciliação que tem início em 1853, presidido pelo Marquês de Paraná, e dura até 1857. 32 José Murilo de Carvalho ao falar dos caminhos para entrar no clube da política durante o Império, aponta o Ministério da Marinha como uma forma de treinamento para outros Ministérios. CARVALHO, José Murilo. 2003, Op. cit., p. 125. 33 O Gabinete Rio Branco foi o mais longo do Império (1871-1875). Ibidem. p. 59. 34 Idem. 35 CARVALHO, José Murilo de. D. Pedro II – Ser ou não ser. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 59. 31 11 _________________________________ IV SIMPÓSIO NACIONAL ESTADO E PODER: INTELECTUAIS ________________________ 8 a 11 de outubro de 2007 Universidade Estadual do Maranhão São Luís/MA Pedro II em sua primeira viagem à Europa, no ano de 1871, confiou o governo ao Visconde. Conclusão Este artigo é fruto de uma pesquisa de mestrado que está em andamento, portanto, ainda não se estabeleceu uma investigação muito aprofundada sobre as fontes primárias, ainda assim, as informações levantadas, a partir de um estudo prévio para a elaboração do projeto e durante o primeiro semestre do mestrado, nos levam a crer que a trajetória de Paranhos apresentou algumas peculiaridades, quando comparadas a outras histórias de vida da elite imperial. Por exemplo: sua origem familiar e sua formação técnica. Diante disso, o presente artigo, ao contrário de conclusões, se propõe a levantar algumas hipóteses, já mencionadas acima, para a discussão da ascensão social de Paranhos na sociedade do século XIX: a) Paranhos utilizou-se de algumas estratégias, já que não possuía laços familiares importantes. Certamente, era um homem bastante ambicioso e almejava mais do que se inserir, se fixar e crescer no clube político, cuja entrada era restrita a poucos, sobretudo, por meio do patronato. b) As crônicas fizeram parte dessa estratégia, pelo próprio conteúdo, onde ele podia falar de forma livre sobre vários assuntos, combinando o leve e o sério, para expor sua opinião. c) Paranhos nas crônicas utiliza um discurso eminentemente nacional, marcado pela sua formação técnica, que visava o crescimento do Brasil, como forma de estratégia, pois o Jornal do Commercio, como principal folha conservadora da época, seguramente era lido pelos principais políticos. d) A mudança de partido político, do Liberal para o Conservador, no momento de sua entrada no Jornal do Commercio, fez parte da estratégia para a fixação de Paranhos no jogo político do momento, já que o Partido Conservador era a principal força política de seu tempo. 12 _________________________________ IV SIMPÓSIO NACIONAL ESTADO E PODER: INTELECTUAIS ________________________ 8 a 11 de outubro de 2007 Universidade Estadual do Maranhão São Luís/MA REFERÊNCIAS FONTES IMPRESSAS PARANHOS, José Maria da Silva. 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