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JOSÉ FERREIRA LIMA JÚNIOR, ET AL.
ORIGINAL /ORIGINAL
A Fitoterapia na Saúde Pública em
Natal/RN: visão do odontólogo
Phytotherapy in Public Health in Natal/RN: dentist’s view
RESUMO Este estudo tem por objetivo conhecer a aceitabilidade dos cirurgiões-dentistas da assistência pública, na cidade de Natal/RN, em relação à
possibilidade de inserção da fitoterapia na atenção básica de saúde. Além
disso, busca conhecer se, durante a formação desses profissionais, houve algum embasamento teórico-prático sobre esse assunto, bem como investigar
a confiança atribuída por eles aos fitoterápicos. A população estudada consistiu em 30 cirurgiões-dentistas vinculados ao serviço público de Natal/
RN. Utilizou-se um roteiro de entrevista semi-estruturada, com a técnica de
análise das práticas discursivas. Nesse sentido, este trabalho insere-se numa
tendência, que se vê atualmente não só no Brasil, na qual a adoção das
plantas medicinais tem sido incentivada, estimulada e defendida para ser
introduzida nos programas de atenção primária à saúde.
Palavras-chave FITOTERAPIA – SERVIÇOS DE SAÚDE – SERVIÇOS DE SAÚDE
BUCAL – CUIDADOS PRIMÁRIOS DE SAÚDE.
JOSÉ FERREIRA LIMA JÚNIOR*
Professor de Epidemiologia (FNJ/CE) e
do Curso de Especialização em
Saúde da Família (URCA/CE)
MAGDA DIMENSTEIN
Professora doutora do Programa de
Pós-Graduação em Psicologia (UFRN/RN)
* Correspondências: R. 21 de
Outubro, 566, Centro, 63400-000,
Cedro/CE
[email protected]
ABSTRACT This study has the objective of knowing surgeons-dentists’
acceptability of medicinal plants insertion in basic attention of health in the
field of public health in the city of Natal, state of Rio Grande do Norte,
Brazil. Moreover, it seeks to know if, during their professional formation,
they had some theoretical-practical foundation on this subject, as well as
investigate their confidence on medicinal plants. The research was done
with thirty surgeons-dentists, all of them pertaining to public service of
Natal, state of Rio Grande do Norte. As research instrument, semistructured interviews were used associated with technical analysis of
discursive practices. Therefore, this work is inserted in a trend observed
nowadays not only in Brazil, where the use of the medicinal plants has been
stimulated and defended to be inserted in programs of primary attention of
health.
Keywords PHYTOTHERAPY – HEALTH SERVICES – DENTAL HEALTH SERVICES
– PRIMARY HEALTH CARE.
Saúde em Revista
A FITOTERAPIA NA SAÚDE PÚBLICA EM NATAL/RN: VISÃO DO ODONTÓLOGO
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JOSÉ FERREIRA LIMA JÚNIOR, ET AL.
INTRODUÇÃO
Segundo Teske e Trenitini,1 a fitoterapia, palavra originária dos radicais gregos phyton (planta)
e therapia (tratamento), é uma prática antiga – o
primeiro manuscrito conhecido a respeito dela é
o Papiro de Ebers, datado de 1500 a.C. Atualmente, as pesquisas realizadas com plantas medicinais confirmam as indicações de usos tradicionais
das plantas, o que traz aos cientistas a convicção
de que há muito a aprender com os costumes populares. Nesse sentido, os princípios ativos de algumas plantas são bem conhecidos, ao passo que
de outras não se sabe a composição química. Cerca de 300 a 400 plantas são estudadas no mundo
e, só no Brasil, existem mais de cem mil espécies,
das quais menos de 1% tiveram suas propriedades avaliadas cientificamente para determinar
uma possível ação medicinal.1
Em todos os países, tanto desenvolvidos
quanto em desenvolvimento, são utilizadas plantas para fins medicinais. Nos primeiros, os extratos vegetais não só constituem matérias-primas
para a produção industrial de derivados químicos
puros, como também fazem parte de compostos
fitoterápicos, empregados no tratamento das
mais diversas enfermidades, função essa bastante
presente nos países em desenvolvimento. Um
exemplo desse procedimento encontra-se na Alemanha, onde atualmente 80% da medicação comercializada encontram-se na forma de fitoterápicos.²
Na odontologia, a literatura relata plantas
medicinais com finalidades para afecções bucais.
Elas teriam propriedades antiinflamatórias, antihemorrágicas e analgésicas para o tratamento de
odontalgias e de outras afecções orais. Os óleos
essenciais do cajueiro (Anacardium occidentale
L.) e do cravo (Eugenia caryophyllata T.) são indicados para odontalgias.3 Estudos têm demonstrado que a romã (Punica granatum Linn) possui
atividade antimicrobiana sobre Streptococcus mutans, microrganismo de extrema importância na
formação do biofilme dentário, além de ser usada
contra gengivite e feridas bucais, por sua ação
anti-séptica e antibiótica.4
Pesquisando a literatura científica sobre fitoterápicos no Brasil, foram encontrados alguns estudos que comprovaram o uso de fitoterápicos pela
população. No entanto, eles relacionavam-se
sempre ao saber popular sobre as plantas medicinais, não fazendo nenhuma alusão ao conheci38
mento, à aceitação e à confiança, por parte dos
profissionais da saúde, nessa prática popular. Diante disso, considera-se importante o desenvolvimento de linhas de pesquisa na área de políticas
de saúde, no sentido de buscar indícios do nível
de conhecimento dos profissionais sobre a fitoterapia para que, futuramente, essa prática possa fazer parte dos cuidados primários da atenção
básica em nível público, por exemplo, no Programa de Saúde da Família.
Outro ponto a ser levando em conta reporta à
acessibilidade e aos custos dos medicamentos fitoterápicos. As pesquisas com plantas medicinais
geralmente originam medicamentos em menos
tempo, com custos muitas vezes inferiores e, conseqüentemente, mais acessíveis, que possam ser
utilizados como parte do atendimento às necessidades primárias de saúde da população que, em
geral, encontra-se sem condições financeiras de
arcar com os preços elevados dos medicamentos
convencionais.
Pretende-se, assim, estimular os profissionais
da área de saúde bucal a adotar plantas medicinais em seu esquema terapêutico, bem como a
orientar a própria população a um uso adequado
de tais substâncias, conhecendo os seus efeitos reais, as suas contra-indicações e os seus riscos. O
emprego de fitoterápicos só tem a contribuir para
a saúde de quem o pratica, quando feito com critérios. Estes, por sua vez, referem-se à identificação do quadro clínico (doença ou sintoma), à
escolha correta da planta a ser utilizada e à sua
adequada preparação.
Este estudo buscou conhecer a aceitabilidade
dos cirurgiões-dentistas em relação à possibilidade de inserção da fitoterapia na atenção básica de
saúde, além de investigar a confiança atribuída
por eles aos fitoterápicos e pesquisar se, durante a
sua formação profissional, houve algum embasamento teórico-prático sobre esse assunto.
METODOLOGIA
A pesquisa foi realizada nos quatro distritos
sanitários pertencentes à Secretaria Municipal de
Saúde (SMS) de Natal/RN, em unidades de saúde
que realizam a atenção básica e com os profissionais a elas vinculados. A unidade selecionada em
cada distrito sanitário foi aquela que concentrava
maior número de profissionais.
Para tanto, realizou-se um levantamento, na
Coordenação de Saúde Bucal, de todos os profisSAÚDE REV., Piracicaba, 8(19): 37-44, 2006
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sionais de odontologia vinculados à SMS, bem
como em quais unidades eles estavam lotados. A
partir daí, procedeu-se com a seleção das que efetivamente entrariam neste estudo, tendo como
critério de inclusão o maior número de dentistas
trabalhando na perspectiva da atenção básica à
saúde. Assim, nos distritos sanitários Norte, Sul,
Leste e Oeste, as unidades selecionadas foram,
respectivamente: Clínica Odontológica II, Unidade Mista de Cidade Satélite, Unidade Mista de
Mãe Luiza e Unidade Mista de Cidade da Esperança. A amostra consistiu de 30 dentistas vinculados à SMS: 13 pertencentes à unidade de saúde
do Distrito Sanitário Oeste, seis ao Distrito Sanitário Leste, seis ao Distrito Sanitário Sul e cinco
ao Distrito Sanitário Norte.
Após a aprovação do estudo, pelo Comitê de
Ética em Pesquisa da UFRN, adotou-se um questionário semi-estruturado, aplicado durante o
mês de abril de 2004, no próprio consultório
odontológico, em horários previamente agendados com os dentistas. Para analisar os dados obtidos nas entrevistas, foi tomada como referência a
técnica de análise das práticas discursivas, apresentada por Spink5 e definida como “linguagem
em ação, isto é, as maneiras a partir das quais as
pessoas produzem sentidos e se posicionam em
relações sociais cotidianas”.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A análise com base nas práticas discursivas enfoca as diferentes maneiras com que as pessoas,
por meio do discurso, produzem realidades psicológicas e sociais. Para uma melhor compreensão das crenças, dos valores e das representações
relativos aos fitoterápicos aqui abordados (sua
aceitabilidade, utilização e credibilidade, entre
outros), é preciso considerar esses elementos a
partir de um entendimento histórico-social da realidade. Em outras palavras, é preciso associar
tais concepções a seus determinantes sociais, considerar as relações entre o pensamento humano e
o contexto social. Assim, os significados atribuídos por tais profissionais aos fitoterápicos, no que
concerne a credibilidade, aceitabilidade e potencialidades terapêuticas em nível de atenção básica, são produzidos historicamente por um grupo
social, adquirindo, no âmbito individual, um sentido particular associado com a vida e com motivos pessoais.
Saúde em Revista
A FITOTERAPIA NA SAÚDE PÚBLICA EM NATAL/RN: VISÃO DO ODONTÓLOGO
A formação profissional dos cirurgiõesdentistas e o nível de conhecimento
acerca da fitoterapia
Um ponto aqui investigado diz respeito ao conhecimento e treinamento, durante a formação
profissional, sobre o uso de fitoterápicos, bem
como o nível de informação dos cirurgiões-dentistas (CDs) sobre a fitoterapia. Os resultados
confirmaram que a formação em odontologia
não contempla esse tipo de conhecimento. Quanto à instituição formadora desses profissionais, 29
(96,6%) concluíram o curso de graduação na
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN) e apenas um (3,3%) na Universidade Estadual de Pernambuco. Todos foram unânimes
em afirmar nunca ter tido nenhum tipo de treinamento sobre o uso de plantas medicinais com fins
terapêuticos. Esse dado evidencia a inexistência
de tal conteúdo na graduação, e também na pósgraduação, já que muitos entrevistados eram especialistas. Além disso, sugere a ausência de educação continuada nos serviços de saúde pública
no Estado do Rio Grande do Norte. Uma alternativa à essa situação seria a inclusão da fitoterapia como disciplina obrigatória na grade
curricular e de programas de extensão voltados a
essa temática, no curso de odontologia.
Tipos e formas de utilização de
fitoterápicos pelos usuários
Quando indagados sobre a utilização, por
parte de seus pacientes, de plantas medicinais no
tratamento de agravos à saúde bucal, 23 CDs
(76,6%) responderam que nada sabiam sobre isso, ao passo que sete (23,3%) afirmaram conhecer algo sobre o assunto. Esse conhecimento
sobre as plantas medicinais, suas indicações e formas de utilização pode ser visualizado na tabela 1.
Diante dos resultados obtidos, procurou-se na
literatura científica uma discussão sobre a eficácia
dessas plantas medicinais e, de modo geral, observou-se uma correspondência terapêutica entre o
que foi citado pelos entrevistados e a literatura.
Assim, foi encontrado que o juazeiro (Z. joazeiro)
possui eficácia como agente de limpeza para escovação dentária e higiene capilar. Já o cajueiro (A.
occidentale L.) é usado como depurativo, cicatrizante e adstringente, indicado para feridas e úlceras da boca, na forma de cozimento de suas
cascas. A resina de imburana (B. leptopholeos) é
utilizada como analgésico, tendo resolutividade
inclusive para cefaléias. A casca cozida da romã
(P. grannatum L.) é indicada para afecções bucais
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Tabela 1. Nomes científicos, populares, indicações e formas de utilização das plantas medicinais citadas pelos CDs para tratamento de
afecções odontológicas, Natal/RN, 2004.
NOME CIENTÍFICO
Lippia sidoides
Lippia sidoides
Ximenia amarecana L.
Anacardium occidentale Linn
Anacardium occidentale Linn
Justicia pectoralis
Bursera leptopholeos
Ziziphus joazeiro
Punica granatum Linn
NOME POPULAR
Alecrim-pimenta
Alecrim-pimenta
Ameixa
Cajueiro
Cajueiro
Chambá
Imburana
Juazeiro
Romã
e da garganta. A ameixa (X. coreacea) tem também o cozimento de sua casca orientado para o
tratamento de menstruações excessivas, bem
como para cicatrização de feridas bucais.6
Consoante Batistuzzo,7 em levantamento feito
pelo Departamento de Saúde Coletiva da UFRN,
em 1999, 37% da população do Rio Grande do
Norte têm por hábito buscar nas plantas a cura
para os problemas de saúde mais comuns, a gripe,
por exemplo. Somente na falta desses vegetais é
que as pessoas recorrem aos postos de saúde ou
equivalentes da medicina oficial. Isso evidencia
que parte da população recorre a ervas curativas.
É necessário frisar, por outro lado, que esse foi o
único registro encontrado com percentual de
37% de emprego de plantas medicinais pela população; todos os outros estudos revelaram percentuais bem maiores, da ordem de 80%.
No que se refere às indicações das plantas citadas pelos entrevistados nesta pesquisa, constatou-se a semelhança tanto dos CDs quanto da
literatura para a maioria das afecções descritas na
tabela 1. Isso denota que tais plantas são conhecidas e utilizadas pela população, com eficácia
comprovada. Portanto, sua inserção em programas de fitoterapia comunitária seria bastante facilitada, haja vista elas já serem usadas pela
comunidade.
Tipos de fitoterápicos prescritos
pelos profissionais
Quanto à prescrição de fitoterápicos pelos
CDs pesquisados, apenas 5 deles (16,6%) responderam já ter indicado alguma planta medicinal,
ao passo que 25 (83,3%) nunca lançaram mão
dessa alternativa terapêutica. A tabela 2 apresenta
as plantas prescritas pelos profissionais, bem
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INDICAÇÕES
Faringite
Aftas
Cicatrizante
Cicatrizante
Cicatrizante
Tosse
Odontalgia
Prevenção
Gengivite
FORMAS DE UTILIZAÇÃO
Bochecho
Bochecho
Bochecho
Bochecho da decocção
Bochecho das folhas
Lambedor
Resina vegetal
Escovação
Bochecho
como suas indicações e os resultados obtidos com
o tratamento.
Comparando essas plantas prescritas pelos
profissionais com aquelas usadas pelos pacientes,
verifica-se, de modo geral, a similaridade entre os
nomes dos fitoterápicos e suas indicações. Isso
significa que eles possuem eficácia e consistem em
conhecimentos passados culturalmente.
Já ao articular esse resultado com aquele obtido sobre a formação profissional em fitoterapia,
surge um “aparente paradoxo”, na medida em
que toda a amostra foi unânime em responder
nunca ter tido nenhum tipo de informação, seja
de natureza prática seja teórica, sobre o uso de
plantas medicinais. No entanto, questionados sobre uma possível prescrição de tais ervas, 16,6%
dos CDs afirmaram tê-la realizado. A explicação
apresentada por esses profissionais pode ser compreendida pela análise do seguinte relato:
CD 2 — “Eu não sabia assim até como poderia se usar.
Conversando com as meninas da farmácia (as farmacêuticas), que trabalham no projeto Farmácias Vivas, elas
me indicaram. Já que não tem antibiótico pra você passar, vamos passar o alecrim-pimenta pra a pessoa fazer o
bochecho pra regredir o abscesso”.
Nessa fala, observa-se a sugestão do alecrimpimenta para tratar um abscesso dentário, patologia caracterizada pela presença de coleção purulenta, edema e dor. Tal aconselhamento popular
está de acordo com o estudo de Ferreira et al.,8
em que ficou evidenciada umas das indicações
dessa espécie vegetal justamente como agente antibacteriano.
Outro ponto a ser observado é a justificativa
para a prescrição da planta sem a prévia formação nessa área, respaldada no trabalho existente
na unidade de saúde onde funcionou um projeto
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Tabela 2. Nomes científicos, populares, indicações de plantas medicinais e resultados obtidos com o tratamento fitoterápico prescrito
pelos CDs, Natal/RN, 2004.
NOME CIENTÍFICO
Lippia sidoides
Lippia sidoides
Anacardium occidentale Linn
Justicia pectoralis
Justicia pectoralis
Punica granatum Linn
Punica granatum Linn
NOME POPULAR
Alecrim-pimenta
Alecrim-pimenta
Cajueiro
Chambá
Chambá
Romã
Romã
governamental intitulado Farmácias Vivas. Por
meio dele, os farmacêuticos daquela unidade de
saúde preparavam e distribuíam aos usuários géis,
pomadas, sabonetes, cremes e xaropes à base de
plantas medicinais. E instruíram informalmente
alguns CDs da referida unidade, daí decorrendo a
explicação para o “aparente paradoxo”. Por essa
mesma razão, outros três profissionais na mesma
unidade de saúde fizeram uso de fitoterápicos,
com base nas orientações dos farmacêuticos.
Por sua vez, a explicação para a indicação das
plantas medicinais, sem prévia formação nesse
campo do conhecimento, por parte do CD de outra unidade de saúde onde não há o projeto Farmácias Vivas é a seguinte:
CD 20 — “Eu vivo lendo sobre isso. Sou muito naturalista e uso muito na minha casa as raízes”.
Essa fala aponta o fato de que alguns profissionais identificam-se com práticas de saúde que
escapam ao modelo tradicional e valorizam alternativas como a fitoterapia. Ademais, esse dentista
disse já ter sido secretário municipal de saúde
numa cidade do interior potiguar. De acordo
com ele, tal experiência profissional o levou a ter
um contato mais próximo com a população local
e a aprender muito sobre o assunto com o conhecimento popular.
Utilização de fitoterápicos pelos
próprios dentistas
No que tange ao emprego de fitoterápicos pelos CDs estudados, os resultados mostraram que
18 entre eles (60%) já o fizeram pelo menos uma
vez, ao passo que 12 (40%) afirmaram nunca ter
experimentado. Para a maioria que os utilizou, encontram-se explicitados na tabela 3 os nomes populares, as indicações e os resultados alcançados.
Com relação aos fitoterápicos empregados pelos CDs pesquisados, Dahwan et al.9 constataram, numa espécie de maracujá (P. incarnata),
Saúde em Revista
A FITOTERAPIA NA SAÚDE PÚBLICA EM NATAL/RN: VISÃO DO ODONTÓLOGO
INDICAÇÕES
Abcesso dentário
Aftas
Aftas
Tosse
Gripe
Gengivite
Cicatrizante
RESULTADOS
Sucesso
Bom
Bom
Excelente
Bom
Bom
Muito bom
atividade farmacológica ansiolítica e sedativa,
com nível de evidência clínico, farmacológico e
etnofarmacológico. Esse trabalho fundamenta a
indicação do maracujá para insônia, consoante
referido por um odontólogo pesquisado nesse estudo. Os autores afirmaram ainda ser esse fitoterápico um substituto do Diazepan de 5 mg e 10
mg, podendo constituir alternativa na rede pública de saúde, desde que as dosagens sejam bem
calculadas e as indicações precisas.9
Outro fitoterápico que tem sido bastante estudado atualmente é a romã (P. granatum Linn). Pesquisas demonstram a sua atividade antimicrobiana
sobre o Streptococcus mutans, microrganismo de
extrema importância na formação do biofilme
dentário, além do seu uso contra gengivite e feridas bucais, por sua ação anti-séptica, antiinflamatória e antibiótica.4 Este trabalho corrobora a
sugestão da romã como antiinflamatório, citado
pelos CDs pesquisados. Segundo Matos,6 o eucalipto (E. globulus) possui indicações em febres, gripes e resfriados, além de sinusites, na forma de
inalação, a partir da infusão das suas folhas.
Assim, comparando os estudos aqui citados
com os resultados obtidos na tabela 3, nota-se
correspondência terapêutica entre a literatura científica e o uso popular dessas plantas também
adotadas pelos CDs pesquisados neste trabalho.
Além disso, é interessante e curioso perceber que
60% CDs usam fitoterápicos em sua vida cotidiana, mesmo sem ter conhecimento sobre eles.
Ademais, a maioria dos profissionais pesquisados que usam plantas medicinais avalia positivamente a experiência. No entanto, a despeito de
utilizar e avaliar de mod positivo essa alternativa
terapêutica, 25 dentistas (83,3%) não prescrevem
tais plantas. Esse fato pode ser explicado pela falta de conhecimento consistente sobre o assunto,
posto nunca terem recebido nenhum tipo de treinamento específico prático ou teórico.
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Tabela 3. Nomes científicos, populares, indicações de plantas medicinais utilizadas pelos CDs e resultados obtidos com o tratamento,
Natal/RN, 2004.
NOME CIENTÍFICO
Justicia pectoralis
Olea europaea
Plectranthus barbatus Andr.
Baccharis crispa Spreng.
Justicia pectoralis
Justicia pectoralis
Eucalytus globulus
Passiflora incarnata
Chenopodium ambrosioides L.
Chenopodium ambrosioides L.
Eugenia pitanga
Punica. granatum Linn
Punica. granatum Linn
Punica granatum Linn
NOME POPULAR
Anador
Azeitona
Boldo
Carqueja
Chambá
Chambá
Eucalipto
Maracujá
Mastruz
Mastruz
Pitanga
Romã
Romã
Romã
Inserção da fitoterapia como alternativa
terapêutica na rede básica de saúde
Indagados sobre a inserção da fitoterapia
como alternativa terapêutica na rede básica de
saúde, todos os CDs relataram aspectos positivos e
negativos acerca dessa hipótese. Foram os seguintes os aspectos positivos: baixo custo da fitoterapia, efeitos colaterais reduzidos e/ou inexistentes e
maior acessibilidade. No levantamento realizado,
23 profissionais (76,6%) afirmaram que o uso
das plantas medicinais seria bem mais barato para
os serviços públicos de saúde, no tratamento aos
agravos, do que o de medicamentos industrializados.
CD 22 — “Eu acho que o custo-benefício seria bem
melhor, porque a medicação é difícil a gente achar e é
caro pra passar pros pacientes. E a gente tem que passar
os que têm, os que a rede pública oferece. Então, acho
que seria uma alternativa mais barata”.
Outro item merecedor de destaque são os
efeitos colaterais oriundos do uso sistemático
da fitoterapia: para 40% dos CDs da amostra,
as colateralidades são bastante reduzidas e/ou
inexistentes, como pode ser observado na seguinte fala:
CD 1 — “Não é porque eu acho que um medicamento
ansiolítico, esses remédios pra dormir, como um Lexotan
ou um Somalium, essas drogas, elas têm um efeito... Os
efeitos colaterais são maiores; por isso, você vai para os
fitoterápicos, que o efeito colateral é quase nenhum. Aí,
você evita tomar essas drogas, essas drogas que até
causam dependência, né?”.
42
INDICAÇÕES
Cefaléia
Dislipidemia
Digestão
Digestão
Tosse
Tosse
Sinusite
Insônia
Antiinflamatório
Gripe
Dismenorréia
Faringite
Faringite
Antiinflamatório
RESULTADOS
Positivo
Bom
Bom
Bom
Bom
Ruim
Excelente
Bom
Positivo
Bom
Muito bom
Bom
Muito bom
Positivo
Importa aqui clarificar que a fitoterapia é um
sistema de cura pelos contrários, que procura conhecer as causas das doenças e combatê-las, configurando, portanto, uma terapêutica alopática. Ao
contrário do que muitos pensam, fitoterápicos são
também alopáticos. Por sua vez, ambos são diferentes dos medicamentos homeopáticos, cujo sistema terapêutico consiste em tratar as doenças por
meio de substâncias ministradas em doses diluídas,
por vezes infinitesimais. Contrariando esses discursos de que as plantas medicinais não possuem efeitos colaterais, os avanços nos estudos toxicológicos
ajudaram a desmistificar a idéia de que as plantas
medicinais não são nocivas. Elas apresentam um
potencial tóxico, daí porque sua indicação e uso
devem ser supervisionados por profissionais de
saúde com conhecimento em fitoterapia.
Sobre a facilidade do acesso dos usuários às
plantas medicinais, 26,6% dos CDs referiram que
ela parece ser maior, sendo esse um aspecto positivo, especialmente válido para as populações residentes no interior, onde o conhecimento sobre os
benefícios dos fitoterápicos é mais difundido e, por
isso, eles são mais utilizados. No entanto, não é impossível o acesso nas grandes cidades, posto existir
nos centros urbanos largo comércio de plantas medicinais em mercados e feiras livres.10 Já com relação aos pontos negativos que permeiam a inserção
da fitoterapia como alternativa terapêutica na rede
básica de saúde, o despreparo profissional foi o
item mais citado: por 53,3% dos CDs.
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CD 9 — “Desde que houvesse um treinamento dos profissionais para uma utilização racional e segura, seria
uma alternativa. Baratearia os custos. Tendo o profissional qualificado, teríamos ótimos resultados. Agora não se
pode é usar sem conhecimento, como eu, que não me
sinto nem um pouco preparada para isso”.
A ausência de treinamentos nessa área, por
parte das secretarias de saúde de Natal e do Rio
Grande do Norte, é um fato perceptível. Também
é inegável a lacuna existente nas políticas públicas
de saúde no referente à fitoterapia. Como foi dito
anteriormente, a saída para tal problema é tais
conteúdos serem trabalhados desde o início da
formação profissional em odontologia e a oferta
aos alunos de abordagens da terapêutica com
plantas medicinais. Tal ausência de capacitação
está intrinsecamente relacionada à hegemonia do
modelo biomédico especializante e tecnizante na
formação em odontologia e, conseqüentemente,
à desqualificação desse tipo de conhecimento no
“mercado da saúde”, orientado pelos interesses
de grandes corporações e laboratórios.
Outro ponto negativo, apontado nas entrevistas por quatro odontólogos (13,3%), é o uso indiscriminado dos fitoterápicos por parte dos
usuários. Os seguintes trechos contemplam esse
aspecto:
CD 22 — “Em sua maioria, os usuários dos serviços
públicos de saúde são carentes e o acesso às plantas
medicinais é maior pelo menor custo delas. Daí me preocupa a questão do uso indevido, porque é planta, é natural, você pode usar à vontade, mas tem a indicação. É
igual a remédio: porque serve pra ele, ele já vai passando
pro outro. ‘Ah, eu usei isso, daí tu pode usar também”.
CD 15 — “As pessoas vão começar a tomar as coisas de
forma indiscriminada, por isso têm que ter uma ação
educativa, não é?”.
Esses depoimentos revelam uma realidade bastante presente no Brasil: o uso indiscriminado de
medicamentos e a automedicação. Essa utilização
abusiva, errônea e exagerada é um fenômeno observado mundialmente. Uma das explicações recai
justamente no valor simbólico enorme atribuído
ao medicamento, representando saúde, cura e
bem-estar. A esse respeito, Lefrèvre11 afirma que
o remédio visto como um símbolo contém, como
todo símbolo, uma face material (no caso dos medicamentos: grãos, comprimidos, xaropes, gotas,
entre outros) cujo consumo permite a materialização de sua outra face, no caso: a saúde.
A dificuldade de mudar a cultura medicalizante, institucionalizada desde a época da graduação
por meio do ensino de farmacologia, foi um item
Saúde em Revista
A FITOTERAPIA NA SAÚDE PÚBLICA EM NATAL/RN: VISÃO DO ODONTÓLOGO
apontado por quatro dentistas (13,3%) como negativo em termos da prescrição de fitoterápicos.
CD 17 — “Aqui na unidade há uma heterogeneidade
muito grande. Alguns iriam aderir à idéia, mas a maioria,
não. Acho difícil mudar essa cultura medicalizadora! Isso
já vem de longe...”.
Essa declaração retrata, de forma bastante evidente, que o aprendizado na universidade por
parte dos entrevistados é “supremo”, não dando
espaço a outras práticas em saúde, na medida em
que se atesta a dificuldade de mudar a situação
atual de medicalização, na qual o medicamento é
visto como um símbolo e possui alto valor comercial, objeto de lucro para as grandes corporações empresariais que o comercializam.
Outro ponto investigado diz respeito à receptividade em geral dos dentistas à inserção da fitoterapia na atenção básica à saúde. Segundo 12
profissionais (40%), não há aceitação por parte
da categoria em relação a essa proposta. Contrariamente, sete (23,3%) acreditam haver receptividade, mas com ressalvas. Outros oito (26,6%)
disseram ser boa a receptividade dos odontólogos
e apenas três relataram não saber qual seria o
comportamento dos colegas nessa matéria. Observou-se, assim, que boa parte da categoria não
seria receptiva à idéia. Entre as hipóteses aventadas para justificar tal atitude estão a falta de conhecimento sobre o assunto, a dúvida quanto à
eficácia terapêutica das plantas medicinais, o receio pelo seu uso indiscriminado, o analfabetismo
da população, a cultura medicalizante e a pressão
da indústria farmacêutica sobre os profissionais
de saúde. Esses foram alguns dos aspectos negativos referidos pelos entrevistados anteriormente.
Os entrevistados citaram ainda aspectos positivos e negativos sobre a inserção da fitoterapia
como alternativa terapêutica na rede básica de saúde. Consideram haver uma receptividade dos profissionais em geral e que essa inserção seria
positiva, especialmente por seu baixo custo em
comparação com os medicamentos produzidos
pelos grandes laboratórios, questão importante
dada a precariedade do acesso a eles pela maioria
da população. Além disso, a fitoterapia contaria
com a adesão da população, que, no seu cotidiano,
já faz uso de plantas medicinais para diversos fins,
mesmo que inadequadamente, como alguns indicam. Entretanto, essa acessibilidade só seria ampliada se houvesse maior investimento na pesquisa,
produção e distribuição de tais medicamentos,
como parte de uma política pública interessada em
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JOSÉ FERREIRA LIMA JÚNIOR, ET AL.
desenvolver estratégias para produzir novas relações institucionais e práticas de saúde.
Os aspectos negativos ressaltados referem-se
sobretudo à formação da categoria, tal como indicado anteriormente, mas também à força da
cultura medicalizante, que atinge não só os profissionais como também os usuários. Lutar contra
setores hegemônicos, interesses dominantes, práticas cronificadas, a resistência dos colegas, o preconceito em relação à chamada medicina alternativa, sem o suporte da formação e do gestor público, é praticamente inviável.
Por sua vez, a receptividade dos usuários da
rede pública de saúde à inserção da fitoterapia é
positiva, de acordo com 73,3% dos CDs, ao passo que 23,3% acreditam ser negativa e apenas um
do total de entrevistados (3,3%) não soube responder à questão. Esse dado pode ser articulado
com a idéia preconceituosa dos profissionais estudados acerca dos usuários, os quais, via de regra,
são vistos por aqueles como pessoas humildes,
que concordam com o que é dito pelos dentistas,
e que, por estarem nessa condição, têm mais é
que aceitar a fitoterapia.
CONCLUSÃO
Este estudo possibilitou identificar alguns aspectos sobre a aceitabilidade dos CDs que trabalham na rede pública, na cidade de Natal/RN, em
relação à possibilidade de inserção da fitoterapia
na atenção básica de saúde e evidenciou a ausência
de uma formação teórico-prática relativa à fitoterapia no percurso acadêmico/profissional dos entrevistados, refletindo, de certa forma, a realidade
do ensino universitário local e até mesmo nacional.
Tal situação traz implicações importantes, na
medida em que não se introduzem disciplinas nos
currículos acadêmicos, nem se investe suficientemente na pesquisa da biodiversidade de plantas
brasileiras, na validação do conhecimento popular
e na industrialização de tais medicamentos. Desse
modo, é preciso haver uma transformação qualitativa do ensino, no sentido de que a universidade
e os institutos de pesquisa possam induzir modificações ideológicas e políticas entre os profissionais
e a sociedade. Tal mudança não está restrita ao
âmbito acadêmico, mas envolve um conjunto de
questões referentes às políticas públicas de saúde,
à organização dos serviços e à relação com os usuários do sistema de saúde, entre outras.
Diante disso, percebe-se o quanto essa reversão pode ser árdua, cheia de embates e de disputas de poder, constituindo um processo de longo
prazo. Considera-se, pois, que não têm sido observadas medidas que levem à concretização de
tais intenções, apesar de a utilização das plantas
medicinais ser incentivada, estimulada e defendida para ser inserida nos programas de atenção
primária à saúde, e de haver boa receptividade
por parte dos profissionais odontólogos.
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A Fitoterapia na Saúde Pública em Natal/RN: visão do