COLETÂNEA DE ARTIGOS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL EM POLÍTICA E GOVERNANÇA EDUCACIONAL PARA A CIDADANIA, DIVERSIDADE, DIREITOS HUMANOS E MEIO AMBIENTE Universidade Católica de Brasília – UCB Reitor: Dr. Cícero Ivan Ferreira Gontijo Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa: Prof. Dr. Ruy de Araújo Caldas Diretor do Programa de Pós-Graduação em Educação: Dr. Afonso Celso Tanus Galvão COMISSÃO ORGANIZADORA Dra. Ranilce Guimarães-Iosif – Professora do Programa de Educação - UCB Dra. Renísia Cristina Garcia Filice – Professora da Faculdade de Educação – UnB/GERAJU Dra. Lúcia Camini - Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República Dr. José Manoel Pires Alves – Professor do Programa de Educação - UCB MSc. Martha Paiva Scárdua – Assessora do Programa de Educação - UCB MSc. Fernanda Marsaro dos Santos – Doutoranda em Educação da UCB MSc. Olmira Bernadete Dassoler - Doutoranda em Educação da UCB MSc. Janete Palazzo - Doutoranda em Educação da UCB COMITÊ CIENTÍFICO Dra. Ranilce Guimarães-Iosif - Professora do Programa de Educação - UCB Dra. Clélia de Freitas Capanema - Professora do Programa de Educação - UCB Dra. Beatrice Laura Carnielli - Professora do Programa de Educação - UCB Dr. José Manoel Pires Alves - Professor do Programa de Educação – UCB e Fundação Universa Dr. Carlos Ângelo de Meneses Sousa - Professor do Programa de Educação – UCB/Cátedra da UNESCO Dr. Geraldo Caliman - Professor do Programa de Educação – UCB/Cátedra da UNESCO Dra. Renízia Cristina Garcia Filice - Professora da Faculdade de Educação – UnB/GERAJU Dra. Lucia Camini - Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República Dra. Leda Gonçalves de Freitas – Professora do Curso de Pedagogia – UCB Dra. Divaneide Lira Lima Paixão - Professora do Curso de Pedagogia – UCB Dr. Giuliano Pagy Felipe dos Reis – Professor da University of Ottawa, Canadá EQUIPE DE APOIO/ORGANIZAÇÃO Alunos regulares e especiais do Programa de Pós-graduação em Educação da UCB Eliane Fernandes Limão Maria da Glória Emanuella Monteiro Gleice Aline Miranda da Paixão Magali de F. E. de Machado Aline Veiga dos Santos Renato Sérgio Borges Mirian Daniela Andrade Maria Ângela de Moraes Cardoso Olzeni Leite C. Ribeiro Fernanda Penna Regina Oliveira Renato de Oliveira Brito Gabriela Sousa Rêgo Pimentel Márlei Sousa de Almeida José Vicente da Silva Francisco Roberto dos Santos Martha Paiva Scárdua Ranilce Guimaraes-Iosif Olmira Bernadete Dassoler Janete Palazzo (Organizadores) COLETÂNEA DE ARTIGOS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL EM POLÍTICA E GOVERNANÇA EDUCACIONAL PARA A CIDADANIA, DIVERSIDADE, DIREITOS HUMANOS E MEIO AMBIENTE 02 a 06 de Agosto de 2011 Programa de Pós-Graduação em Educação Brasília-DF 2012 RESPONSÁVEIS PELO FÓRUM DE DISCUSSÃO MSc. Martha Paiva Scárdua – Assessora do Programa de Educação - UCB MSc. Fernanda Marsaro dos Santos – Doutoranda em Educação da UCB MSc. Olmira Bernadete Dassoler - Doutoranda em Educação da UCB MSc. Janete Palazzo - Doutoranda em Educação da UCB Equipe Editorial Coordenação Editorial Angela Clara Dutra Santos Diagramação Adriano da Silva Pereira Capa DICOM - Diretoria de Comunicação Educa - Comunicação Educacional Diretor Roberto Rezende Copyright © 2011 by Martha Paiva Scárdua Direitos dessa edição reservados à Universidade Católica de Brasília - UCB. SGAN 916 Av. W5 - Asa Norte - 70790-160 URL: www.ucb.br Tel.: +55-61-3448-7000 C694 Coletânea de artigos do seminário internacional em política e governança educacional / Organizadoras, Martha Paiva Scárdua... [et al.]. - Taguatinga, DF: Universa, 2012. 404 p. : il. ; 21 cm ISBN 978-85-60485-58-1 Inclui bibliografia. 1. Gestão educacional. 2. Inclusão escolar. 3. Professores - Formação continuada. 4. Política educacional. 5. Educação integral. 6. Cidadania. 7. Educação superior. 8. Educação profissional. 9. Direitos humanos – Educação. 10. Educação ambiental. 11. Violência na escola. Scárdua, Martha Paiva, org. II. Título. CDU 37 Ficha elaborada pela Biblioteca Central da Universidade Católica de Brasília – UCB * O conteúdo dos resumos apresentados é de inteira responsabilidade de seus respectivos autores, assim como a adequação técnico-linguística dos textos. S umário Apresentação ............................................................................................9 Eixos temáticos e objetivos do Seminário ............................................... 13 Eixo 1: Políticas Públicas, Governança e Gestão Educacional: desafios sociais........................................................................................................15 As competências do gestor escolar no entorno sul do Distrito Federal – Eliane Fernandes Limão......................................................................... 17 População em situação de pobreza e qualidade da educação brasileira – Natália Duarte......................................................................................... 29 A política de ensino médio nos marcos da Constituição/1988 e da LDB/1996: o estado atual da questão em um município baiano – Gabriela Sousa Rêgo Pimentel................................................................................. 43 A gestão focada na inclusão: escola aberta para a diversidade – Gleice Aline Miranda da Paixão e Aline Veiga............................................................... 59 Acessibilidade e expansão da Educação Superior no Brasil: os impactos do ordenamento legal e de variáveis sócio-econômicas relacionadas à educação superior – Renato Borges.......................................................... 71 Políticas públicas e gestão do ensino médio público no Distrito Federal: a formação continuada de professores na perspectiva de organismos multilaterais – Fontele de Lima Júnior e Kátia de Jesus Amin Athayde Figueiredo.................................................................................................. 87 Gestão de TI: ferramenta de suporte para a Educação a Distância – Fábio Brito Gontijo............................................................................................ 101 Formação continuada de professores e políticas educacionais: discutindo conceitos, concepções e metodologias – Simone Coité......................... 115 Eixo 2: Política Educacional, Cidadania e Movimentos Sociais: perspectivas e desafios locais e globais. ..........................................131 Educação integral e educação de tempo integral: desafios e contradições na construção da cidadania – Fernanda Marsaro dos Santos e Janete Palazzo...................................................................................................... 133 Desafios e implicações da governança educacional para uma Educação Católica na construção da cidadania – Olmira Bernadete Dassoler...... 149 A cidadania docente na educação superior – Isabela Cristina Marins Braga.......................................................................... 167 Políticas educacionais e exclusão: questões contemporâneas de cidadania dos estudantes com superdotação em situação de pobreza – Olzeni L. Costa Ribeiro, Magali de Fátima Evangelista Machado e Renato de Oliveira Brito R........................................................................................ 183 Os desafios da Educação Profissional brasileira na promoção da cidadania – Kátia Christina Soares de Morais Corrêa............................................ 201 Eixo 3: Política e Gestão Educacional para a Diversidade étnico-racial, sexual, social, cultural e lingüística..............................................217 Construção e desafio de uma identidade negra positiva a partir de Alberto Melucci – Jorge Manoel Adão................................................................. 219 Da necessidade de novas práticas: implicações da Lei Federal Nº 10.639/2003 no Ensino Médio – Denise Maria Soares Lima................ 235 Candomblé Iorubá: a relação do homem com seu orixá pessoal – Francisco Thiago Silva.............................................................................................. 251 Desigualdade social, educação e literatura infantil: aspectos relevantes para um projeto de identidade étnico-racial na escola – Lucilene Costa e Silva273 Movimento Negro: a educação no contexto dos avanços após a marcha Zumbi dos Palmares – João Costa Lima................................................. 289 A diversidade na escola: como lidar com as relações étnico-raciais, de gênero e sexualidade? Ana José Marques, Leila d’Arc de Souza e Márcia Lucindo Lajes........................................................................................... 311 Eixo 4: Política e Gestão Educacional em e para os Direitos Humanos e o Direito à Educação no Brasil........................................................331 A educação em direitos humanos no Distrito Federal: conquistas e desafios – Adriana Miranda e Maraísa Lessa........................................... 333 Eixo 5: Política e Gestão Educacional para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável . ........................................................347 Ambientes alternativos de vivência e aprendizagem - Luiz Síveres, Lucicleide Araújo e Carla Cristie França................................................ 349 A Educação Ambiental e a formação de professores em Ciências: um caminho para o desenvolvimento sustentável – Fernando Barcellos Razuck e Renata Cardoso de Sá Ribeiro Razuck................................... 363 Eixo 6: Política e Gestão Educacional, Sociedade e Juventude ............379 Consumo, espetáculo e violência nas escolas públicas do Distrito Federal – Diogo Acioli Lima................................................................................. 381 Formação e atuação do educador social no Brasil – Luciano Cardoso.....393 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional A presentação É com grande alegria que lhes apresento a Coletânea de artigos do seminário internacional em política e governança educacional para a cidadania, diversidade, direitos humanos e meio ambiente. Esta publicação simboliza a culminância de um projeto acadêmico inovador que nasceu no primeiro semestre de 2011 no seio do Programa de Mestrado e Doutorado em Educação da Universidade Católica de Brasília. O grupo de alunos e docente que idealizou o evento sonhava em fortalecer na academia um espaço para o diálogo entre diferentes formas de saberes e para a possibilidade de se pensar as políticas educacionais de uma forma mais dinâmica e voltada para as grandes questões sociais contemporâneas no Brasil e no mundo. O seminário foi um grande sucesso e contou com a presença de mais de 250 participantes. Além dos palestrantes e participantes brasileiros, tivemos também a presença de pesquisadores e educadores do Canadá, Japão, Timor Leste e de outros países, o que tornou o evento um espaço privilegiado para se discutir a educação tanto na dimensão local como internacional. Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Durante os cinco dias do evento (02 a 06 de agosto de 2011), criou-se uma cultura de troca de saberes em que tanto membros da academia como de organizações da sociedade civil, órgãos governamentais e grupos culturais tiveram a oportunidade de interagir e aprender uns com os outros. A diversidade na composição das mesas, na programação cultural e do público presente mostrou que tanto o saber formal como o não formal e informal são importantes e necessários para se compreender em profundidade a complexidade da sociedade e da educação. Os trabalhos que você vai encontrar nesta obra mostram um pouco dessa diversidade e da preocupação em trazer as questões sociais para o centro das discussões acerca das políticas e da governança educacional para o espaço acadêmico no Brasil. Os autores, em grande parte, alunos e professores de mestrado e doutorado em educação e áreas afins, problematizam com bastante propriedade como questões relacionadas à cidadania, diversidade, direitos humanos e meio ambiente se relacionam com a educação e com os problemas sociais no contexto nacional e global. Paralela a esta publicação, será lançado em 2012, um livro impresso com os textos dos palestrantes e de alguns membros da equipe organizadora do seminário. A leitura dessas obras contribuirá para que o leitor possa ampliar sua compreensão acerca das relações controversas e necessárias que cercam o campo da política educacional brasileira e do seu desafio de contribuir para a construção de um país onde a equidade e a emancipação social sejam efetivamente uma realidade. Além disso, abrem caminho para que possamos nos posicionar mais criticamente em relação à rede de relações que cercam o campo da governança educacional na atualidade, em que as decisões deixaram de ser responsabilidade do Estado Nação e passaram a sofrer influência direta de diferentes atores internacionais e nacionais, representados por grandes organizações e corporações, tais como: Banco Mundial, OCDE, UNESCO e Fundação Roberto Marinho. 10 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional O convite à leitura de cada texto selecionado para esta publicação é um apelo para conhecer um pouco mais sobre o Brasil, sua sociedade e os problemas e desafios a serem enfrentados por suas políticas educacionais a partir de agora. A nossa expectativa é que você encontre nesta obra inspiração para escrever mais sobre os assuntos aqui tratados e para se engajar na luta pela construção de um modelo mais ético e humano de educação e de uma sociedade brasileira justa e inclusiva: efetivamente para todos! Ranilce Guimaraes-Iosif Professora do Programa de Mestrado e Doutorado em Educação da UCB 11 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Eixos Temáticos e Objetivos do Seminário 1.1.Eixos Temáticos As discussões realizadas no seminário estão divididas nos seguintes eixos temáticos: Eixo 1: Políticas Públicas, Governança e Gestão Educacional: desafios sociais Eixo 2: Política Educacional, Cidadania e Movimentos Sociais: perspectivas e desafios locais e globais Eixo 3: Política e Gestão Educacional para a Diversidade (étnico-racial, sexual, social, cultural e linguística) Eixo 4: Política e Gestão Educacional em e para os Direitos Humanos e o Direito à Educação no Brasil Eixo 5: Política e Gestão Educacional para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável Eixo 6: Política e Gestão Educacional, Sociedade e Juventude 1.2. Objetivos 1. Oferecer oportunidades para que os participantes discutam, problematizem e se posicionem a respeito dos desafios locais e globais da política e governança educacional diante da cidadania, diversidade (étnico-racial, cultural, sexual, religiosa, linguística etc.), direitos humanos e meio ambiente; 2. Refletir sobre os desafios contemporâneos da política e gestão educacional diante dos problemas sociais agravados por uma globalização neoliberal que perpetua a exclusão e a violação dos direitos humanos no contexto local e global; 13 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional 3.Repensar o papel das instituições de ensino e dos movimentos sociais diante da promoção de uma educação formal e não formal antirracista e voltada para a defesa da cidadania democrática e do respeito à diversidade. 14 Eixo 1: Políticas Públicas, Governança e Gestão Educacional: desafios sociais Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional As competências do gestor escolar no entorno sul do Distrito Federal Eliane Fernandes Limão Escola Universo e UNIDESC Resumo: A presente pesquisa investigou o papel do gestor escolar e visualizou competências e habilidades necessárias ao desenvolvimento dessa função primordial no universo da educação, considerando as mudanças atuais. O gestor escolar é o responsável pela organização do trabalho de toda equipe escolar, é aquele que gerencia todas as ações pertinentes à organização do trabalho desde o planejamento, monitoramento, execução, controle e avaliação das práticas administrativas e pedagógicas da instituição. O mesmo não pode esquecer a importância da responsabilidade de todos, a fim de evitar imposições e autoritarismo. Todas essas premissas foram consideradas no transcorrer de todo o escrito, destacandose análises de estudiosos e pesquisadores que defendem a gestão escolar como um dos caminhos para a conversão do processo educacional. Foram levantadas dificuldades e desafios na rotina dos gestores escolares, sobretudo em escolas públicas da região do entorno que, mesmo estando localizadas a pouco mais de 50 km da capital federal do país, têm uma política educacional incompatível com a realidade e necessidade da região. A formação continuada do profissional de gestão escolar e o uso das tecnologias da informação merecem receber por parte de todos, em especial do governo, mais incentivos. No que tange à formação inicial dos gestores, faz-se necessário que as Instituições de Ensino Superior rediscutam a importância dos cursos de Licenciaturas, fomentando o debate e investindo na formação de profissionais para que compreendam que a Educação é elemento chave para a transformação da sociedade. Palavras-chave: Educação. Gestão. Competência. Habilidade. 17 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional INTRODUÇÃO A pesquisa que investigou o papel do gestor escolar buscou visualizar competências e habilidades para o desenvolvimento dessa função primordial no universo da educação, levando em conta tantas mudanças contextuais. Oliveira (2005, p. 24), ao tratar da evolução histórica da gestão educacional, procura demonstrar que o avanço tecnológico gerou “grandes mudanças no contexto de organização, repercutindo na configuração de novos modelos no campo da administração e no campo da educação”, assegurando ainda, que com “o avanço industrial surgiram novas organizações e novos métodos administrativos”, influenciando diretamente o contexto escolar. Em se tratando de competências e habilidades, fazse importante a conceitualização desses termos. As competências podem ser entendidas como o conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes, já as habilidades estão agregadas ao saber fazer, de acordo com Moretto (1999, p. 50): As habilidades estão associadas ao saber fazer: Ação física ou mental que indica a capacidade adquirida. Assim, identificar variáveis, compreender fenômenos, relacionar informações, analisar situaçõesproblema, sintetizar, julgar, correlacionar e manipular são exemplos de habilidades. Já as competências são um conjunto de habilidades harmonicamente desenvolvidas e que caracterizam, por exemplo, uma função/ profissão específica [...]. As habilidades devem ser desenvolvidas na busca das competências. O gestor escolar necessita desenvolver competências e habilidades. As competências estão ligadas ao pensar e refletir sobre o que se faz, e as habilidades são demonstradas pela capacidade de colocar projetos em prática. O gestor é aquele que vai gerir todas as 18 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional ações pertinentes à organização do trabalho escolar, planejamento, monitoramento, execução e avaliação das práticas administrativas e pedagógicas da instituição, não esquecendo a importância do envolvimento de todos evitando imposições e autoritarismo. Para os gestores entrevistados a “gestão está relacionada ao ato de administrar e, portanto, pode ser considerada uma arte e uma técnica muito antiga”. Afirmam ainda, que “a gestão de uma instituição escolar deve funcionar como instrumento executivo, unificador e de integração do processo de escolarização”, destacando entre as muitas competências necessárias ao gestor escolar, as que seguem abaixo: •Ser articulador da proposta pedagógica; •Decifrar e compartilhar as informações contidas em leis que afetam o cotidiano escolar; • Propiciar momentos de discussão organizados, com pauta definida, com tempo e espaço para que todos participem; • Definir problemas e identificar soluções, levando em consideração a opinião de todos; • Coordenar a parte administrativa sem prejuízo do acompanhamento das questões pedagógicas; •Ressaltar as funções educativas de todos os funcionários; • Providenciar condições materiais e estruturais para que possam realizar seu trabalho; •Ser líder. Outro gestor afirma que o mesmo “deve ter espírito de liderança”, e essa é, também, a visão de outros. Na percepção deles o gestor, além de líder, deve ter “a capacidade de articulação, de decisão e delegação, de responsabilidade, ética e transparência” e, ainda, “ser conhecedor de assuntos técnicos, pedagógicos, administrativos e financeiros”. A liderança está no rol das competências do gestor escolar sendo de caráter imprescindível para o andamento e desenvolvimento do trabalho, embasados em ações e atitudes fundamentadas, conforme avalia Assali (2008): 19 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional A liderança se desenvolve por meio de muito conhecimento, muita leitura, muita avaliação e principalmente, por muita prática, muita ação. A liderança é, portanto aprendida. É preciso querer e fazer. Nem todo administrador torna-se um líder. Temos muitas situações em ambientes escolares em que existe a figura do diretor empossado como autoridade formal (legal), porém a liderança da escola recai sobre o vice-diretor, ou ainda do Prof. Coordenador, ou até um Professor. Outro ponto tratado pelos gestores é o trabalho em equipe. Estes afirmam que “a gestão de qualidade e sucesso deve ser baseada em democracia, o caminho é a descentralização, isto é, o compartilhamento de responsabilidades com alunos, pais, professores e funcionários, ou seja, onde todos os atores envolvidos no processo participam das decisões’. Dirigir uma equipe pressupõe que todos os membros sintam-se coletivamente responsáveis pelo seu funcionamento, de modo que cada um exerça, pessoalmente, uma parte do comando e de sua condução. O gestor escolar deve zelar por vários aspectos entre eles a execução do Projeto Político Pedagógico (PPP) para que sua implantação não seja feita de maneira hierárquica (de cima para baixo) deixando de lado partes interessadas. Além disso, tem papel fundamental na intermediação das decisões e contribuições ao saber planejar sobre o que e como fazer de maneira clara e objetiva ao projetar o futuro para mudanças significativas à realidade escolar. A escola, como qualquer outra instituição social tem sido interrogada com frequência a respeito do papel que desempenha diante do seu público. È importante defender que, através do aprimoramento do conhecimento, o gestor estará apto para trabalhar o indivíduo no desenvolvimento de suas potencialidades, ou seja, o gestor “é o próprio produtor de sua profissão”. A palavra formação, no sentido pedagógico surge relacionada à questões militares em 1908, porém é a partir dos anos 60 que passa 20 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional a ser utilizada na educação com uma vasta gama de significados, abrangendo tanto o curso (habilitação acadêmica), o sistema (o plano de formação dos formadores) quanto o processo (a formação como resultado). O termo formação, entendido como ensino, surge provavelmente da necessidade, que as pessoas sentem de atualizar os próprios conhecimentos constantemente, em razão das transformações sociais observadas, as quais a escolarização formal já não consegue dar respostas somente com a estrutura institucional básica. (AMARAL, 2009, p. 10) O debate acerca da formação do gestor escolar deve estar vinculado à formação inicial do pedagogo. O ensinar requer um dinamismo democrático no que diz respeito à prática pedagógica, isso requer formação continuada. O gestor diligente estará sempre buscando o novo e, essa postura, certamente, instigará os que estão em volta a também pesquisar, sem imposições, mas pela simples vontade de conhecer mais e mais. Considerar o contexto vivenciado pela comunidade escolar e o conhecimento gerado a partir dele, possibilitará ao gestor uma prática respeitosa, comprometida, crítica e acima de tudo ética. Pedro Demo (2010) acredita que a Pedagogia é um dos cursos universitários mais importantes porque define a maior razão de ser de todos os cursos: aprender. A atuação do gestor escolar certamente vai refletir a sua formação inicial. Segundo Luck (2002), há em todo o mundo sistemas educacionais que selecionam seus professores e diretores com base em identificações políticas ou familiares. E essa prática é predominante nas escolas municipais do Goiás. Infelizmente, nem todos os profissionais indicados por essa via, estão devidamente habilitados ou qualificados para desempenhar uma gestão de qualidade. 21 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Almeida (2005) salienta a importância de se desenvolver processos de formação direcionados para as especificidades do trabalho dos gestores educacionais, alicerçados na articulação das dimensões administrativas e pedagógicas e na integração entre tecnologias e metodologias de formação, compreendendo-se as tecnologias como artefatos que favoreçam encontros entre pessoas, valores, concepções, práticas e emoções. Cabe ao Estado, através de políticas educacionais, criar mecanismos e oportunidades que possibilitem formação continuada ao gestor escolar, especificamente. Profissionais capacitados estão abertos a novas mudanças, sempre a frente de seu tempo, concomitantemente sentirão segurança para gerenciar os conflitos internos e externos como foi levantado nas pesquisas. METODOLOGIA A pesquisa foi realizada com a turma do curso de Pedagogia, 4º semestre, do Centro Universitário de Desenvolvimento do Centro Oeste, UNIDESC, localizado em Luziânia/GO, sob a orientação da professora, a fim de se observar, relatar e elencar as competências do Gestor Escolar na Região Centro-Oeste em 30 (trinta) escolas. Foram organizados 8 artigos dos quais este paper é um aprofundamento do referido trabalho realizado com a turma. É possível identificar através dos gráficos que o maior número de gestores entrevistados tem sua atuação em escolas públicas de Luziânia e Cidade Ocidental, cidades localizadas no Estado de Goiás. Importante destacar que essas cidades encontramse no Entorno do Distrito Federal. 22 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional M O D AL ID AD E 12% P ÚB LICA 21% P A RTICULA R Nà O INF O RM A DO 67% L o c a lizaçã o d as e sc o las N ão inform ado V alparaíso C idade O cidental Luziânia 1 0 5 10 15 20 A pesquisa foi feita através de entrevista pessoal com o gestor de cada instituição e utilizou-se de questionário contendo 3 (três) perguntas do tipo aberta, o que resultou em respostas amplas. Para facilitar a visualização dos pontos levantados foi construída uma tabela levando em conta aspectos que mais apareceram na respostas. QUESTÃO 01 - Quais competências necessárias ao Gestor Escolar? QUESTÃO 02 - Quais os passos adotados para a gestão da qualidade total na escola QUESTÃO 03 - Nossas escolas estão prontas para os desafios do mundo corporativo? 23 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional RESULTADOS Analisando o quadro Competências do Gestor Escolar ficou visível a predominância de temas diretamente ligados às demandas pedagógicas, seguido das administrativas. De acordo com alguns relatos, a visão do gestor não deve se restringir ao espaço setorial da sua direção, mas situar-se na amplitude do espaço de toda a organização, compreendendo as áreas técnicas, pedagógicas, administrativas, financeiras e a realidade escolar, criando um ambiente acolhedor, incentivando a equipe pedagógica e mediando os conflitos oriundos das diversidades inerentes ao ser humano. Mesmo não sendo lembrado por todos os gestores, o PPP aparece como uma “elaboração coletiva e participativa”, demonstrando a necessidade do envolvimento de toda comunidade escolar. A realidade da comunidade, inserida no espaço escolar faz parte dos paradigmas da nova concepção de conhecimento escola/comunidade preconizados pela LDB, sendo, portanto, um diferencial na formação do educando. Art. 2º. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (LDB) A maioria dos gestores fez referência à liderança, flexibilidade e diálogo. Sabe-se que na maioria das escolas pesquisadas, o gestor não é escolhido através da votação e sim por indicação. A liderança pode ser espontânea ou por imposição do cargo assumido e a utilização sábia possibilita motivar os colaboradores. O trabalho coletivo é enfatizado pelos gestores devendo acontecer em consonância com as diversidades e de forma 24 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional democrática, possibilitando o pensamento crítico, “a liberdade de aprender, ensinar a pesquisar e divulgar a cultura”, levando em conta conteúdos interdisciplinares, voltados ao alcance da melhoria das condições de aprendizagem e ensino. Percebe-se que as gestões não levaram em conta a complexidade e a importância da capacitação continuada. Essa defasagem parece estar refletida na administração que conta com um efetivo descentralizado, onde cada qual segue seu curso sobrecarregando a gestão. Profissionais de educação capacitados estão abertos a novas mudanças, sempre a frente de seu tempo e concomitantemente sentirão segurança para gerenciar os conflitos internos e externos como foi levantado nas pesquisas. É importante destacar que a formação profissional está intrínseca na capacitação e atualização de conhecimentos, sendo imprescindível para a transmissão de saberes e gestão de uma equipe. As respostas dos gestores possibilitam crer que não estão seguros quanto às escolas estarem prontas para os desafios do mundo corporativo. Estão cientes das mudanças do mundo contemporâneo, mas, não se sentem apoiados por políticas públicas que assumam o sistema educacional como prioridade, inclusive há referência que “o mundo corporativo é altamente competitivo, informatizado” e que as escolas não estão prontas seja na parte de infraestrutura ou de segurança institucional. A tabela abaixo, fruto da pesquisa, elenca aspectos condizentes com as competências e habilidades do gestor escolar no que tange questões de cunho administrativo, da prática pedagógica e referente também, à formação profissional, visando o que se pode chamar de qualidade total na educação. 25 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Aspectos levantados quanto ao perfil de gestores escolares QUANTO À ÁREA ADMINISTRATIVA QUANTO Á ÁREA PEDAGÓGICA - Garantir o cumprimento do calendário escolar - Cumprir e fazer cumprir as leis educacionais - Conhecer a realidade da escola e da comunidade - Ter visão ampla de toda organização -Fazer gestão compartilhada - Estimular e apoiar projetos pedagógicos - Promover o envolvimento dos pais - Zelar por um ensino de qualidade -Incentivar o trabalho coletivo - Ter visão pedagógica QUANTO À FORMAÇÃO PROFISSIONAL - Atualizar-se e compartilhar seus conhecimentos -Ter formação ampla e continuada -Possuir conhecimento diversificado - Ter formação específica na área - Buscar formação continuada QUALIDADES INERENTES A TODOS OS ASPECTOS -Ter responsabilidade e liderança - Gerenciar conflitos internos e externos - Trabalhar em equipe - Trabalhar a solução de problemas CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa demonstrou que os gestores escolares têm conhecimento das competências e habilidades inerentes ao cargo que desempenham e, sobretudo, entendem a complexidade da tarefa de conduzir de forma democrática e responsável a direção de uma unidade educacional, espaço de diversidade e desafios dos mais variados. Ficou perceptível que esses profissionais não estão muito seguros quanto às escolas estarem prontas para os desafios do mundo corporativo. Estão cientes das mudanças do mundo contemporâneo, mas, não se sentem apoiados por políticas públicas que assumam o sistema educacional como prioridade, reclamam ainda, que as escolas não estão prontas no que se refere à infraestrutura e segurança institucional. 26 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Foram levantadas dificuldades e desafios na rotina das gestões escolares, sobretudo em escolas públicas da região do entorno que, mesmo estando localizadas a pouco mais de 50 km da capital do país, têm uma política educacional incompatível com a realidade e necessidade da região. A formação continuada do profissional de gestão escolar e o uso das tecnologias da informação para o enriquecimento das práticas educacionais são temas desafiadores e que, também, merecem receber, principalmente dos governos, incentivo e insumos. No que tange à formação inicial dos gestores, faz-se necessário que as instituições de ensino superior rediscutam a importância do curso de Pedagogia, fomentando o debate e investindo na formação de profissionais vislumbrando a educação como elemento chave de transformação da sociedade. A escola precisa ser vista como um conjunto e todos ali devem se sentir responsáveis e comprometidos pela condução do processo de ensino-aprendizagem, numa ação característica da gestão escolar. Importante ressaltar que o processo educativo, onde quer que aconteça, será sempre definido a partir do contexto social e político que determina seus objetivos e meios de ação. Existe uma relação importante da educação com os processos formadores da sociedade. “Desde o início da história da humanidade, os indivíduos e grupos travavam relações recíprocas diante da necessidade de trabalharem conjuntamente para garantir sua sobrevivência” (Libâneo, 1994, p.19). Estes fatores desencadearam a desigualdade econômica e de classes, traço aparente nas sociedades atuais, além de determinar o tipo de acesso que os indivíduos têm à educação. Revela-se a partir das colocações, quão importante se faz a atuação dos profissionais da educação estando diretamente ligados à formação intelectual e crítica de seus alunos. 27 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional REFERÊNCIAS ALMEIDA, Maria D.; NETO, Antônio Cabral . Educação e Gestão Descentralizada: Conselho Diretor, Caixa Escolar, Projeto Político-Pedagógico. In______. Gestão escolar e formação de gestores. Disponível em: <http://www.crmariocovas.sp.gov.br/ pdf/em_aberto_72.pdf>. 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OLIVEIRA, Maria Auxiliadora Monteiro. Gestão Educacional: novos olhares, novas abordagens. Petrópolis: Vozes, 2005, 119p. 28 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional População em situação de pobreza e qualidade da educação brasileira Natália Duarte, Universidade de Brasília Resumo: Este estudo analisa relação entre a educação formal e a população em situação de pobreza. Socializa algumas conceituações sobre pobreza e reflete sobre seus fundamentos. Apresenta estudo estatístico preliminar sobre a relação entre educação formal e pobreza a partir da correlação entre o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) da escola e população em situação de pobreza. A partir do diálogo com os indicadores de fracasso escolar apresentados conclui ressaltando as características de uma política pública social e a necessidade de se garantir à escola e à educação a distribuição democrática do sucesso escolar como complementação do acesso à escola. Palavras-Chaves: Educação Formal. Fracasso Escolar. Pobreza. Política Educacional. Política Social. A elaboração do presente trabalho contou com o apoio da CAPES, através do Programa Observatório da Educação (Edital 038/2010/CAPES-INEP). 29 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Introdução O Brasil não é um país pobre, mas um país extremamente desigual. Sempre figurou na lista das grandes economias mundiais ao tempo que apresenta um dos maiores índice de Gini. Por esse motivo convivemos, cotidianamente com a pobreza e a miséria, em todos os espaços e territórios nacionais. Nos últimos anos, 28 milhões de brasileiros saíram da pobreza absoluta e 36 milhões entraram na classe média brasileira. No entanto, 16 milhões de pessoas ainda permanecem na pobreza extrema. Dentre esse contingente de brasileiros desamparados e à margem do emprego e da maioria dos serviços prestados pelo estado, os que estão na faixa etária de 7 a 14 anos encontram-se na escola. Essa é uma das razões para que a política educacional apresente indicadores tão desiguais, especialmente os que comparam escolaridade de ricos e pobres, que ferem o caráter democrático e universal da educação pública brasileira determinada na Constituição Federal. E uma análise mais cuidadosa sobre esses indicadores permite constatar uma forte correlação entre situação de pobreza e fracasso escolar: baixos indicadores escolares nos dirigem, quase sempre, aos mesmos lugares que os indicadores de vulnerabilidade social e pobreza. É um coeficiente expresso em pontos percentuais, divulgado pelo PNUD, que mede o grau de desigualdade existente na distribuição de indivíduos segundo a renda domiciliar per capita, que varia de 0 - quando não há desigualdade - a 1 - quando a desigualdade é máxima. O Brasil apresenta o 3º pior índice do Planeta - 0,515. Informações retiradas do Plano Brasil sem Miséria, in http://www. brasilsemmiseria.gov.br/ 30 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Aproximações conceituais sobre pobreza e política social de Educação Há formas muito distintas de discutir, reconhecer e conceituar a pobreza. Coexistem definições diferentes bem como diferentes interpretações desse fenômeno. De modo geral, as diferentes nomeações são tributárias de distintas concepções de homem e sociedade. Carência, pobreza relativa, pobreza absoluta, desigualdade social e exclusão são exemplos de diferentes nomes para o mesmo fenômeno social com explicações diferenciadas. De um modo geral, quando se entende a pobreza como relativa ou absoluta, opta-se pelas medidas em detrimento da discussão e análise importante: causas e origem. Por exemplo, quando os marcos regulatórios definem pobres as famílias que vivem com menos de ¼ de salário mínimo - condição necessária para recebimento de alguns benefícios. Discute-se pobreza por estatutos sem aproximar-se do tema. Sob o enfoque neoliberal, a denominação usual da pobreza é exclusão social, adequada do ponto de vista pós-moderno, mas imprópria à perspectiva materialista histórica. Como exclusão ignora-se a luta de classes e o processo de expropriação da riqueza dos grupos trabalhadores, individualizando-se a situação de pobreza ao tempo que se autoriza imaginar a pobreza como estado de anomia e não com condição do sistema de produção capitalista que não pode ser abolida conforme a lei geral da acumulação (MARX, 2006). Entretanto, essa perspectiva tem sido adotada e servido de fundamento para operar a quase que totalidade das políticas econômicas e sociais próprias do paradigma das oportunidades e do empreendedorismo - que conformam estratégias de enfrentamento da condição de exclusão social atribuindo ao indivíduo a responsabilidade pela sua condição de excluído, assim como por sua inclusão. 31 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional As mais adequadas aproximações da pobreza (e, coincidentemente, menos adotadas) são as estabelecidas em relação, como a formulada por Towsend, que afirma: “indivíduos, famílias e grupos podem ser considerados pobres quando lhes faltam recursos para obter uma dieta básica, participar socialmente e não ter condições de vida que são as validadas pela sociedade à qual pertencem” (apud PEREIRA, 2006, p. 235) ou por Pereira (2000), que utiliza as necessidades humanas e não os mínimos sociais como referência para políticas de garantia dos direitos sociais. Para Lavinas (2003), a pobreza é fruto da dinâmica do mercado de trabalho e da incapacidade do sistema de proteção social que “estrutura o conjunto de relações e interações entre a sociedade civil, o Estado e o mercado” (p. 26). Para a autora, programas e ações das políticas sociais alcançam alguns resultados na reversão da pobreza extrema e na concretização de uma ação positiva do Estado a fim de assegurar direitos. Entretanto, são programas relativamente recentes e sua existência depende de um conjunto de fatores estruturais e conjunturais – inclusive da interpretação conceitual que se dê à pobreza e às políticas sociais (SETIÉN; ARRIOLA, 1997). O principal papel atribuído às políticas sociais é preservar direitos, bem estar, estabilidade social e certo grau de coesão (MORENO, 2004). No entanto, no Brasil, essa positivação não vem conseguindo aproximar a sociedade brasileira da justiça social. Um conjunto de direitos econômicos, políticos e sociais assegurados legalmente estão apartados de grupos de cidadãos empobrecidos. Por exemplo, a educação, saúde e trabalho são direitos universais reconhecidos por diversos marcos legais brasileiros, no entanto, o desenho dessas políticas e a forma como os serviços públicos estão sendo prestados, bem como sua abrangência e qualidade, explicitam o frágil compromisso do estado brasileiro com a cidadania. A positivação da educação conforme orientação legal exige a prestação de serviços educacionais de qualidade a toda população, indistintamente. No entanto, a educação pública brasileira padece 32 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional de sérias distorções e contradições. Apenas dois exemplos, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2007, entre os 20% mais pobres da população 32% dos adolescentes de 15 a 17 anos estavam no ensino médio, enquanto, dentre os 20% mais ricos encontrávamos 77,9%; a escolaridade média da população rica é de 12 anos, enquanto A da população pobre é de 3,4 anos. Essas diferenças nos indicadores educacionais ofendem, inclusive, o paradigma das oportunidades e do empreendedorismo. O indicador de qualidade da educação construído pelo governo brasileiro em 2007, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), também denuncia profundas desigualdades. Temos sistemas de ensino com notas que variam de 1,8 a 6,0 e a discrepância entre escolas varia de 0,7 a 8,5 (BRASIL, 2007b). Essas desigualdades são reflexos de um processo complexo e multideterminado: da estruturação sócio-político-econômica da sociedade brasileira à organização do trabalho pedagógico realizado no cotidiano escolar por profissionais das escolas públicas. É certo que o acesso a todos os níveis de ensino é bandeira de luta e uma grande conquista para as classes populares. Somente assim se inaugurou o ingresso da classe popular em instituições anteriormente limitadas a uma minoria. Hoje, a escola pública brasileira é realidade e está presente em toda parte, no entanto, o sistema educacional brasileiro deixou de reproduzir a exclusão de pobres, índios, mulheres, negros, pessoas com deficiência, homens e mulheres do campo, mas sua interdição se dá por um percurso escolar repleto de fracasso e evasão. Freitas (2002) formulou três teses para esse fenômeno: pode ocorrer no interior da escola a conversão da exclusão objetiva em exclusão subjetiva, por meio da organização do trabalho pedagógico; também se pode acionar a avaliação informal no sentido de criar trilhas de progressão continuada diferenciadas; por fim, pode acontecer a desresponsabilização das instituições escolares em relação à escolarização das camadas populares. Nessa mesma perspectiva, Silva e Freitas (2006) entendem a experiência da escola 33 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional das classes populares como situação privilegiada para compreender a escolarização em ato: “quanto mais pesa sobre a criança ou sobre o jovem a imagem da trajetória pré-concebida, mais facilmente os ‘índices de fracasso’ são acionados como ‘componente de prova’ da incompatibilidade previsível entre ‘os que fracassam’ e os signos de sucesso” (2006, p. 17). É forçoso constatar um ciclo trágico: pobreza, baixa escolaridade, baixo salário, pobreza. A pobreza e a desigualdade vêm sendo apontadas como os fatores principais que contribuem para perpetuar o fracasso escolar que, por sua vez, explica a reprodução social e a limitação da mobilidade. Um ciclo tautológico que a produção acadêmica recente busca compreender, mas não apresenta consenso sobre essa realidade. O impacto da população em situação de pobreza na escola Ao optar-se por investigar a relação da educação com a pobreza faz-se necessário explicitar o foco a partir da classe social na sociedade capitalista, assim como a perspectiva da análise: materialista histórico-dialética. Assim, partimos do pressuposto de que a pobreza é intrínseca ao funcionamento normal da sociedade capitalista, que pode ser minimizada por políticas sociais efetivas, mas precisa ser constantemente vigiada tendo em vista que, essa contradição de classe, jamais será superada no sistema capitalista de cunho neoliberal. Outro ponto a ser esclarecido: a incapacidade de supressão da luta de classes no sistema capitalista não implica em perspectiva pessimista. Faz-se necessário explicitar que a noção de políticas sociais adotada aqui é tributária do materialismo históricodialético que a compreende como possível de intervir e minimizar a pobreza, capaz de assegurar as necessidades humanas a toda à população e produzir bem-estar social, mas não corrigir a assunção do trabalho pelo capital. O funcionamento da sociedade capitalista, em sua dinâmica, produz, necessariamente, a pobreza, que pode apenas ser minimizada. 34 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Ainda na tentativa de estabelecer contornos conceituais mais precisos da temática educação e pobreza realizou-se estudo estatístico para mensurar o impacto dessa população na escola. Os primeiros resultados quase nos impõem uma interpretação reprodutivista da educação formal, pois se percebeu que o fracasso escolar é instado na relação da educação formal com a população em situação de pobreza, havendo grande impacto da pobreza no IDEB das escolas. Para tanto, estruturamos banco de dados a partir de quatro sistemas nacionais de informações diferentes: Censo Escolar, IDEB, Projeto Presença e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O Censo Escolar é um levantamento de dados estatísticoeducacionais de âmbito nacional realizado anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) e coleta anual dos dados sobre estabelecimentos, matrículas, funções docentes, movimento e rendimento escolar. Já o IDEB, criado pelo INEP em 2005, reuniu em um só indicador o fluxo escolar e as médias de desempenho nas avaliações nacionais, oferecendo um indicador da qualidade educacional. No entanto, restava descobrir como calcular e agregar a esse banco de dados já estabelecido a população em situação de pobreza. Como localizar e quantificar os pobres em cada escola? Utilizou-se como recorte de pobreza ser beneficiário do Programa Bolsa Família, pois no marco legal desse programa de transferência de renda, as famílias beneficiadas estão em situação de pobreza. Essa população (beneficiária do programa bolsa família – BPBF) tem a frequência escolar monitorada bimestralmente por meio do Projeto Presença que, atualmente acompanha a frequência de 17 milhões de crianças e adolescentes que integram as famílias beneficiárias do Programa Bolsa-Família nos 5.563 municípios e no Distrito Federal. Na última coleta de 2010, do cadastro de beneficiários enviados pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) que tinham identificação correta da situação escolar (15.178.704 crianças e adolescentes de 06 a 15 anos), 35 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional o Projeto Presença obteve retorno da frequência escolar da ordem de 98,02%. Por resultado geral, inclusos os “não localizados” (não identificados na base de dados do PBF no MDS) o acompanhamento da frequência do grupo de 6 a 15 anos foi de 84,88%. A opção metodológica e o tipo de questão que orientaram o estudo conduziram a uma pesquisa de abrangência universal. Tal opção nos definiu como elementos da pesquisa as 203.456 escolas no Censo Escolar de 2009, 163.117 escolas com frequência de BPBF acompanhada pelo Projeto Presença e 48.506 escolas com IDEB calculado. Como há interesse de acompanhar a tendência da qualidade da educação (ascensão ou descendência), optamos por estudar somente as escolas que tinham IDEBs de 2007 e 2009 calculados – tendo em vista que o projeto presença começa a funcionar em fins de 2006, não permitindo o levantamento e cruzamento dos dados de IDEB e pobreza. Assim, o universo final de escolas brasileiras que atendiam a essas duas condições (ter IDEB 2007 e 2009 e ter frequência dos BPBF acompanhada) foi de 31.660 escolas (15% das escolas brasileiras), 6.290.472 BPBF (40% do universo de beneficiários) e 15.792.486 matrículas (51% do universo de matrículas) em 2007 e 5.865.714 BPBF (37% do universo de beneficiários) em 15. 218.248 matrículas em 2009 (50% do universo). A partir de ferramentas eletrônicas, realizou-se estudo investigativo de correlação. Realizando essa operação estatística, alcançou-se a taxa de -0,51 entre pobreza e baixo IDEB – ou seja, quanto maior a população em situação de pobreza, menor o IDEB da escola. Uma correlação inversa muito forte para fenômeno social (HAIR et.al, 2005). Além disso, o R² calculado - a capacidade explicativa do fenômeno - foi de mais de 26%. Esse achado pode ser lido da seguinte forma: a pobreza explica mais de um quarto do fracasso escolar. Ou seja, todos os elementos da complexa política educacional (salário, carreira e formação de professor, organização do trabalho pedagógico na sala de aula e da escola, equipamentos, instalações, materiais didáticos, tecnologias educacionais 36 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional disponíveis, gestão escolar, programas, ações de todas as políticas sociais, dentre os muitos fatores que não se encontram nominados) explicam 74% do IDEB, só a situação de pobreza explica 26%. Cumpre destacar também que o universo da população escolar no Brasil é eminentemente afligido pela situação de pobreza. Expôs-se que quase metade das crianças e adolescentes da educação básica até 14 anos (44%) encontra-se em situação de extrema pobreza. Isso conforma uma situação inaceitável! A pobreza e extrema pobreza estão massivamente presentes na educação básica, mais do que em qualquer outro território nacional. Reiterando: deparamo-nos com a cifra de 44% de alunos pobres, 67% de BPBF no nordeste e alarmantes 73% no Estado de Alagoas. A necessidade de políticas públicas redistributivas é imperativa frente aos dados apresentados: a pobreza não é aleatória e está sobre-representada na população de crianças e adolescentes. Os dados exigem reflexão em dois sentidos: a desigualdade brasileira, quando analisada por corte etário, nos evidencia que a pobreza está concentrada na população infantil e juvenil o que causa apreensão frente ao futuro; e a incidência massiva da pobreza no ensino fundamental reforça ainda mais a importância de uma escola que rompa com a reprodutividade do fracasso escolar. Considerações finais Cabe compreender que as instituições educativas deixam de contribuir para o exercício de uma cidadania plena quando variáveis históricas e estruturais são reproduzidas de forma cotidiana, em particular nas dinâmicas sociais das unidades escolares e acabam por ocasionar o fracasso à população em situação de pobreza. Os resultados preliminares do estudo parcial apresentado sinalizam a necessidade de fomento e sistematização de pesquisas sobre a relação da educação formal com a população em situação de pobreza. A despeito de todo discurso meritocrático e ideológico 37 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional que assola a área educacional, hoje é reconhecido que pobreza não impede aprendizagem. Sendo necessário que o fracasso escolar da população empobrecida seja compreendido e tomado como de responsabilidade social e do Estado. Talvez contribua entender o fenômeno educacional como política social complexa e multidimensional, fruto de recursos, programas, ações e apoio oferecidos. Assim para alcançar e democratizar a qualidade da educação é necessário apoiar sistemas de ensino, estudantes, professoras e escolas. As escolas devem ser compreendidas (e cuidadas) como o lócus privilegiado da aprendizagem e tornarem-se capaz de socializar o sucesso escolar que a política social como um todo possibilita. Escapando da lógica neoliberal que responsabiliza ideologicamente a vítima, não é mais possível culpar os pobres, os professores ou a escola pelo fracasso escolar. Essa responsabilização precisa recair sobre a política social de educação. Pode-se começar lutando por mais recursos para a educação - pois em uma política que se gasta mais de 80% de seu orçamento com as profissionais, fica claríssima sua limitação e impossibilidade de avançar no sentido de programas e ações que apoiem especificamente a escolaridade da população em situação de pobreza. Da mesma forma, é inconcebível responsabilizar as professoras - mesmo reconhecendo que mecanismos de discriminação e preconceito são acionados em sua atuação profissional e cumpridos na organização de seu trabalho pedagógico. Como afirmado anteriormente, apontar a professora pela má qualidade do ensino é tão ideológico quanto acusar o aluno pela sua não aprendizagem. Assim, finaliza-se ressaltando que a escola socializa o sucesso escolar - ou fracasso - na medida e direção que a política pública de educação permite. Ou a sociedade brasileira, por meio de seu estado, reverte esse contexto ou se conforma com a segregação que vem ocorrendo nas escolas públicas brasileiras – uma discriminação institucionalizada imposta aos pobres. 38 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Referência AFONSO, A. J. Reforma do Estado e Políticas Educacionais: Entre a crise do estado-nação e a emergência da regulação supranacional. Educação & Sociedade. Campinas: ano XXII, n. 75, Agosto-2001, p. 15-32. ALGEBAILE, E. Escola pública e pobreza no Brasil: a ampliação para menos. Rio de Janeiro: Lamparina, Faperj, 2009. BEHRING, E. R. Trabalho e Seguridade Social: o neoconservadorismo nas políticas sociais. In Behring, Elaine R. e Almeida Maria Helena T. (orgs). Trabalho e Seguridade Social: percursos e dilemas. São Paulo: Cortez Editora, 2008, p.1-18. BOURDIEU, P. E PASSERON, J. C. A Reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. 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Os dados da pesquisa mostram, ainda, a notória ignorância revelada pelos gestores responsáveis quanto aos progressos conceituais contidos na inovação legislativa. Palavras-chave: Ensino médio. Obrigatoriedade. Marcos legais. 43 Introdução O processo das esperadas obrigatoriedade e gratuidade no ensino médio se iniciou com a Lei 12.061, de 27 de outubro de 2009, que alterou o inciso II do art. 4o e o VI do art. 10, da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Assegurou o acesso ao ensino médio público a todos os interessados. Anteriormente, o Estado estava apenas obrigado a prover esse nível de ensino como uma “progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade”, nos termos do artigo 4º, da LDB. Emenda à Constituição de 1988, nº 59, de 11 de novembro de 2009, dá nova redação aos incisos I e VII do art. 208, de forma a prever a obrigatoriedade do ensino de quatro a dezessete anos e ampliar a abrangência dos programas suplementares para todas as etapas da educação básica. Previsto para ser implementado progressivamente até 2016 (BRASIL, 2009, art. 6ª, inciso I). Complementarmente, essa Emenda transfere aos sistemas de ensino da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios a definição das formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório (BRASIL, 2009, § 4º, do art. 211). A distribuição dos recursos públicos assegura prioridade às necessidades do ensino obrigatório, quanto a universalização, garantia de qualidade e equidade, como previsto no plano nacional de educação (BRASIL, 2009, § 3º, do art. 212). Esse plano, de duração decenal, busca articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e define diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação. Objetiva, ainda, assegurar a manutenção e o desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades. Assim, a universalização do ensino vai se aproximando da realidade, mas falta reconhecer, num processo honesto de autocrítica, a necessidade de se avançar em qualidade da escola obrigatória, para que ela não seja apenas figurativa (ABRAMOVAY; CASTRO, 2003). A LDB assegura, no artigo 5º, §4º que “comprovada a negligência da autoridade competente para garantir o oferecimento do ensino obrigatório, poderá ela ser imputada por crime de responsabilidade”. Isso acontece, quando há atendimento à demanda da população. Sifuentes (2009, p.283) infere que “diante da previsão constitucional e legal, a ausência de oferta ou a oferta irregular importa em responsabilidade da autoridade competente”. Lopes (1999) sustenta que a educação, como serviço público, é compulsória para o Estado e deve ser oferecida em quantidade e qualidade necessárias para toda a população, garantindo as condições necessárias de igualdade curricular. Este trabalho apresenta uma análise da aplicação dos novos marcos, constitucionais e legais, relativos ao ensino médio em um município da Bahia. O contexto da pesquisa Os dados mais recentes do IBGE (BRASIL, PNAD, 2010) apresentam uma população baiana estimada em 14.021.432. Destes, 2.675.455 encontram-se em idade escolar, na faixa etária de 4 a 17 anos, representando 19% da população total. A renda média dos moradores é de R$ 414,00 por mês. Para o ensino médio, no ano de 2009, houve 604.689 matrículas. A Bahia, segundo dados do IBGE (BRASIL, PNAD, 2010), evidencia uma taxa de 16,7% de analfabetismo na população acima de 15 anos. Esses dados correspondem a 12% da taxa nacional e se aproximam da taxa da região Nordeste (18,7%) e se distanciam da taxa nacional que é de 9,7%. Além disso, o índice de analfabetismo da população na zona rural é um dos mais altos do País: 53%. Mais de 95% dos analfabetos da Bahia têm 25 anos ou mais. Este quadro aponta para a existência de problemas relativos a oportunidades de acesso à educação e de permanência dos estudantes na escola, problemas de ordem histórica que se agravam à medida que a população envelhece sem escola. Quanto ao acesso ao ensino médio, apenas 31,5% dos jovens em idade regular de 15 a 17 anos estão cursando este nível de escolaridade. Em contrapartida, no Brasil esse percentual chega a 47,1%. Esse dado significa que um grande contingente de jovens nesta faixa etária encontra-se fora da escola ou, se matriculados, em situação de defasagem idade-série. A rede registra índices dessa distorção entre os mais elevados do País, tanto no ensino fundamental (49,5%) quanto no ensino médio (69,8%) (BAHIA, SEC, 2009). Com relação à expansão, os dados mais recentes disponíveis se referem ao ano de 2009, quando o sistema estadual de ensino ampliou a oferta na rede pública, disponibilizando 12.950 vagas para atender à demanda crescente por este segmento. Esse nível de ensino foi implantado em mais 114 localidades, o que elevou para 474 o número de comunidades rurais que oferecem a possibilidade de conclusão da escolaridade básica. Somente em relação a 2008, registrou-se um aumento de 31,7%. Dos 417 municípios do Estado da Bahia, a rede estadual de ensino não oferece o ensino médio em apenas um município (BAHIA, SEC, 2009). Nesse ano de 2009 foram publicados os indicadores do Estado, Educação em números – Bahia 2007, que apresentam as principais estatísticas educacionais e apontam a situação educacional no período. De acordo com esses indicadores, 78,9% dos jovens com idade entre 15 a 17 anos estão matriculados na rede de ensino (2009), conforme tabela a seguir: Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Tabela 1 - Taxa de atendimento do ensino médio na Bahia 1970 - 2006 ANO FAIXA ETÁRIA (%) 15 A 17 ANOS 1970 17,0 1980 19,0 1991 25,1 1996 63,7 1998 82,6 1999 84,6 2000 88,2 2001 88,0 2002 91,2 2003 93,0 2004 92,3 2005 88,7 2006 78,9 Fonte: SEC, MEC/INEP Elaboração: SEC/BA - SuPAV/CAI Ainda que pecando pela inatualidade, esses dados mostram uma demanda crescente pelo ensino médio. Não é arriscado afirmar que o aumento ocorreu devido às exigências do mercado de trabalho por indivíduos cada vez mais qualificados para o exercício de funções específicas. No entanto, as políticas públicas de ensino médio não refletem estratégias pedagógicas adequadas às características, necessidades e interesses dos jovens e adultos (BRASIL, 2003). Dentro desse panorama, destacam-se as taxas de reprovação e abandono, para a faixa etária compreendida de 15 a 17 anos, de 10,2% e 20,9%, respectivamente, no ano de 2006. 47 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Tabela 2 - Taxas de aprovação, reprovação e abandono no ensino médio na Bahia 1999 - 2006 Taxas (%) Ano Aprovação 70,4 71,3 72,1 70,2 68,3 69,0 68,9 68,9 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006* Reprovação 8,0 7,9 8,8 9,3 10,8 9,9 10,2 10,2 Abandono 21,7 20,8 19,1 20,5 20,9 21,1 20,9 20,9 Fonte: SEC, MEC/INEP. Elaboração: SEC/BA - SUPAV/CAI. * Valores projetados pelo MEC/INEP Pontuando, em análise, é possível perceber na Bahia, que, em todas as fases e níveis, o ensino médio na rede estadual encontrase bem distante do índice nacional, o que pode ser verificado na tabela a seguir: Tabela 3 - IDEB 2005/2007 e metas para rede estadual – BAHIA 2005 – 2021 Parte superior do formulário Ideb Observado Metas Projetadas Estado 2005 2007 2009 2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019 2021 Bahia 3.0 3.3 3.0 3.1 3.2 3.5 3.8 4.3 4.5 4.8 2.9 Fonte: MEC/INEP. O índice de Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB da Bahia no ano de 2005 é de 2,9. De acordo com o INEP, o Estado vem revelando um baixo rendimento, pois dentre os 1.242 municípios brasileiros com mais baixo IDEB, 211 encontram-se na Bahia. Assim, urge uma mudança na educação pública baiana, 48 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional conforme apontam os indicadores, pois, de acordo com as projeções do IDEB, em 2013 a Bahia estaria alcançando um índice de 3,5, próximo à atual média nacional. Em 2021, caso se confirmem as projeções, o Estado alcançará a média de 4,8, ficando ainda muito aquém do índice nacional pretendido. (BAHIA, 2009). Tabela 4 - IDEB 2005, 2007, 2009 e projeções para o Brasil TOTAL Ensino Médio IDEB Observado 2005 2007 2009 2007 3,4 3,5 3,6 3,4 Metas 2009 3,5 2021 5,2 Fonte: MEC/INEP. O IDEB possibilita aos sistemas e escolas o acompanhamento dos processos pedagógicos e de gestão, com vistas ao desenvolvimento de ações que possam, efetivamente, contribuir para a aprendizagem e o sucesso do estudante da Bahia. O desafio que está posto para o estado é grande. Esse sistema de avaliação externa precisa estar atrelado a outras políticas públicas e os resultados redundam em compromisso e trabalho pedagógico por parte do corpo docente e da equipe escolar. A articulação com outros instrumentos e com as práticas educativas internas nas escolas são condições essenciais para a mudança do cenário educacional no estado. Rodríguez (2010), na pesquisa “políticas públicas de juventud en américa latina: Avances concretados y desafios a encarar en el Marco Del Año Internacional de la Juventud”, sugere que os programas de ação para os jovens, sejam implementados e avaliados com rigor. É essencial a vontade dos governos como um todo, articulando esforços institucionais em nível nacional como condição para a efetividade das escolas e dos sistemas institucionais. 49 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Outra questão a ser destacada, segundo Simões (2009), é a definição de propostas pedagógicas diferenciadas segundo suas especificidades e singularidades para cada faixa etária que atendem. Esse autor sugere considerar-se o adolescente, de 15 a 17 anos, o jovem, de dezoito a 24 anos e o adulto, acima de 24 anos, no intuito de definir com mais clareza propostas educacionais compatíveis com a maturidade do estudante. Inserida nesse contexto encontra-se a problemática do ensino médio na Bahia contemporânea. O estado atual da questão em um município baiano: a pesquisa de campo A pesquisa teve como objetivo analisar o estado atual da aplicação de novos marcos da Constituição e da LDB na política de ensino médio, em um município baiano. Foi realizada com gestores da rede pública estadual da cidade de Barreiras, extremooeste do Estado da Bahia - Brasil, que fica a, aproximadamente, 900 km de Salvador e 600 km da capital do país, Brasília. O processo de investigação trabalhou o conteúdo das interações dos gestores a partir das informações obtidas no questionário, caracterizado pela impessoalidade e abrangência de área mais ampla na obtenção das informações. Outro ponto importante foi o anonimato que deixou os sujeitos livres para exprimir opiniões, conhecimentos e/ou atitudes sobre o assunto. A Diretoria Regional de Ensino – DIREC de Barreiras atende a 15 municípios da região oeste da Bahia, num total de 34 escolas que oferecem o ensino médio. Destas, 11 estão localizadas na cidade sede, onde 60% dos gestores das escolas de Barreiras responderam ao questionário. Os dados foram analisados com base nas respostas dos questionários aplicados aos gestores de escolas de ensino médio. Para caracterizar a população pesquisada, os participantes foram 50 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional constituídos, na sua maioria, de pessoas do sexo feminino. Entre os participantes, 6 são do sexo feminino e apenas 1 do sexo masculino. No que se refere à idade dos participantes, a pesquisa mostra que a maioria (81%) se encontra na faixa etária entre 41 e 50 anos de idade. Considerando a escolaridade, a ênfase se situa na Especialização, com 91% dos participantes e na Graduação, 9%, conforme quadro a seguir: Quadro 1 – Relação dos participantes por tipo de curso Graduação Pedagogia Pedagogia Pedagogia Biologia Língua Estrangeira Moderna Letras Pedagogia Especialização Psicopedagogia Supervisão escolar Avaliação Gestão Ambiental Docência da Educação Superior Educação de Jovens e Adultos Supervisão escolar Fonte: Questionário da pesquisa Nota-se, pelos dados acima, que nenhum gestor possui formação específica em gestão escolar. Com relação ao tempo de exercício na função de gestor, os índices variam de 01 a 13 anos de efetivo trabalho na gestão da escola. A segunda parte do questionário, constituída de aspectos substantivos, identifica o conhecimento dos participantes acerca dos novos marcos da Constituição e da LDBEN no que se refere às políticas públicas para o ensino médio. Ao avaliar o ensino médio na escola de sua responsabilidade, 50% dos participantes o avaliam como bom; 33,33% avaliaram-no como regular; e 16,67% indicaram a alternativa ruim. Na pergunta seguinte, relacionada ao preparo do estudante para o mercado de trabalho, 50% concluíram que os alunos saem razoavelmente preparados para enfrentar o mercado de trabalho, contra 50% que acreditam que esses jovens são despreparados para 51 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional defrontarem com tal situação. A Pesquisa CNI – IBOPE: retratos da sociedade brasileira: educação (2010), realizada em junho do corrente ano e em todos os Estados do Brasil, revela consenso de que o País deva ter mais cursos profissionalizantes em conjunto com o ensino médio. Com relação ao mercado de trabalho, 14% responderam que no fim do ensino médio o aluno está “bem preparado” para o mercado de trabalho. (CNI-IBOPE, 2010). Analisando a responsabilidade sobre o mau desempenho dos alunos do ensino médio, os participantes concordam que a falta de preparo dos professores contribui para que essa situação ocorra. Face ao exposto, Pimentel, Palazzo e Oliveira (2009) alertam: Logo, a profissionalização do professor é posta num processo em que a razão é trabalhada conjuntamente com práticas oriundas da realidade. Manter uma relação entre o conhecimento teórico e prático é, sobretudo, característica de um professor autônomo e responsável. A prática docente é complexa, com situações únicas que requerem soluções imediatas. Dessa forma, é necessário que o professor esteja preparado para enfrentar e solucionar percalços encontrados no decorrer da atividade docente. No seu papel indutor, o Ministério da Educação e os Estados, são responsáveis pela qualidade das redes de ensino médio no Brasil (BRASIL, 2010). A socialização de políticas públicas de formação docente possibilita e estimula, efetivamente, a orientação quanto ao trabalho pedagógico, particularmente com ênfase na aprendizagem in loco. Os dados demonstram que os índices de evasão das escolas pesquisadas ficaram em torno de 26% a 35%. Os alunos vão à escola para “fazer” alguma coisa (aprender a ler e escrever). Esta é a relação que se estabelece com o saber sistematizado. Nóvoa (1995) 52 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional afirma que para uma mudança educacional significativa é necessária uma formação reflexiva por parte dos professores, buscando uma melhoria do ensino, da aprendizagem e, consequentemente, o desenvolvimento de práticas educativas coerentes com a realidade social. Consultados sobre os índices de evasão escolar na escola de sua responsabilidade, 50% responderam que variam de 19% a 25%. Surpreendentemente, 50% dos entrevistados responderam que não conhecem os índices de evasão de sua escola. Indagados sobre as causas relevantes para a evasão e repetência, os respondentes indicaram o que se segue no quadro a seguir: Quadro 2 - Relação das causas relevantes para o problema Repetência Evasão Falta de pré-requisito Desmotivação Falta de acompanhamento Dificuldade de aprendizagem Falta de apoio familiar Procura de emprego Gravidez precoce Baixa escolaridade da família Drogas Baixa expectativa de sucesso social Trabalho temporário Distância entre família e escola Despreparo do professor Gestão omissa em relação ao pedagógico Acompanhamento pedagógico insuficiente Falta de transporte público Conciliação entre estudo e trabalho Interesse e estímulo na sala de aula Fonte: Questionário da pesquisa Ao serem inquiridos se houve aumento na matrícula de alunos nessa faixa etária, após a vigência da Lei nº 12.061/2009 e da Emenda Constitucional nº 59/2009, que asseguram o acesso ao ensino médio público a todos os jovens, de 14 a 17 anos, todos os gestores desconhecem o conteúdo da legislação supracitada. 53 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Por último, foi perguntado aos participantes quais os tipos de problemas que essa obrigatoriedade e gratuidade do acesso de alunos de 14 a 17 anos no ensino médio acarretou para a gestão. Quadro 3 – obrigatoriedade Relação dos problemas decorrentes da Problemas que acarretam para a gestão da escola Falta de preparo do professor para atender as necessidades especiais dos alunos Pressão pela interpretação errônea da Lei Superlotação das salas de aulas Demanda maior que a oferta de vaga Fonte: Questionário da pesquisa Apesar de desconhecerem o conteúdo da legislação citada, conforme apurado anteriormente, em resposta a este quesito, os respondentes apresentaram razões impertinentes, registradas no quadro 3. Segundo Capanema e Pimentel (2009), a ampliação do espaço democrático para a participação de todos na tomada de decisão deve ser uma ação progressiva e consciente dos envolvidos e requer uma gestão comprometida com os problemas sociais e com o exercício da política de educação local. Desta forma, quanto maior for o grau de informação e conhecimento que as pessoas tiverem das ações governamentais, melhor será o resultado das práticas colegiadas da gestão pública. 54 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Conclusão O propósito deste trabalho foi analisar o estado atual da aplicação dos novos marcos da Constituição e da LDB na política de ensino médio, em um município baiano. Nesta perspectiva buscou analisar alterações introduzidas no provimento do ensino médio, pela Lei nº 12.061/2009, e pela Emenda Constitucional nº 59/2009. Também identificou, em escolas estaduais de nível médio, do município de Barreiras-Ba, o índice de cobertura de alunos com idade de 14 a 17 anos e, nas escolas pesquisadas, os índices de evasão, repetência e aprovação de aluno nessa faixa etária. Este índice significa o pleno atendimento da demanda. É penoso destacar o desconhecimento revelado por alguns gestores quanto aos índices de evasão, repetência e evasão da escola sob a sua responsabilidade. É lamentável, também, constatar a notória ignorância quanto aos progressos conceituais contidos na inovação legislativa. No estado atual da aplicação da política de ensino médio, a partir dos novos marcos da Constituição e da LDB, é difícil imaginar que, nas escolas pesquisadas, possa haver absorção dos princípios e da prática educativa neles contidos. A menos que se processe um comprometimento consciente da gestão, em todas as instâncias. 55 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Referências ABRAMOVAY, Miriam; CASTRO, Mary Garcia. Ensino médio: múltiplas vozes. Brasília: UNESCO, MEC, 2003. BAHIA. Secretaria da Educação. Educação em Números – Bahia 2007. Salvador: SEC, 2009. ______. Secretaria Estadual de Educação. Princípios e eixos da educação da Bahia: escola de todos nós. Disponível em: < www. sec.ba.gov.br>. Acesso em: 22 nov. 2009. BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/LEIS/l9394.htm>. Acesso em: 22 nov. 2010. ______. Ministério da Educação. Ensino médio: construção política: síntese das salas temáticas. Brasília: Secretaria de Educação Média e Tecnológica, 2003. ______. Censo Demográfico. Dados extraídos de: Estatísticas do século XX. Rio de Janeiro: IBGE, 2007. Diversas tabelas. ______. Ministério da Educação. Melhores práticas em escolas de ensino médio no Brasil: resumo executivo. Brasília: Secretaria de Ensino Básico, 2010. ______. Lei nº 12.061, de 27 de outubro de 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/ L12061.htm#art1>. Acesso em: 18 ago. 2010. ______. Emenda Constitucional nº 59, de 11 de novembro de 2009. Acrescenta § 3º ao art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para reduzir, anualmente, a partir do exercício de 2009, o percentual da Desvinculação das Receitas da União incidente sobre os recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino de que trata o art. 212 da Constituição 56 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Federal, dá nova redação aos incisos I e VII do art. 208, de forma a prever a obrigatoriedade do ensino de quatro a dezessete anos e ampliar a abrangência dos programas suplementares para todas as etapas da educação básica, e dá nova redação ao § 4º do art. 211 e ao § 3º do art. 212 e ao caput do art. 214, com a inserção neste dispositivo de inciso VI. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc59.htm>. Acesso em: 29 nov. 2010. ______. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) - Síntese de Indicadores - 2009. Rio de Janeiro: IBGE, 2010. CAPANEMA, Clélia de Freitas; PIMENTEL, Gabriela Sousa Rego. Um olhar transformador sobre a gestão democrática e clima organizacional: um saldo positivo? In: XXIV Simpósio Brasileiro e III Congresso Interamericano de Política e Administração da Educação, 2009, Vitória, ES, RS, Brasil. Cadernos ANPAE n. 7 – 2009 – ISSN 1677-3802 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Comentários à lei de diretrizes e bases da Educação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. NÓVOA, António. Os professores e as histórias da sua vida. In. NÓVOA, António (Org.). Vidas de professores. 2. ed. Porto: Porto Editora, 1995. p. 11-30. PESQUISA CNI – IBOPE. Retratos da sociedade brasileira: educação. Brasília: CNI, 2010. PIMENTEL, Gabriela Sousa Rêgo; PALAZZO, Janete; OLIVEIRA, Zenaide dos Reis Borges Balsanulfo. Os planos de carreira premiam os melhores professores? Ensaio: avaliação e políticas públicas em educação, Rio de Janeiro, v. 17, n. 63, p. 355-380, abr./jun. 2009. 57 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional RODRÍGUEZ, Ernesto. Políticas públicas de juventud en américa latina: Avances concretados y desafios a encarar en el Marco Del Año Internacional de la Juventud. In: Série Debates SHS Políticas Públicas de Juventud en América Latina, UNESCO, n. 1, 2010. SIFUENTES, Mônica. Direito fundamental à educação: a aplicabilidade dos dispositivos constitucionais. Porto Alegre: Núria Fabris Ed., 2009. SIMÕES, Carlos Artexes. Ensino médio de qualidade para todos: indicadores e desafios. In: REGATIERRI, Marilza; CASTRO, Jane Margareth. Ensino Médio e Educação Profissional: desafios da integração. Brasília: UNESCO, 2009. 58 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional A gestão focada na inclusão: escola aberta para a diversidade Gleice Aline Miranda da Paixão e Aline Veiga Universidade Católica de Brasília Resumo: O presente artigo apresenta um estudo de caso realizado em uma escola pública do Distrito Federal reconhecida pela comunidade escolar local como uma referência em Educação Inclusiva. Neste estudo, procurou-se investigar como intervenções realizadas pela gestão da unidade escolar podem propiciar a inclusão de alunos com necessidades educativas especiais no ensino regular. Também foi objetivo da pesquisa observar como a gestão intervém no clima organizacional da escola com vista à inclusão dos alunos. Igualmente, verificou-se a importância atribuída à Educação Inclusiva dentre as ações da gestão da escola. Os dados obtidos na pesquisa mostraram que a escola possui um ambiente de abertura às diferenças de aprendizagem. A pesquisa revelou que muitos professores acreditam que a educação que se faz na escola é uma educação inclusiva ao propiciar aos alunos com necessidades educativas especiais um tratamento adequado as suas especificidades, proporcionando um ambiente educativo inclusivo. A maioria dos professores acredita que a gestão atual da escola tem como meta a educação inclusiva ao acolher os educandos especiais e ao promover o desenvolvimento cognitivo de todos. Como resultado da pesquisa, também, observou-se que o gestor exerceu liderança e promoveu uma intervenção no clima organizacional da escola ao partir de uma demanda interna: os alunos com necessidades educativas especiais eram matriculados, mas não tinham atendimento adequado às suas necessidades. Como líder, o gestor mobilizou a escola e conseguiu, através do engajamento da comunidade escolar local, montar sala de recursos, promover debates e sensibilizações e por em pauta, na cultura organizacional da escola, a Educação Inclusiva. Percebeu-se, portanto que se trata 59 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional de um exemplo de intervenção gestora de sucesso, voltada para o atendimento da diversidade. Palavras-chave: Gestão. Inclusão. Clima organizacional. Cultura Organizacional. Contexto A política de Educação Inclusiva gerou vários debates, tanto em nível local como em nível internacional. Várias conferências trataram do assunto, sobretudo a conferência ocorrida em Jomteim, na Tailândia, que ficou conhecida como a Conferência Mundial de Educação para Todos. Apesar das discussões aprofundadas, da criação de dispositivos legais para implantação de uma Educação verdadeiramente Inclusiva, é sabido que as questões atitudinais, subjetivas, não são tocadas por força de lei e, portanto, se configuram em uma mudança mobilizada na e pela cultura organizacional e que, mesmo que motivada por programas e ações externas, depende de quesitos próprios para emergir. Portanto, faz-se necessário observar experiências promissoras de escolas realmente inclusivas, que trabalham na perspectiva de uma Educação para Todos, para entender como é possível romper com uma prática milenar de segregação e se abrir para o outro, para a diversidade. Sendo assim, o presente artigo é resultado de uma pesquisa que teve como objetivo analisar como a gestão focada nos princípios de inclusão escolar possibilita aos alunos com necessidades educativas especiais o exercício de seus direitos de cidadão; observar como o gestor escolar pode fomentar a criação de um ambiente inclusivo interferindo no clima organizacional da escola; e verificar qual é a visão dos professores em relação à educação inclusiva ofertada na escola. 60 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Gestão Educacional e Inclusão A Constituição Federal de 1988 estabeleceu que o ensino deve ser ministrado em igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, garantindo o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas. O artigo 59 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB nº 9.394 de 1996) institui que os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos para atender às suas necessidades; professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns; educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida em sociedade. Apesar dos dispositivos legais, a aplicação não se deu concomitantemente à criação dos critérios normativos. E para se transpor a ótica da imposição normativa, atender os alunos deficientes nas classes comuns requer um reordenamento da escola. Essa reorganização parte essencialmente da mudança da cultura escolar, no entanto só acontecerá se seu pilar estiver pautado na adoção de posturas inclusivistas nascidas dentro da própria escola e não absorvidas por elas sem análise crítica e de forma automática. As inovações têm de partir internamente e não de fora. Gadotti (2002) afirma que a escola é que deve ser protagonista de suas deliberações e ações e não os assessores pedagógicos externos, pois as inovações que vêm de fora tem grande chance de fracassar. Segundo Gadotti, “os numerosos exemplos de implantação de inovações feitas pelos sistemas de ensino, eram determinação exterior, artificial e separada dos contextos pessoais e institucionais em que trabalham os profissionais da educação nas escolas”. (p.19) 61 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Partindo-se da perspectiva de que a gestão é o ponto crucial da organização da escola, criou-se para a mesma o desafio de propiciar um ambiente de inclusão, mobilizando ações dentro da escola, intervindo junto aos demais segmentos escolares, influenciando na cultura escolar de forma a torná-la uma escola que atenda ao seu princípio-fim: promover educação. Para tanto, há necessidade de uma equipe gestora competente, pois segundo Woods e Brighouse (2010), as habilidades e as competências dos líderes escolares, especialmente os diretores, são os principais ingredientes para o sucesso da escola. Eles afirmam ainda que, sem combinação desses ingredientes, jamais se encontrará uma escola realmente bem-sucedida. A importância da gestão escolar: concepções e práticas Os debates sobre o conceito de gestão vêm aumentando nas últimas décadas. Muito se deve ao entendimento da necessidade de um redirecionamento do processo educativo, tendo em vista as mudanças ocorridas pela democratização da sociedade. Essas mudanças desvelaram que a perspectiva da administração escolar, centrada quase que exclusivamente na figura do diretor, não atendia mais aos anseios da escola e da sociedade de modo geral. Segundo Chaguri (2007), até pouco tempo, o termo administração educacional via o diretor como um simples executor da política educacional. Na sociedade pós-moderna, o termo gestão democrática veio contrapor e propor um novo modelo de administração. Com as mudanças ocorridas na sociedade, a gestão da escola passou a ser debatida e estudada. Lück (2010) afirma que tem sido dada uma atenção efetiva para a gestão que, através de um novo enfoque, tem sobrepujado a ideia de administração e se assentado sobre a mobilização dinâmica do elemento humano, sua energia e talento, coletivamente organizados, como condição básica e 62 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional fundamental da qualidade do ensino e da transformação da própria identidade das escolas, dos sistemas e da educação brasileira. Essa transformação da identidade das escolas tem trazido à tona a eminência da aplicação dos preceitos da Declaração de Educação para Todos, que recomenda a adoção imediata de políticas que garantam aos deficientes acesso e permanência na escola, bem como a todos os estudantes, independente de cor, condição social, credo ou qualquer que seja sua individualidade. Partindo desta premissa, a partir da década de 90, surge uma nova visão da gestão: o gestor passou a ser um articulador do trabalho coletivo. Para Amorim (2007), a gestão democrática é um rompimento histórico na prática da administração educacional. “Implica repensar a estrutura de poder da escola, buscando a ampla participação dos representantes dos diferentes segmentos da escola” (p. 34). Segundo Antunes e Padilha (2010), para se fazer uma gestão democrática há a necessidade de se contar com a participação de todos os segmentos da comunidade escolar, compartilhando reflexões e ações, tendo acesso a informações, promovendo fóruns de diálogo e a descentralização do poder de decisão. O gestor torna-se um membro importante da escola, mas não o único a ter voz. Há uma ressignificação de seu papel. A principal ação do gestor passa a ser a intervenção no clima e na cultura organizacional da escola com fins a fomentar um espaço educativo, primando pela qualidade de ensino. Nesta linha, Lück (2010) afirma que: Os gestores escolares, considerando-se as expressões ideais de sua atuação, ao assumirem as responsabilidades de seu cargo, passam a ter como inerentes a eles a responsabilidade de liderar a formação de clima e cultura escolar compatível com concepções elevadas de Educação e políticas educacionais, de modo 63 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional que se promova ambiente escolar estimulante e adequado para a formação consistente e aprendizagem significativa de seus alunos (p.128). A gestão no contexto contemporâneo propõe inovação e busca a competência profissional dos gestores perante um sistema educacional tão dinâmico e complexo como o brasileiro. É imperativo que haja organização e mobilização para que as necessidades educacionais especiais sejam atendidas e não preteridas. A tarefa de gerir uma escola tem de ser vista sob a perspectiva da efetividade e da coletividade. A Questão Central A pesquisa constituiu-se em um estudo de caso, realizado em um Centro de Ensino Fundamental, localizado na cidade satélite de Taguatinga, no Distrito Federal. Optou-se por um estudo de caso, pois, segundo Yin (2001), é uma estratégia escolhida ao se examinarem acontecimentos contemporâneos, mas quando não se podem manipular comportamentos relevantes. O poder diferenciador do estudo de caso é a sua capacidade de lidar com uma ampla variedade de evidências. A referida escola atende estudantes dos anos finais do ensino fundamental, 5ª a 8ª séries. Nesse estudo, foi observada a atuação do diretor no que concerne à efetivação de uma Educação Inclusiva. Para a coleta de dados, foram realizadas visitas à escola, entrevista com o diretor e aplicação de questionários aos professores. Concomitantemente, foram observados os espaços da sala de aula comum e das salas multifuncionais, em que ocorrem os atendimentos especializados. Sobre a concepção da cultura organizacional como lócus de atuação do gestor, observou-se como este tem intervindo para fomentar um ambiente inclusivo. 64 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Análises dos dados O processo de Inclusão Escolar de alunos deficientes no Centro de Ensino Fundamental começou por volta de 1996, quando o atual diretor ainda era professor na escola. Segundo este, naquela época, foi percebido que havia um grande desafio a ser enfrentado e que algo tinha que ser feito para criar espaços de aprendizagem aos alunos com necessidades educativas especiais. Hoje a escola atende 854 (oitocentos e cinquenta e quatro) alunos, destes 64 (sessenta e quatro) são alunos com necessidades especiais – surdez, cegueira, autismo, deficiência mental e física, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, transtorno de conduta. A escola tem rampas de acesso em todo o perímetro da unidade, os banheiros são adaptados para os deficientes físicos. O objetivo é propiciar um ambiente acolhedor e acessível a todos. De acordo com a deficiência, alguns alunos recebem tratamento especializado e individualizado. Quando a escola não dispõe de recursos materiais e humanos para atender as necessidades do aluno, o diretor intervém junto a Diretoria Regional de Ensino (DRE) para obtê-los. No decorrer das visitas e após a entrevista e aplicação dos questionários, concluiu-se que o diretor atua dentro dos princípios da gestão participativa, trazendo as situações que necessitam de resoluções para o grupo e mobilizando-o para a descoberta de soluções. Na visão do diretor: a inclusão é uma causa que deve ser abraçada por todos na escola, é um trabalho que conta com a participação de todos os envolvidos – porteiros, professores, coordenação, direção, discentes, família. Alguém tem que tomar a iniciativa, a partir daí o pensamento das pessoas vai mudando e disseminando a idéia, ou seja, as boas práticas. 65 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Traduzindo, assim, uma premissa de intervenção no Clima Organizacional, pois o primeiro passo é conhecer o clima para nele intervir de forma contundente. Segundo Lück (2010), estudar o modo de ser e de fazer da escola, e buscar compreender os aspectos que os produzem e sustentam, constitui importante condição para que gestores possam atuar em relação aos fatores que criam e mantêm esse processo cultural, a fim de que possam atuar com bases mais sólidas e bem fundamentadas e exerçam, de modo efetivo, a responsabilidade que assumem de liderar e orientar o modo de ser e de fazer da escola. (p.22-23) As ações implantadas e implementadas pela escola têm fomentado um ambiente provedor de aprendizagem a todos e promovido a educação para a diversidade, com progressiva adesão e engajamento de professores e alunos. Hoje, as avaliações são adequadas às necessidades desses alunos. Segundo o diretor, algumas provas têm questões diferenciadas, outras são realizadas com o suporte da sala de recursos. O Documento Subsidiário à Política de Inclusão (2005) aponta a importância das flexibilizações curriculares para viabilizar o processo de inclusão. Para que possam ser facilitadoras, e não dificultadoras, as adequações curriculares necessitam ser pensadas a partir do contexto grupal em que se insere determinado aluno. O questionário aplicado aos professores revelou que 50% acreditam que a educação inclusiva reconhece e respeita a diversidade. 30% acreditam que a educação inclusiva reconhece que todas as crianças e jovens podem aprender e que a inclusão promove a aprendizagem e o desenvolvimento pessoal de todos os alunos. 80% dos professores pesquisados acreditam que a atual gestão da escola favorece a inclusão educacional dos alunos com necessidades educativas especiais no que tange ao acolhimento, e 60% acreditam que favorece o desenvolvimento cognitivo. 66 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Um dos maiores desafios, hoje superado na escola, foi a resistência dos professores em atender os alunos especiais diante da falta de estrutura física e de recursos e da falta formação específica. De acordo com as respostas dos questionários, 80% dos professores concordam com a inclusão de alunos especiais na rede regular de ensino. Os 20% que não concordam justificam seu posicionamento afirmando que o sistema educacional ainda não oferece uma estrutura – física, profissional e equipamentos – ideal para incluí-los. Um ponto relevante desvelado na pesquisa é o fato de a escola manter em seu ambiente quatro salas de atendimento especializado para surdos. A escola atende esses alunos, em algumas disciplinas, separadamente, o que se configura, oficialmente, como uma integração escolar. Em contrapartida, a inclusão tornase efetiva ao atender todos os outros alunos com necessidades educativas especiais nas classes comuns. O engajamento do diretor, evidenciado na entrevista, mostra que há uma busca constante de atendimento das necessidades dos alunos. O diretor relatou que quando recebem alunos com necessidades diferenciadas, como foi o caso recente de um aluno autista que chegou à escola, a equipe escolar pleiteou com a DRE um monitor para auxiliar o educando durante as aulas. Sabe-se que é dever legal da DRE disponibilizar recursos humanos para atendimento das escolas, no entanto, sabe-se também do déficit de profissionais na educação pública, portanto o feito do diretor torna-se relevante, ainda que devesse ser comum. Considerações finais As políticas e ações implementadas pela direção apontam para a consolidação e concepção de uma educação inclusiva. O ambiente e a cultura organizacional propiciam a oferta e a promoção de uma educação para a diversidade. Observou-se que a escola está 67 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional aberta às diferenças e que o gestor busca a cada dia, juntamente com o apoio da comunidade escolar – docentes, alunos, pais e funcionários – oferecer uma educação de qualidade para todos os alunos. O contraponto da pesquisa está na constatação de que existe uma unidade de ensino especializado funcionando dentro da escola o que configura, para os meios legais, uma Integração Escolar e não a Educação Inclusiva, posto que separa os alunos surdos durante as aulas de Língua Portuguesa, Matemática, Inglês, Ciências, História e Geografia. Entretanto, para os professores e para os alunos, da forma como está organizada a escola, a aprendizagem é efetiva. Segundo eles, se nas aulas dessas disciplinas os alunos estivessem inseridos nas classes comuns, seus rendimentos seriam menores. Quanto à manutenção do clima favorável a um ambiente propiciador de aprendizagens a todos, observou-se, pela fala e ações do diretor, que o mesmo precisou fazer intervenções consistentes, uma vez que obteve várias resistências no início. Resistência de professores quanto à falta de estrutura física e recursos e pressões da Diretoria de Ensino com fins a supressão das classes especializadas presentes na escola. Por melhores que sejam as mudanças, elas sempre trazem questionamentos e desafios, e requerem muito empenho. Essas mudanças têm que tocar a base da escola, ou seja, têm de transformar a cultura organizacional. Para Lück (2010), quando o grupo se envolve em uma experiência de sucesso, na medida em que o líder a torna visível a todos e reforça o caráter coletivo da mesma, dá-se início um processo de mudança. A experiência torna-se fonte de poder motivacional que contribui para a criação e manutenção de um clima favorável ao desenvolvimento educacional que, continuamente reforçado, passa a se constituir em um valor inerente às práticas educativas e, consequentemente, incorpora-se à cultura organizacional da escola. 68 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Referências ANTUNES, Ângela; PADILHA, Paulo. Educação cidadã, Educação Integral: Fundamentos e práticas. São Paulo: Editora e Livraria Paulo Freire, 2010. (Educação Cidadã, vol.6) AMORIM, Hellen. A gestão como fator de sucesso de uma escola de ensino médio: estudo de caso. Brasília, 2007. 134f. Dissertação (Mestrado em Educação). UCB, Brasília-DF, 2007. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1990. ______. Lei Federal nº 9.394. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, DF: Senado Federal, 1996. BRIGHOUSE, Tim; WOODS, Davi. Como fazer uma boa escola? Porto alegre: Artmed, 2010. CHAGURI, Magali. O curso Progestão no Estado de São Paulo e sua concepção de Educação Permanente. Americana, 2007. 116f. Dissertação (Mestrado em Educação). UNISAL, Americana-SP, 2007. GADOTTI, Moacir. Boniteza de um Sonho: ensinar e aprender com sentido. São Paulo: Cortez, 2002. LUCK, Heloisa. Gestão da cultura e do clima organizacional da escola. Petrópolis: Vozes, 2010. (Série Cadernos de Gestão, volume V) PAULON, Simone; FREITAS, Lia; PINHO, Gerson. Documento subsidiário à política de inclusão. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2005. YIN, Robert. Estudo de caso: Planejamento e Métodos. 2. ed. Porto alegre: Bookman, 2001. 69 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Acessibilidade e expansão da Educação Superior no Brasil: os impactos do ordenamento legal e de variáveis sócio-econômicas relacionadas à Educação Superior no Brasil Renato Borges Resumo: Este texto traz uma visão preliminar das questões relacionadas à expansão e acessibilidade do ensino superior no Brasil. Tendo em vista as particularidades da implantação da universidade no país e das variadas formas das Instituições de Ensino Superior (IES), debate-se intensamente as regras do governo, que são impostas a todo o sistema – o ordenamento legal – as práticas implementadas nas IES e até mesmo os planos periódicos de estratégias educacionais. Tudo pouco conclusivo, quantificado e, portanto, nada propositivo. As incertezas quanto ao papel, responsabilidades e relações com o modelo econômico evidenciam posições antagônicas: uns acreditam em modelos mais flexíveis, equacionadores de problemas sócio-econômicos, o que estaria ligado ao crescimento da economia (medido pelo Produto Interno Bruto - PIB) e à expansão da acessibilidade nos últimos anos; outros já condenam aspectos mercantis do ensino e qualquer relação deste com o modelo econômico vigente, uma vez que defendem a educação integral e formadora do cidadão. Com a premissa de que o Estado é o grande regulador do modelo educacional, abordamos aqui a evolução do ordenamento legal vis a vis a expansão do ensino superior, as formas de acesso (acessibilidade), bem como os reflexos de variáveis sócio-econômicas sobre a oferta de vagas e o crescimento de instituições públicas e privadas no país. Palavras-chave: Educação Superior. PIB. Vagas. Ordenamento Legal. Acessibilidade. 71 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Tendências e problemas do ensino superior No mundo hodierno, segundo a Unesco (1999), no tocante à Política de Mudança e Desenvolvimento no Ensino Superior, existem três tendências, quais sejam a expansão quantitativa, a diversificação de estruturas institucionais e as dificuldades financeiras. Tem-se que a qualidade da expansão estaria ligada às condições sócio-culturais do país e, sendo assim, países menos desenvolvidos tenderiam a expandir-se com baixa qualidade. A diversificação de estruturas institucionais estaria relacionada às dificuldades financeiras, o que sugere que, em países pobres, parte da viabilização do sistema de ensino superior viria da sua diversificação. Em suma, a diversificação seria uma alternativa para equalizar a questão econômica, tendo presente o processo educacional. No Brasil, existem tendências nessa linha, a exemplo das alterações feitas nas regras que regem as Instituições de Ensino Superior Públicas do país que, na prática, possibilitam uma aproximação destas com o mercado. Dessa forma, tendo como braço operacional as fundações, essas instituições podem prestar serviços, assim como qualquer outra empresa mercantil. Segundo Catani (1996), a aproximação entre os setores produtivos e educacionais, em especial no que se refere à educação superior, é um fato inevitável. Existe, no entanto, uma contradição neste movimento, perceptível à medida que as universidades são questionadas quanto à qualidade do conteúdo, ao mesmo tempo em que são cobradas pelos seus papeis no meio econômico. A Unesco (1999) entende que a diversificação é uma tendência inevitável, contudo, deve-se estar atento à qualidade do ensino superior, à equidade quanto ao seu acesso (questão da acessibilidade) e, ainda, à preservação da liberdade acadêmica. 72 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Numa análise sobre Estados Nacionais, tecnologia e políticas inovadoras, Carnoy (2004) acredita que existem de fato direcionamentos do governo para o modelo educacional, pois, para ele, a educação de modo geral, e, em particular, a educação superior, estaria vinculada historicamente aos objetivos nacionais, assim como a promoção da cultura do país, ao desenvolvimento sócio-econômico ou à formação de uma elite. Para a Unesco (1999), o ensino superior deve sim desenvolver atitudes pró-ativas frente ao mercado de trabalho e ao nascimento de novas formas de colocação da mão-de-obra. Contudo, quando o diploma não estiver garantindo o emprego, espera-se que o ensino superior tenha preparado graduados, também capazes de, por exemplo, criar oportunidades. Schwatzman (2005) retrata a iniciativa europeia de equalizar a questão do ensino superior quanto à sua dupla missão, buscando um formato que, ao mesmo tempo, permita a formação profissional e a formação mais geral. A proposta é conhecida como “Processo de Bologna”, que propõe um formato geral de dois ciclos para o Ensino Superior e mais um terceiro para cursos “avançados” (não profissionais) e para a pós-graduação. Dias Sobrinho (2006), no livro “Dilemas da educação superior no mundo globalizado”, dedica um capítulo à reflexão sobre tendências das reformas educativas no mundo, com ênfase no “Processo de Bologna” modelo que, para ele, não traz garantias de uma formação integral do indivíduo para a vida e sociedade. O autor teme a mercantilização da educação superior que, por ter um corte transnacional, pode passar a ser formalmente regulada pelo Acordo Geral de Comércio sobre Serviços (GATS), preocupação esta verificada em pronunciamentos de outros estudiosos sobre o tema e também de dirigentes de Instituições de Ensino Superior de vários países. Já numa crítica ao planejamento tecnicista do governo com relação à educação superior, Mendes (2000) destaca sua preocupação com a falta de flexibilidade acerca das questões conceituais relativas 73 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional à universidade, enumerando algumas de suas conclusões sobre o assunto, das quais citamos: Cabe à administração das universidades formular uma política que as situe no processo de desenvolvimento social e econômico do país. Constituem itens essenciais dessa política: a. a criação de mecanismos que permitam a captação sistemática das necessidades sociais às quais possa responder uma eficiente programação universitária; b. a criação, no MEC e em cada universidade, de um serviço de informação ocupacional; c. um método adequado de participação de cada universidade no plano geral da Nação. (MENDES, 2000, p. 161). Espínola (2002) entende que é possível atender às teorias econômica e social na medida em que se pode identificar as necessidades coincidentes destas duas áreas e, em seguida, promover a otimização do recurso empenhado no processo educativo. O autor propõe um modelo em que os mecanismos destinados a assegurar o cumprimento de políticas pertençam à esfera da regulação e do controle, que permitirão a obtenção do produto, do resultado e da qualidade desejada. Para Espínola (2002), a regulação é essencial, pois este é o instrumento de política do Estado que orienta o sistema para condutas e resultados predeterminados. Também pode ser vista como uma ferramenta de “calibre” por onde o Estado manda sinais ao sistema educativo sobre quais objetivos a se atingir. Nesse modelo não se descartam as necessidades econômicas nem as sociais. O que se faz é aproveitar-se de forças favoráveis no caso, o próprio sistema de educação - para o atendimento dessas duas demandas. 74 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional O modelo confirma, de certa forma, o alinhamento entre o ensino superior, o mercado de trabalho, as necessidades da área econômica e a proposta educacional. FIGURA 1: Os papeis da educação. C IÊ N C IA S S O C IA S T e o ria d o C o n h e cim e n to • C u ltu ra ; • C o n h e cim e n to ; • E d u ca çã o com o com p e tê n cia ESTADO REG ULAÇÃO E CO NTRO LE 1 . N o rm a tiv o E C O N O M IA T e o ria d o M e rca d o • E ficiê n cia ; • C u sto -e fe tiv id a d e ; 2 . In sp e çã o • E d u ca çã o com o b em E S C O LA 3 . In fo rm a çã o A sce n sã o P ro fissio n a l In crem e n to d e re n d a 4 . P a rticip a çã o D em a n d a F A M ÍLIA L iv re E sco lh a Fonte: Espínola (2002, p.33) Castro (1976), ao abordar a questão da contribuição da educação para o crescimento econômico, ressalta os estudos realizados a partir de 1950. Naquele período, foram identificados resíduos não explicados pelas metodologias vigentes ou pelo aumento do capital e do trabalho e que, doravante, foram atribuídos à educação. Segundo o autor, os estudos explicavam de forma precária a relação da educação com crescimento. Só mais adiante seria explicitamente introduzido capital humano ou a educação na função de produção. 75 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Quanto à diversidade, Castro, citado por Durham (2001), faz uma análise do ensino superior no Brasil e das mudanças ocorridas nos últimos anos. Para ele, esse efeito foi algo natural tendo em vista as transformações por que passou o mundo, das quais o Brasil não ficou isento. O autor defende a ideia de que é necessário reconhecer a diversificação também na formulação das políticas, regras e incentivos, pois o que houve foi uma mudança na oferta para atender demandas existentes e diferenciadas. Outros autores acreditam que essa diversificação já ocorreu no Brasil. Schwartzman (1989) entende que a diversificação veio com a expansão e, coincidentemente, após a reforma universitária de 1968 que, aliás, teve a pretensão de impor ao nosso país o modelo organizacional das “Research Universities” norte americanas. O autor visualiza uma expansão de 1968 até 1980, com significativas diferenças entre instituições públicas e privadas e uma estagnação após 1980 que, no seu entendimento, foi em função de dois eventos, quais sejam: 1) a limitação do governo para autorizações de novos cursos e; 2) a saturação no mercado de trabalho para algumas profissões, em função da retração econômica daquele momento. Já no ano de 1989, momento em que se discutia as perspectivas do ensino superior no país em evento organizado pela Universidade de São Paulo (USP), de 5 a 7 de abril de 1989, Schwartzman afirmava que a demanda continuaria aumentando nas próximas décadas. À época, destacou que o número de jovens (de 18 a 24 anos) no ensino superior era muito baixo, comparando-se o Brasil com demais países da América Latina e América Central. A posição de Schwartzman (1989) com relação à modalidade do ensino superior coincide com a posição de Castro (2001). Entendia o autor, à época, que os demandantes eram diferentes e não haveria como insistir num modelo único de ensino superior com aquela realidade. Ressaltou, entretanto, que as demandas não poderiam ser atendidas sem uma análise prévia das consequências, tais como a possibilidade de perda na qualidade da educação. 76 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional As tentativas de expansão da oferta no Brasil A partir de 2004, momento em que o país tinha apenas 9% dos jovens (18 – 24 anos) no ensino superior, as discussões ganharam novas variáveis. Com a constatação de que o país realmente não poderia expandir a inclusão desses jovens no ensino superior, vários projetos foram colocados em pauta pelo governo federal. Assim, no escopo do Programa Universidade para Todos (ProUni), novas regras foram implementadas para o Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior), além da criação de bolsas integrais, dirigidas aos egressos do ensino médio público, visando ingressá-los nas faculdades privadas. O governo esperava que, com o ProUni e com a expansão das Universidades Federais, em virtude do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – REUNI, fosse possível ter 30% dos jovens de 18 a 24 anos no ensino superior no final de 2011, o que se mostrou, até agora, algo improvável. Entretanto, essas medidas também criaram polêmicas no meio acadêmico. De um lado, tiveram aplausos, pois sinalizariam a preocupação do governo com a questão da acessibilidade e diversificação do ensino superior. De outro lado, todavia, tiveram severas críticas, pois, no entendimento dos mais conservadores, ao contemplar as instituições privadas no projeto, estaria sinalizada a intenção do governo em privatizar, de fato, o ensino superior no Brasil. De toda forma, é fato que o Brasil é um dos países que mais tem participação de instituições privadas no ensino superior. Conforme revela o próprio Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep, 2004), temos a educação superior mais privatizada do mundo. Conforme observa o próprio Ministério da Educação, por meio de documento do Inep (2004), mesmo com a inclusão das Instituições Privadas no ProUni, visando aproveitamento de sua ociosidade de vagas, não é possível atingir a meta do Plano 77 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Nacional e Educação (PNE) com relação à inclusão de jovens no ensino superior, qual seja, de 30% até 2011. O mesmo documento explicita o que o governo espera da educação superior e, assim, frisa que a educação deve garantir a posição de destaque o país no cenário econômico mundial, sendo, portanto, um bem público. Evolução do Ensino Superior no Brasil e Fatores macroeconômicos É curioso o fato de que, embora a oferta de vagas tenha acompanhado alguns dos indicadores sócio-econômicos, isto não garantiu a inserção dos jovens de 18 a 24 anos no ensino superior do país. O que se verificou foi que a evolução na oferta de vagas (vide gráficos 1 e 2) foi efetivada por instituições privadas de ensino, com uma pequena participação de instituições confessionais e municipais, mas este evento não equacionou a questão da ausência de grande parte dos jovens no ensino superior. Gráfico 1: Evolução do PIB e vagas – 1970 – 2008 3.500 3.000 2.500 2.000 1.500 1.000 500 Fonte: MEC/INEP - Elaboração própria 78 08 06 20 04 20 02 V A G A S TO TA IS (m il) 20 00 20 98 20 96 19 94 19 92 19 90 19 88 19 86 P IB (m il) 19 84 19 82 19 80 19 78 19 76 19 74 19 72 19 19 19 70 - Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Analisando-se PIB versus vagas, verifica-se que, no período, a segunda variável esteve estacionada por vários anos. No final do período, contudo, acompanha a tendência do PIB. Gráfico 2: Evolução do PIB e matrículas – 1970 – 2008 6.0 0 0 5.0 0 0 Vagas (Mil) 4.0 0 0 3.0 0 0 2.0 0 0 1.0 0 0 08 06 20 04 20 02 20 00 20 98 20 96 19 94 19 92 19 90 19 88 19 86 19 84 19 82 19 80 19 78 19 76 19 74 19 72 19 19 19 70 - A nos P IB (m il) M A T R IC . M il Fonte: MEC/INEP - Elaboração própria Analisando-se PIB versus matrículas, verifica-se que há uma associação forte entre as duas variáveis, com a ressalva de que no final do período há uma oferta maior de vagas, se comparada com a evolução do PIB, o que pode ser reflexo da reforma Darcy Ribeiro, de 1986, notadamente com regras mais flexíveis para a criação de instituições de ensino superior no Brasil. 79 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Gráfico 3: Evolução das vagas, por tipo de Instituição – 1985 – 2008 3 .0 0 0 2 .5 0 0 Vagas mil 2 .0 0 0 1 .5 0 0 1 .0 0 0 500 19 85 19 86 19 87 19 88 19 89 19 90 19 91 19 92 19 93 19 94 19 95 19 96 19 97 19 98 19 99 20 00 20 01 20 02 20 03 20 04 20 05 20 06 20 07 20 08 - An o s P rivadas P úblicas Fonte: MEC/INEP - Elaboração própria Ao se verificar a evolução das vagas, temos que as instituições privadas foram as que mais contribuíram para o sistema como um todo. Gráfico 4: Evolução das Vagas em Instituições Privadas: por tipo In stitu iç õ e s P riva d as : E vo lu ç ão d as V a g a s 3 .0 0 0 2 .5 0 0 Vagas (mil) 2 .0 0 0 1 .5 0 0 1 .0 0 0 500 - 20 00 20 01 20 02 20 03 20 04 20 05 20 06 20 07 Ano P a rticu la re s 80 C o m u n itá ria s/C o n fe s./F ila n tró p ica s Fonte: MEC/INEP - Elaboração própria T o ta l 20 08 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional No conjunto de privadas, as particulares foram as que mais ofertaram vagas e são as responsáveis pela evolução do sistema, pelo menos no quesito oferta. Obviamente que as matrículas totais tendem a acompanhar o número de vagas ofertadas, embora em menor proporção, o que sugere uma ociosidade no sistema. Gráfico 5: Evolução das vagas x matrículas – 1970 – 2008 6.000 5.000 4.000 3.000 2.000 1.000 06 04 02 00 98 96 94 92 90 88 08 20 20 20 20 20 19 19 19 19 19 86 84 82 80 78 76 74 72 M A TRIC. M il 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 70 - V A G A S TO TA IS (m il) Fonte: MEC/INEP - Elaboração própria Obviamente que esse crescimento de IFES privadas foi acompanhado por visíveis mudanças no sistema de ensino superior, notadamente no ordenamento legal, que tornou mais flexível a chegada de investidores de mercado no segmento da educação superior, tornando-a um negócio rentável e promissor. Analisando-se dados oficiais, verifica-se que tanto evoluiu o ordenamento legal referente à educação superior no Brasil (tornou-se mais flexível), como também se acirraram os debates sobre o tema Universidade e, em especial, sobre as várias nuances do Ensino Superior no país. 81 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional As alterações pontuais nesse ordenamento legal certamente tiveram seus objetivos declarados e, em alguns casos, também tiveram seus resultados apurados. Quadro 1: Resumo da Evolução do Ordenamento Legal 1891 Reforma Benjamim Constant Um estatuto para instituições de ensino superior existentes: Faculdades de Medicina, Escolas Politécnicas, de Minas e de Engenheiro 1901 Reforma Epitácio Pessoa Decreto Lei 3.390/1901: Disciplina a organização e composição das faculdades 1911 Reforma Rivadávia Correa Decreto 8.659/1911: Lei orgânica do Ensino Superior e do Fundamental 1915 Reforma Carlos Maximiliano Decreto 11.530/1915: Reorganiza o ensino secundário e o superior. Mantém o Conselho Superior de Ensino, mas altera currículos. 1925 Decreto 16.782-A/1925: Estabelece os concursos da União para difusão do ensino primário, Reforma João Luiz Alves/Lei organiza o Departamento Nacional do Ensino, Rocha Vaz reforma o ensino secundário e o superior. Cria o Conselho Nacional de Ensino – CNE. Altera currículos. Aborda questões da Universidade. 1931 Reforma Francisco Campos Decreto 19.851/1931: Universidade como modelo para o desenvolvimento do ensino superior. Regulamenta a organização e composição das universidades. Introduz a investigação científica como um dos objetivos do ensino superior. Aborda a questão das “universidades livres” – (privadas). 1ª LDB Lei 4.024/1961: Disciplina a organização de todos os níveis de educação no país. Assegura igualdade entre estabelecimentos de ensino públicos e privados. A iniciativa privada tem avanços no ensino superior com a aprovação da 1ª LDB. 1961 82 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional 1968 Lei 5.540/1968: fixa normas de organização e funcionamento do ensino superior, complementadas pelo decreto-lei 464/1969. Foco na flexibilização. Principais pontos: ensino indissociável da pesquisa; autonomia das universidades; modelo organizacional único para instituições; ciclo básico; eliminação da Reforma Universitária de 1968 cátedra; estabelecimento do departamento como a menor fração da estrutura universitária; regime de matrícula semestral; estabelece o crédito como unidade de medida para a contabilidade acadêmica; extensão universitária; vestibular unificado; renovação periódica do reconhecimento das instituições; representação estudantil. 1996 Lei 9.394/1996, Lei 9.131/1995 e Lei 9.192/1995: Foco na formação dos profissionais da educação básica e democratização da universidade (cursos sequenciais). Principais pontos: diversidade de cursos superiores; Centros Universitários e de Educação Tecnológica; a Universidade deixa de ser a organização preferencial para oferta do ensino superior; flexibiliza modelos organizacionais – acaba a exigência dos departamentos; avaliação como instrumento de recredenciamento; aumento do ano letivo para 200 dias; alternativa ao vestibular para o processo seletivo; pré-requisitos para credenciamento de instituições; regulamenta a educação a distância; regulamenta o Conselho Nacional de Educação e estabelece avaliações periódicas das IES, incluindo o provão (Lei 9.131/95); regulamenta processo de escolha dos dirigentes das IES públicas e particulares (Lei 9.192/95). Reforma Darcy Ribeiro 83 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Leis 11.096/2005; 11.128/2005; 11.180/2005; 10.861/2004; Instrução SRF 456/2004; Decreto 5.262/2004; Decreto 5.493/2005; Decreto 5.773/2006; Portaria nº40. 2004 Reforma Tarso Genro Principais pontos: Cria SINAES e CONAES (foco na avaliação e recredenciamento); Cria o ProUni (com foco na acessibilidade). Diante da premissa que a Educação Superior é bem público, o foco recai sobre a qualidade e avaliação, com ampla regulação do Estado. Várias iniciativas para aumentar a acessibilidade (bolsas e incentivos fiscais às IES privadas); Aspectos da autonomia e financiamento, respeitadas as vocações regionais. Estabelecimento do Plano de Desenvolvimento de Gestão (PDG) como condição básica para várias permissões e concessões. Mudanças no FIES (financiamento direto aos estudantes) Considerações Finais Com essa análise preliminar, apenas descritiva, podemos verificar várias situações e até mesmo constatar algumas colocações feitas por especialistas ao longo do tempo. Verificou-se, por exemplo, que há uma associação entre o crescimento do PIB com o número de ofertas de vagas e, também, que essa oferta é proveniente de instituições privadas – particulares e confessionais. É possível verificar também a associação do número de vagas ofertadas com o número de matrículas efetuadas e, como consequência, que isto se deu no sistema privado, uma vez que as IES públicas pouco ofertaram nesse período, comparativamente às demais instituições. Temos realmente o sistema de ensino superior muito privatizado. 84 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Resta, entretanto, verificar e quantificar, sem vieses, o quanto as mudanças no ordenamento legal foram determinantes para essas constatações e se foram eficientes em suas pretensões. É essencial que estudos complementares abordem esse tema e tragam contribuições para os debates sobre a educação superior no Brasil. Entende-se que isto é possível por meio de uma análise da evolução do ordenamento legal que rege o ensino superior e de uma avaliação dos efeitos destas regras sobre a expansão deste nível de ensino sobre a melhoria do acesso. Outro aspecto importante na linha de pesquisa é a verificação da qualidade do ensino superior frente à expansão do sistema privado. Referências BRASIL. Ministério da Educação. Textos para Discussão nº 12. “Educação Superior: democratizando o acesso”. Brasília DF: Inep, 2004. CARNOY, M. 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Rio de Janeiro: Garamond, 1999. 86 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Políticas públicas e gestão do ensino médio público no Distrito Federal: a formação continuada de professores na perspectiva de organismos multilaterais Fontele de Lima Júnior Kattia de Jesus Amin Athayde Figueiredo RESUMO: A formação de professores tem sido objeto de pesquisa em muitos estudos que tratam sobre o tema. Na contemporaneidade, a procura, quase que frenética, por cursos de formação continuada tornou-se uma condição para que os profissionais docentes permaneçam, qualitativamente, em seus postos de trabalho. Nesses termos, a relevância social do tema constitui-se o objeto deste texto, que problematiza a gestão do espaço educacional público e suas implicações nos cursos de formação continuada. Assim, discutem-se as políticas públicas voltadas para a formação de professores do ensino médio público do Distrito Federal, sob o enfoque dos organismos multilaterais de crédito, especificamente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Destaca-se o Programa de Melhoria e Expansão do Ensino Médio (Promed), por aquele banco financiado, e suas implicações para as políticas públicas educacionais, evidenciando-se a estrutura burocrática do Estado e a direcionalidade das ações do programa na promoção da formação continuada. Com efeito, as políticas educacionais desse modo norteadas, criaram novos cenários para a realização das práticas pedagógicas, por meio da elaboração e execução de programas educacionais, a exemplo do Promed. Para discutir criticamente os pressupostos que fundamentaram tal política formativa, utilizou-se o método dialético marxista, no sentido Mestre em Educação e Pedagogo pela Universidade de Brasília (UnB). Técnico em Gestão Educacional na Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal. E-mail: [email protected]. Doutoranda e Mestre em Educação pela Universidade de Brasília (UnB). Professora da Escola de Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação (EAPE/DF). E-mail: [email protected]. 87 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional de explicitar as contradições subjacentes ao objeto em estudo e suscitar o debate em torno da lógica educacional circunscrita a esse modelo de gestão da educação. Nesse contexto, apresentaram-se algumas das ações praticadas no ensino médio público distrital, que demonstram a ausência de articulação e de diálogo na formulação dos programas de formação, financiados por organizações multilaterais de crédito, da mesma forma que elucidam o distanciamento entre o planejamento pedagógico, com base em conteúdos imediatistas e deslocados da realidade educacional vivenciada pelos professores, das concretas necessidades que a prática docente e os processos educativos demandam para a etapa final da educação básica pública. Palavras-chave: Gestão da Educação. Ensino Médio Público. Formação de Professores. Organismos Multilaterais. Introdução Desde os anos 1990, o Estado brasileiro passou por modificações estruturais no desempenho das políticas sociais e, nesse âmbito, incluíram-se as destinadas à educação básica pública, e, particularmente, ao ensino médio. Nessa trajetória, a formação continuada de professores, compreendida como estratégia educacional para promoção de autonomia e de qualidade na organização do trabalho pedagógico, sofreu, igualmente, alterações. As determinações capitalistas para o setor educacional daquela década trouxeram consigo um processo de racionalização econômica que incutiu o alinhamento das políticas nacionais às orientações ditadas por organizações multilaterais de crédito, de modo a desconsiderarem a realidade educacional brasileira e sua gestão, entendida como instância decisória, e que, por seu turno, assumiu um novo sentido perante as comunidades escolares e seus sujeitos. 88 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Uma prática comum naquele tempo, e ainda vigente, constituiu-se no consentimento do governo brasileiro a interferências de instituições multilaterais de crédito nas decisões econômicas e sociais nacionais, possibilitadas por meio de condicionalidades impostas em acordos de empréstimo (SILVA, 2002). Os resultados dessa concordância manifestaram-se, em grande medida, na reorganização econômica e sociopolítica do país, inviabilizando um projeto para a educação nacional, pensado e construído a partir de especificidades educacionais e dimensões culturais e sociais da sociedade, e dos diversos grupos que a compõe (ROSAR; KRAWCZYK, 2001). Do mesmo modo, implicou na imposição de um modelo de gestão educacional com finalidades formativas orientadas para a inserção dos sujeitos da aprendizagem no mercado de trabalho e na predisposição para o consumo. Assim, o Estado, compreendido como um conjunto de instituições aptas a executar as ações governamentais, incluindose órgãos legislativos, judiciários e executivos, viabilizou as determinações externas para os governos nacionais, percebidos como parte da sociedade que desempenha suas funções durante um determinado período de tempo (HÖFLING, 2001). Logo, as ações voltadas para o ensino médio público e as determinações para o oferecimento de formação continuada para seus professores, de modo geral, perpassaram essa estrutura estatal e incorporaram as vontades daqueles que detêm poder decisório, resultando na conformação dessas medidas ao projeto de governo elaborado e destinado à educação pública brasileira. Neste artigo, discutem-se as implicações do Programa de Melhoria e Expansão do Ensino Médio (Promed) na formação O PROMED foi acordado entre o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID e a República Federativa do Brasil, representada por seu Ministério da Educação – MEC, por meio do Contrato nº. 1225/OC/BR, em 02/03/2000. Sua operacionalização iniciou-se em 24/07/2001 e encerrou-se em janeiro de 2007. O custo total do programa foi de 220 milhões de dólares, sendo 110 milhões por conta de empréstimo junto ao BID, 39,3 milhões da União e 70,7 milhões, a título de contrapartida, dos Estados e do Distrito Federal. Em 2007, o programa entrou em fase de prestação de contas. (FONTE: www.fnde.gov. br. Acesso em: 18 nov 2009). 89 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional continuada de professores, face às ações nele estabelecidas, no âmbito do ensino médio público distrital. Para nortear a discussão, partese das seguintes questões: de que forma a estrutura administrativa burocrática do governo do Distrito Federal compreendeu o oferecimento de formação continuada aos professores de seu ensino médio público, no contexto do Promed? Em que medida o exercício administrativo burocrático implicou na execução desse programa? De que modo uma política pública financiada por uma organização multilateral de crédito externo contribuiu, efetivamente, para a formação continuada de professores? Sem a pretensão de dar respostas, interessa-se, aqui, introduzir um debate sobre o modo como são pensadas e inseridas as políticas formativas nas escolas públicas de ensino médio, a partir de financiamentos externos, e como estas se materializaram no trabalho docente. Em vista disso, traz-se para o debate, os implicativos da execução do Promed na promoção da formação continuada para os docentes desse nível de ensino. Ao final, tecem-se algumas considerações acerca do modelo de formação empreendido, tendo como base as orientações pedagógicas fomentadas e prescritas por instituições multilaterais de crédito externo para as políticas públicas de educação nacionais. O Promed e a formação continuada de professores O Promed constituiu-se em uma política pública planejada pelo governo federal a partir do ano de 1999. Sua amplitude incluiu todas as unidades da Federação, inclusive o Distrito Federal, e sua execução, com início em 2000, produziu implicações para a gestão dos sistemas de ensino nacionais, pelo motivo de ter sido financiada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), instituição que, embora fundada com o objetivo de auxiliar seus membros a desenvolverem-se socialmente, realiza negócios com a iniciativa privada e mantém estreita vinculação com setores 90 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional econômicos, denotando sua fundamentação capitalista, que visa lucros monetários. Com efeito, a consecução daquele programa demandou atenção a exigências contratuais e normativas estipuladoras da relação público/privado, no que se refere a contratações e aquisições no âmbito da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEDF). Especificamente, os serviços administrativos vinculados à formação continuada de professores se deram por meio de ações fundamentadas em um modelo formativo previamente delineado pelo BID, desprezando as reais necessidades desses sujeitos e dos processos escolares. Não obstante, a execução daquele programa ocorreu em meio a um Estado hierarquicamente estruturado e com um aparato administrativo voltado para uma determinada finalidade, neste caso, a de promover uma política pública para o ensino médio público. Essa orientação, além de avançar na estrutura estatal e nesta se concretizar, encontra-se arraigada de significados para a educação e para a formação continuada de professores, pelo motivo de que as instituições públicas de nível médio integram essa mesma estrutura e, simultaneamente, necessitam de soluções para os problemas inerentes ao processo educativo. Para Weber (2009, p. 225), a administração burocrática “é sempre uma administração que exclui o público. A burocracia oculta, na medida do possível, o seu saber e o seu fazer da crítica”. Depreende-se disso, que seu poder consiste em subtrair das vistas da esfera pública seus conhecimentos e intenções, estratégia que Cada unidade da Federação e o Distrito Federal propuseram suas ações ao governo federal a partir de dois subprogramas. O subprograma de Projetos e Investimento das Unidades Federadas (subprograma A) objetivou assegurar recursos para implantação de reforma, melhoria da qualidade e expansão da oferta de ensino médio nas redes públicas das Unidades Federadas e do Distrito Federal. O subprograma Políticas e Programas Nacionais (subprograma B), destinou-se à Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação (SEB/MEC) e intentou financiar a implementação de políticas públicas para a promoção de reforma do ensino médio, nacionalmente. (FONTE: www.fnde. gov.br. Acesso em: 18 nov 2009). 91 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional objetiva a manutenção e a perpetuação das relações de troca, das quais discorreram Offe e Ronge (1984), referindo-se ao direcionamento das políticas propícias para o controle e os interesses de grupos proprietários da força de trabalho e do capital. Nesse âmbito, o Promed no Distrito Federal revelou-se um instrumento lógico-ordenatório, posto que, proveniente das análises do BID, acerca da realidade educacional brasileira, traduziu seus interesses, e, em seguida, os impôs, por meio do direcionamento do ensino médio público para o mercado. A subscrição do governo brasileiro a essas condicionalidades elucidou suas intenções, ou seja, conformar-se aos interesses externos, alinhando-se a realidade educacional, social e política ditadas pelas prerrogativas capitalistas globalizantes. O convênio firmado entre o governo distrital e o Ministério da Educação/Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (MEC/FNDE), para a operacionalização do programa, a partir de 2001, derivou do acordo Brasil x BID, e suas ações foram encerradas em 2007, quando entrou em fase de prestação de contas. No seu plano de investimento, documento em que constam todas as ações planejadas em 1999, observou-se que o tempo de sua execução não foi considerado. Em razão disso, alguns problemas estruturais surgiram ao longo desse período, como, por exemplo, defasagem dos valores previstos para contratação de serviços e aquisição de equipamentos; crescimento da rede física e do respectivo aumento na quantidade de alunos e de professores; e obsolescência dos materiais adquiridos. Em que pese essas controvérsias, interessanos, nessa reflexão, a falta de articulação entre cursos e capacitações destinados à formação continuada de docentes e as especificidades e reais necessidades desses profissionais, no âmbito de suas atividades laborais. Desse modo, as ações planejadas e destinadas à formação continuada, constantes no programa distrital, foram elaboradas pela SEDF. Isso significa que as escolhas quanto à carga horária, estrutura, tipo de instituição ministrante, conteúdo e modalidade, 92 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional se presencial ou a distância, foram determinadas pelos gestores daquela secretaria. Em razão de esses indivíduos comporem o quadro administrativo burocrático daquele órgão, implicou na possibilidade de direcionamento dessas ações rumo à solução dos problemas estruturais que a docência, nesse nível de ensino, apresentou. No entanto, conforme exposto a seguir, as ações formativas assumiram outra direção. No eixo “Desenvolvimento Curricular” do Promed foi incluída uma ação formativa, destinada a “Contratar empresa para capacitação dos professores, visando a apropriação da nova concepção curricular, por meio de 4 palestras; 4 seminários e 4 oficinas”, com duração de quatro horas cada. Para o eixo “Valorização dos profissionais da educação”, quatro ações foram inseridas. São elas, “Contratar 2 consultores para assessoramento técnico e produção de material pedagógico para curso a distância sobre desenvolvimento de trabalhos interdisciplinares, que priorizem a matriz curricular na parte diversificada”; “Contratar 10 professores para tutoria de curso à distância, por 90 horas cada”; “Contratar professores de laboratório para realizar oficinas”; “Contratar empresa para realizar cursos para os docentes, visando desenvolvimento de competências e habilidades nos diversos componentes curriculares”. Já no eixo “Projetos Juvenis”, as ações formativas que o integraram foram: “Realizar seminário para sensibilização dos gestores escolares quanto à inclusão do protagonismo juvenil no projeto pedagógico da escola”; “Contratar instrutor para realizar curso para capacitação de professores e coordenadores locais na orientação, elaboração, execução, acompanhamento e avaliação de projetos juvenis”; “Contratar palestrante para realizar palestras de 4 horas cada, a fim de esclarecer o papel do aluno na construção do projeto pedagógico da escola”; e “Contratar palestrante para realização das palestras sobre a nova concepção curricular”. FONTE: Informações constantes no processo administrativo que estabeleceu o convênio entre o governo do Distrito Federal e o MEC/FNDE (MEC, 2001). 93 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Embora os temas para as formações tenham se apresentado interessantes para a prática docente, percebeu-se, contudo, que tais medidas se firmaram como paliativas e focalizadoras, haja vista a fragmentação dos conteúdos e a falta de um eixo unitário que representasse consonância com as reais necessidades da profissão docente, ou mesmo como norteamento de um projeto educativo unitário e significativo para os sujeitos da aprendizagem. Igualmente, revestiram-se de caráter restritivo, posto que realizadas em serviço, com horários desfavoráveis aos matriculados, que careciam da aprovação do superior hierárquico para a efetiva participação, exigência que, por conseguinte, implicou em dificuldades para a presença nas atividades. Ademais, caracterizaram-se como cursos de rápida certificação, em razão de suas reduzidas cargas horárias, variando entre quatro e, no caso dos de maior duração, vinte horas. Segundo a sinopse estatística da educação básica de 199910, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep11), 4.843 professores atuavam no ensino médio público distrital naquele ano. No contexto da formação continuada de professores, as ações planejadas para o programa foram, no mínimo, tímidas, levando-se em conta o universo dos profissionais docentes, e considerando-se que a quantidade total de vagas não ultrapassou o somatório de mil, contabilizados todos os cursos oferecidos. Nesse cenário, as desistências dos professores matriculados marcaram a participação nessas formações. Aquela que ofereceu o maior quantitativo de vagas, com um universo de 680 matriculados, cerca de 80% evadiu antes da metade do conteúdo ministrado. Três desses cursos tiveram o seu início adiado, por falta do número mínimo de participantes. E todas as demais formações sofreram algum tipo de questionamento quanto à presença dos participantes. Tais ocorrências serviram como alvo 10 11 94 Fonte: www.inep.gov.br. Acesso em: 18/11/2009. Atual Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP. Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional para recorrentes auditorias e fiscalizações do BID e do MEC/ FNDE, e exemplificam o distanciamento entre o propugnado por aquele Banco e a concretude e as especificidades da realidade dos profissionais docentes. Portanto, desvelaram um planejamento baseado em fatores extrínsecos às condições materiais e formativas dos docentes do ensino médio público distrital, em contraste com uma formação construída coletiva e democraticamente, ajustada às necessidades desses sujeitos e dos demais integrantes das comunidades escolares. Conforme discorre Oliveira, ao tratar da gestão da educação no âmbito das reformas educacionais na década de 1990, Pelo que nos mostram todas as evidências empíricas até o momento, o que está sendo pensado e implementado na rede pública são adequações às tendências gerais do capitalismo contemporâneo, com especial ênfase na reorganização das funções administrativas e de gestão da escola, assim como no processo de trabalho dos educadores, envolvidos com a formação das futuras gerações de classe trabalhadora, tendo em vista a redução de custos e de tempo. Trata-se de garantir o que nas empresas denomina-se qualidade total. Entretanto, essa qualidade refere-se primordialmente à qualidade do processo, não do produto, já que, com relação a este, a qualidade é sempre referida ao segmento de mercado ao qual se destina. Qualidade do processo produtivo diz respeito à redução de desperdícios, de tempo de trabalho, de custos, de força de trabalho. (1997, p. 41). Nesse sentido, as reformas do Estado nos anos 1990 trouxeram também novas formas de gestão e um novo modelo para 95 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional a formação continuada de professores. Segundo ainda Oliveira, tratou-se da potencialização dos recursos físicos integrantes do processo de trabalho dos educadores e da intensificação de suas atividades, sem investimentos efetivos na capacitação desses profissionais. Diante disso, as propostas governamentais formativas priorizaram a flexibilização do trabalho, no sentido de aproximar a instituição educacional de uma unidade de capacitação, por meio da oferta de formação continuada de curto prazo, com baixa qualidade de conteúdos e de significados, durante o período de trabalho, e distante das reais necessidades dos docentes e da realidade local na qual eles se inserem. Os indivíduos pertencentes ao quadro administrativo burocrático estatal, nesse âmbito, desempenharam atividades e exercitaram decisões de forma limitada para a determinação dessas ações, pois esses agentes disciplinados, e sem verdadeiramente se apropriarem dos meios administrativos, obedeceram a uma hierarquia na qual os espaços para decisões substantivas, quanto ao direcionamento das políticas educacionais, ou mesmo da concepção de ações e de programas, são propícios para a conservação do controle dos interesses dos proprietários da força de trabalho e do capital. A vontade e o desejo daquele a quem Weber (1978, p. 19-20) chamou de chefe “supremo”, permeou toda a estrutura administrativa e se consolidou nas ações e nos programas, restando poucas possibilidades de mudanças no que foi demandado da instância superior hierárquica, sobretudo quando os recursos financeiros para o cumprimento das ações são oriundos de instituições multilaterais de crédito, e por elas controlados. Dessa conjuntura, resultaram programas em que as ações planejadas são fragmentadas e sem expressividade quanto às necessidades formativas dos professores, a exemplo do Promed no Distrito Federal. A indução e a imposição de diretrizes para a educação brasileira, viabilizadas por meio das condicionalidades dos acordos firmados com organizações multilaterais de crédito, como o BID, determinaram conformações sociopolíticas a interesses exteriores 96 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional à realidade nacional, apresentando-se significativas, também, para o estabelecimento de ações formativas fragmentadas e distantes das necessidades que a prática docente no ensino médio público demanda. Permanecer nessa situação é questão fundamental para a lógica econômica globalizante, pois, como discorreram Offe e Ronge (1984), destinar o capital e os meios de produção às mãos daqueles que secularmente os têm, mantém a formação continuada orientada para a inclusão dos indivíduos nas relações de troca, e, portanto, subordina o processo educativo ao mercado e ao modo de produção capitalista. Contudo, contrariamente a essas determinações, as resistências localizadas nas escolas e em movimentos da sociedade organizada alertam para a complexidade dos fenômenos sociais e conclamam à defesa do estabelecimento de outro modelo formativo, baseado em princípios democráticos e éticos. Avanços, retrocessos e tensões revelam a necessidade de se equalizar o diálogo nas esferas que definem os processos educativos e escolares, incluindose não somente os professores, mas toda a comunidade escolar e as instâncias político-organizativas do Estado, com relação aos processos formativos no âmbito do ensino médio público distrital. Considerações finais As possibilidades de interferência e reorientação dos gestores nos processos de formulação e execução de políticas públicas educacionais são efetivamente limitadas, no âmbito do Estado capitalista e dos governos nacionais. Sob pressupostos de controle e promoção dos interesses de grupos que detêm o capital e os meios de produção, os integrantes do quadro administrativo público distrital são moderados pela estrutura hierárquica burocrática, resultando na obediência a uma cadeia de comando verticalizado, cujo poder é centralizado no representante máximo da unidade estatal. 97 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Para a educação pública brasileira, desde os anos 1990 essas políticas são agravadas pela interferência de organizações multilaterais de crédito. Com a justificativa de ajuda técnica e financeira, essas instituições determinaram a conduta das políticas sociais nacionais. Nessa perspectiva, Oliveira assevera que Ao lado das diretrizes políticas, o Banco vem produzindo uma série de estudos e pesquisas sobre os diferentes setores da área social, cujo produto constitui uma massa considerável de informações que são utilizadas no momento da negociação de acordos. Por esta razão, são capazes de influenciar o desenho dos projetos e até mesmo a agenda do setor financiado. No que se refere à educação, por exemplo, o Banco conta com informações sistematizadas sobre os fatores determinantes do desempenho educacional, assim como sobre os resultados de experiências na área da gestão, entre outros. (ibdem, p. 47). Desse modo, as políticas públicas educacionais formativas, financiadas por instituições multilaterais de crédito, desconsideram nas suas formulações as especificidades locais, regionais e nacionais, bem como as necessidades dos docentes e das escolas. Ao contrário disso, e em nome da ordem capitalista global, subtraem as possibilidades de mudanças e de autonomia das instituições educacionais e dos sujeitos que a integram. A fragmentação dessas políticas, a exemplo do Promed no Distrito Federal, focalizadas em temas imediatistas e planejadas com base no oferecimento excludente e restritivo à participação, retira do cenário educacional possibilidades do oferecimento de uma formação de qualidade e com conteúdos significativos, que seja pautada em um projeto destinado a mudanças efetivamente democráticas para a educação e para seus docentes. Contra essas determinações, constitui-se válida a luta histórica desses profissionais. 98 Referências HÖFLING, Eloisa de Mattos. Estado e políticas (públicas) sociais. Cadernos CEDES. n. 55, novembro/2001, p. 30-41. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (MEC). Processo no. 23000.012340/2001-78 - Celebração de convênio com o Promed (Governo do Distrito Federal). Brasília, MEC/FNDE, 20 de agosto de 2001. 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Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Gestão de TI: ferramenta de suporte para a Educação a Distância Fábio Brito Gontijo12 Universidade do Noroeste Mineiro - FINOM Resumo: Este paper analisa a gestão de serviços de Tecnologia da Informação (T.I.) na Faculdade do Noroeste de Minas (FINOM), como suporte ao processo de e-teaching, empregado por esta instituição como Ensino a Distância (EAD). São analisados os fatores críticos de sucesso da Gestão de T.I. na Faculdade FINOM, identificando as vantagens relativas às qualidades do processo de aprendizagem na modalidade EAD tanto por parte do aluno como do professor, bem como investigar as características de e-business desenvolvidas nesta instituição, o qual pode comprometer o desalinhamento estratégico da mesma, tendo em vista que o ensino oferecido por esta em cursos de graduação e pós-graduação são ministrados por meio de aulas presenciais. Palavras-chave: Tecnologia da Informação. EAD. Gestão de T.I. 12 Mestrando em Educação pela Universidade Católica de Brasília – UCB. Email: [email protected] 101 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Introdução Atualmente existem inúmeras opções de negócio utilizando a Internet, tais como: Negócios Eletrônicos (E-BUSINESS), Comércio Eletrônico (E-COMMERCE), Negócio relacionando empresa e consumidor (BUSINESS-TO-CUSTOMER), dentre as quais será destacado o Ensino via Internet (E-TEACHING). No caso do Ensino a Distância (EAD), é necessário que tenha um planejamento de estudo por parte do tutor, onde o aluno possui um acompanhamento de recursos interativos como atendimento por telefone, ou e-mail, ou correio, e a troca de informações e de experiências através de salas de bate-papos, além da verificação do desempenho do aluno. Este paper analisa os fatores críticos de sucesso da Gestão de Tecnologia da Informação (T.I.) na faculdade FINOM, identificando as vantagens relativas às qualidades do processo de aprendizagem na modalidade EAD tanto por parte do aluno como do professor, bem como investigar as características de e-business desenvolvidas nesta instituição, o qual pode comprometer o desalinhamento estratégico da mesma, tendo em vista que o ensino oferecido por esta em cursos de graduação e pós-graduação são ministrados por meio de aulas presenciais. A metodologia adotada na realização deste trabalho foi um estudo exploratório, fundamentado na análise da literatura, pesquisas, entrevistas e dados técnicos disponíveis. As conclusões possíveis foram resultados baseados em todos esses estudos citados, ressaltando as importâncias e os objetivos que possui a Faculdade FINOM. Por meio desses estudos, a utilização de pesquisas bibliográficas e de dados secundários possibilitou uma tomada de decisão por parte dos responsáveis da FINOM de modo que os objetivos sejam alcançados, sem que haja um desalinhamento estratégico. 102 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Dessa forma, para atender os objetivos aqui propostos, será discutido a seguir o processo de Gestão de T.I. na Faculdade FINOM. Ensino a Distância (EAD) Nos países desenvolvidos, seja na condição de veículos principais ou de recursos complementares, como meio e mensagem, a presença de T.I. e de comunicação nos processos educacionais está cada vez mais notória. As grandes mudanças que ocorreram na educação, e mais precisamente na teoria pedagógica, estão de certo modo ligadas às transformações que se deram nos meios de comunicação, da educação realizada através da oralidade e da imitação, ao ensino por meio da linguagem escrita, tendo como seu principal suporte o livro impresso aos recursos computacionais hoje disponíveis. O papel que se atribui aos suportes no processo de ensinar e as relações entre esses e os tipos de procedimentos didáticos têm sido temas controversos ao longo das distintas experiências na EAD. Este termo, que possui várias conceituações, pode ser assim compreendido, Educação/ensino a distância é um método racional de compartilhar conhecimentos, habilidades e atitudes, através da aplicação da divisão do trabalho e de princípios organizacionais, bem como pelo uso extensivo de meios de comunicação, especialmente para reproduzir materiais técnicos de alta qualidade, os quais tornam possível instruir um grande número de estudantes ao mesmo tempo, enquanto esses materiais durarem. É uma forma industrializada de ensinar e aprender. (PETERS, 2001, p. 30) 103 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional A partir dessa definição, pode-se entender hoje que o desenvolvimento atual da tecnologia favorece a criação e o enriquecimento das propostas do E-TEACHING na medida em que permite abordar, de maneira ágil, inúmeros tratamentos de temas, assim como gerar novas formas de aproximação entre docentes e alunos. Disponibilizando novas tecnologias como ferramenta para a construção de conhecimento, reconhece-se que jovens e adultos enfrentam um mundo influenciado pela utilização das tecnologias em todos os processos de produção, e que essas tecnologias, por sua vez, sofrem velocíssimos processos de mudança, estruturados em mecanismos cada vez mais eficientes nos termos clássicos tempo, custo e esforço. Por outro lado, as peculiaridades do aparato tecnológico também permitem gerar atividades cognitivas diferentes das que se proporiam se não se contasse com elas como, por exemplo, conceber ambientes, relacionar hipóteses e variáveis, resolver novos problemas ou outras tarefas relativas ao campo disciplinar abordado. Adaptar-se aos desenvolvimentos tecnológicos resulta na capacidade para identificar e pôr em prática novas atividades cognitivas, pois as tecnologias vão gerando permanentemente possibilidades diferentes, daí sua condição particular de ferramenta. Os projetos de E-TEACHING destinados a uma população adulta permitem responder pontualmente a seus interesses e a suas vocações vinculados à produção, visto que, graças a seu alto grau de flexibilidade, podem adaptar-se aos novos desenvolvimentos. Também possibilitam a adoção de técnicas e estratégias novas, permitem mudanças nas orientações para o trabalho e, essencialmente, transformam a educação permanentemente em um espaço à disposição dos alunos, sempre mutável, múltiplo, atento aos interesses da produção e dos desafios científicos e tecnológicos. 104 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional O impacto das tecnologias e as profundas modificações que hoje experimentam os programas de E-TEACHING permitemnos supor que as definições dos projetos em função da “distância” dificilmente podem continuar se sustentando. Na visão de Litwin (2001, p. 19), É provável que, nos próximos anos, os Ensinos a Distância se definam mais pelo nível de ensino ou pelo suporte tecnológico do que pelas características clássicas da modalidade que se foram cunhando em torno deles. Nesses casos, é provável que, nas próximas décadas, os sistemas educacionais, as instituições e as empresas adotem as modernas tecnologias, como todo seu potencial, para a formação e capacitação. Mas essa afirmação nos leva a inquirir se há novas questões relacionadas à educação para as quais as modernas tecnologias oferecem respostas. O desafio permanente da Gestão de T.I. em relação à EAD consiste em não perder de vista o sentido político original da oferta, em verificar se os suportes tecnológicos utilizados são os mais adequados para o desenvolvimento dos conteúdos, em identificar a proposta de ensino e a concepção de aprendizagem subjacente e em analisar de que maneira os desafios da “distância” são tratados entre alunos e docentes e entre os próprios alunos. O principal desafio continua sendo seu sentido democratizante, a qualidade da proposta pedagógica e de seus materiais. De acordo com o Censo de Educação Superior realizado pelo Ministério da Educação (MEC, 2009) apud R7, houve um aumento de 1.834% no número de cursos de EAD, passando de 46 em 2002 para 844 cursos de graduação a distância em 2009, conforme aponta a Figura 1. 105 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Figura 1 – Dados estatísticos da quantidade de cursos de EAD (2002/2009) Quantidade de Cursos EAD 900 Q u a n tid a d e d e C u rs o s 800 700 600 500 400 300 200 100 0 An o Fonte: R7, 2011. Elaborado pelo autor. A credibilidade desse método de ensino deveu-se ao incremento da tecnologia nos últimos quatro anos e à criação da Universidade Aberta do Brasil (UAB). O fato de cursos a distância estarem tão bons quanto os presenciais é acompanhado pelo crescente número de estudantes matriculados nessa modalidade de ensino, passando de 40.700 em 2002 para 838.100 em 2009, correspondendo assim um aumento de 2.059% a mais de estudantes matriculados neste tipo de ensino, como indica a Figura 2 (MEC apud R7). 106 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Figura 2 – Dados estatísticos da quantidade de estudantes (2002/2009) Quantidade de Estudantes em EAD 900000 838.100 800000 E s tu d a n te s 700000 600000 500000 400000 300000 200000 100000 0 40.700 2003 2009 An o Fonte: R7, 2011. Elaborado pelo autor. Dessa maneira esta forma de aprender e ensinar dá suporte para as necessidades do mundo globalizado e faz com que todos possam construir seu futuro da maneira melhor possível, através do estudo e da oportunidade de aperfeiçoamento profissional. Assim, é demonstrada a modalidade Ensino a Distância (EAD) desenvolvida pela Faculdade FINOM. Estudo de Caso: Ensino a Distância na Faculdade FINOM A Faculdade do Noroeste de Minas (FINOM) está localizada no noroeste do Estado de Minas Gerais, na cidade de Paracatu, fundada em 1987, disponibilizando atualmente 17 cursos presenciais (Pedagogia, Agronomia, Análise de Sistemas, Ciências Contábeis, Direito, Engenharia Ambiental, Engenharia Civil, Engenharia de Alimentos, Engenharia de Minas, Engenharia de Produção, Engenharia de Telecomunicações, Engenharia Elétrica, Física, Geografia, Geologia, História e Matemática) e três a distância 107 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional (Pedagogia, Geografia e História). Assim, o contingente de alunos dessa instituição é de aproximadamente 9.000 alunos. Atualmente, o processo de comunicação da EAD é formado tanto pelo modo assíncrono como síncrono. O primeiro que mostra a interação entre instrutores e alunos não é on-line, ou seja, é realizado por meio de e-mail. Essa modalidade possibilita uma maior flexibilidade ao material didático, tempo para reflexão tanto do instrutor como dos participantes para amadurecimento de suas ideias e custo mais razoável. Já a segunda modalidade se realiza por meios de fax e telefone gratuito (0800), imprimindo maior motivação aos grupos de estudos, maior relacionamento entre aluno e tutor, um bom feedback e um melhor acompanhamento das atividades realizadas pelos alunos. Porém, primeiramente, o modelo de EAD em foco é realizado com base na pesquisa, ou seja, é caracterizada pela leitura de cursos de ensino a distância impressos e na frequência parcialmente obrigatória em seminários, concedendo assim a habilidade específica de cada área a cada um desses profissionais. Dessa forma, a modalidade de EAD na faculdade FINOM possui todos os referenciais necessários para oferecer à comunidade os cursos a distância que são Pedagogia, Geografia e História. Na EAD da instituição citada, as adequações para a busca da complementação educacional são: • Professores e alunos estão separados no espaço e/ou tempo; •Aluno é responsável pela organização do seu tempo de estudo; •A comunicação entre alunos e professores é mediada por materiais impressos e/ou alguma forma de tecnologia. A qualidade do processo de aprendizagem na EAD da FINOM é feita através da integração com políticas, diretrizes e padrões de qualidade definidos para o ensino superior como um todo e para o curso específico, contando com uma equipe de 108 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional profissionais multidisciplinar, os quais buscam uma comunicação/ interatividade entre professor e aluno não deixando em segundo plano a qualidade dos recursos educacionais, assim como a infraestrutura de apoio e avaliando a qualidade contínua e abrangente dos alunos e professores. Assim, no quadro atual, notase a mínima participação do setor de T.I. neste ramo educacional. Aliando o papel do profissional de T.I. para a melhoria da qualidade desse processo de EAD, justifica-se a atuação por meio de desenvolvimento do World Wide Web (WWW) como suporte ao sistema de comunicação até então utilizado por essa instituição nessa modalidade de ensino. Esta ferramenta a ser utilizada nas instituições de ensino não deve substituir as atividades educacionais já existentes. Ela não deve ser simplesmente uma versão computadorizada dos atuais métodos de ensino. O computador deve ser uma ferramenta de complementação, de aperfeiçoamento e de possível mudança na qualidade do ensino. (FERREIRA; SILVA, 2007, p. 16) A escolha desse tipo de comunicação se dá pela capacidade de ampliar a interação e comunicação em atividade de EAD por meio de salas de bate-papo, mural eletrônico, quadro compartilhado, fórum, áudio e videoconferência, ganhando relevância na medida em que uma nova maneira de produzir conhecimento vem se instalando com o computador, veiculando a possibilidade de se aprender fazendo. Ressaltando-se assim, que o importante é levar conhecimento aos mais diversos pontos, independente das tecnologias utilizadas, sendo essa a principal função do gestor de T.I. no caso em estudo. Quanto à estruturação da gestão de T.I. na EAD da FINOM, a mesma seria coordenada pelo profissional da área que, juntamente com a equipe pedagógica, passaria a coletar dados suficientes que 109 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional contenham informações capazes de dar suporte à criação da página. Após esta etapa, o gestor de T.I. se encarregaria também de inserir no software responsável pela criação da página, mecanismos para facilitar a relação entre aluno e professor. Após a execução dessa etapa, o gestor de T.I. irá avaliar a eficácia nas diversas formas de informações, como forma contínua no melhoramento do processo de comunicação. Cabe ao gestor, repassar à diretoria da instituição os êxitos alcançados com essa proposta. Afinal, as alternativas oferecidas pelos novos sistemas de comunicação permitem, em condições normais, uma comunicação rápida e personalizada, aspecto que durante anos preocupou a nós que trabalhamos na modalidade. Contudo, não devemos exagerar suas possibilidades nem imaginar seu uso descontextualizado. (MANSUR, 2001, p. 45) Sendo o gestor de T.I. responsável por toda a estrutura organizacional da modalidade EAD da FINOM, exercendo assim não somente a função de analista, responsável pela criação de bancos de dados administrados (DBA), bem como a de desenvolvedor e também Web Designer. “A busca de novos clientes, ou usuários, ganhou força principalmente pela real possibilidade do uso da tecnologia, não só por empresas médias e grandes, mas também pequenas e até mesmo micro empresas”. (MARTINS JÚNIOR; CALLEGARI, 2002). O desenvolvimento de todo este trabalho trará maior retorno sobre o investimento (ROI) na medida em que houver maiores aplicações financeiras nas novas tecnologias a serem implantadas permitindo assim que a instituição aumente sua rentabilidade, atraindo maior número de alunos por meio de uma Gestão de T.I. que esteja consonância com a proposta pedagógica da EAD. 110 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Conclusão A interrelação entre T.I. e Negócio consiste em uma associação entre provedor de serviços e o parceiro estratégico. No primeiro, a T.I. busca eficiência, atuando independentemente do negócio, além de ser vista como uma despesa a ser controlada por meio de orçamentos baseados em benchmarks externos. Já a função do parceiro estratégico, a T.I. irá buscar o crescimento de negócio, visando como um investimento a ser gerenciado, no qual os orçamentos são baseados na estratégia do negócio, comprovando assim o alinhamento entre T.I. e Negócio. Diante dos novos rumos do EAD, colocam-se também novos desafios. É preciso pensar que os programas são constituídos de docentes preocupados com a atualização dos temas de seu campo ou domínio e, ao mesmo tempo, com a compreensão de seus alunos. É preciso, portanto, que, a EAD seja pensada como parte das políticas implantadas para reduzir as desigualdades, e não como instrumento para aprofundá-las. Manter um alinhamento entre EAD e ensino presencial tem se tornado um grande desafio para a Gestão de T.I. da faculdade, uma vez que a primeira modalidade de ensino foi inserida e disponibilizada para os estudantes como uma forma econômica ou de se evitar o deslocamento, pois o crescimento do e-teaching tem superado cada vez mais os cursos que são ministrados através de aulas presenciais. Dessa forma, há o desalinhamento estratégico, sabendo que a faculdade em destaque tem como foco principal os cursos de engenharias no modelo presencial. Outro grande fator em relação A EAD é a qualidade de aprendizagem, por não contar com aulas presenciais, os alunos ficam com a responsabilidade de aprender e de estudar fora do ambiente universitário, não havendo durante o semestre um acompanhamento de perto por parte dos tutores. 111 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional No geral, o estudo foi orientado por interesse prático, podendo as análises feitas serem utilizadas para uma melhoria ou alteração para subsidiar a compreensão e a resolução de problemas que ocorrem na realidade que envolve a EAD praticada na FINOM. Nesta perspectiva fica a sugestão da implantação de um site para a modalidade de EAD na FINOM, cujo conteúdo permita maior troca de conhecimento entre aluno e professor por meio de disponibilização de materiais complementares aos guias de estudos, enriquecidos por chats e lista de discussão, abordando diversas questões disciplinares, além do acompanhamento da vida escolar do aluno por meio do acesso a notas. Vale ressaltar que, apesar da obviedade desse recurso nos tempos atuais, tal instrumento é de fundamental importância para a eficiência do ensino em foco, devido a sua inexistência. E, posteriormente, a operacionalização desta importante ferramenta informacional, em função deste tipo de ensino, a transmissão de conteúdos por meio de vídeo – conferências como forma de dinamizar a “distância” entre aluno e professor. Nota-se que a demanda de alunos para os cursos na modalidade EAD oferecida pela FINOM vem aumentando de forma significativa, sobretudo àqueles que se formam profissionais licenciados. Tal preferência de estudo estimula os alunos que não podem frequentar um curso regular, seja por questão de tempo, seja por condições financeiras, a optarem por realizar um curso de graduação à distância, cuja instituição em foco permite a formação de profissionais licenciados nas áreas de Geografia, História e Pedagogia. Tal panorama implica, gradativamente, na redução da procura desses cursos presenciais em detrimento dos oferecidos a distância, cuja realidade já se faz presente na FINOM, uma vez que o curso de História na modalidade presencial já não tem a formação de turmas desde o ano de 2000, enquanto o curso de Geografia teve a sua última turma concluindo o curso no primeiro semestre de 2009. 112 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional É importante salientar que os ambientes de suporte para educação a distância, por mais que ofereçam ferramentas que propiciem a cooperação e interação, não conseguirão sozinhos que os alunos construam seus conhecimentos. Assim, deve haver um planejamento sério, cuja responsabilidade e credibilidade em disponibilizar cursos a distância precisa contar com uma equipe interdisciplinar, formada não apenas pela área pedagógica e técnica, mas, sobretudo, por gestores de informações. Referências FERREIRA, Cristiano Nogueira Alves; SILVA, Juliana Lilis da. A informática na educação. In: FERREIRA, Cristiano Nogueira Alves; SILVA, Juliana Lilis da. Informática na Educação. Paracatu: FINOM, 2007, p.11 – 29. MARTINS JÚNIOR, Alberto; CALLEGARI, Flávio Ibelli. E-Business e a Gestão de T. I. nas Universidades Privadas Confessionais. In: II JORNADA CIENTÍFICA DO CENTROOESTE DE ECONOMIA E ADMINISTRAÇÃO, 2002, Campo Grande. Anais da II Jornada Científica do Centro-Oeste de Economia e Administração. Campo Grande: Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, 2002. p. 1-15. LITWIN, Edith. Das tradições à virtualidade. In: LITWIN, Edith (Org). Educação a distância: temas para debate de uma nova agenda educativa. Porto Alegre: Armed, 2001, p. 13 – 22. MANSUR, Anahí. A gestão na educação a distância: novas propostas, novas questões. In: LITWIN, Edith (Org). Educação a distância: temas para debate de uma nova agenda educativa. Porto Alegre: Armed, 2001, P. 39 – 52. 113 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional PETERS, Otto. Didática do Ensino a Distância. São Leopoldo, RS : UNISINOS, 2001. R7. Quase 7 milhões de brasileiros estudam pela internet. Disponível em: <http://jornale.com.br/portal/tecnologia/135-03tecnologia/15000-quase-7-milhoes-de-brasileiros-estudam-pelainternet.html> Acesso em: 18 maio 2011. 114 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Formação continuada de professores e políticas educacionais: discutindo conceitos, concepções e metodologias Simone Coité Resumo: Este trabalho trata da multiplicidade dos termos, concepções e metodologias presentes na literatura e relacionados à formação continuada, com o objetivo principal de proceder um mapeamento e uma análise reflexiva quanto a estes aspectos e as políticas educacionais através do diálogo com autores que tratam da temática. A ideia central é que a formação continuada pode contribuir significativamente para o desenvolvimento pessoal e profissional, permitindo aos professores o desenvolvimento da autonomia para o aprendizado permanente, a reflexão crítica sobre a sua prática pedagógica e a sua transformação enquanto protagonista do seu processo de aprendizagem. Palavras-chave: Formação continuada. Treinamento. Aperfeiçoamento. Capacitação. Educação permanente. 115 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Introdução A sociedade contemporânea tem vivenciado um mundo repleto de transformações econômicas e sociais, exigindo das pessoas uma nova forma de pensar e agir. Neste contexto, predomina o individualismo, a busca incontrolável por bens e informações que resultam na valorização do ter em detrimento do ser. Além disso, existe um clima de insegurança e incertezas que tem impactado mentes e corações do mundo inteiro. As exigências sociais, caracterizadas pela acumulação e renovação do conhecimento e da informação, têm provocado transformações educacionais por meio da modernização dos sistemas educativos e a busca por profissionais com competência intelectual técnica, ética e política. De acordo com Ferreira (2004), essas mudanças exigem um pensar e um ressignificar da gestão e do preparo dos profissionais da educação. Nessa perspectiva, é fundamental humanizar a formação, com outras bases éticas, capaz de enfrentar os sérios desafios presentes na sociedade contemporânea. Assim, a nova realidade demanda qualificações cada vez mais elevadas para qualquer profissional, principalmente, para os professores e demais profissionais ligados à educação, visto que esses são responsáveis por promover diretamente a formação para a cidadania. Essa discussão é consubstanciada por Gatti (2008) ao informar que nos últimos anos do século XX, tornou-se presente nos setores profissionais e no campo acadêmico a cobrança por formação continuada como condição necessária para o trabalho. Essa ideia teve como argumento a atualização constante para atender as mudanças ocorridas nos conhecimentos e nas tecnologias, bem como as mudanças existentes no mundo de trabalho. Assim, a formação continuada foi utilizada como meio para o aprofundamento e o avanço na formação profissional, se estendendo ao campo educacional com a necessidade da formulação e o desenvolvimento de políticas públicas nacionais e regionais voltadas para os problemas existentes no sistema educacional brasileiro. 116 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Neste cenário, a formação continuada foi sendo caracterizada através de diversos conceitos, concepções e metodologias. De acordo com Gatti (2008), nos últimos dez anos tem aumentado significativamente o número de iniciativas voltadas para a “educação continuada”. A autora ressalta que, nos estudos realizados constatou-se que o termo ora se restringe a cursos estruturados e formalizados ofertados após a graduação, ou após o ingresso do professor no magistério; ora é compreendido de forma ampla e genérica, contemplando qualquer atividade que tem como finalidade contribuir com o desenvolvimento profissional. Dentre as atividades são elencadas as seguintes: reuniões pedagógicas, trabalhos coletivo na escola, seminários, estudos à distância, grupos de sensibilização profissional, ou seja, todas as possibilidades que levam à reflexão, discussão e trocas de experiências que oportunizem o aprimoramento profissional. Dessa forma, a formação continuada apresenta múltiplas possibilidades, conceitos, concepções e metodologias que serão discutidas no presente texto. O processo de formação continuada do professor: conceitos As mudanças tecnológicas e científicas ocorridas no século XX provocaram avanços e transformações nas concepções de educação e formação docente (inicial e continuada), exigindo um novo pensar para atender aos desafios impostos pela sociedade contemporânea. Com isso, surge a necessidade da profissão docente abandonar a concepção predominante no século XIX, de mera transmissão do conhecimento acadêmico; que se tornou obsoleta e incompatível, não correspondendo mais aos anseios da educação contemporânea, para uma concepção que atenda aos futuros cidadãos numa sociedade democrática, pluralista e participativa (IMBERNÓN, 2009). 117 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Diante desta realidade, é percebida a presença de elementos novos contidos na legislação sobre a atuação profissional dos professores, que ampliam o papel social de sua profissão. Conceitos como participação, articulação, elaboração do trabalho coletivo na escola se constituem mudanças nos padrões da formação de professores. Desse modo, a ampliação da dimensão social da formação profissional, legalmente estabelecida, demanda a formação inicial e continuada como um direito do professor. Nesse sentido, torna-se urgente o estabelecimento de políticas públicas de interesse nacional, organizadas para atender às necessidades práticas apresentadas cotidianamente pelos professores. Libâneo e Pimenta (1999, p. 261) afirmam que “valorizar o trabalho docente significa dotar os professores de perspectiva de análise que os ajude a compreender os contextos históricos, sociais, culturais, organizacionais nos quais se dá sua atividade docente”. Daí a importância do investimento no desenvolvimento profissional dos professores, que envolve formação inicial e continuada articuladas a um processo de valorização identitária e profissional dos professores. Ainda estes autores afirmam que a natureza do trabalho docente e o ensinar como contribuição ao processo de humanização dos alunos requerem dos cursos de formação o desenvolvimento de conhecimentos, atitudes, competências e valores que permitam aos professores a construção dos seus saberes-fazeres docentes a partir dos desafios que o ensino como prática social lhes coloca no cotidiano. A literatura que trata da formação de professores e os discursos de educadores presentes nas escolas trazem termos variados quanto aos conceitos relacionados à formação continuada, envolvendo: reciclagem, treinamento, aperfeiçoamento, capacitação, educação permanente, formação continuada, educação ao longo da vida, entre outros. De acordo com Marin (1995), é fundamental uma análise permanente destes termos em função dos diferentes significados que cada um deles traz, através das concepções subjacentes e seus desdobramentos. 118 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional A autora argumenta que o termo reciclagem revela implicações derivadas do sentido descartável atribuído à atualização de conhecimentos. O uso deste termo levou à proposição e à implementação de cursos rápidos, superficiais e descontextualizados, desconsiderando os saberes dos educadores. O termo treinamento volta-se para a modelagem de comportamentos, embora a metáfora dos moldes (algo prefixado) seja incompatível com a atividade educacional; o aperfeiçoamento pode significar tornar capaz, habilitar ou convencer, persuadir, com a ideia de que seria suficiente adquirir periódicos estoques de novas informações e noções pedagógicas para aperfeiçoar os conhecimentos adquiridos. A educação permanente e a formação continuada são tomadas como componentes de um conjunto de ações caracterizadas pela valorização do conhecimento docente e pela proposição de dinâmicas institucionais. É possível examinar a concepção do termo formação continuada, bastante utilizada por autores brasileiros e estrangeiros como Nóvoa (1992) e Perrenoud (2000). De modo geral, os autores recusam o conceito de formação continuada com o significado de treinamento, cursos, seminários, palestras, assumindo a concepção de formação como processo permanente. Para Freire (1997, p. 39) na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o “da reflexão crítica sobre a prática”, pois é pensando criticamente a prática de hoje ou ontem, que se pode melhorar a prática de amanhã. A formação continuada de professores é o processo de desenvolvimento que ocorre na vida profissional, depois da formação inicial, e que está articulada com a sua prática pedagógica, no contexto do cotidiano escolar. É um processo permanente, contínuo e dinâmico que se consolida no cotidiano pessoal e profissional dos professores, que ocorre, principalmente, na organização do trabalho pedagógico e no espaço e tempo da escola. 119 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional As escolas tornam-se, assim, lugares de formação, de inovação, de experiência e desenvolvimento profissional, mas também lugares de pesquisa e de reflexão crítica. Nóvoa (1991) destaca a importância da formação continuada centrada nas escolas, propõe que o docente e a instituição escolar sejam eixos transversais da formação do professor. Pensar o docente nesta perspectiva significa pensá-lo nas suas relações com o mundo, na sua história de vida e no seu próprio desenvolvimento profissional. Portanto, na elaboração de propostas de formação, Nóvoa (1991) não considera docentes isolados, mas grupos de docentes inseridos em contextos sociais organizacionais. Assim, a escola é tomada como lócus e centro de formação. Neste sentido, é fundamental uma articulação, na formação continuada, entre os interesses dos professores e os interesses do desenvolvimento de inovação da instituição escola. Tardif (2002) considera o saber docente como um saber plural, advindo da formação profissional (o conjunto de saberes transmitidos pelas instituições de formação de professores); de saberes disciplinares (saberes que correspondem aos diversos campos do conhecimento e emergem da tradição cultural); curriculares (programas escolares) e experienciais (do trabalho cotidiano). Isso exige do professor capacidade de dominar, integrar e mobilizar tais saberes enquanto condição para sua prática. Formação continuada de professores: concepções e metodologias A partir da década de 90, com a denominada “crise de paradigmas”, começou-se a privilegiar a formação do professor reflexivo, que pensa na ação cuja atividade profissional se alia à atividade de pesquisa e se realiza no cotidiano, no estudo e no trabalho, na ação-reflexão-ação. Na literatura atual que trata sobre a formação de professor, é possível verificar a ênfase dada à necessidade 120 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional de formar docentes enquanto práticos reflexivos. A esse respeito autores como Schon (2000), Nóvoa (1992), Perrenoud (1997), Pimenta (2000), dentre outros, trazem contribuições importantes para se repensar à concepção de formação de professores. Paulo Freire (1996) também contribuiu nesse repensar ao afirmar ser necessário que a formação do professor tenha início pela reflexão crítica sobre a prática, considerando como o momento fundamental da formação. Nóvoa (1992, p. 27) informa que “importa valorizar paradigmas de formação que promovam a preparação de professores reflexivos, que assumam a responsabilidade do seu próprio desenvolvimento profissional e que participem como protagonistas na implementação de políticas educativas”. Nesse sentido, a formação continuada proporcionará ao professor independência profissional com autonomia, para decidir sobre o seu trabalho e suas necessidades. A autonomia profissional, segundo Contreras (2002, p. 212), está relacionada “com a forma pela qual se estabelecem as relações profissionais, tanto no âmbito da sala de aula como em outros campos de relação e intervenção”. É fundamental que o professor se redescubra como um intelectual, como um verdadeiro sujeito social que pensa criticamente tanto a sociedade e a educação quanto a sua prática pedagógica. Portanto, a formação e o desenvolvimento profissionais exigem a construção de saberes necessários à docência e à consolidação de uma prática pedagógica reflexiva, por meio da efetivação de uma práxis de fato inovadora, capaz de concretizar sonhos, anseios e desejos coletivos. Para Perrenoud (2000), a prática reflexiva é impulsionada pela vontade de aprender com a experiência, transformando-se assim, num processo de autoformação e de inovação possibilitando a construção de novas competências e novas práticas. Além disso, Perrenoud (2002, p. 50) destaca que uma prática reflexiva não pode ser concebida apenas como uma competência que está “a serviço dos interesses do professor”, mas principalmente “como uma expressão da consciência profissional”. 121 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Nesse sentido, a ação reflexiva permite ao professor tomar consciência de suas ações e emoções. Casassus (2002) entende o processo reflexivo como um processo de conscientização da ação que está sendo desenvolvida. A ação reflexiva representa uma posição mental, em que o professor encontra em estado de consciência em relação ao “que” e ao “como” ele está fazendo. Esse procedimento contribui para uma tomada de posição consciente do que está sendo desenvolvido em relação à aprendizagem dos seus alunos. Dessa forma, a reflexão implica intuição, sentimentos e paixão por ser um processo amplo que não se limita apenas a um conjunto de técnicas visitadas e adotadas pelo professor, mas é principalmente uma posição de consciência. Casassus (2002) não descarta o uso de técnicas, porém ressalta que o pensamento reflexivo pressupõe uma atitude, um estado mental consciente, eliminando assim a possibilidade do uso aleatório de técnicas e teorias. É importante entender que “aprender é um processo complexo, onde o ser humano deve ser sujeito ativo na construção do conhecimento e que esta somente se dá a partir da ação do sujeito sobre a realidade” (BELUZZO, 2004, p. 150). Dessa forma, o conhecimento se constitui como o principal fator de inovação disponível ao ser humano. Numa perspectiva voltada para a formação de professores, (re)construção de saberes da docência e da formação da identidade do professor, propõe-se como fundamental a busca da superação da fragmentação dos saberes da docência. Assim, é importante pensar a formação de professores como um continuum de formação inicial e continuada, com uma concepção de formação como auto-formação e um processo coletivo de troca de experiências e práticas. Segundo Alarcão (2001), alguns aspectos devem ser considerados no processo formativo inicial e continuado, tendo em vista a profissionalização docente. A formação inicial deve assegurar aos alunos/professores uma base teórica, com subsídios que levem 122 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional à articulação do saber e do saber fazer, necessários à construção de uma educação transformadora e de qualidade. Por outro lado, o desenvolvimento profissional permanente, entendido como processo de formação continuada, requer uma prática constante e contínua de estudo, reflexão e experimentação coletiva. Dessa forma, é imprescindível que o professor tenha a oportunidade de participar dos momentos de atualização profissional, objetivando a reflexão sobre a prática educativa, a construção de saberes e competências profissionais. Nesse sentido, Gadotti (2002, p. 17) enfatiza que a formação continuada do professor deve ser concebida como reflexão, pesquisa, ação, descoberta, organização, fundamentação, revisão e construção teórica e não como mera aprendizagem de novas técnicas, atualização em novas receitas pedagógicas ou aprendizagem das últimas inovações tecnológicas. Segundo o autor, a formação continuada de professores é o processo de desenvolvimento que ocorre na vida profissional, depois da formação inicial e que está articulada com a sua prática pedagógica, no contexto do cotidiano escolar. É um processo permanente, contínuo e dinâmico que se consolida no cotidiano pessoal e profissional dos professores, que ocorre, principalmente, na organização do trabalho pedagógico e no espaço e tempo da escola. Coerente com isso, Garrido (2000, p. 26) afirma que a “formação continuada é um processo complexo e multideterminado, que ganha materialidade em múltiplos espaços/atividades, não se restringindo a cursos e/ou treinamento”. Cabe, então, aos educadores, enquanto agentes comprometidos com a mudança, a responsabilidade de construção contínua de sua educação, de seus saberes e aptidões, da sua 123 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional capacidade de compreender e agir, tomando consciência de si próprios e do meio em que vivem, buscando dar significado à teoria vinculada à prática, que só pode ser transformada se compreendida e aprofundada. As múltiplas possibilidades para a formação continuada do professor: metodologias As pesquisas realizadas por estudiosos a respeito da formação continuada do professor revelam que atualmente existem múltiplas possibilidades de ações voltadas para essa formação. Segundo Albuquerque (2008), as discussões a respeito da formação continuada levantam as problemáticas de espaço/tempo dos momentos de formação, os conteúdos das pautas, demandas das escolas e dos docentes como indivíduos e seres sociais, as influências da formação para o cotidiano e a integração dos gestores escolares e de todos que compõem o ambiente escolar. Para este autor, a implementação de um plano de formação continuada vai além da institucionalização como política pública, sendo necessário priorizar outras atividades de caráter sistêmico, proporcionando o envolvimento de todos os elementos participantes e direcionando para a valorização profissional e social do professor. Alguns autores como Alarcão (2010), Nóvoa (1992) e Canário (1992) defendem a escola como lócus privilegiado de formação e de socialização entre os professores, na qual os saberes e conhecimentos docentes são atualizados e desenvolvidos, com a troca de experiências entre os professores. De acordo com Canário (1998), a identidade profissional do professor se constrói, principalmente, no local de trabalho, ou seja, na escola, por meio da formação continuada que contemple a prática do professor, os seus saberes, suas vivências e necessidades. 124 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Atualmente, convivemos no campo educacional com uma gama de possibilidades de ações de formação continuada, essas ações provêm de diversos setores dentro do sistema público, estadual, municipal e federal, além de escola e organizações nãogovernamentais, fundações e instituições de iniciativa privada, com durações previstas que são variadas. No Brasil, essas atividades acontecem num campo heterogêneo que engloba desde as ações formativas de aperfeiçoamento até a da pós-graduação. A principal justificativa para o surgimento de uma enorme diversidade de tipos de formação deve-se ao contexto histórico da sociedade contemporânea, aos desafios impostos ao currículo e aos sistemas educacionais e nas exigências dessa sociedade que impõe o discurso da atualização constante e da necessidade de renovação permanente do conhecimento (GATTI, 2008). A seguir vejamos um breve mapeamento dessa diversidade de ações propostas por diversos setores da educação, como o Ministério da Educação, Secretarias estaduais e municipais de Educação, escolas e organizações não-governamentais: formação continuada realizada na escola que se constitui num movimento colaborativo, espaço de troca de experiências e reflexão sobre a prática pedagógica; formação continuada realizada pela universidade que busca atender aos princípios legais dispostos na Lei 9394/96 que atribui às universidades a missão de formar em quantidade e com qualidade os professores em todos os níveis da educação nacional, sendo considerada como uma importante dimensão de atuação das universidades por oferecer diversas oportunidades de formação continuada aos professores, não se restringindo apenas à formação inicial; formação continuada promovida na modalidade de educação a distância, atualmente, muito difundida no Brasil, por atender a enorme demanda de educadores em busca de formação, além de facilitar o acesso dos profissionais, através dos variados suportes de comunicação, como por exemplo, a internet, os vídeos ou a televisão e as videoconferências. 125 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Segundo Gatti (2008), com a crescente oferta de propostas de formação continuada, algumas preocupações surgem quanto a validade, criteriosidade e eficácia desses processos formativos, aparecem nas discussões realizadas no âmbito educacional, nas falas dos professores e gestores públicos da educação. Além disso, a autora levantou, por meio de pesquisa, os fatores que dificultam a implementação de ações de formação continuada e comprometem a sua qualidade, os quais estão relacionados à infra-estrutura, a alguns problemas com tutores ou professores e a dificuldade na leitura de textos e à articulação entre teoria e prática. Diante do exposto, faz-se necessária a avaliação constante dos processos de formação continuada do professor com vistas à garantia da qualidade e o atendimento às demandas e necessidades dos professores, constituindo-se num processo contextualizado capaz de articular formação e profissionalização com o objetivo de contribuir para a melhoria da qualidade do ensino, o crescimento pessoal e profissional do professor e a sua identidade profissional. Considerações finais Ao longo deste estudo, discutimos a formação continuada do professor a partir da análise da diversidade de conceitos, termos e metodologias contidos no cotidiano das escolas e nos estudos realizados por autores que tratam da temática, além disso, foi possível discutir a formação continuada com base nas exigências da sociedade contemporânea. Essa discussão leva-nos a repensar a formação continuada do professor de forma ampla e contextualizada, envolvendo diversos aspectos que não podem ser reduzidos apenas às práticas pedagógicas, mas envolve outras dimensões de ordem políticoeconômica, epistemológica, ontológica e axiológica. Para tanto, faz-se necessária uma revisão dos conceitos subjacentes aos termos e concepções presentes no discurso, assim como dos aspectos 126 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional relativos a busca da identidade profissional e ao fortalecimento da categoria de professores para as conquistas profissionais. Dessa forma, a educação continuada deve ser compreendida como uma exigência para o desenvolvimento das atividades profissionais no mundo contemporâneo, não podendo ser reduzida a uma ação compensatória de fragilidades de formação inicial, uma vez que o conhecimento adquirido e produzido na formação inicial se reelabora constantemente no decorrer da atuação profissional para atender a complexidade e a diversidade das situações presentes no contexto social e escolar. Portanto, é imprescindível que a formação continuada ofereça possibilidades para o desenvolvimento de uma atitude investigativa e reflexiva, tendo em vista que atividade profissional é um campo de produção do conhecimento, envolvendo aprendizagens que vão além da simples aplicação do que foi estudado. A formação continuada deve constituir-se como espaço de produção de novos conhecimentos, de troca de diferentes saberes, de repensar e refazer a prática do professor, da construção de competências do educador. Para tanto, a formação continuada necessita ser concebida como um processo constante e não pontual, estando sempre interligada com as atividades e as práticas profissionais que estão sendo desenvolvidas dentro da escola e o contexto histórico, social e político do mundo atual. 127 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Referências ALARCÃO. Isabel (Org.). Escola reflexiva e nova racionalidade. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001. _______. 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Este programa de governo tem por finalidades ampliar o espaço educativo, avançar o rendimento e o aproveitamento escolar, combater o trabalho infantil, promover formas de expressão de linguagem artísticas, literárias e estéticas, estimular práticas esportivas e fortalecer a relação entre família, escola e comunidade. O trabalho aborda a primeira etapa de uma pesquisa em andamento e consiste em análise documental e bibliográfica. O texto procura investigar aspectos relevantes na implantação do Programa praticada nessas escolas. São abordados os pressupostos basilares do referido programa como um ideal a ser perseguido para garantir o desenvolvimento das crianças e adolescentes que vivem na contemporaneidade em constantes transformações. Buscase diferenciar os termos Educação Integral e educação de tempo integral com a sustentação dos marcos legais, acrescidos de alguns teóricos clássicos como Dewey, Anísio Teixeira e Vitor Paro. Em seguida, apresenta-se o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) com seus eixos, programas e estratégias que permeiam o Programa. Por fim, contextualiza-se o município onde estão situadas as escolas, alvo da pesquisa, com a indicação de algumas atividades, já em andamento nas escolas selecionadas que estão 133 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional inseridas no mencionado programa. Como se trata de pesquisa em andamento, por ora, tem-se o olhar de uma conclusão parcial. Palavras-chave: Educação Integral. Educação de Tempo Integral. Formação Cidadã. Introdução A educação em tempo integral surge no Brasil como um desafio no sistema de ensino público. Ela marca um período de constantes transformações, desafios, avanços, retrocessos, adaptações e mudança de paradigma no ideário de ensino brasileiro. É um tema de grande importância no contexto da discussão sobre as políticas públicas educacionais, pois programas de educação em tempo integral podem desenvolver em diferentes aspectos um ser humano e formá-lo para exercer a cidadania de forma responsável. O objetivo deste artigo é explorar, na literatura e na legislação pertinente, as principais vantagens da educação integral e em tempo integral e sua contribuição para a formação de cidadãos responsáveis e participantes, bem como apresentar alguns aspectos do Programa Mais Educação. Trata-se de pesquisa documental e bibliográfica. Este texto representa a fase inicial da pesquisa, que está em andamento. Durante o ano de 2011, será realizada a segunda fase da pesquisa, a partir de entrevistas com gestores e coordenadores das escolas pesquisadas, a fim de verificar, na visão destes, quais são as contribuições do Programa Mais Educação para uma formação mais cidadã. O texto está dividido em cinco tópicos. Primeiramente, destaca os pressupostos da Educação Integral e delineia aspectos relevantes sobre educação em tempo integral, bem como características que diferenciam essas terminologias. Depois, discute as possibilidades da educação integral e de tempo integral 134 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional para a formação para a cidadania. Na sequência, apresenta aspectos do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) relacionados às diretrizes do Programa MAIS EDUCAÇÃO, o qual constituise uma de suas ações. Posteriormente, apresenta um histórico sobre o Município Valparaíso de Goiás, com uma breve descrição da implantação desse Programa em três escolas do município. Finalmente, traz considerações parciais e norteia o andamento da pesquisa. Pressupostos de Educação Integral e Educação de Tempo Integral A Educação Integral sustenta-se nos seguintes marcos legais: Constituição Federal (1988), Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) e Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96), que norteiam o planejamento das políticas públicas e garantem direito à proteção integral de crianças e adolescentes. A Lei nº 11.494/2007, que instituiu o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), determina que um regulamento disponha sobre a educação básica em nível integral (Art. 10 §3º). Nesse sentido, o Decreto nº 6.253/07 considera “educação básica em tempo integral, a jornada escolar com duração igual ou superior a sete horas diárias, durante todo o período letivo”. Segundo a LDB (BRASIL, 1996), em seu artigo 34, “a jornada escolar de Ensino Fundamental será pelo menos de quatro horas de trabalho efetivo em sala de aula, sendo progressivamente ampliado o período de permanência na escola”. O parágrafo segundo do mesmo artigo estabelece que “o ensino fundamental será ministrado progressivamente em tempo integral, a critério dos sistemas de ensino”. 135 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Experiências e concepções permitem afirmar que Educação Integral caracteriza-se por uma formação “mais completa possível” do ser humano. Nela, ampliam-se as possibilidades de atendimento, cabendo à escola assumir uma abrangência que, para uns a desfigura e, para outros, consolida-a como um espaço realmente democrático. Nesse sentido, a escola pública passa a incorporar um conjunto de responsabilidades que não eram vistas como tipicamente escolares, mas que, se não estiverem garantidas, podem inviabilizar o trabalho pedagógico (BRASIL, 2009a). Ademais, a escola não é somente um local de instrução e de oportunidades de aprendizagem. É também um espaço de socialização e cultura, onde os alunos vivenciam a coletividade e formam suas visões sobre o mundo, a sociedade e o próprio homem (PARO et. al., 1988b). Paro e colaboradores (1988b) defendem que, com a educação em tempo integral, crianças de camadas populares têm mais alternativas de lazer e recreação, como aulas de línguas, dança, judô, artes, etc. Nessa linha, a Educação Integral precisa compartilhar a mesma essência educativa ao desenvolver atividades específicas de acordo com o projeto pedagógico de cada escola, articuladas ao currículo escolar. O patamar a partir do qual se organiza uma escola que propõe Educação em tempo Integral precisa considerar os saberes, as histórias, as trajetórias, as memórias, as sensibilidades dos grupos e sujeitos com os quais trabalha, tecendo as universalidades expressas nos campos clássicos de conhecimento (MOLL, 2008). No planejamento da matriz curricular para ampliação do tempo pedagógico, é importante equilibrar atividades de caráter lúdico e acadêmico. O currículo em tempo integral deve prever espaços para atividades relacionadas ao lazer, ao desenvolvimento artístico e cultural, ao esporte, ao acesso a novas tecnologias e a práticas de participação social e cidadã, como componentes essenciais à formação humana. Cavaliere (2007, p. 1023) afirma que, nas escolas de tempo integral, “as atividades ligadas às necessidades ordinárias da vida (alimentação, higiene, saúde), à 136 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional cultura, à arte, ao lazer, à organização coletiva, à tomada de decisões, são potencializadas e adquirem uma dimensão educativa”. Para Lunkes (2004), a escola em tempo integral pode tornar-se o espaço onde o aluno encontra tempo e oportunidades para criar perguntas, identificar congruências e incongruências, buscar respostas e entender o que se passa no seu mundo de perto e de longe. Com a ampliação do tempo na escola, a educação engloba formação e informação, além de outras atividades não-escolares, de forma a construir cidadãos partícipes e responsáveis (COELHO, 2009). Aliás, Anísio Teixeira (2006) defendia que uma educação para a democracia só seria possível se a escola de informação se transformasse em uma instituição realmente educativa onde existissem condições reais para as experiências de formação. Dessa forma, Educação Integral implica compreender e denotar o processo educativo como condição para ampliação do desenvolvimento humano (GUARÁ, 2006) e de uma formação para a cidadania. Para isso, precisamos investir em um conceito de educação integral que supere o senso comum e considere toda a integralidade do ato de educar (PARO, 2009). Continua o autor, “... dessa forma, nem se precisará levantar a bandeira do tempo porque, para fazer-se educação integral, esse tempo maior necessariamente terá que ser levado em conta” (p.70). A contribuição da Educação de Tempo Integral para uma Formação Cidadã Segundo Soares (2004), estamos vivendo uma nova fase histórica da cidadania. Trata-se do reconhecimento da nova cidadania como o conjunto de deveres e direitos — individuais, sociais, econômicos, políticos e culturais — e, essencialmente, como participação na vida pública. Sabe-se que a história da cidadania no Brasil remonta a Constituição Imperial de 1824 e a primeira Constituição Republicana de 1891 e constitui uma 137 história de conquistas e de lutas pelos direitos humanos e, por isso, em constante construção (CURY, 2007). Entretanto, cidadania pressupõe também deveres, uma vez que o ser humano é parte integrante de uma coletividade e, como cidadão consciente, busca uma melhor qualidade de vida seja no nível pessoal, social ou intelectual. A cidadania ativa é aquela que institui o cidadão como portador de direitos e deveres e, essencialmente, participante da esfera pública e criador de novos direitos para abrir espaços de participação (SOARES, 2004). Essa visão constitui uma das perspectivas de Anísio Teixeira sobre a escola de tempo integral, pois “concebeu a escola como um espaço real no qual a criança do povo pudesse praticar uma vida melhor” (NUNES, 2000, p. 15). Desse modo, educar para a vida cidadã é oportunizar meios e espaços que contribuem para que o indivíduo seja protagonista de sua própria história. Educação em tempo integral tem sido uma realidade no Brasil. Desde a primeira metade do século XX, encontramos tentativas a favor desse modelo de ensino, com base nas ações de grandes educadores como Anísio Teixeira que colocou em prática, na década de 50, atividades de ampliação do turno escolar. Na perspectiva e no intuito de realizar mudanças no sistema educacional brasileiro, uma das marcas fundamentais deixadas por Anísio foi a criação da 1ª Escola-Parque em Salvador, na Bahia. Ali, as crianças recebiam uma Educação Integral, incluindo alimentação, higiene, socialização, além de preparação para o trabalho e a cidadania (TEIXEIRA, 1994). Para ele, a escola é o espaço onde as crianças de camadas sociais inferiores, devem encontrar tudo o que as crianças de classe social mais alta têm em suas próprias casas, ou seja, um ambiente civilizado, perspectivas de progresso e desenvolvimento (TEIXEIRA, 2007). As ideias de Anísio Teixeira, influenciadas por John Dewey, eram de ampliar a escolaridade para formar cidadãos inseridos em uma sociedade mais democrática. De acordo com o pensamento de Dewey (1976), mentor de Anísio Teixeira, a compreensão de Educação Integral abrange a escolarização fazendo parte da vida, da vivência em comunidade escolar e no contexto social, uma vez que todo conhecimento autêntico vem da experiência. Segundo Paro e colaboradores (1988a), as transformações do modelo de produção brasileiro, que gerou um modelo urbano-industrial, trouxeram novas necessidades sociais, entre elas, a educação. Nesse sentido, para construir uma nação rica e democrática, acreditava-se ser necessário universalizar a escola. Preocupava-se com o número de alunos inseridos no sistema educacional e com a qualidade do ensino nas escolas, que eram os ideais da Escola Nova, movimento que via na educação um elemento-chave para a renovação do ensino e que se aproximava de uma escola integral, pois refletia o desejo de formar o homem integral. Também Anísio Teixeira torna-se um signatário e divulgador das ideias do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932), propostas que defendiam uma reconstrução educacional no país e que propiciasse formação ao ser humano, por meio de uma Educação Integral (NUNES, 2000). Paro e colaboradores (1988a, p. 190), entretanto, ressalvam: “... mas o adjetivo integral ainda não diz respeito à extensão do período diário de escolaridade e sim ao papel da escola em sua função educativa”. Os autores referem-se aqui, ao tipo de homem que se desejava formar, um “cidadão” capaz de participar da vida política e contribuir para a riqueza da nação, não necessariamente nessa ordem. Palma Filho (1998) defende a relação entre cidadania e educação na perspectiva da formação de indivíduos críticos e reflexivos. Isso pode ser possível a depender da forma como o processo educacional se dá na relação professor-aluno-conhecimento. Para ele, a escola pode aumentar a compreensão dos alunos sobre o meio natural e social onde eles vivem. Por outro lado, numa perspectiva global, a Educação Integral pode ser vista e compreendida de formas variadas. A “educação” como princípio fundamental do desenvolvimento intelectual humano já deveria ser integral. Portanto, Paro (2009, p.54) indaga: “Da perspectiva de uma educação integral, a pergunta que se faz é se vale a pena ampliarmos o tempo dessa escola que aí está?” Desse modo, torna-se pertinente estudar aplicações da Escola Integral no Brasil em face de uma formação mais completa do ser humano. O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e o Programa Mais Educação O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), criado em 2007, cuja finalidade é traçar um paralelo entre os princípios constitucionais e o Plano Nacional da Educação (PNE), visa garantir uma educação de qualidade, inclusiva, que permita a construção da autonomia das crianças e adolescentes e o respeito à diversidade (BRASIL, 2009b). O PDE é um plano executivo organizado em torno de quatro eixos: educação básica, superior, profissional e alfabetização. Este é composto ainda por mais de quarenta programas e ações, dentre eles o MAIS EDUCAÇÃO, objeto de estudo desta pesquisa. O Programa conta com recursos provenientes do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), o qual repassa para o ensino fundamental 25% e para o ensino médio 30% a mais do custo por aluno anualmente (BRASIL, 2007). O Programa MAIS EDUCAÇÃO, instituído pelas Portarias Normativas Interministeriais nº 17 e nº 19, de 24 de abril de 2007, integra o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e é um dos componentes do Plano de Ações Articulada (PAR), estruturando ações em parceria com os ministérios da Educação, da Cultura, do Desenvolvimento Social e do Esporte, cujo objetivo é o atendimento de crianças e adolescentes em tempo integral, promovendo a Educação Integral por meio do apoio a atividades socioeducativas no contraturno escolar (BRASIL, 2009b). O objetivo do Programa é a conquista efetiva da escolaridade dos estudantes, por meio da experiência da ampliação do horário escolar. Com isto, o programa pretende que as práticas realizadas além do horário escolar estejam sintonizadas com o currículo e os desafios acadêmicos (BRASIL, 2009c). Entende-se que o Programa MAIS EDUCAÇÃO pretende ser um projeto multidimensional para atender o ser humano na sua integralidade. Educação Integral e escola em tempo integral traduzem esse compromisso com o sujeito porque incorpora a ideia que amplia as oportunidades que respondem e complementam lacunas no processo de atividades pedagógicas inseridas na Educação Integral (BRASIL, 2009c). Nessa linha, o projeto de Educação Integral tem como desafio estabelecer um diálogo entre escolas e comunidades. Assim, o programa MAIS EDUCAÇÃO propõe uma metodologia de trabalho capaz de fazer dos programas de governo que integram esta ação, um instrumento sensível de produção de conhecimento e cultura, pois considera a diversidade dos saberes que compõem a realidade social brasileira (BRASIL, 2009c). O programa MAIS EDUCAÇÃO pretende contribuir para a formação integral de crianças, adolescentes e jovens, por meio da articulação de ações, de projetos e de programas do Governo Federal e suas atribuições propostas, visões e práticas curriculares das redes públicas de ensino, alterando o ambiente escolar e incluindo campos mais produtivos e interessantes aos alunos. Assim, o projeto se realiza por meio de parcerias entre as escolas, comunidade, famílias, órgãos públicos e organizações sociais em torno de um objetivo comum: uma metodologia diversificada de ensino-aprendizagem com vistas à formação de cidadãos atuantes e responsáveis. O Programa Mais Educação no contexto do município de Valparaíso de Goiás Segundo dados do Censo Demográfico 2010 (IBGE), o município de Valparaíso de Goiás, situado a 45 Km de Brasília, possui uma população de quase 133.000 habitantes, conta com 41 escolas Municipais e pouco mais de 26 mil alunos matriculados. Em 2007, dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica13 (IDEB) apontaram que, no Município de Valparaíso de Goiás, 2048 alunos de escolas Municipais realizaram a Prova Brasil, com escalas que variavam de 2,6 a 4,7. Na etapa seguinte (2009), as escalas variaram de 3,1 a 5,5 (INEP, 2010). Essa discrepância revela profundas desigualdades nas condições de acesso, permanência e aprendizagem na educação escolar, refletindo a complexidade de um processo que envolve interesses sociais, políticos e econômicos. A educação nesse Município vem enfrentando algumas transformações que necessitam de uma maior reflexão. Trata-se da implantação da Escola Pública de tempo integral em nível de Ensino Fundamental. Tal projeto consiste na oferta, em algumas escolas, no período de contraturno, das chamadas “Oficinas” de dança, de teatro, artes manuais, ciências, literatura, entre outros, que variam de escola para escola. Após lançamento do programa em 2008, Valparaíso de Goiás foi contemplado com 03 escolas participantes. Os critérios de seleção para as unidades de ensino foram: (1) baixo índice no IDEB, (2) distorção serie/ idade, (3) acesso e (4) reprovação escolar. 13 Segundo Fernandes (2007), o Ideb é um indicador de qualidade educacional que combina informações de desempenho em exames padronizados (Prova Brasil ou Saeb) – obtido pelos estudantes ao final das etapas de ensino (4ª e 8ª séries do ensino fundamental ou 5º e 9º anos e 3ª série do ensino médio) – com informações sobre rendimento escolar (aprovação). Em uma escala de zero a dez, em 2007, essa nota subiu para 4,2, ultrapassando as projeções, que indicavam um crescimento para 3,9 nesse período. Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Desse modo, especificam-se aspectos relacionados a cada uma das unidades, denominadas macrocampos e que fazem parte do projeto. A escola amarela situa-se na zona rural e comporta uma média de 550 alunos. Desses, 120 integram as atividades de educação integral constantes no Programa MAIS EDUCAÇÃO. Destacam-se as aulas de Karatê, Letramento, Acompanhamento Pedagógico nas disciplinas de português e matemática; incluem-se ainda aulas de Informática, orientações para a Horta, aulas de Ping Pong e aulas de Dança. A escola verde, com 1200 alunos, encontra-se na zona urbana. Desses, 240 fazem parte do Programa MAIS EDUCAÇÃO, que realizam as atividades de Letramento, Judô, aulas de Música, Informática e Orientações para Horta. Já a escola azul, com um número de 1050 alunos matriculados, possui apenas 100 participando do Programa MAIS EDUCAÇÃO, executando as atividades de Letramento, Judô, aulas de Capoeira, Música e Horta. Esse panorama rememora o sonho de Anísio Teixeira, quando nos idos 1950, inaugura uma de suas mais importantes iniciativas, a denominada Escola-Parque, com o objetivo de fornecer à criança uma Educação Integral e de dar-lhe atendimento em suas necessidades fundamentais de vida. Considerações finais O objetivo do presente estudo foi apresentar dados iniciais da implantação do programa MAIS EDUCAÇÃO no Município de Valparaiso de Goiás. A pesquisa continua em andamento. No segundo semestre de 2011serão realizadas entrevistas com gestores e coordenadores das escolas citadas. Espera-se dar prosseguimento à produção de espaços de reflexão planejamento coletivo acerca do modelo de Educação em tempo integral. 143 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional O destaque volta-se para as experiências educativas em que se pretende ressaltar e analisar, bem como, problematizar alguns princípios da Educação Integral com a possibilidade de explicitar sob o enfoque plural as ações pedagógicas e educativas. Na perspectiva desse olhar, é possível perceber o diálogo com outras formas de conhecimento, pois amplia-se o leque de interpretação junto aos diferentes atores que permeiam o contexto que faz o acontecer do MAIS EDUCAÇÃO. Fica evidente, então, que o MAIS EDUCAÇÃO está diretamente relacionado à formação integral de cidadãos, por ser uma questão voltada para o ser humano, considerado alguém consciente e sujeito de direitos ligados à vida, à liberdade, à igualdade, à educação, enfim, possuidor dos direitos civis, políticos e sociais. Atualmente, nas propostas de educação em tempo integral, as questões sociais tendem a aparecer com importância maior do que as pedagógicas (PARO et. al., 1988b). Assim, é fundamental destacar as experiências em curso que vem se consolidando em termos de educação em tempo integral. Cabe disseminar as melhores formas de atendimento do aluno que precisa de uma educação de maior qualidade, inclusive sob a ampliação de tempo/espaço. Nesse sentido, não se almeja oferecer uma palavra final em relação a esse trabalho pela continuidade prevista, por meio da dinâmica e envolvimento das entrevistas semiestruturadas e, posteriormente, com a apresentação de resultados mais precisos e objetivos referentes ao programa, que prevê o desenvolvimento do ser humano por meio da Educação em tempo integral. Ainda assim, com base nos aspectos desenvolvidos neste artigo, é possível afirmar que a Educação em tempo integral constitui-se em um importante instrumento para a formação de cidadãos ativos, participantes e responsáveis. 144 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_ 03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 10 maio 2011. BRASIL. Lei no. 8.069, de 13 de Julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. 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O artigo traz uma reflexão sobre desafios e implicações da governança para uma educação católica na construção da cidadania. Questões sobre Educação, Cidadania e Governança serão contempladas numa perspectiva de que a formação para a cidadania forma o homem global, ou melhor, o cidadão no mundo, com sensibilidade para perceber os problemas sociais. Estão presentes aspectos históricos da educação católica no Brasil e a educação que formou a cidadania do 14 Doutoranda em Educação pela Universidade Católica de Brasília, UCB. Mestre em Educação pela Universidade Católica de Brasília. Pós-graduada em Gestão Colegiada pela PUC/PR. Especialista em Orientação Educacional pela FIDENE, Ijuí/RS. Pedagoga, com larga experiência docente, em Coordenação Pedagógica e atuação em Direção de Escolas. Membro da Diretoria Executiva e Conselho Nacional da Rede Católica de Educação – RCE. Desenvolve pesquisa, como voluntária, na Cátedra UNESCO de Juventude, Educação e Sociedade/UCB. 149 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional povo brasileiro. Apresentam-se os valores considerados essenciais no desenvolvimento do ser humano, contributos para o exercício da cidadania, assim como se aprofundam alguns desafios e implicações da governança que envolve o trabalho educativo na construção da cidadania. Estabelece-se um diálogo com relação às políticas de educação católica, cuja ênfase e intensidade maior recaem sobre o desenvolvimento de uma consciência cidadã, concretizadas, por meio de uma gama imensa de ações humanitário-solidárias. E, na perspectiva da esperança fundamentada na pedagogia crítica de Paulo Freire, considera-se que é possível transformar a realidade a partir do que se considera missão e compromisso na construção da cidadania, por uma sociedade menos injusta e mais solidária. Palavras-chave: Educação Católica. Governança Educacional. Consciência. Cidadania. Introdução Este trabalho tem como objetivo demonstrar e aprofundar aspectos de como a escola católica, no desenrolar de suas estratégias e por meio do processo educativo, empreende políticas que favoreçam e possibilitem alternativas de ações, voltadas para a construção da cidadania no universo privilegiado do contexto escolar. Além do mais, pretende-se apontar alguns desafios e implicações da governança educacional, no sentido do envolvimento que isso demanda para um efetivo exercício de construção conjunta. Em âmbito específico tenciona-se elencar ações que são previstas e desenvolvidas na escola católica e que expressam essa construção de cidadania a partir de questionamentos, quais sejam, que ações são desenvolvidas na escola católica? Quais os caminhos percorridos em termos de projetos e vivências que apontam avanços na construção da cidadania? Até que ponto é possível identificar uma política ou diferentes ações voltadas para a construção da 150 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional cidadania? Que tipo de cidadania é promovida na proposta da educação católica? Por que a escolha do tema cidadania? Intenta-se dar respostas a essas questões no decorrer do trabalho. A proposta justifica-se também pela ousadia com que se busca investigá-lo, assim como por ser um assunto visto e considerado, de certa forma, polêmico e dialético, nos ambientes das instituições escolares católicas ainda carentes de observações mais assertivas. Pois, educação para o exercício da cidadania é um pensar a vida em sociedade e um refletir sobre o mundo global. Outro fato importante para o estudo em pauta diz respeito às implicações e aos desafios que advêm da governança educacional, associados às constantes transformações e exigências incitadas pela globalização, pelas revoluções científicas e tecnológicas, as quais sinalizam emergência de novos tempos para o mundo da educação. Na verdade, o atual processo de globalização refere-se a profundas mudanças nos campos econômico, político, sociocultural, educacional e tecnológico, caracterizando, assim, o contexto histórico em que vivemos. Neste cenário se pensa em políticas de educação católica que possam contribuir para a construção da cidadania ao se estabelecer um diálogo que inclui, na discussão e desenvolvimento do tema, o perfil de ser humano que a escola católica deseja formar. Quais os valores que permeiam essa educação e de que modo ela tem cultivado o terreno da cidadania no espaço escolar e, ao mesmo tempo, provocado uma consciência cidadã com o suporte da governança educacional? A formação de seres humanos tem como horizonte uma educação de qualidade fundada na formação cidadã. Silva (1999) complementa, ao afirmar que gerir novas formas de vida humana digna e comprometida, por meio de uma prática social e global, se traduz numa educação imbuída da “sabedoria” de viver junto, respeitando as diferenças. Tais aspectos integram o que se pode deduzir de uma formação cidadã e comprometida com a transformação da sociedade. Libâneo (2010) assevera que o ensino 151 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional e a educação de qualidade preveem o atendimento às diferenças sociais e culturais e promovem a formação para uma cidadania crítica. Nesse sentido, corrobora Guimarães-Iosif: A formação para a cidadania forma o homem global, ou melhor, o cidadão no mundo, com sensibilidade para perceber os problemas sociais do seu tempo, com a capacidade humana, formal e política de intervir na perspectiva de mudança de um mundo melhor e mais justo para todos os grupos sociais (2009, p. 168). Essas razões permeiam a elaboração desse artigo e trazem à tona aspectos históricos da educação católica no Brasil, associados aos valores que fundamentam a trajetória do ser humano. Naquilo que atravessa toda a filosofia e o feitio pedagógico da educação católica, entende-se que a busca pela convivência em termos de solidariedade, de formação e consciência cidadãs, são formas que preenchem e privilegiam o desenvolvimento das práticas educativas nessas escolas. O desenvolvimento da reflexão se complementa também com a experiência da autora vivida como aluna de escola católica no ensino fundamental e ensino médio, no Estado do Paraná e Santa Catarina. Adiciona-se, ainda, o extenso trabalho exercido, como educadora e pedagoga, em diferentes funções, sejam como professora em todos os níveis de ensino (infantil, ensino fundamental e médio), ou na coordenação pedagógica, na orientação educacional e na gestão de escola católica. A dinâmica da sala de aula, o trabalho de escuta, partilha e encaminhamentos da coordenação pedagógica junto aos professores; os encontros e diálogos promovidos na orientação com os alunos e, sobretudo, o aprendizado obtido como gestora, proporcionam-lhe um respaldo teórico, técnico e empírico, significativos, para aprofundar a questão de como se desenvolvem as políticas na construção da cidadania, no âmbito educacional da escola católica. 152 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Além disso, soma-se à trajetória, a inaudita experiência realizada no período de nove anos, na presidência da Associação de Educação Católica do Brasil (AEC), em que os contatos com escolas católicas eram frequentes, outorgando-lhe ampliada visão a respeito das muitas atividades educativas empreendidas nos espaços escolares das mesmas. Valores que contam: a educação católica na esteira da história Referir-se à educação católica na esteira da história é trazer presente a educação que formou a cidadania do povo brasileiro desde o início da colonização. É ter a convicção de que a tradição, a identidade e os valores éticos ganham impulso e se renovam na medida em que respondem ao apelo feito por João Paulo II15, ao dizer que é preciso construir um mundo onde seja possível viver mais bem juntos. E confirma-se com Tempesta (2008, p. 7) por meio das palavras: “da formação de homens e mulheres com valores humanocristãos, tem-se a certeza de que poderão exercer um bom trabalho para a construção de um mundo melhor amanhã”. A presença da Igreja no campo escolar manifesta-se, de modo particular, por meio da escola católica; por isso, há que se encorajar a atividade dos docentes que, no contexto escolar, se dedicam para a formação integral da pessoa, promovendo-a nos valores éticos e cidadãos; e, o fazem amparados na certeza e na perspectiva de estar contribuindo, pela educação, para um mundo mais solidário e fraterno. Ao debruçar-se sobre o solo fértil da escola católica, em que uma multidão de crianças, jovens e adultos metamorfoseia conhecimentos e experiências no seu interior, pensa-se que o aspecto da cidadania possa encontrar espaços que permitam realizar ações para responder e satisfazer as necessidades do ser humano 15 João Paulo II - Alocução da caridade. Roma, 16/05/99. 153 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional que busca ser feliz. Segundo Bauman (2008), cidadania constitui uma energia voltada a debater e trocar notícias, opiniões, propostas, críticas com o objetivo de ajudar no que estiver ao alcance a inserir algo que contribua por uma sociedade digna de nome, que seja social, humana, revolucionária e em constantes auto-reflexões e aberta a transformações. As transformações sociais ocorridas em níveis mundial e nacional, muito contribuíram para que a escola católica também buscasse mudanças e adaptação aos novos cenários e tendências provindas desse contexto social vigente. Assim, o entendimento é de que a história se constrói com pessoas que se desenvolvem na interação com as forças sociais da sua circunstância. Portanto, “a educação envolve os contraditórios processos de transmissão e mudança da herança sociocultural entre gerações” (GOMES, 2005, p. 11). Sob o influxo do Concílio16 Vaticano II e a Declaração sobre a Educação Cristã da Juventude, de 20 de outubro de 1965 (Gravissimum Educationes Momentum)17, ressalta-se a importância da educação na vida do ser humano, com reflexos no progresso social. Desse modo, à escola católica cabe a tarefa de cultivar as faculdades intelectuais, promover o sentido dos valores e preparar o ser humano para a vida profissional e social, tornandose, assim, agente de mudança no meio em que vive. Conforme o Dicionário Aurélio, concílio (1962) provém do latim conciliu e compreende a Assembleia dos Bispos Católicos para tratar de assuntos dogmáticos e doutrinários. 17 �������������������������������������������������������������������������� Declaração sobre a Educação Cristã promulgada pelo Papa Paulo VI e consta do Compêndio do Vaticano II. 16 154 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Desafios e implicações da governança educacional na construção da cidadania nos processos educativos da educação católica Quais os desafios da educação e da formação para a cidadania nessa era global, permeada de múltiplas mudanças, novas formas de provisão da educação, novas formas de consumo dos serviços educacionais? Que indivíduo se deseja formar? Essas questões induzem a construir e a educar para uma consciência cidadã a partir da vida, tendo em vista o exercício da cidadania, na sociedade e num mundo global. Inclui também a criação de espaços que contribuam para que o indivíduo seja protagonista de sua própria história e tenha acesso à participação, à igualdade de condições, e à qualidade de vida. Para Anísio Teixeira (1994), a escola constitui esse espaço onde crianças e jovens, por meio de uma educação de qualidade, possam construir a cidadania e o respeito à diversidade. Abdi e Schutz (2008), em artigo sobre racismo e cidadania, expressam que a educação para a cidadania engloba a ideia de igualdade e do diferente numa comunidade, e as vozes que aí se manifestam precisam ser ouvidas. Ainda que a escola católica seja considerada uma escola tradicional, percebe-se grande esforço em fazer gerar o novo a partir do que está consolidado. Por outro lado, vê-se que as grandes potências mundiais têm atingido também as políticas educacionais, por seguirem os modelos recomendados pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Então, como pensar a governança, um tema ainda novo e pouco usado na área educacional, em níveis macro e micro, na tomada de decisões com diferentes atores que a compõem. Tem-se presente a estratégia apontada por Vigotski (1984) de que a mediação pode conciliar os vários aspectos centrados numa educação cidadã em que impliquem a participação e apoio da governança educacional. 155 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Considerando que as estratégias da OCDE são a comparação, a disputa entre seus pares e a padronização dos sistemas educacionais dos países com a equivalente busca por melhores resultados e maiores investimentos, pergunta-se: de que modo a escola católica se posiciona diante desse mercado competitivo para construir valores universais em vista de uma consciência cidadã? Entende-se que sob este aspecto, a governança educacional exerce um importante papel nas questões que envolvem o exercício da cidadania, associado à garantia dos direitos que promovem o ser humano como um todo. Assevera Hamze (2011) que a governança é a maneira pela qual o poder é exercido na administração dos recursos econômicos e sociais de um país, com vistas ao desenvolvimento. Já aplicado à esfera educacional, entendida como micro sociedade, governança está associada à garantia dos direitos que promovem o ser humano. A governança educacional, portanto, precisa prover e prever momentos no ambiente escolar, em que se discutam e se construam valores em prol da cidadania, tendo presentes a vida e a história do ser humano. De acordo com Alves (2007), essa é uma tarefa que exige adequada preparação de novas gerações de profissionais com a aquisição de conhecimentos e competências que possam corresponder e responder, em tempos hodiernos, para uma formação integral do ser humano. Não se pretende aprofundar a questão, porém tem-se a impressão que, sob esse ponto de vista, um dos primeiros desafios seja o investimento da autoformação e formação continuada do educador gestor como um empreendimento contínuo, frente aos avanços globais e das constantes mudanças na sociedade. Nesse contexto, pensa-se em um educador de competência muldimensional, um educador do mundo na visão de Ali A. Abdi (expressão do contexto de uma aula ago./2011), capaz de acompanhar as novas gerações que adentram as escolas católicas com uma infinidade de informações, porém com poucas condições para processá-las criticamente. 156 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Novos desafios se apresentam com o acesso às redes mundiais de comunicação num país tão extenso como o Brasil. Contudo, o indivíduo precisa viver, sentir e reconhecer-se cidadão e parte integrante de uma sociedade em que os direitos possam ser mantidos e garantidos. Aqui o papel do educador se torna indispensável em apontar estratégias de análise diante das muitas informações que vão tomando conta do mundo infanto-juvenil dessas instituições de ensino. Nesse espectro, como delinear o ser humano que a escola católica, no seu papel socializador, busca formar num cenário em que pesquisas desafiam e “[...] têm mostrado a recusa pelos jovens de valores convencionais como esforço, estudo, trabalho pessoal, sacrifício, temperança, persistência e, paralelamente, a crescente inquietude dos professores sobre como conseguir a motivação dos alunos”(LIBÂNEO, 2010, p. 1-2)? E mais, diante da desestruturação das famílias e o surgimento de novas famílias, como lidar com essas novas formas de expressão do ser humano que procuram as instituições escolares e desejam ser acolhidas com o carinho e atenção ao diferente? A escola católica, no atendimento ao ser humano, também não está imune às questões relacionadas à teoria Queer, referente a homens e mulheres homossexuais, gays, lésbicas, entre outros. Toma-se cidadania, nos termos de Demo (2000) e Freire (1993), respectivamente, como sendo uma produção, uma criação política. Portanto, é construção na busca de autonomia, na evolução da consciência crítica e, sobretudo, da autocrítica para o enfrentamento dos desafios que emergem por meio dos processos educativos e do contexto social. Na verdade, de acordo com Demo (2000), constituem atitudes que, pela educação, se desenvolvem no dia-a-dia sob o impulso do saber pensar e do aprender a aprender. 157 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Educação católica: políticas de consciência cidadã ou ações humanitárias e solidárias? Segundo Delors (2001, 2011), a educação para a cidadania consiste em um conjunto complexo que abrange simultaneamente a adesão a valores, a aquisição de conhecimentos e a aprendizagem de práticas para a vivência em sociedade. A partir dessa premissa, presume-se que a formação do ser humano começa na família por meio de um processo de humanização, de valores éticos e morais que terão continuidade no trabalho educativo da escola. Portanto, educação para o exercício da cidadania exige um pensar para a vida em sociedade como construção cultural e também sobre o mundo. A legislação brasileira para a educação estabelece a promoção da cidadania de forma ampla e, para isso, por meio de documentos oficiais, determina políticas de inclusão escolar, respeito às diversidades, pedagogias de combate ao racismo e promoção da igualdade. É o que expressam a Constituição Federal Brasileira de 1988 (Art. 205) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n.º 9.394/96, Art. 3°, inciso III e Art. 26-A), ao enfatizarem a formação e o desafio de se educar para a cidadania como condição básica do ser cidadão, garantindo a todos os brasileiros, sem distinção de cor, sexo, credo, cultura, condição social, política e econômica, direitos iguais para o seu pleno desenvolvimento. Nessa discussão, como se sucede a formação do ser humano no seio de famílias tão diferentes em que as figuras materna e paterna assumem novas dimensões? Sabe-se que a educação, seja ela dada na família, pela escola ou comunidade, contribui para a descoberta do outro e, consequentemente, para a descoberta de si mesmo. Descobrindo-se a si mesmo, o ser humano terá condições de se colocar no lugar do outro e compreendê-lo em suas reações. A solidariedade, a cooperação, o respeito a si mesmo e ao outro, o espírito de partilha, os deveres sociais, o ser crítico e 158 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional criativo, entre outros, fazem parte dos princípios fundamentais de uma boa educação para o exercício da cidadania e contribuem para a formação de uma sociedade capaz de transformar o mundo (AMARAL, 2011). Destarte, o espírito cidadão se expressa em atitudes de empatia, de altruísmo e de fraternidade desenvolvidas na escola e abrem caminhos para os comportamentos sociais ao longo da vida. Segundo Victor Frankl, citado por Caliman (2008, p. 63), o ser humano é dotado de uma vontade que o motiva a buscar o sentido da sua existência como uma necessidade fundamental. Portanto, preencher o vazio existencial consiste na busca de felicidade por meio de atitudes e comportamentos que se constroem e se reproduzem nos vários âmbitos de vida, dentre eles, o estudo, o trabalho, a relação com o outro, o sentir-se protagonista da história, o sensibilizar-se com a necessidade do outro. Essa reflexão se complementa com Siegel: Ser cidadão é perceber que fazemos parte do mundo. As escolhas e posturas diante da vida afetam não apenas a si mesmos, mas a vida de outras pessoas. Assim como as atitudes das outras pessoas também afetam as demais. Numa educação ética, é preciso resgatar e incorporar os valores de solidariedade, de fraternidade, de respeito às diferenças de crenças, culturas e conhecimentos, de respeito ao meio ambiente e aos direitos humanos (SIEGEL, 2005, p. 41). Constitui um dos compromissos da escola conduzir as pessoas a tomar consciência das semelhanças e da interdependência entre os seres humanos por meio de diferentes aprendizagens. Nessa compreensão e diante do já exposto, podem-se ponderar algumas ações consideradas estratégias políticas voltadas para a construção da cidadania nas escolas católicas. 159 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Historicamente, se apontou por vários momentos sobre o ideal de ser humano que a educação católica protagonizou formar desde os primórdios. Situada em contextos e épocas, os mais diversos, e frente aos desafios da modernidade e pósmodernidade, percebe-se que, na maioria das escolas, os programas que somam o conjunto das possíveis atividades na construção da cidadania, contemplam projetos voltados para ações solidárias e de sensibilização para necessidades específicas. Ressaltam-se ocasiões especiais em que a comunidade educativa (governança, professores, alunos e funcionários) é convidada a se despertar para o aspecto da solidariedade e até para ajuda pontual, com relação a situações de calamidade pública como foi o caso do terremoto de Haiti, dos abalos sísmicos do Japão, as tempestades do Rio de Janeiro e casos semelhantes em outros Estados do Brasil. Recorda-se que cada escola possui uma dinâmica própria, já constante em seu planejamento pedagógico no concernente às ações denominadas e pensadas como políticas de cidadania. Nesse sentido, questiona-se se existe uma cidadania para a escola católica? Qual a diferença? Experiências empíricas e o conhecimento dão consistência muito mais às atividades e na abundância de projetos voltados para as distintas áreas de conhecimento e de ações humanitárias e sociais. Relevam-se atividades que vão à direção de uma conscientização solidária e de fraternidade, tendo como suporte os temas das Campanhas de Fraternidade; essas atividades se desenvolvem, respeitando-se os diversos níveis de ensino, ou seja, o infantil, o fundamental e o médio. Outros e diversificados projetos são desenvolvidos a partir de uma necessidade emergente, um atendimento específico, uma presença de sensibilidade por vezes, de ajuda e no tempo devido, ao cuidado com o idoso ou a crianças em situações vulneráveis. 160 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Evidencia-se que o processo formativo do ser humano, realizado de modo acurado e diligente, constitui um grande diferencial, pois traz em seu bojo a formação da pessoa, como líder e cidadã. Este se ocupa com as questões que possam salientar o seu importante papel na construção de uma sociedade mais humana e com a possibilidade de minimizar também as situações injustas e emergentes. Enfim, pondera-se que iniciativas como estas vão tomando corpo e concretização nos diferentes ambientes da escola católica, e a cidadania vai se construindo, através do voluntariado, nos momentos de solidariedade, no exercício das Campanhas de Fraternidade, na defesa do meio ambiente e consciência planetária, nas alternativas de solução para os casos do bullying, entre outros; soma-se a isso a busca de autonomia, identidade, emancipação, participação e consciência política. Quanto à questão das diferenças mencionadas nesse texto, o que se entende por diferente? O diferente assusta ou faz parte do acolhimento, do respeito do crescimento que advém da diversidade? Contempla-se que são questões amplas e que as respostas apenas contribuem para desencadear novas reflexões. Porém, a reflexão sobre situações do “diferente” parte daquilo que se relaciona ao modo de ser do indivíduo, às atitudes que causam estranheza por não se configurarem com o padrão de que se está acostumado no dia-a-dia. Por exemplo, questões referentes ao bullying, assunto que tem trazido muitas preocupações no âmbito escolar, além de estudos que possam contribuir para minimizar situações, por vezes, constrangedoras, podem fazer parte de um programa de cidadania? Outros projetos se voltam para a questão de reciclagem do lixo como sendo uma atitude de colaboração para o aspecto planetário e de um mundo melhor e mais bonito. Nessa sequência, menciona-se o que aponta Gadotti (2002), em relação à educação sustentável, à educação para a cidadania planetária em que aprender a cuidar e respeitar o planeta terra constitui um princípio de vida. Em alocução feita em março de 2008, o Papa Bento XVI faz um 161 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional apelo enfático com relação aos novos pecados capitais que afetam a vida do ser humano e da humanidade. Dentre eles destacam-se: a poluição ambiental, a desigualdade social e a violação de direitos fundamentais da natureza humana. Por isso, compreende-se que o tema de políticas de educação católica, na construção da cidadania reveste-se muito mais de uma consciência cidadã que se expressa em ações humanitárias e solidárias. E o aspecto da cidadania no sentido político e crítico não se manifestam tão claramente, ou dito de outra forma, tem-se a impressão de que aos educandos das escolas católicas, falta-lhes aquela atitude mais destemida, conhecida como empowerment, isto é, a capacidade de reger-se por si mesmo, com autodeterminação e autonomia. Perduram, no entanto, os questionamentos de como desenvolver e construir uma cidadania inclusiva que se preocupa com as questões da diversidade, direitos humanos, equidade, consciência crítica e emancipada. É possível desenvolver projetos e/ou políticas que caminham nessa direção, dentro do contexto escolar da educação católica? Sim, por quê? Considerações finais Ao se pensar em educação, geralmente a mente se ocupa com a imagem da escola, do aluno, do professor e da governança educacional. Em sendo assim, construir cidadania nesse cenário é criar novas ideias e gerir conflitos, administrar emoções e confrontar opiniões. A ação educativa não é neutra, pois ela traduz uma política educativa e um modelo de relações que vai além da construção de conhecimentos; é a construção de relações humanas e cidadãs, de afetos e desafetos. Relações construídas e alicerçadas no respeito, na reciprocidade, na participação em que prevalecem o diálogo, o senso crítico e a energia que propõe ao cidadão a conquista da autonomia e o construir-se como ser participativo. Segundo Rebello e Vrana 162 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional (2008), fazendo memória às cartas de Sêneca a Lucílio, enquanto se vive é necessário aprender a viver. Consequentemente, viver é construir cidadania numa dinâmica de aprendizagem permanente e continuada. Sob essa ótica, governança educacional, educador e educando constroem cidadania de modo participativo, globalizante e no entendimento da escola como um todo social. Pela amplitude do assunto, não se pretende esgotá-lo, porém se confirma que em relação às políticas de educação na construção da cidadania, as ações estão mais focadas em ações humanitárias e solidárias em contraposição às atitudes políticas que contribuem para libertar e transformar, criticamente, realidades de contextos diversos. E, pela crença que se tem na educação e pela paixão que alimenta os sonhos, é possível pensar diferente e alimentar a esperança que fundamenta os ideais de uma sociedade melhor. Referências ABDI, Ali A. e SHULTZ, Lynette. Educating for Human Rights and Global Citizenship, p. 1-9, 2008. ALVES, J. M. P. Um novo caminho para a Escola Católica no Brasil. Linha Direta: educação por escrito. 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Com o crescimento do mercado, o novo caráter da Educação Superior adotou uma conduta mercadológica, diante da necessidade de inserir mão-de-obra qualificada em todo o país. Nesse sentido, é importante também questionar como fica a questão do comprometimento social da educação superior, diante das atuais pressões da globalização neoliberal, uma vez que este novo modelo prega a necessidade de este nível de ensino promover uma estreita relação entre cidadania e responsabilidade ética e social. A legislação educacional brasileira reforça bem este ideal. A Educação Superior é a base para construção e formação de qualquer nação e este trabalho argumenta que a educação para a cidadania deve começar pelo resgate da cidadania do professor, uma vez que, quanto mais ele se sentir tratado com justiça e respeitado em seus direitos, maior será seu comprometimento com a educação dos discentes e com as questões sociais locais e globais mais relevantes. Entretanto, é importante compreender o que é cidadania, uma vez que este termo possui várias definições. Com base em vasta literatura na área de educação para cidadania, constrói uma definição própria para cidadania docente que ressalta a importância das dimensões emancipatórias e autônomas. 167 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Palavras-chave: Cidadania Docente. Educação Superior. Compromisso Social. Introdução Muito se discute sobre a cidadania no âmbito educacional, todavia, essa discussão geralmente se limita apenas à cidadania dos alunos. Nos ensinos fundamental e médio, é possível encontrar várias pesquisas (GUIMARÃES-IOSIF, 2007; DEMO, 1991; 2003) que relacionam a cidadania do aluno com o papel do professor na promoção da qualidade do ensino. Esses trabalhos apontam para uma questão delicada, que é o papel do docente e o trabalho que desenvolve, como um dos fatores internos do processo ensinoaprendizagem. Porém, olhar para o professor isoladamente, sem levar em consideração as políticas públicas como elementos balizadores para a capacitação deste profissional pode ser um erro e uma injustiça. Pensando nisso, será que essa discussão deve prevalecer no âmbito dos ensinos fundamental e médio? E o professor universitário? Se é o professor da educação superior, o responsável por formar profissionais capacitados para o mercado, não seria prudente compreender como está a cidadania docente? O que as políticas de educação superior e as Instituições de Ensino Superior têm feito para garantir a cidadania dos seus professores? É nessa perspectiva que o presente trabalho será construído buscando compilar o material necessário para compreender a importância da cidadania no contexto docente no âmbito das Instituições de Ensino Superior (IES). A base para a construção da cidadania é a educação, que deve contar com a participação de pais, alunos, professores, direção, sociedade e governo. A qualidade do ensino está intimamente ligada no resgate do papel do professor e da sua cidadania (DEMO, 2003; GUIMARAES-IOSIF, 2009). Pensando nisso, este paper é parte do referencial teórico necessário da minha dissertação de mestrado em 168 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional educação, que tem por finalidade investigar a cidadania docente na educação superior. Pensar na cidadania docente é também fazer uma reflexão sobre autonomia e emancipação, como base dos direitos humanos, conforme explica Santos (1989). A autonomia como fator indissociável da cidadania no papel docente, ou seja, a liberdade da prática pedagógica e de ensino. A emancipação como fator essencial para a liberdade de expressão e igualdade no âmbito das relações sociais. Para tanto, este trabalho estrutura-se da seguinte forma: a primeira parte discute as políticas públicas na Educação Superior no Brasil; a segunda parte versa sobre o compromisso social da Educação Superior; a terceira parte trata da cidadania docente e a quarta parte trata da conclusão e considerações finais do trabalho. Educação superior no Brasil Seria possível compreender todas as mudanças na Educação Superior sem analisar o processo histórico político, social e econômico vivido pelo Brasil? É provável que não, uma vez que todos esses fatores se misturam e tornam-se fundamentais analisá-los em conjunto para melhor entendimento das políticas educacionais no Brasil. Como relata Dourado (2002, p. 245), “As alterações provocadas pelas políticas educacionais no Brasil não podem ser compreendidas sem o entendimento das contingências históricas e econômicas que balizam o cenário atual das transformações societárias do mundo atual”. Historicamente, as primeiras escolas superiores surgiram a partir da chegada da família Real Portuguesa em 1808, por ocasião das pressões exercidas pela elite da época, conforme citam Colossi, Consentino, Queiroz (2001). Destacam-se três instituições de ensino superior no país que são: Escola de Medicina do Rio de Janeiro, Escola de Medicina da Bahia e Escola de Engenharia e Arte Militar do Rio de Janeiro. 169 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Ainda fazendo um retrato histórico da Educação Superior, os autores supracitados lembram que em 1827, surgiram os Cursos de Ciências Jurídicas em São Paulo e em Olinda. Em 1889 foram criadas mais 14 Escolas Superiores. Em 1909 houve a criação da Universidade de Manaus e em 1912 da Universidade do Paraná. A Universidade de Brasília surgiu bem depois, em 1961. Monfredini (2009, p. 55) destaca que o “[...] o Ensino Superior no Brasil nasce com objetivos profissionalizantes e num tempo relativamente recente (século XIX), se comparado às universidades européias [...]” A mesma autora coloca que, já no século XX, a grande procura pelo ensino superior por parte da elite brasileira, promove um crescimento considerável das universidades e de outras instituições. De 1945 a 1964 passou de 5 para 37 e o que a autora chama de instituições isoladas, de 293, chegou a 564. A reforma universitária naquela época também teve forte influência do governo militar, que com o Decreto nº 5.540/68 (BRASIL, 1968), contribuiu para uma postura da Educação Superior empresarialmercantilizador. A carreira docente e a hierarquização dos títulos acadêmicos estavam entre suas principais mudanças. Para Colossi, Cosentino, Queiroz (2001) a partir disso, houve um crescente interesse e especialmente necessidade pela Educação Superior. As novas oportunidades de emprego fizeram com que as pessoas em geral buscassem também pelas possibilidades de crescimento oferecidas pela educação superior. Dados do INEC/MEC de 1998 citados no Plano Nacional de Educação, Lei nº 10.172 de 09/01/2001 (BRASIL, 2001), mostram a existência naquele ano de 973 instituições de Ensino Superior, sendo que destas, 57 eram Federais, 74 Estaduais, 78 Municipais e 764 particulares. Segundo Monfredini (2009), com o Decreto 2.306/97 (BRASIL, 1997), houve uma hierarquização das Instituições de Ensino Superior (IES) o que marcou ainda mais a postura de 170 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional mercado destas instituições. Isso fez com que os alunos passassem a adotar uma postura mais de clientes do que de alunos. Além disso, entre 1997 a 2006, houve um crescimento de 193% de IES privadas e apenas 17% das IES públicas. De acordo com Dourado (2002), a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e o Plano Nacional de Educação (PNE) foram decisivos para a mudança do ensino superior a partir da década de 90. Alvo de debates entre o Estado e sociedade civil organizada, especialmente na gestão de Fernando Henrique Cardoso, a LDB incorporou em seu texto, vários dispositivos referentes à Educação Superior, uma vez que a capacitação era inevitável em tempos de globalização da economia. No ano de 2004, numa nova aposta do governo em parceria com instituições de ensino e profissionais da área, foi construído o Anteprojeto da Reforma da Educação Superior que, para Silva Júnior (2005) uma lei desse cunho não pode ser considerada nem o início nem o fim da reforma. Tanto que em seguida, veio o Projeto de Lei da Reforma da Educação Superior nº 7.200 de 12/06/2006 (BRASIL, 2006) com nova redação e correção do Anteprojeto anterior. É importante compreender esse processo histórico, especialmente no que envolve as questões políticas que disciplinam a educação no Brasil, uma vez que, conforme ressalta Carvalho (2010), faz parte do resgate da cidadania, a inclusão na educação superior. E foi nessa perspectiva que o governo Lula, como colocado por Carvalho (2010) criou em 2004, o Programa Universidade para Todos (PROUNI), em uma nova tentativa de mudar a história do ensino superior no Brasil, promovendo o acesso à universidade àqueles menos favorecidos. Monfredini (2009) ressalta que ainda no governo Lula foi desenvolvido o Programa de Apoio a Planos de Reestruração e Expansão das Universidades Federais (REUNI) na tentativa 171 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional de se adequar ao Processo de Bolonha de acordo com o Modelo Unificado Europeu (MEU), como explicam também Santos e Almeida Filho (2008). Carvalho (2010) lembra que a Reforma Universitária foi impulsionada por alguns fatores como um número cada vez maior da população com curso superior, tanto nas áreas técnicas como tecnológicas e a pressão da classe média para ter cada vez mais acesso à Educação Superior. Porém, a autora ressalta que a crescente procura pelo ensino superior enfrentou o impasse da dificuldade do governo em custear as universidades públicas. A saída foi isentar as instituições privadas de ensino superior de alguns tributos fiscais, impulsionado especialmente por um aumento nas vagas nas décadas de 60 e 70. Mas, de acordo com Santos e Almeida Filho (2008), o modelo brasileiro de Educação Superior ainda é muito arcaico, podendo ser comparado ao modelo das universidades europeias do século XIX, que já está absolutamente ultrapassado. O compromisso social da Educação Superior Qual é afinal, o papel da Educação Superior? Seria possível restringir a Educação Superior à mera comercialização de mãode-obra capacitada? As críticas à expansão da Educação Superior, deixando de lado as questões sociais, são comentadas por Colossi, Consentino, Queiroz (2001, p. 51) ao afirmarem que: Nas raízes da expansão do ensino superior, observa-se a predominância dos critérios de busca de atendimento de necessidades voltados para o mercado, ou seja, prevalecem critérios econômicos. Ocorre, assim a comercialização do ensino superior, a predominância de critérios utilitaristas, com o prejuízo de ações que privilegiem os aspectos 172 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional sociais e o atendimento aos interesses de um pequeno grupo. Sendo assim, fica fácil compreender a desigualdade social como um processo histórico, que surgiu a partir do mundo capitalista, onde, de um lado, havia os donos de terra ou os industriais, e de outro, os assalariados. Como é colocado por Demo (2003), faz parte da desigualdade social explorar o trabalho alheio. Em uma democracia tão desigual, como é o caso do Brasil, a tentativa de reduzir os problemas sociais pode ser algo arriscado. Mas, como afirma Demo (2003, p.18), “a começar pela freqüente sugestão de que é tarefa do Estado, ou dos técnicos, ou dos professores, ou dos líderes partidários, ocultando a realidade primeira de que desigualdade se enfrenta a partir dos desiguais.” O mesmo autor revela ainda que, não só o Estado, mas a sociedade deve se organizar exercendo plenamente a cidadania. Além do que, enfrentar a desigualdade social com Educação, especialmente oportunizando educação especializada para a população em geral, é uma questão de compromisso social. Santos e Almeida Filho (2008), reforçando a importância da Educação Superior para a sociedade argumentam que o ensino superior não pode ser tratado como mera mercadoria, mas que a universidade pode ser o caminho para o desenvolvimento social conduzido com justiça e bem-estar para os povos. Frantz (2005), diante dessa questão social, traz a universidade (enquanto mecanismo de educação superior) como ferramenta incondicional na luta pelo compromisso social. Ressalta ainda que “[...] a universidade não pode conviver, silenciosamente, com os atuais rumos do desequilíbrio social e ambiental que ameaçam a sociedade humana contemporânea” (FRANTZ, 2005, p. 122). Os autores Colossi, Consentino, Queiroz (2001) realçam a discussão, ao dizerem que a educação superior tem um papel social, por ser incumbida da formação da elite intelectual e científica da sociedade. 173 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional [...] a educação superior é uma instituição social, estável e duradoura, concebida a partir de normas e valores da sociedade. É, acima de tudo, um ideal que se destina, enquanto integrador de um sistema, à qualificação profissional e promoção do desenvolvimento político, econômico, social e cultural. (COLOSSI; CONSENTINO; QUEIROZ, 2001, p. 51). Por isso, é prudente destacar a ética e responsabilidade social que são atitudes indeléveis da profissão docente, como é discutido por Freire (1996; 2000). Este autor trata da postura ética como instrumento da prática docente, uma vez que o educador tem um papel importantíssimo na formação humana. Ao mesmo tempo em que deve respeitar a opinião do educando, sua curiosidade e forma de se expressar, deve também saber intervir no momento certo, impondo limites que também fazem parte de uma boa educação. O Projeto de Lei nº 7.200 de 12/06/06 (BRASIL, 2006) esclarece a função social da Educação Superior em seu art. 4º, ao incumbir a Instituição de Ensino de zelar por algumas questões, tais como: plenas condições do trabalho acadêmico, qualidade do ensino, liberdade acadêmica, respeito aos direitos e à cidadania, participação na gestão da instituição, liberdade de expressão de docentes e discentes, valorização profissional dos docentes e do corpo técnico-administrativo. Por isso, a universidade, como coloca Frantz (2005), não pode ser apenas aporte político de minorias, mas deve acima de tudo exercer plenamente o compromisso social em prol de uma educação de qualidade e que promova bem-estar à população interna e externa à Instituição de Ensino Superior. Na interpretação do movimento da realidade social, a universidade deve orientar-se pela capacidade da dúvida, da pergunta, 174 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional estimulando a produção de conhecimento, na escala mais ampla possível da sociedade, como resposta aos seus problemas e desafios. Nisso está um sentido de seu compromisso social, especialmente, de sentido pedagógico na formação da cidadania (FRANTZ, 2005, p. 124). Consoante com o autor supracitado, o papel da Educação Superior deve ecoar por toda a vida dos indivíduos, formando cidadãos capazes de atuar criticamente em qualquer situação. A cidadania docente Seria possível pensar em educação de qualidade, deixando de lado a cidadania docente? Para melhor compreender essa relação, faz-se necessário entender o que é cidadania e como ela se expressa no contexto da Educação Superior. Guimarães-Iosif (2009) traz alguns esclarecimentos sobre o ser cidadão. De acordo com esta autora, este termo é constantemente usado em vários segmentos da sociedade, sendo compreendido de diferentes formas. Para alguns, ser cidadão pode ser simplesmente pertencer a um país, ter uma cidadania. Outros adotam uma definição da cidadania global, na qual os indivíduos se preocupam com as questões sociais de seu próprio país e do mundo. Para outros, cidadania significa o pleno exercício dos direitos eleitorais (votar e ser votado), possuir liberdade de expressão, de organização, ou ter o direito à saúde, educação, segurança. Ou ainda, a compreensão de cidadania como aquela pessoa que cumpre com seus deveres civis. Não desmerecendo a cidadania política, ou seja, esta referenciada até aqui, Santos (1991) fala sobre a importância de exercer o que ele chama de a nova cidadania, ou seja, a cidadania emancipada, uma vez que deve sim existir uma obrigação política 175 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional vertical (dos cidadãos para o Estado) e uma obrigação política horizontal (entre os cidadãos). Prevalecendo nessa última, a ideia de igualdade, de autonomia e de solidariedade. Nesse sentido, Demo (1991, p. 16) corrobora dizendo que “[...] cidadania nunca se esgota na dimensão político-participativa, porque, como todo fenômeno emancipatório, é constituído de um lado econômico-produtivo, e de outro participativo.” De acordo com o autor, a cidadania emancipada refere-se à capacidade do próprio indivíduo promover o seu desenvolvimento. Para Demo (2000b citada por GUIMARÃES-IOSIF 2007, p. 100), o cidadão emancipado pode ser visto como: [...] aquele que não chega ao mercado suplicando assistência, mas pretendendo seus direitos; sabe, de um lado, que no capitalismo o mercado acaba sempre se sobrepondo aos direitos, mas sabe também que não pode aceitar isso sem mais. Esta condição de não-aceitação não pode ser limitar apenas no simples ato de reclamar ou denunciar, mas buscar alterar a situação por meio da organização coletiva [...] Faz-se necessário também, conceituar cidadania no âmbito organizacional, o que contribuirá para a sua compreensão nas Instituições de Ensino Superior, uma vez que podemos considerálas como uma organização, ou seja, uma entidade prestadora de serviços que se organiza administrativamente para atingir seu objetivo maior que é proporcionar uma educação de qualidade a seus alunos, como retrata Rego (2000). Para Rego (2000), o comportamento cidadão em qualquer organização se dá através de atitudes e iniciativas na condução de tarefas, que no caso docente, pode ser, por exemplo, uma ajuda a um colega na revisão de um trabalho ou na preparação de uma aula, 176 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional buscar contribuir de alguma forma para a melhoria da instituição, zelo na preparação de aulas, empatia com os alunos e ética. Contudo, esse comportamento só é possível se as práticas institucionais ou as políticas educacionais forem condizentes, ou seja, para Rego (2001), o que ele chama de justiça organizacional é fundamental para a promoção da cidadania docente. Quanto maior a percepção dos professores de que estão sendo tratados com justiça, maior será a cidadania docente. Freire (2000) destaca que a autonomia é essencial para o exercício da profissão docente e sua cidadania, pois é primordial que os professores respeitem a si mesmos e aos discentes na forma de pensar, de sonhar e até mesmo de deixar as próprias opções de lado, para atender às opções dos alunos. Ainda sobre a autonomia, como uma prática de cidadania, para Freire (1996) não só expressa liberdade, como também responsabilidade a partir do momento em que o professor deixa de ter uma atitude de dependência. O grande papel do professor não está expressamente amarrado no conteúdo programático que tem que cumprir, mas especialmente no seu testemunho de vida, como forma principal para a construção de um aprendizado que resgate a essência do ser humano. A partir das contribuições dos autores Demo (1991), Guimarães-Iosif (2007; 2009), Rego (2000; 2001), Santos (1991) e Freire (1996; 2000), o que se considera importante para garantir a cidadania docente é: o pleno exercício dos direitos e deveres políticos e sociais, a atitude emancipatória do indivíduo, ou seja, sua capacidade de se desenvolver, ter autonomia de ação, primando pela igualdade e solidariedade, comprometer-se com a Instituição de Ensino e acima de tudo com a comunidade local. Portanto, a cidadania docente deve expressar aquele professor capaz de se desenvolver e ter autonomia dentro e fora de sala de aula, de forma que contribua eticamente e socialmente para a formação do aluno enquanto profissional e enquanto pessoa, sendo portanto, exemplo para todos os envolvidos nesse processo. 177 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Conclusão A cidadania docente no âmbito da Educação Superior é um campo de pesquisa extremamente rico e necessário no contexto da Educação. Este paper procurou abrir caminhos para o início de uma investigação que em muito poderá contribuir para as estratégias de gestão das Instituições de Ensino Superior e para a melhoria das políticas voltadas para a educação superior, que possam contribuir efetivamente para a cidadania docente. No contexto histórico, observou-se que o Brasil passou por várias mudanças nas políticas de Educação Superior, mas que ainda não foram suficientes para melhorar o quadro educacional deste país. Por vezes, a universidade foi compreendida de forma mercadológica, esquecendo-se da importância social da educação, uma vez que as Instituições de Ensino Superior não se constituem isoladamente da comunidade. Ao contrário, ela está inserida na sociedade, promovendo direta ou indiretamente mudanças significas na vida das pessoas. A cidadania docente deve levar em consideração o desenvolvimento do professor, sem se esquecer da autonomia no exercício da sua profissão. A partir do momento em que a Educação Superior no Brasil compreender a importância de zelar pela cidadania docente, será um marco para crescimento não só econômico, mas também cultural, ideológico, científico e social. Referências BRASIL. Ministério da Educação. Plano Nacional de Educação. 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Acesso em: 03 jun 2011. 181 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Políticas educacionais e exclusão: questões contemporâneas de cidadania dos estudantes com superdotação em situação de pobreza Olzeni L. Costa Ribeiro Magali de Fátima Evangelista Machado Renato de Oliveira Brito R. Universidade Católica de Brasília, 2011 Resumo: Este artigo traz como eixo temático discutir a questão da cidadania voltada para os estudantes com superdotação oriundos das classes desfavorecidas, os quais enfrentam os efeitos do preconceito que nega o talento em ambientes adversos. Traz, ainda, dentre as várias concepções de exclusão, a que se refere diretamente ao contexto atual da educação, conceito que nasce na teoria dos conjuntos, e, desde a sua origem, segue impregnado de uma força perversa que vem há séculos determinando as relações sociais. A pesquisa objetivou refletir sobre aspectos relacionados às perspectivas de inclusão desses estudantes, a partir da eliminação dos mecanismos de exclusão impostos pelas próprias escolas e corroborados pelas políticas educacionais. Como propósito, buscou investigar em que medida a rede pública reconhece a existência de estudantes com essas características, se demonstra estar preparada para identificá-los, e, enquanto necessidade educativa especial, verificar se as políticas educacionais, especialmente, no Distrito Federal, caminham na direção de atendê-los. Discute a visão equivocada dos professores como obstáculo à identificação desses estudantes e propõe a urgência em programar políticas de formação continuada direcionadas para o reconhecimento dessas características, envolvendo estratégias para a oferta de uma educação adequada às suas necessidades. O enfoque adotado atendeu ao estudo de natureza analítico-descritivo, com base em pressupostos do método survey. Envolveu 44 professores, entre docentes, gestores e coordenadores, de quatro escolas da rede 183 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional pública de ensino do Distrito Federal, sendo três localizadas em zonas periféricas e uma em zona central. Os dados evidenciaram a discrepância entre o tempo de experiência dos professores na área da educação e o grau de desconhecimento acerca da superdotação e da oferta de atendimento especializado há mais de três décadas no DF. Palavras-chave: Superdotação. Políticas Educacionais. Cidadania. Educação Especial. Introdução O conceito de exclusão empregado pelas ciências sociais deriva da teoria dos conjuntos, designando junção de elementos iguais. A relação pertencer ou não, estar incluído ou excluído, dependerá das características desses elementos. O critério de inserção nos conjuntos, portanto, caberá à condição de o elemento possuir características idênticas às dos elementos predominantes. Assim, desde a sua origem, o termo emerge impregnado da força perversa que vem há séculos determinando as relações sociais. Esta referência à concepção geral de exclusão remete ao modelo de educação que não promove igualdade social. Entende-se, no entanto, que há outra face, raramente abordada, a qual se refere ao fenômeno humano que diz respeito aos estudantes com altas habilidades / superdotação18, especialmente os de baixa renda. Em 1999, o Ministério da Educação estimava cerca de 1,55 milhão de indivíduos superdotados (BRASIL, 1999). A Organização Mundial de Saúde já apontava que 5% da população teria algum 18 184 Em face das várias denominações para identificar os indivíduos com altas habilidades/superdotação, nesse estudo será utilizada a expressão ‘com superdotação’, para se referir a ‘comportamentos de superdotação’ (RENZULLI, 1986), a fim de caracterizar o fenômeno que se refere ao alto potencial ou potencial superior de aprendizagem, talento acadêmico ou capacidades acima da média. Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional tipo de alta habilidade. Se considerarmos os quase 56,6 milhões de alunos, cerca de 11 milhões não goza do direito à educação apropriada, pois, até 2009, haviam sido identificados somente 5,1 mil (INEP/DEED, 2009). Esses indicadores alertam para uma necessidade especial não considerada na dimensão necessária. O país deu saltos em quatro anos, porém, se comparado aos prováveis 11 milhões de superdotados, prediz um longo caminho a percorrer. A respeito do Distrito Federal, até 2009, alcançou 1.207 alunos atendidos, para 5.186 do total do país. Significa que restam apenas 3.979 distribuídos nos 26 Estados, dado que corrobora a constatação de o DF se destacar nessa área. A oferta de atendimento especializado na rede pública se iniciou em 1976 e, até 2010, havia 15 unidades, em escolas que disponibilizam espaço para este atendimento, em salas de recursos. Embora se considere uma iniciativa importante, há muito que avançar se levado em conta o contingente atual de mais de 500 mil alunos. Todo esse contexto introduz uma questão crítica na esfera educacional: a ineficácia das políticas educacionais nas questões da equidade e sucesso escolar dos alunos com superdotação, e, junto a essa característica pessoal, a característica social e cultural de serem oriundos das classes desfavorecidas. Para consubstanciar a discussão, realizou-se uma pesquisa de cunho qualiquanti, aplicando-se procedimentos analíticodescritivos a uma amostra que abrangeu 44 profissionais de quatro escolas públicas do Distrito Federal. Como propósito, investigouse em que medida a rede pública reconhece estudantes com essas características e demonstra estar preparada para identificá-los. Para atingir o objetivo, partiu-se da seguinte questão: qual a real importância dada à inclusão dos estudantes com superdotação das classes desfavorecidas, a fim de garantir seu direito à cidadania? No tocante ao direito à educação, observa-se que não tem sido prioridade. Para determinados países, ainda prevalece a ideia de que a matrícula seja suficiente para manifestar o cumprimento do que compete às políticas educacionais. Entretanto, desconsiderar 185 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional condições sociais e econômicas dos estudantes pobres, dentre outros aspectos, são elementos que denunciam um direito não assegurado em sua totalidade (GUIMARAES-IOSIF, 2009). O desafio se intensifica quando o Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (Pisa) revela que estudantes brasileiros de baixo desempenho não alcançaram os 10 pontos mínimos exigidos pela OCDE. Em contrapartida, os números relevantes para esse estudo estão entre os 10% mais bem avaliados e que elevaram os índices positivos a 30 pontos. Entre os 25% de estudantes de melhor desempenho, o avanço alcançou 22 pontos, dado que revela evolução positiva de 16 pontos da média do Brasil atribuída ao desempenho dos estudantes acima da média. Estudantes com superdotação: desafios para as políticas educacionais Entre os pesquisadores que definem a superdotação, destaca-se Renzulli (1986), atualmente, uma das concepções de melhor fundamentação científica, a qual enfatiza comportamentos de superdotação em vez de indivíduos superdotados. Tais comportamentos consistem numa interação entre três dimensões das características humanas: capacidades acima da média, envolvimento na tarefa e criatividade. Os indivíduos capazes de desenvolver comportamentos de superdotação são aqueles que alcançam a intersecção dessa tríade, ao mesmo tempo em que aplicam-na a um determinado campo de desempenho humano. Por se tratar de uma área relativamente recente no Brasil, as poucas iniciativas para atender os estudantes carecem de investimentos e recursos governamentais, além da dedicação de pesquisadores que disseminem conhecimentos pertinentes a esse construto. A flagrante deficiência de políticas educacionais destinadas à área incorre no risco de que as poucas iniciativas não prosperem, provocando um empobrecimento no processo educacional, segundo Virgolim (2007). 186 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Quanto à visibilidade que alcançam, Moura Castro (2008) remete ao conceito de países vencedores como aqueles que valorizam “os cérebros bem lapidados” enquanto riqueza mais preciosa. Nessa direção, as escolas brasileiras são comparadas a uma empresa cuja especialidade é receber cristais para lapidar, porém, ao se deparar com diamante em meio aos cristais, joga-o fora por não saber lapidá-lo. Estudantes com superdotação oriundos das classes sociais desfavorecidas são esses cristais a lapidar não reconhecidos pelos sistemas educacionais. Dessa forma, terminam por ser impedidos de manifestar seu potencial, tornando-se “diamantes descartados”, excluídos da oportunidade de serem lapidados. Refere-se aqui, ao conceito de exclusão formulado por Escorel (1999), que remete à situação do estudante com superdotação. Sua concepção de exclusão expõe processos de vulnerabilidade, fragilização ou precariedade e até ruptura dos vínculos sociais em cinco dimensões da existência humana em sociedade: ocupacionais e de rendimentos; familiares e sociais proximais; políticas ou de cidadania; culturais; e, no mundo da vida onde se inserem os aspectos relacionados com a saúde (Ibid., p. 75). Explica-se, transpondo as palavras de Escorel (1999), que o talento ignorado pode se tornar grave problema pessoal ou social, fazendo com que crianças e jovens de baixa renda, não sendo reconhecidos pelo sistema educacional, sejam por ele excluídos, levando-os a romper vínculos imprescindíveis ao seu processo de desenvolvimento humano. Dimenstein (2006) corrobora a autora, quando aponta a criminalidade como o “resultado perverso da inteligência”. Na visão desse autor, o mau uso das habilidades superiores de jovens que são cooptados pelo crime, incorre em grande risco para a sociedade e para o próprio jovem, atuando negativamente no mundo da vida. 187 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Nesse contexto, cabe à Educação Especial o dever de promover os recursos necessários à realização plena do potencial humano e de sua cidadania (HALLAHAN; KAUFFMAN, 1994). Numa concepção mais ampla, Vega (1993) afirma que o próprio termo ‘educação’ já implica ser especial, no sentido de que deveria responder às características e necessidades educacionais de cada indivíduo, em particular. Sendo assim, ser especial atribui à educação a responsabilidade de atuar de forma individualizada, respondendo às necessidades de todos e de cada estudante. Metodologia A pesquisa apresenta um estudo de natureza analíticodescritivo, numa abordagem qualitativa, embora a análise partisse de um conjunto de dados percentuais analisados sob o enfoque quantitativo. Traz uma base bibliográfica, na medida em que também se utilizou do conhecimento disponível na literatura, a fim de ampliar as possibilidades de reflexão e explicação do problema (KÖCHE, 2003). Sobre o tipo de estudo, atende ao pensamento de Gil (1991), que orienta o uso do conceito ‘analítico’, quando se pretende avaliar informações disponíveis na tentativa de esclarecer o contexto de ocorrência de um fenômeno, no caso, a ineficiência das políticas educacionais em relação aos estudantes com superdotação. O termo ‘descritivo’, por sua vez, é usado quando se pretende descrever características ou relações existentes em um fenômeno investigado, a fim de motivar opiniões ou projeções futuras, a partir das respostas obtidas. Compõe o processo descritivo o levantamento do tipo survey, cuja intenção foi originar informações sobre práticas ou opiniões atuais de uma população específica (KERLINGER, 1980), neste caso, de professores da rede pública do DF. 188 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Assim, optou-se pelo método survey, definido em Saccol e Freitas (2010), como um meio de captar informações referentes à determinada população, no caso, estudantes com superdotação de baixa renda. Dentre as características do método, destacase o propósito de produzir descrições quantitativas referentes a aspectos da população estudada, tendo como principal meio de recolha dos dados, o uso de perguntas pré-definidas e estruturadas, geralmente coletadas sobre uma parte desta população. Em suma, a survey realizada neste estudo é de caráter exploratório e analíticodescritivo. Quanto ao processo de amostragem, caracteriza-se como não probalístico, uma vez que os sujeitos foram escolhidos conforme a oportunidade, e, de conveniência, ou seja, distribuiu-se o questionário entre os professores que se dispuseram a participar da pesquisa. Participantes e coleta de dados Aplicou-se um questionário contendo 11 perguntas, sendo quatro de identificação do perfil da amostra. Alcançou um universo de 44 professores, os quais desempenham funções de docência, gestão e coordenação pedagógica. Foram distribuídos 100 questionários, em quatro escolas, sendo um Centro de Ensino Médio, na zona central; uma escola de Educação Infantil e Anos Iniciais (Sobradinho); uma escola de Anos Finais (Sobradinho) e uma escola de Anos Iniciais e Finais (Planaltina). O critério de escolha da amostra consistiu em diversificar as etapas de ensino, regiões e áreas de atuação dos professores, na tentativa de apreender diferentes visões. 189 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Resultados e Discussão Foram utilizados números percentuais e gráficos, porém, nem todos os gráficos foram expostos, embora seus resultados tenham sido discutidos. Quanto à idade (Gráfico 1), somando-se os percentuais, constatou-se que 70% encontram-se na faixa etária a partir de 36 e acima de 45 anos, sendo expressivo o número de professores acima de 45 anos. Gráfico 1: faixa etária dos participantes (Questão 1) Q u a l a lte rn a ltiv a id e n tific a s u a fa ix a e tá ria ? 34% 7% 23% M enos de 25 anos 26 a 35 anos 36 a 45 anos 36% A c im a d e 4 5 a n o s No Gráfico 2, verifica-se que 84% dos professores trabalham há mais de 10 e mais de 20 anos, enquanto um número reduzido apontou ter menos de cinco. Comparados os dois gráficos e considerados como medida de experiência, um número importante de professores, supostamente, aparece como experiente na área da educação, tanto pela idade quanto pelo tempo de serviço. 190 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Gráfico 2: tempo de serviço dos participantes (Questão 2) H á q u a n to te m p o v o c ê a tu a c o m o p ro fe s s o r? 7% 39% 9% M enos de 5 anos E n t re 6 e 1 0 a n o s M a is d e 1 0 a n o s 45% M a is d e 2 0 a n o s Com relação às questões de cinco a onze, observou-se que o DF, mesmo considerado referência na área, necessita dar grandes passos, conforme discussão a seguir. No Gráfico 3, nota-se que 55% já participaram de atividades sobre o tema e 45% nunca participaram ou ‘não fez diferença’. Gráfico 3: acesso ao conhecimento sobre a área (Questão 5) Em su a o p in iã o , a S u p e rd o ta çã o e stá a sso cia d a a : 5% 21% 29% Comportamento de opos iç ão a regras e a autoridade. 0% 5% A o meio s oc ial, ec onômic o e c ultural de onde a c rianç a prov ém: dev e s er ric o em es tímulos . É um f enômeno ex tremamente raro. São pouc os os alunos que podem s er c ons iderados s uperdotados . A o ex c elente rendimento na es c ola. 12% 28% Hiperativ idade ou TDA H Capac idade intelec tual. 191 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Avalia-se, portanto, que houve discrepância entre tempo de atuação e acesso à formação sobre a área. A comparação entre tempo de serviço (Gráfico 2) e oferta do atendimento no DF (33 anos), relação que poderia denotar expertise na área, não parece condizente com o grau de acesso/participação dos profissionais nas discussões acerca da superdotação. O Gráfico 4, por sua vez, apontou relação direta com a questão anterior e percebeu-se convergência entre os percentuais de ambas. Gráficos 4: identificação de estudantes (Questões 6) V o cê te m o u te ve a lg u m a lu n o co m A lta s H a b ilid a d e s/S u p e rd o ta çã o e m su a sa la d e a u la ? 16% 5% S im 26% 53% P ro va ve lm e n te S im P ro va ve lm e n te n ã o D e fin itiva m e n te n ã o Vê-se que 53% já identificaram estudantes para atendimento, enquanto 55% informaram ter participado de momentos de formação. Desconsiderando a ínfima diferença entre os percentuais, denota coerência entre as respostas. A respeito disso, evidenciou para os pesquisadores, uma correlação significativa entre acesso à informação e o respeito às necessidades dos estudantes, visando o direito à cidadania. 192 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional No Gráfico 5, destaca-se a questão nove, em que os dados empíricos confirmam o que as pesquisas na área apontam recorrentemente: a extensão do desconhecimento acerca da superdotação. Para 21%, a superdotação condiciona-se ao meio, e, em consequência, 28% consideram o fenômeno ‘extremamente raro’. São dois mitos que favorecem a exclusão de inúmeros alunos que deixam de ser beneficiados pelos programas especializados. Gráfico 5: concepções/mitos/crenças dos professores sobre o fenômeno (Questão 9) V o cê já p a rticip o u d e a lg u m e ve n to , cu rso , p a le stra o u a tivid a d e d e fo rm a çã o co n tin u a d a q u e tra ta sse d o te m a A lta s H a b ilid a d e s/S u p e rd o ta çã o ? 5% S im 40% Não 55% P a rticip e i, m a s n ã o fe z d ife re n ça Mais uma vez verificou-se convergência entre respostas: 49% não acreditam na existência da superdotação em classes desfavorecidas econômica, social e culturalmente, aproximando-se dos 45% de professores que nunca tiveram acesso à informação, dos 47% que desconhecem a existência desse fenômeno, e, dos 37% que ignoram a existência de atendimento especializado no DF. O resultado revelou mitos e crenças que rotulam e discriminam indivíduos identificados, os quais, no imaginário popular, se priorizados, passariam por privilegiados pelas políticas educacionais (PÉREZ, 2003). 193 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Curiosamente, encontrou-se um paradoxo na questão 10 (Gráfico 6), quando 90% reconhecem a superdotação como “um direito desse aluno, por se tratar de necessidade educacional especial prevista na legislação”, e os outros 10% se dividem igualmente, alegando que “não deveria existir, já que todos nós possuímos talentos” e trata-se de “um serviço que deve receber somente alunos que tem alto desempenho em testes de QI”. Gráfico 6: Visão sobre a oferta de atendimento especial (Questão 10) O a t e n d im e n t o e s p e c ia l a o s u p e rd o ta d o é : Um d ir e ito d e s s e a lu n o , p o r s e tr a ta r d e n e c e s s id a d e e d u c a c io n a l e s p e c ia l p r e v is ta n a le g is la ç ã o . 5% 5% 0% Uma p r á tic a e litis ta q u e r e f o r ç a a d if e r e n ç a e n tr e o s a lu n o s , a tr a p a lh a n d o s e u d e s e n v o lv ime n to . 0% A lg o d e s n e c e s s á r io , p o is e le já te m c a p a c id a d e s u p e r io r a o s d e ma is c o le g a s . 90% Nã o d e v e r ia e x is tir , já q u e to d o s n ó s p o s s u ímo s ta le n to s . Um s e r v iç o q u e d e v e r e c e b e r s o me n te a lu n o s q u e te m a lto d e s e mp e n h o e m te s te s d e Q I. Enquanto o primeiro denota amplo reconhecimento de um direito institucionalizado, o segundo, o descaracteriza, ora banalizando, ora exaltando-o de forma discriminatória. Outro aspecto paradoxal é a possibilidade de se ler esse dado, na perspectiva de significar que 90% dos professores tem conhecimento da área, o que, diante dos dados de questões anteriores e da literatura, poderia incorrer num equívoco de análise. 194 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Considerações finais Diante de um potencial de talento ignorado pelos sistemas de ensino e do flagrante descaso das políticas educacionais em demandar esforços no sentido de identificá-los e oferecer educação adequada, os dados da questão 10 instigam a associar a percepção do grupo pesquisado a uma suposta postura de omissão. Se comparada a realidade vigente e essa ampla defesa da necessidade desses alunos como um direito, sugere-se que pode haver uma transmissão deliberada de responsabilidade por parte da escola. Tal percepção remete a uma nova problemática, cuja reflexão passa pela criação da cultura democrática apontada por Castilho (2002). A questão é: as escolas estão, de fato, conscientes do que vem a se constituir um direito do aluno, quando atribuem esse encargo restritamente à legislação? Os dados revelaram a urgência na organização de programas de formação para capacitar professores e gestores na compreensão de que, mais que tornar um direito institucionalizado, é necessário incorporar a responsabilidade, individual e coletivamente, de tornar a inclusão um princípio. O desafio posto é, sobretudo, alcançar o entendimento de que a lei delibera e institui a obrigatoriedade, mas não diz o que nem como fazer. Esse encargo caberá à escola, como habitat dos problemas e soluções, e, aos gestores dos sistemas, como propiciadores das condições para que esses problemas sejam solucionados. Embora o DF se destaque como pioneiro na oferta de atendimento, nota-se que em escolas que compõem o seu sistema de ensino, ainda prevalece a visão equivocada sobre a superdotação. Desde concebê-la como um fenômeno raro, e, por isso, é suficiente estar restrito à formulação de leis, até o desconhecimento da existência de um atendimento especializado, no próprio locus institucional. 195 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional O aspecto que mais se destacou na pesquisa foi a relação entre o tempo de experiência dos professores pesquisados, o período de vigência do atendimento existente no DF e a ineficiência desses professores em identificar, entre seus alunos, aqueles que apresentam capacidades acima da média, além de desconhecer os meios para encaminhá-los. Diante dos resultados do estudo, responde-se à questão que o instigou, sinalizando que a rede pública parece desconhecer a existência da superdotação e, de acordo com o posicionamento dos sujeitos pesquisados, demonstrou que as escolas não estão devidamente preparadas para identificá-los e encaminhá-los. Reconhecem a necessidade como especial, enquanto direito institucionalizado, porém, enquanto ação educativa não foi incorporada. No que diz respeito aos objetivos, a visão apreendida dos resultados é de que se tornará cada vez mais difícil os movimentos sociais se levantarem na defesa dos direitos desses estudantes, já que a própria escola não incorporou a causa como dimensão importante para o desenvolvimento destes. Assim, considera-se uma distância expressiva na direção da garantia dos direitos dos superdotados, especialmente das classes desfavorecidas, na medida em que prevalece o preconceito em relação ao diferencial que apresentam. Acredita-se que, à medida que os professores os reconhecerem com necessidades educacionais especiais e desmitificarem seus conceitos referentes às altas habilidades, se ampliarão as possibilidades de esses alunos terem seus direitos educacionais pelo menos acolhidos. Nesse sentido, considera-se que a discussão versada nesta pesquisa pode contribuir para essa questão, na perspectiva de vislumbrar a inclusão educacional dos estudantes com superdotação. 196 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Referências BRASIL, Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, Diretoria de Estatísticas Educacionais. Censo da Educação Básica, 2009. BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Programa de capacitação de recursos humanos do ensino fundamental: superdotação e talento. Brasília, DF, 1999. 2 v. (Série Atualidades Pedagógicas, 7). CASTILHO, C. J. M. de. Território e Organização Social. Revista de Geografia, Recife, v. 10, n. 1, 2002. DIMENSTEIN, G. Ser traficante é sinal de inteligência? Talvez. In: Inteligência e problemas sociais. Portal Aprendiz, São Paulo, 23 mar. 2006. 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Brasília, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2007. 199 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Os desafios da Educação Profissional Brasileira na promoção da cidadania Kátia Christina Soares de Morais Corrêa Universidade Católica de Brasília Resumo: O texto deste artigo, parte integrante do meu projeto de pesquisa de dissertação de mestrado, em fase inicial, constitui uma tentativa de resgate e reconstrução de propostas e iniciativas de qualificação profissional. Programas e projetos promovidos por instituições públicas e privadas são os principais promotores dessas iniciativas. Partindo de um breve resgate histórico, o texto aborda aspectos da Educação de um modo geral, com enfoque na Educação Profissional no Brasil. Temas relacionados à história dessa modalidade de ensino, além de um breve parâmetro do que é, e do que foi a Educação Profissional, no país, tendo como tema principal, a promoção da cidadania como forma de inclusão social, por meio do Programa Senac de Gratuidade (PSG), que oferece cursos gratuitos de qualificação profissional para pessoas de baixa renda. Cita ainda, algumas políticas públicas apresentadas por meio de programas de formação profissional, voltadas para a promoção da cidadania e inclusão social, e ainda, relacionando Educação, Trabalho e Cidadania. O presente artigo está dividido em três partes. A primeira apresenta um breve relato sobre a Educação dentro da perspectiva da formação para o trabalho no país, dentro do contexto histórico brasileiro. A segunda parte apresenta a relação entre educação, trabalho e cidadania e as perspectivas de promoção da cidadania por meio de programas de inclusão social, com enfoque nas políticas públicas de educação profissional, voltadas para a formação para o trabalho e inserção no mercado de trabalho. E a última parte apresenta o Programa Senac de Gratuidade que, dentro da perspectiva de política pública, tem como principal desafio a promoção da cidadania por meio da formação para o trabalho, e, a inclusão social de indivíduos excluídos socialmente. Diante 201 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional das análises apresentadas, percebe-se que os resultados ainda são incipientes e ineficazes na solução do problema ora apresentado. Palavras-chave: Políticas de Educação Profissional. Cidadania. Inclusão social. Introdução No decorrer das últimas décadas observou-se que a questão da qualificação profissional – entendida como requisito para empregabilidade – vem se destacando como desafio a ser enfrentado por pessoas que serão inseridas no mercado de trabalho. Nesse caso, a escola como formadora de cidadãos ganha destaque no enfrentamento do desafio de promover a mudança do indivíduo e auxiliá-lo na sua inclusão social. Nesse contexto, o papel da educação é revalorizado, dentro de um contexto semelhante ao ocorrido nas décadas passadas, quando era associada ao crescimento econômico e à inclusão social dos indivíduos. A educação passa então a desempenhar esse novo papel, de participante na promoção do desenvolvimento econômico e de aumentar as chances individuais de inserção no mercado de trabalho e ainda, numa perspectiva de promoção da cidadania, promover a inclusão social de pessoas sem qualificação profissional. Nesse sentido, o presente artigo, parte integrante da revisão de literatura do projeto de pesquisa de mestrado, em fase inicial, analisa a proposta de promoção da cidadania e da inclusão social do meio do Programa Senac de Gratuidade (PSG) criado pelo Decreto n. 6633 (BRASIL, 2008). O texto está dividido em três partes. A primeira apresenta um breve relato sobre a Educação Profissional no contexto da Educação no Brasil. A segunda parte apresenta a relação entre educação, trabalho e cidadania e as perspectivas de promoção da 202 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional cidadania por meio de programas de inclusão social, com formação para o trabalho. E a última parte apresenta o Programa Senac de Gratuidade como promotor da cidadania e de inclusão social. Além desses aspectos, o artigo trata ainda da qualificação profissional como forma de preparar mão-de-obra qualificada para atender as demandas do mercado de trabalho, bem como de promover a melhoria da qualidade de vida de pessoas excluídas socialmente. A Educação Profissional no Brasil A educação no Brasil colonial e imperial priorizou a formação da elite da sociedade para o exercício das atividades políticoburocráticas e das profissões liberais, enquanto a preocupação com a mão-de-obra não existia por apresentar na época um modelo agroexplorador, que fundamentava a organização da economia na produção de produtos primários, predominantemente agrários, destinados à exportação para as metrópoles (FREITAG, 2007). As primeiras necessidades de formação de força de trabalho surgem, na ocasião da transferência da corte portuguesa para o Brasil, quando D. João VI, em 1808, funda as primeiras escolas técnicas e academias, para formar os quadros técnicos e administrativos da corte. Algumas mudanças começam a ocorrer no início do século passado, quando em 1930 é criado o Ministério da Educação e Saúde Pública, sob a responsabilidade de Francisco Campos, que organizou o ensino secundário em duas etapas: fundamental (5 anos) e complementar (2 anos) (ROMANELLI, 1993). O ciclo fundamental dava a formação básica geral e o ciclo complementar oferecia cursos propedêuticos articulados ao curso superior (préjurídico, pré-médico, pré-politécnico). Em 1934 com a nova Constituição (art.150, a) surgiu a necessidade de se elaborar um Plano Nacional de Educação que 203 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional coordenasse e supervisionasse as atividades de ensino em todos os níveis (FREITAG, 2007). Implanta-se a partir daí o ensino profissionalizante, previsto principalmente para as classes “menos privilegiadas” (BRASIL, 1934). A política educacional do Estado Novo, que de certo modo excluía as classes menos favorecidas do acesso ao sistema educacional, em função das mudanças ocorridas na infraestrutura econômica do país, passa a exigir maior qualificação e diversificação da força de trabalho, e adotar posturas de atendimento aos interesses e necessidades das empresas privadas. O crescente desenvolvimento industrial desse período se complementa com a criação dos cursos do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), em 1942, e do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), em 1946, pela iniciativa privada, tendo como principal objetivo a formação de força de trabalho para os setores do Comércio e da Indústria. Esse período caracteriza-se pela luta em torno da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e da Campanha da Escola Pública. Surge então uma série de protestos encabeçados por intelectuais, pedagogos e liberais resultando no que ficou conhecido como “Manifesto dos Educadores”. Após uma série de debates, em 1961 se estabelece a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de n. 4024 (BRASIL, 1961), que estrutura o ensino secundário e o ensino técnico profissional. Em 1971, é promulgada mais uma Lei que fixa novas diretrizes para a educação no Brasil, a LDB 5692 (BRASIL,1971), que trata apenas dos ensinos de 1º e 2º graus, trazendo ainda inovações para o ensino profissionalizante passando a ser o ensino de 2º Grau obrigatoriamente profissionalizante, com a proposta de que os alunos saíssem do 2º grau direto para o mercado de trabalho, diminuindo a pressão por vagas no ensino superior. 204 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional O aspecto mais discutido dessa nova lei é o da profissionalização, onde a qualificação para o trabalho é a meta de um grau de ensino que deveria adquirir nítido sentido de terminalidade (FREITAG, 2007). Em 1975, com o Parecer 76 do Conselho Nacional de Educação (CNE, 1975) tenta-se eliminar o equívoco no entendimento da Lei 5692 (BRASIL, 1971) de que toda escola de Ensino Médio (2º grau) deveria tornar-se uma escola técnica esbarrando na falta de recursos materiais, financeiros e humanos para tanto. A proposta da profissionalização no 2º grau foi alterada pela Lei n. 7044 (BRASIL, 1982), que extinguiu a escola única de profissionalização obrigatória e separou os trabalhadores intelectuais dos trabalhadores manuais. A nova Constituição (BRASIL, 1988) permitiu a promoção de algumas mudanças necessárias na educação, com encaminhamento de projetos de vários parlamentares ao Congresso, seguido de longos debates e pressões de alguns segmentos da sociedade, tendo enfim, em 1996, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996) que teve como base o projeto do Senador Darcy Ribeiro. A educação profissional no Brasil passa, então, a ser oferecida por instituições públicas e privadas, pelo Sistema “S”19, por escolas mantidas por sindicatos de trabalhadores e por organizações não governamentais de cunho religioso, comunitário e educacional, entre outras. 19 Sistema formado por organizações criadas pelos setores produtivos - indústria, comércio, agricultura, transportes e cooperativas - com a finalidade de qualificar e promover o bem-estar social de seus trabalhadores (SENAC, 2008). 205 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Educação, Trabalho e Cidadania Em toda a análise do histórico da Educação Profissional no Brasil, pode-se perceber que alguns temas são reincidentes, e é por eles que se começa a análise daqueles que permeiam o presente artigo: Educação, Trabalho e Cidadania. Iniciaremos então pela Constituição Federal (BRASIL, 1988), que define as responsabilidades e finalidades da Educação no âmbito federal, prevê que: Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Complementando o art. 205 da Constituição Federal vem a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que em seus Artigos 2º e 3º (BRASIL,1996), traduz os objetivos, os direitos e os deveres relacionados à educação, no Brasil, Art. 2o A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art. 3o O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; 206 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; [...] XI – vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais. Dentro de uma perspectiva legal, com base na Constituição Federal (BRASIL, 1988) e a LDB (BRASIL, 1996), educar para uma cidadania plena, em que cada indivíduo possa ser livre e agente participativo da construção de um mundo mais igual, parece ser utópico. Cabe destacar na legislação citada o caráter da educação relacionada aos princípios de igualdade de condições, de liberdade de aprender, e da vinculação desses princípios e condições à educação, ao trabalho e às práticas sociais, visando o pleno desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania, o que faz com que a escola, como promotora da educação, tenha um papel de destaque na formação de um cidadão consciente de sua importância na construção de uma sociedade justa e igualitária. O Brasil está longe de sustentar o discurso de sociedade justa e igualitária, com igualdade e oportunidade para todos. E essa promoção da igualdade passa, ainda, pelo processo de promover mudanças e repensar a educação como um processo emancipatório. Esse processo passa pela oferta de uma escola gratuita, de qualidade, que promova uma transformação do cidadão e permita uma qualificação necessária para o trabalho. Segundo Guimarães-Iosif (2009), o cidadão que teve a oportunidade de freqüentar uma escola pública de qualidade sabe pensar criticamente, expressar-se, organizar-se e reivindicar seus direitos. Mas realmente o que é essa cidadania promotora de uma sociedade justa e igualitária? Segundo Demo (1995) a cidadania “é a raiz dos direitos humanos, pois estes somente medram onde a sociedade se faz sujeito histórico capaz de discernir e efetivar seu 207 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional projeto de desenvolvimento”. Dentro desse projeto cabe destaque ainda à relação da cidadania à preservação dos direitos e deveres do homem e ainda do poder organizar-se livremente (GUIMARÃESIOSIF, 2009). No entanto, a relação com o preparo para o trabalho como forma de garantia de direitos e de prática democrática é destaque dentro de um processo de mudança social promovido pela educação. Segundo Frigotto (2005), a concepção de trabalho não pode ser reduzida meramente ao conceito de emprego, que trata de uma ocupação formal de posto de trabalho no mercado. Trata-se antes de uma atividade de produção que permeia todas as dimensões da vida humana. O trabalho como princípio educativo deriva do fato de que todos os seres humanos têm a necessidade de alimentarse, proteger-se e criar seus meios de vida. Ressalta-se ainda que é fundamental socializar, desde a infância, o princípio de que a tarefa de prover a subsistência pelo trabalho, é comum a todos os seres humanos, evitando-se criar indivíduos ou grupos que exploram e vivem do trabalho dos outros. Nesse sentido, o governo e a sociedade civil têm buscado a promoção da cidadania preservando o maior dos direitos do cidadão, o direito à educação. Muitas questões relativas à conquista da cidadania se fazem presentes: pode a conquista da escolaridade garantir a cidadania, num país que não garante ao indivíduo o direito ao trabalho? Pode essa qualificação garantir-lhe emprego, sendo este um dos parâmetros fundamentais para tornar-se cidadão? Como pode ser percebida a importância do aprendizado e do desenvolvimento de competências e habilidades na escola, no desenvolvimento das atividades laborais pelo trabalhador? A realidade social brasileira não compromete o projeto de cidadania? 208 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Segundo Frigotto (2005 citado por BATISTA, 2007), o tratamento a ser dado à educação profissional, seria reconstruí-la como política pública e corrigir distorções de conceitos e de práticas decorrentes de medidas adotadas anteriormente, que dissociou educação profissional da educação básica, aligeirando a formação técnica em módulos dissociados e estanques, dando um cunho de treinamento superficial à formação profissional de jovens e adultos, preparando então o indivíduo para o exercício da cidadania com sua inserção no mercado de trabalho. O Programa Senac de Gratuidade e a promoção da Cidadania Desde a publicação da Nova LDB (BRASIL, 1996), período em que pode-se perceber as transformações no mundo produtivo e os novos perfis de trabalho, a educação adquire um novo conceito e o trabalho passa a ser integrante da relação entre educação geral e a conservação do conhecimento. A partir daí, a relação educação, trabalho e cidadania passa a aparecer mais enfaticamente. Políticas públicas voltadas para a formação do trabalhador e, principalmente do cidadão, surgem desde esse período, no entanto, têm sido incipientes na solução de problemas relacionados à formação para o trabalho. Surge, nesse período, uma série de programas sob o discurso da necessidade de se promover a garantia de educação para todos. Essa garantia esbarra em dificuldades, principalmente a falta de financiamento, que acaba por encontrar nas parcerias com os órgãos internacionais, a solução paliativa para financiar a educação no país. A política de educação profissional passa a ser processada, desde o seu surgimento, por meio de programas focais e contingentes, a exemplo do Programa Escola de Fábrica, do Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio 209 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA) e do Programa de Inclusão de Jovens (PROJOVEM). Na análise desses programas cabe destaque a dois pressupostos: a mudança da materialidade estrutural da sociedade brasileira, em que o campo educacional é apenas uma particularidade, move-se de forma lenta, como expressão da natureza das relações de poder das classes sociais e; a luta por mudanças mais profundas, como consequência, efetivase numa travessia marcada por intensos conflitos e no terreno da contradição (FRIGOTTO, 2005). Dentro dessas mesmas perspectivas, surge o Programa Senac de Gratuidade (PSG), um programa integrante das novas políticas educacionais propostas pelo Ministério da Educação (MEC), e que se encontra em processo de construção e implementação. O Programa surgiu como resultado de uma série de debates e de um protocolo firmado entre a Confederação Nacional do Comércio (CNC), o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) e o Governo Federal, mais tarde ratificado pelo Decreto 6633, de 5 de novembro de 2008, que altera e acresce dispositivos ao Regulamento do SENAC, aprovado pelo Decreto no 61.843 (BRASIL, 1967) garantindo a promoção da cidadania por meio da oferta de vagas gratuitas em aprendizagem, formação inicial e continuada e em educação profissional técnica de nível médio, a pessoas de baixa renda, na condição de alunos matriculados ou egressos da educação básica, e a trabalhadores, empregados ou desempregados, tendo prioridade no atendimento aqueles que satisfizerem as condições de aluno e de trabalhador [...] (BRASIL, 2008). 210 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional O PSG surge no Senac, dentro um contexto socioeconômico em que ocorre uma crise de falta de preparação de pessoas qualificadas para o enfrentamento das mudanças do mercado de trabalho cada vez mais exigente. Aliada a essa situação, o governo federal viu no Sistema “S” a perspectiva de cumprir promessas ofertando mais vagas em cursos de formação para o trabalho, sem que isso representasse custos adicionais, nesse caso utilizando-se de aberturas legais que permitissem a destinação de recursos oriundos de tributos federais, recolhidos mesmo que indiretamente dos cofres públicos, para desenvolver suas ações. Como forma de garantir que as pessoas atendidas pelo programa tivessem os mesmos direitos das outras pessoas que custeassem seus próprios estudos, o governo federal definiu que seria necessária a realização de “estudos, pesquisas e experiências por meio de unidades operacionais, para fundamentação das atividades do SENAC” (BRASIL, 2008), além de determinar que fossem definidos critérios para o acompanhamento e avaliação das ações do Programa. Um aspecto que cabe ressaltar é o perfil dos ingressantes no Programa. Como são pessoas de baixa renda, algumas características físicas, posturas no comportamento, na fala, na escrita dentre outras são ressaltadas no momento de encaminhamento para empresas para inserção no mercado de trabalho. Aliadas a essas, tem-se o desenvolvimento de competências eminentemente técnicas, que são requeridas pelo mundo do trabalho e carecem das competências básicas desenvolvidas durante a Educação Básica. Tais competências devem ser resgatadas a todo momento na tentativa de que o preparo dessas pessoas permita a inserção e a permanência delas no mercado de trabalho, oportunizando a promoção da cidadania e a mudança de suas vidas e a de seus familiares. O programa teve início em 2009 e já promoveu a formação de várias pessoas dentro do perfil delineado pelo governo no Decreto de criação. No entanto, um estudo aprofundado que aponte resultados concretos sobre a eficácia das suas ações ainda 211 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional não ocorreu, pois o número de jovens e adultos que concluíram sua qualificação, ainda é incipiente para uma análise conclusiva. Conclusão No quadro apresentado, em vários momentos da história da educação no país, pôde-se observar como a educação dessa modalidade de ensino no Brasil, em vários momentos, oscilou entre educação para a classe proletária e educação para a classe média, relegando sempre às classes menos favorecidas a obrigação de se qualificar para o trabalho e prover as empresas com mão-de-obra barata. Vê-se então que ainda tem-se muito a fazer para promover as mudanças necessárias para a solução desses problemas. Dentro da análise de vários programas nacionais de qualificação de pessoas para o mercado de trabalho, que tem como público-alvo, trabalhadores ou desempregados, egressos ou estudantes da educação básica e de baixa renda, ao PSG coube destaque por ter em sua essência a promoção da cidadania, por meio da qualificação profissional e da inserção social e no mercado de trabalho dos cidadãos egressos desse Programa, segundo suas diretrizes (SENAC, 2009). Conclui-se, então, que legislações e políticas públicas apresentadas ao longo da história do país não foram suficientes para possibilitar o encontro de uma solução definitiva, ou senão, mais duradoura, para o problema constante da falta de qualificação para o trabalho, encontrada na sociedade produtiva no Brasil, muito menos dentro da perspectiva de formação de cidadãos e de inclusão social. O trabalho então deve modificar o cidadão e promover mudanças em sua vida e de sua família, fazendo com que ele se sinta parte integrante de uma sociedade cada vez mais excludente, quando se trata de pessoas diferentes ou com características diferentes das da maioria da população. 212 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Percebe-se, então, que alguns dos programas citados surgem em momentos de grande crescimento da economia, onde governo e empresários se deparam com a falta de qualificação, e a necessidade de atendimento às demandas internas e externas. O maior desafio no âmbito da construção de políticas públicas para a promoção da cidadania, passando pela inclusão social por meio do trabalho, é encontrar um caminho que alie as necessidades do país às dos empresários e do cenário econômico do momento, permitindo a promoção da formação de indivíduos autônomos intelectual e eticamente, capazes de responder e superar as demandas. Esse desafio é dos governos, da sociedade, mas principalmente das instituições de ensino, que têm papel relevante na formação desses indivíduos. Nesse sentido, algumas perguntas apresentadas no texto ainda permanecerão sem resposta. Referências ALBORNOZ, S. O que é trabalho. São Paulo: Brasiliense, 2004. Disponível em: <http://artigos.psicologado.com/resenhas/ resenha-o-que-e-trabalho> Acesso em: 29 maio 2011. ALMEIDA, M.L.P. et al. Educação e cidadania no neoliberalismo: da experiência à análise crítica. Campinas: Mercado de Letras, 2008. ANDRIOLA, W. B. Apresentação de um modelo teórico destinado à avaliação dos programas estaduais de qualificação profissional. Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, 1998. BRASIL. Presidência da República. Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Diário Oficial da União, Rio de janeiro, RJ. 10 nov.1937. 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São Paulo: Núcleo de Pesquisas sobre o Ensino Superior da Universidade de São Paulo, 1991. 216 Eixo 3: Política e Gestão Educacional para a Diversidade Étnico-Racial, Sexual, Social, Cultural e Lingüística Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Construção e desafio de uma identidade negra positiva a partir de Alberto Melucci Prof. Dr. Jorge Manoel Adão20 Resumo: O presente trabalho possui como objetivo fazer uma abordagem sobre os desafios da construção de uma identidade negra positiva em terras brasileiras, a partir do pensamento do sociólogo e psicólogo clínico italiano Alberto Melucci. Presentificando a organização, atuação, reivindicações e conquistas do movimento negro brasileiro, enquanto movimento social, especificamente, este texto aborda: o contexto histórico, ideológico e teórico que fragmentou e estereotipou a identidade dos negros e negras brasileiros; o conceito e contexto de negritude; e, por fim, o contexto em que se dá a construção e desafio de uma identidade negra positiva; enfatizando o conceito e entendimentos meluccianos de identidade em nossas sociedades hodiernas. Palavras-chave: Identidade Negra. Negritude. Movimento Negro. Alberto Melucci. 20 Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), professor efetivo da Universidade Estadual de Goiás (UEG) e professor do Instituto de Educação e Ensino Superior de Samambaia - IESA (DF). E-mail: [email protected]. 219 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Introdução O presente artigo possui como objetivo fazer uma abordagem da construção e do desafio de uma identidade positiva dos negros e negras brasileiros a partir de Alberto Melucci – sociólogo e psicólogo clínico italiano. Das obras de Melucci este trabalho fundamenta-se, especificamente, em “O jogo do eu. A mudança de si em uma sociedade global”, de 1992, onde o próprio autor apresenta a obra afirmando que ele expressa a realidade social e a experiência individual como pólos de uma relação circular – pois o observador não é externo ao campo que descreve. E, em “A invenção do presente. Movimentos sociais nas sociedades complexas”, de 2001. De antemão explicito que em nenhum momento desta abordagem faço uso de “identidade” como conceito filosófico21. E sim, refiro-me a identidade individual e grupal no entendimento melucciano, que possui as seguintes características: “[...] continuidade de um sujeito, além das variações do tempo e das adaptações ao meio ambiente; delimitação deste sujeito em relação aos outros; e, capacidade de reconhecer-se e de ser reconhecido” (MELUCCI, 1992, p. 31). Com relação ao negro, lembro que a história do Brasil foi marcada não só por um conflito entre ricos e pobres, mas também por um conflito sócio-racial entre negros e não negros (FRISOTTI, 1988). Conflito esse que, hodiernamente, continua e adquire novas roupagens como a xenofobia e a mixofobia. Embora não seja um tema aqui desenvolvido, lembro que na abordagem da identidade do negro é mister ter presente a trajetória, atuação, embates e conquistas realizadas pelo movimento negro 21 220 A “identidade” como conceito filosófico possui três definições fundamentais: identidade como unidade de substância, entendimento de Aristóteles; identidade como possibilidade de substituição, definição de Libniz; e, identidade como convenção, conceituado por Weismann (Abbagnano, 1999, p. 528-529). Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional brasileiro22. Pois foi no seio das entidades e grupos constituintes desse movimento que seus respectivos militantes sentiram a necessidade de vivenciar e reivindicar valores que viessem ao encontro de uma vivência da negritude e à construção de uma identidade negra positivo. Entendo também que o negro brasileiro se constitui como grupo étnico e racial, ao mesmo tempo. Um grupo étnico se define por um conjunto de elementos biológico-hereditários e por uma tradição histórico-cultural: por certos traços somáticos e raciais, como por uma cultura e por formas específicas de organização das relações sociais e por auto-afirmação destas diferenças (MELUCCI, 2001, p. 109). E, como grupo racial, faço uso do conceito de “raça” como uma construção social: no convívio social, esta noção é construída, mesmo que em nosso contexto brasileiro nós a chamemos de “cor”. Em outras palavras, defino “raça” como um grupo de pessoas que, em uma determinada sociedade, é definido como diferente de outros grupos em razão de certas diferenças físicas, onde os fenótipos funcionam como uma espécie de matéria-prima física, que estão calcadas socialmente por meio de crenças, valores e atitudes (ADÃO, 2002). Enfim, sou da opinião que a importância do uso do conceito de raça ao lado de etnia está na análise do racismo23. É de praxe definir a trajetória do movimento negro brasileiro em três fases (PINTO, 1993; FERREIRA, 2000; H. SANTOS,2000; NABARRO,2000), que são as seguintes: Movimento Negro Pré-Abolicionista, até 1888; Movimento Negro Pós-Abolicionista, de 1888 até a década de 1970; e, Movimento Negro Atual, da década de 1970 até os dias atuais. 23 Defino racismo a partir de Munanga (2000, p. 21), que traz presentes seus dois aspectos: o racismo, por um lado, é o discurso doutrinário em forma de ideias, congelado nos livros, cujo início de sua elaboração aconteceu no final do século XIX, chamado de racismo científico ou racialismo; e, por outro lado, o racismo é entendido como uma prática política traduzida em discriminações concretas. 22 221 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Isto é, só tem sentido o uso do conceito de raça diante da ideia e realidade do racismo. Assim como entendo que o racismo só pode ser compreendido por meio de uma análise e abordagem da sua formação particular em seu contexto histórico e geográfico diferenciado. Identidade fragmentada e estereotipada Desde o entendimento melucciano de identidade como um sistema de relações e representações e não como uma unidade monolítica de um sujeito (MELUCCI, 1992), abordo o processo de fragmentação e estereotipação que historicamente vem sendo pensado, projetado e concretizado para o negro na diáspora brasileira. Situação essa que se dá, concomitantemente, a uma práxis histórica de luta e resistência negras, concretizada na organização de quilombos e na presença de cultos de matrizes africanas em nossa sociedade, por exemplo. Nesse processo de inferiorização da identidade do negro destaco, em especial, a ideologia do branqueamento, a mestiçagem, o mito da democracia racial e a criação de estereótipos raciais. Elementos esses que foram estruturados e balizados no significado simbólico, social, político, econômico e ideológico dos trezentos e cinquenta anos de escravidão de africanos e seus descendentes em terras brasileiras. Creio serem esses os elementos principais imbricados nessa problemática, mesmo sabendo que não os esgotam; até porque a identidade possui diversos graus de complexidade, assim “[...] poderemos falar de muitas identidades que nos pertencem, aquela pessoal, familiar, social e assim por diante: aquilo que muda é o sistema de relações da qual nos referimos e em respeito ao qual, vem o nosso reconhecimento” (MELUCCI, 1992, p. 36). A ideologia do branqueamento teve sua origem na teoria da superioridade da etnia branca sobre as outras, colocando os loiros 222 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional do norte europeu como ideal máximo: foi articulada por Firdrich Ratzel (1844-1904) e por Gobineau (1816-1922), entre outros. Essa teoria teve muita aceitação no Brasil, no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, encontrando em Oliveira Vianna (1883-1951) um expressivo divulgador. Desde então, desencadeiase uma trajetória dos estudos sobre o negro brasileiro (final do século XIX). Essa trajetória pode ser dividida em três correntes, em nível de domínio e influência, que são as seguintes: a primeira corrente, influenciada pela antropologia física racialista, apresentava os negros como uma categoria racial inferior, podendo até pesar negativamente sobre o futuro do Brasil, por causa da mestiçagem com os brancos. Ou seja, a elite intelectual brasileira da época, imbuída de ideias racistas, acreditava que o processo de mestiçamento entre negros, índios e brancos resultaria em uma descendência degenerada e, consequentemente, sem capacidade de assegurar o futuro do Brasil. Aqui, trazemos como exemplo Nina Rodrigues, médico e cientista maranhense, que difunde as ideias de Lombroso24 na América do Sul, na década de 1890. Conforme Silva Jr. (2000, p. 365), [...] dentre as manifestações de genialidade do cientista Nina, uma série cômica, se não tivesse respondido pela tragédia que se abateu sobre tantas crianças e jovens negros do início do século: a freniatria, frenologia e que tais notabilizaram-se na Europa, pela associação entre determinadas características ou medidas corporais e delinqüência; daí a 24 Cesare Lombroso (1835-1909), médico, psiquiatra e militante do Partido Socialista Italiano dos Trabalhadores, é considerado fundador da Antropologia criminal e um dos precursores da Criminologia, ciência cujo objeto ainda hoje é alvo de controvérsias. Graças a Lombroso se têm as definições de delinquente nato e atavismo (herença remota) criminosos e a associação entre fenótipo e predisposição delituosa. Lombroso, juntamente com Enrico Ferri e Rafael Garofalo, faz parte da escola italiana do positivismo criminológico (SILVA JR., 2000, p. 384). 223 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional importância atribuída às medições de estatura, comprimento da cabeça, do dedo médio, dos braços, etc., às quais foi acrescentada, no Brasil, a largura do nariz, certamente resultante do esforço adaptativo do cientista. A segunda corrente começa a salientar-se na década de 1930, quando o debate da primeira corrente (que se alternava entre escritores, médicos, juristas e antropólogos) começa a declinar. Esta segunda corrente, fortemente influenciada pelo culturalismo, tem em Gilberto Freyre um de seus grandes representantes. Os autores desta corrente [...] viam os negros não somente como oriundos de uma raça inferior, mas também como representantes de uma cultura considerada ao mesmo tempo inferior, devido à qualçificação pré-lógica tomada do pensamento de Levy-Bruhl, e, relativamente positiva, em função das teses culturalistas (MUNANGA, 2000, p. 13). É consenso que a ideia da existência de uma democracia racial no Brasil teve uma grande contribuição de Gilberto Freyre, em sua obra Casa Grande e Senzala. Isto é, ao transformar a mestiçagem em um valor positivo e não negativo sob o aspecto da degenerescência, esse autor, permitiu completar definitivamente os contornos de uma identidade que há muito vinha sendo desenhada: Freyre consolida o mito originário da sociedade brasileira configurada em um triângulo, cujos vértices são as raças negra, branca e indígena (MUNANGA, 1999c). Essas duas primeiras correntes coabitaram até a década de 1950, não se preocupando com a raiz e com a natureza das relações entre negros e brancos, ou entre brancos e indígenas, tem no trabalho de seus pensadores uma grande contribuição para o mito da democracia 224 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional racial; e, para projetar o Brasil aos olhos do mundo como o único país multirracial, onde as populações viveriam em harmonia. Uma terceira corrente de pensamento surge a partir de 1950, após a Segunda Guerra Mundial, com uma equipe de pesquisadores (entre eles, os sociólogos Roger Bastide, Florestan Fernandes, Oracy Nogueira, Thales de Azevedo, Octavio Ianni e Fernando Henrique Cardoso); patrocinados pela Unesco, com um projeto de estudo sobre o sistema de relações harmoniosas. “[...] com o desenvolvimento desse projeto, descobriu-se, no entanto, que a mobilidade social ascendente dos negros nesta sociedade era bloqueada pela existência de preconceitos raciais e pela discriminação daí advinda” (MUNANGA, 2000, p. 14). Na década de 1980, o aprofundamento destes estudos (terceira corrente) vai demonstrar que, independentemente dos vestígios do passado escravagista, o racismo era produto da sociedade brasileira contemporânea e repousava sobre outros antagonismos que não os da sociedade escravagista “[...] E, observada sob esse Aspecto, a sociedade brasileira contemporânea era estruturada por dois sistemas dialéticos: as relações de classe e de raça” (MUNANGA, 2000, p. 14). Enfim, por um lado, consciente ou inconscientemente, a sociedade brasileira em sua práxis racista teve e tem presente as diversas dimensões constitutivas e demarcadoras da identidade, tanto em nível pessoal quanto em nível grupal. Dimensões essas em que Melucci (1992, p. 37) as configuras em pólos A nossa identidade se configura então como um campo de quatro pólos, como um sistema de vetores em tensão entre si, que procuram continuamente um equilíbrio entre a identificação que nós operamos e a identificação por parte dos outros, a diferença como nós a afirmamos e como nós é reconhecida pelos outros. 225 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional E, por outro lado, como já me referi, não obstante a essa práxis que fragmentou e negativizou a identidade negra brasileira, a vivência da negritude e a construção de uma identidade negra positiva vem sempre mais se tornando realidade para essa parcela da população de nosso país. Conceito e contexto de negritude O termo negro, em nossa realidade, tornou-se um conceito político que envolve todas as pessoas (negros, mestiços, morenos, mulatos) com ascendência parcial ou totalmente africana.25 Decorrente do conceito e expressão negro, temos o conceito de negritude, enquanto construção de uma identidade racial e étnica negro-brasileira. Realidade, desafio e também problemática enfrentada, desde seu surgimento, pelo movimento negro e, ultimamente, também pelos pesquisadores que se debruçam neste tema.26 A expressão negritude, por um lado, passou a ser usada na década de 1930, por Léopold Sedar Senghor, do Senegal, e Aimé Césaire, da Matinica27 em seus textos. Senghor a usava com indicativo do patrimônio cultural, valores e espírito da civilização negro-africana. Para Césaire, este termo exprime o reconhecimento ������������������������������������������������������������������� O historiador Clóvis Moura, após o censo de 1980, fez uma pesquisa perguntando aos não brancos sobre sua cor. No resultado desta pesquisa foram levantadas 136 cores (M��������������� UNANGA��������� , 1999��� A�� ). 26 �������������������������������������������������������������������������� Há também o termo “b������������������������������������������������������ r����������������������������������������������������� ancura”, enquanto categoria. Este teve sua origem na segunda metade do século XVII, fruto da transformação social da colonização da América com ingleses, irlandeses, escoceses e outros europeus. Porém, “[...] os primeiros colonizadores brancos não tinham um conceito de si mesmos como homens brancos [...]. A expressão “branco”, com todo seu ônus de culpa e arrogância, só passou a ser de uso comum no final do século” (C��������� ASHMORE��, 2000, p. 97). Atualmente, mais do que superioridade ou pureza, a brancura significa privilégio e poder, conferindo vantagens e prestígios. 27 Dois grandes pensadores e batalhadores na luta contra o racismo anti-negro, referenciais do movimento negro. Léopold Sedar Senghor e Aimé Césaire, nascidos em 1906 e 1913, respectivamente, foram ambos poetas, escritores, políticos e companheiros de exílio na Europa. 25 226 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional de um fato, sua aceitação e assunção ativa do destino e cultura dos negros (FERREIRA, 2000). Por outro lado, enquanto conceito, a negritude nasce no momento em que estudantes negros dos países colonizados da África, Antilhas e Guianas, começaram a estudar nas universidades das antigas metrópoles. Estes estudantes, com o objetivo de assimilar o modelo cultural ocidental, tido como o único e o melhor que a humanidade já tinha produzido, começaram a perceber as contradições e rivalidades existentes entre as próprias potências coloniais. E, assim, paulatinamente começam a desfazer-se do mito da superioridade da civilização ocidental (MUNANGA, 1999a). Esse dar-se conta desafiou estes estudantes a enfrentar duas grandes questões interligadas: a recuperação da identidade de seu povo e a busca de emancipação, traduzidas em independência política. A conquista desses objetivos foi acompanhada pela tomada de consciência racial e pelo fato de que a opressão sofrida não se constituía somente de uma classe minoritária sobre uma majoritária inferiorizada, porém, simultaneamente, a de uma raça, independentemente da classe social. A identidade consiste em assumir plenamente, com orgulho, a condição de negro, em dizer de cabeça erguida: sou negro. A palavra foi despojada de tudo o que carregou no passado, como desprezo, transformando este último numa fonte de orgulho para o negro” (MUNANGA, 1999c, p. 51). Assim, a negritude surge como uma operação de desintoxicação semântica e de constituição de um novo lugar de inteligibilidade da relação consigo mesmo, com os outros e com o mundo. Desde a literatura, podemos perceber e classificar diferentes concepções de negritude: (a) negritude dolorosa é uma fase vivida, por exemplo, quando o poeta negro sofre a paixão dos sofrimentos 227 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional históricos, no esforço de sintonizar-se e comunicar-se com seu povo, através de sua arte; Com angústia e dor, sente medo de perder sua cultura e sua identidade no contexto ocidental; (b) negritude agressiva caracteriza uma fase de revolta, de negação da razão, do Deus branco, da beleza ocidental, das línguas europeias. A raça é reivindicada até nas suas carências; (c) a negritude serena é uma atitude construtiva de reconciliação dialética, um desejo de ascender a uma cultura universal. Sente-se como é bom proclamar constantemente sua negritude, evidente na conduta e nos hábitos de cada africano; (d) a negritude vitoriosa constitui-se na reivindicação da paternidade da civilização, em uma supercompensação idealizante, um verdadeiro messianismo. Esta classificação, “além de sua permanência, mostra também como um escritor pode passar de uma posição a outra, sem se trair, exprimindo-se, simultaneamente, sob vários registros” (MUNANGA, 1986). Construção de uma identidade negra positiva Desde a presença histórica e contemporânea de um racismo antinegro à brasileira, percebendo o lócus, status, classe social ... onde a maioria dos negros está, possuem e pertencem, respectivamente, não é surpresa constatarmos que a vivência da negritude e a construção de uma identidade negra positiva continuam sendo um desafio emergente. Desafio este que passa, em especial, pela participação em entidades e grupos do movimento negro. Em outras palavras, as entidades e grupos do movimento negro constituem-se em espaços onde é possível Aos negros viverem a polaridade existente entre autorreconhecimento e hetero reconhecimento, que se articula ao seu redor como identificação e diferença – dimensões imersas e constitutivas da própria identidade. A identificação acontece quando nós nos afirmamos por aquilo que somos, assim declarando a continuidade e permanência do nosso existir e solicitando que sejamos reconhecidos pelos outros. Por sua 228 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional vez, a afirmação da diferença se dá quando nós nos distinguimos dos outros e tentamos fazer reconhecer esta diversidade. Atualmente, já encontramos reflexões, pesquisas e análises desenvolvidas a respeito da trajetória identitária negra. Por exemplo, Ferreira (2000) denomina essa trajetória de estágios de construção da identidade negro-brasileira. Ou seja, conforme esse autor, a construção da identidade negra segue um processo constituído por quatro estágios: (1) no estágio de submissão há uma idealização do mundo branco como escudo, correspondendo a internalização de estereótipos negativos feita de maneira inconsciente, sintetizado na noção do “branco ser certo” e o “negro ser errado”; (2) o estágio de impacto é marcado pela descoberta do grupo étnico-racial de referência, desenvolvido pela pessoa a partir do momento da tomada de consciência da discriminação, quando brotam emoções como a culpa, a raiva e uma angústia generalizada, que poderão se tornar favoráveis por gerarem energias para a ação; (3) no estágio de militância acontece a construção de uma identidade afrocentrada, caracterizada por uma grande valorização dos símbolos da nova identidade em processo (jargões verbais, músicas, ritmos, penteados e roupas africanos), com a substituição da denominação “preto” ou “de cor” pela de “negro”, ocorrendo a dissipação das hostilidades do estágio anterior; (4) e, no estágio de articulação há uma abertura para a alteridade, com a nova identidade fundamentando-se em três funções dinâmicas: a defesa e a proteção de agressões psicológicas, o provimento de um sentido de pertença e ancoradouro social, e o ponto de partida e fundamentos para relacionamentos com pessoas de culturas diferentes daquelas referenciadas em matrizes africanas. Estes estágios sintetizam o processo em que vivemos quando temos a oportunidade e a coragem de assumir a negritude. A este desafio de vivência da negritude e construção de uma identidade negra positiva soma-se a realidade complexa, polêmica e ideológica da categoria dos mestiços no Brasil, onde, geralmente, apenas aqueles negros que se integram em uma entidade ou grupo 229 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional do movimento negro é que rechaçam esta categoria. Percebo que, assim como o mito da democracia racial, que se utiliza da ideologia do branqueamento e da questão da mestiçagem biológica e cultural impede o ingresso de muitos negros brasileiros nas entidades e grupos do movimento negro; e, consequentemente, da conscientização da importância deste, enquanto movimento social, também no processo de construção da identidade negra que existem muitos impedimentos e tentações. Impedimentos como: a jornada diária de um trabalhador negro, desde sua saída de casa até seu retorno no final da jornada; o contexto dos estudantes negros, que geralmente trabalham durante o dia e estudam à noite; e, os próprios problemas e desafios no interior das entidades e grupos do movimento negro. As tentações estão presentes em situações onde alguns militantes colocam em segundo plano o objetivo da causa, preocupando-se mais com a promoção pessoal; outros que, ao ingressarem na academia, praticamente desligam-se de seu grupo ou entidade negra; e, outros ainda, que priorizaram ou ficaram em apenas uma das etapas do processo de construção da identidade negra e vivência da negritude. Em nossa realidade, percebemos que o movimento negro contemporâneo aposta na construção da identidade, na recuperação da negritude entendida em sua complexidade biológica, cultural e ontológica; usando como caminho o resgate da sua cultura, do seu passado negado e falsificado, do dar-se conta de sua participação positiva na construção do Brasil, da beleza de seu fenótipo inferiorizado. Especificamente, tem presente que, se do ponto de vista biológico e sociológico a miscigenação e a transculturação entre os povos é um fato consumado; a identidade é um processo que sempre pode ser renegociado conforme os critérios políticoideológicos e as relações de poder. Ao mesmo tempo, enfrenta um nó no processo de formação da identidade brasileira que se constitui, por um lado, em uma autodefinição preconizada pelos negros politicamente mobilizados em suas entidades; e, por outro 230 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional lado, no descaso das bases negras, que são a maioria não mobilizada e não conscientes. No entanto, o movimento negro tem presente que, apesar dos empecilhos e dificuldades, sem a construção de uma identidade negra positiva, com a solidariedade de negros e mestiços, não existe vislumbre e muito menos caminho que possa desencadear um processo de implementação de políticas públicas a favor da comunidade e contra o racismo. Isto é, como afirma Melucci (1992), não é possível separar, rigidamente, os aspectos individuais, relacionais e sociais da identidade. Na história individual a identidade se apresenta como um processo de aprendizagem, que carrega a autonomia de um sujeito. Conclusão Ao me debruçar na elaboração da presente reflexão, tendo presente minha trajetória pessoal e acadêmica, fica mais forte o fato de que Melucci contribui e pode continuar contribuindo nesta realidade-desafio da vivência da negritude e construção de uma identidade negra positiva em terras brasileiras. Entre as muitas contribuições que Melucci (1992) traz com suas obras, destaco aqui três ideias, à guisa de conclusão, sobre a identidade. A primeira é o fato de que nossa unidade pessoal, produzida e mantida por meio da autoidentificação, fundamentase no pertencimento de um grupo e sobre a possibilidade de situarnos no interior de um sistema de relações. A segunda consiste no fato de que a diferença supõe uma certa semelhança e uma certa reciprocidade, por ser vista e afirmada como tal, o que constitui o paradoxo da identidade. E, terceira, é que nossa identidade tende a coincidir com os processos conscientes de individuação e não tanto como uma situação quanto como uma ação. 231 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Referências ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1999. ADÃO, Jorge Manoel. O negro e a educação – movimento e política no Estado do Rio Grande do Sul (1987-2001). Porto Alegre: UFRGS, 2002. Dissertação (Mestrado). Programa de PósGraduação em Educação, Faculdade de Educação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2002. BANTON, Michel. Racial theories. 2. ed. Cambridge: Cambridge University, 1998. BENTO, Cláudi Moreira. O negro e descendentes na sociedade do RS. Porto Alegre: Grafosul e DAC/SEC, 1976. CASHMORE, Ellis. Dicionário de relações étnicas e raciais. São Paulo: Selo Negro, 2000. FERREIRA, Ricardo Franklin. Afro descendente. Identidade em construção. Rio de Janeiro/São Paulo: Pallas/PUS-SP, 2000. 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Contudo, desde sua publicação, os conteúdos impostos não se consolidaram nos currículos escolares, fazendo-se necessário interrogar como e quais políticas públicas educacionais nos âmbitos federal, estadual e municipal têm sido delineadas, inclusive, no sentido de promover a formação de professores para a educação das relações étnico-raciais de modo que estejam preparados para novas abordagens e metodologias, onde a prioridade é despertar as competências básicas dos alunos no âmbito da referida Lei. Afinal, o professor é agente ativo no cotidiano escolar, educando para a construção de valores antirracistas que incluam crianças, jovens e adultos negros e garantam-lhes educação de qualidade. Este artigo se propõe a refletir a importância da formação do professor frente aos conteúdos impostos pela referida Lei. Ao fazê-lo, apresenta um breve histórico da referida lei, apontando seus fundamentos e exigências dada a necessidade de se estabelecer posturas pedagógicas que reconheçam as diferenças. Procura ressaltar aspectos que constituem a prática pedagógica, além de apontar algumas ações 28 Professora e Advogada. Especialista em Língua Portuguesa e em Educação de Jovens e Adultos. Mestranda em Educação da Universidade Católica de Brasília – UCB, desenvolve pesquisa na Cátedra UNESCO de Juventude, Educação e Sociedade/UCB. 235 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional empreendidas pelo Estado, que têm como escopo garantir o implemento legal, particularizando o ensino médio. Palavras-chave: Lei n.10.639/2003. Práticas pedagógicas. Formação de professores. Relações étnico-raciais e educação antirracista. Introdução Historicamente, as instituições educacionais têm se modificado em face das mudanças sociais, políticas, econômicas e culturais. Essa dinâmica social, por conseguinte, atinge a prática docente. Hoje, em face das políticas públicas que contemplam as novas demandas sociais no que diz respeito à implementação da Lei n. 10.639/2003, em busca da promoção da igualdade racial, fazse necessário discutir a formação dos professores. Na perspectiva da Lei em estudo, não se trata apenas de o professor ter conhecimento da existência e exigência do conteúdo legal, ou melhor, da obrigatoriedade da inserção das discussões voltadas para as relações étnico-raciais nos espaços escolares. Há necessidade da compreensão da temática trazida pela Lei que entra pela porta da frente, porque é uma alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Do ponto de vista da história da educação do negro no Brasil, isso é significativo (GOMES, 2010). O professor, ao reconhecer essa responsabilidade social, compromete-se. Conforme ratifica Freire (1996, p. 98), ao afirmar que ensinar exige comprometimento: Minha presença de professor, que não pode passar despercebida dos alunos na classe e na escola, é uma presença em si política. 236 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Enquanto presença não posso ser uma omissão, mas um sujeito de opções. Devo revelar aos alunos a minha capacidade de analisar, comparar, de avaliar, de decidir, de optar, de romper. Minha capacidade de fazer justiça, de não falhar à verdade. Ético, por isso mesmo, tem que ser o meu testemunho. Esse compromisso, no que tange a pensar em uma prática pedagógica em prol das relações étnico-raciais, envolve uma postura não omissa, ou seja, capaz de interferir em valores, posturas, estigmas e julgamentos excludentes presentes no interior da escola. Segundo Cavalleiro (2001, p. 152), as questões raciais, no cotidiano escolar, nem sempre são consideradas relevantes no fazer profissional: “No espaço escolar nem sempre os agentes estão conscientes de que a manutenção de preconceitos seja um problema”. Ao mesmo tempo, a lei para ser efetivada necessita de ações políticas e agentes capazes de colocá-la em prática. Nessa perspectiva, faz-se necessário o seguinte questionamento: o professor que atua no ensino médio está se preparando adequadamente para a busca de novas abordagens e metodologias, onde a prioridade é possibilitar ao estudante a compreensão dos problemas da sociedade, identificar causas e possíveis soluções, no âmbito da referida Lei? Neste artigo, apresenta-se um breve histórico da lei, destacando seus pontos mais marcantes, assim como verificar-se qual a importância da formação dos professores na construção de uma ação pedagógica frente às questões étnico-raciais e à diversidade cultural. 237 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Conhecendo a Lei A Lei Federal n.10.639/200329, que torna obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira em estabelecimentos oficiais e particulares e dá outras providências, surgiu da luta histórica dos movimentos sociais negros por uma educação antirracista. De acordo com Santos (2005), a atuação desses grupos pode ser observada, por exemplo, na década de noventa, quando obtiveram algumas reivindicações atendidas, como a reestruturação de livros didáticos, eliminando a figura do negro como ‘racialmente inferior’. Por sua vez, Bento (2006) enfatiza que o Movimento Negro representa um dos mais inovadores movimentos sociais brasileiros, orientado pelos seguintes objetivos: o combate às desigualdades raciais, a luta pela transformação social e a valorização da identidade e da cultura negras. Contudo, apesar das conquistas dos movimentos sociais negros e da consequente publicação da referida lei em 2003, o texto legal por si só não se constituiu na garantia efetiva de sua implantação nas escolas nacionais. Nesse sentido, vale verificar a orientação dada pela Lei n˚ 10.639/2003, que acrescenta à Lei n˚ 9.394/1996 os artigos 26-A, 79-A e 79-B, in verbis: Art. 26-A Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. § 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da 29 238 Lei Federal sancionada pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e promulgada em 9 de janeiro de 2003, altera a Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, para incluir no currículo dos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira e dá outras providências. Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. § 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras. Art. 79-B O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra” (BRASIL, 2010a). Observa-se que o texto legal estabelece novos caminhos para a educação escolar, ao voltá-la para as relações étnico-raciais, para o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, para o estudo da luta dos negros no Brasil e para a cultura negra brasileira e sua formação, no intuito de resgatar a contribuição do povo negro em todas as áreas. Além disso, determina que esses conteúdos sejam ministrados em todo o currículo e inclui o Dia da Consciência Negra no calendário escolar. Assim, com a criação da Lei Federal n.10.639, em 2003, assume-se do ponto de vista oficial, o caráter de urgência com que as referidas questões deveriam ser executadas e discutidas no interior da escola. No ano seguinte, em 2004, o Conselho Nacional de Educação elaborou parecer30 e exarou resolução31, instituindo as CNE/CP n. 03, de 10 de março de 2004, Parecer sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, onde ficam estabelecidas orientações de conteúdos a serem incluídos e trabalhados e suas respectivas modificações. 31 A Resolução CNE/CP n. 01, publicada em 17 de junho de 2004, detalha os direitos e obrigações dos entes federados frente à implementação da Lei n.10.639/2003. 30 239 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura AfroBrasileira e Africana. Ainda nesse compasso, recentemente, surge Proposta Nacional que trata das responsabilidades de cada órgão governamental e sistema de ensino nas ações para implementação da citada Lei, que, atendendo a anseios da sociedade civil, em conjunto com órgãos ministeriais, dá origem, em 2008, ao Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana – Lei n˚10.639/2003, cujo propósito é garantir que todo sistema de ensino e instituição educacional cumpram as determinações legais. Entre diversas ações expressas no referido Plano, determina, ainda, ações para os níveis de ensino e modalidades de ensino. No que tange ao ensino médio, nível abordado no presente artigo, contempla a juventude negra brasileira e relata: [...] esse é um dos níveis de ensino com menor cobertura e maior desigualdade entre negros e brancos. Em 2007, 62% dos jovens brancos de 15 a 17 anos frequentavam a escola, enquanto que o percentual de negros era de apenas 31%. Se o recorte etário for 19 anos, os brancos apresentam uma taxa de conclusão do ensino médio de 55%, já os negros apenas 33% (BRASIL, 2010b, p.48). Logo, o citado Plano reafirma a necessidade de enfrentar todas as formas de preconceito, racismo e discriminação para garantir o direito de aprender e a equidade educacional, a fim de promover uma sociedade mais justa e solidária nos sistemas e escolas. Nesse sentido, na coletânea ‘Racismo e anti-racismo na educação: Repensando nossa escola’, Cavalleiro (2001, p.7) organiza vários artigos sobre a questão do racismo em escolas brasileiras e 240 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional com muita propriedade afirma que há urgência em se buscar “uma política educativa a qual rompa com o staus quo, conteste os fatos de maneira profunda e consciente, evidencie a inexistência de uma democracia racial em nosso país.” Por essa razão, faz-se necessário ressaltar que a Lei em estudo constitui-se em elemento essencial na promoção social para a recuperação do negro como agente ativo do processo de formação da sociedade brasileira, cuja imagem, por séculos, foi deturpada e carregada de representações preconceituosas e racistas que se têm configurado nos conteúdos didáticos e no espaço da escola, tendo como sua mais grave consequência: a destruição histórica e social que determinado grupo fez de outro (BENTO, 1999). A importância do saber docente Para valorizar a diversidade cultural étnico-racial e pensar e atuar em prol de uma educação antirracista é necessário formação. Neste título, verificar-se-ão quais ações estão sendo voltadas para as questões étnico-raciais nas Instituições de Ensino Superior (IES), atualmente, no quesito formação profissional. À obrigatoriedade imposta pela recente legislação aliouse a necessidade de se formar professores de modo adequado. Neste sentido, em 2006, o Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad) publicou detalhado material com o intuito de implementar orientações e ações para a educação das relações étnico-raciais. Neste volume, há um capítulo intitulado ‘Licenciaturas’. Evidencia-se a preocupação em articular os pressupostos dispostos na Resolução CNE/ CP 1/ 2004 com a orientação para a formação dos docentes nos cursos de licenciatura, conforme o que segue: Desse modo, as instituições de educação superior devem: 241 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional [...] Capacitar os (as) profissionais da educação para, em seu fazer pedagógico, construir novas relações étnico-raciais; reconhecer e alterar atitudes racistas em qualquer veículo didático-pedagógico; lidar positivamente com a diversidade étnico-racial; Capacitar os (as) profissionais da educação a incluírem a História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos currículos escolares, assim como novos conteúdos, procedimentos, condições de aprendizagem e objetivos que repensem as relações étnico-raciais; Incluir as competências anteriormente apontadas nos instrumentos de avaliação institucional, docente e discente, e articular cada uma delas à pesquisa e à extensão, de acordo com as características das IES (BRASIL, 2006, p.124). Como se pode verificar há preocupação na formação desse profissional que tem a sua frente uma sociedade que almeja a inclusão, o respeito ao pluralismo cultural e, principalmente, a educação ao alcance de todos. Diante desses desafios, a formação inicial dos educadores deve ser articulada entre as Instituições de Ensino e as políticas educacionais, na inserção das referidas ações em seus projetos pedagógicos institucionais, e deve ser fiscalizada e avaliada pelos órgãos institucionais no intuito de verificar como as IES têm promovido a inclusão da temática das questões étnicoraciais em seus programas. Outro aspecto em relação à formação do professor diz respeito ao educador que já se formou e que já atuava nos sistemas e estabelecimentos de ensino antes da publicação legal, ou seja, de que modo esse educador pode acompanhar e envolver-se com 242 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional as novas questões apontadas pela Lei n.10.639? Santos (2005), ao realizar estudo sobre a referida Lei, enfatiza que: A legislação federal, segundo o nosso entendimento, é bem genérica e não se preocupa com a implementação adequada do ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. Ela não estabelece metas para implementação da lei, não se refere à necessidade de qualificar os professores (aqueles que já estão em sala de aula) dos ensinos fundamental e médio para ministrarem as disciplinas referentes à Lei n˚ 10.639, de 9 de janeiro de 2003, menos ainda, o que é grave segundo nosso entendimento, à necessidade de as universidades reformularem os seus programas de ensino e/ou cursos de graduação, especialmente os de licenciatura, para formarem professores aptos a ministrarem ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. Ao que parece, a lei federal, indiretamente, joga a responsabilidade do ensino supracitado para os professores. Ou seja, vai depender da vontade e dos esforços destes para que o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira seja ministrado em sala de aula (grifo nosso) (SANTOS, 2005, p.33). Essas falhas apontadas por Santos no que diz respeito à formação do professor são ratificadas pela Secretaria de Educação, Alfabetização e Diversidade (Secad): A organização consecutiva do Prêmio “Educar para a Igualdade Racial” do Centro de Estudas das relações de Trabalho (Ceert) tem ilustrado a quase totalidade das ações 243 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional desenvolvidas nas escolas sobre educação para as Relações étnico-raciais e ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, que não são institucionais; são ações individuais baseadas num esforço pessoal do/a educador/ a em lidar com as questões raciais em sua sala de aula (grifo nosso) (BRASIL, 2006, p.126). Contudo, a fim de superar essa lacuna em relação à formação continuada, algumas experiências têm despontado: a) Programa de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira (PENESB), curso lato sensu cujo objetivo é contribuir para que os docentes possam enfrentar e desestabilizar o racismo em educação; b) Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações Raciais e Educação (Nepre/ UFMT), que atua principalmente com atividades de formação continuada de professores, promovendo cursos de extensão que abordem aspectos teóricos e práticos, estimulando os professores à realização de pesquisas e à publicação nos Cadernos Nepre. Além disso, desenvolve cursos de Especialização lato sensu: Relações Raciais e Educação na Sociedade Brasileira; Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia (Ceaco/Ceafro/ UFBA) e Programa de educação e profissionalização para igualdade racial e de gênero, órgão de extensão universitária da UFBA que vem desenvolvendo ações várias em torno da história e cultura afrobrasileira, africana dentre outras, e tem o Ceafro como programa especialmente voltado para a educação. Assim, a formação do profissional é fundamental e deve ir além dos conteúdos, não podendo ficar dissociada da ação. A prática docente A prática docente consiste na atividade do professor, é o resultado da aplicação dos saberes acadêmicos agregados às ações 244 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional humanas em sala de aula. No dizer da equipe do Observatório da Juventude da Universidade Federal de Minas Gerais32 (UFMG): [...] a reflexão movimenta o sujeito, que cria uma prática baseada no ser humano ativo que ele é. Suas ações podem ser guiadas por preceitos e normas mais gerais, acordadas na coletividade, nas leis ou parâmetros oficiais, mas é a sua ação humana que dará o tom, que fará com que uma determinada opção metodológica ou temática seja encaminhada dessa ou daquela forma, são suas escolhas e sua atuação humana que traduzem em prática pedagógica o que está posto nos objetos materiais para o ensino, por definição, passivos (DARELL, 2006, p.139). Diante disso, como o professor pode inserir a temática das relações étnico-raciais no seu cotidiano escolar, nas suas escolhas, no que faz e nas decisões que toma? E em relação à juventude, mais particularmente ao ensino médio? Como conjugar o saber acadêmico às questões das relações raciais em favor de uma educação antirracista para essa modalidade de ensino? O livro ‘Orientações e Ações para Educação das Relações Étnico-Raciais’, ao dar direcionamentos para esta fase final da Educação Básica, salienta a necessidade de a escola reconhecer os jovens como sujeitos de uma história cultural, social, além 32 O Observatório da Juventude da UFMG é um programa de ensino, pesquisa e extensão da Faculdade de Educação, com o apoio da Pró Reitoria de Extensão. Criado em 2002, o programa realiza atividades de investigação, levantamento e disseminação de informações sobre a situação dos jovens na região metropolitana de Belo Horizonte. O programa situa-se no contexto das políticas de ações afirmativas, orientando-se por quatro eixos centrais de preocupação que delimitam sua ação institucional: a condição juvenil nas sociedades contemporâneas; as políticas públicas e as ações sociais voltadas aos jovens; as práticas culturais e as ações coletivas da juventude na cidade e a construção de metodologias de trabalho com jovens. 245 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional de “considerar as singularidades de cada grupo”, evitando-se considerar a juventude como apenas uma fase de preparação para a vida adulta, negando-lhe a existência e retirando-lhe a complexidade. Aliado a isso, recomenda conhecer o seu jovem aluno, desejos e necessidades, e reforça a construção do Projeto Político-Pedagógico, por meio do qual, toda a comunidade escolar criaria mecanismos de ação e transformação. O caderno ‘Gênero e Diversidade na Escola’ insere-se nesse perfil. Projeto pioneiro desenvolvido pelo Curso Gênero e Diversidade na Escola33 (GDE) organiza uma série de atividades relacionadas ao tema gênero, sexualidade, orientação sexual e relações étnico-raciais, cuja proposta é abordar a diversidade cultural no Brasil, considerando as distintas histórias dos alunos (pessoais, familiares, sociais e culturais). Com esse fim, propõe situações didáticas que podem ser adaptadas por todas as disciplinas e componentes curriculares. Apesar de o caderno não ser específico para os alunos do ensino médio, na medida em que prioriza o indivíduo, respeita o diverso e compromete-se com a formação cidadã vislumbra transformações concretas no jovem. Outras sugestões de atividades para o ensino médio são dadas no livro Orientações e Ações para Educação das Relações ÉtnicoRaciais, capítulo Sugestões de Atividades, p. 163. Desenvolvidas pelos Grupos de Trabalho (GT), essas propostas são inseridas nas três áreas: Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias; Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; e Ciências Humanas e suas Tecnologias. Recomenda-se a contextualização e a inserção do conteúdo das relações étnico-raciais em todo planejamento escolar, evitando-se práticas isoladas como em festas que se comemoram a libertação dos escravos ou o “Dia do Folclore”. 33 246 O curso Gênero e Diversidade na Escola - GDE é um projeto que visa à formação de profissionais da educação da rede pública e aborda as temáticas de gênero, sexualidade e igualdade étnico-racial. É fruto de uma articulação entre diversos ministérios do Governo Federal Brasileiro, o British Council (órgão do Reino Unido atuante na área de Direitos Humanos, Educação e Cultura) e o Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM/ IMS/UERJ) http://www.clam.org.br/gde. Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Além dessas sugestões, a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial 34 (SEPPIR) produz e disponibiliza recursos que podem ser utilizados em sala da aula, tais como: livros, mapas, cartazes, entre outros. O educador, ao construir sua prática pedagógica, tendo um olhar voltado para as questões étnico-raciais, e ao buscar a valorização do alunado negro, “devem estar dispostos a ouvir e ler o que ainda não foi lido ou ouvido nas escolas.” (BRASIL, 2006, p.196). Ou seja, buscar a reflexão sobre a sua própria prática o que possibilitará trabalhar com os alunos a questão da identidade, combatendo as formas de discriminação e preconceito. Conclusão A prática pedagógica se articula com o olhar do docente e o saber acadêmico, que são indissociáveis (FREIRE, 1996). No âmbito da Lei Federal n.10.639/2003, o pressuposto não é apenas a aquisição do novo conteúdo, mas pautar a temática racial na educação básica. A expectativa em relação à inclusão das questões voltadas para as relações étnico-raciais é de que os professores sejam promotores da igualdade racial e considerem em seu fazer a composição do povo brasileiro. Neste sentido, não há ação pedagógica neutra, ensinar é busca permanente, refletindo em que sociedade se encontra, qual modelo deseja reproduzir e qual o cidadão deseja formar. A implantação da Lei representou um grande avanço para a educação brasileira, mas são necessárias mudanças de atitudes nos currículos, na escola, nos projetos, particularmente, maiores investimentos na formação de seus agentes educativos. É preciso oferecer, nas esferas federal, estadual e municipal, formação inicial e continuada aos gestores, professores, coordenadores por meio da 34 Criada no dia 21 de março de 2003, Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial. A missão da Seppir é estabelecer iniciativas contra as desigualdades raciais no País, voltadas aos interesses da população negra e de outros segmentos étnicos discriminados. 247 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional qual poderão tratar os conteúdos legais não apenas em momentos festivos, mas durante todo o ano, já que as relações étnico-raciais devem encontrar espaço no planejamento escolar e no plano político-pedagógico. Referências BENTO, Maria Aparecida Silva. Cidadania em Preto e Branco. São Paulo: Ática, 2006. BRASIL. Lei nº 10639, de 9 de janeiro de 2003. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 9 jan. 2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/ L10639. htm>. Acesso em: 3 ago. 2010. ______. Ministério da Educação. Plano nacional de implementação das diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações etnicorraciais e para o ensino de história e cultura afrobrasileira e africana. Brasília: MEC, [s.d.]. Disponível em: <www.mp.pe.gov.br/uploads/.../planonacional_ 10.6391.pdf >. Acesso em: 3 ago 2010. ______. Ministério da Educação. Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações Etnicorraciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana. Brasília: MEC, [s.d.]. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/ cne/>. Acesso em: 3 ago 2010. ______. Ministério da Educação. Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico-Raciais. Brasília: SECAD, 2006. ______. Ministério da Educação. Gênero e diversidade na escola: formação de professoras/es em Gênero, Orientação Sexual 248 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional e Relações Étnico-Raciais. Caderno de Atividades. Rio de Janeiro: CEPESC, 2009. CAVALLEIRO, Eliane. (Org.). Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa escola. São Paulo: Selo negro, 2001. ______. Do silêncio do lar ao silêncio escolar. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2003. DARELL, Juarez e Outros. Escola e juventudes: desafios da formação de professores em tempos de mudança. In: DINIZ, Júlio Emílio; PEREIRA, Geraldo Leão (Org.). In: Quando a diversidade interroga a formação docente. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. p. 133-154. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. GOMES, Nilma Lino. Educação, raça e gênero: relações imersas na alteridade. Cadernos Pagu. São Paulo, n. 6-7, p. 67-82, 1996. 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Acesso em: 7 jul. 2010. 249 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Candomblé Iorubá: a relação do homem com seu orixá pessoal Francisco Thiago Silva35 Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal GERAJU, FE-UNB Resumo: Este artigo objetiva entender as relações e influências dos arquétipos dos orixás nos seguidores do Candomblé Iorubá a partir da revisão e análise crítica sob uma ótica comparativa de diversas fontes, principalmente as obras: O candomblé da Bahia (2001) de Roger Bastide, Orixás (1981) assinada por Pierre Verger e Mitologia dos Orixás (2001) de Reginaldo Prandi, autores que abordaram a ritualística candomblista sob diferentes formas, porém são unânimes em afirmar a existência de especificidades no culto candomblista entre o fiel e o seu orixá, resultando na construção identitária desses filhos e filhas de santo. Essa miscelânea de ritos que tornou a fé nos orixás uma religião de matriz africana, mas genuinamente brasileira, teve terreno fértil para se desenvolver em nosso território e a partir desse contato com uma nova cultura fundamentada na religião cristã foi transformada e se construiu com características próprias, atraindo hoje praticantes em diversos setores da nossa sociedade, sendo uma das mais importantes religiões afro-brasileiras. Palavras-chave: Candomblé, Orixás, Arquétipos, Identidade. 35 Aluno Especial do Programa de Pós-graduação, mestrado na Faculdade de Educação da Universidade de Brasília - UNB. Professor da Secretaria de Educação do DF desde 2005. Licenciado em História e Especialista em História e Cultura Afro-Brasileira. E-mail: [email protected] 251 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Os orixás podiam de novo conviver com os mortais. Os orixás estavam felizes. Na roda das feitas, no corpo das iaôs, eles dançavam e dançavam e dançavam. Estava inventado o Candomblé. (Mito Queto) Introdução Este artigo objetiva entender as relações entre os orixás e seus filhos estabelecidas no Candomblé Iorubá, procurando investigar de que maneira as características da entidade influenciam no comportamento do iniciado. Por meio da análise das visões de três importantes estudiosos do assunto: Roger Bastide, Pierre Verger e Reginaldo Prandi. Cabe salientar que a escolha por focar as percepções educacionais dessa pesquisa no candomblé ketu-nagô, se deve ao fato de que muito já foi escrito e estudado sobre esse culto, que se apresenta com certa organização e traços semelhantes entre as várias casas espalhadas pelo país, conforme Marina de Mello e Souza (2006), Reginaldo Prandi (1997) e Roger Bastide (2001). É importante destacar que inquices, voduns, caboclos apresentam uma quantidade razoável de referências literárias, porém a aproximação do autor se dá com os candomblés de matriz Iorubá. A prática destes cultos colocou o espaço do terreiro como uma forma de resistência cultural, formador de uma consciência coletiva libertária, tendo como base a construção da identidade subjetiva de cada praticante. Segundo Pierre Verger (1981), fotógrafo francês, estudioso e praticante do candomblé, autor de importantes estudos sobre as religiões de matriz africana, cada orixá tem um caráter próprio que é religiosamente atribuído e estendido aos seus seguidores, filhos ou 252 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional filhas de santo. O autor acredita que por meio dos mitos, a religião fornece padrões de comportamento que modelam, reforçam e legitimam o comportamento dos fiéis. Além disso, defende que essas relações se diferenciam a depender da região no qual o praticante se encontra. O fato de ele estar na África ou no Brasil interfere na qualidade das relações entre o indivíduo e seu orixá. Ou seja, na África a cerimônia do orixá é realizada pelo sacerdote e outros membros da “casa” têm apenas deveres materiais com a cerimônia. Nesse sentido, esta relação não é tão direta e pessoal quanto no Brasil, onde o praticante deve preparar de maneira pormenorizada o culto ao seu orixá e obedecer às exigências dele. O culto aos orixás aqui no Brasil ganhou formas e ritos específicos, a partir de uma mistura com outras crenças e passou a ter identidade própria, influenciando a vida e o cotidiano dos seus praticantes. Essa miscelânea de ritos foi trazida para o novo mundo principalmente pelos negros tornados escravos da costa ocidental africana. Nesse contexto três nações se destacaram ao perpetuar seus rituais: os negros jêje, os iorubás ou nação Queto e os bantos ou nação Angola Kewe Lijá Undé. Desse intercâmbio surgiu o candomblé que é um culto de matriz africana, mas genuinamente brasileiro. Dentro da fé candomblista, o orixá ocupa um posto importante, já que o mesmo comanda e rege toda a existência individual e coletiva de seu fiel. Portanto, é importante estudar até que ponto a personificação da entidade religiosa dentro do candomblé influencia e molda o caráter e externa suas atribuições e características, através da vida do filho de santo. Para realização dessa pesquisa, o tema será desenvolvido por meio da análise de diversas fontes bibliográficas, dentre elas, Mitologia dos Orixás, Herdeiras do axé, Os Candomblés de São Paulo todas escritas por Reginaldo Prandi. Utilizaremos ainda o livro Os Orixás de Pierre Verger e Candomblé da Bahia de Roger Bastide. 253 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Reginaldo Prandi, que é um estudioso renomado no campo antropológico com inúmeras pesquisas na área de religiões afro-brasileiras, traz uma interessante observação sobre a personificação das entidades nos fieis: em Mitologia dos orixás (2001) o autor apresenta trezentos e um mitos iorubanos, sempre em suas mais antigas visões. Nesta obra, Prandi escreve sobre a importância da relação do homem com o seu orixá, de forma que a ideia contempla coerentemente as propostas do presente artigo. Segundo ele, “Os orixás alegram-se e sofrem, vencem e perdem, conquistam e são conquistados, amam e odeiam. Os humanos são apenas cópias esmaecidas dos orixás dos quais descendem” (PRANDI, 2001, p.24). Roger Bastide é outro nome que se destaca na área de religiões africanas. Seu mais conhecido livro é O Candomblé da Bahia, onde descreve e comenta o funcionamento do candomblé iorubá, fortemente praticado nesta região. Muitos estudiosos são unânimes em concordar que ele foi o responsável por reafirmar o status sociológico do candomblé. Bastide acredita que a relação entre divindades e filho ou filha é levada para a vida cotidiana. Segundo ele: “O indivíduo não repete os gestos dos deuses apenas no transe, na dança, extática, mas também em sua vida cotidiana, em seu comportamento de todos os dias” (BASTIDE, 2001, p. 238). Entender essa crença e as relações estabelecidas entre deuses e homens é primordial para o reconhecimento dos arquétipos das divindades em cada praticante. Da África ao Brasil: Origens do Candomblé Apesar da variedade de cultos e de divindades existentes no continente africano, no Brasil, o termo candomblé foi o mais utilizado para designar as diversas práticas religiosas relacionadas ao culto dos orixás. Marina de Mello e Souza, em sua obra África e 254 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Brasil africano, discorre como a história escrita em nosso território registrou a presença e a fecundidade desses ritos, e a preponderância das crenças de origem iorubá. Como assegura Souza, outro conjunto importante de práticas e crenças mágico-religiosas de matrizes africanas que germinou no Brasil foram os candomblés, sendo do século XIX as primeiras referências a eles. Apesar de o termo pertencer à língua banto, no Brasil se refere a cultos religiosos de origem iorubá e daomana. Neles, as principais entidades sobrenaturais são os orixás, quando a influência iorubá é maior e voduns, quando a influência daomeana se destaca. Na Bahia, os iorubás também ficaram conhecidos como nagôs, e os daomeanos como jejês (SOUZA, 2006, p. 115). O culto candomblista teve origem na cidade de Ifé, na África, ao sudoeste da atual Nigéria e chegou as terras pertencentes a Portugal, como no caso do Brasil colônia lusa à época, entre os séculos XVI e XIX e acompanhou toda a trajetória da escravidão. Nessa época, os colonizadores achavam que o rito era baseado na feitiçaria e que tudo que fosse produzido nele era obra demoníaca. Por essa razão, a maioria dos praticantes adotou elementos do catolicismo romano, para disfarçar sua crença e não ser reprimidos ou duramente castigados pelos seus senhores. Era uma estratégia de ao mesmo tempo se proteger e resistir à dominação ao tentar preservar de forma disfarçada as suas tradições milenares. Um exemplo disso foi o uso por associação de nomes dos orixás com os de santos, dando início ao processo de sincretismo dentro dos cultos afro-brasileiros. Marina de Mello e Souza afirma que também os cultos jêjes e nagôs, aos voduns e orixás, adotaram santos e rezas 255 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional católicas, incorporando-os ao seu panteão de representações e ritos religiosos sem alterar a natureza das antigas crenças nem a maneira de se relacionar com o sobrenatural (idem. 19). No século XVIII, as cerimônias secretas eram chamadas de Calundus e, somente no século XIX, passou a ser designado de candomblé. Apesar da perseguição, o culto conseguiu arrebanhar muitos adeptos firmando-se como instituição religiosa, o terreno mais fértil para o seu desenvolvimento foram às cidades litorâneas da Bahia. A depender da região na qual se difundiu o Candomblé recebe várias denominações diferentes. Em Pernambuco é denominado Xangô, no Rio Grande do Sul é chamado batuque, no Maranhão é designado tambor de mina nagô e no Rio de Janeiro é conhecido como macumba. Porém, na Bahia é que se encontra maior registro desses rituais como explica Reginaldo Prandi. Para este autor, o candomblé dessas casas baianas mais estudados no período que vai de 1890 a 1970 popularizou-se com o nome de candomblé queto, por suas ligações históricas e afetivas com o antigo reino iorubá da cidade de Queto, em região hoje pertencente à República do Benin, embora o culto seja mesclado de elementos de outras religiões iorubanas da Nigéria e de procedência africana não iorubá, além do sincretismo católico, é claro (PRANDI, 1991, p.17). O candomblé baseia-se no culto aos orixás, deuses oriundos das quatro forças da natureza: Terra, Fogo, Água e Ar. Os orixás são, portanto, forças energéticas, desprovidas de um corpo 256 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional material. Sua manifestação básica para os seres humanos se dá por meio da incorporação durante as cerimônias. O ritual de possessão dentro dos cultos afro-brasileiros ainda desperta muitas indagações e curiosidade por parte das pessoas que não fazem parte das crenças. Porém, autores como Prandi investigaram e constataram que o rito de transe no candomblé vai muito além do momento em que acontece durante as festas, pois nesse instante ocorre um retorno ao passado mítico dessas divindades. Prandi acredita que, no candomblé, emblematicamente, quando o filho-de-santo entra em transe e incorpora um orixá, assumindo sua identidade representada pela dança característica que lembra as aventuras míticas dessa divindade, é o passado remoto, coletivo, que aflora no presente para se mostrar vivo, o transe ritual repetindo o passado no presente, numa representação em carne e osso da memória coletiva (PRANDI, 200, p.7). Aqui no Brasil costuma-se cultuar em torno de dezesseis orixás, dos quase duzentos existentes na África. São eles: Exu, Ogum, Oxóssi, Ossaim, Oxumaré, Obaluaiê, Xangô, Iansã, Obá, Oxum, Logun-Edé, Euá, Iemanjá, Nanã, Oxaguiã (Oxalá Jovem) e Oxalufã (Oxalá Velho). Os orixás são concebidos como entidades que estiveram no mundo dos homens por algum tempo e realizaram feitos importantes e sagrados, para, em seguida, retornar ao orum36. Porém, por onde passaram deixaram seu legado e sua marca: segredos, encantos, ensinamentos, a partir disso sua devoção foi se construindo e sendo passada de geração em geração. Essa noção de orixá está ligada diretamente ao culto em torno da família. 36 Nome dado ao céu dos Orixás. 257 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional O candomblé atua misturando o sagrado e o profano e a identificação com os ancestrais míticos pode ser o ponto mais importante da religião candomblista como acredita Prandi (1991), onde cada um tem seu guia pessoal e pode cultuá-lo agradando todos os seus desejos, pois o orixá tem sentimentos e desejos humanos e há toda uma série de obrigações que o filho de santo tem que cumprir para agradar sua divindade. Por exemplo, para agradar Ogum, deus do ferro, da guerra e da tecnologia, dependendo da cerimônia, é preciso fazer sacrifícios de animais, como o bode, o boi, o galo e de preferência às terças-feiras que é o seu dia. Além disso, oferecer ao orixá as comidas que ele mais aprecia: feijoada, o acarajé, o inhame assado e o milho branco. Esse tipo de oferenda dentro da tradição do candomblé, a comida de santo, é muito valorizada, pois através delas os homens ligam-se às suas divindades. A origem da fé candomblista está ligada à noção de resistência, pois era uma religião de escravos e ex-escravos, tanto que na fase inicial de formação dos cultos afro-brasileiros, a presença maciça era de negros, em maioria afro-descendentes de líderes religiosos. Hoje, porém, nas festas de candomblé, por exemplo, é comum a presença de variados tipos de etnias e das mais diversas esferas econômicas dentre os praticantes. Bastide, Verger e Prandi: Os Orixás e seus filhos - a personificação da entidade no comportamento do fiel Apesar dos anos que separam as pesquisas destes três estudiosos, ambos contribuíram e contribuem para fomentar os debates sobre as religiões de matriz africana, especialmente do candomblé. Roger Bastide e Pierre Verger escreveram obras sobre um culto em meados do século XX, que ainda perseguia o status de religião institucionalizada. Reginaldo Prandi analisa os novos rumos que o culto aos orixás tem tomado no Brasil. 258 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Bastide foi um dos autores que evidenciou em seus escritos quão grande é a importância da presença do orixá no corpo do filho ou filha. Segundo ele (2001), o status que o candomblista pode alcançar em determinado espaço religioso, está diretamente ligado a quantidade de seres que o orixá possui no indivíduo. Sobre arquétipos de personalidade, Pierre Verger (1981) pensa que o comportamento externo dos fieis do candomblé são as tendências da personalidade escondida de cada pessoa. Porém, ele defende que as experiências vividas pelo iniciado também vão moldar o caráter da divindade dona da cabeça, tendo em vista que a relação entre as partes é recíproca. O contato do sobrenatural (orixá) com o natural (seguidor) é tão sério na ritualística candomblista, que podem ocorrer, segundo Prandi (1997), doenças, morte, perdas materiais, abandonos afetivos, sofrimento do corpo, essas mazelas só podem ser evitadas através das oferendas e da obediência, o que vai gerar um equilíbrio entre deuses e adoradores. Essa tríade de afirmações também é confirmada por outros autores. Segundo José de Barros e Maria Teixeira (2000), geralmente após a iniciação no candomblé, os neófitos procuram aproximar-se ao máximo de seu mentor espiritual, por meio da imitação de suas características, pode-se pensar cada orixá com um arquétipo que informa e fornece padrões de temperamentos e comportamentos. Para compreender a complexa relação entre o fiel e seu orixá, é importante entender como funciona o transe e a importância que ele ocupa no ritual. Talvez o momento mais esperado pelos fiéis nas festas de candomblé é o transe, onde os filhos e filhas são tomados pela presença incorporada de suas entidades, num ritual de beleza, espetáculo e fé. Por meio da possessão, orixá e filho se tornam um só, é a prova viva do tipo de relação que cada um estabeleceu com sua entidade. Sobre esse assunto, Pierre Verger afirma que, 259 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional o orixá é uma força pura, axé imaterial que só se torna perceptível aos seres humanos incorporando-se em um deles. Esse ser escolhido pelo orixá, um de seus descendentes, é chamado de elégùn, aquele que tem o privilégio de ser “montado”, por ele. Torna-se o veículo que permite ao orixá voltar a Terra para saudar e receber as provas de respeito de seus descendentes que o evocaram (VERGER, 1981, p.10). Quando os participantes de qualquer manifestação religiosa prestam culto, devoção e adoração ao seu orixá ou a vários deles, a intenção dos adoradores é tentar aproximar-se o máximo possível das características de seus guias, reproduzindo os gestos, os sentimentos, construindo sua personalidade legitimada pela força e pela importância da entidade a ser copiada. O que vários estudiosos têm demonstrado por meio de suas pesquisas, é que essa reprodução do caráter da divindade na vida do fiel não acontece somente em determinados momentos de fervor religioso. No caso da religião candomblista, o que se tem observado é que antes de tudo, o filho de santo reproduz no seu cotidiano, as inúmeras marcas das características que cercam os orixás. Os traços das personalidades dos deuses africanos são traduzidos e repassados nos terreiros de santos por meio da narrativa da história mítica dos orixás, desde a cozinha, onde se prepara a comida de santo até os momentos que cercam a cerimônia religiosa nos barracões. Inúmeros pesquisadores têm reconhecido a importância desses relatos para manter vivas a raiz e a memória dos antepassados que vieram da África, mesmo que esses sejam ressignificados a partir do olhar cultural brasileiro. Ou seja, a construção da identidade do candomblista está relacionada com sua memória ancestral, suas tradições passadas, com sua origem e em 260 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional determinados momentos no tempo, sobre isso Kathryn Woodward afirma que, as identidades são produzidas em momentos particulares no tempo. Na discussão sobre mudanças globais, identidades nacionais étnicas ressurgentes e renegociadas e sobre os desafios dos “novos movimentos sociais” e das novas definições das identidades pessoais e sexuais, sugerir que as identidades são contingentes, emergindo em momentos históricos particulares (WOODWARD, 2000, p.38). A representação está relacionada à identidade e à diferença. Quando um determinado grupo é representado por meio das mais variadas formas, seja artística ou não, essa representação é que dará sentido a identidade, que é relacional, pois depende da diferença, ou seja, do outro, para se constituir. Como reflete Tomaz Tadeu Silva, é aqui que a representação se liga à identidade e à diferença. A identidade e a diferença são estreitamente dependentes da representação. É por meio da representação, assim compreendida, que a identidade e a diferença adquirem sentido. É por meio da representação que, por assim dizer, a identidade e a diferença passam a existir. Representar significa, neste caso, dizer: “essa é a identidade”, a “identidade é isso”(SILVA, 2000, p. 91). A obra Mitologia dos Orixás do sociólogo Reginaldo Prandi é um trabalho ímpar dentro dos estudos do candomblé. Neste trabalho, o autor reúne uma coletânea de 301 mitos sobre os deuses 261 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional iorubás. Nela são apresentados vários episódios do cotidiano desses personagens que retratam as suas experiências através de enredos que envolvem uma miscelânea de sentimentos: amor, alegria, inveja, ciúme, ódio, compaixão, dentre outros. Geralmente, os mitos iorubanos que têm os orixás como protagonistas, trazem situações que demonstram a carga de sentimentos que as entidades africanas carregam, nem sempre bem vistos para serem atribuídos a um deus, pelo menos na perspectiva ocidental cristã, na qual Deus representa sempre o bem e o Diabo, o mal. Esse maniqueísmo cristão não existe no Candomblé. Para Prandi, O candomblé opera em um contexto ético no qual a noção judaico-cristã de pecado não faz sentido. A diferença entre o bem e o mal depende basicamente da relação entre o seguidor e seu deus pessoal, o orixá. Não há um sistema de moralidade referido ao bemestar da coletividade humana, pautando-se o que é certo ou errado na relação entre cada indivíduo e seu orixá particular. A ênfase do candomblé está no rito e na iniciação, que, como se viu brevemente, é quase interminável, gradual e secreta (PRANDI, 1999, p.10). Esse relato ilustra bem como a essência dessas entidades penetra no ser de cada seguidor, e passa a fazer parte da existência do fiel. Por exemplo, se o orixá de um indivíduo é invejoso como Oxum, então quem o segue, tende a apresentar sentimentos próximos a esse em algum momento de sua vida secular. Isso acontece com todas as entidades do panteão brasileiro, que funcionam como espelhos e modelos para ditar ou pelo menos orientar a existência de seu seguidor. Para Alexandre de Oliveira Fernandes, Pierre Verger 262 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional se apóia na pesquisa de Gisèle Cossard para discutir arquétipos, segundo o que, os iniciados, geralmente, possuem traços comuns a seu orixá, tanto no biótipo, quanto em características psicológicas. O corpo do filho de santo, bem como suas ações em sociedade parecem ser espelho do orixá, tal qual seus mitos apresentam. Neste sentido, se Xangô é vigoroso, forte e elegante, Oxum possui feminilidade extrema e elegância, Iansã apresenta-se como força, energia e sensualidade, Oxossi com vivacidade e independência, Ogum com extrema força, rapidez e não muito bom humor, isso será reproduzido no arquétipo (FERNANDES, 1992, p.3). As pesquisas de doutorado da francesa Gisèle BinonCossard, conhecida no Rio de Janeiro como a mãe-de-santo “ialorixá Omindarewá”, foram fundamentais para compreender melhor as relações entre o fiel e a entidade. Um dos resultados de seus estudos está na obra Awô: o mistério dos orixás, na qual Binon-Cossard destaca a importância que a iniciação tem na vida do candomblista, de forma que após servir de “cavalo” para o orixá, ele passará a moldar aspectos pessoais da personalidade do seu próprio guia. Ou seja, cada um vai adquirir formas variadas, por exemplo, nenhum oxalá é igual ao outro. Por isso, quanto mais antiga for a iniciada, mais a personalidade de seu Orixá irá se desenvolver. Ela vai continuar correspondendo ao arquétipo tradicional de cada entidade, mas adquirirá nuances variáveis de acordo com cada um. (...) Tem-se o hábito de dizer que o orixá se desenvolve com o tempo, sem que 263 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional a iniciada tenha consciência disso, o mesmo aconteceu quando ela foi escolhida para tornar-se yawô, sem que tenha feito nenhum esforço para isso(COSSARD, 2006, p.160). Nesta perspectiva, as oferendas e o tempo que o iniciado dedica ao seu orixá são determinantes para a construção de uma relação mais íntima com a sua entidade. Percebe-se que conforme o grau de iniciação do candomblista vai evoluindo, a sua cumplicidade e ligação com o seu guia vão aumentando e tornando-se complexa, pois os praticantes do candomblé buscam ao máximo aproximar-se fisicamente e psicologicamente de seus deuses. Sobre isso, Prandi esclarece que maior o tempo de iniciação do filho, maior o grau de autonomia, privilégio, prerrogativas e poder que alcançará o orixá. Há uma relação de equivalência diretamente proporcional entre o saber iniciático do filho-de-santo (Omo-orixá, em iorubá) e a capacidade de expressão do orixá (PRANDI, 1991, p.72). Outra questão importante na relação entre o fiel e seu orixá é a “telepatia”. O filho sente na sua mente os comandos, as ordens e os conselhos de seu guia. O depoimento de uma ialorixá demonstra isso. Na dissertação de mestrado de Aislan Vieira de Melo (2004, p.166), há um relato interessante: segundo a Mãe de Santo Wanda de Oxum, “quando você é velho do orixá, no santo, quando você chega lá, é uma interpretação assim que você tem como se fosse uma telepatia. Você não precisa ir até lá e ouvir seu deus dizer ‘Bom dia Iyá’. Quando você entra ele fala por você na sua mente”. De maneira geral, toda a existência religiosa dos praticantes do candomblé é orientada pela passagem que o orixá teve aqui na Terra. As ações que ele realizou enquanto vivia no mundo terreno é que determinam como será o destino de quem resolve iniciar-se. 264 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Nesse sentido, muito das características psicológicas e morais que o fiel possui são atribuídas ao fato de ele ser filho de tal orixá. Assim, as personalidades do fiel e do guia se entrelaçam de tal maneira que fica, muitas vezes, difícil separar uma da outra. Prandi faz uma colocação muito interessante sobre esse assunto. Segundo ele, devido à estreita relação entre o orixá e o seu “cavalo” a comunidade a qual ele pertence legitima tanto as características positivas quanto negativas dos candomblista. Isto também está relacionado com o fato de não existir no Candomblé a dicotomia entre orixás bons e maus. Nessa perspectiva, esses estão muito próximos da humanidade de cada um, pois, como os seres humanos, têm sentimentos complexos e variados. Sobre estas questões, Prandi assevera que: nenhum orixá é nem inteiramente bom, nem inteiramente mau. Noções ocidentais de bem e mal estão ausentes da religião dos orixás no Brasil. E os devotos acreditam que os homens e mulheres herdam muito dos atributos de personalidade de seus orixás, de modo que em muitas situações a conduta de alguém pode ser espelhada em passagens míticas que relatam as aventuras dos orixás. Isto evidentemente legitima, aos olhos da comunidade de culto, tanto as realizações como as faltas de cada um (PRANDI, 1997, p.12). Além disso, não é o neófito37 que escolhe seu guia. Ele só fica conhecendo a que orixá pertence a partir do momento em que o chefe do terreiro utiliza-se do oráculo para revelar qual orixá é dono da sua cabeça. Só então o iniciado é convidado a conhecer quem foi, o que fez e como se apresenta esse poder que passará a reger toda sua vida e a justificar o que acontece ao longo de sua caminhada no plano terreno. 37 Recém iniciado na religião candomblista. 265 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Isso tudo faz parte da ritualística iniciatória, que vai além do aspecto religioso, trazendo uma série de aprendizagens ao neófito, todo conhecimento adquirido se relaciona aos deveres que devem ser dedicados ao seu deus pessoal: a forma de cultuá-lo, o modo de apresentar-se na comunidade de santo, as vestimentas, os gestos. Sobre esta questão, Reginaldo Prandi menciona que é na etapa da iniciação propriamente dita que o iniciante aprende a lidar com o transe, assumindo os papéis rituais que o transe implica. O iniciante fica recolhido por cerca de 21 dias (o que lhe permite aproveitar as férias anuais para fazer o santo), que são decisivos na sua carreira religiosa. Durante este período, passado todo ele no roncó, a clausura, os contatos com o mundo exterior cessam. (...) Na iniciação, o iaô, ou quase, iaô, aprende a dançar, aprende toda coreografia da festa pública que encerra o recolhimento, aprende os gestos e posturas do orixá no barracão (PRANDI, 1997, p. 177). Talvez o que mais marca a fase inicial de entrada na religião candomblista no aspecto físico do iniciado é a raspagem da cabeça, pois nesse momento o orixá passará a ter livre passagem pela vida do filho, pois o mesmo estará renascendo para dedicar-se fielmente ao seu guia. Em seu livro Candomblé de Ketu, o babalorixá Ominarê (2005) explica essa etapa, onde o filho de santo é então submetido à raspagem de cabeça, que é, em seguida, lavada com água dos axés, é o momento oficial onde a vida do iaô38 passa a pertencer ao seu guia (orixá). Ao adquirir um “dono”, o fiel passará a observar todas as vontades da força que o rege, os alimentos preferidos, os lugares e horas certas para adoração, dias de maior influência. Assim, cada 38 266 Iniciado no candomblé até o sétimo ano de iniciação. Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional vez mais é construída uma relação de proximidade e cumplicidade entre divindade e adorador, visto que cada vez mais o fiel herdará traços da personalidade do seu orixá. A partir disso, os estereótipos de personalidade são construídos sob a ótica do mundo candomblista e as ações, positivas ou negativas e as consequências delas na vida do fiel são o reflexo da subjetividade que cada orixá carrega e estende para seu filho durante toda a sua existência. Considerações Finais É clara e marcante a presença do negro africano nas bases da sociedade e da cultura brasileira, é difícil entender a história do Brasil sem considerar a influência dos bantos, dos iorubás, dos angolanos, enfim, de tantas nações que fazem do nosso país o que ele é, uma verdadeira mistura de culturas e crenças. Por isso, o culto candomblista vai além dos rituais estritamente religiosos que acontecem nos barracões. Em cada casa de candomblé percebe-se a existência de uma sociedade, de hábitos próprios, o que vai além da compreensão religiosa. Antes de tudo, como culto religioso, o candomblé oferece aos seus seguidores a possibilidade de encontrar e construir sua própria identidade por meio da relação com seu orixá, assim, a religião possibilitará a construção do caráter do seguidor, principalmente no que tange ao seu relacionamento com seu pai sobrenatural, pois a partir desse contato, a personalidade de ambas as partes irá se construir mutuamente. Essa devoção está presente nas relações de todos os tipos, mesmo as que não envolvem somente pessoas ligadas aos cultos afro-brasileiros, as entidades ligadas aos seus seguidores podem determinar desde a carreira até os relacionamentos pessoais que o fiel virá a ter. 267 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Como numa relação cotidiana entre seres humanos, o relacionamento divino entre o filho e o orixá, deve ser pautado pelo respeito, pela devoção e pelo amor, pois eles serão os condutores de todas as ações de seus fiéis. Muitas vezes nem percebemos, mas ás vezes, até num simples ato, como o de cozinhar, por exemplo, temos a presença, ou melhor, a regência, de quatro ou cinco, ou até mesmo seis dessas forças, os Orixás. São eles, na grande maioria das vezes, os condutores de nossas ações. E essa convivência é eterna. Cabe a nós, algumas vezes, torná-las benéficas e pacíficas (BARCELLOS, 2005, p.43). A presença do orixá na formação do caráter do candomblista é perceptível e ocupa papel fundamental nas bases dessa religião afro-brasileira.Verger (1981) justifica essa dependência ao orixá ancestral, como traço marcante na construção subjetiva do indivíduo. É preciso se desligar de valores civilizatórios racistas para tentar compreender como a ritualística religiosa do candomblé molda a personalidade do adepto, por meio dos mitos, dos hábitos, dos rituais. A maneira mais clara de observar isso está no desenrolar cotidiano das relações sociais pelas quais essas pessoas vivem; na escola, em casa, no trabalho, na sociedade em geral, onde os filhos de cada entidade em algum momento da vida irão expressar traços da subjetividade que cada orixá carrega, pois já dizia Bastide (2001) que o candomblé é muito mais que uma visão religiosa, antes é uma forma de construir o homem. Podemos perceber que, a cada dia, os ritos candomblistas ganham espaço e são respeitados, um avanço, pois o culto, de origem estritamente negra, está se expandindo e não mais está entrelaçado e identificado como uma religião específica de determinado grupo. 268 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Enfim, essa discussão pretendeu, a partir da análise teórica das visões de estudiosos renomados sobre o assunto, e da opinião dos praticantes e líderes religiosos, abordar diversas ideias acerca das relações dos fieis do candomblé iorubá com seu orixá pessoal, demonstrando que essas divindades regem a vida do fiel em todos os sentidos. A expressão “tal pai, tal filho” como acredita Prandi (1997) resume claramente a maneira como o seguidor do candomblé toma os atributos do seu orixá, como se fossem os seus próprios, na busca incessante de ser de fato, uma cópia do seu protetor. Aos poucos a ligação entre orixá e aprendiz vai estreitandose, pois ambos passam a manter um relacionamento íntimo, de reciprocidade e de afeto. Referências BARCELLOS, Mario Cesar. Os Orixás e o segredo da vida: lógica mitologia e ecologia. Rio de Janeiro: Pallas, 2005. BARROS, José e TEIXEIRA, Maria. O código do corpo: inscrições e marcas dos orixás. In: MOURA, Carlos Eugênio Marcondes de (Org.). Candomblé: religião de corpo e alma. Rio de Janeiro: Pallas, 2000. BASTIDE, Roger. O candomblé da Bahia: rito nagô. Tradução de Le candomblé de Bahia, de 1958. 3. Ed. São Paulo: Nacional, 1978. Nova Edição: São Paulo, Cia. das Letras, 2001. ______. As Religiões Africanas no Brasil. São Paulo: Pioneira, 1989. ______. Estudos Afro-Brasileiros. São Paulo: Perspectiva [Estudos 18], 1973. 269 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional BRAGA, Maria Lucia. VIII Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais, 16 a 18 de setembro de 2004, Coimbra. 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Acesso em: 12 jul. 2008. 271 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Desigualdade social, educação e literatura infantil: aspectos relevantes para um projeto de identidade étnico-racial na escola Lucilene Costa e Silva39 Resumo: O artigo aqui apresentado tem como elementos principais os estudos sobre a conexão existente entre currículo, cultura e construção das identidades através do ensino da cultura africana e afro-brasileira e, ainda, evidencia a riqueza de material pedagógico que constitui a literatura infantil que trata dos conhecimentos de África e dos afro-brasileiros. Estes elementos fazem parte da reflexão, ao longo do texto, por conterem em si a possibilidade de subsidiar a implementação da política de valorização da população negra dentro dos princípios que nortearam a mudança do artigo 26A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que torna obrigatório o ensino de Historia da África e dos afro-brasileiros nos currículos da educação básica das redes pública e privada. Para a compreensão das exclusões às quais a população negra está submetida, são apresentados alguns dados sobre as desigualdades no campo da economia e da educação, divididos pelas categorias negros e brancos. A abordagem sobre a legislação enfatiza o currículo escolar como um dos meios para a afirmação das identidades, fazendo a reconstituição da história negada e distorcida sobre a formação social brasileira. Para esta ampliação na visão pedagógica dos atores educacionais, é evidenciada no trabalho a importância das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Culturas Afro-Brasileira e Africana. Por fim, é apresentada a literatura infantil afro como possibilidade de subsidio para uma pedagogia 39 ��������������������������������������������������������������������������� Professora da Secretaria de Estado de Educação, graduada em pedagogia/UCB, especialista em psicopedagogia/UNIVERSO, especialista em História da África/UNB, mestranda em Políticas Públicas e Gestão da Educação – Relações Raciais/UNB, membro do grupo de pesquisa GERAJU/UNB – gênero, raça e juventude. 273 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional que contemple a educação para as relações étnico-raciais por conter representações sociais positivas sobre o fenótipo negro e também por trazer elementos das culturas africana e afro-brasileira. Palavras-chave: Currículo. Identidade negra. Cultura. Literatura infantil. Introdução A escola tem, entre muitas funções, socializar os indivíduos, torná-los capazes de viver em sociedade à plenitude de sua individualidade, de suas diferenças físicas e culturais e da sua relação de pertencimento a grupos que possuem histórias distintas. A educação é um importante meio de transformação da sociedade e de fortalecimento de identidades. Superar as propostas curriculares que desenvolvem processos educacionais hegemônicos voltados para uma única parcela da sociedade é um grande desafio para a educação brasileira. Romão (2005) aborda a questão do sistema de educação concebido de forma universal e a visão de mundo eurocêntrica impondo modos de ser e de conceber os seres humanos e promovendo a subordinação de povos através da imposição da cultura: Estamos dentro de um sistema de educação considerado universal, que transmitiria em hipótese a essência da cultura humana, na sua diversidade. No entanto, esta visão de universal funcionou como imposição de uma visão eurocêntrica de mundo. As idéias de ocidente e a cultura ocidental são utilizadas como parte da dominação cultural. No trato dado ao universal, desaparecem as 274 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional especificidades, ficam as categorias gerais que são as da cultura greco-romana, judaico-cristã. Essas culturas fundamentam o eurocentrismo e desconhecem como relevantes as expressões de africanos e afro-descendentes. (ROMÃO, 2005, p.254). Gomes (2008) afirma que o ser humano se constitui na vivência das diferenças e semelhanças em um processo complexo de interpretação do mundo. O importante neste processo de constituição é a não hierarquização das diferenças e a compreensão de que uma educação voltada para a diversidade não é um apelo romântico do século XX e início do XXI, mas uma cobrança feita por grupos marginalizados, exigindo equidade de tratamento nas diversas áreas sociais, inclusive na educação formal. Para superar o ensino cuja função, em vários momentos, foi manter as relações de poder através do currículo, os pesquisadores chamam a atenção para a possibilidade de educação multicultural e socializadora das várias culturas pertencentes às três principais matrizes que deram origem à sociedade brasileira. Neste sentido, Moreira (2008) contribui ao evidenciar o seu entendimento sobre currículo e sociedade: [...] estamos entendendo currículo como as experiências escolares que se desdobram em torno do conhecimento, em meio a relações sociais, e que contribuem para a construção das identidades de nossos/as estudantes. Currículo associa-se, assim, ao conjunto de esforços pedagógicos desenvolvidos com intenções educativas. ( p.18). A pouca importância dada aos assuntos que se referem ao continente africano não é um problema só do Brasil. Porém, o percentual de pessoas que se denominam negras é de 275 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional aproximadamente 49,8% da população, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra em Domicílio (PNAD, 2006), o que torna bastante significativa a revisão dos currículos dos sistemas educacionais no sentido fazer valer o direito desta população à sua história. Compreendendo que a educação é um fator de mudança e possibilidade de ascensão social, a população negra está em desvantagem em relação à possibilidade de ter uma vida digna tanto do ponto de vista material quanto de valorização e respeito à pessoa humana. Segundo a publicação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Retratos das Desigualdades (2008), cujas análises evidenciam a situação socioeconômica da população brasileira desagregada pela categoria raça, os indicadores sociais pesquisados de 1996 a 2007 mostram que entre os 10% mais pobres da população, 67,9% eram negros, caindo esta proporção para 21,9% no grupo dos 10% mais ricos. Quando analisada a renda per capta, ficou evidente que 20% da população branca situava-se abaixo da linha de pobreza, enquanto mais que o dobro, ou seja, 41,7% da população negra se encontrava na mesma situação. Em outra análise do IPEA (2008), tomando como base os dados da PNAD e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), evidencia-se que o índice de analfabetismo é maior para a população negra, com taxa de 13,6% da população pesquisada, enquanto para a população branca, o índice é de 6,2%. No quesito média de anos de estudo, a população negra apresenta taxa de 6,5 anos, enquanto a população branca, 8,3 anos. As análises mostram ainda que a população negra está em desvantagem quanto ao número dos que frequentam o ensino médio com idade de 15 a 17 anos, que é de 42,2%. Para a população branca, este número sobe para 61,1%. As políticas que promovem o acesso à educação foram eficazes para garantir que um maior número de crianças e jovens negros e brancos ingressassem no sistema educacional, mas as diferenças de trajetória ainda são significativas, configurando 276 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional um estado de desvantagem para a população negra no processo educacional brasileiro. Os dados acima evidenciam a diferença dos grupos branco e negro nos quesitos desenvolvimento econômico e processo educacional. Outras questões voltadas para a constituição dos sujeitos, incluindo a dimensão subjetiva das crianças e jovens no espaço escolar, são difíceis de evidenciar devido ao caráter subjetivo das relações baseadas nas representações sobre a população negra que chega à sala de aula, aos materiais didáticos e passam a fazer parte do cotidiano de negação e estereotipia em que crianças brancas e negras se constituem como sujeitos. Falar de educação básica é ter que mencionar o grande desafio da educação, que, conforme alertam Osório e Soares (2005), é diminuir a disparidade entre brancos e negros no quesito escolarização para construir um projeto social de crescimento e desenvolvimento econômico em que todos partam do mesmo patamar, com as mesmas condições de lutar por melhores condições de vida. Analisar, inicialmente, a situação de atraso na trajetória escolar de crianças, jovens e adultos negros e negras é concluir que as políticas universais não dão conta de romper com duas desigualdades: a de classe e a de raça. Ainda que haja intersecções entre as duas, o racismo é outro constructo que serviu para justificar a dominação e o enriquecimento de nações, povos, elites e classes sociais. Além disso, por si só a ascensão dos mais pobres não resolverá a questão das desigualdades raciais porque essas desigualdades são revestidas pelo racismo40 que se encontra impregnado no imaginário social no qual negros e negras têm suas representações vinculadas a trabalho desqualificado, incapacidade intelectual, seres exóticos e naturalmente inferiores. Com base nos dados apresentados, evidenciam-se dois questionamentos: pode o racismo ser um fator que contribui para 40 ������������������������������������������������������������������������ Racismo, segundo Sant’Ana (1998, p. 12), “é uma ideologia que postula a existência de hierarquia entre os grupos humanos”. 277 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional o insucesso e a evasão da criança negra do espaço escolar? E quais são os efeitos do racismo na infância? Estas questões ainda não possuem respostas, porém os indicativos já mencionados apontam para um conjunto de fatores que evidenciam a difícil convivência da criança negra no espaço escolar, podendo ser o ambiente da sala de aula, em vez de acolhedor, hostil e agressivo, além de poder, ainda, contribuir para o abandono da escola em algum momento da trajetória educacional. Legislação e diretrizes: por uma Pedagogia para a diversidade étnico-racial Na perspectiva de garantir ao povo uma educação que assegure o direito à diversidade, a Constituição Federal é o primeiro documento oficial que garante a cidadania para a população negra brasileira. Em 2003, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) passou por alteração no seu texto, tendo sido impulsionada pela política de valorização da população negra através da Lei n°. 10.639/03, que acrescentou novos dispositivos ao artigo 26, denominando-o, a partir de então, 26A e que orienta para a valorização da população negra através de um currículo que evidencie o legado cultural dos africanos trazidos para o Brasil, tornando assim, obrigatório o Ensino da Cultura Africana e AfroBrasileira nos currículos da educação básica das redes pública e particular. Botelho (2006), em seu trabalho com ênfase na cultura religiosa afro-brasileira, trouxe questões relacionadas à difícil construção da identidade negra em um ambiente escolar em que a história do povo africano é contada de forma a favorecer a não aceitação do passado da população negra brasileira, a negação das influências culturais plenamente observadas em grande parte do território do Brasil pelos festejos, língua, vivência religiosa, modos de 278 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional ser e de se organizar. As consequências deste currículo educacional empobrecido, por mostrar um único modelo de cultura e não representar a multirracialidade da sociedade, são a impossibilidade de crianças e jovens negros se sentirem parte importante e positivamente influente na cultura nacional brasileira. Buscando a compreensão sobre o que ensinar, para quem ensinar e que tipo de sociedade a escola pretende produzir, Silva discorre sobre a função dos conhecimentos na construção dos seres humanos: [...] as teorias do currículo, tendo decidido quais conhecimentos devem ser selecionados, buscam justificar por que “esses conhecimentos” e não “aqueles” devem ser selecionados [...] Nas discussões cotidianas, quando pensamos em currículo pensamos apenas em conhecimento, esquecendo-nos de que o conhecimento que constitui o currículo está inextricavelmente, centralmente, vitalmente, envolvido naquilo que somos, naquilo que nos tornamos: na nossa identidade, na nossa subjetividade. Talvez possamos dizer que, além de uma questão de conhecimento o currículo é também uma questão de identidade. (SILVA, 1999, p.15). As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana têm como objetivo orientar as ações pedagógicas no sentido de contribuir para que os direitos de todos ao currículo que trate da diversidade cultural e promova a construção das identidades negras e de ações de combate ao racismo sejam assegurados. 279 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional A disciplina História tornou-se um elemento importante do currículo para uma educação de sujeitos ativos, participantes de sua própria história, mas, e a História da África nas séries iniciais? Que objetivos tem a educação brasileira nos anos iniciais com tais conhecimentos? A construção de um currículo que contemple as diferentes matrizes da cultura brasileira e a diversidade humana tem como perspectiva romper com o racismo que permeia as relações sociais na escola. As crianças brancas também são muito prejudicadas no que tange a ausência de uma formação voltada para o respeito às diferenças e a vivência dos princípios fundamentais para todos os seres humanos, pois passam a se enxergar como seres superiores em beleza e cultura e a constituírem seus sentidos subjetivos41, naturalizando a hierarquia sobre o outro. O fato de pertencerem ao grupo cujos feitos históricos são mundialmente reconhecidos, sendo, inclusive modelo de civilização para a humanidade, faz com que estas crianças acreditem que têm um lugar especial naturalmente reservado para elas. A branquetude42, não só no aspecto físico, mas também subjetivo, é uma construção silenciosa que se expressa no modo de ser e agir destas crianças e começa a influenciar na maneira como tratam os outros e como atuam nos espaços sociais. O ensino da cultura africana traz consigo a possibilidade dos pequenos educandos conhecerem outras culturas, com diferentes elementos, modos de ser e viver e estes novos conhecimentos são possibilidades para enxergar o outro como diferente, sem hierarquizar seus modos, sua religião e seu corpo com base em um único modelo de ser humano e cultura. Cultura, identidade e história apresentarão sempre aspectos críticos ao serem tratados, pela carga política que essas definições e Rey (2003) define como a unidade inseparável dos processos simbólicos e as emoções num mesmo sistema. 42 Segundo Bento (2002), se relaciona à força hegemônica de ser branco. 41 280 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional conceitos encerram. A educação transmite a cultura. Assim, ela reserva o direito de dizer o que é cultura. Cabe, antes, qualquer de qualquer coisa, perguntarmos qual educação, para quem e para que? A educação faz a seleção dos temas por um critério unicamente ideológico, político, mas se ampara nas ciências para justificar as escolhas. Vemos que as ciências fazem um esforço para serem consideradas neutras, e também verdadeiras. As definições de cultura e história abrangem sempre concepções sobre as quais não existem uma unanimidade de perspectiva, e as definições fazem parte da cena do confronto político entre grupos sociais. (ROMÃO, 2005, p.256). A história da África nas séries/anos iniciais viria com a função extra de promover a familiarização das crianças com os elementos que constituem o universo africano com suas diferenças. As lendas, histórias, mitos, provérbios, modos de pensar e viver no mundo, a fauna e a flora, a relação do africano com a terra são reveladores da cultura de um povo e, no caso, estes elementos da cultura africana e afro-brasileira serão um preparativo para estudos futuros com uma compreensão mais apurada do que seja a África em seus vários aspectos. Literatura infantil como instrumento auxiliar para uma Pedagogia multicultural Na atualidade, os estudos pós-coloniais têm, de forma relevante, tratado das identidades surgidas a partir das interações entre as diferentes culturas. As questões do poder e da legitimação de determinadas identidades têm sido analisadas do ponto de vista da 281 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional teoria das representações sociais43 neste artigo, por buscar elucidar as ligações simbólicas que estabelecem sentidos no imaginário e propiciam a emergência e o arquivamento de campos conceituais a respeito de coisas, pessoas e culturas. Esse pensar sobre a sociedade remete o sujeito a pensar sobre si mesmo e a atribuir identidades, reconhecer as diferenças e fortalecer a própria identidade. A literatura em geral constitui uma modalidade de construção de sentidos na qual as representações perpetuam ou criam novos sentidos, alterando os conceitos e modos de conceber a realidade e construindo as relações de pertencimento identitários. A literatura afro tem características evidentes nos pressupostos do seu nascimento como uma possibilidade de referência cultural positiva para crianças negras e brancas, opondose à literatura infantil cuja cultura abordada evidencia a cultura europeia em que os autores dos famosos clássicos infantis retrataram espaços geográficos estranhos aos olhos dos brasileiros. Sobre esta ideia, Munanga contribui ao constatar que: Ora, a maior parte das crianças está nas ruas. E aquelas que têm a oportunidade de ser acolhida não se salva:a memória que lhe inculcam não é a de seu povo ; a história que lhe ensinam é outra; os ancestrais africanos são substituídos por gauleses e francos de cabelos loiros e e olhos azuis;os livros estudados lhe falam de um mundo totalmente estranho, da neve e do inverno que nunca viu, da história e da geografia das metrópoles; o mestre e a escola apresentam um mundo muito diferente daquele que sempre a circundou (MUNANGA, 2009, p.35). 43 282 ���������������������������������������������������������������������� Moscovici (2009) define como uma maneira específica de compreender e comunicar o que nós já sabemos. Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Não se trata de pensar a literatura como tendo uma função utilitarista e com fins didáticos, mas não desvinculá-la das determinações sociais, do tempo, do espaço e das questões ideológicas que envolvem a sua concepção. Literatura infantil é arte e, como tal, não está isenta das influências exteriores e das motivações pessoais de cada autor. O fato é que passa a fazer parte do currículo da escola. O entendimento da importância da literatura fez com que fosse pensada uma política de formação de leitores que culminou no Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), pelo qual acervos são disponibilizados para os alunos e alunas. Estudos sobre África para séries iniciais, na forma de literatura infantil, podem ser uma grande possibilidade pedagógica que vem ao encontro de toda proposta curricular que tenha como conteúdos o estudo dos diferentes grupos, a interação da criança com o meio e a resolução de questões íntimas e subjetivas relativas à identidade negra e branca, através das representações sociais positivas que uma boa literatura deve conter no sentido de não perpetuar estigmas. A riqueza das histórias, seus signos e significados, mitos e imagens da cultura africana e afro-brasileira conseguem permear a imaginação das crianças e estabelecer construções conceituais e, muitas vezes, a escola não se dá conta da importância deste currículo como parte da complexidade que constitui a formação das personalidades das crianças e o estabelecimento de novos valores humanos voltados para a aceitação das diferenças. Também para este fim da educação, a literatura infantil é um instrumento muito importante. A literatura infanto-juvenil apresenta-se como filão de uma linguagem a ser conhecida, pois nela reconhecemos um lugar favorável ao desenvolvimento do conhecimento social e à construção de conceitos. A psicanálise folheou 283 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional as ingênuas obras e nos contou uma história de profundos conflitos psíquicos, relacionando personagens a chaves emocionais, como abandono, perda, competitividade, autonomia etc., que auxiliaram na ordenação da caótica vida interna da criança em formação. Para além de uma função, a terapêutica, as narrativas voltadas para um leitor jovem apresentam o dinamismo das diferentes culturas humanas e o que imaginamos ser um espaço de significações, a emoções, ao sonho e á imaginação. (LIMA, 2008, p.97). A utilização da literatura infantil para redimensionar os conhecimentos sobre a África e os afro-brasileiros numa nova perspectiva de representação social constitui uma boa opção para atrair as crianças e inserir os conteúdos, uma vez que a literatura oferece imagens e textos repletos de um vasto conhecimento que, muitas vezes, os educadores não dominam, mas que se tornam acessíveis e relevantes para informar e introduzir as crianças em vários assuntos, como a geografia da África, costumes de uma determinada sociedade, modos de produção, crenças, vida familiar, entre outros assuntos colocados como eixos temáticos nos Parâmetros Curriculares e que podem, com o auxílio da literatura infantil, ganhar materialidade pedagógica. Toda obra literária, porém, transmite mensagem não apenas por meio do texto escrito. As imagens ilustradas também constroem enredos e cristalizam as percepções sobre aquele mundo imaginado. Se examinadas como um conjunto, revelam expressões culturais de uma sociedade. E se pensarmos neste universo literário imaginado pela criação humana, como um espelho 284 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional onde me reconheço através de personagens, ambientes, sensações? Nesse processo eu gosto e desgosto de uns e outros e formo opiniões a respeito daquele ambiente ou daquele tipo de pessoa ou sentimento (LIMA, 2008, p.98). A literatura infantil relacionada aos estudos africanos surge para suprir parte da carência de visibilidade e de identidade cultural das crianças negras nos sistemas de ensino. Durante muito tempo, pesquisadores como Lima (2000) e Sousa (2001), entre outros, que desenvolveram trabalhos tendo como objeto de análise a literatura brasileira, concluíram, quase sempre, que este recurso cultural muito esteve carregado de preconceitos tanto na forma de representar imageticamente44 a população negra quanto na ausência de textos que fizessem menção à cultura afro-brasileira e africana. As questões abordadas brevemente neste tópico tiveram como objetivo evidenciar a literatura como possibilidade de subsídio para a auxiliar a transposição do artigo 26A da LDBN que trata da cultura afro-brasileira e africana para o currículo e ainda desconstruir estereótipos sobre a população afro-brasileira. Considerações finais O desafio de incluir nos currículos a História da África e Afro-Brasileira ficou dependendo de outros fatores, além da legislação, ligados à formação do professor e da professora e também do modo como as instituições concebem os fins da educação e constroem seus currículos a partir de reflexões sobre as demandas sociais. 44 ������������������������������������������������������������������������� Moscovici (2009, p. 46) afirma que representação=imagem/significação, em outras palavras, a representação iguala toda imagem a uma idéia e toda idéia a uma imagem. 285 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional A óbvia conclusão é de que formalmente, cotidianamente na escola, o ato de educar está principalmente nas mãos dos professores e, embora não sejam os únicos responsáveis, devem receber o maior número possível de informações sobre a história da constituição da diversidade social brasileira, das diferentes culturas e do direito que os educandos têm de acesso ao currículo e às suas construções identitárias no espaço escolar. A educação para as relações étnico-raciais está amparada por um conjunto de leis muito importantes para afirmar legalmente a necessidade do trabalho pedagógico que inclua a todos e todas de maneira igualitária, considerando as diferenças humanas e de cultura. São muitos os fatores que promovem a diferença de escolarização entre negros e brancos, porém a valorização de todas as matrizes que compõem a sociedade brasileira constitui processo importante na área da educação, no sentido de superar as desigualdades educacionais e proporcionar maior índice de sucesso escolar entre as crianças negras. O desafio maior é transformar as determinações legais em práticas pedagógicas cotidianas nas salas de aulas, bem como adequar materiais didáticos para uma educação de fato antiracista. É possível inferir que o currículo voltado para a educação das relações étnico-raciais contribua para fortalecer a construção identitária da criança negra para que esta se sinta valorizada no espaço escolar e conclua a trajetória educacional sem as marcas deixadas pelas relações sociais racistas. A literatura infantil e a infanto-juvenil com temas voltados para os estudos afro-brasileiros e africanos estão em expansão e surgiram para atender a demanda por reconhecimento da cultura e da identidade da população afrodescendente de forma positiva. Como outras literaturas, têm um viés político e ideológico porque surgem com objetivos de trazer ao conhecimento de todos e todas, uma cultura negada nas propostas curriculares das graduações e da educação básica, mas vivenciadas no cotidiano da língua, da comida, dos festejos, danças e costumes do povo brasileiro. 286 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Referências ANDRADE, Inaldete Pinheiro de. Construindo a auto-estima da criança negra. In: Departamento de Políticas de Educação Infantil e Ensino Fundamental, 2006. BOTELHO, Denise.Religiosidade afro-brasileira: a experiência do candomblé.BRASIL. Ministério da Educação. Educação Africanidades Brasil. Brasília: MEC, 2006. BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Ministério da Educação. Secretaria Especial para a Promoção da Igualdade Racial. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Brasília, 2006. ______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Universidade de Brasília. CARNEIRO, Moacir Alves. LDB fácil. Petrópolis: Vozes, 2009. CARONE, Iray; BENTO, Maria Aparecida Silva (Org.). Psicologia social do racismo: estudos sobre branquetude e branqueamento no Brasil. 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Consta também nessa abordagem a questão das políticas de ações afirmativas nas universidades estatais, concomitantemente a importância da universidade para a ascensão social dos negros e a aprovação no Congresso Nacional do Estatuto da Igualdade Racial como uma conquista da população negra brasileira. Palavras-chave: Movimento Negro. Avanço. Educação. Introdução O objetivo deste texto é refletir e explicitar os principais avanços educacionais do Movimento Negro brasileiro a partir da realização da Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida, ocorrida em 20 de novembro de 1995, por 45 ���������������������������������������������������������������������� Pós-Graduado em Didática e Pedagogia da História e Cultura Africana e Afro-Brasileira; Docência do Ensino Superior pelo Instituto Educacional Multidisciplinar de Brasília – IMPAR-DF; Licenciado em História pela Faculdade Projeção – DF; Membro do GERAJU- Grupo de Pesquisa em Educação e Políticas Públicas: Gênero, Raça/Etnia e Juventude, FE – UNB. Professor da Universidade Estadual de Goiás – UEG. E- mails: kkostta@ yahoo.com.br, [email protected]. 289 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional ocasião dos 300 anos do falecimento do herói negro Zumbi dos Palmares, comumente chamada Marcha Zumbi; pois, a educação é o ponto de partida para que se possa melhorar as condições de vida de uma população em qualquer contexto no Brasil, e também para a população afro-brasileira. Tendo em vista que o eixo norteador das lutas e reivindicações do Movimento Negro brasileiro é a educação, reflito no presente texto sobre os principais avanços desse movimento social nesta área; considerada por seus idealizadores e militantes como questão fundamental no combate ao racismo, à discriminação racial e às desigualdades raciais, historicamente comprovadas em nosso país, como confirma Hasenbalg (1979) e Santos (1997 citado por Sales Augusto dos Santos 2005, p. 21): A abolição da escravatura no Brasil não livrou os ex-escravos e/ou afro-brasileiros (que já eram livres antes mesmo da abolição em 13 de maio de 1888) da discriminação racial e das conseqüências nefastas desta como a exclusão social e a miséria. A discriminação racial que estava subsumida na escravidão emerge, após a abolição, traspondo-se ao primeiro plano de opressão contra os negros. Mais do que isso, ela passou a ser um dos determinantes do destino social, econômico, político e cultural dos afro-brasileiros. No contexto dos avanços educacionais do Movimento Negro brasileiro nas décadas finais do século XX e inicial do XXI, cito o trabalho educacional desenvolvido pelo bloco carnavalesco Ilê Aiyê nas escolas de vários municípios baianos. Aqui, tenho como exemplo de uma ação prática de valorização das raízes africanas e de instrução e conscientização dos descendentes dos negros brasileiros; a opinião de Terezinha Bazé de Lima (2002) sobre pluralidade cultural e o combate à discriminação racial na escola, conceito de cultura e respeito às diferenças culturais, étnicos-raciais e sociais, 290 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional utilizando-se a diversidade étnica e cultural do Estado do Mato Grosso do Sul como referência; a visão de Luis Fernando Martins da Silva (2003) sobre a universidade como divisor de águas para as classes sociais menos favorecidas, para o combate à discriminação racial e ruptura do ciclo de pobreza. Também é parte integrante deste texto a respeitável opinião de dois negros ocupantes de altos cargos na estrutura do poder no Brasil: Joaquim Barbosa Gomes (2003), ministro do Supremo Tribunal Federal, sobre o conceito jurídico de políticas de ações afirmativas e a implementação dessas políticas como atitude reparadora do Estado brasileiro da discriminação racial histórica contra os negros. E a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial no Congresso Nacional com a participação do Movimento Negro. Como resposta às lutas do povo negro brasileiro, que perdura desde o século XVI e às demandas contemporâneas da população negra, na opinião do Senador da República Paulo Paim (2006) do Partido dos Trabalhadores do Rio Grande do Sul (PT/RS). Outra abordagem sobre o Movimento Negro que considero importante citar é a volta à Brasília dez anos após a realização da Marcha Zumbi (1995), intitulada “Marcha Zumbi +10”; que produziu o documento Manisfesto à Nação (2005) para reafirmar o descontentamento da nação negra brasileira, apesar de alguns avanços, com as autoridades estatais no tocante ao combate do racismo, à discriminação racial e às desigualdades sociais. Breve Trajetória Histórica do Movimento Negro Brasileiro Na história dos negros no Brasil sempre houve registros de resistências e lutas contra a situação degradante que lhes era imposta, sejam os quilombos e as revoltas urbanas na época da escravidão, as lutas pela sobrevivência como libertos, num longo período após a abolição; seja nas manifestações culturais e religiosas, como forma de resistência e esforço para evitar a miséria, nas décadas iniciais 291 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional do século XX. Especificamente, em nível histórico, conforme Munanga (1999), Pinto (1992) e Nabarro (2000), é praxe subdividir a trajetória do Movimento Negro brasileiro em três fases, que são as seguintes: Movimento Negro Pré-Abolicionista (até 1888); Movimento Negro Pós-Abolicionista (até a década de 1970); e, Movimento Negro Atual. Sobre o Movimento Negro Pré-Abolicionista, conforme Adão (2002, p. 73), explicito alguns protestos dos negros em defesa da liberdade que já existiam desde a saída forçada da África, no século XV, e na travessia do Atlântico antes da chegada às costas americanas. Encontram-se registrados em documentos inúmeros levantes, revoltas, fugas individuais e coletivas, suicídios e abortos voluntários de mulheres escravizadas. Nesse contexto, o autor destaca que: No quotidiano do negro do regime escravista, subjaz, pulsa e sustenta-se uma práxis educativa e informal, cujo cerne é a cosmovisão africana: uma cultura da vida, concretizada e rememorada na tradição oral, reforçada no culto aos orixás que, por sua vez, funda, cria, dinamiza, restitui e substitui o axé (força vital) (ADÃO, 2002, p. 73). De acordo com Adão (2002), o clima de fugas, organizações de vivências da liberdade deram o tom da práxis educativa informal negro-brasileira. Pois na senzala as crianças negras eram preparadas para o sonho quilombista, enquanto no Quilombo eram educadas para manter a liberdade conquistada. Não obstante, a abolição da escravatura não se deu da noite para o dia, ela foi resultado de revoltas, insurreições e de lutas nomeadas como abolicionistas. Este autor enfatiza que, em especial, na segunda metade do século XIX, destacam-se fatos importantes nas lutas sociais a cerca da questão dos escravos, tais como: a Primeira Greve de Escravos-Operários do Brasil (1847), em uma metalúrgica criada pelo Visconde de 292 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Mauá; Lei do Ventre Livre (1871), que tornou livres os filhos dos escravos nascidos no Brasil; e Lei Euzébio de Queiróz (1850), que aboliu o tráfico negreiro no Brasil. No contexto do Movimento Negro Pós-Abolicionista, destaca-se o período de 1930 a 1964, no qual o Movimento Negro criou a Frente Negra Brasileira – FNB e o Teatro Experimental do Negro – TEN. De acordo com Adão (2002), oficialmente e formalmente o negro só teve acesso a educação após 1888, nesse sentido, a educação tornou-se um dos objetivos centrais do Movimento Negro pós-abolicionista, em suas lutas e reivindicações. Exemplifico aqui, a práxis educativa do quotidiano do Movimento Negro com as ações educativas da FNB: Suas atividades educacionais merecem ser reconhecidas pelo alto grau de abrangência e organização: desenvolveu cursos da música, inglês, educação física e formação social, juntamente com atividades de carpintaria e corte e costura que, na prática, funcionavam, também, como cursos profissionalizantes. Essas associações tiveram muitas dificuldades, e só levaram adiante suas atividades com muitos esforços e colaboração de voluntários (PINTO, 1992, p. 28, citado por ADÃO, 2002, p.79). Com Adão (2002) destaco o TEN como marco importante do Movimento Negro Brasileiro, apesar de sua atuação ter abrangido dimensões culturais, artísticas e sociais; ou seja, o TEN desenvolveu trabalhos educativos instruindo os negros a continuar a tradição de protesto e organização, ao mesmo tempo, procurou reivindicar o reconhecimento do valor civilizatório da herança africana e da personalidade negro-brasileira. Para este autor, na década de 1930, a ênfase era para que o negro se instruísse e se escolarizasse, por isso o TEN colaborou com as críticas às autoridades por não terem dado a devida atenção para a instrução dos negros após a abolição. 293 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional No tocante ao Movimento Negro atual, presentifico o entendimento de Maria Auxiliadora Gonçalves da Silva (1994) sobre as ações políticas e de indignação do Movimento Negro brasileiro. Neste contexto, esta autora relata que no dia 18 de julho de 1978, durante um ato de protesto nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo, foi fundado o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNUCDR); mais tarde sendo denominado apenas de MNU, como resultado da integração de várias entidades e grupos do Movimento Negro paulista e carioca, inicialmente. Para enfrentar as perseguições da ditadura militar, o Movimento Negro Unificado se estruturou juridicamente em nível nacional, estadual e municipal com Programa de ação, Estatuto e Carta de Princípios. E, assim, exemplifica o descontentamento desse Movimento: [...] Para nós da comunidade negra, os 100 anos da Abolição não refletem a liberdade através de todo este século, praticamente nada mudou, continuamos escravos. Nos é imposta toda uma série de infindável barreiras e preconceitos que não permitem nossa ascensão social. Partimos das senzalas para os morros e bairros afastados. E quando um de nós consegue melhor condição social, pagamos um preço muito alto, tais como: ironia, discriminação agressiva de não pertencermos a esta classe [...] Estamos com a programação que tem como objetivo desmistificar o mito da democracia racial tão propagada no Brasil. (texto introdutório do convite para o dia 20 de novembro – Dia Nacional da Consciência Negra, 1988, citado por SILVA 1994, p. 61). 294 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Ainda no contexto do Movimento Negro Atual, abordo o pensamento de Carlos Alberto de Paulo (2002), que destaca três acontecimentos como “marcos” referenciais do Movimento Negro no Brasil: a criação do Movimento Negro Unificado – MNU, em 1978; a realização do Primeiro Encontro Nacional de Entidades Negras em São Paulo em 1991 - I ENEN; e a Marcha Zumbi dos Palmares Contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida, ocorrida em 20 de novembro de 1995, em Brasília. O autor buscou, neste último evento, as referências necessárias para desenhar o cenário que configurou os pressupostos da luta contra o racismo protagonizada pelo Movimento Negro. A Educação no Contexto dos Avanços após a Marcha Zumbi Após a realização da Marcha Zumbi, o Movimento Negro conseguiu avanços significativos em diversas áreas que compõem os eixos temáticos de suas reivindicações; principalmente na questão educacional, nas esferas Municipal, Estadual e Federal, com abrangência que vai do Ensino Fundamental ao superior. Um bom exemplo de conquistas do Movimento Negro foi o projeto “Experiências Educativas para Populações Negras”, do bloco carnavalesco Ilê Aiyê, com sede no bairro Curuzu-Liberdade em Salvador, no Estado da Bahia (BA). De acordo com Antonio Carlos dos Santos, Vovô e Jônatas Conceição da Silva (2002), o Ilê Aiyê foi um marco da resistência político-cultural das raízes africanas na sociedade brasileira. Segundo Vovô e Silva (2002), a idealização do Ilê Aiyê teve como referências teóricas informações do movimento negro estadunidense nas décadas de 1970 e 1980, as lutas de independências de países africanos e a resistência cultural afro-brasileira originária do Candomblé (religião brasileira de matriz africana). Para esses autores, foi a partir desse referencial que o Ilê Aiyê desenvolveu 295 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional inúmeros estudos direcionados à educação da população afrodescendente, com ênfase na solidariedade dos negros entre si, no respeito à história da mulher negra e na valorização das religiões de origem africana. Conforme Vovô e Silva (2002), o Ilê Aiyê desenvolveu um ensino informal da história das civilizações africanas e afrobrasileiras na medida em que, a cada carnaval, desde 1975, o bloco cantava em homenagem a nações do continente africano e abordava fatos da história de lutas do povo negro brasileiro. A experiência educativa do Ilê prioriza a vertente cultural afro-brasileira, elegendo como referencial fundamental a música. Foi a trilha escolhida para fazer com que afrodescendentes ou não, tomassem conhecimento do ‘Mundo Negro’. Esta é a tese principal da Entidade: através do conhecimento vem a auto-estima; a ignorância é superada e as pessoas negras não são eliminadas; o preconceito e as discriminações dão lugar à aceitação das diferenças; as oportunidades de vida digna para todos aumentam (VOVÔ; SILVA, 2002, p. 24). Segundo Vovô E Silva (2002), em 1995, o Ilê Aiyê iniciou um processo de ensino formal com a criação do “Projeto de Extensão Pedagógica”, que se desenvolveu com experiências culturais e educativas produzidas pela entidade no bairro CuruzuLiberdade e posteriormente difundido no Brasil e no exterior. Para tanto, os autores destacam que: O acervo de material educativo que incluía um vasto repertório música, discos, estamparias, pesquisas históricas, vivências religiosas, histórias orais, práticas sócio-educativas, etc. 296 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Começa a ganhar visibilidade maior a partir dos anos 90, permitindo que o Ilê Aiyê fizesse importantes parcerias para consolidar o seu projeto sócio-educativo. (VOVÔ; SILVA, 2002, p. 25). De acordo com Vovô e Silva (2002), dentre as parcerias citadas, o Ilê Aiyê obteve apoio financeiro e metodológico de instituições importantes como Fundação Odebrecht, Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e convênios com as Secretarias de Educação do Município de Salvador e do Estado da Bahia (BA). Com esse suporte, o Projeto teve acesso às escolas para desenvolver: “[...] o trabalho de capacitação dos professores da Escola Mãe Hilda e de professores das principais escolas públicas da Liberdade, visando a introdução dos temas da história negra no planejamento curricular”. (VOVÔ; SILVA, 2002, p. 25). Outro ponto do projeto educacional do Ilê Aiyê abordado por Vovô e Silva (2002) foi a publicação sistemática de Cadernos de Educação que, em 2002, já contava com dez volumes, com abrangência em temas importantes sobre a história dos negros no Brasil, dentre os quais, os 300 anos de Zumbi dos Palmares, publicado em outubro de 1996, Terra de Quilombo, publicado em abril de 2000 e a Revolta dos Malês publicado em maio de 2002. (VOVÔ; SILVA, 2002). Vale ressaltar que esse trabalho do Ilê Aiyê vem corroborar um dos principais objetivos do Movimento Negro brasileiro, que é a conscientização da população negra através da valorização de suas raízes africanas. Nesse sentido, a simples experiência de cantar em homenagem às nações africanas torna-se educação informal e posteriormente formal, trazendo em seu bojo a valorização da cultura africana e afro-brasileira; com o intuito de instruir os negros, melhorar sua autoestima através do conhecimento e ao mesmo tempo combater o preconceito e a discriminação racial latente da população brasileira. 297 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Outro avanço importante do Movimento Negro, em âmbito estadual, pode ser observado no artigo da professora Doutora Terezinha Bazé de Lima intitulado “Pluralidade Cultural e o Combate à Discriminação Racial na Escola”, tendo como referência o Estado do Mato Grosso do Sul. Segundo Terezinha Bazé de Lima (2002), o Mato Grosso do Sul (MS) é um Estado rico em diversidade étnico-cultural por fazer fronteira com vários Estados brasileiros e com países como Paraguai e Bolívia. Além de existirem no território sulmatogrossense negros, quilombolas, aldeias de índios. Isso tudo torna esse Estado um caldeirão cultural. De acordo com Lima (2002), para desenvolver um trabalho educacional com a temática pluridade cultural no combate ao preconceito racial, é importante refletir sobre a concepção de cultura: [...] A cultura é os costumes, as tradições, a língua, a raça, a religião, enfim, os valores da diversidade humana. Ser culto não é ter escolaridade simplesmente, mas sim, ser você mesmo preservando seus valores, seus costumes, falando a sua língua e apreciando as diferenças, amando e respeitando a si e seus semelhantes (Lima, 2002, p. 30). Lima (2002) entende que para uma conscientização sobre a pluridade cultural é preciso reconhecer e respeitar as diferenças, sejam elas étnicas ou culturais e afirma que os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs trouxeram uma boa proposta nesse sentido; pois tratam de um novo “ensinar-aprender”, objetivando incorporar o cotidiano social e cultural no cotidiano escolar e destaca que: Entre os muitos temas e documentos que compõem os PCNs, o que diz respeito à pluralidade cultural é especialmente 298 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional inovador. Apresenta uma noção afirmativa de diversidade cultural, como riqueza humana a ser explorada, fonte de conhecimento e denso material a ser usado nas escolas em praticamente todas as disciplinas (LIMA, 2002, p. 31). Para Lima (2002), a pluralidade cultural precisa ser vista como um direito, como forma de afirmação social, como um modo de reconhecer a dignidade dos grupos que a representam. Para tanto, é preciso que o professor no seu trabalho, em sala de aula, saiba compreender aqueles estudantes que são alvo da discriminação racial e desenvolva práticas docentes voltadas para a cidadania, reconhecendo e valorizando a diversidade cultural. Nesse sentido afirma que: As ações do Movimento Negro representam um dos mais originais e promissores movimentos sociais na sociedade brasileira. Pelo menos dois objetivos orientam a ação das entidades negras e isso tem qualificadamente transformado o comportamento do Negro brasileiro e consequentemente do Mato Grosso do Sul: o combate às desigualdades raciais e a luta pela transformação social e a valorização da identidade e da cultura negra (LIMA, 2002, p. 32). Segundo Lima (2002), a discriminação racial no Brasil se dá de duas formas: a direta, que é a adoção de regras gerais estabelecendo distinções através de proibições, e a indireta, que são situações aparentemente neutras, mas que acabam criando desigualdades em relação ao outro. Para superar essas formas de discriminação social, Lima (2002) afirma ser necessária a criação e implementação de várias políticas públicas nesse sentido. E destaca que: 299 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional As esferas governamentais terão, portanto, um desafio maior que é o de continuar a propagar as idéias de não discriminação, e ao mesmo tempo, difundir os ideais de tolerância e de respeito aos direitos humanos. Enfim, a construção de uma sociedade que não discrimine passa por mudanças de atitudes bem radicais a começar pelo reconhecimento de que a discriminação existe até mesmo no cotidiano das pessoas (LIMA, 2002, p. 33). Dentre os avanços do Movimento Negro nos últimos anos, indiscutivelmente, o maior deles foi conseguir abrir o debate sobre desigualdades raciais no âmbito do Governo Federal e entre intelectuais renomados em várias áreas do conhecimento; mais precisamente no tocante à educação em nível superior. Nesse sentido, têm-se as ações afirmativas (políticas de cotas) como o ponto mais polêmico desse debate. Para Joaquim Barbosa Gomes (2003), ao discutir a implementação de políticas afirmativas, o Estado considerou que houve uma discriminação histórica no passado que causou desigualdades no presente e que tais políticas são necessárias para fomentar a igualdade de oportunidades, seja no mercado de trabalho ou em instituições educacionais. E afirma que: [...] As ações afirmativas podem ser definidas como um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero, por deficiência física e de origem nacional, bem como para corrigir ou mitigar os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivos a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens 300 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional fundamentais como a educação e o emprego (GOMES, citado por SANTOS; LOBATO, 2003, p. 27). Segundo Gomes (2003), entre os teóricos do Direito Público no Brasil, Carmen L. Rocha traduziu uma completa noção acerca do enquadramento Jurídico-Doutrinário das ações afirmativas e as classificou como a mais avançada tentativa de se concretizar o princípio jurídico da igualdade. Para tanto, essa autora afirma que: A definição jurídica objetiva e racional da desigualdade dos desiguais histórica e culturalmente discriminados é concebida como uma forma para se promover a igualdade daqueles que foram e são marginalizados por preconceitos encravados na cultura dominante na sociedade. Por esta desigualação positiva promove-se a igualação jurídica efetiva; por ela afirma-se uma forma jurídica para se provocar uma efetiva igualação social, política, econômica no e segundo o Direito, tal como assegurado formal e materialmente no sistema constitucional democrático. A ação afirmativa é, então, uma forma jurídica para se superar o isolamento ou a diminuição social a que se acham sujeitas as minorias (ROCHA, 1996, citado por SANTOS; LOBATO, 2003, p. 28). De acordo com Luis Fernando Martins da Silva (2003), a universidade representa uma mobilidade de ascensão social que mais influencia na ruptura do ciclo de pobreza, o que a torna um divisor de águas entre as classes sociais e afirma que: Por isso, o tema ação afirmativa, e seus mecanismos como a implementação de reservas de vagas (cotas) no ensino público 301 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional superior para os afro-descendentes, recolocou na pauta dos debates públicos no Brasil a questão racial e a luta anti-racista, e vem suscitando vigorosas divergências jurídicas sobre a constitucionalidade dessas políticas públicas, que atingiram o seu ponto mais alto com o ajuizamento de mais de duzentos mandados de segurança individual e de duas representações de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, e uma ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal (SILVA, citado por SANTOS; LOBATO, 2003, p. 59). Segundo Silva (2003), a agenda de estudos e debates sobre ações afirmativas no Brasil, especialmente na área de educação, não é recente e deve-se ao incessante trabalho do Movimento Negro, que vem fazendo inúmeras denúncias por todo país, sobre a falta de igualdade de oportunidades para os afro-descendentes. Para Silva (2003), a discriminação racial está presente no sistema educacional brasileiro e causa enormes dificuldades aos afro-descendentes no acesso à educação formal. Para esse autor, tal discriminação tem raízes no passado histórico de colonialismo e escravidão que, ainda hoje, apresenta nefastos resultados nos índices de escolaridade dos afro-descendentes, gerando um círculo vicioso de pobreza e marginalização social. Vale ressaltar que as discussões sobre políticas de ações afirmativas não se restringem apenas ao poder executivo, pois foi aprovado no Senado, em 2003, o “Estatuto da Igualdade Racial” posteriormente alterado por um substituto do Senador Paulo Paim (Partido dos Trabalhadores do Estado do Rio Grande do Sul - PT/RS). 302 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Segundo Paim (2006), a luta do povo negro brasileiro começou no século XVI e, durante muito tempo, não teve vez nem voz; portanto, para continuar lutando contra essa realidade e conquistar os espaços que foram negados aos negros brasileiros, em conjunto com o Movimento Negro foi pensado e aprovado o Estatuto da Igualdade Racial que é: [...] um conjunto de ações afirmativas, reparatórias e compensatórias. Sabemos que esses tipos de ações devem emergir de todos e de cada um. Devem partir do Governo, do Legislativo, da sociedade como um todo e do ser humano que habita em cada um de nós. Felizmente isso vem acontecendo. Talvez pudessem ser mais numerosas, mas temos presenciado ações afirmativas. São frentes de luta contra o racismo na educação, no mercado de trabalho, nos meios de comunicação e diversas outras áreas. (Estatuto da Igualdade Racial, 2006, p. 09). Conforme Paim (2006), a intenção de aprovar o Estatuto da Igualdade Racial foi defender os discriminados por cor, raça ou etnia e fomentar o debate contra o preconceito racial presente no Brasil. Como grande parte do documento foi construído com ideias do Movimento Negro, outros brasileiros que se sintam discriminados podem contribuir com novos conceitos para combater o preconceito. E destaca: Não queremos a cultura afro-brasileira vista, sentida experimentada somente nas práticas religiosas, música ou alimentação. Queremos a cultura do negro inserida nas escolas, no mercado de trabalho, nas universidades, pois o negro faz parte do povo brasileiro. 303 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Cultivar as raízes da nossa formação histórica evidentes na diversificação da composição étnica do povo é o caminho mais seguro para garantirmos a afirmação de nossa identidade nacional e preservarmos os valores culturais que conferem autenticidade e singularidade ao País (Estatuto da Igualdade Racial, 2006, p. 40). Diante dos exemplos elencados nesse texto, nota-se que, mesmo não sendo consensual, as políticas de ações afirmativas entraram definitivamente nas discussões políticas nacionais, no âmbito das três esferas do poder (Executivo, Legislativo e Judiciário). O que pode ser considerado benéfico frente às desigualdades existentes no Brasil. Não obstante, o Movimento Negro não se acomodou e realizou em Brasília, 2005, a Marcha Zumbi +10 - Contra o Racismo e pela Vida que, como a anterior, também produziu documento intitulado “Manifesto à Nação”, que afirma: Estamos aqui para dizer que os pricípios de liberdade e dignidade – pelos quais lutaram nossos antepassados neste solo, em África e em todos os recantos do planeta atingidos pela experiência da Diáspora Africana permanecem como fontes inesgotáveis de inspiração de nossa luta contemporânea pela Vida, Humanização, Respeito e Justiça (MANIFESTO À NAÇÃO, 2005, p. 01). O documento da Marcha Zumbi +10 traduz-se pela cobrança de ações efetivas do Estado relativas às principais denúncias feitas na Marcha anterior dez anos antes. De acordo com esse Documento, persiste a insuficiência de iniciativas de combate ao racismo, somando-se ainda, novos desafios. Portanto, afirma que: 304 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Por considerarmos que todas essas condições adversas de vida são produzidas pelo racismo estrutural que organiza as relações sociais no Brasil, reafirmamos o nosso repúdio a esta realidade, injusta, desumana, genocida e tratada com profunda indiferença e desprezo pelos diferentes níveis de Governo e por parcela considerável da sociedade brasileira (MANIFESTO À NAÇÃO, 2005, p. 06-07). Conforme o Manifesto à Nação (2005), após dez anos da primeira Marcha, um dos novos desafios decorrentes da discriminação foi a luta contra a inaceitável resistência de alguns setores da sociedade brasileira em aceitar os legítimos direitos da população negra. E, apesar de ter avançado o debate sobre as políticas de ações afirmativas, a comunidade negra organizada continua a lembrar ao Estado e à sociedade brasileira de suas responsabilidades na produção das desigualdades raciais. Segundo o Manifesto à Nação (2005), o Brasil está entre os países com maior concentração de renda do mundo, é o país com maior população de negros fora do continente africano. Por isso, faz-se necessário compreender a natureza profunda dos alicerces que consolidam a injustiça. Para o Movimento Negro, combater o racismo e exclusão da população negra é tarefa urgente. Com essa disposição os negros brasileiros voltaram à Brasília em 2005, para reafirmar perante a Nação o desejo de buscar a construção de uma sociedade pluralista e democrática. Considerações finais Apesar dos exemplos na área de educação incrementados pelo Movimento Negro, aqui explicitados, notou-se que, dentre as conquistas desse movimento social nos últimos tempos, as discussões em nível nacional sobre as políticas de ações afirmativas 305 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional podem ser consideradas como um grande destaque; observa-se também que as manifestações do Movimento Negro nos dez anos entre Marchas (1995-2005) continuam bastante contundentes, principalmente na luta por melhorias na educação dos menos favorecidos. Ao refletirmos sobre os avanços educacionais alcançados pelo Movimento Negro nas últimas décadas, nota-se como ao longo dos séculos o povo negro brasileiro foi massacrado, discriminado e usurpado de direitos vitais intrínsecos à sobrevivência dos seres humanos, pois, apesar dos exemplos aqui explicitados serem abordados como avanços, na realidade, eles nada mais são do que obrigações do Estado para com seu povo, independente de cor, raça ou condição social. Uma educação de qualidade não deveria ser fruto de reivindicação ou atitude própria de movimentos sociais negro ou não negro e sim uma obrigação constitucional do Estado. Acrescido aos absurdos desumanos cometidos em todos estes séculos, o povo negro brasileiro ainda tem contra si o mito da democracia racial, uma ideologia que legitima e mascara o racismo latente na sociedade brasileira, que dificulta a ascensão social dos negros. Todavia, as ações do Movimento Negro têm dado uma contribuição significativa para o combate a essa ideologia. A esse respeito, cito Nilma Lino Gomes (2005), ao afirmar que: Essa imagem de ‘paraíso racial’, forjada ideologicamente, foi reforçada das formas mais variadas e tornou-se muito aceita pela população brasileira. Através de vários mecanismos ideológicos, políticos e simbólicos, ela foi introjetada (e ainda é) pelos negros, índios, brancos e outros grupos étnico-raciais brasileiros. Porém, a atuação do Movimento Negro e, conseqüentemente, a construção de um debate político sobre a 306 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional situação dos negros no Brasil, bem como a realização de pesquisas por acadêmicos e instituições governamentais, têm comprovado a existência do racismo e, conseqüentemente, a desigualdade racial entre os negros e os brancos, assim como têm ajudado a superar o mito da democracia racial no Brasil (GOMES, 2005, p. 59). Por fim, ressalto que apesar dos avanços educacionais do Movimento Negro nas últimas décadas abordadas no presente texto, ainda há muito a fazer no sentido de corrigir as desigualdades seculares entre negros e não negros, tanto em nível governamental quanto no âmbito do próprio Movimento Negro, visto que, números recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE relativos ao censo de 2010 corroboram a tese de que no Brasil há um “abismo social” entre negros e não negros. Referências ADÃO, Jorge Manoel. O negro e a educação: movimento e política no Estado do Rio Grande do Sul (1987-2001). Porto Alegre: UFRGS, 2002. Dissertação (Mestrado). Programa de PósGraduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2002. BRASIL. Senado Federal. Estatuto da igualdade racial 2006. Substitutivo ao Projeto de Lei do Senado, do Sr. Paulo Paim, sobre a instituição do Estatuto da Igualdade Racial, em defesa dos que sofrem preconceito ou discriminação em função de sua etnia, raça e/ou cor. Brasília, 2006. COORDENAÇÃO NACIONAL DA MARCHA ZUMBI DOS PALMARES +10 - CONTRA O RACISMO E PELO DIREITO 307 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional À VIDA. Manifesto à nação. Brasília, 2005. Disponível em: <http://www.irohin.org.br/ref/docs/doc02.doc >. Acesso em: 02 mai. 2009. GOMES, Joaquim Barbosa. O debate constitucional sobre as ações afirmativas. In: SANTOS, Renato Emerson dos; LOBATO, Fátima (Org.). Ações afirmativas: políticas públicas contra as desigualdades raciais. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 15-58. GOMES, Nilma Lino. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações raciais no Brasil: uma breve discussão. In: Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal n° 10.139/03. Brasília: Ministério da Educação, 2005, p.39-62. LIMA, Terezinha Base de. Pluralidade cultural e o combate à discriminação racial na escola. Palmares em ação: publicação da Fundação Cultural Palmares, Brasília, n.2, p. 30-33, 2002. MUNANGA, Kabengele. A resistência histórica dos povos negros. Negros da diáspora: todo poder para as yabas. Cultura Vozes. Petrópolis: Vozes, v. 93, n. 4, p. 42 – 60, 1999. NABARRO, Edilson. O movimento negro no Rio Grande do Sul. In: FERREIRA, Antônio Mário “Toninho” (Org.). Na própria pele: os negros no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: CORAGSecretaria de Estado da Cultura. 2000, p. 29-35. PAULO, Carlos Alberto Santos de. Movimento negro, participação e institucionalidade: desafios para uma agenda pública. Brasília: UnB, 2002. Dissertação (Mestrado). Instituto de Ciências Humanas, Departamento de Serviço Social, Mestrado em Política Social, Universidade de Brasília, 2002. PINTO, Regina Pahim. Raça e educação: uma articulação incipiente. Cadernos de Pesquisa: n. 80, p. 41-50. fev. 1992. 308 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional SANTOS, Sales Augusto dos. A Lei n° 10.639/03 como fruto da luta anti-racista do Movimento Negro. In: Educação antiracista: caminhos abertos pela Lei Federal n° 10.139/03. Brasília: Ministério da Educação, 2005, p. 21-35. SILVA, Luiz Fernando Martins da. Ação afirmativa e cotas para afro-descendentes: algumas considerações sociojurídicas. In: SANTOS, Renato Emerson dos; LOBATO, Fátima (Org.). Ações afirmativas: políticas públicas contra as desigualdades raciais. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 59-74. SILVA, Maria Auxiliadora Gonçalves da. Encontros e desencontros de um movimento negro. Brasília: Fundação Cultura Palmares, 1994. VOVÔ, Antonio Carlos dos Santos; SILVA, Jônatas Conceição da. Experiências educativas para as populações negras. Palmares em ação: publicação da Fundação Cultural Palmares, Brasília, n.2, p. 24-26, 2002. 309 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional A Diversidade na escola: como lidar com as relações étnico-raciais,46 de gênero e sexualidade? Ana José Marques Leila d’Arc de Souza Márcia Lucindo Lajes Diretoria de Educação Integral – SEICDH/SEDF Resumo: O estudo em pauta retrata, de forma pontual, a necessidade latente de se trabalhar na rede pública de ensino do Distrito Federal as temáticas da diversidade humana, com ênfase na educação para as relações étnico-raciais, para as questões de gênero e para a orientação sexual. A partir dos resultados apresentados no I Fórum de Diversidade da Rede Pública de Ensino do DF, das pesquisas que tratam das questões em voga e da legislação em vigor pode-se afirmar que as escolas precisam se organizar no sentido de atender essa demanda, que tem causado conflitos que interferem diretamente na organização do trabalho pedagógico e na qualidade social da educação ofertada na escola pública. Para o trato desses conflitos, a formação continuada aos profissionais da educação, nas temáticas em questão pode oferecer importantes subsídios que concorram para uma educação inclusiva e que promova a diversidade humana. Palavras-chave: Educação. Diversidade. Formação continuada. 46 Será utilizado o termo étnico-racial, com a escrita conforme indica a Academia Brasileira de Letras no site: http://www.dominiopublico.gov.br/download/ texto/me004818.pdf. 311 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Reflexões sobre diversidade na educação: conceito e legislação A diversidade constitui-se como um conjunto heterogêneo e dinâmico de concepções e atitudes relativas às diferenças, sejam elas de origem étnico-racial, de gênero, de orientação sexual, religiosa, das condições físicas e ou mentais de cada indivíduo, do pertencimento a contextos sócio-culturais, etc. Trata-se, portanto, de realidade complexa resultante de fatores objetivos e subjetivos relacionados aos sujeitos e às interações produzidas nas relações sociais. Diante dessa complexidade, a rede pública de ensino do Distrito Federal vem enfrentando desafios no trato das diferenças presentes na escola. Estas, que deveriam ser fatores de agregação e qualificação do processo de ensino-aprendizagem, ao contrário, têm se configurado como fator causador de conflitos, de desigualdade e de exclusão educacional. O Brasil, nas últimas décadas, tem vivenciado uma série de mudanças, a partir da Constituição de 1988, que é um marco legal na democracia brasileira. Essas alterações chegam ao campo educacional gerando reflexões, conflitos, discussões e debates, frutos de um processo histórico de lutas dos movimentos sociais de negros, mulheres, indígenas, homossexuais, dentre outros. Dentre as mudanças acima citadas, destacamos o reconhecimento e o fortalecimento da diversidade humana com ênfase ao debate sobre as questões raciais, as de sexualidade, as afetivas e as relações de gênero, que são dimensões definidoras da formação e da identidade do ser humano. Cabe ao poder público elaborar e fazer cumprir estratégias de acesso e permanência dos (as) estudantes nos sistemas de ensino e assegurar uma formação continuada em serviço dos/das profissionais da educação, redimensionar os tempos e espaços e as oportunidades educativas; promover uma readequação dos quadros funcionais; ampliar as redes de interação entre o poder público e os 312 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional cidadãos; e traçar um novo desenho do currículo escolar, pensandoo como um conjunto de atividades desenvolvidas no âmbito da escola e do sistema de ensino e asseguradas nos Projetos Políticos Pedagógicos, cuja construção deve ser coletiva. As inovações relativas à educação para as relações étnico-raciais, de gênero e de sexualidade estão asseguradas nos documentos oficiais e nos instrumentos legais, que vão desde a Constituição Federal de 1988, passando pela Lei nº 8.069/1990 do Estatuto da Criança e do Adolescente, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96), que é alterada pelas Leis Nº 10.639/03 e 11.645/08, inserindo os artigos 26 A e 79 B, pelo Plano Nacional de Educação (Lei 10.172/01), pelos Parâmetros Curriculares Nacionais- PCN (1997) que já apresentavam uma abordagem de gênero e sexualidade, chegando ao Parecer Nº 03/2004 – CNE/CP, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena, pelo Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Apesar de todos esses avanços, ainda existem lacunas entre o que está apregoado na legislação e sua consolidação na prática. Essas lacunas aparecem de forma contundente por meio da dificuldade em mudar ideias, valores e práticas não mais condizentes com o respeito aos direitos humanos, as diferenças e a promoção da inclusão educacional e da igualdade social. A legislação por si só não pode mudar uma realidade que se constituiu historicamente e que apresenta dados alarmantes sobre a existência de práticas discriminatórias nas escolas públicas no DF. Essas questões se somam às muitas e significativas dificuldades relacionadas à elaboração e execução de ações políticopedagógicas. É necessário superar a falta de recursos financeiros que garantam a prática de ações pontuais e estruturais; a debilidade da formação inicial dos profissionais de educação e o despreparo e a resistência do gestor para abordagem das questões sociais, étnicas, raciais, sexuais e de gênero, no Projeto Político Pedagógico da 313 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional escola e nas ações cotidianas que imprimem vida e dinamicidade ao processo educativo e ao currículo escolar. Educação para as relações étnico-raciais, gênero e sexualidade: pesquisando a constituição dessas relações na escola. A sociedade brasileira, em seu imaginário social coletivo (grifo nosso) mantém o mito da democracia racial e a crença na ideia de que a desigualdade racial pode ser entendida essencialmente pela situação de pobreza e às péssimas condições de vida de uma grande parcela da população, sem acesso aos bens historicamente produzidos pelos homens e mulheres, em especial, em nossa contemporaneidade. Pesquisas recentes como a do IPEA (2008) demonstram que não podemos separar a desigualdade social existente no Brasil da desigualdade racial, ou seja, os pobres e miseráveis brasileiros são, em sua maioria, negros e negras, enquanto os ricos (as) e a classe média e a classe dominante são compostas basicamente de homens e mulheres brancos (as). No que concerne às questões da sexualidade e de gênero, entende-se que a construção do sujeito como mulher e como homem ocorre de diferentes formas nas sociedades, nos diferentes contextos culturais. É necessário, portanto, uma reflexão histórica desses dados, pois pelo estudo e pelo diálogo, estes mitos podem ser desvelados. Com isso, torna-se premente a reflexão e a proposição de estratégias de superação das desigualdades sociais, atreladas às estratégias de combate ao preconceito e à discriminação racial, de gênero e de orientação sexual, conforme preconiza o II Plano Nacional de Políticas para Mulheres (PNPM- 2005, p.16 ) “[...] Educação inclusiva, não sexista, não-racista, não homofóbica e não lesbofóbica”. 314 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Pesquisas realizadas em nível local e nacional nos trazem dados preocupantes. Dentre estes estudos destacamos a pesquisa “Retrato da desigualdade de gênero e raça” realizada em 2008 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ( IPEA). Esta pesquisa aponta que a população negra sofre com uma média de 2,1 anos de estudo inferior à da população branca. Em outra pesquisa “Preconceito e Discriminação no Ambiente Escolar”, realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), a pedido do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), em 501 escolas públicas de todo o país onde se entrevistaram alunos(as), pais e mães, diretores(as), professores(as) e funcionários(as), constatou-se que 99,3% destas pessoas demonstram algum tipo de preconceito. Mais especificamente, a pesquisa constata que 96,5% dos entrevistados têm preconceito com relação a portadores de necessidades especiais, 94,2% têm preconceito étnico-racial, 93,5% de gênero, 91% de geração, 87,5% socioeconômico, 87,3% com relação à orientação sexual e 75,95% têm preconceito territorial. Segundo o coordenador desse estudo, José Afonso Mazzon, professor da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (FEA-USP), a pesquisa conclui que as escolas são ambientes onde o preconceito é bastante disseminado entre todos os atores. Outra conclusão que nos parece bastante significativa é a de que não existe alguém que tenha preconceito em relação a uma área e não tenha em relação à outra. A maior parte das pessoas tem de três a cinco áreas de preconceito. Ao estudar a categoria gênero, Paz (2008) aponta no mesmo sentido ao afirmar que: “[...] relacionar essa categoria com classe, sexualidade, raça e etnia, nacionalidade, geração, religião, entre outras, demonstra e reforça a impossibilidade de se pensar em identidades essencialistas, universais e a-históricas para os/as sujeitos/as” ( p. 20-21). Os conflitos relacionados às discriminações de gênero, étnico-racial e sexual estão muito imbricados e exigem elaborações e intervenções conjuntas, resguardadas algumas situações onde se acentua a especificidade de cada uma das questões. 315 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Apesar da fragmentação, gênero, raça etnia e sexualidade estão intimamente imbricados na vida social e na história das sociedades ocidentais e, portanto, necessitam de uma abordagem conjunta. Pra trabalhar estes temas de forma transversal, será fundamental manter uma perspectiva não-essencialista em relação às diferenças. A adoção dessa perspectiva justifica-se eticamente, uma vez que o processo de naturalização étnico-raciais, de gênero ou de orientação sexual, marcou os séculos XIX e XX, vinculou-se à restrição do acesso à cidadania a negros, mulheres e homossexuais (INEP, 2009, p. 13). Este breve panorama nos convida a reflexão e a tomada de atitudes que promovam o desenvolvimento de um conjunto de estratégias pedagógicas e políticas que respondam de forma democrática à condição multicultural da sociedade brasileira. As heranças de uma cultura burguesa, branca, androcêntrica e heteronormativa aprofundam as discriminações e a ocorrência da violência que envolve a realidade das escolas públicas como expressão da intolerância ao multicultural e às diferenças. Por essa razão novas estratégias e políticas precisam suscitar mudanças nas práticas educativas. Neste contexto, a construção de uma educação de qualidade social no Distrito Federal carece de aprofundamento nos estudos sobre a Diversidade na perspectiva da formação continuada dos (as) profissionais da rede pública de ensino para o trato das relações étnico-raciais, de gênero e em sexualidade no ambiente escolar. Com esta preocupação, a Escola de Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação – EAPE, da SEDF, por meio de sua Coordenação de Diversidade, promoveu em novembro de 2010, o I Fórum de Diversidade da Rede Púbica de Ensino do DF. Neste fórum os (as) profissionais puderam indicar as demandas emergentes da escola em relação à temática em questão, na perspectiva de aprimorar os cursos de formação continuada para o ano de 2011. 316 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Cerca de 300 profissionais de várias escolas públicas da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF) compareceram ao Fórum, participando de palestras e debates. Neste evento, aplicamos um instrumento para um levantamento inicial de como se dão as relações étnico-raciais, de gênero e de sexualidade nas escolas. Responderam ao nosso instrumento 160 profissionais da educação de 122 escolas de 9 Diretorias Regionais de Ensino, entre professores/as, orientadores (as), gestores (as) e auxiliares de ensino e psicólogos (as). O instrumento de coleta de dados objetivou identificar quais os principais problemas enfrentados pela escola na educação para as relações étnico-raciais, de gênero e em sexualidade. Apresentou também questões voltadas para identificar como a escola lida com estes temas e como a EAPE poderia contribuir por meio da formação continuada dos profissionais da educação para qualificar as estratégias pedagógicas focadas nas referidas temáticas. A análise dos dados levantados nos indicou que as relações de gênero, de sexualidade e étnico-raciais na escola são base para a causa de conflitos e que, em geral, a escola não sabe como lidar com os mesmos. Em consequência, a principal demanda identificada pelos grupos de profissionais que responderam ao instrumento é a solução dos conflitos advindos das questões postas. Ao sistematizar como a escola lida com o conflito e como a EAPE poderia ajudar, as respostas são unânimes em concluir que a escola, os seus profissionais, seus alunos (as) e comunidade em geral carecem de informação e formação sobre essas temáticas. Neste sentido, foi recorrente a solicitação de cursos de formação para toda comunidade escolar, além de oficinas, palestras e realização de fóruns nas Diretorias Regionais de Ensino. Em relação à questão étnico-racial, na identificação do problema foram descritas pelos diferentes grupos de trabalho as seguintes situações: em danças de quadrilha ninguém quer ficar ou formar par com as crianças negras; discriminação de alunos e de professores por questões de origem, raça e características especiais; 317 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional falta de preparo da instituição e dos profissionais em lidar com as questões étnico-raciais inclusivas; não definição de sua cor, não aceitação, supervisora chama uma aluna de negra (carinhosa), a aluna volta com a mãe no dia seguinte e quer processá-la por racismo, o eterno “moreno”. Auto- discriminação, (preconceito da própria cor); criança negra que evitava brincar com crianças brancas; preconceito com a aparência (cabelo, cor da pele, gordo, magro). Compreender a realidade da cultura afra (tipos de cabelos e cheiro), higienização. Os apelidos de má referência ainda predominam; as desculpas para fatos de referência negativa ainda são associadas à cor; preconceito velado, intolerância religiosa. (Fragmentos do debate no I Fórum de Diversidade da Rede Púbica de Ensino do DF, EAPE, 2011) Entre as situações destacadas pelos (as) profissionais das escolas, é possível perceber a realidade do preconceito e discriminação racial que está na sociedade e que se reproduzem na escola como intolerância religiosa, crianças brancas que não querem interagir com crianças negras, atos negativos associados à cor e ao preconceito velado. No entanto, nos chamam a atenção as caracterizações dos problemas: “compreender a realidade da cultura afro (tipos de cabelos e cheiro), higienização” e “auto discriminação (preconceito da própria cor)”. Estariam estas definições associadas ao senso comum de que o negro tem um cheiro mais forte e desagradável como característica própria de sua constituição física? (CAVALLEIRO, 2000). Na obra de Cavalleiro, produzida em 2000, a partir de uma pesquisa em uma escola pública de educação infantil localizada no centro de São Paulo, uma professora refere-se ao negro como alguém que cheira forte, mal. Tal percepção aparece novamente em 2011 entre profissionais da rede pública de ensino do DF. Esse fato merece reflexão, visto que os momentos, as localidades e os contextos são distintos, contudo, as falas semelhantes expressam que o racismo se mantém no imaginário social. 318 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional A segunda definição estaria associada à ideia de que o próprio negro se discrimina e que assim seria responsável pela exclusão social que sofre? (SOUZA, 1990). Tal definição, muito forte no senso comum inverte a lógica do racismo e desqualifica o debate entre os vários grupos étnico-raciais, além de desresponsabilizar o Estado e sociedade como um todo para a superação do preconceito e a promoção da igualdade racial. Os dados aqui analisados são fruto de um levantamento inicial e preliminar ainda insuficiente para o aprofundamento do entendimento de como se dão as relações étnico-raciais na escola. Contudo, podemos afirmar que seguramente os conflitos raciais que ocorrem na escola influenciam a organização do trabalho pedagógico em sala e o conjunto das relações sociais aí estabelecidas. Na questão seguinte, o instrumento de levantamento de dados propôs aos (às) participantes que listassem as ações que a escola desenvolve ou poderia desenvolver para lidar com as situações problemas descritas, referentes às relações étnico-raciais constituídas nas escolas. As ações elencadas foram as seguintes: Trabalho de sensibilização com filmes e divulgação a toda comunidade responsável por transmitir algum tipo de ensinamento, estar engajado no debate e resolução das questões; aceitar que a situação existe; trabalhar de forma didática a importância das cores, fases da vida e seus cheiros; encaminhamento para instâncias de atendimento as diversidades; reunião com pais/palestras sobre o tema; assumir que existe preconceito e trabalhar dentro das escolas com relação a esse tema; capacitação em formação da sociedade, do povo brasileiro e contribuição da África; foi feita uma mediação de conflitos com os envolvidos; trabalhar a auto-estima e valores com dinâmicas, vídeos etc; reflexões constantes nas Instituições de Ensino (professores, alunos, comunidade); inclusão dos temas no Projeto Político Pedagógico das Instituições de Ensino, sendo, portanto, desenvolvidos durante todo o ano letivo, como prática rotineira; através de projetos e oficinas abordando o tema; 319 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional promover espaços culturais; professor trabalho em sala, formação de rede social; trabalhar a Lei 10639 como previsto em seus textos, inclusive de forma contextualizada e disciplinar; projetos nas escolas englobando o tema, utilizando teatros, filmes, histórias, atividades culturais dentro de cada faixa etária, esclarecimentos legais sobre as consequências dos atos. Acompanhamento pelo SOE e sensibilização em sala; intervenção dos professores com os alunos envolvidos; parcerias, convênios e palestras com SOE; trabalhos semanais com vídeos, histórias, músicas, etc. (Fragmentos do debate no I Fórum de Diversidade da Rede Púbica de Ensino do DF, EAPE, 2011) Na descrição das ações que a escola realiza ou que poderia realizar na busca de possíveis soluções para os problemas, podemos identificar três vertentes, uma que transfere o problema retirandoo da esfera da ação pedagógica e levando-o para outros segmentos da escola, como o SOE – Serviço de Orientação Educacional e “Instâncias de atendimentos às diversidades”. Estas proposições podem reforçar o entendimento de que o problema não é da escola e que a sua solução deve ocorrer por fora dela. Tal ideia se assenta numa concepção de educação voltada para reprodução de conhecimentos deslocada das relações sociais e de suas contradições e conflitos que refletem as relações de poder que envolvem questões econômicas, culturais, sociais e políticas. Uma segunda vertente pode ser identificada nas formulações que defendem que o problema deve ser assumido, o que denota uma fase de reconhecimento. Nesta mesma vertente podemos identificar ações pontuais para a solução dos conflitos postos como: “Intervenção dos professores com os alunos envolvidos” e o relato de que “foi feito a mediação de conflitos com os envolvidos”, ou seja, na medida em que os problemas forem se apresentando a escola vai adotando ações pontuais como forma de solucionar o conflito. Poderíamos incluir aqui também as propostas de palestras, trabalhos com vídeos e filmes. 320 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional A terceira vertente identificada aponta a necessidade de inclusão da temática no Projeto Político Pedagógico- PPP da escola e de construção de projetos de intervenção cotidiana, a formação de rede social, o trabalho com a lei 10.639/2003 e a 11.645/2008 de forma contextualizada e disciplinar, formação continuada em formação do povo brasileiro e África e o reconhecimento da existência do preconceito, o desenvolvimento de projetos para cada faixa etária e a promoção de espaços culturais. Consideramos muito positivo e avançado que esse entendimento apareça entre os (as) participantes do fórum, pois fortalece o espaço e a perspectiva de realização de um trabalho de formação como parte da institucionalização da abordagem da educação para as relações étnico-raciais na escola pública do Distrito Federal. As situações problemas relacionadas a gênero foram assim descritas pelos participantes do fórum: aluna que não tem muita vaidade e gosta de jogar futebol é chamada pelos colegas de sala de sapatão; denominar o que é para meninas e meninos; brincadeiras, objetos pedagógicos cores e brinquedos, organização (meninos/as); se os meninos beijam muitas meninas são machões e se acontece com as meninas elas são vadias; as mulheres ainda são vistas como fornecedora de cuidados, os homens com mais liberdade de agir, aulas de balé só para meninas, meninos não podem fazer, jogos para meninos e para meninas; resistência da comunidade em aceitar professor homem lecionando para educação infantil e até o 5º ano, divisão de papéis dos alunos e professores por gênero; estereótipos de gênero que impedem a livre expressão dos alunos (cor de camisetas de formatura); sexismo; competição entre os gêneros, espaços reservados para homens e mulheres (divisão do pátio); desenvolver estratégias que valorizem igualdade entre os gêneros e fim dos estereótipos; ausência de um referencial masculino no âmbito escolar; aluna que tem modos de menino e é agressiva, preconceito baseado nos estereótipos. 321 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional A maioria das situações é bem conhecida de todos/as nas escolas públicas em geral. Podemos destacar como positivo que os participantes do fórum reconheçam de forma crítica que os estereótipos de gênero impeçam a livre expressão de meninos e meninas e questione os papéis definidos para homens e mulheres na escola como expressão dos padrões socialmente construídos com base numa relação de poder que gera sexismo, disputas e conflitos na escola. Mais avançado ainda, é considerarmos a identificação da necessidade de promoção da igualdade de gênero como um problema da escola, tal entendimento vai influenciar as proposições sobre as possíveis ações para o trato das relações de gênero na organização do trabalho pedagógico. Chamamos atenção para a ideia que uma “ausência” de um referencial masculino poderia influenciar na constituição das identidades de gênero das crianças. Tal ideia se baseia num estereótipo de masculinidade e feminilidade associado ao estereótipo de família padrão e ignora a constituição de outras estruturas de família que cada vez mais estão presentes na contemporaneidade. Desconhece ainda, o fato de que os referenciais de feminilidade e masculinidade hegemônicas estão disponíveis nas várias instituições sociais aos quais todas as crianças têm acesso. Nessa perspectiva não seria, portanto, a ausência de referencial masculino ou feminino na família ou na escola um problema (RAMIRES, 2009). Quanto às estratégias pensadas para abordar as relações de gênero foram levantadas as seguintes proposições: Conversa com os alunos envolvidos juntamente com o SOE e a direção, conversa com os pais dos alunos; desmitificar as funções de meninos e meninas na sociedade; atividades que trabalhem o grupo misto; discutir a cultura na educação infantil, no maternal, nas séries iniciais, com o grupo de professores; conversar com os pais sobre os direitos de escolha dos filhos e das filhas; sensibilização sobre as habilidades; atividades de consciência de que a preferência não atinge o meu ser, maior interação entre escola e comunidade; instituir no calendário escolar as discussões sobre gênero, entre 322 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional professores, alunos e comunidade; valores em forma de projetos e transversalmente; aluna encaminhada ao SOE; formar grupos mistos, espaços comuns, atividades de interação entre os grupos; desenvolver projetos de sensibilização tanto de professores quanto alunos para questão de igualdade de direitos; dinâmicas de sensibilização, palestras; intervenção de profissionais especialistas em áreas que envolvem os problemas surgidos na Instituição de ensino, utilização de recursos (filmes, jogos participativos) que incentivem os alunos a trabalhar juntos; que sejam apresentadas várias brincadeiras para que possam escolher, sem discriminação de meninas e meninos. Aqui também podemos identificar duas linhas de proposições. Uma que fica entre transferir o problema para o Serviço de Orientação Educacional e ao mesmo tempo tratar a questão apenas com os envolvidos e outra que assume o problema como sendo da escola e levanta a necessidade de envolver no trabalho pedagógico a igualdade de gênero envolvendo toda a comunidade escolar e da desmistificação das funções de meninos e meninas na sociedade. Neste entendimento aparecem as propostas de trabalho com a questão cultural, promoção de atividades mistas, projetos de sensibilização de pais, mães, alunos e professores e o trabalho com valores de forma transversal. Fica evidente a necessidade não mencionada de trabalho a partir de uma conceituação de gênero? Como se constitui a identidade de gênero na infância e como isto se manifesta nas interações sociais presentes na escola? Parece-nos relevante que as respostas não abordem essa questão fundante para o entendimento dos conflitos listados anteriormente. Além das já mencionadas, as situações problema relacionadas à sexualidade foram assim descritas pelos participantes do fórum: alunos que demonstram trejeitos afeminados são discriminados pelos demais, dois alunos homossexuais assumidos se cumprimentavam com beijos fora da escola e a equipe escolar queria expulsá-los; apelidos depreciativos; meninos/as que têm 323 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional comportamento diferenciado dos ditos “normais” e que todas acham que devem ser encaminhados para psicólogo; as pessoas com orientação homossexual sofrem com piadas e exclusão de grupos de trabalho ou de recreação; namoro precoce, homofobia, docentes e comunidade não se sentem a vontade com o tema; todos esses temas deveriam fazer parte do Projeto Político Pedagógico; percepção dos pais sobre o assunto não é trabalhada na escola, é vista como tabu; sexualidade precoce, homossexualidade (dificuldade de relacionamento), conflito interior, aceitação da família; aceitação do profissional (professores), por parte da família (comunidade); grupo de “emos” ou “coloridos” (como são chamados), utilizando o banheiro feminino; Quanto às situações problemas relacionadas à sexualidade fica evidente a incidência de homofobia no contexto das escolas representadas no fórum. Parece-nos bastante avançado o reconhecimento da dificuldade dos (as) profissionais da educação e da comunidade em lidar com a expressão de outras sexualidades diversas da heteronormatividade. A denúncia de discriminação e da intenção de expulsão de alunos de orientação homossexual assim como a defesa destes, remete para expressão de uma concepção de escola inclusiva, o que se fortalece na proposta de inclusão do tema no Projeto Político Pedagógico da escola. As ações realizadas e propostas para intervenção nos conflitos relacionados à sexualidade descritos foram: acompanhamento do SOE (orientação, esclarecimento para os alunos e a família), alguns professores que não concordaram com a expulsão conseguiram convencer todo o grupo a trabalhar com o SOE, com os alunos e os familiares, no sentido de aceitar a orientação sexual dos alunos; formação dos gestores, educação sexual; trabalhar os conceitos de respeito, valores e convivência; procurar, por meio das políticas de promoção dos direitos humanos, conhecer as melhores experiências já adotadas na sociedade como forma de melhoria do local; trabalho com os valores e o respeito por todos em suas diferenças; projeto de prevenção e saúde, palestras, envolvimento 324 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional escola/comunidade, todos esses temas devem ser discutidos nas coordenações pedagógicas; orientação educacional, teatro, histórias, contos e recontos, projetos bem elaborados dentro do tema; às vezes tratam como bullying, chamam os alunos e se persistirem as ações, chamam os pais. Entre as estratégias adotadas e as propostas de intervenção levantadas chamamos a atenção para a relação estabelecida entre a homofobia e o bullying. Tal relação carece um estudo mais aprofundado e uma pesquisa que possa desvelar esse fenômeno social, suas relações com a violência e como este se apresenta na escola. Mais uma vez foi possível constatar a percepção de que a orientação educacional deve estar focada na mediação de conflitos, o que nos leva a questionar qual seria de fato o papel da orientação educacional no processo de ensino-aprendizagem e na organização do trabalho pedagógico. Neste caso, especialmente, a questão parece ser tratada mais entre as partes e a família. Quando a unidade de ensino pensa em fazer um trabalho voltado para a escola, não toca diretamente no tema, trabalha valores, prevenção, saúde, bullying, passando ao largo do problema da homofobia. A questão da sexualidade continua sendo um tema que deve ser tratado no particular, por ser considerado um assunto “privado”, e não público. Consideramos muito positiva a disposição de aprofundar o tratamento da questão expressa nas propostas de discussão do tema nas coordenações pedagógicas, pois dessa forma todos (as) professoras (es) estariam aptos a discutir e lidar com assunto no momento de uma situação na escola, em vez de aguardar a presença e orientação de um (a) especialista, não reproduzindo e fortalecendo preconceitos e buscando experiências de promoção de direitos humanos como condição para uma educação inclusiva de qualidade social. 325 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Construindo uma política pública de formação continuada: educação para as relações étnico-raciais, gênero e sexualidade Quanto às sugestões para a ação da EAPE no sentido de contribuir com a formação dos profissionais da educação para uma educação das relações étnico-raciais, de gênero e de sexualidade, destacamos: Capacitação da equipe escolar no sentido de sensibilizar a escola quanto ao respeito a todos/as, independente de raça, sexo etc.; formação para gestores, professores e orientadores; formação para os professores com especialistas, ampliação de conceito de sexualidade, não apenas aparelho reprodutor e o sexo; promover o debate sobre os temas para além do campo educacional, ex.: segurança, saúde e assistência social e justiça; fórum permanente, formação continuada ampliada; cursos sobre diversidade para a rede, descentralização dos cursos e do fórum em pólos nas regionais; proporcionar por meio de seminários, fóruns e outros meios atingir a todos os trabalhadores da educação e conscientizálos das leis e das necessidades de respeito ao ser; divulgar o trabalho já existente na EAPE, DREs e escolas, oferecer formação para o maior número de profissionais “convocando-os” para os encontros e dar continuidade aos fóruns permanentes, divulgar os resultados, valorizando as mudanças que ocorrerem, organização no sentido de uma rede; promover cursos de diversidade que atendam profissionais da educação infantil até o ensino médio; cursos para orientação familiar (as diagnosticadas e atendidas), participar efetivamente das coordenações coletivas, criação de grupos de discussão, levar essa discussão que fizemos hoje ao maior número de professores e pensar nas estratégias; Formação do professor para a prática na sua realidade; que seja oferecido pela EAPE palestra no ambiente escolar, com toda a comunidade; realização de uma conferência e criação de grupos de multiplicadores formados por pessoas de diversos segmentos; maior articulação EAPE/SPE; que 326 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional a coordenação de diversidade tenha representação nas DREs (um coordenador intermediário). As sugestões feitas para nortear as ações da EAPE no sentido da formação dos profissionais da educação apontam para uma ampliação da educação para a Diversidade, exigem da EAPE e da SEEDF um conhecimento aprofundado das relações produzidas no contexto escolar e a definição de políticas públicas de educação articuladas a outras instituições sociais e programas interinstitucionais com vista a constituição de rede social, de parcerias para o combate ao preconceito e a discriminação de raça, de gênero e de orientação sexual. Nestas proposições podemos inferir que estes/as profissionais avançam da necessidade de solução pontual dos conflitos vivenciados para o entendimento de que estes problemas locais e aparentemente pontuais articulamse a um contexto social mais amplo no qual as relações de poder são constituídas. No campo da educação e no âmbito da Secretaria de Educação é possível perceber a preocupação com a constituição de uma rede que articule a educação para diversidade, em toda rede de ensino público, por meio das sugestões que dizem respeito a que Coordenação de Diversidade tenha representação nas Diretorias Regionais de Ensino, e da constituição de redes de multiplicadores com profissionais de vários segmentos para a realização de uma conferência sobre a temática. Foi possível perceber ainda, a preocupação de ampliação da oferta de educação para diversidade ao maior número possível de profissionais e a defesa da obrigatoriedade desta formação para os/as gestores/as escolares. Esta preocupação nos parece significativa, pois, segundo relatos de alguns profissionais, projetos escolares podem esbarrar na resistência de grupos que compõem a gestão escolar. A proposição de formação do professor para atuação na sua realidade nos remete à necessidade de um levantamento qualitativo e quantitativo da realidade da escola pública no que concerne às 327 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional relações de raça e etnia, gênero e sexualidade que ali se estabelecem. Assim, evidenciou-se possibilidade de realização de um diagnóstico mais preciso relacionado aos seguintes questionamentos: como se produzem as relações de gênero, étnico-raciais e de sexualidade no contexto escolar? Em que medida essas relações produzem e reproduzem conflitos, violências e exclusão escolar? Como a formação continuada pode contribuir para a aplicação da legislação referente a essas questões e à promoção de uma educação inclusiva e de qualidade para todos/as? Tais questionamentos deram origem a constituição de um projeto de pesquisa intitulado: “Mapa da diversidade das escolas do Distrito Federal: ações e projetos”, que encontrase em andamento, por meio de parceria entre a Coordenação de Diversidade da EAPE, o Grupo de Pesquisa em Educação e Políticas Públicas: Gênero, Raça/Etnia e Juventude – GERAJU/FE/ UnB e a Subsecretaria para Educação Integral Cidadania e Direitos Humanos/SEEDF. Referências BRASIL, Gênero e diversidade na escola: formação de professoras/ ES em gênero, Sexualidade, Orientação Sexual e Relações ÉtnicoRaciais. Livro de conteúdo. Versão 2009, v II. ______, Lei 9.394/1996 de Diretrizes e Base da Educação Nacional ______, Lei 10.172/01, Plano Nacional de Educação. ______. Lei 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente. CAVALLEIRO, Eliane dos Santos. Do silêncio do lar ao silêncio escolar: racismo, preconceito e discriminação na educação infantil. São Paulo: Contexto, 2000. 328 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional PAZ, Cláudia Denís Alves da. Gênero no trabalho pedagógico da educação infantil. Dissertação (mestrado) – Universidades de Brasília, Faculdade de Educação, 2008, 135 MONTTSERRAT, Moreno. Como se ensina a ser menina: o sexismo na escola. São Paulo: Moderna, 1999. Pesquisa do IPEA “Retratos das Desigualdades em Gênero e Raça, 2008. http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/destaque/Pesquisa_Retrato_ das_Desigualdades.pdf Pesquisa: Aula de Intolerância: Preconceito e Discriminação no Ambiente Escolar (Inep,2009), http://portal.mec.gov.br/ dmdocuments/diversidade_apresentacao.pdf RAMIRES, Lula e VIANA, Cláudia: O que muda e o que permanece: uma análise sobre gênero, diversidade sexual e família nos livros didáticos. Disponível em: <http://revistaeducacao.uol. com.br/textos.asp?=12589>, Acesso em: 28 fev. 2009. Resolução nº 01 CNE/CP 2004; II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM 2008); Programa Brasil sem Homofobia e Política Nacional de Enfretamento à Violência Contra as Mulheres. Revelando Tramas, Descobrindo Segredos: Violência e Convivência nas Escolas (RITLA, 2008). SOUZA, Neusa Santos. Tornar-se negro. Editora: Graal, RJ. 2. ed., 1990. I Fórum de Diversidade da Rede Púbica de Ensino do DF, EAPE, 2011. 329 Eixo 4: Política e Gestão Educacional em e para os Direitos Humanos e o Direito à Educação no Brasil Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional A educação em direitos humanos no Distrito Federal: conquistas e desafios Adriana Miranda e Maraísa Lessa Diretoria de Cidadania e Direitos Humanos Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal Resumo: A pesquisa, realizada por meio de observação participante e análise de documentos publicados pelo Governo Federal, apresenta a trajetória da educação em direitos humanos na rede pública de ensino do Distrito Federal até agosto de 2010. Para tanto, apresenta as diretrizes nacionais para a educação em direitos humanos, a proposta da Secretaria de Educação do DF para a educação básica, cujo marco inicial está situado em 2009, bem como as ações, os resultados e os desafios identificados até o momento. Vale destacar o estímulo às ações de fortalecimento da articulação entre as escolas e a rede de proteção da criança e do adolescente, bem como os projetos e programas com foco na promoção da cultura de paz e no estímulo ao exercício de uma cidadania ativa, propostos pela Diretoria de Cidadania e Direitos Humanos, considerando as especificidades das escolas e da regional de ensino. Na atual conjuntura, tais projetos estão em andamento, ainda não apresentando resultados concretos. Entretanto, cabe destacar a necessidade de vontade política para a continuidade da política de educação em direitos humanos, bem como a necessidade do envolvimento da comunidade escolar e de outras organizações governamentais e não-governamentais na implementação de uma cultura dos direitos humanos no Distrito Federal. Palavras-chave: Política de Educação em Direitos Humanos. Rede de proteção da criança e do Adolescente. Cultura de paz. Cidadania. 333 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos na Educação Básica O Governo Federal Brasileiro instituiu em 1997 a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, inicialmente como um órgão do Ministério da Justiça – MJ. Em 2003, o referido órgão passou a ser vinculado à Presidência da República, na qualidade de Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) da Presidência da República, responsável pela articulação e implementação de políticas públicas voltadas para a proteção dos direitos humanos. Por meio de medida provisória de 25 de março de 2010, a SEDH torna-se órgão essencial da Presidência da República recebendo o nome de Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH). Desde a sua fundação, a SDH é responsável pelo Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH, que prevê, entre outras medidas, a promoção da educação em direitos humanos como uma das formas de garantir a proteção aos direitos humanos, conforme recomendam os tratados internacionais na área. Para isso, em 2003, a SDH, em parceria com o Ministério da Educação e o Ministério da Justiça, elaborou o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos – PNEDH que está em sua terceira versão, publicada em 2006. Partindo do pressuposto de que a educação é um direito humano fundamental que permite a conquista de todos os demais direitos, o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos – PNEDH visa contribuir para a promoção de uma cultura dos direitos humanos, baseada no respeito e no reconhecimento da diversidade, bem como na disseminação de valores solidários, cooperativos e de justiça social. Tendo em vista que a educação não contempla apenas os processos educativos formais, o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos prevê a articulação de ações na Educação Básica, Ensino Superior, Educação NãoFormal, Educação dos Profissionais do Sistema de Justiça e Cidadania e Educação e Mídia. 334 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional No campo da Educação Básica: a educação em direitos humanos [na educação básica] vai além de uma aprendizagem cognitiva, incluindo o desenvolvimento social e emocional de quem se envolve no processo de ensino-aprendizagem (Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos – PMED/2005). A educação, nesse entendimento, deve ocorrer na comunidade escolar em interação com a comunidade local. Assim, a educação em direitos humanos deve abarcar questões concernentes aos campos da educação formal, à escola, aos procedimentos pedagógicos, às agendas e instrumentos que possibilitem uma ação pedagógica conscientizadora e libertadora, voltada para o respeito e valorização da diversidade, aos conceitos de sustentabilidade e de formação da cidadania ativa (BRASIL, 2009, p. 31). Entre as ações programáticas previstas no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos para a Educação Básica dos estados, municípios e o Distrito Federal, cabe destacar: • propor a inserção da educação em direitos humanos nas diretrizes curriculares da educação básica; • construir parecerias com os diversos membros da comunidade escolar na implementação da educação em direitos humanos; • tornar a educação em direitos humanos um elemento relevante para a vida dos estudantes e dos profissionais da educação, envolvendo-os em um diálogo sobre maneiras de aplicar os direitos humanos em sua prática cotidiana; 335 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional • fomentar a inclusão, no currículo escolar, das temáticas relativas a gênero, identidade de gênero, raça e etnia, religião, orientação sexual, pessoas com deficiência, entre outros, bem como todas as formas de discriminação e violações de direitos, assegurando a formação continuada dos profissionais da educação para lidar criticamente com esses temas; • apoiar a implementação de projetos culturais e educativos de enfrentamento a todas as formas de discriminações e violações de direitos no ambiente escolar; • favorecer a inclusão da educação em direitos humanos nos projetos político-pedagógico das escolas, adotando as práticas pedagógicas democráticas presentes no cotidiano; • apoiar a implementação de experiências de interação da escola com a comunidade, que contribuam para a formação da cidadania em uma perspectiva crítica dos direitos humanos; • incentivar a elaboração de programas e projetos pedagógicos, em articulação com a rede de assistência e proteção social, tendo em vista prevenir e enfrentar as diversas formas de violência; • incentivar a organização estudantil por meio de grêmios, associações, observatórios, grupos de trabalhos, entre outros, como forma de aprendizagem dos princípios dos direitos humanos, da ética, da convivência e da participação democrática na escola e na sociedade; • propor ações fundamentadas em princípios de convivência, para que se construa uma escola livre de preconceitos, violência, abuso sexual, intimidação e punição corporal, incluindo procedimentos para a resolução de conflitos e modos de lidar com violência e perseguições ou intimidações, por meio de processos participativos e democráticos. 336 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Com base nessas diretrizes, presentes no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, a Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal tem promovido ações no âmbito das instituições educacionais do DF. A educação em direitos humanos na rede pública de ensino do DF O Distrito Federal não acompanhou as diretrizes nacionais em função da falta de diálogo entre os dois últimos governos do DF e o Governo Federal. Assim, só a partir de 2011 é que está ocorrendo a proximidade entre essas duas instâncias, em virtude da criação da Subsecretaria para Educação Integral, Cidadania e Direitos Humanos na Secretaria de Estado de Educação do DF em abril de 2010. A criação desta Secretaria ocorreu durante um período de governo transitório, cuja equipe assumiu a sua gestão em 2011 garantindo a continuidade do trabalho, por meio da Diretoria de Cidadania e Direitos Humanos – DCDH. No entanto, antes de apresentar o trabalho da DCDH, é importante saber que há instituições educacionais que, mesmo antes da criação da referida Subsecretaria, já desenvolviam projeto nas áreas de cidadania, diversidade e cultura de paz nas escolas, porém eram iniciativas fragmentadas sem o devido apoio da gestão central da Secretaria de Educação do Distrito Federal – SEDF. Além disso, políticas públicas educacionais correlatas tiveram início com a criação do Programa Paz nas Escolas em 1995, cujo foco era o enfrentamento dos conflitos e das violências nas escolas. Em 1999, foi realizada parceria com a Universidade da Paz, com a finalidade de formação de profissionais da educação no Programa Gente que Faz a Paz. Após estes períodos, ocorreu a descontinuidade destas políticas, sendo que o trabalho sistemático nesta área só foi retomado com a publicação da Portaria nº 147, de 24 de julho de 2008, na qual foi instituída a Política de Promoção da Cidadania e da Cultura de Paz, com foco na redução das violências escolares. 337 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Assim, a criação da Subsecretaria para Educação Integral, Cidadania e Direitos Humanos é um avanço por articular e fortalecer iniciativas que ocorriam isoladamente, baseando-se nas diretrizes da educação nacional, recomendadas pelo Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, em atendimento aos princípios constitucionais, à legislação educacional brasileira e ao Estatuto da Criança e do Adolescente que, baseado na Doutrina de Proteção Integral, solicita o atendimento das crianças e adolescentes respeitando as suas condições peculiares de desenvolvimento, chamando a atenção para o papel do profissional da educação neste processo de atenção. O Plano de Ação da Diretoria de Cidadania e Direitos Humanos Em 2011, a Diretoria de Cidadania e Direitos Humanos DCDH elaborou um Plano de Ação com a finalidade de contribuir para a implementação da educação em direitos humanos com vistas à promoção da cultura dos direitos humanos e da cultura de paz nas instituições educacionais, por meio do estímulo à cidadania ativa. Para a DCDH, a promoção da cultura dos direitos humanos, por meio do exercício de uma cidadania ativa, é fundamental para a paz nas escolas. Assim, a DCDH desenvolve o seu trabalho com base em três eixos: Promoção, Defesa e Garantia dos Direitos Humanos de Crianças e de Adolescentes, Educação para a Paz nas Escolas e Educação e Cidadania. O eixo Promoção, defesa e garantia dos Direitos Humanos visa cumprir o papel que a área educacional tem na efetivação dos direitos humanos, por meio do fortalecimento da articulação entre as instituições educacionais e as Redes de Proteção e Defesa da Criança e do Adolescente. Cabe destacar que a SEDF tem representatividade no Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente – CDCA, no Comitê Distrital de Enfrentamento ao 338 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Abuso e Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes, no Comitê Distrital de Erradicação do Trabalho Infantil, no Sistema Nacional de Medidas Socioeducativas, cujo comitê distrital está em processo de formação, entre outros. O principal desafio nesse eixo é articular as deliberações desses comitês dentro da escola no sentido de mobilizar, sensibilizar e instrumentalizar a comunidade escolar para a importância da abordagem dessas temáticas. O eixo Educação e Cidadania contempla projetos, ações e programas da SEDF em parceria com instituições governamentais e não-governamentais que devem ser executados por meio da articulação entre conteúdo curricular e vivência cotidianos para que seja possível o efetivo exercício da cidadania ativa. O eixo Educação para a Paz nas Escolas visa o fortalecimento das ações de cultura de paz nas escolas. Cabe considerar que a educação para a paz contempla o processo de conscientização integral do ser humano em três níveis: a paz consigo mesmo, a paz com os outros e a paz com o meio (WEIL, 1993). Tal pensamento indica que a paz é um fenômeno social, construído sócio-historicamente demandando um esforço individual e coletivo para sua efetivação. A própria Declaração sobre uma Cultura de Paz da Organização das Nações Unidas afirma que a cultura de paz é um conjunto de valores, atitudes, tradições, comportamentos e estilos de vida baseados no respeito à vida e na promoção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, propiciando o fomento a paz entre as pessoas e os grupos, podendo assumir como uma estratégia política para a transformação da realidade social (2008, p. 01). Nesse sentido, a promoção dos direitos humanos aparece como fundamental para a difusão de uma cultura de paz nas escolas públicas do Distrito Federal. 339 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Esses três eixos são permeados pela formação continuada dos profissionais de educação; do estímulo ao protagonismo de todos os atores envolvidos no processo educacional, especialmente de crianças e de adolescentes; e da prevenção às violações de direitos. De acordo com o Plano de Ação da DCDH, a SEDF entende que a implementação da educação em direitos humanos pressupõe não apenas o acesso às informações resultantes da formação de professores, como também a vivência de processos participativos em que toda a comunidade escolar seja protagonista no processo de transformação da escola e da comunidade. Nesse sentido, a DCDH pretende contribuir para o fortalecimento das instâncias de participação da comunidade escolar como, por exemplo, os Conselhos Escolares, responsáveis por deliberar, articular e mobilizar a comunidade escolar para a resolução dos problemas escolares; os Conselhos Locais de Promoção da Cidadania e Cultura de Paz, responsáveis por promover o diálogo, o debate e a mediação de conflitos nas escolas; e os Grêmios Estudantis, instância fundamental de representação e participação discente no ambiente escolar. Para mobilizar as escolas, a DCDH atua na articulação com os Coordenadores de Cidadania, Direitos Humanos e Diversidade, lotados nas Diretorias Regionais de Ensino – DRE com a função de exercer o papel de elo entre a DCDH e as instituições educacionais. Além disso, a DCDH tem procurado dialogar com a Escola de Aperfeiçoamento dos Profissionais de Educação – EAPE, responsável pela formação continuada dos profissionais de educação e com a Subsecretaria para a Educação Básica – SUBEB, responsável pela implementação do currículo. Por meio da articulação com essas três esferas – DRE, EAPE e SUBEB, a DCDH pretende garantir a inclusão da educação em direitos humanos nos currículos, nos projetos políticos pedagógicos e nos projetos educacionais desenvolvidos nas escolas, bem como assegurar a formação de profissionais com metodologias adequadas para lidar com essa temática. 340 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Ações em andamento da Diretoria de Cidadania e Direitos Humanos Conforme foi possível verificar junto à DCDH, foram realizadas as seguintes ações no primeiro semestre de 2011: • Fortalecimento da articulação entre a SEDF e a Rede de Proteção da Criança e do Adolescente, por meio da participação nos conselhos e comitês voltados para a garantia dos direitos de crianças e adolescentes e a articulação com as escolas; •Estímulo à implementação do projeto Escola de Pais nas escolas; • Programa Cidadania e Justiça na Escola: em parceria com o TJDFT/AMAGIS, está em fase de sensibilização no âmbito das DRES, para fins de formação dos Coordenadores/Professores do 5º ano; • Programa Trabalho, Justiça e Cidadania na Escola: em parceria com a AMATRA 10, está em fase de organização do curso de sensibilização; • Programa Escola Aberta: em parceria com o Ministério da Educação – MEC, está em fase de recadastramento e adesão de novas escolas; •Seminário de Educação em Direitos Humanos e Diversidade: ação da DCDH, voltada para a formação dos profissionais de educação, com o intuito de levar o debate acerca da educação em direitos humanos para todas as instâncias da SEDF. Em fase de organização, o evento deve ocorrer em setembro de 2011; •I Encontro de Protagonismo Infanto-Juvenil da SEDF: ação da DCDH voltada para o estímulo ao protagonismo infantojuvenil com vistas ao exercício de uma cidadania ativa. Em fase de organização, o evento deve ocorrer em outubro de 2011; 341 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional • Projeto Viva a Vida! Droga Comigo não Rola: em parceria com a Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania/Subsecretaria de Políticas de Prevenção ao Uso de Drogas, está em fase de sensibilização e formação dos profissionais de educação para a implementação do projeto na escola; • Participação da SEDF na Mobilização Social de 18 de maio “Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual Infanto-juvenil” realizado pelo Comitê Distrital de Enfrentamento ao Abuso e à Exploração Sexual Infanto-Juvenil. Em todo o país acontecem mobilizações que referenciam o 18 de Maio, instituído pela Lei Federal n. º 9970/00. A data escolhida reafirma a importância de se denunciar e responsabilizar os autores de violência sexual contra a população infantojuvenil Além das ações apresentadas, foi realizado também um diagnóstico sobre a existência e as condições de funcionamento dos Conselhos Escolares, Grêmios Estudantis e Conselhos Locais de Cidadania e Cultura de Paz, por meio do preenchimento de formulários, elaborados pela DCDH, e encaminhados para as escolas por intermédio das DREs. A seguir, o resultado da pesquisa por DRE: 342 50 24 GAMA GUARÁ 30 64 101 24 39 26 32 44 65 649 PARANOÁ PLANALTINA P.PILOTO/ CRUZEIRO RECANTO DAS EMAS SAMAMBAIA SANTA MARIA SÃO SEBASTIÃO SOBRADINHO TAGUATINGA TOTAL BANDEIRANTE 33 88 CEILÂNDIA NÚCLEO 29 Existente 356 49 1 21 25 12 18 38 55 16 32 14 31 19 25 228 32 0 10 13 8 10 24 43 11 21 10 17 12 17 Atuante 39 9 0 6 1 0 1 5 4 0 2 2 3 2 4 Muito 89 8 1 5 11 4 7 9 8 5 9 2 11 5 4 Pouco ATUAÇÃO DO CONSELHO ESCOLAR 214 19 1 5 20 7 13 25 51 11 25 5 4 12 16 Sim 142 30 0 16 5 5 5 13 4 5 7 9 27 7 9 Não 103 8 0 4 10 2 6 8 36 4 12 2 1 6 4 Sim 111 11 1 1 10 5 7 17 15 7 13 3 3 6 12 Não ATUANTE CONSELHO LOCAL EXISTÊNCIA Fonte: Diagnóstico nas DREs da SEDF Mapeada ESCOLAS BRAZLÂNDIA DRE 33 10 0 2 3 0 2 2 4 1 3 1 1 1 3 Sim 323 39 1 19 22 12 16 36 51 15 29 13 30 18 22 Não GRÊMIO Tabela 1 – Funcionamento dos Conselhos Escolares, Grêmios Estudantis e Conselhos Locais de Cidadania e Cultura de Paz na SEDF Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional 343 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Um balanço geral: conquistas e desafios Entre os avanços já conquistados pela DCDH para a educação em direitos humanos no DF, vale destacar que: • a reestrutura da SEDF prevê a incorporação dos trabalhos da SEICH pela Subsecretaria de Educação Básica da SEDF, onde a DCH passará a articular suas ações às necessidades das demais diretorias e será criada a Diretoria de Diversidade; • o currículo da SEDF passará a ter como eixo transversal a educação em direitos humanos; • ampliação da gestão democrática escolar por meio das atuais diretrizes da SEDF. Entretanto, vale destacar também a emergência de alguns desafios: • Fortalecer o trabalho dos Conselhos Escolares e dos Conselhos Locais de Promoção de Cidadania e Cultura de Paz em ações de prevenção às violações de direitos humanos/promoção aos direitos humanos, e não no enfrentamento às violências escolares; • Formar e/ou fortalecer as redes escolares de atendimento à criança e ao adolescente; • Fortalecer as redes regionais de proteção à criança e ao adolescente em todas as regiões administrativas do Distrito Federal; •Ampliar a inclusão das temáticas relativas à cidadania e aos direitos humanos na formação continuada dos profissionais da educação; •Sensibilizar a comunidade escolar a ser protagonista no processo de construção da cultura de paz nas escolas, no sentido de vencer a cultura violenta de lidar com os conflitos interpessoais e sociais que se apresentam nos espaços públicos e privados no Brasil; 344 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional • Criação do Comitê Distrital de Educação em Direitos Humanos, especialmente no sentido de fortalecer e afinar o diálogo entre a educação superior, educação básica e os profissionais do sistema de justiça e segurança. Sendo assim, é possível perceber que já foi dado o início à implementação da educação em direitos humano no Distrito Federal, porém trata-se de um processo lento, pois depende do envolvimento e da mobilização não só de esferas governamentais e não-governamentais, mas principalmente da comunidade escolar, sem a qual todo o trabalho da DCDH perderia o sentido. Considerações finais Observa-se que a educação em direitos humanos é uma política educacional voltada para a emancipação dos indivíduos, na medida em que pressupõe o tratamento crítico de temáticas sociais, econômicas e políticas em sala de aula; a participação da comunidade escolar na resolução de problemas que surgem no âmbito escolar; e a construção de uma cultura de direitos humanos nas escolas, bem como para além de seus muros. A Secretaria de Educação do Distrito Federal tem despendido esforços no sentido de promover tal educação por meio das ações anteriormente discriminadas, no entanto, há que continuar havendo vontade política de fortalecer e ampliar tais ações por parte da gestão central da SEDF, uma vez que, principalmente na área de promoção, defesa e garantia de direitos é necessário haver maior investimento na formação dos profissionais da educação, execução das ações previstas para a educação nos Comitês e Comissões e Conselhos em que tem assento, valorização dos profissionais da educação e investimento de recursos materiais e financeiros para a reforma e construção de unidades escolares com a finalidade de melhorar a qualidade da educação nas escolas públicas do Distrito Federal. 345 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Assim, educar em direitos humanos exige a atenção, reflexão e ação de todos os atores envolvidos no processo educacional: gestores, profissionais da educação, estudantes e dos demais membros da comunidade escolar – pais, mães e responsáveis pelos estudantes, comerciantes, organizações governamentais e não governamentais que atuem em rede junto à escola. Aí está a “boniteza” da educação em direitos humanos! Referências BRASIL, Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2009. BRASIL, Ministério da Educação. Documento de Referência: Orientações para a Implementação da Educação em Direitos Humanos na Educação Básica. Brasília: versão preliminar, mimeo, 2010. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: 1988. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: 1996. BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília: 2008. DISTRITO FEDERAL, Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal. Plano de Ação da Diretoria de Cidadania e Direitos Humanos. Brasília: 2011. SEDF. Violência e escola: definição, encaminhamento e prevenção – Manual aos gestores das instituições educacionais. Brasília: Gráfica da SEDF, 2008. WEIL, Pierre. A arte de viver em paz. São Paulo: Gente, 1993. 346 Eixo 5: Política e Gestão Educacional para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Ambientes alternativos de vivência e aprendizagem Luiz Síveres Lucicleide Araújo Carla Cristie França Universidade Católica de Brasília “Precisamos tornar a Universidade um espaço vivo, agradável, estimulante, com aulas mais centradas em projetos do que em conteúdos prontos; com atividades em outros espaços que a sala de aula [...].” (MORAN, 2007) RESUMO: Este artigo apresenta, no contexto atual, ambientes alternativos como possibilidades de experiências de vida e aprendizagem. A vivência que enfatizaremos é fruto do projeto “Água, fonte de aprendizagem”, desenvolvido em espaço alternativo de ensino e aprendizagem. A experiência suscita sensibilidade para com os saberes propiciados pela natureza e leva estudantes de graduação do primeiro semestre da disciplina “Introdução a Educação Superior” de uma instituição de Ensino Superior do Distrito Federal a refletirem sobre possível aprendizado em contextos alternativos - para além do espaço tradicional da sala de aula. O encontro do sujeito com a natureza, com o outro e consigo permite olhares diferentes dos antes conhecidos pelos sujeitos/aprendizes em relação ao próprio processo de construção e reconstrução de conhecimentos. Configura-se momento dinâmico de ensino e aprendizagem entrelaçado pelas dimensões cognitivas, emocionais e, sobretudo, espirituais. Palavras-chave: Ambientes alternativos. Aprendizagem. Projeto. 349 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Contexto atual Diante de um mundo “líquido” (BAUMAN, 2001), em constantes mudanças, que se cria e se recria a todo instante, provisório, imprevisível, necessita-se de práticas educativas que se desenvolvam para além do espaço tradicional da sala de aula e contemplem, mediante projetos educativos, ambientes alternativos para a formação intelectual e emocional de ensino e aprendizagem. Os problemas contemporâneos, decorrentes das mazelas relativas à fragmentação do conhecimento, visão unilateral que por séculos tem separado sujeito e objeto, cognição e vida, razão e emoção, educador e educando, indivíduo e sociedade, têm impulsionado a necessidade de se repensar e reencantar a educação sob nova ótica, voltada para um pensamento complexo. O pensamento complexo permite articular diferentes saberes, unindo-os e integrando-os em prol da construção de conhecimentos com mais sentido, tanto para a vida pessoal como a profissional dos sujeitos/aprendizes em diversos contextos educativos. A Universidade, como parte dessa realidade e espaço favorável à multiplicidade de ricas aprendizagens, não pode limitar-se a utilizar apenas o espaço da sala de aula tradicional para a apropriação desses saberes. Nesse sentido, é preciso investir em práticas pedagógicas focadas em projetos, pesquisa, colaboração presencial-virtual, individual-grupal, como Moran (2007) e Araújo (2011) sugerem. Síveres (2006) afirma que, diante de toda essa tessitura complexa, as instituições superiores ainda flutuam, insistindo em se manterem fechadas para a nova proposta de educação que, há tempos, desponta. Pensar na criação de propostas inovadoras a partir da utilização de espaços alternativos para processos de ensino e aprendizagens mais prazerosos, capazes de despertar no estudante a vontade, o desejo, a curiosidade, são algumas atitudes que podem 350 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional apontar novos horizontes a serem vislumbrados e o estabelecimento de pontes que possibilitem ser, a sala de aula, porta de acesso ao novo mundo. Vivências em contextos educativos voltadas a essa perspectiva são possibilidades para o desfrute de experiências dialógicas, de autorreflexão, para o desenvolvimento da autonomia, da criatividade e da solidariedade do sujeito/aprendiz. Em espaço construído de forma sensível e harmoniosa, propiciará possivelmente a construção de conhecimentos de modo mais significativo à medida que promove a interação do sujeito/aprendiz com o seu mundo exterior (ambiente) e a própria vida interior. Esse diálogo, a partir dessa dupla relação, é fundamental para o surgimento de uma terceira possibilidade de caminho para aquele ascender em termos de percepção em relação ao conhecimento. Propostas de projetos de ensino e aprendizagem desenvolvidos em ambientes alternativos possibilitam práticas inovadoras de aprendizagem, pois estas podem favorecer o encontro entre os conhecimentos informais obtidos pelos sujeitos ao longo de sua trajetória de vida com os conteúdos formais propostos pelas disciplinas. Essa articulação e conexão entre os saberes formais e informais, integrada à vivência de projetos em ambientes diferenciados, podem possivelmente propiciar aos sujeitos/aprendizes a apreensão de “conhecimentos pertinentes” (MORIN, 2004), ou seja, com sentido, tanto à vida profissional quanto à pessoal. Diante desse pressuposto e da compreensão da Universidade como lugar de encontro de pessoas que desejam e têm vontade de aprender, dialogar, lugares propícios ao desenvolvimento de conhecimentos para além das paredes que a envolvem - o parque tecnológico, a biblioteca, os laboratórios - são alguns exemplos de espaços extensivos a serem explorados e compreendidos por educadores como anexos à Universidade e não desconexos. Compreendemos que a educação se concretiza nos mais variados ambientes e não somente no espaço interior. 351 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Nesse sentido, pensar e criar projetos educativos que explorem os mais diferentes espaços da Universidade é compreender que a sala de aula não consiste em lugar estático, onde a figura do professor é a de um computador e a do aluno, a de um ser passivo que recebe as informações como se fosse um pen drive. É preciso saber conectar os vários espaços oferecidos pela Universidade com a sala de aula, mediante criação de projetos de aprendizagem que promovam a articulação dialógica entre os espaços interiores oferecidos pela Universidade e os espaços exteriores, intensificando-se cada vez mais a indissociabilidade entre teoria e prática no intuito de minimizar a fenda que separa a escola da vida ou na interlocução entre as disciplinas. Esse é o grande desafio a ser enfrentado por educadores para a compreensão de uma práxis pedagógica dinâmica e conectada com a própria vida e o desenvolvimento de processos de ensino e aprendizagem que favoreça o tripé da base universitária: ensino, pesquisa e extensão. Assim, para a educação voltada a essa perspectiva, é preciso que educadores invistam em encontros que ajudem os estudantes a expandir seus conhecimentos, formando pessoas de cabeça “bem feita” (MORIN, 2008), ousadas, sensíveis e principalmente mais comprometidas, não somente com a própria transformação, mas, sobretudo, com o mundo ao seu redor. A sociedade atual precisa de pessoas que façam diferença no processo socioevolutivo da humanidade, pessoas que, ao se perceberem, sintam-se parte da sociedade. Exigência de ampliação de espaços educativos Vários são os pesquisadores que anunciam há séculos a necessidade de reconfiguração dos cenários educativos. Os espaços para processos de ensino e aprendizagem na modernidade ampliaram-se, principalmente com a conectividade propiciada pela Internet. 352 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Reconfigurar cenários mais criativos, baseados na complexidade e na transdisciplinaridade, buscando cada vez mais a aproximação entre razão e emoção, vida e conhecimento, são as novas ordens do momento que já não é mais possível adiar. Diante disso, é urgente e necessário que transformações ocorram nas práticas pedagógicas, quer no modo presencial quer no virtual, que levem educadores e educandos a experimentar processos reflexivos e de aprofundamento no que diz respeito aos conhecimentos apreendidos, a fim de que propostas inovadoras despertem no sujeito/aprendiz razões para aprender e ensinar, porque aprendeu como se ensinava Freire (2005) e, desse modo, possam trazer respostas mais positivas à qualidade da aprendizagem dos sujeitos/aprendizes em contextos universitários. Uma das possibilidades de ampliação dos espaços educativos é a aprendizagem por meio de projetos. Aprendizagem por projetos A aprendizagem por projetos leva educadores e educandos a trilhar caminhos nunca antes pensados, pois, a cada ponto de bifurcação, novas aventuras iniciam. Segundo Antunes (2001), um projeto é uma pesquisa ou uma investigação sobre dado tema, desenvolvida no sentido de seu conhecimento em profundidade. O trabalho com projetos permite rompimento das fronteiras disciplinares bem como favorece elos entre as diferentes áreas do conhecimento em situação contextualizada de aprendizagem, sem que haja perda de identidade das disciplinas. Nesse sentido, Almeida (2002, p. 58) corrobora, destacando que, [...] o projeto rompe com as fronteiras disciplinares, tornando-as permeáveis na ação 353 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional de articular diferentes áreas de conhecimento, mobilizadas na investigação de problemáticas e situações da realidade. Isso não significa abandonar as disciplinas, mas integrá-las no desenvolvimento das investigações, aprofundando-as verticalmente em sua própria identidade, ao mesmo tempo, que estabelecem articulações horizontais numa relação de reciprocidade entre elas, a qual tem como pano de fundo a unicidade do conhecimento em construção. Os projetos, como estratégias didáticas transdisciplinares (ARAÚJO, 2011), sugerem planejamentos mais flexíveis, pois, segundo estudos realizados por Perrenoud (1999, p. 64), no trabalho por projetos é possível saber quando a atividade começa, mas raramente se sabe quando e como terminará. Essa situação didática traz consigo um dinamismo que lhe é própria, pois os projetos invadem outras partes do currículo à medida que envolvem estudantes em situação de interação com diferentes conhecimentos, pelo viés da construção e da reconstrução de conceitos, ideias, permitindo ao indivíduo transitar mais naturalmente e seguro entre os saberes ora individuais, ora coletivos. Prova disso é o projeto intitulado “Água, Fonte de Aprendizagem”, que vem sendo desenvolvido em uma Universidade no Distrito Federal e tem, como um dos seus eixos, a água. O projeto “Água, Fonte de Aprendizagem” é desenvolvido em espaço educativo que procura integrar o meio ambiente, a experiência social e a consciência pessoal. Esse projeto consiste em processo de aprendizagem a partir da água. Ela é uma possibilidade de aprendizagem, a partir de sete pegadas educativas. Tais pegadas estão dispostas em ambiente natural, no qual se encontram nascentes que desembocam em um riacho. 354 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional A primeira pegada está situada em uma nascente de água. A nascente nos ensina que precisamos buscar os conhecimentos nas suas origens, que a aprendizagem é dinâmica e os processos educativos, além de se voltarem para o passado, passam pelo presente e correm para o futuro. A segunda pegada é o encontro de duas nascentes. O encontro das nascentes demonstra a importância de compreender o processo de aprendizagem por meio do encontro de saberes, do encontro de mestres e do encontro com outros autores. A terceira pegada é uma árvore que está caída sobre o riacho. O processo pedagógico é permeado de desafios que precisam ser superados. À medida que um ajuda o outro, cria-se uma energia cooperativa, que potencializa a superação dos desafios. A quarta pegada é um forno de barro construído há uns 100 anos pela população que morou na região. Nessa pegada podese refletir que a educação é sempre marcada por pessoas e processos. Assim, os alunos são marcados pelos professores que passaram na vida estudantil e pelos conhecimentos que foram construindo. A quinta pegada é a entrada do riacho no rio. Essa pegada ensina que a educação precisa ajudar a compreender a realidade e interagir com ela. A finalidade educativa é contribuir para a construção de uma sociedade mais justa, mais saudável e mais ética. A sexta pegada é a passagem por uma pinguela. A aprendizagem ocorre sempre por meio de conexões, redes e sistemas. Quanto melhor forem as conexões, melhor será o processo de aprendizagem. A sétima pegada é a compreensão de que o rio corre no sentido do mar. Assim, a educação ajuda a revelar o sentido da vida, apontando para a utopia e para a esperança, com o objetivo de buscar realização pessoal e profissional. 355 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Relato da experiência O contexto em que ocorreu a experiência foi uma Instituição de Ensino Superior. Vivenciaram a experiência 25 estudantes do 1º semestre da disciplina “Introdução à Educação Superior” de diferentes áreas do conhecimento: Administração, Biologia, Contabilidade, Computação, Direito, Gastronomia, Pedagogia, Publicidade e Serviço Social. O objetivo dessa vivência voltou-se para a análise da possibilidade de aprendizagem em contextos diferenciados mediante o projeto “Água, Fonte de Aprendizagem”. O cenário do projeto supracitado foi todo pensado e construído, preservando-se a natureza para possível aprendizado a partir das sete pegadas. A vivência no Recanto Kairós, espaço diferenciado de aprendizagem, leva educadores e educandos a trilhar caminhos nunca antes imaginados e a construir as próprias aventuras. No momento em que o sino na entrada do recanto é tocado, inicia-se a aventura, o cenário se descortina e os sujeitos entram em cena, dando vida ao ambiente que, aos olhos visíveis, se apresenta aparentemente estático. Porém, à medida que os estudantes adentram a trilha e assumem o palco dessa aventura, tudo vai, como em uma espécie de magia, passando a ter vida. Dinamizá-lo é o grande desafio e faz parte do roteiro a ser construído no exato momento em que cada um assume seu papel de autor e ator nessa aventura. Durante o percurso das sete pegadas, é possível perceber o quanto os estudantes se veem envolvidos em novos desafios e possibilidades de experimentar aprendizagem diferente das constituídas em sala de aula, pois são eles os próprios autores que dão vida ao cenário que, por ora, antes de atuar, apresenta-se estático. Cada um dos sujeitos presentes nesse cenário, pensado e construído em espaço alternativo, mediante suas pegadas deixadas 356 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional durante o percurso da trilha, deixa sua marca, seu riso, seu gesto, seu olhar, suas experiências, suas emoções, um pouco de sua história à medida que vai vivenciando a experiência constituída pelo entrelaçamento entre as experiências e o novo conhecimento a se construir e reconstruir. A vivência dessa experiência pelos estudantes da disciplina “Introdução à Educação Superior” possibilitou a percepção de mais interesse, alegria e envolvimento em cada pegada apresentada, bem como momentos de reflexões coletivas e também de autorreflexão, reforçando-se, pelos depoimentos, que é possível obter rico aprendizado pela água, aprender em contextos diferenciados, além do da sala de aula. Como disse um dos estudantes, “O contato com a criação sempre me faz refletir sobre como estou e vivo, bem como o que fazer para melhorar”. Conforme o relato de outro estudante, “As águas estão sempre a seguir o seu trajeto e nós estamos parados ou corremos atrás dos nossos objetivos”. Ou seja, a busca pelo conhecimento depende de cada um de nós, de termos atitude, para formação contínua, ao longo da vida. Essa experiência de aprendizagem por projeto também permitiu aos estudantes compreender e perceber que a aprendizagem não se dá apenas no espaço tradicional da sala de aula e que muito se pode aprender em espaços alternativos, a partir do percurso de uma trilha marcada por sete pegadas. Como diz outro estudante, “[...] o ambiente de aprendizagem é possível em qualquer lugar”. Por meio da experiência vivida os estudantes avaliaram que A aula de hoje pode nos mostrar que não há necessidade de estar em sala de aula com quadro, textos, retroprojetores para que possamos absorver e compartilhar conhecimentos. Hoje vimos um pouco da aula em um ambiente diferente, isso nos 357 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional permite descontrair e sair um pouco do rotineiro. Podemos também explorar um pouco este ambiente natural e sair do estresse da cidade. A práxis pedagógica mediante projetos inovadores em espaços alternativos de aprendizagem possibilita mais liberdade para os sujeitos expressarem seus sentimentos, suas emoções, experimentarem outras formas de conhecimento para além da razão, construindo saberes entrelaçados pelas experiências de vida já acopladas em cada um com os conhecimentos apreendidos pelos elementos da natureza, em específico nesse contexto, os oferecidos pela água. Como dito por outro estudante, foi uma aula diferente “[...] que promoveu a religação, ou seja, uma ligação entre o homem e a natureza”. Segundo Morin (2007, p. 104) “[...] religação é um imperativo ético primordial que comanda os demais imperativos em relação ao outro, à comunidade, à sociedade, à humanidade”. Isso pressupõe abertura ao outro, no sentido de compreendê-lo, legitimando-o mediante vivência de experiências que envolvem separação e conexão. A experiência vivenciada no Recanto Kairós contribui para a manifestação dos conhecimentos dos estudantes, a criatividade, a invenção, o fortalecimento da autoestima e o viver da experiência, ao mesmo tempo, de construtor e co-construtor do próprio processo de construção do conhecimento. Assim, fica claro que o trabalho por projetos possibilita o resgate do sujeito transdisciplinar ao próprio processo de construção do conhecimento, pela reintegração das dimensões cognitivas, emocionais e espirituais em contextos alternativos de aprendizagem. Possibilita aos estudantes flexibilidade e a percepção de que a sala de aula pode extrapolar as grades que circundam a Universidade, indo além do esperado, janela aberta para encontros e desencontros de saberes. 358 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Como expresso na fala de outro estudante, “[...] podemos aprender na Universidade, mas podemos aprender com tudo que está ao nosso redor, basta estarmos sensíveis para entendermos o que a natureza nos proporciona”. Ou seja, a aprendizagem para além da vida, à medida que o sujeito/aprendiz aprende a integrar corpo e mente, sensações, emoções, razão, intuição, podendo sentir e pensar com todo o corpo, em toda a sua inteireza, não somente com a cabeça, como ensina Moran (2007). Assim, reforça-se, a partir da fala de outro estudante, que “[...] a natureza nos traz paz e tranquilidade e podemos levar esta vivência para o resto de nossa jornada universitária”, sobre a importância de processos de ensino e aprendizagem em diferentes contextos educativos para construção e reconstrução de conhecimento significativo e com mais sentido à vida em sua infinitude e oportunidade para a vivência de ótimas experiências de ensino e aprendizagem. Ainda em consonância com outros estudantes, “somos inteligência, espírito, intuição e emoção”. Portanto, em tudo que se realiza é importante que a pessoa se coloque por inteiro. Isso demonstra que não se é neutro e imparcial frente à dinâmica da vida, pois a constante relação entre o sujeito do conhecimento com a natureza, tanto o sujeito/observador quanto o objeto observado, sofrem modificações, transformações. Conforme as percepções e as compreensões, evolui-se, transpondo-se para outros níveis de conhecimento em relação à vida, podendo inclusive atingir a transcendência, como colocada por D’Ambrósio (2009, apud ARAÚJO, 2011), ou seja, aquela capaz de o sujeito viver e saber dizer, colocando-a, principalmente, em prática. Considerações finais O trabalho por meio de projetos reintroduz o sujeito/ aprendiz no próprio processo de construção do conhecimento, à medida que, ao se assumir como autor e ator, ele vai se envolvendo 359 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional nas cenas como protagonista da própria história, levando-o a aproximar-se do conhecimento desejado, dando desfecho a sua história a partir de novo recomeço. As cenas ora estáticas vão aos poucos desvelando os conhecimentos anteriormente aprendidos pelos sujeitos/aprendizes, mais os que são apreendidos, construídos e reconstruídos mediante o construir de uma rede de significados representativa do grupo. Educador e educando, juntos, caminham e tecem os complexos fios da rede a se constituir no exato momento em que diferentes conhecimentos emergem, atribuindo-lhes sentido. Assim, concluímos que processos de ensino e aprendizagem em contextos alternativos possibilitam aprendizagens diferenciadas e são porta aberta para o mundo. Explorar diferentes possibilidades de situações didáticas, contemplando outros espaços distintos dos já tradicionalmente explorados, é estar disposto a vincular a teoria à prática, para possibilidades de abertura de janelas que favoreçam o encontro entre o mundo interior e o exterior da Universidade. Para isso, atitude é a palavra-chave de todo esse processo e isso requer, acima de tudo, por parte dos educadores, confiança para ousar, ser criativo. Integrar a sala de aula com ambientes alternativos de ensino e aprendizagem é compreender o espaço educativo como possibilidade de contribuir para a construção de uma sociedade mais justa, solidária e mais amorosa. Nesse sentido, concluímos concordando com a epígrafe proferida por Moran (2007, p. 15) no início deste artigo. Referências ALMEIDA, Maria Elizabeth Bianconcini de. Como se trabalha com projetos (entrevista). Revista TV Escola. Secretaria de Educação a Distância. Brasília: Ministério da Educação, Seed, n. 22, março/abril, 2002. 360 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional ANTUNES, Celso. Um método para o ensino fundamental: o projeto. Petrópolis: Vozes, 2001. ARAÚJO, Lucicleide de Sousa Alves. Didática transdisciplinar: um pensar complexo sobre a prática docente. Brasília: Exlibris, 2011, no prelo. BAUMAN, Sygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. MORAN, José Manuel. A educação que desejamos: Novos desafios e como chegar lá. Campinas: Papirus, 2007. MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 8. ed. São Paulo: Cortez; Brasília: UNESCO, 2004. ______. Introdução ao pensamento complexo. 3. ed. Porto Alegre: Sulina, 2007. ______. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 15. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008. PERRENOUD, Phillipe. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999. SÍVERES, Luiz. Universidade: Torre ou sino? Brasília: Universa, 2006. 361 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional A Educação Ambiental e a Formação de Professores em Ciências - Um Caminho para o Desenvolvimento Sustentável Fernando Barcellos Razuck Renata Cardoso de Sá Ribeiro Razuck Universidade de Brasília Resumo: Dentre as diversas disciplinas integrantes do currículo do ensino de Ciências, a educação ambiental (EA) está também inserida nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que constituem os referenciais para a qualidade da educação, mostrando assim sua relevância no âmbito educativo e consequente importância na formação cidadã. Apesar disso, historicamente, o ensino de Ciências no Ensino Fundamental é muito recente no Brasil e, até hoje, apresenta certa carência com relação à formação de licenciados em Ciências Naturais para atuar na Educação Básica. Entretanto, nos últimos anos, observou-se o surgimento, em diversas universidades públicas, de cursos de Licenciatura não só específicos para a área do ensino de Ciências, como também para as diversas disciplinas que fazem parte do seu currículo, como Química, Física e Biologia. Este trabalho visa então discutir de que maneira pode-se atrelar à estrutura curricular de um curso de Licenciatura em Ciências Naturais questões relativas à sustentabilidade e suas implicações sociais, temas estes pertencentes à ementa de disciplinas direta ou indiretamente relacionadas com a educação ambiental. Além disso, pretendeu-se verificar de que maneira a inclusão de tais questões também podem subsidiar as necessidades cada vez mais presentes na formação de professores de Ensino de Ciências visando um processo educativo com maior significância social/ambiental. Foi realizada então uma pesquisa qualitativa com os alunos pertencentes à última disciplina de estágio, do curso de Licenciatura em Ciências Naturais. Nessa disciplina os alunos foram estimulados a trabalhar com oficinas pedagógicas que envolvessem temas ambientais 363 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional que estivessem atrelados aos conteúdos trabalhados nas escolas. Entende-se que, com esse enfoque na formação, a EA pode ser uma importante ferramenta para o ensino de Ciências na perspectiva da formação cidadã. Palavras-chave: Educação Ambiental. Licenciatura em Ciências Naturais. Formação de professores. Cidadania. Introdução Pode-se dizer que a questão ambiental é central no processo educativo e, consequentemente, na esfera da formação de professores. De acordo com Carvalho (2001), a chamada educação ambiental (EA) vem sendo incorporada como uma prática inovadora em diferentes âmbitos, como por exemplo, na internalização na forma de objeto de políticas públicas, nas áreas de educação, meio ambiente, na mediação educativa e na forma de práticas de desenvolvimento social, respondendo assim a demandas impulsionadas pela sociedade. Assim, para a autora, a questão ambiental age como qualificadora da educação, uma vez que contextualizam “os sujeitos no seu entorno histórico, social e natural” (Ibid., p. 44). Nesse sentido, faz-se cada vez mais necessária a formação de educadores com essa nova visão da educação ambiental, de forma a contextualizar o conhecimento e aproximá-lo do aluno, a ponto de introduzi-lo na realidade social em que vive e aja de forma a disseminar o conhecimento na população na qual se insere. Dessa maneira, já sinalizando uma preocupação com o tema “educação ambiental”, o próprio PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) indica, por meio dos seus temas transversais para a Educação Fundamental, a questão do meio ambiente, segundo o qual, 364 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional A problematização e o entendimento das conseqüências de alterações no ambiente permitem compreendê-las como algo produzido pela mão humana, em determinados contextos históricos, e comportam diferentes caminhos de superação. Dessa forma, o debate na escola pode incluir a dimensão política e a perspectiva da busca de soluções para situações como a sobrevivência de pescadores na época da desova dos peixes, a falta de saneamento básico adequado ou as enchentes que tantos danos trazem à população (BRASIL, 1998, p. 169). Entretanto, apesar da importância da temática e dos esforços empreendidos pelo governo na busca pela melhoria do ensino, ainda é possível verificar um distanciamento com relação ao principal interessado e beneficiado, no caso o próprio aluno. Isso porque os índices de repetência e evasão do sistema educacional brasileiro observados ao longo dos últimos anos são alarmantes, o que demonstra em última instância uma falta de interesse por parte do aluno em continuar seus estudos. Porém, essa falta de interesse não deve ser vista apenas de forma isolada, uma vez que vários fatores, como condições de estudo, programas de ensino e qualificação de professores devem também ser analisados. O que preocupa, entretanto, é que essa evasão pode comprometer, futuramente, toda uma política de educação ambiental, afetando diretamente a vida das pessoas, uma vez que a educação ambiental traz consigo todo um processo de conscientização coletiva. Assim, dados recentes revelam uma realidade bastante preocupante com relação à evasão que atinge todos os níveis de escolarização (RIBEIRO, 1991; FERNANDES, 2007; KLEIN, 2007). Diante do fato, inúmeras medidas governamentais têm sido tomadas para erradicar a evasão escolar, tendo como exemplos, a 365 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional implementação da Escola Ciclada, a criação do programa bolsaescola, a criação do Plano Desenvolvimento Escolar (PDE), dentre outros. Entretanto, tais medidas ainda não têm sido suficientes para garantir a permanência da criança e a sua promoção na escola. Possivelmente, uns dos principais fatores que levam a evasão escolar se relacionam com a precária formação dos professores (BORUCHOVITCH, 1999). Dessa forma, deve-se pensar, prioritariamente, a formação dos professores com o intuito de diminuir essa distância verificada entre os alunos e as escolas, modificando assim esta situação excludente. Vale ainda ressaltar que até o início do século XXI, na organização das Licenciaturas no Brasil, existia uma proposta específica para a formação de professores para o ensino infantil, nas séries iniciais do Ensino Fundamental e para o Ensino Médio, mas não existia uma formação específica para professores de Ciências para as séries finais do Ensino Fundamental. Essa lacuna pode ser entendida como um dos possíveis fatores responsáveis pela criação dessa ruptura na continuidade da educação. Para Magalhães Junior e Pietrocola (2005), a formação de professores de Ciências no Ensino Fundamental é muito recente no Brasil, sendo até hoje relegada pelas universidades. Assim, a disciplina Ciências só foi inserida obrigatoriamente na educação brasileira, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) em 1961, pela lei nº 4.024/61, mas a formação de professores foi postergada para a década de 1970. Somente a partir da promulgação da nova LDB, lei nº 9.394/96, é que se torna obrigatória a formação de nível superior de cursos plenos para profissionais da educação, incluindo os da área de Ciências. Apesar disso, a maioria das universidades preferiu continuar formando professores em áreas específicas, e não em Ciências, de forma generalista. 366 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Essa falta de um programa de formação específica para a Licenciatura em Ciências vem sendo suplantada principalmente pelos cursos de Licenciatura em diversas áreas do conhecimento, como por exemplo, Ciências Biológicas, Química e Física, os quais costumam atender parcialmente as demandas escolares. E, ainda mais alarmante, em nosso país é cotidiano verificar profissionais com formação diversa ministrando aulas de Ciências para as séries finais do Ensino Fundamental. É frequente encontrar biólogos, químicos, físicos, matemáticos, médicos, dentistas, agrônomos, engenheiros e veterinários, entre outros profissionais, atuando como professores de Ciências, o que pode ser comprometedor para o processo de ensino e aprendizagem. Segundo Magalhães Junior e Pietrocola (2005), o ensino de Ciências no nível fundamental é conhecido como Ciências Naturais e ainda também em alguns casos como Ciências Físicas (compreendendo a Física, a Química, a Geologia e a Astronomia) e Biológicas (compreendendo a Fisiologia, Anatomia, Botânica e Zoologia). Ou seja, ainda hoje o curso de Ciências Naturais é confundido com o de outras áreas de formação. Dessa forma, este trabalho visa discutir de que maneira podem-se atrelar à estrutura curricular de um curso de Licenciatura em Ciências Naturais, questões relativas à sustentabilidade e suas implicações sociais, já que a formação de professores críticos é crucial para a construção de uma sociedade participativa nas questões ambientais. Será analisada a necessária estruturação de um curso voltado propriamente para a área de Ciências, de forma a abarcar o conhecimento das demais áreas que constituem o universo científico. Assim, entende-se que esse processo colabora com as questões ambientais, pois possibilita a formação de profissionais qualificados para discutir os novos desafios educacionais, que vão muito além da simples aprendizagem de conteúdos escolares. 367 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional A necessária formação de educadores em Ciências Uma breve estimativa da demanda de professores de Ciências para a década 2001-2010, considerando a universalização obrigatória da Educação Fundamental, mostra que seriam ainda necessários cerca de 30 mil professores para atender o segundo segmento, relativo ao ensino do 6º ao 9º anos (CHAVES; SHELLARD, 2005). Além disso, as novas exigências legais indicam que os professores devem ter formação especifica em Ciências Naturais (BRASIL, 2001), o que justifica a necessidade de implementação deste curso em nossas universidades. Essa preocupação, especificamente com relação ao ambiente, de acordo com Cachapuz e colaboradores (2005), já podia ser verificada em 1992, durante a Conferência da Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro. Nessa Conferência, foi praticamente exigido um posicionamento dos educadores perante a necessidade de uma formação crítica para que os cidadãos pudessem ter maiores possibilidades de conhecimentos atrelados à perspectiva social, de forma a favorecer a tomada de decisões fundamentadas. Ou seja, é necessário alertar sobre a questão da emergência planetária, o que leva ao processo de tomada de consciência e empoderamento social. Assim, de acordo com a UNESCO e o Conselho Internacional para a Ciência, durante a Conferência Mundial sobre a Ciência para o Século XXI, realizada em Budapeste no ano de 1999, afirmava-se que: Para que um País esteja em condições de satisfazer as necessidades fundamentais da sua população, o ensino das ciências e a tecnologia é um imperativo estratégico. Como parte dessa educação científica e tecnológica, os estudantes deveriam aprender 368 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional a resolver problemas concretos e a satisfazer as necessidades da sociedade, utilizando as suas competências e conhecimentos científicos e tecnológicos (DECLARAÇÃO DE BUDAPESTE, 1999). Portanto, como já sinalizado, depreende-se a necessidade cada vez maior de se implementarem cursos de Licenciaturas em Ciências que formem professores com consciência crítica e visão ética e social. A formação de Professores de Ciências na Universidade de Brasília Sabe-se que a Universidade de Brasília tem hoje uma política clara de extensão, que permite não só a vasta produção de conhecimento nos projetos de extensão desenvolvidos como projetos de pesquisa, como também a participação dos estudantes nestas atividades. Acredita-se assim que a extensão é um importante eixo norteador das atividades que devem ser desenvolvidas dentro do âmbito universitário. Dessa maneira, os docentes de Ciências podem, de forma significativa, contribuir para a formação discente. Para tanto, propõe-se uma metodologia diferenciada com relação às disciplinas oferecidas, como no caso da disciplina de Estágio Supervisionado em Ensino de Ciências Naturais, que almeja possibilitar esta formação, na qual todos os envolvidos (alunos da Educação Básica, alunos da Graduação, Professores da Educação Básica e Professores da Instituição de Ensino Superior) trabalhem colaborativamente e aprendam com tal experiência. Em outras palavras, busca-se, neste curso, integrar pesquisa e extensão, propiciando intervenção sobre a realidade e a produção de conhecimento, envolvendo os estudantes neste processo. 369 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Assim, tem-se como base a questão do trabalho em Vigotski (2003), o qual defende que o trabalho deve ser a própria base do processo educativo, por possibilitar a articulação entre os estudos escolares e o cotidiano, com o intuito de alcançar um maior envolvimento, interesse e aprendizagem. Essa articulação pode ser perfeitamente viabilizada a partir de projetos pedagógicos, os quais surgem da necessidade de desenvolver uma metodologia de trabalho que valorize a participação do educando e do educador no processo de ensino e aprendizagem, visando transformar o espaço escolar em um local de interações, aberto ao real e às suas múltiplas dimensões. O trabalho construído com base no sistema das reações conscientes é justamente essa ponte que se estende entre o mundo das ciências naturais e o das ciências humanas. É a única “matéria” que constitui o objeto de estudo de ambas. Só o trabalho, em seu significado histórico e em sua essência psicológica, é o ponto de encontro entre o fundamento biológico e o suprabiológico no ser humano. Nele se enlaçaram o animal e o homem, e o saber humano e o natural se entrecruzaram. Portanto, a síntese na educação, com a qual sonhavam os psicólogos em tempos remotos, torna-se possível na educação para o trabalho (VIGOTSKI, 2003, p.193). Como sugere Freire (1997), ao trabalhar com projetos tem-se a possibilidade de reflexão sobre a correlação entre o tema estudado e a realidade social e não apenas sobre o conteúdo de uma disciplina isolada. Na verdade, os projetos oportunizam uma abordagem global de conteúdos a partir dos temas de interesse da comunidade, o que faz com que esta abordagem seja sempre inter e multidisciplinar, com o enfoque voltado para a formação cidadã. 370 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Esse processo acaba também por criar junto ao corpo discente um perfil de pesquisador, fundamental na sua vida como professor. A formação de um professor-pesquisador, como apontado por Mortimer (1998), é essencial para uma verdadeira melhoria do ensino das Ciências, tendo muito a contribuir, principalmente com relação à pesquisa com fundamentação teórica e epistemológica, uma vez que o próprio professor está em posição privilegiada para coletar dados e investigar situações de ensino e aprendizagem na sala de aula. Assim, para o autor, no ensino de Ciências, grande parte dos esforços de pesquisa é dedicada à investigação em solução de problemas, seja em laboratório, seja sobre concepções espontâneas dos alunos. Já o professor, por outro lado, trabalha diariamente, em situações reais de sala de aula, essas mesmas questões. Portanto, para Erickson (1986, p. 157), O professor, como pesquisador de sala de aula, pode aprender a formular suas próprias questões, a encarar a experiência diária como dados que conduzem a respostas a essas questões, a procurar evidências não confirmadoras, a considerar casos discrepantes, a explorar interpretações alternativas. Isso, pode-se argumentar, é o que o verdadeiro professor deveria fazer sempre. A capacidade de refletir criticamente sobre sua própria prática e de articular essa reflexão para si próprio e para os outros, pode ser pensada como uma habilidade essencial que todo professor bem preparado deveria ter. Com o intuito de cumprir seu papel social formando educadores que possam suprir a carência de professores de Ciências, a Universidade de Brasília criou, em 2005, o curso de Licenciatura em Ciências Naturais na Faculdade UnB, Campus Planaltina. 371 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Nesse curso, a Ciência não é vista apenas como um meio de compreender os produtos tecnológicos, mas principalmente como um processo de pensar o mundo em busca de soluções equilibradas, o que confere caráter interdisciplinar e muito contribui não só para a formação intelectual, mas também moral dos educandos e futuros professores. Segundo o Projeto Político Pedagógico do curso: Estudar Ciências Naturais tem implicações importantes relacionadas à compreensão do mundo e suas transformações, e ao conhecimento científico, passando pela formação de cidadãos reflexivos e críticos, com capacidades diversas para analisar, questionar e modificar a sociedade e o ambiente a sua volta, de modo responsável, e respeitando as pessoas e todas as outras formas de vida. (FUP/ PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DO CURSO DE LICENCIATURA EM CIÊNCIAS, UnB, 2010, p. 9) Nesse sentido, não há como ensinar Ciência de forma desconexa da pesquisa e da necessária formação contínua do professor, na qual sua prática pedagógica deve ser sempre investigada e refletida, gerando pesquisas que possibilitem a produção de novos conhecimentos sobre o ensino de Ciências. Assim, segundo o próprio Projeto Político Pedagógico, o curso de Licenciatura em Ciências Naturais da UnB “busca o enfoque interdisciplinar das Ciências e utiliza a pesquisa como instrumento pedagógico para a formação de educadores, visando atender uma demanda crescente de profissionais.” (p. 10) Pelo exposto até o momento, fica claro que a formação de professores exige hoje que se supere o modelo tradicional de formação, constituído anteriormente pela simples soma de dois 372 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional conjuntos isolados (PIMENTA; LIMA, 2010): a formação estrita em conhecimentos específicos (“conteúdos”) e a formação teórica estrita em pedagogia (“formas e técnicas de ensinar”). A busca pela superação dessa visão dicotômica é um grande desafio vivenciado ao longo do curso. Acredita-se que as disciplinas de estágio supervisionado (que totalizam 400h, conforme a atual legislação) sejam cruciais para os aspectos da formação inicial e continuada de professores, conforme apresentados a seguir. As disciplinas de estágio supervisionado e o Ensino de Ciências O Estágio Supervisionado curricular do curso de Licenciatura em Ciências segue as orientações do Regulamento de Estágio Curricular Supervisionado, sendo desenvolvido em quatro semestres, nas disciplinas Estágio Supervisionado em Ensino de Ciências Naturais 1, 2, 3 e 4, totalizando assim 405 horas ou 27 créditos. Os dois primeiros estágios são desenvolvidos nos anos finais do Ensino Fundamental, enquanto os dois últimos são desenvolvidos no Ensino Médio, visando oferecer aos futuros docentes uma visão mais ampla acerca da atuação dos professores nos diferentes níveis de escolarização. Tais disciplinas são destinadas à imersão do licenciando na profissão docente e na identificação do papel do professor na sociedade. As disciplinas de Estágio Supervisionado buscam contemplar a interdisciplinaridade, a integração dos conteúdos específicos, os pedagógicos e a prática docente, junto com a escola formadora (BRASIL, 2001). Assim, o estágio supervisionado engloba um conjunto de atividades de formação, realizado sob a supervisão de docentes da instituição visando à vivência de situações de efetivo exercício profissional. 373 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Além disso, estudos apontam que o Estágio Supervisionado propicia a formação do professor pesquisador, já que pressupõe a pesquisa como prática e pode também ser um indutor de formação continuada para o professor da Educação Básica que recebe o estagiário (PIMENTA; LIMA, 2010). Nesse sentido, podemos dizer que o estágio supervisionado é de fundamental importância para a constituição da área de ensino de Ciências, pois propicia a aproximação da pesquisa acadêmica à prática da sala de aula, possibilitando que licenciando e licenciado se apropriem das recentes pesquisas em Didática da Ciência. O Estágio Supervisionado em Ensino de Ciências Naturais e a proposição de ações para a sustentabilidade As ações pertinentes à última disciplina de Estágio Supervisionado se iniciam ao longo do Estágio Supervisionado em Ciências Naturais III (ESCN III), momento em que o aluno se insere no contexto do Ensino Médio e tem a oportunidade de vivenciar situações de caracterização, observação, estudo dos Parâmetros Curriculares Nacionais e regência. Durante todo o semestre de ESCN III, o discente tem a oportunidade de conviver com professores e alunos da instituição de Ensino Médio e, em conjunto com o grupo escolar, seleciona demandas de oficinas pedagógicas oriundas dos próprios alunos que visem um maior entendimento acerca da Ciência e de suas implicações para o contexto social. Como afirma Freire (1997), os projetos devem iniciar com a escolha de temas que sejam de interesse da comunidade escolar e que possibilitem a articulação com os conteúdos escolares. Os temas dos projetos, seus conteúdos específicos e a forma como serão desenvolvidos não devem ser propostos apenas pelo educador. Os professores e alunos precisam ter uma participação ativa em todas as etapas do projeto. Ao educador compete resgatar as experiências 374 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional do educando, auxiliá-lo na identificação de problemas, nas suas reflexões e na concretização dessas reflexões em ações, além de ter o cuidado de tornar o conteúdo específico sempre relevante à compreensão do tema abordado. Durante o contexto do ESCN III que ocorreu no primeiro semestre de 2010, as oficinas demandadas pelo grupo escolar foram: “papel reciclado e questões ambientais”, “viveiro, cerrado e o social”, “astronomia: o universo e nós”, “permacultura e a sustentabilidade”, “tipos de energia: obtenção e implicações”, “Sexualidade” e “Átomos, moléculas, suas ligações e o ambiente”. Ainda ao final do primeiro semestre letivo de 2010, os discentes se dividiram conforme suas afinidades e interesses e, durante o recesso das aulas e início do segundo semestre de 2010, se dedicaram a estudos pertinentes ao planejamento e organização das oficinas citadas, as quais tiveram seu início nas escolas no início do semestre letivo. As oficinas foram oferecidas a alunos do Ensino Médio, durante os horários das aulas de professores de Química, Biologia ou Física que acolheram os estagiários e gentilmente concordaram com a sua realização. A experiência foi muito proveitosa para todos os envolvidos. Os estagiários tiveram a oportunidade de vivenciar um desafio em seu processo de formação e constituição do “ser professor” que se iniciou com o levantamento de anseios dos educandos do Ensino Médio e a responsabilidade de se adequar às necessidades apresentadas pelo grupo; o professor da Educação Básica teve a oportunidade de acompanhar, planejar e verificar a aplicação de oficinas e seus efeitos quanto ao envolvimento, aprendizagem e desenvolvimento dos alunos. 375 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Considerações Finais De forma geral, entende-se que o curso de graduação em Ciências Naturais atende aos objetivos propostos com relação à formação de professores voltados para a temática da Educação Ambiental, almejando os aspectos relacionados à formação de um professor pesquisador, crítico, consciente das suas atividades e ativo no seu papel social como professor. Vale destacar que as oficinas sugeridas pelo grupo de alunos do Ensino Médio estão intimamente relacionadas a questões de sustentabilidade, o que demonstra que os alunos da Educação Básica não estão alheios ao contexto sócio-ambiental; muito pelo contrário, suas demandas estão cunhadas neste alicerce. A educação respaldada na sustentabilidade visa estabelecer referências segundo um processo participativo permanente que busca incutir no educando uma consciência crítica sobre a problemática. Dentro desse contexto, é clara a necessidade de conscientizar todos com relação à responsabilidade ambiental, no sentido de promover, sob um modelo de desenvolvimento sustentável, a qualidade de vida. Tal preocupação também está presente nos Parâmetros Curriculares Nacionais, que ressaltam a perspectiva de reflexão com relação às alterações humanas sobre o meio ambiente e a necessidade de se buscar novos padrões de interação mais sustentáveis. Referência BORUCHOVITCH, E. Estratégias de aprendizagem e desempenho escolar: considerações para a prática educacional. Psicol. Reflex. Crit., Porto Alegre, v. 12, n. 2, 1999 . 376 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional BRASIL. Secretaria de educação Fundamental. Parâmetros Curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. BRASIL. Ministério da Educação. (2001). Parecer nº. CNE/ CP 009/2000, de 8 de maio de 2001. Diretrizes Curriculares Nacionais para Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Conselho Nacional de Educação, Brasília, DF, 8 mai. 2001. Disponível em: < http://www.mec.gov.br/cne/pdf/basica>. Acesso em: 18 dez. 2010. CACHAPUZ, A.; GIL-PEREZ, D.; CARVALHO, A.M.P.; PRAIA, J.; VILCHES, A (Org.). A Necessária renovação do ensino de Ciências. São Paulo: Cortez, 2005. CARVALHO, I.C. de M. 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VIGOTSKI, L. S. Psicologia Pedagógica: edição comentada. Porto Alegre: Artmed, 2003. 378 Eixo 6: Política e Gestão Educacional, Sociedade e Juventude Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Consumo, espetáculo e violência nas escolas públicas do Distrito Federal Diogo Acioli Lima Universidade Católica de Brasília Resumo: Este estudo de casos múltiplos analisou cinco escolas públicas do Distrito Federal com elevado grau de práticas de violências, tanto institucionais, como entre os atores e contra os estabelecimentos. O presente trabalho focaliza a atuação de grupos de estudantes dos anos finais do ensino fundamental e as relações de violência ligadas ao consumismo desenfreado e à espetacularização da mesma, tendo como um de seus pilares a influência da mídia em geral, de modo a identificar a escola como possível local de produção de violência. Neste sentido, verificouse uma liquidez nos conceitos ligados à violência, em que as influências midiáticas impostas aos jovens e suas famílias podem conduzir muitos estudantes a ligar o ato de consumir a um ato moral. Sob esta óptica a subjetividade do outro sofre interferências ao tentar ser compreendida como objeto, o trabalho de alteridade e ultrapassamento do ser ficam engessados e o outro se objetifica. A partir desta perspectiva, o consumo de pessoas e comportamentos pode justificar qualquer atitude violenta, pois são vistos de forma constante, banalizada, espetacularizada e muitas vezes com um teor ético positivo em grande parte da mídia que influencia o comportamento dos discentes. Com isso, as violências podem se mostrar veículos de integração grupal e um meio de alcançar status mais elevado, para aqueles que praticam. Palavras- chave: Violência escolar. Ética na escola. Mídia. 381 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Introdução No Distrito Federal e em seu entorno, a violência torna-se cada vez mais preocupante nos ambientes escolares. Percebendo esta realidade, o Ministério Público instituiu o Projeto de Segurança Escolar, com a intenção de criar órgãos internos direcionados para a promoção da segurança nas escolas. Os conselhos de segurança escolar são compostos por diretores, professores, funcionários da escola, alunos e seus pais ou responsáveis (BRASIL, 2004), de modo que toda a comunidade se responsabilize pela questão. Atendendo à solicitação daquele órgão, a Cátedra UNESCO de Juventude, Educação e Sociedade da Universidade Católica de Brasília (UCB) realizou uma pesquisa em estabelecimentos situados em diferentes graus de implantação do Projeto. Imersos em um contexto volátil, as instituições educacionais emergem como um poço de paradoxos, pois um local que deveria prezar pela inclusão social e educação pode aparecer como um dos principais responsáveis pela desconstrução da socialização. Pino (2007) afirma que as violências escolares podem gerar graves consequências tanto para os alunos que nelas estudam quanto para a sociedade que a rodeia, construindo um arquétipo educacional falido e distorcendo referenciais morais e culturais. Com a educação escolar implementando saberes cada vez mais distantes da realidade dos alunos, a violência que nasce muitas vezes nos pátios escolares não aparece de forma espontânea, sendo impulsionada pela mídia e pelas próprias famílias. Quando a violência nasce dentro de casa, fica clara a influência do contexto sóciofamiliar nas agressões dentro das escolas. Nos países desenvolvidos este contexto tem um peso aproximado de 80% da variância de aproveitamento dos estudantes e os 20% restantes são atribuídos a escola. Nos países em desenvolvimento as variáveis extraescolares passam para 60% e 40%, respectivamente, confirmando o fato de que, nos países da América Latina, a escola tem uma importância fundamental no desenvolvimento do aluno (GOMES, 2005). 382 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Na pós-modernidade, os fenômenos se manifestam de forma complexa, se completando, entrelaçando e se desfazendo. A violência não foge a regra, pois, dificilmente emerge de apenas uma fonte, neste caso as mídias aparecem, também, como um forte manancial de violências. Assim, estes veículos de comunicação assumem um papel fundamental na disseminação da violência entre os alunos, construindo na sua subjetividade uma perspectiva indiferenciada e banalizada das atitudes agressivas. Dois pilares, construídos pela mídia, fundamentam o constante consumo de violência entre estes estudantes, são eles: a banalização e a espetacularização. No que diz respeito à banalização da violência, Bourdieu (1997) percebe este ciclo de forma peculiar, pois afirma que sua mola mestra são os fatores econômicos que envolvem a mídia, ou seja, a audiência. Assim, estes veículos têm como função transformar o ordinário em extraordinário, e para isso a corrida pelo furo de notícia homogeniza tudo o que é transmitido. Com a violência passando em todos os veículos midiáticos com constância, a mesma se torna ordinária, e como a intenção é transformar tudo em extraordinário, a busca pelo momento mais violento, cada vez mais insensibiliza os olhos sociais. Aliada à banalização, a espetacularização da violência nas escolas toma proporções cada vez maiores, pois atitudes agressivas se tornam premissas básicas para demonstração de poder e aquisição de um status elevado (LIMA, 2010). Considerando que a sociedade pós-moderna estrutura relações interpessoais na troca de signos distorcidos e líquidos, baseando tudo isso no consumo simbólico de imagens, a espetacularização se manifesta como afirmação da aparência ou da vida pessoal e social como puro simulacro (SIBILA, 2009). A mídia, como um veículo de construção de realidade também estrutura conceitos, e, para muitos jovens a liberdade se manifesta na ação de mudar os canais de acordo com sua vontade. Assim, estes podem permanecer muitas horas do dia passivamente 383 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional em frente à televisão, este processo pode causar uma degradação da capacidade de abstração, pois eles deixam de se esforçar intelectualmente para compreender o visto para receber apenas imagens prontas e editadas. Neste procedimento, a violência se banaliza em massa e se torna um espetáculo fundamentado na intenção do controle social (NJAINE, 2006). Para Lima (2010), o ambiente escolar sofre forte influência do meio externo, podendo causar dissonâncias na compreensão do certo e errado e fazendo da violência um bem de consumo banalizado. Consumir se torna a ordem do dia, adquirir roupas, comportamentos e linguagens, muitas vezes, pode servir como uma forma de reafirmar um caráter ligado à identidade, mesmo parecendo paradoxal, pois, o jovem primeiro se afirma igual dentro do grupo para parecer diferente perante a sociedade. Bauman (2008) desenha a questão do consumo ligada à identidade, pois a representação do que a pessoa é muitas vezes se mostra por meio do que ela consome, seja ligada ao aspecto estético ou comportamental. Nesta óptica, onde o consumo perpassa o aspecto puramente material e se liga à personalidade da pessoa, ele pode se tornar também um ato moral. Sob este aspecto, o consumo e espetacularização das violências nas escolas tendem a crescer, pois com o certo e o errado sofrendo interferências em seus conceitos, atitudes violentas podem parecer corretas e ainda gerar status àqueles que as cometem. Percebendo a urgência de analisar as violências escolares, o presente artigo visa compreender as relações de consumo e espetacularização da violência entre estudantes das séries finais do ensino fundamental em escolas públicas do entorno do Distrito Federal. 384 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Metodologia A pesquisa em que este trabalho se baseia focalizou cinco escolas públicas urbanas do Distrito Federal, escolhidas intencionalmente por se encontrarem em diferentes estágios de implantação de um projeto de segurança. Sendo estabelecimentos onde a violência era grave, não representam a situação da rede. Tendo natureza qualitativa e quantitativa e caráter descritivo e exploratório, a pesquisa utilizou como técnicas de coletas de dados observação, entrevistas de grupo focal com alunos; entrevistas semiestruturadas individuais com diretores, membros dos conselhos de segurança escolar – CSE - e policiais e aplicação de questionários a professores e alunos. Foram focalizadas as turmas do sexto ao nono ano do ensino fundamental e de aceleração dos turnos diurnos. Os pesquisadores foram alunos voluntários de Pedagogia, Psicologia e Direito, além de mestrandos em educação da Universidade Católica de Brasília. Todos foram capacitados não só para a coleta de dados, mas também para a sua organização e análise, sendo acompanhados ao longo de todo o processo. Ao todo participaram da pesquisa 783 alunos, 111 professores, oito policiais, dez membros dos CSE, cinco diretores e 91 alunos nos grupos focais. A coleta de dados ocorreu em abril e maio de 2008. Análise e discussão Na sociedade contemporânea, as violências se manifestam a todos os instantes, geralmente de maneira líquida, adaptando-se ao invólucro por ela necessitada, o que pode dificultar a compreensão da mesma por todos aqueles que a sofrem e praticam. Lipovetsky (2008) sugere que a violência, na atualidade, se envolve em um paradoxo, onde algumas vezes ela se mostra velada por uma moral negativa e em outras vezes por uma positiva. Sob este aspecto, surge nas escolas uma urgência de compreender os múltiplos 385 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional sentidos das violências, dentre elas as relacionadas ao consumismo e espetacularismo. Para compreender a ligação do consumismo com a violência nas escolas, a objetificação do ser aparece como um dos arquétipos que sustentam todo este ciclo. Consumir torna-se a ordem do dia, fazendo a sociedade levantar um conceito de dualidade, sujeitoobjeto e consumidor-mercadoria, transformando os alunos em mercadorias a serem consumidas a todos os instantes (BAUMAN, 2008). A tentativa de um comportamento moralmente correto entrelaça o consumismo e a violência a todo o momento, tornando a escola uma passarela de comportamentos violentos. Muitas vezes, o consumismo é o motivo para o início de muitas violências. O status gerado por uma roupa da moda pode causar muitos problemas, como explicou uma estudante da Escola 2: “Teve uma menina, porque, tipo assim, as meninas, tipo assim, se acham uma menina bonitinha, se acha que ela é mais bonitinha do que ela, ela vai querer brigar com ela. Vai estragar a imagem dela, que não sabe brigar e nada...”. Com isso, fica claro que a imagem pode ser uma forma de objetivação da pessoa, que muitas vezes usa da mesma para entrar no processo de consumismo, sendo ela objetificada pelo olhar do outro. A beleza é considerada uma mercadoria, e muitos dos estudantes, quando não a podem ter, tentam destruí-la, como mostra o relato desta aluna: “já vi baterem em uma menina só porque ela era mais bonita que outras, daí quiseram acabar com isso...” O consumo de pessoas visto de forma objetificada, pode ostentar mais violências quando não se pode consumir tanto a pessoa quanto sua beleza. Na Escola 5, um fato narrado por uma aluna confirmou o consumo violento de pessoas, quando, uma estudante foi forçada por cinco jovens a entrar em uma sala vazia. Após fecharem as portas, a aluna foi colocada em cima da mesa e sua roupa foi parcialmente retirada a força, até entrarem algumas colegas na sala e chamarem as autoridades escolares. 386 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Circulando por entre os pátios escolares, a violência se une ao consumismo, quando, para fazer parte de um grupo ou mostrar status, os estudantes devem estar sempre vestidos com roupas da moda, geralmente aprendidos com a mídia (LAURENS, 2006). Para que isso aconteça, a violência pode ser um dos maiores veículos para a aquisição destes produtos, como relatou uma estudante da Escola 2: “Aqui na educação física, roubou o tênis do menino, ele estava fazendo a aula e roubaram o tênis dele...”. Com a vaidade, a vontade de pertencer a algum grupo ou de tornar-se um sujeito-objeto para serem mais facilmente consumíveis, muitos discentes se expõem a situações de violência para permanecerem na moda, como afirmou indignada uma estudante no grupo focal: “Uma vez eu falei para minha mãe que iam roubar meu tênis, ela comprou outro e falou que não era para eu vir mais com este tênis, mas eu continuo vindo, já roubaram meu Nike shoks na rua, eu perdi 250 reais”. Assim, quando os alunos foram perguntados a respeito da ocorrência de roubos e furtos nas escolas, 64,7% concordaram muito e um pouco que este fenômeno é recorrente, 6,5% não manifestou opinião, 8,4% discordaram um pouco e muito e 20,4% anularam a questão. Ao todo, 43,2% dos respondentes declararam ter presenciado estes atos de violência, mas, perguntados sobre a autoria dos fatos, só 4,7% afirmaram já ter roubado ou furtado no interior da escola e 74,4% disseram não ter cometido roubos ou furtos. Contudo, o consumismo não gera apenas violências ligadas a roubos e furtos, consumir pessoas também aparece como uma forma de violência. Para Lima (2010), tais relações de consumo geralmente estão ligadas a relações de dominações, onde quem mais consome aparece como o senhor da relação. Sob esta ótica, as gangues de estudantes muitas vezes servem como um referencial ético e comportamental a ser seguido pelos estudantes. O fato de seus líderes ou a própria gangue desfrutarem de status elevado pode ser um dos fatores que motivam os jovens a pertencer ao grupo e fazer da identidade do mesmo a sua própria identidade. A 387 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional popularidade dos alunos integrantes de gangues se mostra muito comum na cultura dos jovens, como explica um aluno da Escola nº 1: “As meninas gostam é de meninos que fazem parte de gangues, que batem nos outros, usam roupas de marcas...”. Neste caso, salientam-se como critérios de prestígio a força, a agressividade e a valorização do consumo. Contudo, nem todas as garotas se mostraram interessadas neste perfil de jovem, ficando claro que o grande número de alunas que gostam de jovens violentos não representa a totalidade. O consumismo para estes jovens muitas vezes parece não ter limites, e consumir apenas objetos já não supre mais as vontades de seus desejos, com isso, seus olhares objetificam pessoas e as transformam em algo consumível (LIMA, 2010). Agregado a estes fatos, a espetacularização da violência tende a elevar o nível e a banalização de tais atitudes. Em uma análise a respeito do movimento de banalização da mídia, Bourdieu (1997) percebe este ciclo de forma peculiar, pois, veículos midiáticos têm como função transformar o ordinário em extraordinário, e para isso a corrida pelo furo de notícia homogeniza tudo o que é transmitido. Com a violência passando em todos os veículos midiáticos com constância, a mesma se torna ordinária, e como a intenção é transformar tudo em extraordinário, a busca pelo momento mais violento, cada vez mais insensibiliza os olhares sociais e aquilo que antes se mostrava incomum passa a ser comum. Tal banalização aparece para os alunos muitas vezes como uma violência paradoxal, onde, se encontram em becos sem saída, como relatou uma estudante no grupo focal: “Se a gente vem de chinelo chamam a gente de mendigo e, se vem toda arrumada, nos roubam e chamam de playboy...”. Sem nortes éticos a seguir, muitos estudantes percebem a violência como um espetáculo que se mostra como uma afirmação da aparência, identidade e dominação social, criando um dispositivo de espetacularização para assumir o controle social sobre a massa de alunos indiferenciados (SIBILA, 2009). 388 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Com a intenção de afirmar a identidade do grupo, as violências se tornam cada vez mais espetacularizadas, como afirmou um estudante da Escola 1: “Na hora do recreio, os alunos mais velhos fazem uma corrente humana no corredor e saem arrastando e batendo em todos que tiverem no pátio, professores e o diretor observam mas não fazem nada...”. Fica claro neste relato, que a violência se torna um espetáculo para todo o colégio, afirmando por meio do medo, a identidade dos senhores dos grupos que a realizam. O aprendizado da violência como espetáculo pode também ser realizado dentro de casa com a própria família. Em muitos casos a violência entre casais e pais e filhos é vista na televisão como algo normal, e muitas vezes espetacular, assim, quando o jovem compara a violência da televisão com a que acontece em sua casa percebe que são semelhantes e se identifica com o contexto. Nestes casos, a percepção da violência dentro de casa pode não ser vista como algo negativo, pois, como aparece na televisão como representação da vida real, e sua vida real se mostra tão violenta quanto às novelas tudo isso parece comum e espetacular quando vivido na vida dos jovens (LIMA; SANTANA; GOMES, 2008). No ambiente escolar, esta questão pôde ser percebida no relato de um aluno da Escola 2: “Dentro de casa, o pai bate na mãe e os meninos acham bonito e fazem o mesmo aqui na escola...”. A violência aprendida dentro de casa pode ser um dos motivadores das brigas nas escolas, este fato somado à influência da mídia pode fazer o ambiente escolar ficar repleto de agressividade. Este aprendizado da violência por meio da mídia foi relatado com indignação por uma estudante da Escola 3: “... Eu acho assim, existe violência pela televisão, pela internet, porque as crianças, hoje em dia tão muito ligada em televisão e tudo que eles pegam pela televisão eles imitam...”. Na Escola 5, o panorama não se mostrou muito diferente, como relatou uma estudante: “... Muitos alunos veem filmes de luta e ficam brincando de briga na hora do recreio, de vez em quando sai uma briga de verdade...”. 389 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Fechando o ciclo de espetacularização e consumo da violência, a internet fomenta mais uma fonte de influência para comportamento agressivo dos jovens. A facilidade que este veículo promove para a construção de uma identidade fictícia chama a atenção de muitos jovens, causando dissonância no entendimento entre o real e o simulacro, ajudando a esconder a verdadeira identidade de quem acessa a rede. Com isso, as violências encontram os caminhos abertos nas redes sociais, onde muitas brigas de gangues são marcadas e ameaças feitas (LOPES NETO, 2005). A internet, como um veículo digital de massificação da violência, também espetaculariza a mesma, com acesso ilimitado a todo tipo de conteúdo, os jovens aprendem rápido que a espetacularização da pornografia muitas vezes vem aliada à violência e coerção. Confirmando este fato, no grupo focal da Escola 2, uma estudante relatou o fato da espetaculosidade de imagens privadas em mídias como a internet. Neste relato, a aluna declarou que algumas estudantes eram obrigadas a ir ao banheiro e, no interior das cabines eram fotografadas nuas por outras meninas integrantes de gangues. Fazer parte do ciclo de violência nas escolas é quase um imperativo categórico para os jovens que as frequentam, não importando se como observadores, vítimas ou praticantes. A mídia e a família podem assumir papeis fundamentais na formação dos estudantes, contudo, com a banalização e manipulação dos conceitos linguísticos e sociais, todo este processo pode sofrer dissonâncias e o certo e o errado adquirir um tom de liquidez. Neste processo, a transformação da violência em um bem de consumo espetacularizado pode instigar o comportamento agressivo dentro das escolas, estimulando jovens alunos a perceber a violência como parte integrante de suas vidas e em muitas vezes um veículo tanto de dominação quanto de inclusão social. 390 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Conclusão Percebendo o ciclo contínuo de formação da violência, que a todo o momento se espetaculariza por influência da mídia, muitos jovens sofrem dissonâncias na construção de seus conceitos, podendo tornar a violência algo banal e corriqueiro. Com a objetificação do outro, os jovens passam a consumir violentamente pessoas e comportamentos, assim como objetos, pois o caráter de alteridade e ultrapassamento do ser se tornam engessados. Sob este aspecto, o processo de banalização da violência imposto pela mídia, que espetaculariza as brutalidades, pode se manifestar como um dos fortes pilares para a transformação de atos violentos em atos de inclusão social e disputas de poderes nos ambientes escolares, assim, ocorre uma troca de toda a transcendência e interpretação da subjetividade alheia pelo preço da abundância e dos excessos na ausência de compreensão do outro como um fim em si mesmo. Referências BAUMAN, Zygmunt. Vidas para consumo: as transformações das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão: a influência do jornalismo e jogos olímpicos. Rio de Janeiro: Zahar, 1997. BRASIL. Ministério Público da União. Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. 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Acesso em: 18 jun 2008. SIBILA, Paula. La intimidad como espectáculo. Buenos Aires: Fondo de cultura económica, 2009. 392 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Formação e atuação do educador social no Brasil Luciano Cardoso Resumo: Este paper trata da questão inerente à formação e à atuação do educador social no Brasil. É sabido que muitas pessoas, movidas apenas pela boa vontade e pelo nobre sentimento de solidariedade, se intitulam “educador social” sem jamais terem participado de qualquer qualificação para tal. Não existe, no Brasil, sequer um Curso de Graduação em Pedagogia Social ou nomenclatura similar. Os cursos de especialização em Pedagogia Social começam a surgir, mas, de forma bastante tímida. Para um futuro curso de graduação em pedagogia social, tendo como base o curso oferecido pela Universidade Salesiana de Roma, propõese uma matriz curricular que contemple conteúdos pedagógicos, psicológicos, humanísticos, sociológicos, jurídicos e técnicas de animação cultural. A Universidade Católica de Brasília, a Universidade de São Paulo - USP, a Universidade Federal do Paraná e a Universidade de Campinas – UNICAMP destacam-se na promoção do desenvolvimento da pedagogia social brasileira. Porém, mais preocupante que a inexistência de cursos destinados à formação do educador social é a constatação de que o poder público brasileiro não demonstra a menor preocupação com esta realidade, o que, felizmente, não impede o florescimento de uma pedagogia social viva. Com relação à atuação do educador social, que geralmente trabalha com a educação de adultos, de adolescentes em situação de vulnerabilidade, de toxicodependentes, de jovens em situação de extrema pobreza material, excluídos socialmente e vítimas da desagregação familiar, não há sequer um levantamento das reais condições de trabalho. Um verdadeiro educador social, para atuar de forma efetiva, deve estar devidamente titulado e qualificado para promover ações de cunho socioeducativo. Palavras-chave: Atuação. Educador Social. Formação. 393 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Introdução Com este texto objetiva-se analisar a formação do educador social no Brasil, em nível de graduação e pós-graduação, o campo de atuação deste profissional, bem como a experiência adquirida através da vivência e convivência daqueles que exercem o ofício de trabalhar com as vítimas da sociedade excludente contemporânea. A formação do educador social merece uma profunda reflexão visto que o futuro profissional atuará frente a um público bastante diferenciado, num contexto repleto de particularidades e em um espaço que geralmente não oferece as condições ideais para o desenvolvimento de crianças e adolescentes. Também será discutida a atuação de diversas pessoas que se intitulam educadores sociais, mas que não têm uma formação adequada, o que não raramente causa frustrações tanto para os educandos quanto para os próprios pseudo-educadores sociais. Explicitados os pontos fundamentais e os objetivos do presente texto, necessário se faz esclarecer que o mesmo é fruto exclusivamente de pesquisa bibliográfica. Formação do Educador Social Infelizmente é de fácil constatação, porém, de difícil compreensão, o desprezo com que o poder público brasileiro trata a Pedagogia Social. Entender porque o Brasil ainda não incorporou a Pedagogia Social como uma área de conhecimento dedicada à formação docente, campo de pesquisa e de trabalho profissional, é uma incógnita. O fato é que há um grande número de países em que a Pedagogia Social é reconhecida como ciência 394 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional destinada à formação profissional, ainda que com diferentes matizes, para contemplar a especificidade de cada país. (SILVA; SOUZA NETO; MOURA, 2009, p. 15) Embora diversos documentos referentes às políticas educacionais brasileiras mencionem a democratização da educação, como um direito de todos e dever do Estado e da família, nos cursos de Pedagogia, bem como nas especializações em educação, o conteúdo inerente à Pedagogia Social é praticamente insignificante. Durante décadas não houve reflexões teóricas sobre o tema. Nem mesmo a constatação de que no Brasil um grande número de crianças e adolescentes vive numa situação de extrema vulnerabilidade, onde seus direitos fundamentais são frontalmente desrespeitados, fez com a Pedagogia Social ocupasse o lugar de destaque que merece no cenário educacional brasileiro. Não obstante a insensibilidade dos pensadores e instituidores da política educacional brasileira, a Pedagogia Social floresce. Neste sentido, valiosa é a lição otimista do Professor Geraldo Caliman, o mais conceituado estudioso da Pedagogia Social no Brasil. Notamos com satisfação a riqueza da ação sociopedagógica vivida no momento atual pelo Brasil. Tal diversidade de metodologias e de projetos ficou patente, por exemplo, por ocasião do I Encontro Nacional de Educação Social realizado no Anhembi, São Paulo, em junho de 2001, mas, sobretudo, com a convocação do presente congresso em um ambiente tão significativo como a USP. Tal riqueza emerge com intensidade em todos os recantos do Brasil, mas não pode permanecer para sempre como uma riqueza: ela deve ser estudada, sistematizada e difundida. Ela tem como fio condutor a Pedagogia Social, 395 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional disciplina de crescente importância em tempos de acirramento das desigualdades sociais em contextos urbanos (CALIMAN, 2009, p. 52). O Professor Geraldo Caliman cobra, conforme citado acima, que a Pedagogia Social seja estudada, sistematizada e difundida, o que, na realidade, ele já vem fazendo com maestria, conforme lição abaixo: Coube ao ítalo-brasileiro Geraldo Caliman, hoje o mais gabaritado estudioso da Pedagogia Social no Brasil, sistematizar as bases concretas da Pedagogia Social, nesta coletânea. Caliman fez mestrado e doutorado em Ciências da Educação na Università Pontifícia di Roma, onde lecionou Pedagogia Social por cerca de dez anos. Vivenciou a experiência de implantar e coordenar o Programa de Mestrado e Doutorado em Pedagogia Social naquela universidade. Seu texto, portanto, já faz uma aproximação entre a Pedagogia Social e a realidade social brasileira, especialmente no que se refere a uma proposta metodológica para a realização da pesquisa em Pedagogia Social (SILVA; SOUZA NETO; MOURA, 2009, p. 19). Vale destacar que além dos feitos acima citados, em prol da Pedagogia Social, o Professor Geraldo Caliman, atualmente, é professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Educação da Universidade Católica de Brasília, onde leciona Pedagogia e Educação Social; na mesma universidade criou e coordena a especialização em Educação Social, visando à formação de educadores sociais; é conferencista e autor de vários trabalhos sobre Pedagogia Social, 396 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional publicados no Brasil e no exterior. Importante frisar que a citação de alguns dos muitos feitos do Professor Geraldo Caliman, tem como único objetivo demonstrar que o Brasil tem um profissional de altíssimo nível a serviço da Pedagogia Social. O desenvolvimento teórico da Pedagogia Social no Brasil, atualmente, acontece de forma significativa, principalmente, na Universidade Católica de Brasília – UCB e na Universidade de São Paulo – USP. O trabalho realizado na Universidade Católica de Brasília já foi destacado anteriormente. Na Universidade de São Paulo o professor Roberto da Silva, livre docente em Pedagogia Social, coordena grupo de estudos que desenvolve pesquisas a despeito da formação de educadores sociais, educação de moradores de ruas, cumprimento de medidas sócio-educativas, profissionalização de educadores sociais e práticas sócio-educativas, dentre outras. Nesta universidade já aconteceram o I, II e III Congresso Internacional de Pedagogia Social – CIPS, com a participação de renomados estudiosos de diversos países, o que resultou na publicação de diversos trabalhos de excelente qualidade. O trabalho realizado nas universidades acima citadas, na Universidade de Campinas – UNICAMP e na Universidade Federal do Paraná, dentre outras, contribui valiosamente para a formação de educadores sociais qualificados para o enfrentamento de questões a eles apresentadas. Mas como se situa a Pedagogia Social frente à Pedagogia Escolar? Para Moraes (2010), antes de se responder a este questionamento, deve ser considerado que a Pedagogia Escolar se desenvolve em espaços formais, com currículos estruturados e com pequena flexibilidade, além de possuir didática e metas prédefinidas. Sobre a Pedagogia Social a professora baiana leciona: A Pedagogia Social se desenvolve em espaços de educação não-formais que apresentam determinadas características, surgindo como respostas as exigências da educação de crianças 397 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional e jovens, mas também de adultos, que vivem em condições de marginalização da sociedade. A sua necessidade se amplia com o aumento das desigualdades sociais fruto da corrida pelo lucro dos países hegemônicos (MORAES, 2010, p. 09). O professor Geraldo Caliman afirma que a Pedagogia Social se distingue da Pedagogia Escolar por diversas razões, e destaca duas destas razões: a primeira seria pela evidência dos fatos, na medida em que se encarrega de resolver os casos que a Pedagogia Escolar não consegue solucionar. A segunda razão deriva da primeira, conforme lição de Caliman: A primeira tem toda uma história e é amplamente desenvolvida pela didática, ciência ensinada nas universidades. A segunda, a Pedagogia Social, se desenvolve dentro de instituições não formais de educação. É uma disciplina mais recente que a anterior. Nasce e se desenvolve de modo particular no século XIX como resposta às exigências da educação de crianças e adolescentes (mas também de adultos) que vivem em condições de marginalidade, de pobreza, de dificuldades na área social. Em geral essas pessoas não frequentam ou não puderam frequentar as instituições formais de educação. Mas não só: o objetivo da Pedagogia Social é o de agir sobre a prevenção e a recuperação das deficiências de socialização, e de modo especial lá onde as pessoas são vítimas da insatisfação das necessidades fundamentais. 398 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Podemos re-afirmar, portanto, que no Brasil atual a Pedagogia Social vive um momento de grande fertilidade. É um momento de criatividade pedagógica mais que de sistematização dos conteúdos e dos métodos. Em outras palavras, mais que pedagogistas, temos no Brasil educadores que colaboram com o nascimento e o desenvolvimento de um know how com identidade própria, rica de intuição pedagógica e de conteúdos. Ao mesmo tempo nos damos conta de que é chegado o momento no qual precisamos sistematizar toda essa gama de conhecimentos pedagógicos para compreender melhor e interpretar a realidade e projetar intervenções educativas efetivas. (CALIMAN, 2009, p. 58-59) Mas como deve ser oferecida a formação do educador social? Deve ser em nível de graduação, especialização ou capacitação? A professora Ercília Maria Angeli Teixeira Paula, da Universidade Estadual de Ponta Grossa – PR, apresenta o pensamento do professor Roberto da Silva sobre a questão: O Prof. Dr. Roberto da Silva em conjunto com pesquisadores brasileiros e de vários países onde a Pedagogia Social já é uma realidade, elaboram uma proposta da pedagogia Social para cursos de graduação e pós-graduação (lato-sensu) e posterior regulamentação da profissão, apresentada na Semana de Avaliação do Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo em 2009. Para ampliar a formação dos pedagogos, o professor sugere três desafios descritos no 399 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Portal da Pedagogia Social (2009). Ele propõe para a Universidade de São Paulo a nível de graduação a criação de um curso de Pedagogia Social. Para pós-graduação propõe curso de especialização em Pedagogia Social a distância e cursos de formação para educadores sociais que há muitos anos estão trabalhando nas Organizações Não Governamentais sem o devido preparo (PAULA, 2009). Embora a proposta do professor Roberto da Silva seja focada na Universidade de São Paulo, em linhas gerais, salvo melhor juízo, atenderia aos anseios de toda a sociedade brasileira. No que tange à graduação, o professor Caliman apresenta a matriz curricular da graduação em Pedagogia Social da Universidade Salesiana de Roma: Para formar tais profissionais a Faculdade de Educação da UPS (Itália) distribui assim a sua grade disciplinar: 31,2% de pedagógicas, 14,6% de Psicológicas, 14,6% de Humanísticas, 12,5% são disciplinas sociológicas, 12,5% são técnicas e de animação cultural, 4,2% jurídicas (CALIMAN, 2009, p. 54-55). Segue a relação das disciplinas que compõem a matriz curricular do curso acima citado. Disciplinas pedagógicas: Pedagogia das Relações Humanas, Pedagogia da Reeducação de Menores, Pedagogia Intercultural, Pedagogia da Comunicação Social, Educação e Ciências da Religião, Processos Formativos e Formação de Adultos, Biologia da Educação, História da Educação e da Pedagogia, Prevenção e Tratamento da Toxicodependência e Sistema Preventivo na História; disciplinas psicológicas: Psicologia do Desenvolvimento, Psicologia Social, Psicologia da Comunidade, Psicologia do Trabalho, Psicologia da Religião e 400 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Psicologia do Desenvolvimento; disciplinas humanísticas: Filosofia da Educação, Ética Profissional, Teologia da Educação, Educação e Bíblia, Antropologia e Comunicação e Antropologia Cultural; disciplinas sociológicas: Sociologia da Educação, Sociologia da Família, Sociologia do Desvio, Sociologia do Tempo Livre, Sociologia dos Processos Culturais e Sociologia das Organizações; disciplinas técnicas de animação cultural: Metodologia da Pesquisa Pedagógica, Metodologia Pedagógica Evolutiva, Estatística, Metodologia do Trabalho Científico e Metodologia da Prevenção e Reeducação; disciplinas jurídicas: Legislação do Menor, Direitos Civis e Cidadania. (CALIMAN, 2009). Com a devida e indispensável contextualização, o Curso de Pedagogia Social da Universidade Salesiana de Roma, serviria de ponto de partida para discussões sobre a futura graduação em Pedagogia Social no Brasil. Também deve ser considerada a formação de educadores sociais em países como Alemanha, Espanha, França, Itália, Portugal e Uruguai, onde a Pedagogia Social já é uma realidade. Atuação do Educador Social Não seria prudente delimitar o campo de atuação do educador social, tendo em vista o grande risco de diminuir a importância do trabalho prestado por esse profissional. Não obstante, algumas demarcações podem ser traçadas. Podemos, no entanto, dizer que existem alguns âmbitos de atuação que atualmente correspondem a tais critérios: a Educação de adultos, a Educação de adolescentes em situação de risco, a recuperação e reinserção social de sujeitos toxicodependentes, a orientação escolar de alunos atingidos por fortes condicionamentos sociais (pobreza, 401 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional exclusão social, desagregação familiar), a ação educativa dentro dos ambientes familiares, a influência dos meios de comunicação social e das associações e grupos juvenis (grupo de pares, gangues etc). (CALIMAN, 2009, p. 59) Ainda segundo o Professor Caliman (2009), a Pedagogia Social, de forma preventiva e recuperativa, promove melhorias nas condições de bem-estar social, convivência, exercício de cidadania, promoção social, desenvolvimento e melhorais nas condições de vida daqueles que convivem com o sofrimento e a marginalidade. Questão intrigante refere-se ao termo adequado a ser utilizado na titulação do profissional da Pedagogia Social: Educador Social, Educador Profissional ou Pedagogo Social? Apesar de não ser um entendimento unânime, principalmente porque é bastante tênue a linha divisora das diversas práticas sociais, pensa-se que o termo mais adequado para titular o profissional formado em Pedagogia Social seria Educador Social. Nesse sentido, lecionam Moura e Zuchetti (2006, p. 234): “Em todo caso, o educador social parece ser o profissional devidamente titulado, ou em vias de titulação, que responde sobre ações de caráter socioeducativo, no âmbito de intervenções primárias, secundárias e terapêuticas”. De forma precisa as professoras Eliana Moura e Dinorá Tereza Zuchetti (2006) se posicionam: Entendemos que a Educação, enquanto prática social, precisa (re)criar uma Pedagogia Social que se apresente como um campo de saber e fazer, no entremeio da Educação e da Assistência Social, e que se abasteça de um arcabouço teórico-metodológico capaz de intervir naqueles fatores que 402 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional produzem vulnerabilidades e/ou nos tornam vulnerabilizados. (p. 235) De forma sintética pode-se dizer que o profissional do Serviço Social trabalha com o objetivo de melhorar o bem-estar da população atingida por problemáticas individuais ou coletivas, que necessitam de assistência social. Já o Educador Social é aquele profissional devidamente habilitado, que pratica ações de natureza socioeducativas. Considerações Finais No Brasil, infelizmente, não se oferece uma formação adequada àqueles que pretendem atuar como Educadores Sociais. Mais que isso: existe um enorme e evidente desprezo do poder público para com a educação social brasileira. Não existe ainda, no Brasil, um Curso de Graduação em Pedagogia Social. Em nível de pós-graduação existe o Curso de Especialização em Pedagogia Social, oferecido de forma pioneira pela Universidade Católica de Brasília, sob a coordenação do Professor Geraldo Caliman. Verificou-se que o Educador Social atua, de forma preventiva e recuperativa, visando melhorias nas condições de bem-estar social, convivência, exercício da cidadania e promoção social para aqueles que vivem em condições de sofrimento e marginalidade. Indispensável que o Brasil possa oferecer cursos de formação de Educadores Sociais, em todos os níveis, para aqueles que pretendem atuar como verdadeiros agentes de transformação social. Somente com uma formação adequada se obtém profissionais competentes. 403 Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional Referências CALIMAN, Geraldo. A Pedagogia Social na Itália. In: SILVA, Roberto; SOUZA NETO, João Clemente; MOURA, Rogério (Orgs.). Pedagogia Social. São Paulo: Expressão e Arte, 2009. MORAES, Cândida Andrade de. Pedagogia Social Comunidade e Formação de Educadores: na busca do saber sócio-educativo. Disponível em <http://www.smec.salvador.ba.gov.br/site/ documentos/espaco-virtual/espaco-autorias/artigos/pedagogiasocial.pdf>. Acesso em: 03 fev. 2011. MOURA, Eliana; ZUCHETTI, Dinorá Tereza. Explorando outros Cenários: educação não escolar e pedagogia Social. Educação Unisinos, set./dez. 2006. PAULA, Ercília Maria Angeli Teixeira. Educação Popular, Educação Não Formal e Pedagogia Social: análise de conceitos e implicações para a educação brasileira e formação de professores. IX Congresso Brasileiro de Educação e III Encontro Sul Brasileiro de Psicopedagogia, 2009, Anais eletrônicos do evento. Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Disponível em <http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2009/anais/ pdf/2103_1034.pdf>. Acesso em: 01 fev. 2011. SILVA, Roberto da; SOUZA NETO, João Clemente; MOURA, Rogério (Orgs). Pedagogia Social. São Paulo: Expressão e Arte, 2009. 404 Esta obra foi editorada pela Universidade Católica de Brasília Impressão: Miolo: Papel A/P 75g/m2 — Capa: Papel Supremo 240g/m2 Formato: 150x210mm — Fontes: Aldine 401 Bt, Berthold Akzidenz Grotesk