Saude19.book Page 37 Monday, August 7, 2006 9:07 AM JOSÉ FERREIRA LIMA JÚNIOR, ET AL. ORIGINAL /ORIGINAL A Fitoterapia na Saúde Pública em Natal/RN: visão do odontólogo Phytotherapy in Public Health in Natal/RN: dentist’s view RESUMO Este estudo tem por objetivo conhecer a aceitabilidade dos cirurgiões-dentistas da assistência pública, na cidade de Natal/RN, em relação à possibilidade de inserção da fitoterapia na atenção básica de saúde. Além disso, busca conhecer se, durante a formação desses profissionais, houve algum embasamento teórico-prático sobre esse assunto, bem como investigar a confiança atribuída por eles aos fitoterápicos. A população estudada consistiu em 30 cirurgiões-dentistas vinculados ao serviço público de Natal/ RN. Utilizou-se um roteiro de entrevista semi-estruturada, com a técnica de análise das práticas discursivas. Nesse sentido, este trabalho insere-se numa tendência, que se vê atualmente não só no Brasil, na qual a adoção das plantas medicinais tem sido incentivada, estimulada e defendida para ser introduzida nos programas de atenção primária à saúde. Palavras-chave FITOTERAPIA – SERVIÇOS DE SAÚDE – SERVIÇOS DE SAÚDE BUCAL – CUIDADOS PRIMÁRIOS DE SAÚDE. JOSÉ FERREIRA LIMA JÚNIOR* Professor de Epidemiologia (FNJ/CE) e do Curso de Especialização em Saúde da Família (URCA/CE) MAGDA DIMENSTEIN Professora doutora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (UFRN/RN) * Correspondências: R. 21 de Outubro, 566, Centro, 63400-000, Cedro/CE [email protected] ABSTRACT This study has the objective of knowing surgeons-dentists’ acceptability of medicinal plants insertion in basic attention of health in the field of public health in the city of Natal, state of Rio Grande do Norte, Brazil. Moreover, it seeks to know if, during their professional formation, they had some theoretical-practical foundation on this subject, as well as investigate their confidence on medicinal plants. The research was done with thirty surgeons-dentists, all of them pertaining to public service of Natal, state of Rio Grande do Norte. As research instrument, semistructured interviews were used associated with technical analysis of discursive practices. Therefore, this work is inserted in a trend observed nowadays not only in Brazil, where the use of the medicinal plants has been stimulated and defended to be inserted in programs of primary attention of health. Keywords PHYTOTHERAPY – HEALTH SERVICES – DENTAL HEALTH SERVICES – PRIMARY HEALTH CARE. Saúde em Revista A FITOTERAPIA NA SAÚDE PÚBLICA EM NATAL/RN: VISÃO DO ODONTÓLOGO 37 Saude19.book Page 38 Monday, August 7, 2006 9:07 AM JOSÉ FERREIRA LIMA JÚNIOR, ET AL. INTRODUÇÃO Segundo Teske e Trenitini,1 a fitoterapia, palavra originária dos radicais gregos phyton (planta) e therapia (tratamento), é uma prática antiga – o primeiro manuscrito conhecido a respeito dela é o Papiro de Ebers, datado de 1500 a.C. Atualmente, as pesquisas realizadas com plantas medicinais confirmam as indicações de usos tradicionais das plantas, o que traz aos cientistas a convicção de que há muito a aprender com os costumes populares. Nesse sentido, os princípios ativos de algumas plantas são bem conhecidos, ao passo que de outras não se sabe a composição química. Cerca de 300 a 400 plantas são estudadas no mundo e, só no Brasil, existem mais de cem mil espécies, das quais menos de 1% tiveram suas propriedades avaliadas cientificamente para determinar uma possível ação medicinal.1 Em todos os países, tanto desenvolvidos quanto em desenvolvimento, são utilizadas plantas para fins medicinais. Nos primeiros, os extratos vegetais não só constituem matérias-primas para a produção industrial de derivados químicos puros, como também fazem parte de compostos fitoterápicos, empregados no tratamento das mais diversas enfermidades, função essa bastante presente nos países em desenvolvimento. Um exemplo desse procedimento encontra-se na Alemanha, onde atualmente 80% da medicação comercializada encontram-se na forma de fitoterápicos.² Na odontologia, a literatura relata plantas medicinais com finalidades para afecções bucais. Elas teriam propriedades antiinflamatórias, antihemorrágicas e analgésicas para o tratamento de odontalgias e de outras afecções orais. Os óleos essenciais do cajueiro (Anacardium occidentale L.) e do cravo (Eugenia caryophyllata T.) são indicados para odontalgias.3 Estudos têm demonstrado que a romã (Punica granatum Linn) possui atividade antimicrobiana sobre Streptococcus mutans, microrganismo de extrema importância na formação do biofilme dentário, além de ser usada contra gengivite e feridas bucais, por sua ação anti-séptica e antibiótica.4 Pesquisando a literatura científica sobre fitoterápicos no Brasil, foram encontrados alguns estudos que comprovaram o uso de fitoterápicos pela população. No entanto, eles relacionavam-se sempre ao saber popular sobre as plantas medicinais, não fazendo nenhuma alusão ao conheci38 mento, à aceitação e à confiança, por parte dos profissionais da saúde, nessa prática popular. Diante disso, considera-se importante o desenvolvimento de linhas de pesquisa na área de políticas de saúde, no sentido de buscar indícios do nível de conhecimento dos profissionais sobre a fitoterapia para que, futuramente, essa prática possa fazer parte dos cuidados primários da atenção básica em nível público, por exemplo, no Programa de Saúde da Família. Outro ponto a ser levando em conta reporta à acessibilidade e aos custos dos medicamentos fitoterápicos. As pesquisas com plantas medicinais geralmente originam medicamentos em menos tempo, com custos muitas vezes inferiores e, conseqüentemente, mais acessíveis, que possam ser utilizados como parte do atendimento às necessidades primárias de saúde da população que, em geral, encontra-se sem condições financeiras de arcar com os preços elevados dos medicamentos convencionais. Pretende-se, assim, estimular os profissionais da área de saúde bucal a adotar plantas medicinais em seu esquema terapêutico, bem como a orientar a própria população a um uso adequado de tais substâncias, conhecendo os seus efeitos reais, as suas contra-indicações e os seus riscos. O emprego de fitoterápicos só tem a contribuir para a saúde de quem o pratica, quando feito com critérios. Estes, por sua vez, referem-se à identificação do quadro clínico (doença ou sintoma), à escolha correta da planta a ser utilizada e à sua adequada preparação. Este estudo buscou conhecer a aceitabilidade dos cirurgiões-dentistas em relação à possibilidade de inserção da fitoterapia na atenção básica de saúde, além de investigar a confiança atribuída por eles aos fitoterápicos e pesquisar se, durante a sua formação profissional, houve algum embasamento teórico-prático sobre esse assunto. METODOLOGIA A pesquisa foi realizada nos quatro distritos sanitários pertencentes à Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Natal/RN, em unidades de saúde que realizam a atenção básica e com os profissionais a elas vinculados. A unidade selecionada em cada distrito sanitário foi aquela que concentrava maior número de profissionais. Para tanto, realizou-se um levantamento, na Coordenação de Saúde Bucal, de todos os profisSAÚDE REV., Piracicaba, 8(19): 37-44, 2006 Saude19.book Page 39 Monday, August 7, 2006 9:07 AM JOSÉ FERREIRA LIMA JÚNIOR, ET AL. sionais de odontologia vinculados à SMS, bem como em quais unidades eles estavam lotados. A partir daí, procedeu-se com a seleção das que efetivamente entrariam neste estudo, tendo como critério de inclusão o maior número de dentistas trabalhando na perspectiva da atenção básica à saúde. Assim, nos distritos sanitários Norte, Sul, Leste e Oeste, as unidades selecionadas foram, respectivamente: Clínica Odontológica II, Unidade Mista de Cidade Satélite, Unidade Mista de Mãe Luiza e Unidade Mista de Cidade da Esperança. A amostra consistiu de 30 dentistas vinculados à SMS: 13 pertencentes à unidade de saúde do Distrito Sanitário Oeste, seis ao Distrito Sanitário Leste, seis ao Distrito Sanitário Sul e cinco ao Distrito Sanitário Norte. Após a aprovação do estudo, pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFRN, adotou-se um questionário semi-estruturado, aplicado durante o mês de abril de 2004, no próprio consultório odontológico, em horários previamente agendados com os dentistas. Para analisar os dados obtidos nas entrevistas, foi tomada como referência a técnica de análise das práticas discursivas, apresentada por Spink5 e definida como “linguagem em ação, isto é, as maneiras a partir das quais as pessoas produzem sentidos e se posicionam em relações sociais cotidianas”. RESULTADOS E DISCUSSÃO A análise com base nas práticas discursivas enfoca as diferentes maneiras com que as pessoas, por meio do discurso, produzem realidades psicológicas e sociais. Para uma melhor compreensão das crenças, dos valores e das representações relativos aos fitoterápicos aqui abordados (sua aceitabilidade, utilização e credibilidade, entre outros), é preciso considerar esses elementos a partir de um entendimento histórico-social da realidade. Em outras palavras, é preciso associar tais concepções a seus determinantes sociais, considerar as relações entre o pensamento humano e o contexto social. Assim, os significados atribuídos por tais profissionais aos fitoterápicos, no que concerne a credibilidade, aceitabilidade e potencialidades terapêuticas em nível de atenção básica, são produzidos historicamente por um grupo social, adquirindo, no âmbito individual, um sentido particular associado com a vida e com motivos pessoais. Saúde em Revista A FITOTERAPIA NA SAÚDE PÚBLICA EM NATAL/RN: VISÃO DO ODONTÓLOGO A formação profissional dos cirurgiõesdentistas e o nível de conhecimento acerca da fitoterapia Um ponto aqui investigado diz respeito ao conhecimento e treinamento, durante a formação profissional, sobre o uso de fitoterápicos, bem como o nível de informação dos cirurgiões-dentistas (CDs) sobre a fitoterapia. Os resultados confirmaram que a formação em odontologia não contempla esse tipo de conhecimento. Quanto à instituição formadora desses profissionais, 29 (96,6%) concluíram o curso de graduação na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e apenas um (3,3%) na Universidade Estadual de Pernambuco. Todos foram unânimes em afirmar nunca ter tido nenhum tipo de treinamento sobre o uso de plantas medicinais com fins terapêuticos. Esse dado evidencia a inexistência de tal conteúdo na graduação, e também na pósgraduação, já que muitos entrevistados eram especialistas. Além disso, sugere a ausência de educação continuada nos serviços de saúde pública no Estado do Rio Grande do Norte. Uma alternativa à essa situação seria a inclusão da fitoterapia como disciplina obrigatória na grade curricular e de programas de extensão voltados a essa temática, no curso de odontologia. Tipos e formas de utilização de fitoterápicos pelos usuários Quando indagados sobre a utilização, por parte de seus pacientes, de plantas medicinais no tratamento de agravos à saúde bucal, 23 CDs (76,6%) responderam que nada sabiam sobre isso, ao passo que sete (23,3%) afirmaram conhecer algo sobre o assunto. Esse conhecimento sobre as plantas medicinais, suas indicações e formas de utilização pode ser visualizado na tabela 1. Diante dos resultados obtidos, procurou-se na literatura científica uma discussão sobre a eficácia dessas plantas medicinais e, de modo geral, observou-se uma correspondência terapêutica entre o que foi citado pelos entrevistados e a literatura. Assim, foi encontrado que o juazeiro (Z. joazeiro) possui eficácia como agente de limpeza para escovação dentária e higiene capilar. Já o cajueiro (A. occidentale L.) é usado como depurativo, cicatrizante e adstringente, indicado para feridas e úlceras da boca, na forma de cozimento de suas cascas. A resina de imburana (B. leptopholeos) é utilizada como analgésico, tendo resolutividade inclusive para cefaléias. A casca cozida da romã (P. grannatum L.) é indicada para afecções bucais 39 Saude19.book Page 40 Monday, August 7, 2006 9:07 AM JOSÉ FERREIRA LIMA JÚNIOR, ET AL. Tabela 1. Nomes científicos, populares, indicações e formas de utilização das plantas medicinais citadas pelos CDs para tratamento de afecções odontológicas, Natal/RN, 2004. NOME CIENTÍFICO Lippia sidoides Lippia sidoides Ximenia amarecana L. Anacardium occidentale Linn Anacardium occidentale Linn Justicia pectoralis Bursera leptopholeos Ziziphus joazeiro Punica granatum Linn NOME POPULAR Alecrim-pimenta Alecrim-pimenta Ameixa Cajueiro Cajueiro Chambá Imburana Juazeiro Romã e da garganta. A ameixa (X. coreacea) tem também o cozimento de sua casca orientado para o tratamento de menstruações excessivas, bem como para cicatrização de feridas bucais.6 Consoante Batistuzzo,7 em levantamento feito pelo Departamento de Saúde Coletiva da UFRN, em 1999, 37% da população do Rio Grande do Norte têm por hábito buscar nas plantas a cura para os problemas de saúde mais comuns, a gripe, por exemplo. Somente na falta desses vegetais é que as pessoas recorrem aos postos de saúde ou equivalentes da medicina oficial. Isso evidencia que parte da população recorre a ervas curativas. É necessário frisar, por outro lado, que esse foi o único registro encontrado com percentual de 37% de emprego de plantas medicinais pela população; todos os outros estudos revelaram percentuais bem maiores, da ordem de 80%. No que se refere às indicações das plantas citadas pelos entrevistados nesta pesquisa, constatou-se a semelhança tanto dos CDs quanto da literatura para a maioria das afecções descritas na tabela 1. Isso denota que tais plantas são conhecidas e utilizadas pela população, com eficácia comprovada. Portanto, sua inserção em programas de fitoterapia comunitária seria bastante facilitada, haja vista elas já serem usadas pela comunidade. Tipos de fitoterápicos prescritos pelos profissionais Quanto à prescrição de fitoterápicos pelos CDs pesquisados, apenas 5 deles (16,6%) responderam já ter indicado alguma planta medicinal, ao passo que 25 (83,3%) nunca lançaram mão dessa alternativa terapêutica. A tabela 2 apresenta as plantas prescritas pelos profissionais, bem 40 INDICAÇÕES Faringite Aftas Cicatrizante Cicatrizante Cicatrizante Tosse Odontalgia Prevenção Gengivite FORMAS DE UTILIZAÇÃO Bochecho Bochecho Bochecho Bochecho da decocção Bochecho das folhas Lambedor Resina vegetal Escovação Bochecho como suas indicações e os resultados obtidos com o tratamento. Comparando essas plantas prescritas pelos profissionais com aquelas usadas pelos pacientes, verifica-se, de modo geral, a similaridade entre os nomes dos fitoterápicos e suas indicações. Isso significa que eles possuem eficácia e consistem em conhecimentos passados culturalmente. Já ao articular esse resultado com aquele obtido sobre a formação profissional em fitoterapia, surge um “aparente paradoxo”, na medida em que toda a amostra foi unânime em responder nunca ter tido nenhum tipo de informação, seja de natureza prática seja teórica, sobre o uso de plantas medicinais. No entanto, questionados sobre uma possível prescrição de tais ervas, 16,6% dos CDs afirmaram tê-la realizado. A explicação apresentada por esses profissionais pode ser compreendida pela análise do seguinte relato: CD 2 — “Eu não sabia assim até como poderia se usar. Conversando com as meninas da farmácia (as farmacêuticas), que trabalham no projeto Farmácias Vivas, elas me indicaram. Já que não tem antibiótico pra você passar, vamos passar o alecrim-pimenta pra a pessoa fazer o bochecho pra regredir o abscesso”. Nessa fala, observa-se a sugestão do alecrimpimenta para tratar um abscesso dentário, patologia caracterizada pela presença de coleção purulenta, edema e dor. Tal aconselhamento popular está de acordo com o estudo de Ferreira et al.,8 em que ficou evidenciada umas das indicações dessa espécie vegetal justamente como agente antibacteriano. Outro ponto a ser observado é a justificativa para a prescrição da planta sem a prévia formação nessa área, respaldada no trabalho existente na unidade de saúde onde funcionou um projeto SAÚDE REV., Piracicaba, 8(19): 37-44, 2006 Saude19.book Page 41 Monday, August 7, 2006 9:07 AM JOSÉ FERREIRA LIMA JÚNIOR, ET AL. Tabela 2. Nomes científicos, populares, indicações de plantas medicinais e resultados obtidos com o tratamento fitoterápico prescrito pelos CDs, Natal/RN, 2004. NOME CIENTÍFICO Lippia sidoides Lippia sidoides Anacardium occidentale Linn Justicia pectoralis Justicia pectoralis Punica granatum Linn Punica granatum Linn NOME POPULAR Alecrim-pimenta Alecrim-pimenta Cajueiro Chambá Chambá Romã Romã governamental intitulado Farmácias Vivas. Por meio dele, os farmacêuticos daquela unidade de saúde preparavam e distribuíam aos usuários géis, pomadas, sabonetes, cremes e xaropes à base de plantas medicinais. E instruíram informalmente alguns CDs da referida unidade, daí decorrendo a explicação para o “aparente paradoxo”. Por essa mesma razão, outros três profissionais na mesma unidade de saúde fizeram uso de fitoterápicos, com base nas orientações dos farmacêuticos. Por sua vez, a explicação para a indicação das plantas medicinais, sem prévia formação nesse campo do conhecimento, por parte do CD de outra unidade de saúde onde não há o projeto Farmácias Vivas é a seguinte: CD 20 — “Eu vivo lendo sobre isso. Sou muito naturalista e uso muito na minha casa as raízes”. Essa fala aponta o fato de que alguns profissionais identificam-se com práticas de saúde que escapam ao modelo tradicional e valorizam alternativas como a fitoterapia. Ademais, esse dentista disse já ter sido secretário municipal de saúde numa cidade do interior potiguar. De acordo com ele, tal experiência profissional o levou a ter um contato mais próximo com a população local e a aprender muito sobre o assunto com o conhecimento popular. Utilização de fitoterápicos pelos próprios dentistas No que tange ao emprego de fitoterápicos pelos CDs estudados, os resultados mostraram que 18 entre eles (60%) já o fizeram pelo menos uma vez, ao passo que 12 (40%) afirmaram nunca ter experimentado. Para a maioria que os utilizou, encontram-se explicitados na tabela 3 os nomes populares, as indicações e os resultados alcançados. Com relação aos fitoterápicos empregados pelos CDs pesquisados, Dahwan et al.9 constataram, numa espécie de maracujá (P. incarnata), Saúde em Revista A FITOTERAPIA NA SAÚDE PÚBLICA EM NATAL/RN: VISÃO DO ODONTÓLOGO INDICAÇÕES Abcesso dentário Aftas Aftas Tosse Gripe Gengivite Cicatrizante RESULTADOS Sucesso Bom Bom Excelente Bom Bom Muito bom atividade farmacológica ansiolítica e sedativa, com nível de evidência clínico, farmacológico e etnofarmacológico. Esse trabalho fundamenta a indicação do maracujá para insônia, consoante referido por um odontólogo pesquisado nesse estudo. Os autores afirmaram ainda ser esse fitoterápico um substituto do Diazepan de 5 mg e 10 mg, podendo constituir alternativa na rede pública de saúde, desde que as dosagens sejam bem calculadas e as indicações precisas.9 Outro fitoterápico que tem sido bastante estudado atualmente é a romã (P. granatum Linn). Pesquisas demonstram a sua atividade antimicrobiana sobre o Streptococcus mutans, microrganismo de extrema importância na formação do biofilme dentário, além do seu uso contra gengivite e feridas bucais, por sua ação anti-séptica, antiinflamatória e antibiótica.4 Este trabalho corrobora a sugestão da romã como antiinflamatório, citado pelos CDs pesquisados. Segundo Matos,6 o eucalipto (E. globulus) possui indicações em febres, gripes e resfriados, além de sinusites, na forma de inalação, a partir da infusão das suas folhas. Assim, comparando os estudos aqui citados com os resultados obtidos na tabela 3, nota-se correspondência terapêutica entre a literatura científica e o uso popular dessas plantas também adotadas pelos CDs pesquisados neste trabalho. Além disso, é interessante e curioso perceber que 60% CDs usam fitoterápicos em sua vida cotidiana, mesmo sem ter conhecimento sobre eles. Ademais, a maioria dos profissionais pesquisados que usam plantas medicinais avalia positivamente a experiência. No entanto, a despeito de utilizar e avaliar de mod positivo essa alternativa terapêutica, 25 dentistas (83,3%) não prescrevem tais plantas. Esse fato pode ser explicado pela falta de conhecimento consistente sobre o assunto, posto nunca terem recebido nenhum tipo de treinamento específico prático ou teórico. 41 Saude19.book Page 42 Monday, August 7, 2006 9:07 AM JOSÉ FERREIRA LIMA JÚNIOR, ET AL. Tabela 3. Nomes científicos, populares, indicações de plantas medicinais utilizadas pelos CDs e resultados obtidos com o tratamento, Natal/RN, 2004. NOME CIENTÍFICO Justicia pectoralis Olea europaea Plectranthus barbatus Andr. Baccharis crispa Spreng. Justicia pectoralis Justicia pectoralis Eucalytus globulus Passiflora incarnata Chenopodium ambrosioides L. Chenopodium ambrosioides L. Eugenia pitanga Punica. granatum Linn Punica. granatum Linn Punica granatum Linn NOME POPULAR Anador Azeitona Boldo Carqueja Chambá Chambá Eucalipto Maracujá Mastruz Mastruz Pitanga Romã Romã Romã Inserção da fitoterapia como alternativa terapêutica na rede básica de saúde Indagados sobre a inserção da fitoterapia como alternativa terapêutica na rede básica de saúde, todos os CDs relataram aspectos positivos e negativos acerca dessa hipótese. Foram os seguintes os aspectos positivos: baixo custo da fitoterapia, efeitos colaterais reduzidos e/ou inexistentes e maior acessibilidade. No levantamento realizado, 23 profissionais (76,6%) afirmaram que o uso das plantas medicinais seria bem mais barato para os serviços públicos de saúde, no tratamento aos agravos, do que o de medicamentos industrializados. CD 22 — “Eu acho que o custo-benefício seria bem melhor, porque a medicação é difícil a gente achar e é caro pra passar pros pacientes. E a gente tem que passar os que têm, os que a rede pública oferece. Então, acho que seria uma alternativa mais barata”. Outro item merecedor de destaque são os efeitos colaterais oriundos do uso sistemático da fitoterapia: para 40% dos CDs da amostra, as colateralidades são bastante reduzidas e/ou inexistentes, como pode ser observado na seguinte fala: CD 1 — “Não é porque eu acho que um medicamento ansiolítico, esses remédios pra dormir, como um Lexotan ou um Somalium, essas drogas, elas têm um efeito... Os efeitos colaterais são maiores; por isso, você vai para os fitoterápicos, que o efeito colateral é quase nenhum. Aí, você evita tomar essas drogas, essas drogas que até causam dependência, né?”. 42 INDICAÇÕES Cefaléia Dislipidemia Digestão Digestão Tosse Tosse Sinusite Insônia Antiinflamatório Gripe Dismenorréia Faringite Faringite Antiinflamatório RESULTADOS Positivo Bom Bom Bom Bom Ruim Excelente Bom Positivo Bom Muito bom Bom Muito bom Positivo Importa aqui clarificar que a fitoterapia é um sistema de cura pelos contrários, que procura conhecer as causas das doenças e combatê-las, configurando, portanto, uma terapêutica alopática. Ao contrário do que muitos pensam, fitoterápicos são também alopáticos. Por sua vez, ambos são diferentes dos medicamentos homeopáticos, cujo sistema terapêutico consiste em tratar as doenças por meio de substâncias ministradas em doses diluídas, por vezes infinitesimais. Contrariando esses discursos de que as plantas medicinais não possuem efeitos colaterais, os avanços nos estudos toxicológicos ajudaram a desmistificar a idéia de que as plantas medicinais não são nocivas. Elas apresentam um potencial tóxico, daí porque sua indicação e uso devem ser supervisionados por profissionais de saúde com conhecimento em fitoterapia. Sobre a facilidade do acesso dos usuários às plantas medicinais, 26,6% dos CDs referiram que ela parece ser maior, sendo esse um aspecto positivo, especialmente válido para as populações residentes no interior, onde o conhecimento sobre os benefícios dos fitoterápicos é mais difundido e, por isso, eles são mais utilizados. No entanto, não é impossível o acesso nas grandes cidades, posto existir nos centros urbanos largo comércio de plantas medicinais em mercados e feiras livres.10 Já com relação aos pontos negativos que permeiam a inserção da fitoterapia como alternativa terapêutica na rede básica de saúde, o despreparo profissional foi o item mais citado: por 53,3% dos CDs. SAÚDE REV., Piracicaba, 8(19): 37-44, 2006 Saude19.book Page 43 Monday, August 7, 2006 9:07 AM JOSÉ FERREIRA LIMA JÚNIOR, ET AL. CD 9 — “Desde que houvesse um treinamento dos profissionais para uma utilização racional e segura, seria uma alternativa. Baratearia os custos. Tendo o profissional qualificado, teríamos ótimos resultados. Agora não se pode é usar sem conhecimento, como eu, que não me sinto nem um pouco preparada para isso”. A ausência de treinamentos nessa área, por parte das secretarias de saúde de Natal e do Rio Grande do Norte, é um fato perceptível. Também é inegável a lacuna existente nas políticas públicas de saúde no referente à fitoterapia. Como foi dito anteriormente, a saída para tal problema é tais conteúdos serem trabalhados desde o início da formação profissional em odontologia e a oferta aos alunos de abordagens da terapêutica com plantas medicinais. Tal ausência de capacitação está intrinsecamente relacionada à hegemonia do modelo biomédico especializante e tecnizante na formação em odontologia e, conseqüentemente, à desqualificação desse tipo de conhecimento no “mercado da saúde”, orientado pelos interesses de grandes corporações e laboratórios. Outro ponto negativo, apontado nas entrevistas por quatro odontólogos (13,3%), é o uso indiscriminado dos fitoterápicos por parte dos usuários. Os seguintes trechos contemplam esse aspecto: CD 22 — “Em sua maioria, os usuários dos serviços públicos de saúde são carentes e o acesso às plantas medicinais é maior pelo menor custo delas. Daí me preocupa a questão do uso indevido, porque é planta, é natural, você pode usar à vontade, mas tem a indicação. É igual a remédio: porque serve pra ele, ele já vai passando pro outro. ‘Ah, eu usei isso, daí tu pode usar também”. CD 15 — “As pessoas vão começar a tomar as coisas de forma indiscriminada, por isso têm que ter uma ação educativa, não é?”. Esses depoimentos revelam uma realidade bastante presente no Brasil: o uso indiscriminado de medicamentos e a automedicação. Essa utilização abusiva, errônea e exagerada é um fenômeno observado mundialmente. Uma das explicações recai justamente no valor simbólico enorme atribuído ao medicamento, representando saúde, cura e bem-estar. A esse respeito, Lefrèvre11 afirma que o remédio visto como um símbolo contém, como todo símbolo, uma face material (no caso dos medicamentos: grãos, comprimidos, xaropes, gotas, entre outros) cujo consumo permite a materialização de sua outra face, no caso: a saúde. A dificuldade de mudar a cultura medicalizante, institucionalizada desde a época da graduação por meio do ensino de farmacologia, foi um item Saúde em Revista A FITOTERAPIA NA SAÚDE PÚBLICA EM NATAL/RN: VISÃO DO ODONTÓLOGO apontado por quatro dentistas (13,3%) como negativo em termos da prescrição de fitoterápicos. CD 17 — “Aqui na unidade há uma heterogeneidade muito grande. Alguns iriam aderir à idéia, mas a maioria, não. Acho difícil mudar essa cultura medicalizadora! Isso já vem de longe...”. Essa declaração retrata, de forma bastante evidente, que o aprendizado na universidade por parte dos entrevistados é “supremo”, não dando espaço a outras práticas em saúde, na medida em que se atesta a dificuldade de mudar a situação atual de medicalização, na qual o medicamento é visto como um símbolo e possui alto valor comercial, objeto de lucro para as grandes corporações empresariais que o comercializam. Outro ponto investigado diz respeito à receptividade em geral dos dentistas à inserção da fitoterapia na atenção básica à saúde. Segundo 12 profissionais (40%), não há aceitação por parte da categoria em relação a essa proposta. Contrariamente, sete (23,3%) acreditam haver receptividade, mas com ressalvas. Outros oito (26,6%) disseram ser boa a receptividade dos odontólogos e apenas três relataram não saber qual seria o comportamento dos colegas nessa matéria. Observou-se, assim, que boa parte da categoria não seria receptiva à idéia. Entre as hipóteses aventadas para justificar tal atitude estão a falta de conhecimento sobre o assunto, a dúvida quanto à eficácia terapêutica das plantas medicinais, o receio pelo seu uso indiscriminado, o analfabetismo da população, a cultura medicalizante e a pressão da indústria farmacêutica sobre os profissionais de saúde. Esses foram alguns dos aspectos negativos referidos pelos entrevistados anteriormente. Os entrevistados citaram ainda aspectos positivos e negativos sobre a inserção da fitoterapia como alternativa terapêutica na rede básica de saúde. Consideram haver uma receptividade dos profissionais em geral e que essa inserção seria positiva, especialmente por seu baixo custo em comparação com os medicamentos produzidos pelos grandes laboratórios, questão importante dada a precariedade do acesso a eles pela maioria da população. Além disso, a fitoterapia contaria com a adesão da população, que, no seu cotidiano, já faz uso de plantas medicinais para diversos fins, mesmo que inadequadamente, como alguns indicam. Entretanto, essa acessibilidade só seria ampliada se houvesse maior investimento na pesquisa, produção e distribuição de tais medicamentos, como parte de uma política pública interessada em 43 Saude19.book Page 44 Monday, August 7, 2006 9:07 AM JOSÉ FERREIRA LIMA JÚNIOR, ET AL. desenvolver estratégias para produzir novas relações institucionais e práticas de saúde. Os aspectos negativos ressaltados referem-se sobretudo à formação da categoria, tal como indicado anteriormente, mas também à força da cultura medicalizante, que atinge não só os profissionais como também os usuários. Lutar contra setores hegemônicos, interesses dominantes, práticas cronificadas, a resistência dos colegas, o preconceito em relação à chamada medicina alternativa, sem o suporte da formação e do gestor público, é praticamente inviável. Por sua vez, a receptividade dos usuários da rede pública de saúde à inserção da fitoterapia é positiva, de acordo com 73,3% dos CDs, ao passo que 23,3% acreditam ser negativa e apenas um do total de entrevistados (3,3%) não soube responder à questão. Esse dado pode ser articulado com a idéia preconceituosa dos profissionais estudados acerca dos usuários, os quais, via de regra, são vistos por aqueles como pessoas humildes, que concordam com o que é dito pelos dentistas, e que, por estarem nessa condição, têm mais é que aceitar a fitoterapia. CONCLUSÃO Este estudo possibilitou identificar alguns aspectos sobre a aceitabilidade dos CDs que trabalham na rede pública, na cidade de Natal/RN, em relação à possibilidade de inserção da fitoterapia na atenção básica de saúde e evidenciou a ausência de uma formação teórico-prática relativa à fitoterapia no percurso acadêmico/profissional dos entrevistados, refletindo, de certa forma, a realidade do ensino universitário local e até mesmo nacional. Tal situação traz implicações importantes, na medida em que não se introduzem disciplinas nos currículos acadêmicos, nem se investe suficientemente na pesquisa da biodiversidade de plantas brasileiras, na validação do conhecimento popular e na industrialização de tais medicamentos. Desse modo, é preciso haver uma transformação qualitativa do ensino, no sentido de que a universidade e os institutos de pesquisa possam induzir modificações ideológicas e políticas entre os profissionais e a sociedade. Tal mudança não está restrita ao âmbito acadêmico, mas envolve um conjunto de questões referentes às políticas públicas de saúde, à organização dos serviços e à relação com os usuários do sistema de saúde, entre outras. Diante disso, percebe-se o quanto essa reversão pode ser árdua, cheia de embates e de disputas de poder, constituindo um processo de longo prazo. Considera-se, pois, que não têm sido observadas medidas que levem à concretização de tais intenções, apesar de a utilização das plantas medicinais ser incentivada, estimulada e defendida para ser inserida nos programas de atenção primária à saúde, e de haver boa receptividade por parte dos profissionais odontólogos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. Teske M, Trenitini AMM. Herbarium: compendium de fitoterapia. Curitiba: Herbarium Laboratório Botânico; 1994. Martins ER. Buscando a saúde por meio das plantas medicinais. Plantas medicinais. Viçosa: UFV; 2000. Xavier MN. A fitoterapia no combate às afecções bucais. João Pessoa: Idéia; 1995. Oliveira FT, Ferraz LR. O uso de fitoterápicos na odontologia. [Monografia]. Juiz de Fora/MG: Universidade Federal de Juiz de Fora; 1998. Spink MJP. Práticas discursivas e produção dos sentidos no cotidiano: aproximações teóricas e metodológicas. São Paulo: Cortez; 1999. Matos FJA. 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