COLETÂNEA DE ARTIGOS DO
SEMINÁRIO INTERNACIONAL
EM POLÍTICA E GOVERNANÇA
EDUCACIONAL
PARA A CIDADANIA, DIVERSIDADE, DIREITOS HUMANOS
E MEIO AMBIENTE
Universidade Católica de Brasília – UCB
Reitor: Dr. Cícero Ivan Ferreira Gontijo
Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa: Prof. Dr. Ruy de Araújo Caldas
Diretor do Programa de Pós-Graduação em Educação: Dr. Afonso Celso Tanus Galvão
COMISSÃO ORGANIZADORA
Dra. Ranilce Guimarães-Iosif – Professora do Programa de Educação - UCB
Dra. Renísia Cristina Garcia Filice – Professora da Faculdade de Educação – UnB/GERAJU
Dra. Lúcia Camini - Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República
Dr. José Manoel Pires Alves – Professor do Programa de Educação - UCB
MSc. Martha Paiva Scárdua – Assessora do Programa de Educação - UCB
MSc. Fernanda Marsaro dos Santos – Doutoranda em Educação da UCB
MSc. Olmira Bernadete Dassoler - Doutoranda em Educação da UCB
MSc. Janete Palazzo - Doutoranda em Educação da UCB
COMITÊ CIENTÍFICO
Dra. Ranilce Guimarães-Iosif - Professora do Programa de Educação - UCB
Dra. Clélia de Freitas Capanema - Professora do Programa de Educação - UCB
Dra. Beatrice Laura Carnielli - Professora do Programa de Educação - UCB
Dr. José Manoel Pires Alves - Professor do Programa de Educação – UCB e Fundação Universa
Dr. Carlos Ângelo de Meneses Sousa - Professor do Programa de Educação – UCB/Cátedra da
UNESCO
Dr. Geraldo Caliman - Professor do Programa de Educação – UCB/Cátedra da UNESCO
Dra. Renízia Cristina Garcia Filice - Professora da Faculdade de Educação – UnB/GERAJU
Dra. Lucia Camini - Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República
Dra. Leda Gonçalves de Freitas – Professora do Curso de Pedagogia – UCB
Dra. Divaneide Lira Lima Paixão - Professora do Curso de Pedagogia – UCB
Dr. Giuliano Pagy Felipe dos Reis – Professor da University of Ottawa, Canadá
EQUIPE DE APOIO/ORGANIZAÇÃO
Alunos regulares e especiais do Programa de Pós-graduação em Educação da UCB
Eliane Fernandes Limão
Maria da Glória
Emanuella Monteiro
Gleice Aline Miranda da Paixão
Magali de F. E. de Machado
Aline Veiga dos Santos
Renato Sérgio Borges
Mirian Daniela Andrade
Maria Ângela de Moraes Cardoso
Olzeni Leite C. Ribeiro
Fernanda Penna
Regina Oliveira
Renato de Oliveira Brito
Gabriela Sousa Rêgo Pimentel
Márlei Sousa de Almeida
José Vicente da Silva
Francisco Roberto dos Santos
Martha Paiva Scárdua
Ranilce Guimaraes-Iosif
Olmira Bernadete Dassoler
Janete Palazzo
(Organizadores)
COLETÂNEA DE ARTIGOS DO
SEMINÁRIO INTERNACIONAL
EM POLÍTICA E GOVERNANÇA
EDUCACIONAL
PARA A CIDADANIA, DIVERSIDADE, DIREITOS HUMANOS
E MEIO AMBIENTE
02 a 06 de Agosto de 2011
Programa de Pós-Graduação em Educação
Brasília-DF
2012
RESPONSÁVEIS PELO FÓRUM DE DISCUSSÃO
MSc. Martha Paiva Scárdua – Assessora do Programa de Educação - UCB
MSc. Fernanda Marsaro dos Santos – Doutoranda em Educação da UCB
MSc. Olmira Bernadete Dassoler - Doutoranda em Educação da UCB
MSc. Janete Palazzo - Doutoranda em Educação da UCB
Equipe Editorial
Coordenação Editorial
Angela Clara Dutra Santos
Diagramação
Adriano da Silva Pereira
Capa
DICOM - Diretoria de Comunicação
Educa - Comunicação Educacional
Diretor Roberto Rezende
Copyright © 2011 by Martha Paiva Scárdua
Direitos dessa edição reservados à Universidade Católica de Brasília - UCB.
SGAN 916 Av. W5 - Asa Norte - 70790-160
URL: www.ucb.br
Tel.: +55-61-3448-7000
C694 Coletânea de artigos do seminário internacional em política e
governança educacional / Organizadoras, Martha Paiva Scárdua...
[et al.]. - Taguatinga, DF: Universa, 2012.
404 p. : il. ; 21 cm
ISBN 978-85-60485-58-1
Inclui bibliografia.
1. Gestão educacional. 2. Inclusão escolar. 3. Professores - Formação
continuada. 4. Política educacional. 5. Educação integral. 6.
Cidadania. 7. Educação superior. 8. Educação profissional. 9. Direitos
humanos – Educação. 10. Educação ambiental. 11. Violência na
escola. Scárdua, Martha Paiva, org. II. Título.
CDU 37
Ficha elaborada pela Biblioteca Central da Universidade Católica de Brasília – UCB
* O conteúdo dos resumos apresentados é de inteira responsabilidade de seus
respectivos autores, assim como a adequação técnico-linguística dos textos.
S umário
Apresentação ............................................................................................9
Eixos temáticos e objetivos do Seminário ............................................... 13
Eixo 1:
Políticas Públicas, Governança e Gestão Educacional: desafios
sociais........................................................................................................15
As competências do gestor escolar no entorno sul do Distrito Federal
– Eliane Fernandes Limão......................................................................... 17
População em situação de pobreza e qualidade da educação brasileira
– Natália Duarte......................................................................................... 29
A política de ensino médio nos marcos da Constituição/1988 e da
LDB/1996: o estado atual da questão em um município baiano – Gabriela
Sousa Rêgo Pimentel................................................................................. 43
A gestão focada na inclusão: escola aberta para a diversidade – Gleice Aline
Miranda da Paixão e Aline Veiga............................................................... 59
Acessibilidade e expansão da Educação Superior no Brasil: os impactos
do ordenamento legal e de variáveis sócio-econômicas relacionadas à
educação superior – Renato Borges.......................................................... 71
Políticas públicas e gestão do ensino médio público no Distrito Federal:
a formação continuada de professores na perspectiva de organismos
multilaterais – Fontele de Lima Júnior e Kátia de Jesus Amin Athayde
Figueiredo.................................................................................................. 87
Gestão de TI: ferramenta de suporte para a Educação a Distância – Fábio
Brito Gontijo............................................................................................ 101
Formação continuada de professores e políticas educacionais: discutindo
conceitos, concepções e metodologias – Simone Coité......................... 115
Eixo 2:
Política
Educacional,
Cidadania
e
Movimentos
Sociais:
perspectivas e desafios locais e globais. ..........................................131
Educação integral e educação de tempo integral: desafios e contradições
na construção da cidadania – Fernanda Marsaro dos Santos e Janete
Palazzo...................................................................................................... 133
Desafios e implicações da governança educacional para uma Educação
Católica na construção da cidadania – Olmira Bernadete Dassoler...... 149
A cidadania docente na educação superior – Isabela Cristina
Marins Braga.......................................................................... 167
Políticas educacionais e exclusão: questões contemporâneas de cidadania
dos estudantes com superdotação em situação de pobreza – Olzeni L.
Costa Ribeiro, Magali de Fátima Evangelista Machado e Renato de
Oliveira Brito R........................................................................................ 183
Os desafios da Educação Profissional brasileira na promoção da cidadania
– Kátia Christina Soares de Morais Corrêa............................................ 201
Eixo 3:
Política e Gestão Educacional para a Diversidade étnico-racial,
sexual, social, cultural e lingüística..............................................217
Construção e desafio de uma identidade negra positiva a partir de Alberto
Melucci – Jorge Manoel Adão................................................................. 219
Da necessidade de novas práticas: implicações da Lei Federal Nº
10.639/2003 no Ensino Médio – Denise Maria Soares Lima................ 235
Candomblé Iorubá: a relação do homem com seu orixá pessoal – Francisco
Thiago Silva.............................................................................................. 251
Desigualdade social, educação e literatura infantil: aspectos relevantes
para um projeto de identidade étnico-racial na escola – Lucilene Costa e
Silva273
Movimento Negro: a educação no contexto dos avanços após a marcha
Zumbi dos Palmares – João Costa Lima................................................. 289
A diversidade na escola: como lidar com as relações étnico-raciais, de
gênero e sexualidade? Ana José Marques, Leila d’Arc de Souza e Márcia
Lucindo Lajes........................................................................................... 311
Eixo 4:
Política e Gestão Educacional em e para os Direitos Humanos e
o Direito à Educação no Brasil........................................................331
A educação em direitos humanos no Distrito Federal: conquistas e
desafios – Adriana Miranda e Maraísa Lessa........................................... 333
Eixo 5:
Política e Gestão Educacional para o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento Sustentável . ........................................................347
Ambientes alternativos de vivência e aprendizagem - Luiz Síveres,
Lucicleide Araújo e Carla Cristie França................................................ 349
A Educação Ambiental e a formação de professores em Ciências: um
caminho para o desenvolvimento sustentável – Fernando Barcellos
Razuck e Renata Cardoso de Sá Ribeiro Razuck................................... 363
Eixo 6:
Política e Gestão Educacional, Sociedade e Juventude ............379
Consumo, espetáculo e violência nas escolas públicas do Distrito Federal
– Diogo Acioli Lima................................................................................. 381
Formação e atuação do educador social no Brasil – Luciano Cardoso.....393
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
A presentação
É com grande alegria que lhes apresento a Coletânea de
artigos do seminário internacional em política e governança educacional
para a cidadania, diversidade, direitos humanos e meio ambiente. Esta
publicação simboliza a culminância de um projeto acadêmico
inovador que nasceu no primeiro semestre de 2011 no seio do
Programa de Mestrado e Doutorado em Educação da Universidade
Católica de Brasília. O grupo de alunos e docente que idealizou
o evento sonhava em fortalecer na academia um espaço para o
diálogo entre diferentes formas de saberes e para a possibilidade de
se pensar as políticas educacionais de uma forma mais dinâmica e
voltada para as grandes questões sociais contemporâneas no Brasil
e no mundo.
O seminário foi um grande sucesso e contou com a presença
de mais de 250 participantes. Além dos palestrantes e participantes
brasileiros, tivemos também a presença de pesquisadores e
educadores do Canadá, Japão, Timor Leste e de outros países,
o que tornou o evento um espaço privilegiado para se discutir a
educação tanto na dimensão local como internacional.
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Durante os cinco dias do evento (02 a 06 de agosto de
2011), criou-se uma cultura de troca de saberes em que tanto
membros da academia como de organizações da sociedade civil,
órgãos governamentais e grupos culturais tiveram a oportunidade
de interagir e aprender uns com os outros. A diversidade na
composição das mesas, na programação cultural e do público
presente mostrou que tanto o saber formal como o não formal e
informal são importantes e necessários para se compreender em
profundidade a complexidade da sociedade e da educação.
Os trabalhos que você vai encontrar nesta obra mostram
um pouco dessa diversidade e da preocupação em trazer as
questões sociais para o centro das discussões acerca das políticas
e da governança educacional para o espaço acadêmico no Brasil.
Os autores, em grande parte, alunos e professores de mestrado e
doutorado em educação e áreas afins, problematizam com bastante
propriedade como questões relacionadas à cidadania, diversidade,
direitos humanos e meio ambiente se relacionam com a educação
e com os problemas sociais no contexto nacional e global.
Paralela a esta publicação, será lançado em 2012, um livro
impresso com os textos dos palestrantes e de alguns membros
da equipe organizadora do seminário. A leitura dessas obras
contribuirá para que o leitor possa ampliar sua compreensão acerca
das relações controversas e necessárias que cercam o campo da
política educacional brasileira e do seu desafio de contribuir para
a construção de um país onde a equidade e a emancipação social
sejam efetivamente uma realidade. Além disso, abrem caminho
para que possamos nos posicionar mais criticamente em relação à
rede de relações que cercam o campo da governança educacional
na atualidade, em que as decisões deixaram de ser responsabilidade
do Estado Nação e passaram a sofrer influência direta de diferentes
atores internacionais e nacionais, representados por grandes
organizações e corporações, tais como: Banco Mundial, OCDE,
UNESCO e Fundação Roberto Marinho.
10
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
O convite à leitura de cada texto selecionado para esta
publicação é um apelo para conhecer um pouco mais sobre o Brasil,
sua sociedade e os problemas e desafios a serem enfrentados por
suas políticas educacionais a partir de agora. A nossa expectativa é
que você encontre nesta obra inspiração para escrever mais sobre os
assuntos aqui tratados e para se engajar na luta pela construção de
um modelo mais ético e humano de educação e de uma sociedade
brasileira justa e inclusiva: efetivamente para todos!
Ranilce Guimaraes-Iosif
Professora do Programa de Mestrado e Doutorado
em Educação da UCB
11
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Eixos Temáticos e Objetivos do Seminário
1.1.Eixos Temáticos
As discussões realizadas no seminário estão divididas nos
seguintes eixos temáticos:
Eixo 1: Políticas Públicas, Governança e Gestão
Educacional: desafios sociais
Eixo 2: Política Educacional, Cidadania e Movimentos
Sociais: perspectivas e desafios locais e globais
Eixo 3: Política e Gestão Educacional para a Diversidade
(étnico-racial, sexual, social, cultural e linguística)
Eixo 4: Política e Gestão Educacional em e para os Direitos
Humanos e o Direito à Educação no Brasil
Eixo 5: Política e Gestão Educacional para o Meio Ambiente
e o Desenvolvimento Sustentável
Eixo 6: Política e Gestão Educacional, Sociedade e
Juventude
1.2. Objetivos
1.
Oferecer oportunidades para que os participantes
discutam, problematizem e se posicionem a respeito dos desafios
locais e globais da política e governança educacional diante da
cidadania, diversidade (étnico-racial, cultural, sexual, religiosa,
linguística etc.), direitos humanos e meio ambiente;
2.
Refletir sobre os desafios contemporâneos da
política e gestão educacional diante dos problemas sociais agravados
por uma globalização neoliberal que perpetua a exclusão e a violação
dos direitos humanos no contexto local e global;
13
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
3.Repensar o papel das instituições de ensino e dos
movimentos sociais diante da promoção de uma educação formal
e não formal antirracista e voltada para a defesa da cidadania
democrática e do respeito à diversidade.
14
Eixo 1:
Políticas Públicas, Governança e
Gestão Educacional: desafios sociais
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
As competências do gestor escolar no entorno sul do
Distrito Federal
Eliane Fernandes Limão
Escola Universo e UNIDESC
Resumo: A presente pesquisa investigou o papel do gestor
escolar e visualizou competências e habilidades necessárias ao
desenvolvimento dessa função primordial no universo da educação,
considerando as mudanças atuais. O gestor escolar é o responsável
pela organização do trabalho de toda equipe escolar, é aquele que
gerencia todas as ações pertinentes à organização do trabalho desde
o planejamento, monitoramento, execução, controle e avaliação
das práticas administrativas e pedagógicas da instituição. O mesmo
não pode esquecer a importância da responsabilidade de todos, a
fim de evitar imposições e autoritarismo. Todas essas premissas
foram consideradas no transcorrer de todo o escrito, destacandose análises de estudiosos e pesquisadores que defendem a gestão
escolar como um dos caminhos para a conversão do processo
educacional. Foram levantadas dificuldades e desafios na rotina
dos gestores escolares, sobretudo em escolas públicas da região do
entorno que, mesmo estando localizadas a pouco mais de 50 km da
capital federal do país, têm uma política educacional incompatível
com a realidade e necessidade da região. A formação continuada do
profissional de gestão escolar e o uso das tecnologias da informação
merecem receber por parte de todos, em especial do governo, mais
incentivos. No que tange à formação inicial dos gestores, faz-se
necessário que as Instituições de Ensino Superior rediscutam a
importância dos cursos de Licenciaturas, fomentando o debate e
investindo na formação de profissionais para que compreendam que
a Educação é elemento chave para a transformação da sociedade.
Palavras-chave: Educação. Gestão. Competência. Habilidade.
17
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
INTRODUÇÃO
A pesquisa que investigou o papel do gestor escolar buscou
visualizar competências e habilidades para o desenvolvimento
dessa função primordial no universo da educação, levando em
conta tantas mudanças contextuais. Oliveira (2005, p. 24), ao tratar
da evolução histórica da gestão educacional, procura demonstrar
que o avanço tecnológico gerou “grandes mudanças no contexto
de organização, repercutindo na configuração de novos modelos
no campo da administração e no campo da educação”, assegurando
ainda, que com “o avanço industrial surgiram novas organizações
e novos métodos administrativos”, influenciando diretamente o
contexto escolar. Em se tratando de competências e habilidades, fazse importante a conceitualização desses termos. As competências
podem ser entendidas como o conjunto de conhecimentos,
habilidades e atitudes, já as habilidades estão agregadas ao saber
fazer, de acordo com Moretto (1999, p. 50):
As habilidades estão associadas ao saber
fazer: Ação física ou mental que indica a
capacidade adquirida. Assim, identificar
variáveis,
compreender
fenômenos,
relacionar informações, analisar situaçõesproblema, sintetizar, julgar, correlacionar
e manipular são exemplos de habilidades.
Já as competências são um conjunto de
habilidades harmonicamente desenvolvidas e
que caracterizam, por exemplo, uma função/
profissão específica [...]. As habilidades devem
ser desenvolvidas na busca das competências.
O gestor escolar necessita desenvolver competências e
habilidades. As competências estão ligadas ao pensar e refletir sobre
o que se faz, e as habilidades são demonstradas pela capacidade de
colocar projetos em prática. O gestor é aquele que vai gerir todas as
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Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
ações pertinentes à organização do trabalho escolar, planejamento,
monitoramento, execução e avaliação das práticas administrativas
e pedagógicas da instituição, não esquecendo a importância do
envolvimento de todos evitando imposições e autoritarismo.
Para os gestores entrevistados a “gestão está relacionada ao
ato de administrar e, portanto, pode ser considerada uma arte e
uma técnica muito antiga”. Afirmam ainda, que “a gestão de uma
instituição escolar deve funcionar como instrumento executivo,
unificador e de integração do processo de escolarização”, destacando
entre as muitas competências necessárias ao gestor escolar, as que
seguem abaixo:
•Ser articulador da proposta pedagógica;
•Decifrar e compartilhar as informações contidas em leis
que afetam o cotidiano escolar;
• Propiciar momentos de discussão organizados, com pauta
definida, com tempo e espaço para que todos participem;
• Definir problemas e identificar soluções, levando em
consideração a opinião de todos;
• Coordenar a parte administrativa sem prejuízo do
acompanhamento das questões pedagógicas;
•Ressaltar as funções educativas de todos os funcionários;
• Providenciar condições materiais e estruturais para que
possam realizar seu trabalho;
•Ser líder.
Outro gestor afirma que o mesmo “deve ter espírito de
liderança”, e essa é, também, a visão de outros. Na percepção deles
o gestor, além de líder, deve ter “a capacidade de articulação, de
decisão e delegação, de responsabilidade, ética e transparência”
e, ainda, “ser conhecedor de assuntos técnicos, pedagógicos,
administrativos e financeiros”. A liderança está no rol das
competências do gestor escolar sendo de caráter imprescindível
para o andamento e desenvolvimento do trabalho, embasados em
ações e atitudes fundamentadas, conforme avalia Assali (2008):
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Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
A liderança se desenvolve por meio de muito conhecimento,
muita leitura, muita avaliação e principalmente, por muita prática,
muita ação. A liderança é, portanto aprendida. É preciso querer e
fazer. Nem todo administrador torna-se um líder. Temos muitas
situações em ambientes escolares em que existe a figura do diretor
empossado como autoridade formal (legal), porém a liderança da
escola recai sobre o vice-diretor, ou ainda do Prof. Coordenador,
ou até um Professor.
Outro ponto tratado pelos gestores é o trabalho em
equipe. Estes afirmam que “a gestão de qualidade e sucesso deve
ser baseada em democracia, o caminho é a descentralização, isto
é, o compartilhamento de responsabilidades com alunos, pais,
professores e funcionários, ou seja, onde todos os atores envolvidos
no processo participam das decisões’. Dirigir uma equipe pressupõe
que todos os membros sintam-se coletivamente responsáveis pelo
seu funcionamento, de modo que cada um exerça, pessoalmente,
uma parte do comando e de sua condução.
O gestor escolar deve zelar por vários aspectos entre eles
a execução do Projeto Político Pedagógico (PPP) para que sua
implantação não seja feita de maneira hierárquica (de cima para
baixo) deixando de lado partes interessadas. Além disso, tem papel
fundamental na intermediação das decisões e contribuições ao saber
planejar sobre o que e como fazer de maneira clara e objetiva ao
projetar o futuro para mudanças significativas à realidade escolar.
A escola, como qualquer outra instituição social tem sido
interrogada com frequência a respeito do papel que desempenha
diante do seu público. È importante defender que, através do
aprimoramento do conhecimento, o gestor estará apto para
trabalhar o indivíduo no desenvolvimento de suas potencialidades,
ou seja, o gestor “é o próprio produtor de sua profissão”.
A palavra formação, no sentido pedagógico
surge relacionada à questões militares em
1908, porém é a partir dos anos 60 que passa
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Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
a ser utilizada na educação com uma vasta
gama de significados, abrangendo tanto o
curso (habilitação acadêmica), o sistema (o
plano de formação dos formadores) quanto
o processo (a formação como resultado). O
termo formação, entendido como ensino,
surge provavelmente da necessidade, que
as pessoas sentem de atualizar os próprios
conhecimentos constantemente, em razão
das transformações sociais observadas, as
quais a escolarização formal já não consegue
dar respostas somente com a estrutura
institucional básica. (AMARAL, 2009, p. 10)
O debate acerca da formação do gestor escolar deve estar
vinculado à formação inicial do pedagogo. O ensinar requer um
dinamismo democrático no que diz respeito à prática pedagógica,
isso requer formação continuada. O gestor diligente estará sempre
buscando o novo e, essa postura, certamente, instigará os que estão
em volta a também pesquisar, sem imposições, mas pela simples
vontade de conhecer mais e mais. Considerar o contexto vivenciado
pela comunidade escolar e o conhecimento gerado a partir dele,
possibilitará ao gestor uma prática respeitosa, comprometida,
crítica e acima de tudo ética.
Pedro Demo (2010) acredita que a Pedagogia é um dos
cursos universitários mais importantes porque define a maior razão
de ser de todos os cursos: aprender. A atuação do gestor escolar
certamente vai refletir a sua formação inicial. Segundo Luck (2002),
há em todo o mundo sistemas educacionais que selecionam seus
professores e diretores com base em identificações políticas ou
familiares. E essa prática é predominante nas escolas municipais
do Goiás. Infelizmente, nem todos os profissionais indicados
por essa via, estão devidamente habilitados ou qualificados para
desempenhar uma gestão de qualidade.
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Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Almeida (2005) salienta a importância de se desenvolver
processos de formação direcionados para as especificidades do
trabalho dos gestores educacionais, alicerçados na articulação das
dimensões administrativas e pedagógicas e na integração entre
tecnologias e metodologias de formação, compreendendo-se as
tecnologias como artefatos que favoreçam encontros entre pessoas,
valores, concepções, práticas e emoções.
Cabe ao Estado, através de políticas educacionais, criar
mecanismos e oportunidades que possibilitem formação continuada
ao gestor escolar, especificamente. Profissionais capacitados
estão abertos a novas mudanças, sempre a frente de seu tempo,
concomitantemente sentirão segurança para gerenciar os conflitos
internos e externos como foi levantado nas pesquisas.
METODOLOGIA
A pesquisa foi realizada com a turma do curso de Pedagogia,
4º semestre, do Centro Universitário de Desenvolvimento do
Centro Oeste, UNIDESC, localizado em Luziânia/GO, sob a
orientação da professora, a fim de se observar, relatar e elencar as
competências do Gestor Escolar na Região Centro-Oeste em 30
(trinta) escolas. Foram organizados 8 artigos dos quais este paper é
um aprofundamento do referido trabalho realizado com a turma.
É possível identificar através dos gráficos que o maior
número de gestores entrevistados tem sua atuação em escolas
públicas de Luziânia e Cidade Ocidental, cidades localizadas no
Estado de Goiás. Importante destacar que essas cidades encontramse no Entorno do Distrito Federal.
22
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
M O D AL ID AD E
12%
P ÚB LICA
21%
P A RTICULA R
NÃ O INF O RM A DO
67%
L o c a lizaçã o d as e sc o las
N ão inform ado
V alparaíso
C idade O cidental
Luziânia
1
0
5
10
15
20
A pesquisa foi feita através de entrevista pessoal com o
gestor de cada instituição e utilizou-se de questionário contendo 3
(três) perguntas do tipo aberta, o que resultou em respostas amplas.
Para facilitar a visualização dos pontos levantados foi construída
uma tabela levando em conta aspectos que mais apareceram na
respostas.
QUESTÃO 01 - Quais competências necessárias ao Gestor Escolar?
QUESTÃO 02 - Quais os passos adotados para a gestão da qualidade total na
escola
QUESTÃO 03 - Nossas escolas estão prontas para os desafios do mundo
corporativo?
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Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
RESULTADOS
Analisando o quadro Competências do Gestor Escolar
ficou visível a predominância de temas diretamente ligados às
demandas pedagógicas, seguido das administrativas. De acordo
com alguns relatos, a visão do gestor não deve se restringir ao espaço
setorial da sua direção, mas situar-se na amplitude do espaço de
toda a organização, compreendendo as áreas técnicas, pedagógicas,
administrativas, financeiras e a realidade escolar, criando um
ambiente acolhedor, incentivando a equipe pedagógica e mediando
os conflitos oriundos das diversidades inerentes ao ser humano.
Mesmo não sendo lembrado por todos os gestores, o
PPP aparece como uma “elaboração coletiva e participativa”,
demonstrando a necessidade do envolvimento de toda comunidade
escolar. A realidade da comunidade, inserida no espaço escolar
faz parte dos paradigmas da nova concepção de conhecimento
escola/comunidade preconizados pela LDB, sendo, portanto, um
diferencial na formação do educando.
Art. 2º. A educação, dever da família e do Estado, inspirada
nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana,
tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho. (LDB)
A maioria dos gestores fez referência à liderança,
flexibilidade e diálogo. Sabe-se que na maioria das escolas
pesquisadas, o gestor não é escolhido através da votação e sim
por indicação. A liderança pode ser espontânea ou por imposição
do cargo assumido e a utilização sábia possibilita motivar os
colaboradores. O trabalho coletivo é enfatizado pelos gestores
devendo acontecer em consonância com as diversidades e de forma
24
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
democrática, possibilitando o pensamento crítico, “a liberdade de
aprender, ensinar a pesquisar e divulgar a cultura”, levando em
conta conteúdos interdisciplinares, voltados ao alcance da melhoria
das condições de aprendizagem e ensino.
Percebe-se que as gestões não levaram em conta a
complexidade e a importância da capacitação continuada. Essa
defasagem parece estar refletida na administração que conta
com um efetivo descentralizado, onde cada qual segue seu curso
sobrecarregando a gestão. Profissionais de educação capacitados
estão abertos a novas mudanças, sempre a frente de seu tempo e
concomitantemente sentirão segurança para gerenciar os conflitos
internos e externos como foi levantado nas pesquisas. É importante
destacar que a formação profissional está intrínseca na capacitação
e atualização de conhecimentos, sendo imprescindível para a
transmissão de saberes e gestão de uma equipe.
As respostas dos gestores possibilitam crer que não
estão seguros quanto às escolas estarem prontas para os desafios
do mundo corporativo. Estão cientes das mudanças do mundo
contemporâneo, mas, não se sentem apoiados por políticas públicas
que assumam o sistema educacional como prioridade, inclusive há
referência que “o mundo corporativo é altamente competitivo,
informatizado” e que as escolas não estão prontas seja na parte de
infraestrutura ou de segurança institucional.
A tabela abaixo, fruto da pesquisa, elenca aspectos
condizentes com as competências e habilidades do gestor escolar no
que tange questões de cunho administrativo, da prática pedagógica
e referente também, à formação profissional, visando o que se pode
chamar de qualidade total na educação.
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Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Aspectos levantados quanto ao perfil de gestores escolares
QUANTO À ÁREA
ADMINISTRATIVA
QUANTO Á ÁREA
PEDAGÓGICA
- Garantir o
cumprimento do
calendário escolar
- Cumprir e fazer
cumprir as leis
educacionais
- Conhecer a
realidade da escola e
da comunidade
- Ter visão ampla de
toda organização
-Fazer gestão
compartilhada
- Estimular e apoiar
projetos pedagógicos
- Promover o
envolvimento dos
pais
- Zelar por um ensino
de qualidade
-Incentivar o trabalho
coletivo
- Ter visão pedagógica
QUANTO À
FORMAÇÃO
PROFISSIONAL
- Atualizar-se e
compartilhar seus
conhecimentos
-Ter formação
ampla e continuada
-Possuir
conhecimento
diversificado
- Ter formação
específica na área
- Buscar formação
continuada
QUALIDADES
INERENTES
A TODOS OS
ASPECTOS
-Ter responsabilidade e liderança
- Gerenciar conflitos
internos e externos
- Trabalhar em
equipe
- Trabalhar a solução
de problemas
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa demonstrou que os gestores escolares têm
conhecimento das competências e habilidades inerentes ao cargo
que desempenham e, sobretudo, entendem a complexidade da
tarefa de conduzir de forma democrática e responsável a direção
de uma unidade educacional, espaço de diversidade e desafios
dos mais variados. Ficou perceptível que esses profissionais não
estão muito seguros quanto às escolas estarem prontas para os
desafios do mundo corporativo. Estão cientes das mudanças do
mundo contemporâneo, mas, não se sentem apoiados por políticas
públicas que assumam o sistema educacional como prioridade,
reclamam ainda, que as escolas não estão prontas no que se refere à
infraestrutura e segurança institucional.
26
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Foram levantadas dificuldades e desafios na rotina das
gestões escolares, sobretudo em escolas públicas da região do
entorno que, mesmo estando localizadas a pouco mais de 50 km
da capital do país, têm uma política educacional incompatível com
a realidade e necessidade da região. A formação continuada do
profissional de gestão escolar e o uso das tecnologias da informação
para o enriquecimento das práticas educacionais são temas
desafiadores e que, também, merecem receber, principalmente dos
governos, incentivo e insumos. No que tange à formação inicial dos
gestores, faz-se necessário que as instituições de ensino superior
rediscutam a importância do curso de Pedagogia, fomentando o
debate e investindo na formação de profissionais vislumbrando a
educação como elemento chave de transformação da sociedade.
A escola precisa ser vista como um conjunto e todos ali
devem se sentir responsáveis e comprometidos pela condução do
processo de ensino-aprendizagem, numa ação característica da
gestão escolar. Importante ressaltar que o processo educativo, onde
quer que aconteça, será sempre definido a partir do contexto social
e político que determina seus objetivos e meios de ação. Existe uma
relação importante da educação com os processos formadores da
sociedade. “Desde o início da história da humanidade, os indivíduos
e grupos travavam relações recíprocas diante da necessidade de
trabalharem conjuntamente para garantir sua sobrevivência”
(Libâneo, 1994, p.19). Estes fatores desencadearam a desigualdade
econômica e de classes, traço aparente nas sociedades atuais, além
de determinar o tipo de acesso que os indivíduos têm à educação.
Revela-se a partir das colocações, quão importante se faz a atuação
dos profissionais da educação estando diretamente ligados à
formação intelectual e crítica de seus alunos.
27
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
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28
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
População em situação de pobreza e qualidade da
educação brasileira
Natália Duarte, Universidade de Brasília
Resumo: Este estudo analisa relação entre a educação formal e a
população em situação de pobreza. Socializa algumas conceituações
sobre pobreza e reflete sobre seus fundamentos. Apresenta estudo
estatístico preliminar sobre a relação entre educação formal e
pobreza a partir da correlação entre o Índice de Desenvolvimento
da Educação Básica (IDEB) da escola e população em situação de
pobreza. A partir do diálogo com os indicadores de fracasso escolar
apresentados conclui ressaltando as características de uma política
pública social e a necessidade de se garantir à escola e à educação a
distribuição democrática do sucesso escolar como complementação
do acesso à escola.
Palavras-Chaves: Educação Formal. Fracasso Escolar. Pobreza.
Política Educacional. Política Social.
A elaboração do presente trabalho contou com o apoio da CAPES, através do
Programa Observatório da Educação (Edital 038/2010/CAPES-INEP).
29
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Introdução
O Brasil não é um país pobre, mas um país extremamente
desigual. Sempre figurou na lista das grandes economias mundiais
ao tempo que apresenta um dos maiores índice de Gini. Por esse
motivo convivemos, cotidianamente com a pobreza e a miséria,
em todos os espaços e territórios nacionais. Nos últimos anos, 28
milhões de brasileiros saíram da pobreza absoluta e 36 milhões
entraram na classe média brasileira. No entanto, 16 milhões de
pessoas ainda permanecem na pobreza extrema. Dentre esse
contingente de brasileiros desamparados e à margem do emprego e
da maioria dos serviços prestados pelo estado, os que estão na faixa
etária de 7 a 14 anos encontram-se na escola.
Essa é uma das razões para que a política educacional
apresente indicadores tão desiguais, especialmente os que
comparam escolaridade de ricos e pobres, que ferem o caráter
democrático e universal da educação pública brasileira determinada
na Constituição Federal. E uma análise mais cuidadosa sobre esses
indicadores permite constatar uma forte correlação entre situação
de pobreza e fracasso escolar: baixos indicadores escolares nos
dirigem, quase sempre, aos mesmos lugares que os indicadores de
vulnerabilidade social e pobreza.
É um coeficiente expresso em pontos percentuais, divulgado pelo PNUD, que
mede o grau de desigualdade existente na distribuição de indivíduos segundo
a renda domiciliar per capita, que varia de 0 - quando não há desigualdade - a
1 - quando a desigualdade é máxima. O Brasil apresenta o 3º pior índice do
Planeta - 0,515.
Informações retiradas do Plano Brasil sem Miséria, in http://www.
brasilsemmiseria.gov.br/
30
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Aproximações conceituais sobre pobreza e política social
de Educação
Há formas muito distintas de discutir, reconhecer e
conceituar a pobreza. Coexistem definições diferentes bem como
diferentes interpretações desse fenômeno. De modo geral, as
diferentes nomeações são tributárias de distintas concepções de
homem e sociedade.
Carência, pobreza relativa, pobreza absoluta, desigualdade
social e exclusão são exemplos de diferentes nomes para o mesmo
fenômeno social com explicações diferenciadas. De um modo
geral, quando se entende a pobreza como relativa ou absoluta,
opta-se pelas medidas em detrimento da discussão e análise
importante: causas e origem. Por exemplo, quando os marcos
regulatórios definem pobres as famílias que vivem com menos
de ¼ de salário mínimo - condição necessária para recebimento
de alguns benefícios. Discute-se pobreza por estatutos sem
aproximar-se do tema.
Sob o enfoque neoliberal, a denominação usual da pobreza
é exclusão social, adequada do ponto de vista pós-moderno, mas
imprópria à perspectiva materialista histórica. Como exclusão
ignora-se a luta de classes e o processo de expropriação da riqueza
dos grupos trabalhadores, individualizando-se a situação de pobreza
ao tempo que se autoriza imaginar a pobreza como estado de
anomia e não com condição do sistema de produção capitalista que
não pode ser abolida conforme a lei geral da acumulação (MARX,
2006). Entretanto, essa perspectiva tem sido adotada e servido
de fundamento para operar a quase que totalidade das políticas
econômicas e sociais próprias do paradigma das oportunidades e do
empreendedorismo - que conformam estratégias de enfrentamento
da condição de exclusão social atribuindo ao indivíduo a
responsabilidade pela sua condição de excluído, assim como por
sua inclusão.
31
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
As mais adequadas aproximações da pobreza (e,
coincidentemente, menos adotadas) são as estabelecidas em relação,
como a formulada por Towsend, que afirma: “indivíduos, famílias
e grupos podem ser considerados pobres quando lhes faltam
recursos para obter uma dieta básica, participar socialmente e não
ter condições de vida que são as validadas pela sociedade à qual
pertencem” (apud PEREIRA, 2006, p. 235) ou por Pereira (2000),
que utiliza as necessidades humanas e não os mínimos sociais como
referência para políticas de garantia dos direitos sociais.
Para Lavinas (2003), a pobreza é fruto da dinâmica do
mercado de trabalho e da incapacidade do sistema de proteção
social que “estrutura o conjunto de relações e interações entre
a sociedade civil, o Estado e o mercado” (p. 26). Para a autora,
programas e ações das políticas sociais alcançam alguns resultados
na reversão da pobreza extrema e na concretização de uma ação
positiva do Estado a fim de assegurar direitos. Entretanto, são
programas relativamente recentes e sua existência depende de
um conjunto de fatores estruturais e conjunturais – inclusive da
interpretação conceitual que se dê à pobreza e às políticas sociais
(SETIÉN; ARRIOLA, 1997).
O principal papel atribuído às políticas sociais é preservar
direitos, bem estar, estabilidade social e certo grau de coesão
(MORENO, 2004). No entanto, no Brasil, essa positivação não vem
conseguindo aproximar a sociedade brasileira da justiça social. Um
conjunto de direitos econômicos, políticos e sociais assegurados
legalmente estão apartados de grupos de cidadãos empobrecidos.
Por exemplo, a educação, saúde e trabalho são direitos universais
reconhecidos por diversos marcos legais brasileiros, no entanto, o
desenho dessas políticas e a forma como os serviços públicos estão
sendo prestados, bem como sua abrangência e qualidade, explicitam
o frágil compromisso do estado brasileiro com a cidadania.
A positivação da educação conforme orientação legal exige
a prestação de serviços educacionais de qualidade a toda população,
indistintamente. No entanto, a educação pública brasileira padece
32
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
de sérias distorções e contradições. Apenas dois exemplos, segundo
a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2007,
entre os 20% mais pobres da população 32% dos adolescentes de 15
a 17 anos estavam no ensino médio, enquanto, dentre os 20% mais
ricos encontrávamos 77,9%; a escolaridade média da população
rica é de 12 anos, enquanto A da população pobre é de 3,4 anos.
Essas diferenças nos indicadores educacionais ofendem, inclusive,
o paradigma das oportunidades e do empreendedorismo.
O indicador de qualidade da educação construído pelo
governo brasileiro em 2007, o Índice de Desenvolvimento
da Educação Básica (IDEB), também denuncia profundas
desigualdades. Temos sistemas de ensino com notas que variam de
1,8 a 6,0 e a discrepância entre escolas varia de 0,7 a 8,5 (BRASIL,
2007b). Essas desigualdades são reflexos de um processo complexo
e multideterminado: da estruturação sócio-político-econômica da
sociedade brasileira à organização do trabalho pedagógico realizado
no cotidiano escolar por profissionais das escolas públicas.
É certo que o acesso a todos os níveis de ensino é bandeira
de luta e uma grande conquista para as classes populares. Somente
assim se inaugurou o ingresso da classe popular em instituições
anteriormente limitadas a uma minoria. Hoje, a escola pública
brasileira é realidade e está presente em toda parte, no entanto, o
sistema educacional brasileiro deixou de reproduzir a exclusão de
pobres, índios, mulheres, negros, pessoas com deficiência, homens
e mulheres do campo, mas sua interdição se dá por um percurso
escolar repleto de fracasso e evasão.
Freitas (2002) formulou três teses para esse fenômeno:
pode ocorrer no interior da escola a conversão da exclusão objetiva
em exclusão subjetiva, por meio da organização do trabalho
pedagógico; também se pode acionar a avaliação informal no sentido
de criar trilhas de progressão continuada diferenciadas; por fim,
pode acontecer a desresponsabilização das instituições escolares
em relação à escolarização das camadas populares. Nessa mesma
perspectiva, Silva e Freitas (2006) entendem a experiência da escola
33
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
das classes populares como situação privilegiada para compreender
a escolarização em ato: “quanto mais pesa sobre a criança ou sobre
o jovem a imagem da trajetória pré-concebida, mais facilmente os
‘índices de fracasso’ são acionados como ‘componente de prova’ da
incompatibilidade previsível entre ‘os que fracassam’ e os signos de
sucesso” (2006, p. 17).
É forçoso constatar um ciclo trágico: pobreza, baixa
escolaridade, baixo salário, pobreza. A pobreza e a desigualdade vêm
sendo apontadas como os fatores principais que contribuem para
perpetuar o fracasso escolar que, por sua vez, explica a reprodução
social e a limitação da mobilidade. Um ciclo tautológico que a
produção acadêmica recente busca compreender, mas não apresenta
consenso sobre essa realidade.
O impacto da população em situação de pobreza na escola
Ao optar-se por investigar a relação da educação com a
pobreza faz-se necessário explicitar o foco a partir da classe social
na sociedade capitalista, assim como a perspectiva da análise:
materialista histórico-dialética. Assim, partimos do pressuposto de
que a pobreza é intrínseca ao funcionamento normal da sociedade
capitalista, que pode ser minimizada por políticas sociais efetivas,
mas precisa ser constantemente vigiada tendo em vista que, essa
contradição de classe, jamais será superada no sistema capitalista de
cunho neoliberal. Outro ponto a ser esclarecido: a incapacidade de
supressão da luta de classes no sistema capitalista não implica em
perspectiva pessimista. Faz-se necessário explicitar que a noção de
políticas sociais adotada aqui é tributária do materialismo históricodialético que a compreende como possível de intervir e minimizar
a pobreza, capaz de assegurar as necessidades humanas a toda à
população e produzir bem-estar social, mas não corrigir a assunção
do trabalho pelo capital. O funcionamento da sociedade capitalista,
em sua dinâmica, produz, necessariamente, a pobreza, que pode
apenas ser minimizada.
34
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Ainda na tentativa de estabelecer contornos conceituais
mais precisos da temática educação e pobreza realizou-se estudo
estatístico para mensurar o impacto dessa população na escola.
Os primeiros resultados quase nos impõem uma interpretação
reprodutivista da educação formal, pois se percebeu que o fracasso
escolar é instado na relação da educação formal com a população
em situação de pobreza, havendo grande impacto da pobreza no
IDEB das escolas. Para tanto, estruturamos banco de dados a partir
de quatro sistemas nacionais de informações diferentes: Censo
Escolar, IDEB, Projeto Presença e Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE).
O Censo Escolar é um levantamento de dados estatísticoeducacionais de âmbito nacional realizado anualmente pelo
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (INEP) e coleta anual dos dados sobre estabelecimentos,
matrículas, funções docentes, movimento e rendimento escolar. Já
o IDEB, criado pelo INEP em 2005, reuniu em um só indicador o
fluxo escolar e as médias de desempenho nas avaliações nacionais,
oferecendo um indicador da qualidade educacional. No entanto,
restava descobrir como calcular e agregar a esse banco de dados já
estabelecido a população em situação de pobreza. Como localizar e
quantificar os pobres em cada escola?
Utilizou-se como recorte de pobreza ser beneficiário do
Programa Bolsa Família, pois no marco legal desse programa de
transferência de renda, as famílias beneficiadas estão em situação
de pobreza. Essa população (beneficiária do programa bolsa família
– BPBF) tem a frequência escolar monitorada bimestralmente por
meio do Projeto Presença que, atualmente acompanha a frequência
de 17 milhões de crianças e adolescentes que integram as famílias
beneficiárias do Programa Bolsa-Família nos 5.563 municípios
e no Distrito Federal. Na última coleta de 2010, do cadastro de
beneficiários enviados pelo Ministério do Desenvolvimento Social
e Combate à Fome (MDS) que tinham identificação correta da
situação escolar (15.178.704 crianças e adolescentes de 06 a 15 anos),
35
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
o Projeto Presença obteve retorno da frequência escolar da ordem
de 98,02%. Por resultado geral, inclusos os “não localizados” (não
identificados na base de dados do PBF no MDS) o acompanhamento
da frequência do grupo de 6 a 15 anos foi de 84,88%.
A opção metodológica e o tipo de questão que orientaram
o estudo conduziram a uma pesquisa de abrangência universal. Tal
opção nos definiu como elementos da pesquisa as 203.456 escolas
no Censo Escolar de 2009, 163.117 escolas com frequência de
BPBF acompanhada pelo Projeto Presença e 48.506 escolas com
IDEB calculado. Como há interesse de acompanhar a tendência
da qualidade da educação (ascensão ou descendência), optamos
por estudar somente as escolas que tinham IDEBs de 2007 e
2009 calculados – tendo em vista que o projeto presença começa
a funcionar em fins de 2006, não permitindo o levantamento
e cruzamento dos dados de IDEB e pobreza. Assim, o universo
final de escolas brasileiras que atendiam a essas duas condições (ter
IDEB 2007 e 2009 e ter frequência dos BPBF acompanhada) foi
de 31.660 escolas (15% das escolas brasileiras), 6.290.472 BPBF
(40% do universo de beneficiários) e 15.792.486 matrículas (51%
do universo de matrículas) em 2007 e 5.865.714 BPBF (37% do
universo de beneficiários) em 15. 218.248 matrículas em 2009
(50% do universo).
A partir de ferramentas eletrônicas, realizou-se estudo
investigativo de correlação. Realizando essa operação estatística,
alcançou-se a taxa de -0,51 entre pobreza e baixo IDEB – ou seja,
quanto maior a população em situação de pobreza, menor o IDEB
da escola. Uma correlação inversa muito forte para fenômeno
social (HAIR et.al, 2005). Além disso, o R² calculado - a capacidade
explicativa do fenômeno - foi de mais de 26%. Esse achado pode
ser lido da seguinte forma: a pobreza explica mais de um quarto do
fracasso escolar. Ou seja, todos os elementos da complexa política
educacional (salário, carreira e formação de professor, organização
do trabalho pedagógico na sala de aula e da escola, equipamentos,
instalações, materiais didáticos, tecnologias educacionais
36
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
disponíveis, gestão escolar, programas, ações de todas as políticas
sociais, dentre os muitos fatores que não se encontram nominados)
explicam 74% do IDEB, só a situação de pobreza explica 26%.
Cumpre destacar também que o universo da população
escolar no Brasil é eminentemente afligido pela situação de pobreza.
Expôs-se que quase metade das crianças e adolescentes da educação
básica até 14 anos (44%) encontra-se em situação de extrema
pobreza. Isso conforma uma situação inaceitável! A pobreza e
extrema pobreza estão massivamente presentes na educação básica,
mais do que em qualquer outro território nacional. Reiterando:
deparamo-nos com a cifra de 44% de alunos pobres, 67% de BPBF
no nordeste e alarmantes 73% no Estado de Alagoas. A necessidade
de políticas públicas redistributivas é imperativa frente aos dados
apresentados: a pobreza não é aleatória e está sobre-representada
na população de crianças e adolescentes. Os dados exigem reflexão
em dois sentidos: a desigualdade brasileira, quando analisada
por corte etário, nos evidencia que a pobreza está concentrada
na população infantil e juvenil o que causa apreensão frente ao
futuro; e a incidência massiva da pobreza no ensino fundamental
reforça ainda mais a importância de uma escola que rompa com a
reprodutividade do fracasso escolar.
Considerações finais
Cabe compreender que as instituições educativas deixam de
contribuir para o exercício de uma cidadania plena quando variáveis
históricas e estruturais são reproduzidas de forma cotidiana, em
particular nas dinâmicas sociais das unidades escolares e acabam
por ocasionar o fracasso à população em situação de pobreza. Os
resultados preliminares do estudo parcial apresentado sinalizam
a necessidade de fomento e sistematização de pesquisas sobre
a relação da educação formal com a população em situação de
pobreza. A despeito de todo discurso meritocrático e ideológico
37
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
que assola a área educacional, hoje é reconhecido que pobreza não
impede aprendizagem. Sendo necessário que o fracasso escolar da
população empobrecida seja compreendido e tomado como de
responsabilidade social e do Estado.
Talvez contribua entender o fenômeno educacional como
política social complexa e multidimensional, fruto de recursos,
programas, ações e apoio oferecidos. Assim para alcançar e
democratizar a qualidade da educação é necessário apoiar sistemas
de ensino, estudantes, professoras e escolas. As escolas devem
ser compreendidas (e cuidadas) como o lócus privilegiado da
aprendizagem e tornarem-se capaz de socializar o sucesso escolar
que a política social como um todo possibilita.
Escapando da lógica neoliberal que responsabiliza
ideologicamente a vítima, não é mais possível culpar os pobres, os
professores ou a escola pelo fracasso escolar. Essa responsabilização
precisa recair sobre a política social de educação. Pode-se começar
lutando por mais recursos para a educação - pois em uma política
que se gasta mais de 80% de seu orçamento com as profissionais,
fica claríssima sua limitação e impossibilidade de avançar no sentido
de programas e ações que apoiem especificamente a escolaridade
da população em situação de pobreza.
Da mesma forma, é inconcebível responsabilizar
as professoras - mesmo reconhecendo que mecanismos de
discriminação e preconceito são acionados em sua atuação
profissional e cumpridos na organização de seu trabalho pedagógico.
Como afirmado anteriormente, apontar a professora pela má
qualidade do ensino é tão ideológico quanto acusar o aluno pela
sua não aprendizagem.
Assim, finaliza-se ressaltando que a escola socializa o sucesso
escolar - ou fracasso - na medida e direção que a política pública
de educação permite. Ou a sociedade brasileira, por meio de seu
estado, reverte esse contexto ou se conforma com a segregação que
vem ocorrendo nas escolas públicas brasileiras – uma discriminação
institucionalizada imposta aos pobres.
38
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
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A política de ensino médio nos marcos da
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questão em um município baiano
Gabriela Sousa Rêgo Pimentel
Universidade Católica de Brasília
Resumo: O processo das esperadas obrigatoriedade e gratuidade no
ensino médio se iniciou com a Lei 12.061, 27/10/2009, que assegurou
o acesso ao ensino médio público a todos os interessados. A Emenda
Constitucional nº 59, 11/11/2009, prevê obrigatoriedade do ensino
médio e amplia a abrangência dos programas suplementares.
Para analisar a aplicabilidade desses novos marcos, realizou-se
uma pesquisa com gestores da rede pública estadual da cidade de
Barreiras-Ba. Os resultados indicam que a identidade desse nível
de ensino deve ser uma combinação do caráter propedêutico com
o profissionalizante. Os dados da pesquisa mostram, ainda, a
notória ignorância revelada pelos gestores responsáveis quanto aos
progressos conceituais contidos na inovação legislativa.
Palavras-chave: Ensino médio. Obrigatoriedade. Marcos legais.
43
Introdução
O processo das esperadas obrigatoriedade e gratuidade no
ensino médio se iniciou com a Lei 12.061, de 27 de outubro de
2009, que alterou o inciso II do art. 4o e o VI do art. 10, da Lei no
9.394, de 20 de dezembro de 1996. Assegurou o acesso ao ensino
médio público a todos os interessados. Anteriormente, o Estado
estava apenas obrigado a prover esse nível de ensino como uma
“progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade”, nos termos
do artigo 4º, da LDB.
Emenda à Constituição de 1988, nº 59, de 11 de novembro
de 2009, dá nova redação aos incisos I e VII do art. 208, de forma
a prever a obrigatoriedade do ensino de quatro a dezessete anos
e ampliar a abrangência dos programas suplementares para todas
as etapas da educação básica. Previsto para ser implementado
progressivamente até 2016 (BRASIL, 2009, art. 6ª, inciso I).
Complementarmente, essa Emenda transfere aos sistemas
de ensino da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios a definição das formas de colaboração, de modo a
assegurar a universalização do ensino obrigatório (BRASIL, 2009,
§ 4º, do art. 211).
A distribuição dos recursos públicos assegura prioridade
às necessidades do ensino obrigatório, quanto a universalização,
garantia de qualidade e equidade, como previsto no plano nacional
de educação (BRASIL, 2009, § 3º, do art. 212).
Esse plano, de duração decenal, busca articular o sistema
nacional de educação em regime de colaboração e define diretrizes,
objetivos, metas e estratégias de implementação. Objetiva, ainda,
assegurar a manutenção e o desenvolvimento do ensino em seus
diversos níveis, etapas e modalidades.
Assim, a universalização do ensino vai se aproximando
da realidade, mas falta reconhecer, num processo honesto de
autocrítica, a necessidade de se avançar em qualidade da escola
obrigatória, para que ela não seja apenas figurativa (ABRAMOVAY;
CASTRO, 2003).
A LDB assegura, no artigo 5º, §4º que “comprovada a
negligência da autoridade competente para garantir o oferecimento
do ensino obrigatório, poderá ela ser imputada por crime de
responsabilidade”. Isso acontece, quando há atendimento à demanda
da população. Sifuentes (2009, p.283) infere que “diante da previsão
constitucional e legal, a ausência de oferta ou a oferta irregular
importa em responsabilidade da autoridade competente”.
Lopes (1999) sustenta que a educação, como serviço público,
é compulsória para o Estado e deve ser oferecida em quantidade e
qualidade necessárias para toda a população, garantindo as condições
necessárias de igualdade curricular. Este trabalho apresenta uma
análise da aplicação dos novos marcos, constitucionais e legais,
relativos ao ensino médio em um município da Bahia.
O contexto da pesquisa
Os dados mais recentes do IBGE (BRASIL, PNAD, 2010)
apresentam uma população baiana estimada em 14.021.432. Destes,
2.675.455 encontram-se em idade escolar, na faixa etária de 4 a 17
anos, representando 19% da população total. A renda média dos
moradores é de R$ 414,00 por mês. Para o ensino médio, no ano
de 2009, houve 604.689 matrículas.
A Bahia, segundo dados do IBGE (BRASIL, PNAD, 2010),
evidencia uma taxa de 16,7% de analfabetismo na população acima
de 15 anos. Esses dados correspondem a 12% da taxa nacional e se
aproximam da taxa da região Nordeste (18,7%) e se distanciam da
taxa nacional que é de 9,7%. Além disso, o índice de analfabetismo
da população na zona rural é um dos mais altos do País: 53%. Mais
de 95% dos analfabetos da Bahia têm 25 anos ou mais. Este quadro
aponta para a existência de problemas relativos a oportunidades
de acesso à educação e de permanência dos estudantes na escola,
problemas de ordem histórica que se agravam à medida que a
população envelhece sem escola.
Quanto ao acesso ao ensino médio, apenas 31,5% dos
jovens em idade regular de 15 a 17 anos estão cursando este nível
de escolaridade. Em contrapartida, no Brasil esse percentual chega
a 47,1%. Esse dado significa que um grande contingente de jovens
nesta faixa etária encontra-se fora da escola ou, se matriculados,
em situação de defasagem idade-série. A rede registra índices
dessa distorção entre os mais elevados do País, tanto no ensino
fundamental (49,5%) quanto no ensino médio (69,8%) (BAHIA,
SEC, 2009).
Com relação à expansão, os dados mais recentes disponíveis
se referem ao ano de 2009, quando o sistema estadual de ensino
ampliou a oferta na rede pública, disponibilizando 12.950 vagas
para atender à demanda crescente por este segmento. Esse nível de
ensino foi implantado em mais 114 localidades, o que elevou para
474 o número de comunidades rurais que oferecem a possibilidade
de conclusão da escolaridade básica. Somente em relação a 2008,
registrou-se um aumento de 31,7%. Dos 417 municípios do Estado
da Bahia, a rede estadual de ensino não oferece o ensino médio em
apenas um município (BAHIA, SEC, 2009).
Nesse ano de 2009 foram publicados os indicadores do
Estado, Educação em números – Bahia 2007, que apresentam as
principais estatísticas educacionais e apontam a situação educacional
no período. De acordo com esses indicadores, 78,9% dos jovens
com idade entre 15 a 17 anos estão matriculados na rede de ensino
(2009), conforme tabela a seguir:
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Tabela 1 - Taxa de atendimento do ensino médio na Bahia 1970
- 2006
ANO
FAIXA ETÁRIA (%)
15 A 17 ANOS
1970
17,0
1980
19,0
1991
25,1
1996
63,7
1998
82,6
1999
84,6
2000
88,2
2001
88,0
2002
91,2
2003
93,0
2004
92,3
2005
88,7
2006
78,9
Fonte: SEC, MEC/INEP Elaboração: SEC/BA - SuPAV/CAI
Ainda que pecando pela inatualidade, esses dados mostram
uma demanda crescente pelo ensino médio. Não é arriscado
afirmar que o aumento ocorreu devido às exigências do mercado
de trabalho por indivíduos cada vez mais qualificados para o
exercício de funções específicas. No entanto, as políticas públicas
de ensino médio não refletem estratégias pedagógicas adequadas
às características, necessidades e interesses dos jovens e adultos
(BRASIL, 2003).
Dentro desse panorama, destacam-se as taxas de reprovação
e abandono, para a faixa etária compreendida de 15 a 17 anos, de
10,2% e 20,9%, respectivamente, no ano de 2006.
47
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Tabela 2 - Taxas de aprovação, reprovação e abandono no ensino
médio na Bahia 1999 - 2006
Taxas (%)
Ano
Aprovação
70,4
71,3
72,1
70,2
68,3
69,0
68,9
68,9
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006*
Reprovação
8,0
7,9
8,8
9,3
10,8
9,9
10,2
10,2
Abandono
21,7
20,8
19,1
20,5
20,9
21,1
20,9
20,9
Fonte: SEC, MEC/INEP. Elaboração: SEC/BA - SUPAV/CAI.
* Valores projetados pelo MEC/INEP
Pontuando, em análise, é possível perceber na Bahia, que,
em todas as fases e níveis, o ensino médio na rede estadual en­contrase bem distante do índice nacional, o que pode ser verificado na
tabela a seguir:
Tabela 3 - IDEB 2005/2007 e metas para rede estadual – BAHIA
2005 – 2021 Parte superior do formulário
Ideb Observado
Metas Projetadas
Estado 2005
2007
2009
2007
2009
2011
2013
2015
2017
2019
2021
Bahia
3.0
3.3
3.0
3.1
3.2
3.5
3.8
4.3
4.5
4.8
2.9
Fonte: MEC/INEP.
O índice de Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB
da Bahia no ano de 2005 é de 2,9. De acordo com o INEP, o
Estado vem revelando um baixo rendimento, pois dentre os 1.242
muni­cípios brasileiros com mais baixo IDEB, 211 encontram-se
na Bahia. Assim, urge uma mudança na educação pública baiana,
48
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
conforme apontam os indicadores, pois, de acordo com as projeções
do IDEB, em 2013 a Bahia estaria alcançando um índice de 3,5,
próximo à atual média nacional. Em 2021, caso se confirmem as
projeções, o Estado alcançará a média de 4,8, ficando ainda muito
aquém do índice nacional pretendido. (BAHIA, 2009).
Tabela 4 - IDEB 2005, 2007, 2009 e projeções para o Brasil
TOTAL
Ensino Médio
IDEB Observado
2005
2007
2009
2007
3,4
3,5
3,6
3,4
Metas
2009
3,5
2021
5,2
Fonte: MEC/INEP.
O IDEB possibilita aos sistemas e escolas o
acompanhamento dos processos peda­gógicos e de gestão, com
vistas ao desenvolvimento de ações que possam, efetivamen­te,
contribuir para a aprendizagem e o sucesso do estudante da Bahia.
O desafio que está posto para o estado é grande.
Esse sistema de avaliação externa precisa estar atrelado a
outras políticas públicas e os resultados redundam em compromisso
e trabalho pedagógico por parte do corpo docente e da equipe
escolar. A articulação com outros instrumentos e com as práticas
educativas internas nas escolas são condições essenciais para a
mudança do cenário educacional no estado.
Rodríguez (2010), na pesquisa “políticas públicas de
juventud en américa latina: Avances concretados y desafios a
encarar en el Marco Del Año Internacional de la Juventud”,
sugere que os programas de ação para os jovens, sejam
implementados e avaliados com rigor. É essencial a vontade dos
governos como um todo, articulando esforços institucionais em
nível nacional como condição para a efetividade das escolas e
dos sistemas institucionais.
49
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Outra questão a ser destacada, segundo Simões (2009), é
a definição de propostas pedagógicas diferenciadas segundo suas
especificidades e singularidades para cada faixa etária que atendem.
Esse autor sugere considerar-se o adolescente, de 15 a 17 anos, o
jovem, de dezoito a 24 anos e o adulto, acima de 24 anos, no intuito
de definir com mais clareza propostas educacionais compatíveis
com a maturidade do estudante.
Inserida nesse contexto encontra-se a problemática do
ensino médio na Bahia contemporânea.
O estado atual da questão em um município baiano: a
pesquisa de campo
A pesquisa teve como objetivo analisar o estado atual da
aplicação de novos marcos da Constituição e da LDB na política
de ensino médio, em um município baiano. Foi realizada com
gestores da rede pública estadual da cidade de Barreiras, extremooeste do Estado da Bahia - Brasil, que fica a, aproximadamente, 900
km de Salvador e 600 km da capital do país, Brasília. O processo
de investigação trabalhou o conteúdo das interações dos gestores a
partir das informações obtidas no questionário, caracterizado pela
impessoalidade e abrangência de área mais ampla na obtenção das
informações. Outro ponto importante foi o anonimato que deixou
os sujeitos livres para exprimir opiniões, conhecimentos e/ou
atitudes sobre o assunto.
A Diretoria Regional de Ensino – DIREC de Barreiras
atende a 15 municípios da região oeste da Bahia, num total de 34
escolas que oferecem o ensino médio. Destas, 11 estão localizadas
na cidade sede, onde 60% dos gestores das escolas de Barreiras
responderam ao questionário.
Os dados foram analisados com base nas respostas dos
questionários aplicados aos gestores de escolas de ensino médio.
Para caracterizar a população pesquisada, os participantes foram
50
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
constituídos, na sua maioria, de pessoas do sexo feminino. Entre os
participantes, 6 são do sexo feminino e apenas 1 do sexo masculino.
No que se refere à idade dos participantes, a pesquisa mostra que a
maioria (81%) se encontra na faixa etária entre 41 e 50 anos de idade.
Considerando a escolaridade, a ênfase se situa na Especialização,
com 91% dos participantes e na Graduação, 9%, conforme quadro
a seguir:
Quadro 1 – Relação dos participantes por tipo de curso
Graduação
Pedagogia
Pedagogia
Pedagogia
Biologia
Língua Estrangeira Moderna
Letras
Pedagogia
Especialização
Psicopedagogia
Supervisão escolar
Avaliação
Gestão Ambiental
Docência da Educação Superior
Educação de Jovens e Adultos
Supervisão escolar
Fonte: Questionário da pesquisa
Nota-se, pelos dados acima, que nenhum gestor possui
formação específica em gestão escolar. Com relação ao tempo de
exercício na função de gestor, os índices variam de 01 a 13 anos de
efetivo trabalho na gestão da escola.
A segunda parte do questionário, constituída de aspectos
substantivos, identifica o conhecimento dos participantes acerca
dos novos marcos da Constituição e da LDBEN no que se refere
às políticas públicas para o ensino médio.
Ao avaliar o ensino médio na escola de sua responsabilidade,
50% dos participantes o avaliam como bom; 33,33% avaliaram-no
como regular; e 16,67% indicaram a alternativa ruim.
Na pergunta seguinte, relacionada ao preparo do estudante
para o mercado de trabalho, 50% concluíram que os alunos saem
razoavelmente preparados para enfrentar o mercado de trabalho,
contra 50% que acreditam que esses jovens são despreparados para
51
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
defrontarem com tal situação. A Pesquisa CNI – IBOPE: retratos
da sociedade brasileira: educação (2010), realizada em junho do
corrente ano e em todos os Estados do Brasil, revela consenso de
que o País deva ter mais cursos profissionalizantes em conjunto
com o ensino médio. Com relação ao mercado de trabalho, 14%
responderam que no fim do ensino médio o aluno está “bem
preparado” para o mercado de trabalho. (CNI-IBOPE, 2010).
Analisando a responsabilidade sobre o mau desempenho
dos alunos do ensino médio, os participantes concordam que a falta
de preparo dos professores contribui para que essa situação ocorra.
Face ao exposto, Pimentel, Palazzo e Oliveira (2009) alertam:
Logo, a profissionalização do professor é posta
num processo em que a razão é trabalhada
conjuntamente com práticas oriundas da
realidade. Manter uma relação entre o
conhecimento teórico e prático é, sobretudo,
característica de um professor autônomo e
responsável. A prática docente é complexa,
com situações únicas que requerem soluções
imediatas. Dessa forma, é necessário que o
professor esteja preparado para enfrentar e
solucionar percalços encontrados no decorrer
da atividade docente.
No seu papel indutor, o Ministério da Educação e os
Estados, são responsáveis pela qualidade das redes de ensino médio
no Brasil (BRASIL, 2010). A socialização de políticas públicas de
formação docente possibilita e estimula, efetivamente, a orientação
quanto ao trabalho pedagógico, particularmente com ênfase na
aprendizagem in loco.
Os dados demonstram que os índices de evasão das escolas
pesquisadas ficaram em torno de 26% a 35%. Os alunos vão à
escola para “fazer” alguma coisa (aprender a ler e escrever). Esta é a
relação que se estabelece com o saber sistematizado. Nóvoa (1995)
52
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
afirma que para uma mudança educacional significativa é necessária
uma formação reflexiva por parte dos professores, buscando uma
melhoria do ensino, da aprendizagem e, consequentemente, o
desenvolvimento de práticas educativas coerentes com a realidade
social.
Consultados sobre os índices de evasão escolar na escola
de sua responsabilidade, 50% responderam que variam de 19% a
25%. Surpreendentemente, 50% dos entrevistados responderam
que não conhecem os índices de evasão de sua escola.
Indagados sobre as causas relevantes para a evasão e
repetência, os respondentes indicaram o que se segue no quadro
a seguir:
Quadro 2 - Relação das causas relevantes para o problema
Repetência
Evasão
Falta de pré-requisito
Desmotivação
Falta de acompanhamento
Dificuldade de aprendizagem
Falta de apoio familiar
Procura de emprego
Gravidez precoce
Baixa escolaridade da família
Drogas
Baixa expectativa de sucesso social
Trabalho temporário
Distância entre família e escola
Despreparo do professor
Gestão omissa em relação ao
pedagógico
Acompanhamento pedagógico
insuficiente
Falta de transporte público
Conciliação entre estudo e trabalho
Interesse e estímulo na sala de aula
Fonte: Questionário da pesquisa
Ao serem inquiridos se houve aumento na matrícula de
alunos nessa faixa etária, após a vigência da Lei nº 12.061/2009 e
da Emenda Constitucional nº 59/2009, que asseguram o acesso ao
ensino médio público a todos os jovens, de 14 a 17 anos, todos os
gestores desconhecem o conteúdo da legislação supracitada.
53
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Por último, foi perguntado aos participantes quais os tipos
de problemas que essa obrigatoriedade e gratuidade do acesso de
alunos de 14 a 17 anos no ensino médio acarretou para a gestão.
Quadro 3 –
obrigatoriedade
Relação
dos
problemas
decorrentes
da
Problemas que acarretam para a gestão da escola
Falta de preparo do professor para atender as necessidades especiais
dos alunos
Pressão pela interpretação errônea da Lei
Superlotação das salas de aulas
Demanda maior que a oferta de vaga
Fonte: Questionário da pesquisa
Apesar de desconhecerem o conteúdo da legislação citada,
conforme apurado anteriormente, em resposta a este quesito, os
respondentes apresentaram razões impertinentes, registradas no
quadro 3.
Segundo Capanema e Pimentel (2009), a ampliação do
espaço democrático para a participação de todos na tomada de
decisão deve ser uma ação progressiva e consciente dos envolvidos
e requer uma gestão comprometida com os problemas sociais e
com o exercício da política de educação local. Desta forma, quanto
maior for o grau de informação e conhecimento que as pessoas
tiverem das ações governamentais, melhor será o resultado das
práticas colegiadas da gestão pública.
54
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Conclusão
O propósito deste trabalho foi analisar o estado atual da
aplicação dos novos marcos da Constituição e da LDB na política
de ensino médio, em um município baiano. Nesta perspectiva
buscou analisar alterações introduzidas no provimento do ensino
médio, pela Lei nº 12.061/2009, e pela Emenda Constitucional nº
59/2009. Também identificou, em escolas estaduais de nível médio,
do município de Barreiras-Ba, o índice de cobertura de alunos
com idade de 14 a 17 anos e, nas escolas pesquisadas, os índices de
evasão, repetência e aprovação de aluno nessa faixa etária.
Este índice significa o pleno atendimento da demanda. É
penoso destacar o desconhecimento revelado por alguns gestores
quanto aos índices de evasão, repetência e evasão da escola sob a
sua responsabilidade.
É lamentável, também, constatar a notória ignorância
quanto aos progressos conceituais contidos na inovação legislativa.
No estado atual da aplicação da política de ensino médio, a partir
dos novos marcos da Constituição e da LDB, é difícil imaginar
que, nas escolas pesquisadas, possa haver absorção dos princípios
e da prática educativa neles contidos. A menos que se processe um
comprometimento consciente da gestão, em todas as instâncias.
55
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Referências
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do exercício de 2009, o percentual da Desvinculação das Receitas
da União incidente sobre os recursos destinados à manutenção e
desenvolvimento do ensino de que trata o art. 212 da Constituição
56
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Federal, dá nova redação aos incisos I e VII do art. 208, de forma
a prever a obrigatoriedade do ensino de quatro a dezessete anos
e ampliar a abrangência dos programas suplementares para todas
as etapas da educação básica, e dá nova redação ao § 4º do art. 211
e ao § 3º do art. 212 e ao caput do art. 214, com a inserção neste
dispositivo de inciso VI. Disponível em: <http://www.planalto.
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58
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
A gestão focada na inclusão: escola aberta para a
diversidade
Gleice Aline Miranda da Paixão e Aline Veiga
Universidade Católica de Brasília
Resumo: O presente artigo apresenta um estudo de caso realizado
em uma escola pública do Distrito Federal reconhecida pela
comunidade escolar local como uma referência em Educação
Inclusiva. Neste estudo, procurou-se investigar como intervenções
realizadas pela gestão da unidade escolar podem propiciar a
inclusão de alunos com necessidades educativas especiais no
ensino regular. Também foi objetivo da pesquisa observar como
a gestão intervém no clima organizacional da escola com vista
à inclusão dos alunos. Igualmente, verificou-se a importância
atribuída à Educação Inclusiva dentre as ações da gestão da escola.
Os dados obtidos na pesquisa mostraram que a escola possui um
ambiente de abertura às diferenças de aprendizagem. A pesquisa
revelou que muitos professores acreditam que a educação que se
faz na escola é uma educação inclusiva ao propiciar aos alunos com
necessidades educativas especiais um tratamento adequado as suas
especificidades, proporcionando um ambiente educativo inclusivo.
A maioria dos professores acredita que a gestão atual da escola tem
como meta a educação inclusiva ao acolher os educandos especiais
e ao promover o desenvolvimento cognitivo de todos. Como
resultado da pesquisa, também, observou-se que o gestor exerceu
liderança e promoveu uma intervenção no clima organizacional
da escola ao partir de uma demanda interna: os alunos com
necessidades educativas especiais eram matriculados, mas não
tinham atendimento adequado às suas necessidades. Como líder,
o gestor mobilizou a escola e conseguiu, através do engajamento
da comunidade escolar local, montar sala de recursos, promover
debates e sensibilizações e por em pauta, na cultura organizacional
da escola, a Educação Inclusiva. Percebeu-se, portanto que se trata
59
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
de um exemplo de intervenção gestora de sucesso, voltada para o
atendimento da diversidade.
Palavras-chave: Gestão. Inclusão. Clima organizacional. Cultura
Organizacional.
Contexto
A política de Educação Inclusiva gerou vários debates, tanto
em nível local como em nível internacional. Várias conferências
trataram do assunto, sobretudo a conferência ocorrida em Jomteim,
na Tailândia, que ficou conhecida como a Conferência Mundial de
Educação para Todos.
Apesar das discussões aprofundadas, da criação de dispositivos
legais para implantação de uma Educação verdadeiramente
Inclusiva, é sabido que as questões atitudinais, subjetivas, não
são tocadas por força de lei e, portanto, se configuram em uma
mudança mobilizada na e pela cultura organizacional e que, mesmo
que motivada por programas e ações externas, depende de quesitos
próprios para emergir.
Portanto, faz-se necessário observar experiências
promissoras de escolas realmente inclusivas, que trabalham na
perspectiva de uma Educação para Todos, para entender como é
possível romper com uma prática milenar de segregação e se abrir
para o outro, para a diversidade.
Sendo assim, o presente artigo é resultado de uma
pesquisa que teve como objetivo analisar como a gestão focada
nos princípios de inclusão escolar possibilita aos alunos com
necessidades educativas especiais o exercício de seus direitos de
cidadão; observar como o gestor escolar pode fomentar a criação
de um ambiente inclusivo interferindo no clima organizacional
da escola; e verificar qual é a visão dos professores em relação à
educação inclusiva ofertada na escola.
60
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Gestão Educacional e Inclusão
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu que o ensino
deve ser ministrado em igualdade de condições para o acesso
e permanência na escola, garantindo o pluralismo de ideias e de
concepções pedagógicas.
O artigo 59 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB nº 9.394 de 1996) institui que os sistemas de
ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais
currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização
específicos para atender às suas necessidades; professores com
especialização adequada em nível médio ou superior, para
atendimento especializado, bem como professores do ensino
regular capacitados para a integração desses educandos nas classes
comuns; educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva
integração na vida em sociedade.
Apesar dos dispositivos legais, a aplicação não se deu
concomitantemente à criação dos critérios normativos. E para
se transpor a ótica da imposição normativa, atender os alunos
deficientes nas classes comuns requer um reordenamento da escola.
Essa reorganização parte essencialmente da mudança da cultura
escolar, no entanto só acontecerá se seu pilar estiver pautado na
adoção de posturas inclusivistas nascidas dentro da própria escola e
não absorvidas por elas sem análise crítica e de forma automática.
As inovações têm de partir internamente e não de fora.
Gadotti (2002) afirma que a escola é que deve ser protagonista
de suas deliberações e ações e não os assessores pedagógicos
externos, pois as inovações que vêm de fora tem grande chance
de fracassar. Segundo Gadotti, “os numerosos exemplos de
implantação de inovações feitas pelos sistemas de ensino, eram
determinação exterior, artificial e separada dos contextos pessoais
e institucionais em que trabalham os profissionais da educação
nas escolas”. (p.19)
61
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Partindo-se da perspectiva de que a gestão é o ponto
crucial da organização da escola, criou-se para a mesma o desafio
de propiciar um ambiente de inclusão, mobilizando ações dentro
da escola, intervindo junto aos demais segmentos escolares,
influenciando na cultura escolar de forma a torná-la uma escola
que atenda ao seu princípio-fim: promover educação. Para tanto,
há necessidade de uma equipe gestora competente, pois segundo
Woods e Brighouse (2010), as habilidades e as competências dos
líderes escolares, especialmente os diretores, são os principais
ingredientes para o sucesso da escola. Eles afirmam ainda que, sem
combinação desses ingredientes, jamais se encontrará uma escola
realmente bem-sucedida.
A importância da gestão escolar: concepções e práticas
Os debates sobre o conceito de gestão vêm aumentando nas
últimas décadas. Muito se deve ao entendimento da necessidade
de um redirecionamento do processo educativo, tendo em vista as
mudanças ocorridas pela democratização da sociedade.
Essas mudanças desvelaram que a perspectiva da
administração escolar, centrada quase que exclusivamente na figura
do diretor, não atendia mais aos anseios da escola e da sociedade de
modo geral. Segundo Chaguri (2007), até pouco tempo, o termo
administração educacional via o diretor como um simples executor
da política educacional. Na sociedade pós-moderna, o termo
gestão democrática veio contrapor e propor um novo modelo de
administração.
Com as mudanças ocorridas na sociedade, a gestão da escola
passou a ser debatida e estudada. Lück (2010) afirma que tem sido
dada uma atenção efetiva para a gestão que, através de um novo
enfoque, tem sobrepujado a ideia de administração e se assentado
sobre a mobilização dinâmica do elemento humano, sua energia
e talento, coletivamente organizados, como condição básica e
62
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
fundamental da qualidade do ensino e da transformação da própria
identidade das escolas, dos sistemas e da educação brasileira.
Essa transformação da identidade das escolas tem trazido
à tona a eminência da aplicação dos preceitos da Declaração de
Educação para Todos, que recomenda a adoção imediata de políticas
que garantam aos deficientes acesso e permanência na escola, bem
como a todos os estudantes, independente de cor, condição social,
credo ou qualquer que seja sua individualidade.
Partindo desta premissa, a partir da década de 90, surge
uma nova visão da gestão: o gestor passou a ser um articulador
do trabalho coletivo. Para Amorim (2007), a gestão democrática é
um rompimento histórico na prática da administração educacional.
“Implica repensar a estrutura de poder da escola, buscando a ampla
participação dos representantes dos diferentes segmentos da escola”
(p. 34).
Segundo Antunes e Padilha (2010), para se fazer uma
gestão democrática há a necessidade de se contar com a participação
de todos os segmentos da comunidade escolar, compartilhando
reflexões e ações, tendo acesso a informações, promovendo fóruns
de diálogo e a descentralização do poder de decisão.
O gestor torna-se um membro importante da escola, mas
não o único a ter voz. Há uma ressignificação de seu papel. A
principal ação do gestor passa a ser a intervenção no clima e na
cultura organizacional da escola com fins a fomentar um espaço
educativo, primando pela qualidade de ensino. Nesta linha, Lück
(2010) afirma que:
Os gestores escolares, considerando-se as
expressões ideais de sua atuação, ao assumirem
as responsabilidades de seu cargo, passam a ter
como inerentes a eles a responsabilidade de
liderar a formação de clima e cultura escolar
compatível com concepções elevadas de
Educação e políticas educacionais, de modo
63
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
que se promova ambiente escolar estimulante
e adequado para a formação consistente e
aprendizagem significativa de seus alunos
(p.128).
A gestão no contexto contemporâneo propõe inovação
e busca a competência profissional dos gestores perante um
sistema educacional tão dinâmico e complexo como o brasileiro.
É imperativo que haja organização e mobilização para que as
necessidades educacionais especiais sejam atendidas e não preteridas.
A tarefa de gerir uma escola tem de ser vista sob a perspectiva da
efetividade e da coletividade.
A Questão Central
A pesquisa constituiu-se em um estudo de caso, realizado
em um Centro de Ensino Fundamental, localizado na cidade
satélite de Taguatinga, no Distrito Federal. Optou-se por um
estudo de caso, pois, segundo Yin (2001), é uma estratégia escolhida
ao se examinarem acontecimentos contemporâneos, mas quando
não se podem manipular comportamentos relevantes. O poder
diferenciador do estudo de caso é a sua capacidade de lidar com
uma ampla variedade de evidências.
A referida escola atende estudantes dos anos finais do
ensino fundamental, 5ª a 8ª séries. Nesse estudo, foi observada a
atuação do diretor no que concerne à efetivação de uma Educação
Inclusiva.
Para a coleta de dados, foram realizadas visitas à escola,
entrevista com o diretor e aplicação de questionários aos
professores. Concomitantemente, foram observados os espaços da
sala de aula comum e das salas multifuncionais, em que ocorrem
os atendimentos especializados. Sobre a concepção da cultura
organizacional como lócus de atuação do gestor, observou-se como
este tem intervindo para fomentar um ambiente inclusivo.
64
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Análises dos dados
O processo de Inclusão Escolar de alunos deficientes no
Centro de Ensino Fundamental começou por volta de 1996, quando
o atual diretor ainda era professor na escola. Segundo este, naquela
época, foi percebido que havia um grande desafio a ser enfrentado
e que algo tinha que ser feito para criar espaços de aprendizagem
aos alunos com necessidades educativas especiais.
Hoje a escola atende 854 (oitocentos e cinquenta e quatro)
alunos, destes 64 (sessenta e quatro) são alunos com necessidades
especiais – surdez, cegueira, autismo, deficiência mental e física,
transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, transtorno de
conduta. A escola tem rampas de acesso em todo o perímetro da
unidade, os banheiros são adaptados para os deficientes físicos. O
objetivo é propiciar um ambiente acolhedor e acessível a todos.
De acordo com a deficiência, alguns alunos recebem
tratamento especializado e individualizado. Quando a escola não
dispõe de recursos materiais e humanos para atender as necessidades
do aluno, o diretor intervém junto a Diretoria Regional de Ensino
(DRE) para obtê-los.
No decorrer das visitas e após a entrevista e aplicação dos
questionários, concluiu-se que o diretor atua dentro dos princípios
da gestão participativa, trazendo as situações que necessitam de
resoluções para o grupo e mobilizando-o para a descoberta de
soluções. Na visão do diretor:
a inclusão é uma causa que deve ser abraçada
por todos na escola, é um trabalho que conta
com a participação de todos os envolvidos –
porteiros, professores, coordenação, direção,
discentes, família. Alguém tem que tomar
a iniciativa, a partir daí o pensamento das
pessoas vai mudando e disseminando a idéia,
ou seja, as boas práticas.
65
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Traduzindo, assim, uma premissa de intervenção no Clima
Organizacional, pois o primeiro passo é conhecer o clima para nele
intervir de forma contundente. Segundo Lück (2010),
estudar o modo de ser e de fazer da escola,
e buscar compreender os aspectos que os
produzem e sustentam, constitui importante
condição para que gestores possam atuar em
relação aos fatores que criam e mantêm esse
processo cultural, a fim de que possam atuar
com bases mais sólidas e bem fundamentadas e
exerçam, de modo efetivo, a responsabilidade
que assumem de liderar e orientar o modo de
ser e de fazer da escola. (p.22-23)
As ações implantadas e implementadas pela escola têm
fomentado um ambiente provedor de aprendizagem a todos e
promovido a educação para a diversidade, com progressiva adesão
e engajamento de professores e alunos. Hoje, as avaliações são
adequadas às necessidades desses alunos. Segundo o diretor,
algumas provas têm questões diferenciadas, outras são realizadas
com o suporte da sala de recursos.
O Documento Subsidiário à Política de Inclusão (2005)
aponta a importância das flexibilizações curriculares para viabilizar
o processo de inclusão. Para que possam ser facilitadoras, e não
dificultadoras, as adequações curriculares necessitam ser pensadas
a partir do contexto grupal em que se insere determinado aluno.
O questionário aplicado aos professores revelou que
50% acreditam que a educação inclusiva reconhece e respeita a
diversidade. 30% acreditam que a educação inclusiva reconhece
que todas as crianças e jovens podem aprender e que a inclusão
promove a aprendizagem e o desenvolvimento pessoal de todos
os alunos. 80% dos professores pesquisados acreditam que a atual
gestão da escola favorece a inclusão educacional dos alunos com
necessidades educativas especiais no que tange ao acolhimento, e
60% acreditam que favorece o desenvolvimento cognitivo.
66
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Um dos maiores desafios, hoje superado na escola, foi
a resistência dos professores em atender os alunos especiais
diante da falta de estrutura física e de recursos e da falta formação
específica. De acordo com as respostas dos questionários, 80%
dos professores concordam com a inclusão de alunos especiais na
rede regular de ensino. Os 20% que não concordam justificam
seu posicionamento afirmando que o sistema educacional ainda
não oferece uma estrutura – física, profissional e equipamentos
– ideal para incluí-los.
Um ponto relevante desvelado na pesquisa é o fato de
a escola manter em seu ambiente quatro salas de atendimento
especializado para surdos. A escola atende esses alunos, em algumas
disciplinas, separadamente, o que se configura, oficialmente,
como uma integração escolar. Em contrapartida, a inclusão tornase efetiva ao atender todos os outros alunos com necessidades
educativas especiais nas classes comuns.
O engajamento do diretor, evidenciado na entrevista, mostra
que há uma busca constante de atendimento das necessidades
dos alunos. O diretor relatou que quando recebem alunos com
necessidades diferenciadas, como foi o caso recente de um aluno
autista que chegou à escola, a equipe escolar pleiteou com a DRE
um monitor para auxiliar o educando durante as aulas. Sabe-se
que é dever legal da DRE disponibilizar recursos humanos para
atendimento das escolas, no entanto, sabe-se também do déficit
de profissionais na educação pública, portanto o feito do diretor
torna-se relevante, ainda que devesse ser comum.
Considerações finais
As políticas e ações implementadas pela direção apontam
para a consolidação e concepção de uma educação inclusiva. O
ambiente e a cultura organizacional propiciam a oferta e a promoção
de uma educação para a diversidade. Observou-se que a escola está
67
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
aberta às diferenças e que o gestor busca a cada dia, juntamente
com o apoio da comunidade escolar – docentes, alunos, pais e
funcionários – oferecer uma educação de qualidade para todos os
alunos.
O contraponto da pesquisa está na constatação de que existe
uma unidade de ensino especializado funcionando dentro da escola
o que configura, para os meios legais, uma Integração Escolar e não
a Educação Inclusiva, posto que separa os alunos surdos durante as
aulas de Língua Portuguesa, Matemática, Inglês, Ciências, História
e Geografia. Entretanto, para os professores e para os alunos, da
forma como está organizada a escola, a aprendizagem é efetiva.
Segundo eles, se nas aulas dessas disciplinas os alunos estivessem
inseridos nas classes comuns, seus rendimentos seriam menores.
Quanto à manutenção do clima favorável a um ambiente
propiciador de aprendizagens a todos, observou-se, pela fala e ações
do diretor, que o mesmo precisou fazer intervenções consistentes,
uma vez que obteve várias resistências no início. Resistência de
professores quanto à falta de estrutura física e recursos e pressões da
Diretoria de Ensino com fins a supressão das classes especializadas
presentes na escola.
Por melhores que sejam as mudanças, elas sempre
trazem questionamentos e desafios, e requerem muito empenho.
Essas mudanças têm que tocar a base da escola, ou seja, têm de
transformar a cultura organizacional. Para Lück (2010), quando
o grupo se envolve em uma experiência de sucesso, na medida
em que o líder a torna visível a todos e reforça o caráter coletivo
da mesma, dá-se início um processo de mudança. A experiência
torna-se fonte de poder motivacional que contribui para a criação e
manutenção de um clima favorável ao desenvolvimento educacional
que, continuamente reforçado, passa a se constituir em um valor
inerente às práticas educativas e, consequentemente, incorpora-se
à cultura organizacional da escola.
68
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Referências
ANTUNES, Ângela; PADILHA, Paulo. Educação cidadã,
Educação Integral: Fundamentos e práticas. São Paulo: Editora
e Livraria Paulo Freire, 2010. (Educação Cidadã, vol.6)
AMORIM, Hellen. A gestão como fator de sucesso de uma
escola de ensino médio: estudo de caso. Brasília, 2007. 134f.
Dissertação (Mestrado em Educação). UCB, Brasília-DF, 2007.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República
Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1990.
______. Lei Federal nº 9.394. Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. Brasília, DF: Senado Federal, 1996.
BRIGHOUSE, Tim; WOODS, Davi. Como fazer uma boa
escola? Porto alegre: Artmed, 2010.
CHAGURI, Magali. O curso Progestão no Estado de São
Paulo e sua concepção de Educação Permanente. Americana,
2007. 116f. Dissertação (Mestrado em Educação). UNISAL,
Americana-SP, 2007.
GADOTTI, Moacir. Boniteza de um Sonho: ensinar e aprender
com sentido. São Paulo: Cortez, 2002.
LUCK, Heloisa. Gestão da cultura e do clima organizacional
da escola. Petrópolis: Vozes, 2010. (Série Cadernos de Gestão,
volume V)
PAULON, Simone; FREITAS, Lia; PINHO, Gerson. Documento
subsidiário à política de inclusão. Brasília: Ministério da
Educação, Secretaria de Educação Especial, 2005.
YIN, Robert. Estudo de caso: Planejamento e Métodos. 2. ed.
Porto alegre: Bookman, 2001.
69
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Acessibilidade e expansão da Educação Superior
no Brasil: os impactos do ordenamento legal e de
variáveis sócio-econômicas relacionadas à Educação
Superior no Brasil
Renato Borges
Resumo: Este texto traz uma visão preliminar das questões
relacionadas à expansão e acessibilidade do ensino superior no
Brasil. Tendo em vista as particularidades da implantação da
universidade no país e das variadas formas das Instituições de
Ensino Superior (IES), debate-se intensamente as regras do
governo, que são impostas a todo o sistema – o ordenamento
legal – as práticas implementadas nas IES e até mesmo os planos
periódicos de estratégias educacionais. Tudo pouco conclusivo,
quantificado e, portanto, nada propositivo. As incertezas quanto
ao papel, responsabilidades e relações com o modelo econômico
evidenciam posições antagônicas: uns acreditam em modelos mais
flexíveis, equacionadores de problemas sócio-econômicos, o que
estaria ligado ao crescimento da economia (medido pelo Produto
Interno Bruto - PIB) e à expansão da acessibilidade nos últimos anos;
outros já condenam aspectos mercantis do ensino e qualquer relação
deste com o modelo econômico vigente, uma vez que defendem a
educação integral e formadora do cidadão. Com a premissa de que
o Estado é o grande regulador do modelo educacional, abordamos
aqui a evolução do ordenamento legal vis a vis a expansão do
ensino superior, as formas de acesso (acessibilidade), bem como
os reflexos de variáveis sócio-econômicas sobre a oferta de vagas e
o crescimento de instituições públicas e privadas no país.
Palavras-chave: Educação Superior. PIB. Vagas. Ordenamento
Legal. Acessibilidade.
71
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Tendências e problemas do ensino superior
No mundo hodierno, segundo a Unesco (1999), no tocante
à Política de Mudança e Desenvolvimento no Ensino Superior,
existem três tendências, quais sejam a expansão quantitativa,
a diversificação de estruturas institucionais e as dificuldades
financeiras.
Tem-se que a qualidade da expansão estaria ligada às
condições sócio-culturais do país e, sendo assim, países menos
desenvolvidos tenderiam a expandir-se com baixa qualidade.
A diversificação de estruturas institucionais estaria relacionada
às dificuldades financeiras, o que sugere que, em países pobres,
parte da viabilização do sistema de ensino superior viria da sua
diversificação. Em suma, a diversificação seria uma alternativa
para equalizar a questão econômica, tendo presente o processo
educacional.
No Brasil, existem tendências nessa linha, a exemplo das
alterações feitas nas regras que regem as Instituições de Ensino
Superior Públicas do país que, na prática, possibilitam uma
aproximação destas com o mercado. Dessa forma, tendo como
braço operacional as fundações, essas instituições podem prestar
serviços, assim como qualquer outra empresa mercantil.
Segundo Catani (1996), a aproximação entre os setores
produtivos e educacionais, em especial no que se refere à educação
superior, é um fato inevitável. Existe, no entanto, uma contradição
neste movimento, perceptível à medida que as universidades são
questionadas quanto à qualidade do conteúdo, ao mesmo tempo
em que são cobradas pelos seus papeis no meio econômico.
A Unesco (1999) entende que a diversificação é uma
tendência inevitável, contudo, deve-se estar atento à qualidade
do ensino superior, à equidade quanto ao seu acesso (questão da
acessibilidade) e, ainda, à preservação da liberdade acadêmica.
72
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Numa análise sobre Estados Nacionais, tecnologia e
políticas inovadoras, Carnoy (2004) acredita que existem de fato
direcionamentos do governo para o modelo educacional, pois,
para ele, a educação de modo geral, e, em particular, a educação
superior, estaria vinculada historicamente aos objetivos nacionais,
assim como a promoção da cultura do país, ao desenvolvimento
sócio-econômico ou à formação de uma elite.
Para a Unesco (1999), o ensino superior deve sim
desenvolver atitudes pró-ativas frente ao mercado de trabalho
e ao nascimento de novas formas de colocação da mão-de-obra.
Contudo, quando o diploma não estiver garantindo o emprego,
espera-se que o ensino superior tenha preparado graduados,
também capazes de, por exemplo, criar oportunidades.
Schwatzman (2005) retrata a iniciativa europeia de equalizar
a questão do ensino superior quanto à sua dupla missão, buscando
um formato que, ao mesmo tempo, permita a formação profissional
e a formação mais geral. A proposta é conhecida como “Processo
de Bologna”, que propõe um formato geral de dois ciclos para o
Ensino Superior e mais um terceiro para cursos “avançados” (não
profissionais) e para a pós-graduação.
Dias Sobrinho (2006), no livro “Dilemas da educação
superior no mundo globalizado”, dedica um capítulo à reflexão
sobre tendências das reformas educativas no mundo, com ênfase
no “Processo de Bologna” modelo que, para ele, não traz garantias
de uma formação integral do indivíduo para a vida e sociedade. O
autor teme a mercantilização da educação superior que, por ter um
corte transnacional, pode passar a ser formalmente regulada pelo
Acordo Geral de Comércio sobre Serviços (GATS), preocupação
esta verificada em pronunciamentos de outros estudiosos sobre o
tema e também de dirigentes de Instituições de Ensino Superior
de vários países.
Já numa crítica ao planejamento tecnicista do governo com
relação à educação superior, Mendes (2000) destaca sua preocupação
com a falta de flexibilidade acerca das questões conceituais relativas
73
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
à universidade, enumerando algumas de suas conclusões sobre o
assunto, das quais citamos:
Cabe à administração das universidades
formular uma política que as situe no processo
de desenvolvimento social e econômico
do país. Constituem itens essenciais
dessa política: a. a criação de mecanismos
que permitam a captação sistemática das
necessidades sociais às quais possa responder
uma eficiente programação universitária; b.
a criação, no MEC e em cada universidade,
de um serviço de informação ocupacional;
c. um método adequado de participação de
cada universidade no plano geral da Nação.
(MENDES, 2000, p. 161).
Espínola (2002) entende que é possível atender às teorias
econômica e social na medida em que se pode identificar as
necessidades coincidentes destas duas áreas e, em seguida, promover
a otimização do recurso empenhado no processo educativo. O autor
propõe um modelo em que os mecanismos destinados a assegurar
o cumprimento de políticas pertençam à esfera da regulação e do
controle, que permitirão a obtenção do produto, do resultado e da
qualidade desejada.
Para Espínola (2002), a regulação é essencial, pois este é
o instrumento de política do Estado que orienta o sistema para
condutas e resultados predeterminados. Também pode ser vista
como uma ferramenta de “calibre” por onde o Estado manda sinais
ao sistema educativo sobre quais objetivos a se atingir.
Nesse modelo não se descartam as necessidades econômicas
nem as sociais. O que se faz é aproveitar-se de forças favoráveis no caso, o próprio sistema de educação - para o atendimento dessas
duas demandas.
74
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
O modelo confirma, de certa forma, o alinhamento entre
o ensino superior, o mercado de trabalho, as necessidades da área
econômica e a proposta educacional.
FIGURA 1: Os papeis da educação.
C IÊ N C IA S S O C IA S
T e o ria d o C o n h e cim e n to
• C u ltu ra ;
• C o n h e cim e n to ;
• E d u ca çã o com o com p e tê n cia
ESTADO
REG ULAÇÃO E CO NTRO LE
1 . N o rm a tiv o
E C O N O M IA
T e o ria d o M e rca d o
• E ficiê n cia ;
• C u sto -e fe tiv id a d e ;
2 . In sp e çã o
• E d u ca çã o com o b em
E S C O LA
3 . In fo rm a çã o
A sce n sã o P ro fissio n a l
In crem e n to d e re n d a
4 . P a rticip a çã o
D em a n d a
F A M ÍLIA
L iv re E sco lh a
Fonte: Espínola (2002, p.33)
Castro (1976), ao abordar a questão da contribuição da
educação para o crescimento econômico, ressalta os estudos
realizados a partir de 1950. Naquele período, foram identificados
resíduos não explicados pelas metodologias vigentes ou pelo
aumento do capital e do trabalho e que, doravante, foram atribuídos
à educação. Segundo o autor, os estudos explicavam de forma
precária a relação da educação com crescimento. Só mais adiante
seria explicitamente introduzido capital humano ou a educação na
função de produção.
75
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Quanto à diversidade, Castro, citado por Durham (2001),
faz uma análise do ensino superior no Brasil e das mudanças
ocorridas nos últimos anos. Para ele, esse efeito foi algo natural
tendo em vista as transformações por que passou o mundo, das
quais o Brasil não ficou isento.
O autor defende a ideia de que é necessário reconhecer
a diversificação também na formulação das políticas, regras e
incentivos, pois o que houve foi uma mudança na oferta para
atender demandas existentes e diferenciadas.
Outros autores acreditam que essa diversificação já ocorreu
no Brasil. Schwartzman (1989) entende que a diversificação veio
com a expansão e, coincidentemente, após a reforma universitária
de 1968 que, aliás, teve a pretensão de impor ao nosso país o modelo
organizacional das “Research Universities” norte americanas. O
autor visualiza uma expansão de 1968 até 1980, com significativas
diferenças entre instituições públicas e privadas e uma estagnação
após 1980 que, no seu entendimento, foi em função de dois eventos,
quais sejam: 1) a limitação do governo para autorizações de novos
cursos e; 2) a saturação no mercado de trabalho para algumas
profissões, em função da retração econômica daquele momento.
Já no ano de 1989, momento em que se discutia as
perspectivas do ensino superior no país em evento organizado
pela Universidade de São Paulo (USP), de 5 a 7 de abril de 1989,
Schwartzman afirmava que a demanda continuaria aumentando nas
próximas décadas. À época, destacou que o número de jovens (de
18 a 24 anos) no ensino superior era muito baixo, comparando-se o
Brasil com demais países da América Latina e América Central.
A posição de Schwartzman (1989) com relação à modalidade
do ensino superior coincide com a posição de Castro (2001).
Entendia o autor, à época, que os demandantes eram diferentes e
não haveria como insistir num modelo único de ensino superior
com aquela realidade. Ressaltou, entretanto, que as demandas não
poderiam ser atendidas sem uma análise prévia das consequências,
tais como a possibilidade de perda na qualidade da educação.
76
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
As tentativas de expansão da oferta no Brasil
A partir de 2004, momento em que o país tinha apenas
9% dos jovens (18 – 24 anos) no ensino superior, as discussões
ganharam novas variáveis. Com a constatação de que o país
realmente não poderia expandir a inclusão desses jovens no ensino
superior, vários projetos foram colocados em pauta pelo governo
federal.
Assim, no escopo do Programa Universidade para Todos
(ProUni), novas regras foram implementadas para o Fies (Fundo
de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior), além da
criação de bolsas integrais, dirigidas aos egressos do ensino médio
público, visando ingressá-los nas faculdades privadas.
O governo esperava que, com o ProUni e com a expansão das
Universidades Federais, em virtude do Programa de Apoio a Planos
de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – REUNI,
fosse possível ter 30% dos jovens de 18 a 24 anos no ensino superior
no final de 2011, o que se mostrou, até agora, algo improvável.
Entretanto, essas medidas também criaram polêmicas no
meio acadêmico. De um lado, tiveram aplausos, pois sinalizariam a
preocupação do governo com a questão da acessibilidade e diversificação
do ensino superior. De outro lado, todavia, tiveram severas críticas,
pois, no entendimento dos mais conservadores, ao contemplar as
instituições privadas no projeto, estaria sinalizada a intenção do
governo em privatizar, de fato, o ensino superior no Brasil.
De toda forma, é fato que o Brasil é um dos países que
mais tem participação de instituições privadas no ensino superior.
Conforme revela o próprio Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep, 2004), temos a
educação superior mais privatizada do mundo.
Conforme observa o próprio Ministério da Educação,
por meio de documento do Inep (2004), mesmo com a inclusão
das Instituições Privadas no ProUni, visando aproveitamento de
sua ociosidade de vagas, não é possível atingir a meta do Plano
77
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Nacional e Educação (PNE) com relação à inclusão de jovens no
ensino superior, qual seja, de 30% até 2011. O mesmo documento
explicita o que o governo espera da educação superior e, assim,
frisa que a educação deve garantir a posição de destaque o país no
cenário econômico mundial, sendo, portanto, um bem público.
Evolução do Ensino Superior no Brasil e Fatores macroeconômicos
É curioso o fato de que, embora a oferta de vagas tenha
acompanhado alguns dos indicadores sócio-econômicos, isto não
garantiu a inserção dos jovens de 18 a 24 anos no ensino superior
do país. O que se verificou foi que a evolução na oferta de vagas
(vide gráficos 1 e 2) foi efetivada por instituições privadas de ensino,
com uma pequena participação de instituições confessionais e
municipais, mas este evento não equacionou a questão da ausência
de grande parte dos jovens no ensino superior.
Gráfico 1: Evolução do PIB e vagas – 1970 – 2008
3.500
3.000
2.500
2.000
1.500
1.000
500
Fonte: MEC/INEP - Elaboração própria
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08
06
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02
V A G A S TO TA IS (m il)
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20
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-
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Analisando-se PIB versus vagas, verifica-se que, no período,
a segunda variável esteve estacionada por vários anos. No final do
período, contudo, acompanha a tendência do PIB.
Gráfico 2: Evolução do PIB e matrículas – 1970 – 2008
6.0 0 0
5.0 0 0
Vagas (Mil)
4.0 0 0
3.0 0 0
2.0 0 0
1.0 0 0
08
06
20
04
20
02
20
00
20
98
20
96
19
94
19
92
19
90
19
88
19
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19
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19
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19
78
19
76
19
74
19
72
19
19
19
70
-
A nos
P IB (m il)
M A T R IC . M il
Fonte: MEC/INEP - Elaboração própria
Analisando-se PIB versus matrículas, verifica-se que há
uma associação forte entre as duas variáveis, com a ressalva de que
no final do período há uma oferta maior de vagas, se comparada
com a evolução do PIB, o que pode ser reflexo da reforma Darcy
Ribeiro, de 1986, notadamente com regras mais flexíveis para a
criação de instituições de ensino superior no Brasil.
79
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Gráfico 3: Evolução das vagas, por tipo de Instituição – 1985 – 2008
3 .0 0 0
2 .5 0 0
Vagas mil
2 .0 0 0
1 .5 0 0
1 .0 0 0
500
19
85
19
86
19
87
19
88
19
89
19
90
19
91
19
92
19
93
19
94
19
95
19
96
19
97
19
98
19
99
20
00
20
01
20
02
20
03
20
04
20
05
20
06
20
07
20
08
-
An o s
P rivadas
P úblicas
Fonte: MEC/INEP - Elaboração própria
Ao se verificar a evolução das vagas, temos que as instituições
privadas foram as que mais contribuíram para o sistema como um todo.
Gráfico 4: Evolução das Vagas em Instituições Privadas: por tipo
In stitu iç õ e s P riva d as : E vo lu ç ão d as V a g a s
3 .0 0 0
2 .5 0 0
Vagas (mil)
2 .0 0 0
1 .5 0 0
1 .0 0 0
500
-
20
00
20
01
20
02
20
03
20
04
20
05
20
06
20
07
Ano
P a rticu la re s
80
C o m u n itá ria s/C o n fe s./F ila n tró p ica s
Fonte: MEC/INEP - Elaboração própria
T o ta l
20
08
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
No conjunto de privadas, as particulares foram as que mais
ofertaram vagas e são as responsáveis pela evolução do sistema,
pelo menos no quesito oferta. Obviamente que as matrículas totais
tendem a acompanhar o número de vagas ofertadas, embora em
menor proporção, o que sugere uma ociosidade no sistema.
Gráfico 5: Evolução das vagas x matrículas – 1970 – 2008
6.000
5.000
4.000
3.000
2.000
1.000
06
04
02
00
98
96
94
92
90
88
08
20
20
20
20
20
19
19
19
19
19
86
84
82
80
78
76
74
72
M A TRIC. M il
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
70
-
V A G A S TO TA IS (m il)
Fonte: MEC/INEP - Elaboração própria
Obviamente que esse crescimento de IFES privadas foi
acompanhado por visíveis mudanças no sistema de ensino superior,
notadamente no ordenamento legal, que tornou mais flexível a
chegada de investidores de mercado no segmento da educação
superior, tornando-a um negócio rentável e promissor.
Analisando-se dados oficiais, verifica-se que tanto evoluiu
o ordenamento legal referente à educação superior no Brasil
(tornou-se mais flexível), como também se acirraram os debates
sobre o tema Universidade e, em especial, sobre as várias nuances
do Ensino Superior no país.
81
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
As alterações pontuais nesse ordenamento legal certamente tiveram
seus objetivos declarados e, em alguns casos, também tiveram seus resultados
apurados.
Quadro 1: Resumo da Evolução do Ordenamento Legal
1891
Reforma Benjamim Constant
Um estatuto para instituições de ensino superior
existentes: Faculdades de Medicina, Escolas
Politécnicas, de Minas e de Engenheiro
1901
Reforma Epitácio Pessoa
Decreto Lei 3.390/1901: Disciplina a organização
e composição das faculdades
1911
Reforma Rivadávia Correa
Decreto 8.659/1911: Lei orgânica do Ensino
Superior e do Fundamental
1915
Reforma Carlos Maximiliano
Decreto 11.530/1915: Reorganiza o ensino
secundário e o superior. Mantém o Conselho
Superior de Ensino, mas altera currículos.
1925
Decreto 16.782-A/1925: Estabelece os concursos
da União para difusão do ensino primário,
Reforma João Luiz Alves/Lei organiza o Departamento Nacional do Ensino,
Rocha Vaz
reforma o ensino secundário e o superior. Cria
o Conselho Nacional de Ensino – CNE. Altera
currículos. Aborda questões da Universidade.
1931
Reforma Francisco Campos
Decreto 19.851/1931: Universidade como
modelo para o desenvolvimento do ensino
superior. Regulamenta a organização e
composição das universidades. Introduz a
investigação científica como um dos objetivos
do ensino superior. Aborda a questão das
“universidades livres” – (privadas).
1ª LDB
Lei 4.024/1961: Disciplina a organização de
todos os níveis de educação no país. Assegura
igualdade entre estabelecimentos de ensino
públicos e privados. A iniciativa privada tem
avanços no ensino superior com a aprovação da
1ª LDB.
1961
82
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
1968
Lei 5.540/1968: fixa normas de organização
e funcionamento do ensino superior,
complementadas pelo decreto-lei 464/1969.
Foco na flexibilização. Principais pontos:
ensino indissociável da pesquisa; autonomia
das universidades; modelo organizacional único
para instituições; ciclo básico; eliminação da
Reforma Universitária de 1968 cátedra; estabelecimento do departamento
como a menor fração da estrutura universitária;
regime de matrícula semestral; estabelece
o crédito como unidade de medida para a
contabilidade acadêmica; extensão universitária;
vestibular unificado; renovação periódica do
reconhecimento das instituições; representação
estudantil.
1996
Lei 9.394/1996, Lei 9.131/1995 e Lei 9.192/1995:
Foco na formação dos profissionais da educação
básica e democratização da universidade (cursos
sequenciais). Principais pontos: diversidade
de cursos superiores; Centros Universitários
e de Educação Tecnológica; a Universidade
deixa de ser a organização preferencial para
oferta do ensino superior; flexibiliza modelos
organizacionais – acaba a exigência dos
departamentos; avaliação como instrumento de
recredenciamento; aumento do ano letivo para
200 dias; alternativa ao vestibular para o processo
seletivo; pré-requisitos para credenciamento de
instituições; regulamenta a educação a distância;
regulamenta o Conselho Nacional de Educação
e estabelece avaliações periódicas das IES,
incluindo o provão (Lei 9.131/95); regulamenta
processo de escolha dos dirigentes das IES
públicas e particulares (Lei 9.192/95).
Reforma Darcy Ribeiro
83
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Leis 11.096/2005; 11.128/2005; 11.180/2005;
10.861/2004; Instrução SRF 456/2004; Decreto
5.262/2004; Decreto 5.493/2005;
Decreto
5.773/2006; Portaria nº40.
2004
Reforma Tarso Genro
Principais pontos: Cria SINAES e CONAES
(foco na avaliação e recredenciamento); Cria o
ProUni (com foco na acessibilidade). Diante da
premissa que a Educação Superior é bem público,
o foco recai sobre a qualidade e avaliação, com
ampla regulação do Estado. Várias iniciativas para
aumentar a acessibilidade (bolsas e incentivos
fiscais às IES privadas); Aspectos da autonomia e
financiamento, respeitadas as vocações regionais.
Estabelecimento do Plano de Desenvolvimento
de Gestão (PDG) como condição básica para
várias permissões e concessões. Mudanças no
FIES (financiamento direto aos estudantes)
Considerações Finais
Com essa análise preliminar, apenas descritiva, podemos
verificar várias situações e até mesmo constatar algumas colocações
feitas por especialistas ao longo do tempo. Verificou-se, por
exemplo, que há uma associação entre o crescimento do PIB
com o número de ofertas de vagas e, também, que essa oferta é
proveniente de instituições privadas – particulares e confessionais.
É possível verificar também a associação do número de
vagas ofertadas com o número de matrículas efetuadas e, como
consequência, que isto se deu no sistema privado, uma vez que as
IES públicas pouco ofertaram nesse período, comparativamente às
demais instituições. Temos realmente o sistema de ensino superior
muito privatizado.
84
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Resta, entretanto, verificar e quantificar, sem vieses, o
quanto as mudanças no ordenamento legal foram determinantes
para essas constatações e se foram eficientes em suas pretensões.
É essencial que estudos complementares abordem esse tema
e tragam contribuições para os debates sobre a educação superior
no Brasil. Entende-se que isto é possível por meio de uma análise
da evolução do ordenamento legal que rege o ensino superior e de
uma avaliação dos efeitos destas regras sobre a expansão deste nível
de ensino sobre a melhoria do acesso. Outro aspecto importante
na linha de pesquisa é a verificação da qualidade do ensino superior
frente à expansão do sistema privado.
Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Textos para Discussão nº 12.
“Educação Superior: democratizando o acesso”. Brasília DF: Inep,
2004.
CARNOY, M. A educação na América Latina está preparando
sua força de trabalho para as economias de século XXI?
Brasília, DF: Unesco, 2004.
Castro, C. M. Desenvolvimento Econômico, educação e
educabilidade. 2.ed. Rio de Janeiro RJ: FENAME, 1976.
CASTRO, C. M; SCHWARTZMAN, S. Reforma da Educação
Superior - Uma Visão Crítica: Brasília, DF: FUNADESP, 2005.
CATANI, A. M. (Org). Universidade na América Latina. São
Paulo: Cortez, 1996.
DIAS SOBRINHO, J. O Processo de Bolonha. In: PEREIRA, E. M.
A.; ALMEIDA, M. L.P. (Orgs.). Universidade contemporânea:
políticas do Processo de Bolonha. Campinas: Mercado das Letras,
2009. p. 129-152.
85
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
DIAS SOBRINHO, J. Dilemas da educação superior no
mundo globalizado: sociedade do conhecimento ou economia
do conhecimento? São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005.
DURHAM, E. R.; SAMPAIO, H. (Org.). O ensino Superior em
Transformação. São Paulo, SP: NUPES, 2001.
ESPINOLA, V. La construcción de lo local en los sistemas
educativos descentralizados: Los casos de Argentina, Brasil,
Chile y Colombia. Santiago: CIDE, 2002.
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 3. ed. São
Paulo: Atlas, 1991.
MENDES, D. T. O planejamento educacional no Brasil. Rio
de Janeiro: EdUERJ, 2000.
SCHWARZMAN, S. Crescimento e Diversificação do Ensino
Superior: a Próxima Década. São Paulo SP, 1989. Disponível em:
<http://www.schwartzman.org.br/simon/ensdec.htm>. Acesso
em 08 out. 2009.
UNESCO. Política de Mudança e Desenvolvimento no
Ensino Superior. Rio de Janeiro: Garamond, 1999.
86
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Políticas públicas e gestão do ensino médio público
no Distrito Federal: a formação continuada
de professores na perspectiva de organismos
multilaterais
Fontele de Lima Júnior
Kattia de Jesus Amin Athayde Figueiredo
RESUMO: A formação de professores tem sido objeto de pesquisa
em muitos estudos que tratam sobre o tema. Na contemporaneidade,
a procura, quase que frenética, por cursos de formação continuada
tornou-se uma condição para que os profissionais docentes
permaneçam, qualitativamente, em seus postos de trabalho.
Nesses termos, a relevância social do tema constitui-se o objeto
deste texto, que problematiza a gestão do espaço educacional
público e suas implicações nos cursos de formação continuada.
Assim, discutem-se as políticas públicas voltadas para a formação
de professores do ensino médio público do Distrito Federal, sob o
enfoque dos organismos multilaterais de crédito, especificamente
do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Destaca-se
o Programa de Melhoria e Expansão do Ensino Médio (Promed),
por aquele banco financiado, e suas implicações para as políticas
públicas educacionais, evidenciando-se a estrutura burocrática do
Estado e a direcionalidade das ações do programa na promoção
da formação continuada. Com efeito, as políticas educacionais
desse modo norteadas, criaram novos cenários para a realização
das práticas pedagógicas, por meio da elaboração e execução de
programas educacionais, a exemplo do Promed. Para discutir
criticamente os pressupostos que fundamentaram tal política
formativa, utilizou-se o método dialético marxista, no sentido
Mestre em Educação e Pedagogo pela Universidade de Brasília (UnB). Técnico
em Gestão Educacional na Secretaria de Estado de Educação do Distrito
Federal. E-mail: [email protected].
Doutoranda e Mestre em Educação pela Universidade de Brasília (UnB).
Professora da Escola de Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação
(EAPE/DF). E-mail: [email protected].
87
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
de explicitar as contradições subjacentes ao objeto em estudo e
suscitar o debate em torno da lógica educacional circunscrita a esse
modelo de gestão da educação. Nesse contexto, apresentaram-se
algumas das ações praticadas no ensino médio público distrital, que
demonstram a ausência de articulação e de diálogo na formulação dos
programas de formação, financiados por organizações multilaterais
de crédito, da mesma forma que elucidam o distanciamento entre
o planejamento pedagógico, com base em conteúdos imediatistas e
deslocados da realidade educacional vivenciada pelos professores,
das concretas necessidades que a prática docente e os processos
educativos demandam para a etapa final da educação básica pública.
Palavras-chave: Gestão da Educação. Ensino Médio Público.
Formação de Professores. Organismos Multilaterais.
Introdução
Desde os anos 1990, o Estado brasileiro passou por
modificações estruturais no desempenho das políticas sociais
e, nesse âmbito, incluíram-se as destinadas à educação básica
pública, e, particularmente, ao ensino médio. Nessa trajetória,
a formação continuada de professores, compreendida como
estratégia educacional para promoção de autonomia e de qualidade
na organização do trabalho pedagógico, sofreu, igualmente,
alterações. As determinações capitalistas para o setor educacional
daquela década trouxeram consigo um processo de racionalização
econômica que incutiu o alinhamento das políticas nacionais às
orientações ditadas por organizações multilaterais de crédito, de
modo a desconsiderarem a realidade educacional brasileira e sua
gestão, entendida como instância decisória, e que, por seu turno,
assumiu um novo sentido perante as comunidades escolares e
seus sujeitos.
88
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Uma prática comum naquele tempo, e ainda vigente,
constituiu-se no consentimento do governo brasileiro a
interferências de instituições multilaterais de crédito nas decisões
econômicas e sociais nacionais, possibilitadas por meio de
condicionalidades impostas em acordos de empréstimo (SILVA,
2002). Os resultados dessa concordância manifestaram-se, em
grande medida, na reorganização econômica e sociopolítica do
país, inviabilizando um projeto para a educação nacional, pensado
e construído a partir de especificidades educacionais e dimensões
culturais e sociais da sociedade, e dos diversos grupos que a compõe
(ROSAR; KRAWCZYK, 2001). Do mesmo modo, implicou na
imposição de um modelo de gestão educacional com finalidades
formativas orientadas para a inserção dos sujeitos da aprendizagem
no mercado de trabalho e na predisposição para o consumo.
Assim, o Estado, compreendido como um conjunto de
instituições aptas a executar as ações governamentais, incluindose órgãos legislativos, judiciários e executivos, viabilizou as
determinações externas para os governos nacionais, percebidos
como parte da sociedade que desempenha suas funções durante
um determinado período de tempo (HÖFLING, 2001). Logo,
as ações voltadas para o ensino médio público e as determinações
para o oferecimento de formação continuada para seus professores,
de modo geral, perpassaram essa estrutura estatal e incorporaram
as vontades daqueles que detêm poder decisório, resultando na
conformação dessas medidas ao projeto de governo elaborado e
destinado à educação pública brasileira.
Neste artigo, discutem-se as implicações do Programa de
Melhoria e Expansão do Ensino Médio (Promed) na formação
O PROMED foi acordado entre o Banco Interamericano de Desenvolvimento
– BID e a República Federativa do Brasil, representada por seu Ministério da
Educação – MEC, por meio do Contrato nº. 1225/OC/BR, em 02/03/2000.
Sua operacionalização iniciou-se em 24/07/2001 e encerrou-se em janeiro de
2007. O custo total do programa foi de 220 milhões de dólares, sendo 110
milhões por conta de empréstimo junto ao BID, 39,3 milhões da União e 70,7
milhões, a título de contrapartida, dos Estados e do Distrito Federal. Em 2007,
o programa entrou em fase de prestação de contas. (FONTE: www.fnde.gov.
br. Acesso em: 18 nov 2009).
89
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
continuada de professores, face às ações nele estabelecidas, no âmbito
do ensino médio público distrital. Para nortear a discussão, partese das seguintes questões: de que forma a estrutura administrativa
burocrática do governo do Distrito Federal compreendeu o
oferecimento de formação continuada aos professores de seu
ensino médio público, no contexto do Promed? Em que medida
o exercício administrativo burocrático implicou na execução
desse programa? De que modo uma política pública financiada
por uma organização multilateral de crédito externo contribuiu,
efetivamente, para a formação continuada de professores?
Sem a pretensão de dar respostas, interessa-se, aqui,
introduzir um debate sobre o modo como são pensadas e inseridas
as políticas formativas nas escolas públicas de ensino médio, a
partir de financiamentos externos, e como estas se materializaram
no trabalho docente. Em vista disso, traz-se para o debate, os
implicativos da execução do Promed na promoção da formação
continuada para os docentes desse nível de ensino. Ao final,
tecem-se algumas considerações acerca do modelo de formação
empreendido, tendo como base as orientações pedagógicas
fomentadas e prescritas por instituições multilaterais de crédito
externo para as políticas públicas de educação nacionais.
O Promed e a formação continuada de professores
O Promed constituiu-se em uma política pública planejada
pelo governo federal a partir do ano de 1999. Sua amplitude incluiu
todas as unidades da Federação, inclusive o Distrito Federal, e
sua execução, com início em 2000, produziu implicações para a
gestão dos sistemas de ensino nacionais, pelo motivo de ter sido
financiada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID),
instituição que, embora fundada com o objetivo de auxiliar seus
membros a desenvolverem-se socialmente, realiza negócios com
a iniciativa privada e mantém estreita vinculação com setores
90
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
econômicos, denotando sua fundamentação capitalista, que visa
lucros monetários.
Com efeito, a consecução daquele programa demandou
atenção a exigências contratuais e normativas estipuladoras da
relação público/privado, no que se refere a contratações e aquisições
no âmbito da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal
(SEDF). Especificamente, os serviços administrativos vinculados à
formação continuada de professores se deram por meio de ações
fundamentadas em um modelo formativo previamente delineado
pelo BID, desprezando as reais necessidades desses sujeitos e dos
processos escolares.
Não obstante, a execução daquele programa ocorreu em
meio a um Estado hierarquicamente estruturado e com um aparato
administrativo voltado para uma determinada finalidade, neste caso,
a de promover uma política pública para o ensino médio público.
Essa orientação, além de avançar na estrutura estatal e nesta se
concretizar, encontra-se arraigada de significados para a educação e
para a formação continuada de professores, pelo motivo de que as
instituições públicas de nível médio integram essa mesma estrutura
e, simultaneamente, necessitam de soluções para os problemas
inerentes ao processo educativo.
Para Weber (2009, p. 225), a administração burocrática
“é sempre uma administração que exclui o público. A burocracia
oculta, na medida do possível, o seu saber e o seu fazer da crítica”.
Depreende-se disso, que seu poder consiste em subtrair das vistas
da esfera pública seus conhecimentos e intenções, estratégia que
Cada unidade da Federação e o Distrito Federal propuseram suas ações ao
governo federal a partir de dois subprogramas. O subprograma de Projetos e
Investimento das Unidades Federadas (subprograma A) objetivou assegurar
recursos para implantação de reforma, melhoria da qualidade e expansão da
oferta de ensino médio nas redes públicas das Unidades Federadas e do Distrito
Federal. O subprograma Políticas e Programas Nacionais (subprograma
B), destinou-se à Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação
(SEB/MEC) e intentou financiar a implementação de políticas públicas para a
promoção de reforma do ensino médio, nacionalmente. (FONTE: www.fnde.
gov.br. Acesso em: 18 nov 2009).
91
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
objetiva a manutenção e a perpetuação das relações de troca, das quais
discorreram Offe e Ronge (1984), referindo-se ao direcionamento
das políticas propícias para o controle e os interesses de grupos
proprietários da força de trabalho e do capital.
Nesse âmbito, o Promed no Distrito Federal revelou-se um
instrumento lógico-ordenatório, posto que, proveniente das análises
do BID, acerca da realidade educacional brasileira, traduziu seus
interesses, e, em seguida, os impôs, por meio do direcionamento
do ensino médio público para o mercado. A subscrição do governo
brasileiro a essas condicionalidades elucidou suas intenções, ou
seja, conformar-se aos interesses externos, alinhando-se a realidade
educacional, social e política ditadas pelas prerrogativas capitalistas
globalizantes.
O convênio firmado entre o governo distrital e o Ministério
da Educação/Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
(MEC/FNDE), para a operacionalização do programa, a partir de
2001, derivou do acordo Brasil x BID, e suas ações foram encerradas
em 2007, quando entrou em fase de prestação de contas. No seu
plano de investimento, documento em que constam todas as ações
planejadas em 1999, observou-se que o tempo de sua execução
não foi considerado. Em razão disso, alguns problemas estruturais
surgiram ao longo desse período, como, por exemplo, defasagem
dos valores previstos para contratação de serviços e aquisição de
equipamentos; crescimento da rede física e do respectivo aumento
na quantidade de alunos e de professores; e obsolescência dos
materiais adquiridos. Em que pese essas controvérsias, interessanos, nessa reflexão, a falta de articulação entre cursos e capacitações
destinados à formação continuada de docentes e as especificidades e
reais necessidades desses profissionais, no âmbito de suas atividades
laborais.
Desse modo, as ações planejadas e destinadas à formação
continuada, constantes no programa distrital, foram elaboradas
pela SEDF. Isso significa que as escolhas quanto à carga horária,
estrutura, tipo de instituição ministrante, conteúdo e modalidade,
92
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
se presencial ou a distância, foram determinadas pelos gestores
daquela secretaria. Em razão de esses indivíduos comporem o
quadro administrativo burocrático daquele órgão, implicou na
possibilidade de direcionamento dessas ações rumo à solução
dos problemas estruturais que a docência, nesse nível de ensino,
apresentou. No entanto, conforme exposto a seguir, as ações
formativas assumiram outra direção.
No eixo “Desenvolvimento Curricular” do Promed foi
incluída uma ação formativa, destinada a “Contratar empresa
para capacitação dos professores, visando a apropriação da nova
concepção curricular, por meio de 4 palestras; 4 seminários e 4
oficinas”, com duração de quatro horas cada.
Para o eixo “Valorização dos profissionais da educação”,
quatro ações foram inseridas. São elas, “Contratar 2 consultores
para assessoramento técnico e produção de material pedagógico
para curso a distância sobre desenvolvimento de trabalhos
interdisciplinares, que priorizem a matriz curricular na parte
diversificada”; “Contratar 10 professores para tutoria de curso à
distância, por 90 horas cada”; “Contratar professores de laboratório
para realizar oficinas”; “Contratar empresa para realizar cursos
para os docentes, visando desenvolvimento de competências e
habilidades nos diversos componentes curriculares”.
Já no eixo “Projetos Juvenis”, as ações formativas que o
integraram foram: “Realizar seminário para sensibilização dos
gestores escolares quanto à inclusão do protagonismo juvenil no
projeto pedagógico da escola”; “Contratar instrutor para realizar
curso para capacitação de professores e coordenadores locais na
orientação, elaboração, execução, acompanhamento e avaliação de
projetos juvenis”; “Contratar palestrante para realizar palestras de
4 horas cada, a fim de esclarecer o papel do aluno na construção
do projeto pedagógico da escola”; e “Contratar palestrante para
realização das palestras sobre a nova concepção curricular”.
FONTE: Informações constantes no processo administrativo que estabeleceu
o convênio entre o governo do Distrito Federal e o MEC/FNDE (MEC,
2001).
93
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Embora os temas para as formações tenham se apresentado
interessantes para a prática docente, percebeu-se, contudo, que
tais medidas se firmaram como paliativas e focalizadoras, haja vista
a fragmentação dos conteúdos e a falta de um eixo unitário que
representasse consonância com as reais necessidades da profissão
docente, ou mesmo como norteamento de um projeto educativo
unitário e significativo para os sujeitos da aprendizagem. Igualmente,
revestiram-se de caráter restritivo, posto que realizadas em serviço,
com horários desfavoráveis aos matriculados, que careciam da
aprovação do superior hierárquico para a efetiva participação,
exigência que, por conseguinte, implicou em dificuldades para a
presença nas atividades. Ademais, caracterizaram-se como cursos
de rápida certificação, em razão de suas reduzidas cargas horárias,
variando entre quatro e, no caso dos de maior duração, vinte
horas.
Segundo a sinopse estatística da educação básica de 199910,
do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep11),
4.843 professores atuavam no ensino médio público distrital naquele
ano. No contexto da formação continuada de professores, as ações
planejadas para o programa foram, no mínimo, tímidas, levando-se
em conta o universo dos profissionais docentes, e considerando-se
que a quantidade total de vagas não ultrapassou o somatório de mil,
contabilizados todos os cursos oferecidos.
Nesse cenário, as desistências dos professores matriculados
marcaram a participação nessas formações. Aquela que ofereceu
o maior quantitativo de vagas, com um universo de 680
matriculados, cerca de 80% evadiu antes da metade do conteúdo
ministrado. Três desses cursos tiveram o seu início adiado, por
falta do número mínimo de participantes. E todas as demais
formações sofreram algum tipo de questionamento quanto à
presença dos participantes. Tais ocorrências serviram como alvo
10
11
94
Fonte: www.inep.gov.br. Acesso em: 18/11/2009.
Atual Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
– INEP.
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
para recorrentes auditorias e fiscalizações do BID e do MEC/
FNDE, e exemplificam o distanciamento entre o propugnado por
aquele Banco e a concretude e as especificidades da realidade dos
profissionais docentes. Portanto, desvelaram um planejamento
baseado em fatores extrínsecos às condições materiais e formativas
dos docentes do ensino médio público distrital, em contraste com
uma formação construída coletiva e democraticamente, ajustada
às necessidades desses sujeitos e dos demais integrantes das
comunidades escolares.
Conforme discorre Oliveira, ao tratar da gestão da educação
no âmbito das reformas educacionais na década de 1990,
Pelo que nos mostram todas as evidências
empíricas até o momento, o que está sendo
pensado e implementado na rede pública são
adequações às tendências gerais do capitalismo
contemporâneo, com especial ênfase na
reorganização das funções administrativas e
de gestão da escola, assim como no processo
de trabalho dos educadores, envolvidos com
a formação das futuras gerações de classe
trabalhadora, tendo em vista a redução de
custos e de tempo. Trata-se de garantir o
que nas empresas denomina-se qualidade
total. Entretanto, essa qualidade refere-se
primordialmente à qualidade do processo,
não do produto, já que, com relação a este,
a qualidade é sempre referida ao segmento
de mercado ao qual se destina. Qualidade do
processo produtivo diz respeito à redução de
desperdícios, de tempo de trabalho, de custos,
de força de trabalho. (1997, p. 41).
Nesse sentido, as reformas do Estado nos anos 1990
trouxeram também novas formas de gestão e um novo modelo para
95
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
a formação continuada de professores. Segundo ainda Oliveira,
tratou-se da potencialização dos recursos físicos integrantes do
processo de trabalho dos educadores e da intensificação de suas
atividades, sem investimentos efetivos na capacitação desses
profissionais. Diante disso, as propostas governamentais formativas
priorizaram a flexibilização do trabalho, no sentido de aproximar a
instituição educacional de uma unidade de capacitação, por meio da
oferta de formação continuada de curto prazo, com baixa qualidade
de conteúdos e de significados, durante o período de trabalho, e
distante das reais necessidades dos docentes e da realidade local na
qual eles se inserem.
Os indivíduos pertencentes ao quadro administrativo
burocrático estatal, nesse âmbito, desempenharam atividades e
exercitaram decisões de forma limitada para a determinação dessas
ações, pois esses agentes disciplinados, e sem verdadeiramente
se apropriarem dos meios administrativos, obedeceram a uma
hierarquia na qual os espaços para decisões substantivas, quanto ao
direcionamento das políticas educacionais, ou mesmo da concepção
de ações e de programas, são propícios para a conservação do controle
dos interesses dos proprietários da força de trabalho e do capital.
A vontade e o desejo daquele a quem Weber (1978, p.
19-20) chamou de chefe “supremo”, permeou toda a estrutura
administrativa e se consolidou nas ações e nos programas, restando
poucas possibilidades de mudanças no que foi demandado da instância
superior hierárquica, sobretudo quando os recursos financeiros para
o cumprimento das ações são oriundos de instituições multilaterais
de crédito, e por elas controlados. Dessa conjuntura, resultaram
programas em que as ações planejadas são fragmentadas e sem
expressividade quanto às necessidades formativas dos professores, a
exemplo do Promed no Distrito Federal.
A indução e a imposição de diretrizes para a educação
brasileira, viabilizadas por meio das condicionalidades dos acordos
firmados com organizações multilaterais de crédito, como o BID,
determinaram conformações sociopolíticas a interesses exteriores
96
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
à realidade nacional, apresentando-se significativas, também, para
o estabelecimento de ações formativas fragmentadas e distantes
das necessidades que a prática docente no ensino médio público
demanda. Permanecer nessa situação é questão fundamental para
a lógica econômica globalizante, pois, como discorreram Offe e
Ronge (1984), destinar o capital e os meios de produção às mãos
daqueles que secularmente os têm, mantém a formação continuada
orientada para a inclusão dos indivíduos nas relações de troca, e,
portanto, subordina o processo educativo ao mercado e ao modo
de produção capitalista.
Contudo, contrariamente a essas determinações, as
resistências localizadas nas escolas e em movimentos da sociedade
organizada alertam para a complexidade dos fenômenos sociais e
conclamam à defesa do estabelecimento de outro modelo formativo,
baseado em princípios democráticos e éticos. Avanços, retrocessos
e tensões revelam a necessidade de se equalizar o diálogo nas
esferas que definem os processos educativos e escolares, incluindose não somente os professores, mas toda a comunidade escolar e
as instâncias político-organizativas do Estado, com relação aos
processos formativos no âmbito do ensino médio público distrital.
Considerações finais
As possibilidades de interferência e reorientação dos
gestores nos processos de formulação e execução de políticas
públicas educacionais são efetivamente limitadas, no âmbito do
Estado capitalista e dos governos nacionais. Sob pressupostos de
controle e promoção dos interesses de grupos que detêm o capital
e os meios de produção, os integrantes do quadro administrativo
público distrital são moderados pela estrutura hierárquica
burocrática, resultando na obediência a uma cadeia de comando
verticalizado, cujo poder é centralizado no representante máximo
da unidade estatal.
97
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Para a educação pública brasileira, desde os anos 1990
essas políticas são agravadas pela interferência de organizações
multilaterais de crédito. Com a justificativa de ajuda técnica e
financeira, essas instituições determinaram a conduta das políticas
sociais nacionais. Nessa perspectiva, Oliveira assevera que
Ao lado das diretrizes políticas, o Banco vem
produzindo uma série de estudos e pesquisas
sobre os diferentes setores da área social, cujo
produto constitui uma massa considerável de
informações que são utilizadas no momento
da negociação de acordos. Por esta razão,
são capazes de influenciar o desenho dos
projetos e até mesmo a agenda do setor
financiado. No que se refere à educação, por
exemplo, o Banco conta com informações
sistematizadas sobre os fatores determinantes
do desempenho educacional, assim como
sobre os resultados de experiências na área da
gestão, entre outros. (ibdem, p. 47).
Desse modo, as políticas públicas educacionais formativas,
financiadas por instituições multilaterais de crédito, desconsideram
nas suas formulações as especificidades locais, regionais e nacionais,
bem como as necessidades dos docentes e das escolas. Ao
contrário disso, e em nome da ordem capitalista global, subtraem
as possibilidades de mudanças e de autonomia das instituições
educacionais e dos sujeitos que a integram.
A fragmentação dessas políticas, a exemplo do Promed no
Distrito Federal, focalizadas em temas imediatistas e planejadas com
base no oferecimento excludente e restritivo à participação, retira do
cenário educacional possibilidades do oferecimento de uma formação
de qualidade e com conteúdos significativos, que seja pautada em
um projeto destinado a mudanças efetivamente democráticas para
a educação e para seus docentes. Contra essas determinações,
constitui-se válida a luta histórica desses profissionais.
98
Referências
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Cadernos CEDES. n. 55, novembro/2001, p. 30-41.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (MEC). Processo no.
23000.012340/2001-78 - Celebração de convênio com o
Promed (Governo do Distrito Federal). Brasília, MEC/FNDE,
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conceito de Estado capitalista. In: OFFE, Claus; RONGE, Volker.
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Tempo Brasileiro, 1984.
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educação: desafios contemporâneos. Petrópolis: Vozes, 1997.
ROSAR, Maria de Fátima Felix; KRAWCZYK, Nora Rut.
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educacional em alguns países da América Latina. In: Educação &
Sociedade, Campinas, ago. 2001, ano XXII, n. 75.
SILVA, Maria Abádia da. Intervenção e consentimento: a política
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2002.
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia
compreensiva. Vol. 2. Brasília: Editora UnB, 2009.
______. Os fundamentos da organização burocrática: uma
construção do tipo ideal. In: CAMPOS, Edmundo. Sociologia da
burocracia. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978, p. 15-28.
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Gestão de TI: ferramenta de suporte para a Educação
a Distância
Fábio Brito Gontijo12
Universidade do Noroeste Mineiro - FINOM
Resumo: Este paper analisa a gestão de serviços de Tecnologia da
Informação (T.I.) na Faculdade do Noroeste de Minas (FINOM),
como suporte ao processo de e-teaching, empregado por esta
instituição como Ensino a Distância (EAD). São analisados os
fatores críticos de sucesso da Gestão de T.I. na Faculdade FINOM,
identificando as vantagens relativas às qualidades do processo de
aprendizagem na modalidade EAD tanto por parte do aluno como
do professor, bem como investigar as características de e-business
desenvolvidas nesta instituição, o qual pode comprometer o
desalinhamento estratégico da mesma, tendo em vista que o ensino
oferecido por esta em cursos de graduação e pós-graduação são
ministrados por meio de aulas presenciais.
Palavras-chave: Tecnologia da Informação. EAD. Gestão de T.I.
12
Mestrando em Educação pela Universidade Católica de Brasília – UCB. Email: [email protected]
101
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Introdução
Atualmente existem inúmeras opções de negócio utilizando
a Internet, tais como: Negócios Eletrônicos (E-BUSINESS),
Comércio Eletrônico (E-COMMERCE), Negócio relacionando
empresa e consumidor (BUSINESS-TO-CUSTOMER), dentre
as quais será destacado o Ensino via Internet (E-TEACHING).
No caso do Ensino a Distância (EAD), é necessário que
tenha um planejamento de estudo por parte do tutor, onde o
aluno possui um acompanhamento de recursos interativos como
atendimento por telefone, ou e-mail, ou correio, e a troca de
informações e de experiências através de salas de bate-papos, além
da verificação do desempenho do aluno.
Este paper analisa os fatores críticos de sucesso da Gestão
de Tecnologia da Informação (T.I.) na faculdade FINOM,
identificando as vantagens relativas às qualidades do processo de
aprendizagem na modalidade EAD tanto por parte do aluno como
do professor, bem como investigar as características de e-business
desenvolvidas nesta instituição, o qual pode comprometer o
desalinhamento estratégico da mesma, tendo em vista que o ensino
oferecido por esta em cursos de graduação e pós-graduação são
ministrados por meio de aulas presenciais.
A metodologia adotada na realização deste trabalho foi
um estudo exploratório, fundamentado na análise da literatura,
pesquisas, entrevistas e dados técnicos disponíveis. As conclusões
possíveis foram resultados baseados em todos esses estudos
citados, ressaltando as importâncias e os objetivos que possui a
Faculdade FINOM.
Por meio desses estudos, a utilização de pesquisas
bibliográficas e de dados secundários possibilitou uma tomada
de decisão por parte dos responsáveis da FINOM de modo que
os objetivos sejam alcançados, sem que haja um desalinhamento
estratégico.
102
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Dessa forma, para atender os objetivos aqui propostos,
será discutido a seguir o processo de Gestão de T.I. na Faculdade
FINOM.
Ensino a Distância (EAD)
Nos países desenvolvidos, seja na condição de veículos
principais ou de recursos complementares, como meio e mensagem,
a presença de T.I. e de comunicação nos processos educacionais
está cada vez mais notória. As grandes mudanças que ocorreram
na educação, e mais precisamente na teoria pedagógica, estão de
certo modo ligadas às transformações que se deram nos meios
de comunicação, da educação realizada através da oralidade e da
imitação, ao ensino por meio da linguagem escrita, tendo como
seu principal suporte o livro impresso aos recursos computacionais
hoje disponíveis.
O papel que se atribui aos suportes no processo de ensinar
e as relações entre esses e os tipos de procedimentos didáticos têm
sido temas controversos ao longo das distintas experiências na
EAD. Este termo, que possui várias conceituações, pode ser assim
compreendido,
Educação/ensino a distância é um método
racional de compartilhar conhecimentos,
habilidades e atitudes, através da aplicação
da divisão do trabalho e de princípios
organizacionais, bem como pelo uso extensivo
de meios de comunicação, especialmente
para reproduzir materiais técnicos de alta
qualidade, os quais tornam possível instruir
um grande número de estudantes ao mesmo
tempo, enquanto esses materiais durarem.
É uma forma industrializada de ensinar e
aprender. (PETERS, 2001, p. 30)
103
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
A partir dessa definição, pode-se entender hoje que
o desenvolvimento atual da tecnologia favorece a criação e o
enriquecimento das propostas do E-TEACHING na medida
em que permite abordar, de maneira ágil, inúmeros tratamentos
de temas, assim como gerar novas formas de aproximação entre
docentes e alunos.
Disponibilizando novas tecnologias como ferramenta para
a construção de conhecimento, reconhece-se que jovens e adultos
enfrentam um mundo influenciado pela utilização das tecnologias
em todos os processos de produção, e que essas tecnologias, por sua
vez, sofrem velocíssimos processos de mudança, estruturados em
mecanismos cada vez mais eficientes nos termos clássicos tempo,
custo e esforço.
Por outro lado, as peculiaridades do aparato tecnológico
também permitem gerar atividades cognitivas diferentes das que
se proporiam se não se contasse com elas como, por exemplo,
conceber ambientes, relacionar hipóteses e variáveis, resolver
novos problemas ou outras tarefas relativas ao campo disciplinar
abordado.
Adaptar-se aos desenvolvimentos tecnológicos resulta
na capacidade para identificar e pôr em prática novas atividades
cognitivas, pois as tecnologias vão gerando permanentemente
possibilidades diferentes, daí sua condição particular de
ferramenta.
Os projetos de E-TEACHING destinados a uma população
adulta permitem responder pontualmente a seus interesses e a suas
vocações vinculados à produção, visto que, graças a seu alto grau
de flexibilidade, podem adaptar-se aos novos desenvolvimentos.
Também possibilitam a adoção de técnicas e estratégias
novas, permitem mudanças nas orientações para o trabalho e,
essencialmente, transformam a educação permanentemente em
um espaço à disposição dos alunos, sempre mutável, múltiplo,
atento aos interesses da produção e dos desafios científicos e
tecnológicos.
104
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
O impacto das tecnologias e as profundas modificações que
hoje experimentam os programas de E-TEACHING permitemnos supor que as definições dos projetos em função da “distância”
dificilmente podem continuar se sustentando.
Na visão de Litwin (2001, p. 19),
É provável que, nos próximos anos, os
Ensinos a Distância se definam mais pelo
nível de ensino ou pelo suporte tecnológico
do que pelas características clássicas da
modalidade que se foram cunhando em
torno deles. Nesses casos, é provável que, nas
próximas décadas, os sistemas educacionais,
as instituições e as empresas adotem as
modernas tecnologias, como todo seu
potencial, para a formação e capacitação. Mas
essa afirmação nos leva a inquirir se há novas
questões relacionadas à educação para as quais
as modernas tecnologias oferecem respostas.
O desafio permanente da Gestão de T.I. em relação à EAD
consiste em não perder de vista o sentido político original da oferta,
em verificar se os suportes tecnológicos utilizados são os mais
adequados para o desenvolvimento dos conteúdos, em identificar
a proposta de ensino e a concepção de aprendizagem subjacente e
em analisar de que maneira os desafios da “distância” são tratados
entre alunos e docentes e entre os próprios alunos. O principal
desafio continua sendo seu sentido democratizante, a qualidade da
proposta pedagógica e de seus materiais.
De acordo com o Censo de Educação Superior realizado
pelo Ministério da Educação (MEC, 2009) apud R7, houve um
aumento de 1.834% no número de cursos de EAD, passando de
46 em 2002 para 844 cursos de graduação a distância em 2009,
conforme aponta a Figura 1.
105
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Figura 1 – Dados estatísticos da quantidade de cursos de EAD
(2002/2009)
Quantidade de Cursos EAD
900
Q u a n tid a d e d e C u rs o s
800
700
600
500
400
300
200
100
0
An o
Fonte: R7, 2011. Elaborado pelo autor.
A credibilidade desse método de ensino deveu-se ao
incremento da tecnologia nos últimos quatro anos e à criação da
Universidade Aberta do Brasil (UAB). O fato de cursos a distância
estarem tão bons quanto os presenciais é acompanhado pelo
crescente número de estudantes matriculados nessa modalidade
de ensino, passando de 40.700 em 2002 para 838.100 em 2009,
correspondendo assim um aumento de 2.059% a mais de estudantes
matriculados neste tipo de ensino, como indica a Figura 2 (MEC
apud R7).
106
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Figura 2 – Dados estatísticos da quantidade de estudantes (2002/2009)
Quantidade de Estudantes em EAD
900000
838.100
800000
E s tu d a n te s
700000
600000
500000
400000
300000
200000
100000
0
40.700
2003
2009
An o
Fonte: R7, 2011. Elaborado pelo autor.
Dessa maneira esta forma de aprender e ensinar dá suporte
para as necessidades do mundo globalizado e faz com que todos
possam construir seu futuro da maneira melhor possível, através
do estudo e da oportunidade de aperfeiçoamento profissional.
Assim, é demonstrada a modalidade Ensino a Distância (EAD)
desenvolvida pela Faculdade FINOM.
Estudo de Caso: Ensino a Distância na Faculdade FINOM
A Faculdade do Noroeste de Minas (FINOM) está
localizada no noroeste do Estado de Minas Gerais, na cidade de
Paracatu, fundada em 1987, disponibilizando atualmente 17 cursos
presenciais (Pedagogia, Agronomia, Análise de Sistemas, Ciências
Contábeis, Direito, Engenharia Ambiental, Engenharia Civil,
Engenharia de Alimentos, Engenharia de Minas, Engenharia de
Produção, Engenharia de Telecomunicações, Engenharia Elétrica,
Física, Geografia, Geologia, História e Matemática) e três a distância
107
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
(Pedagogia, Geografia e História). Assim, o contingente de alunos
dessa instituição é de aproximadamente 9.000 alunos.
Atualmente, o processo de comunicação da EAD é
formado tanto pelo modo assíncrono como síncrono. O primeiro
que mostra a interação entre instrutores e alunos não é on-line, ou
seja, é realizado por meio de e-mail. Essa modalidade possibilita
uma maior flexibilidade ao material didático, tempo para reflexão
tanto do instrutor como dos participantes para amadurecimento de
suas ideias e custo mais razoável. Já a segunda modalidade se realiza
por meios de fax e telefone gratuito (0800), imprimindo maior
motivação aos grupos de estudos, maior relacionamento entre
aluno e tutor, um bom feedback e um melhor acompanhamento das
atividades realizadas pelos alunos.
Porém, primeiramente, o modelo de EAD em foco é
realizado com base na pesquisa, ou seja, é caracterizada pela
leitura de cursos de ensino a distância impressos e na frequência
parcialmente obrigatória em seminários, concedendo assim a
habilidade específica de cada área a cada um desses profissionais.
Dessa forma, a modalidade de EAD na faculdade FINOM
possui todos os referenciais necessários para oferecer à comunidade
os cursos a distância que são Pedagogia, Geografia e História.
Na EAD da instituição citada, as adequações para a busca da
complementação educacional são:
• Professores e alunos estão separados no espaço e/ou
tempo;
•Aluno é responsável pela organização do seu tempo de
estudo;
•A comunicação entre alunos e professores é mediada por
materiais impressos e/ou alguma forma de tecnologia.
A qualidade do processo de aprendizagem na EAD da
FINOM é feita através da integração com políticas, diretrizes e
padrões de qualidade definidos para o ensino superior como um
todo e para o curso específico, contando com uma equipe de
108
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
profissionais multidisciplinar, os quais buscam uma comunicação/
interatividade entre professor e aluno não deixando em segundo
plano a qualidade dos recursos educacionais, assim como a
infraestrutura de apoio e avaliando a qualidade contínua e
abrangente dos alunos e professores. Assim, no quadro atual, notase a mínima participação do setor de T.I. neste ramo educacional.
Aliando o papel do profissional de T.I. para a melhoria da
qualidade desse processo de EAD, justifica-se a atuação por meio
de desenvolvimento do World Wide Web (WWW) como suporte
ao sistema de comunicação até então utilizado por essa instituição
nessa modalidade de ensino.
Esta ferramenta a ser utilizada nas instituições
de ensino não deve substituir as atividades
educacionais já existentes. Ela não deve ser
simplesmente uma versão computadorizada
dos atuais métodos de ensino. O computador
deve ser uma ferramenta de complementação,
de aperfeiçoamento e de possível mudança
na qualidade do ensino. (FERREIRA; SILVA,
2007, p. 16)
A escolha desse tipo de comunicação se dá pela capacidade
de ampliar a interação e comunicação em atividade de EAD por meio
de salas de bate-papo, mural eletrônico, quadro compartilhado,
fórum, áudio e videoconferência, ganhando relevância na medida
em que uma nova maneira de produzir conhecimento vem se
instalando com o computador, veiculando a possibilidade de
se aprender fazendo. Ressaltando-se assim, que o importante é
levar conhecimento aos mais diversos pontos, independente das
tecnologias utilizadas, sendo essa a principal função do gestor de
T.I. no caso em estudo.
Quanto à estruturação da gestão de T.I. na EAD da FINOM,
a mesma seria coordenada pelo profissional da área que, juntamente
com a equipe pedagógica, passaria a coletar dados suficientes que
109
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
contenham informações capazes de dar suporte à criação da página.
Após esta etapa, o gestor de T.I. se encarregaria também de inserir
no software responsável pela criação da página, mecanismos para
facilitar a relação entre aluno e professor. Após a execução dessa
etapa, o gestor de T.I. irá avaliar a eficácia nas diversas formas de
informações, como forma contínua no melhoramento do processo
de comunicação. Cabe ao gestor, repassar à diretoria da instituição
os êxitos alcançados com essa proposta. Afinal,
as alternativas oferecidas pelos novos
sistemas de comunicação permitem, em
condições normais, uma comunicação
rápida e personalizada, aspecto que durante
anos preocupou a nós que trabalhamos na
modalidade. Contudo, não devemos exagerar
suas possibilidades nem imaginar seu uso
descontextualizado. (MANSUR, 2001, p. 45)
Sendo o gestor de T.I. responsável por toda a estrutura
organizacional da modalidade EAD da FINOM, exercendo assim
não somente a função de analista, responsável pela criação de bancos
de dados administrados (DBA), bem como a de desenvolvedor e
também Web Designer. “A busca de novos clientes, ou usuários,
ganhou força principalmente pela real possibilidade do uso da
tecnologia, não só por empresas médias e grandes, mas também
pequenas e até mesmo micro empresas”. (MARTINS JÚNIOR;
CALLEGARI, 2002).
O desenvolvimento de todo este trabalho trará maior
retorno sobre o investimento (ROI) na medida em que houver
maiores aplicações financeiras nas novas tecnologias a serem
implantadas permitindo assim que a instituição aumente sua
rentabilidade, atraindo maior número de alunos por meio de uma
Gestão de T.I. que esteja consonância com a proposta pedagógica
da EAD.
110
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Conclusão
A interrelação entre T.I. e Negócio consiste em uma
associação entre provedor de serviços e o parceiro estratégico. No
primeiro, a T.I. busca eficiência, atuando independentemente
do negócio, além de ser vista como uma despesa a ser controlada
por meio de orçamentos baseados em benchmarks externos. Já a
função do parceiro estratégico, a T.I. irá buscar o crescimento de
negócio, visando como um investimento a ser gerenciado, no qual
os orçamentos são baseados na estratégia do negócio, comprovando
assim o alinhamento entre T.I. e Negócio.
Diante dos novos rumos do EAD, colocam-se também
novos desafios. É preciso pensar que os programas são constituídos
de docentes preocupados com a atualização dos temas de seu
campo ou domínio e, ao mesmo tempo, com a compreensão de
seus alunos. É preciso, portanto, que, a EAD seja pensada como
parte das políticas implantadas para reduzir as desigualdades, e não
como instrumento para aprofundá-las.
Manter um alinhamento entre EAD e ensino presencial tem
se tornado um grande desafio para a Gestão de T.I. da faculdade,
uma vez que a primeira modalidade de ensino foi inserida e
disponibilizada para os estudantes como uma forma econômica ou
de se evitar o deslocamento, pois o crescimento do e-teaching tem
superado cada vez mais os cursos que são ministrados através de
aulas presenciais. Dessa forma, há o desalinhamento estratégico,
sabendo que a faculdade em destaque tem como foco principal os
cursos de engenharias no modelo presencial.
Outro grande fator em relação A EAD é a qualidade de
aprendizagem, por não contar com aulas presenciais, os alunos
ficam com a responsabilidade de aprender e de estudar fora do
ambiente universitário, não havendo durante o semestre um
acompanhamento de perto por parte dos tutores.
111
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
No geral, o estudo foi orientado por interesse prático,
podendo as análises feitas serem utilizadas para uma melhoria ou
alteração para subsidiar a compreensão e a resolução de problemas
que ocorrem na realidade que envolve a EAD praticada na
FINOM.
Nesta perspectiva fica a sugestão da implantação de um site
para a modalidade de EAD na FINOM, cujo conteúdo permita
maior troca de conhecimento entre aluno e professor por meio de
disponibilização de materiais complementares aos guias de estudos,
enriquecidos por chats e lista de discussão, abordando diversas
questões disciplinares, além do acompanhamento da vida escolar
do aluno por meio do acesso a notas.
Vale ressaltar que, apesar da obviedade desse recurso nos
tempos atuais, tal instrumento é de fundamental importância
para a eficiência do ensino em foco, devido a sua inexistência. E,
posteriormente, a operacionalização desta importante ferramenta
informacional, em função deste tipo de ensino, a transmissão
de conteúdos por meio de vídeo – conferências como forma de
dinamizar a “distância” entre aluno e professor.
Nota-se que a demanda de alunos para os cursos na modalidade
EAD oferecida pela FINOM vem aumentando de forma significativa,
sobretudo àqueles que se formam profissionais licenciados. Tal
preferência de estudo estimula os alunos que não podem frequentar
um curso regular, seja por questão de tempo, seja por condições
financeiras, a optarem por realizar um curso de graduação à distância,
cuja instituição em foco permite a formação de profissionais licenciados
nas áreas de Geografia, História e Pedagogia.
Tal panorama implica, gradativamente, na redução da
procura desses cursos presenciais em detrimento dos oferecidos
a distância, cuja realidade já se faz presente na FINOM, uma vez
que o curso de História na modalidade presencial já não tem a
formação de turmas desde o ano de 2000, enquanto o curso de
Geografia teve a sua última turma concluindo o curso no primeiro
semestre de 2009.
112
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
É importante salientar que os ambientes de suporte para
educação a distância, por mais que ofereçam ferramentas que
propiciem a cooperação e interação, não conseguirão sozinhos
que os alunos construam seus conhecimentos. Assim, deve haver
um planejamento sério, cuja responsabilidade e credibilidade em
disponibilizar cursos a distância precisa contar com uma equipe
interdisciplinar, formada não apenas pela área pedagógica e técnica,
mas, sobretudo, por gestores de informações.
Referências
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Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
PETERS, Otto. Didática do Ensino a Distância. São Leopoldo,
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R7. Quase 7 milhões de brasileiros estudam pela internet.
Disponível em: <http://jornale.com.br/portal/tecnologia/135-03tecnologia/15000-quase-7-milhoes-de-brasileiros-estudam-pelainternet.html> Acesso em: 18 maio 2011.
114
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Formação continuada de professores e políticas
educacionais: discutindo conceitos, concepções e
metodologias
Simone Coité
Resumo: Este trabalho trata da multiplicidade dos termos,
concepções e metodologias presentes na literatura e relacionados
à formação continuada, com o objetivo principal de proceder
um mapeamento e uma análise reflexiva quanto a estes aspectos
e as políticas educacionais através do diálogo com autores que
tratam da temática. A ideia central é que a formação continuada
pode contribuir significativamente para o desenvolvimento pessoal
e profissional, permitindo aos professores o desenvolvimento da
autonomia para o aprendizado permanente, a reflexão crítica sobre a
sua prática pedagógica e a sua transformação enquanto protagonista
do seu processo de aprendizagem.
Palavras-chave:
Formação
continuada.
Treinamento.
Aperfeiçoamento. Capacitação. Educação permanente.
115
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Introdução
A sociedade contemporânea tem vivenciado um mundo
repleto de transformações econômicas e sociais, exigindo das pessoas
uma nova forma de pensar e agir. Neste contexto, predomina o
individualismo, a busca incontrolável por bens e informações que
resultam na valorização do ter em detrimento do ser. Além disso,
existe um clima de insegurança e incertezas que tem impactado
mentes e corações do mundo inteiro. As exigências sociais,
caracterizadas pela acumulação e renovação do conhecimento e da
informação, têm provocado transformações educacionais por meio
da modernização dos sistemas educativos e a busca por profissionais
com competência intelectual técnica, ética e política.
De acordo com Ferreira (2004), essas mudanças exigem um
pensar e um ressignificar da gestão e do preparo dos profissionais
da educação. Nessa perspectiva, é fundamental humanizar a
formação, com outras bases éticas, capaz de enfrentar os sérios
desafios presentes na sociedade contemporânea. Assim, a nova
realidade demanda qualificações cada vez mais elevadas para
qualquer profissional, principalmente, para os professores e demais
profissionais ligados à educação, visto que esses são responsáveis
por promover diretamente a formação para a cidadania.
Essa discussão é consubstanciada por Gatti (2008) ao
informar que nos últimos anos do século XX, tornou-se presente
nos setores profissionais e no campo acadêmico a cobrança por
formação continuada como condição necessária para o trabalho. Essa
ideia teve como argumento a atualização constante para atender as
mudanças ocorridas nos conhecimentos e nas tecnologias, bem como
as mudanças existentes no mundo de trabalho. Assim, a formação
continuada foi utilizada como meio para o aprofundamento e o
avanço na formação profissional, se estendendo ao campo educacional
com a necessidade da formulação e o desenvolvimento de políticas
públicas nacionais e regionais voltadas para os problemas existentes
no sistema educacional brasileiro.
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Neste cenário, a formação continuada foi sendo
caracterizada através de diversos conceitos, concepções e
metodologias. De acordo com Gatti (2008), nos últimos dez
anos tem aumentado significativamente o número de iniciativas
voltadas para a “educação continuada”. A autora ressalta que, nos
estudos realizados constatou-se que o termo ora se restringe a
cursos estruturados e formalizados ofertados após a graduação, ou
após o ingresso do professor no magistério; ora é compreendido
de forma ampla e genérica, contemplando qualquer atividade
que tem como finalidade contribuir com o desenvolvimento
profissional. Dentre as atividades são elencadas as seguintes:
reuniões pedagógicas, trabalhos coletivo na escola, seminários,
estudos à distância, grupos de sensibilização profissional, ou seja,
todas as possibilidades que levam à reflexão, discussão e trocas
de experiências que oportunizem o aprimoramento profissional.
Dessa forma, a formação continuada apresenta múltiplas
possibilidades, conceitos, concepções e metodologias que serão
discutidas no presente texto.
O processo de formação continuada do professor:
conceitos
As mudanças tecnológicas e científicas ocorridas no
século XX provocaram avanços e transformações nas concepções
de educação e formação docente (inicial e continuada), exigindo
um novo pensar para atender aos desafios impostos pela sociedade
contemporânea. Com isso, surge a necessidade da profissão
docente abandonar a concepção predominante no século XIX,
de mera transmissão do conhecimento acadêmico; que se tornou
obsoleta e incompatível, não correspondendo mais aos anseios
da educação contemporânea, para uma concepção que atenda
aos futuros cidadãos numa sociedade democrática, pluralista e
participativa (IMBERNÓN, 2009).
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Diante desta realidade, é percebida a presença de elementos
novos contidos na legislação sobre a atuação profissional dos
professores, que ampliam o papel social de sua profissão. Conceitos
como participação, articulação, elaboração do trabalho coletivo
na escola se constituem mudanças nos padrões da formação
de professores. Desse modo, a ampliação da dimensão social
da formação profissional, legalmente estabelecida, demanda a
formação inicial e continuada como um direito do professor. Nesse
sentido, torna-se urgente o estabelecimento de políticas públicas
de interesse nacional, organizadas para atender às necessidades
práticas apresentadas cotidianamente pelos professores.
Libâneo e Pimenta (1999, p. 261) afirmam que “valorizar
o trabalho docente significa dotar os professores de perspectiva
de análise que os ajude a compreender os contextos históricos,
sociais, culturais, organizacionais nos quais se dá sua atividade
docente”. Daí a importância do investimento no desenvolvimento
profissional dos professores, que envolve formação inicial e
continuada articuladas a um processo de valorização identitária
e profissional dos professores. Ainda estes autores afirmam que
a natureza do trabalho docente e o ensinar como contribuição
ao processo de humanização dos alunos requerem dos cursos
de formação o desenvolvimento de conhecimentos, atitudes,
competências e valores que permitam aos professores a construção
dos seus saberes-fazeres docentes a partir dos desafios que o ensino
como prática social lhes coloca no cotidiano.
A literatura que trata da formação de professores e os
discursos de educadores presentes nas escolas trazem termos
variados quanto aos conceitos relacionados à formação continuada,
envolvendo:
reciclagem,
treinamento,
aperfeiçoamento,
capacitação, educação permanente, formação continuada, educação
ao longo da vida, entre outros. De acordo com Marin (1995), é
fundamental uma análise permanente destes termos em função
dos diferentes significados que cada um deles traz, através das
concepções subjacentes e seus desdobramentos.
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A autora argumenta que o termo reciclagem revela
implicações derivadas do sentido descartável atribuído à atualização
de conhecimentos. O uso deste termo levou à proposição e à
implementação de cursos rápidos, superficiais e descontextualizados,
desconsiderando os saberes dos educadores. O termo treinamento
volta-se para a modelagem de comportamentos, embora a
metáfora dos moldes (algo prefixado) seja incompatível com a
atividade educacional; o aperfeiçoamento pode significar tornar
capaz, habilitar ou convencer, persuadir, com a ideia de que seria
suficiente adquirir periódicos estoques de novas informações e
noções pedagógicas para aperfeiçoar os conhecimentos adquiridos.
A educação permanente e a formação continuada são tomadas
como componentes de um conjunto de ações caracterizadas
pela valorização do conhecimento docente e pela proposição de
dinâmicas institucionais.
É possível examinar a concepção do termo formação
continuada, bastante utilizada por autores brasileiros e estrangeiros
como Nóvoa (1992) e Perrenoud (2000). De modo geral, os autores
recusam o conceito de formação continuada com o significado de
treinamento, cursos, seminários, palestras, assumindo a concepção
de formação como processo permanente. Para Freire (1997, p. 39)
na formação permanente dos professores, o momento fundamental
é o “da reflexão crítica sobre a prática”, pois é pensando criticamente
a prática de hoje ou ontem, que se pode melhorar a prática de
amanhã.
A formação continuada de professores é o processo
de desenvolvimento que ocorre na vida profissional, depois
da formação inicial, e que está articulada com a sua prática
pedagógica, no contexto do cotidiano escolar. É um processo
permanente, contínuo e dinâmico que se consolida no cotidiano
pessoal e profissional dos professores, que ocorre, principalmente,
na organização do trabalho pedagógico e no espaço e tempo da
escola.
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As escolas tornam-se, assim, lugares de formação, de
inovação, de experiência e desenvolvimento profissional, mas
também lugares de pesquisa e de reflexão crítica. Nóvoa (1991)
destaca a importância da formação continuada centrada nas
escolas, propõe que o docente e a instituição escolar sejam eixos
transversais da formação do professor. Pensar o docente nesta
perspectiva significa pensá-lo nas suas relações com o mundo, na
sua história de vida e no seu próprio desenvolvimento profissional.
Portanto, na elaboração de propostas de formação, Nóvoa (1991)
não considera docentes isolados, mas grupos de docentes inseridos
em contextos sociais organizacionais. Assim, a escola é tomada
como lócus e centro de formação.
Neste sentido, é fundamental uma articulação, na formação
continuada, entre os interesses dos professores e os interesses do
desenvolvimento de inovação da instituição escola. Tardif (2002)
considera o saber docente como um saber plural, advindo da
formação profissional (o conjunto de saberes transmitidos pelas
instituições de formação de professores); de saberes disciplinares
(saberes que correspondem aos diversos campos do conhecimento
e emergem da tradição cultural); curriculares (programas escolares)
e experienciais (do trabalho cotidiano). Isso exige do professor
capacidade de dominar, integrar e mobilizar tais saberes enquanto
condição para sua prática.
Formação continuada de professores: concepções e
metodologias
A partir da década de 90, com a denominada “crise de
paradigmas”, começou-se a privilegiar a formação do professor
reflexivo, que pensa na ação cuja atividade profissional se alia
à atividade de pesquisa e se realiza no cotidiano, no estudo e no
trabalho, na ação-reflexão-ação. Na literatura atual que trata sobre a
formação de professor, é possível verificar a ênfase dada à necessidade
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de formar docentes enquanto práticos reflexivos. A esse respeito
autores como Schon (2000), Nóvoa (1992), Perrenoud (1997),
Pimenta (2000), dentre outros, trazem contribuições importantes
para se repensar à concepção de formação de professores. Paulo
Freire (1996) também contribuiu nesse repensar ao afirmar ser
necessário que a formação do professor tenha início pela reflexão
crítica sobre a prática, considerando como o momento fundamental
da formação.
Nóvoa (1992, p. 27) informa que “importa valorizar
paradigmas de formação que promovam a preparação de professores
reflexivos, que assumam a responsabilidade do seu próprio
desenvolvimento profissional e que participem como protagonistas
na implementação de políticas educativas”.
Nesse sentido, a formação continuada proporcionará ao
professor independência profissional com autonomia, para decidir
sobre o seu trabalho e suas necessidades. A autonomia profissional,
segundo Contreras (2002, p. 212), está relacionada “com a forma
pela qual se estabelecem as relações profissionais, tanto no âmbito
da sala de aula como em outros campos de relação e intervenção”.
É fundamental que o professor se redescubra como um intelectual,
como um verdadeiro sujeito social que pensa criticamente tanto a
sociedade e a educação quanto a sua prática pedagógica. Portanto,
a formação e o desenvolvimento profissionais exigem a construção
de saberes necessários à docência e à consolidação de uma prática
pedagógica reflexiva, por meio da efetivação de uma práxis de fato
inovadora, capaz de concretizar sonhos, anseios e desejos coletivos.
Para Perrenoud (2000), a prática reflexiva é impulsionada
pela vontade de aprender com a experiência, transformando-se
assim, num processo de autoformação e de inovação possibilitando
a construção de novas competências e novas práticas. Além disso,
Perrenoud (2002, p. 50) destaca que uma prática reflexiva não pode
ser concebida apenas como uma competência que está “a serviço
dos interesses do professor”, mas principalmente “como uma
expressão da consciência profissional”.
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Nesse sentido, a ação reflexiva permite ao professor tomar
consciência de suas ações e emoções. Casassus (2002) entende
o processo reflexivo como um processo de conscientização da
ação que está sendo desenvolvida. A ação reflexiva representa
uma posição mental, em que o professor encontra em estado de
consciência em relação ao “que” e ao “como” ele está fazendo. Esse
procedimento contribui para uma tomada de posição consciente
do que está sendo desenvolvido em relação à aprendizagem dos
seus alunos. Dessa forma, a reflexão implica intuição, sentimentos
e paixão por ser um processo amplo que não se limita apenas a
um conjunto de técnicas visitadas e adotadas pelo professor, mas é
principalmente uma posição de consciência.
Casassus (2002) não descarta o uso de técnicas, porém
ressalta que o pensamento reflexivo pressupõe uma atitude, um
estado mental consciente, eliminando assim a possibilidade do uso
aleatório de técnicas e teorias.
É importante entender que “aprender é um processo
complexo, onde o ser humano deve ser sujeito ativo na construção
do conhecimento e que esta somente se dá a partir da ação do
sujeito sobre a realidade” (BELUZZO, 2004, p. 150). Dessa forma,
o conhecimento se constitui como o principal fator de inovação
disponível ao ser humano.
Numa perspectiva voltada para a formação de professores,
(re)construção de saberes da docência e da formação da identidade
do professor, propõe-se como fundamental a busca da superação da
fragmentação dos saberes da docência. Assim, é importante pensar
a formação de professores como um continuum de formação inicial e
continuada, com uma concepção de formação como auto-formação
e um processo coletivo de troca de experiências e práticas.
Segundo Alarcão (2001), alguns aspectos devem ser
considerados no processo formativo inicial e continuado, tendo em
vista a profissionalização docente. A formação inicial deve assegurar
aos alunos/professores uma base teórica, com subsídios que levem
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à articulação do saber e do saber fazer, necessários à construção
de uma educação transformadora e de qualidade. Por outro lado,
o desenvolvimento profissional permanente, entendido como
processo de formação continuada, requer uma prática constante e
contínua de estudo, reflexão e experimentação coletiva.
Dessa forma, é imprescindível que o professor tenha
a oportunidade de participar dos momentos de atualização
profissional, objetivando a reflexão sobre a prática educativa, a
construção de saberes e competências profissionais.
Nesse sentido, Gadotti (2002, p. 17) enfatiza que
a formação continuada do professor deve
ser concebida como reflexão, pesquisa, ação,
descoberta, organização, fundamentação,
revisão e construção teórica e não como
mera aprendizagem de novas técnicas,
atualização em novas receitas pedagógicas
ou aprendizagem das últimas inovações
tecnológicas.
Segundo o autor, a formação continuada de professores é
o processo de desenvolvimento que ocorre na vida profissional,
depois da formação inicial e que está articulada com a sua prática
pedagógica, no contexto do cotidiano escolar. É um processo
permanente, contínuo e dinâmico que se consolida no cotidiano
pessoal e profissional dos professores, que ocorre, principalmente,
na organização do trabalho pedagógico e no espaço e tempo da escola.
Coerente com isso, Garrido (2000, p. 26) afirma que a “formação
continuada é um processo complexo e multideterminado, que
ganha materialidade em múltiplos espaços/atividades, não se
restringindo a cursos e/ou treinamento”.
Cabe, então, aos educadores, enquanto agentes
comprometidos com a mudança, a responsabilidade de construção
contínua de sua educação, de seus saberes e aptidões, da sua
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capacidade de compreender e agir, tomando consciência de si
próprios e do meio em que vivem, buscando dar significado à teoria
vinculada à prática, que só pode ser transformada se compreendida
e aprofundada.
As múltiplas possibilidades para a formação continuada do
professor: metodologias
As pesquisas realizadas por estudiosos a respeito da
formação continuada do professor revelam que atualmente
existem múltiplas possibilidades de ações voltadas para essa
formação. Segundo Albuquerque (2008), as discussões a respeito da
formação continuada levantam as problemáticas de espaço/tempo
dos momentos de formação, os conteúdos das pautas, demandas
das escolas e dos docentes como indivíduos e seres sociais, as
influências da formação para o cotidiano e a integração dos gestores
escolares e de todos que compõem o ambiente escolar. Para este
autor, a implementação de um plano de formação continuada vai
além da institucionalização como política pública, sendo necessário
priorizar outras atividades de caráter sistêmico, proporcionando o
envolvimento de todos os elementos participantes e direcionando
para a valorização profissional e social do professor.
Alguns autores como Alarcão (2010), Nóvoa (1992) e
Canário (1992) defendem a escola como lócus privilegiado de
formação e de socialização entre os professores, na qual os saberes
e conhecimentos docentes são atualizados e desenvolvidos, com
a troca de experiências entre os professores. De acordo com
Canário (1998), a identidade profissional do professor se constrói,
principalmente, no local de trabalho, ou seja, na escola, por meio
da formação continuada que contemple a prática do professor, os
seus saberes, suas vivências e necessidades.
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Atualmente, convivemos no campo educacional com
uma gama de possibilidades de ações de formação continuada,
essas ações provêm de diversos setores dentro do sistema público,
estadual, municipal e federal, além de escola e organizações nãogovernamentais, fundações e instituições de iniciativa privada, com
durações previstas que são variadas. No Brasil, essas atividades
acontecem num campo heterogêneo que engloba desde as ações
formativas de aperfeiçoamento até a da pós-graduação. A principal
justificativa para o surgimento de uma enorme diversidade de
tipos de formação deve-se ao contexto histórico da sociedade
contemporânea, aos desafios impostos ao currículo e aos sistemas
educacionais e nas exigências dessa sociedade que impõe o discurso
da atualização constante e da necessidade de renovação permanente
do conhecimento (GATTI, 2008).
A seguir vejamos um breve mapeamento dessa diversidade
de ações propostas por diversos setores da educação, como o
Ministério da Educação, Secretarias estaduais e municipais de
Educação, escolas e organizações não-governamentais: formação
continuada realizada na escola que se constitui num movimento
colaborativo, espaço de troca de experiências e reflexão sobre a
prática pedagógica; formação continuada realizada pela universidade
que busca atender aos princípios legais dispostos na Lei 9394/96
que atribui às universidades a missão de formar em quantidade
e com qualidade os professores em todos os níveis da educação
nacional, sendo considerada como uma importante dimensão de
atuação das universidades por oferecer diversas oportunidades de
formação continuada aos professores, não se restringindo apenas à
formação inicial; formação continuada promovida na modalidade
de educação a distância, atualmente, muito difundida no Brasil, por
atender a enorme demanda de educadores em busca de formação,
além de facilitar o acesso dos profissionais, através dos variados
suportes de comunicação, como por exemplo, a internet, os vídeos
ou a televisão e as videoconferências.
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Segundo Gatti (2008), com a crescente oferta de propostas
de formação continuada, algumas preocupações surgem quanto
a validade, criteriosidade e eficácia desses processos formativos,
aparecem nas discussões realizadas no âmbito educacional, nas
falas dos professores e gestores públicos da educação. Além disso, a
autora levantou, por meio de pesquisa, os fatores que dificultam a
implementação de ações de formação continuada e comprometem
a sua qualidade, os quais estão relacionados à infra-estrutura, a
alguns problemas com tutores ou professores e a dificuldade na
leitura de textos e à articulação entre teoria e prática.
Diante do exposto, faz-se necessária a avaliação constante
dos processos de formação continuada do professor com vistas à
garantia da qualidade e o atendimento às demandas e necessidades
dos professores, constituindo-se num processo contextualizado
capaz de articular formação e profissionalização com o objetivo de
contribuir para a melhoria da qualidade do ensino, o crescimento
pessoal e profissional do professor e a sua identidade profissional.
Considerações finais
Ao longo deste estudo, discutimos a formação continuada
do professor a partir da análise da diversidade de conceitos, termos
e metodologias contidos no cotidiano das escolas e nos estudos
realizados por autores que tratam da temática, além disso, foi
possível discutir a formação continuada com base nas exigências da
sociedade contemporânea.
Essa discussão leva-nos a repensar a formação continuada
do professor de forma ampla e contextualizada, envolvendo
diversos aspectos que não podem ser reduzidos apenas às práticas
pedagógicas, mas envolve outras dimensões de ordem políticoeconômica, epistemológica, ontológica e axiológica. Para tanto,
faz-se necessária uma revisão dos conceitos subjacentes aos termos
e concepções presentes no discurso, assim como dos aspectos
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relativos a busca da identidade profissional e ao fortalecimento da
categoria de professores para as conquistas profissionais.
Dessa forma, a educação continuada deve ser compreendida
como uma exigência para o desenvolvimento das atividades
profissionais no mundo contemporâneo, não podendo ser
reduzida a uma ação compensatória de fragilidades de formação
inicial, uma vez que o conhecimento adquirido e produzido na
formação inicial se reelabora constantemente no decorrer da
atuação profissional para atender a complexidade e a diversidade
das situações presentes no contexto social e escolar. Portanto, é
imprescindível que a formação continuada ofereça possibilidades
para o desenvolvimento de uma atitude investigativa e reflexiva,
tendo em vista que atividade profissional é um campo de produção
do conhecimento, envolvendo aprendizagens que vão além da
simples aplicação do que foi estudado.
A formação continuada deve constituir-se como espaço
de produção de novos conhecimentos, de troca de diferentes
saberes, de repensar e refazer a prática do professor, da construção
de competências do educador. Para tanto, a formação continuada
necessita ser concebida como um processo constante e não
pontual, estando sempre interligada com as atividades e as práticas
profissionais que estão sendo desenvolvidas dentro da escola e o
contexto histórico, social e político do mundo atual.
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Eixo 2:
P olítica E ducacional , C idadania e
M ovimentos S ociais : perspectivas
e desafios locais e globais
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Educação integral e educação de tempo integral:
desafios e contradições na construção da cidadania
Fernanda Marsaro dos Santos e Janete Palazzo,
Universidade Católica de Brasília
Resumo: Este artigo tem como objetivo explorar, na literatura e na
legislação pertinente, as principais vantagens da educação integral e
em tempo integral e sua contribuição para a formação de cidadãos
responsáveis e participantes, bem como apresentar alguns aspectos
da prática de implantação do Programa MAIS EDUCAÇÃO em
três escolas públicas do município de Valparaíso de Goiás, entorno
do Distrito Federal, no segundo segmento do ensino fundamental.
Este programa de governo tem por finalidades ampliar o espaço
educativo, avançar o rendimento e o aproveitamento escolar,
combater o trabalho infantil, promover formas de expressão
de linguagem artísticas, literárias e estéticas, estimular práticas
esportivas e fortalecer a relação entre família, escola e comunidade.
O trabalho aborda a primeira etapa de uma pesquisa em andamento
e consiste em análise documental e bibliográfica. O texto procura
investigar aspectos relevantes na implantação do Programa
praticada nessas escolas. São abordados os pressupostos basilares
do referido programa como um ideal a ser perseguido para
garantir o desenvolvimento das crianças e adolescentes que vivem
na contemporaneidade em constantes transformações. Buscase diferenciar os termos Educação Integral e educação de tempo
integral com a sustentação dos marcos legais, acrescidos de alguns
teóricos clássicos como Dewey, Anísio Teixeira e Vitor Paro. Em
seguida, apresenta-se o Plano de Desenvolvimento da Educação
(PDE) com seus eixos, programas e estratégias que permeiam
o Programa. Por fim, contextualiza-se o município onde estão
situadas as escolas, alvo da pesquisa, com a indicação de algumas
atividades, já em andamento nas escolas selecionadas que estão
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Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
inseridas no mencionado programa. Como se trata de pesquisa em
andamento, por ora, tem-se o olhar de uma conclusão parcial.
Palavras-chave: Educação Integral. Educação de Tempo Integral.
Formação Cidadã.
Introdução A educação em tempo integral surge no Brasil como
um desafio no sistema de ensino público. Ela marca um período
de constantes transformações, desafios, avanços, retrocessos,
adaptações e mudança de paradigma no ideário de ensino brasileiro.
É um tema de grande importância no contexto da discussão sobre
as políticas públicas educacionais, pois programas de educação
em tempo integral podem desenvolver em diferentes aspectos
um ser humano e formá-lo para exercer a cidadania de forma
responsável.
O objetivo deste artigo é explorar, na literatura e na
legislação pertinente, as principais vantagens da educação integral e
em tempo integral e sua contribuição para a formação de cidadãos
responsáveis e participantes, bem como apresentar alguns aspectos
do Programa Mais Educação. Trata-se de pesquisa documental
e bibliográfica. Este texto representa a fase inicial da pesquisa,
que está em andamento. Durante o ano de 2011, será realizada a
segunda fase da pesquisa, a partir de entrevistas com gestores e
coordenadores das escolas pesquisadas, a fim de verificar, na visão
destes, quais são as contribuições do Programa Mais Educação para
uma formação mais cidadã.
O texto está dividido em cinco tópicos. Primeiramente,
destaca os pressupostos da Educação Integral e delineia
aspectos relevantes sobre educação em tempo integral, bem como
características que diferenciam essas terminologias. Depois,
discute as possibilidades da educação integral e de tempo integral
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Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
para a formação para a cidadania. Na sequência, apresenta aspectos
do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) relacionados
às diretrizes do Programa MAIS EDUCAÇÃO, o qual constituise uma de suas ações. Posteriormente, apresenta um histórico
sobre o Município Valparaíso de Goiás, com uma breve descrição
da implantação desse Programa em três escolas do município.
Finalmente, traz considerações parciais e norteia o andamento da
pesquisa.
Pressupostos de Educação Integral e Educação de Tempo
Integral
A Educação Integral sustenta-se nos seguintes marcos
legais: Constituição Federal (1988), Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei 8.069/90) e Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Lei 9.394/96), que norteiam o planejamento das
políticas públicas e garantem direito à proteção integral de crianças
e adolescentes. A Lei nº 11.494/2007, que instituiu o Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização
dos Profissionais da Educação (FUNDEB), determina que um
regulamento disponha sobre a educação básica em nível integral
(Art. 10 §3º). Nesse sentido, o Decreto nº 6.253/07 considera
“educação básica em tempo integral, a jornada escolar com duração
igual ou superior a sete horas diárias, durante todo o período
letivo”.
Segundo a LDB (BRASIL, 1996), em seu artigo 34, “a
jornada escolar de Ensino Fundamental será pelo menos de quatro
horas de trabalho efetivo em sala de aula, sendo progressivamente
ampliado o período de permanência na escola”. O parágrafo
segundo do mesmo artigo estabelece que “o ensino fundamental
será ministrado progressivamente em tempo integral, a critério dos
sistemas de ensino”.
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Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Experiências e concepções permitem afirmar que Educação
Integral caracteriza-se por uma formação “mais completa possível”
do ser humano. Nela, ampliam-se as possibilidades de atendimento,
cabendo à escola assumir uma abrangência que, para uns a desfigura
e, para outros, consolida-a como um espaço realmente democrático.
Nesse sentido, a escola pública passa a incorporar um conjunto de
responsabilidades que não eram vistas como tipicamente escolares,
mas que, se não estiverem garantidas, podem inviabilizar o trabalho
pedagógico (BRASIL, 2009a).
Ademais, a escola não é somente um local de instrução
e de oportunidades de aprendizagem. É também um espaço de
socialização e cultura, onde os alunos vivenciam a coletividade e
formam suas visões sobre o mundo, a sociedade e o próprio homem
(PARO et. al., 1988b). Paro e colaboradores (1988b) defendem que,
com a educação em tempo integral, crianças de camadas populares
têm mais alternativas de lazer e recreação, como aulas de línguas,
dança, judô, artes, etc.
Nessa linha, a Educação Integral precisa compartilhar a
mesma essência educativa ao desenvolver atividades específicas
de acordo com o projeto pedagógico de cada escola, articuladas ao
currículo escolar. O patamar a partir do qual se organiza uma escola
que propõe Educação em tempo Integral precisa considerar os
saberes, as histórias, as trajetórias, as memórias, as sensibilidades dos
grupos e sujeitos com os quais trabalha, tecendo as universalidades
expressas nos campos clássicos de conhecimento (MOLL, 2008).
No planejamento da matriz curricular para ampliação do
tempo pedagógico, é importante equilibrar atividades de caráter
lúdico e acadêmico. O currículo em tempo integral deve prever
espaços para atividades relacionadas ao lazer, ao desenvolvimento
artístico e cultural, ao esporte, ao acesso a novas tecnologias e a
práticas de participação social e cidadã, como componentes
essenciais à formação humana. Cavaliere (2007, p. 1023) afirma
que, nas escolas de tempo integral, “as atividades ligadas às
necessidades ordinárias da vida (alimentação, higiene, saúde), à
136
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
cultura, à arte, ao lazer, à organização coletiva, à tomada de decisões,
são potencializadas e adquirem uma dimensão educativa”.
Para Lunkes (2004), a escola em tempo integral pode
tornar-se o espaço onde o aluno encontra tempo e oportunidades
para criar perguntas, identificar congruências e incongruências,
buscar respostas e entender o que se passa no seu mundo de perto e
de longe. Com a ampliação do tempo na escola, a educação engloba
formação e informação, além de outras atividades não-escolares, de
forma a construir cidadãos partícipes e responsáveis (COELHO,
2009). Aliás, Anísio Teixeira (2006) defendia que uma educação
para a democracia só seria possível se a escola de informação se
transformasse em uma instituição realmente educativa onde
existissem condições reais para as experiências de formação.
Dessa forma, Educação Integral implica compreender e
denotar o processo educativo como condição para ampliação do
desenvolvimento humano (GUARÁ, 2006) e de uma formação
para a cidadania. Para isso, precisamos investir em um conceito de
educação integral que supere o senso comum e considere toda a
integralidade do ato de educar (PARO, 2009). Continua o autor, “...
dessa forma, nem se precisará levantar a bandeira do tempo porque,
para fazer-se educação integral, esse tempo maior necessariamente
terá que ser levado em conta” (p.70).
A contribuição da Educação de Tempo Integral para uma
Formação Cidadã
Segundo Soares (2004), estamos vivendo uma nova
fase histórica da cidadania. Trata-se do reconhecimento da nova
cidadania como o conjunto de deveres e direitos — individuais,
sociais, econômicos, políticos e culturais — e, essencialmente,
como participação na vida pública. Sabe-se que a história da
cidadania no Brasil remonta a Constituição Imperial de 1824
e a primeira Constituição Republicana de 1891 e constitui uma
137
história de conquistas e de lutas pelos direitos humanos e, por isso,
em constante construção (CURY, 2007). Entretanto, cidadania
pressupõe também deveres, uma vez que o ser humano é parte
integrante de uma coletividade e, como cidadão consciente, busca
uma melhor qualidade de vida seja no nível pessoal, social ou
intelectual.
A cidadania ativa é aquela que institui o cidadão como
portador de direitos e deveres e, essencialmente, participante
da esfera pública e criador de novos direitos para abrir espaços
de participação (SOARES, 2004). Essa visão constitui uma das
perspectivas de Anísio Teixeira sobre a escola de tempo integral,
pois “concebeu a escola como um espaço real no qual a criança
do povo pudesse praticar uma vida melhor” (NUNES, 2000, p.
15). Desse modo, educar para a vida cidadã é oportunizar meios e
espaços que contribuem para que o indivíduo seja protagonista de
sua própria história.
Educação em tempo integral tem sido uma realidade
no Brasil. Desde a primeira metade do século XX, encontramos
tentativas a favor desse modelo de ensino, com base nas ações de
grandes educadores como Anísio Teixeira que colocou em prática,
na década de 50, atividades de ampliação do turno escolar. Na
perspectiva e no intuito de realizar mudanças no sistema educacional
brasileiro, uma das marcas fundamentais deixadas por Anísio foi a
criação da 1ª Escola-Parque em Salvador, na Bahia. Ali, as crianças
recebiam uma Educação Integral, incluindo alimentação, higiene,
socialização, além de preparação para o trabalho e a cidadania
(TEIXEIRA, 1994). Para ele, a escola é o espaço onde as crianças de
camadas sociais inferiores, devem encontrar tudo o que as crianças
de classe social mais alta têm em suas próprias casas, ou seja, um
ambiente civilizado, perspectivas de progresso e desenvolvimento
(TEIXEIRA, 2007).
As ideias de Anísio Teixeira, influenciadas por John Dewey,
eram de ampliar a escolaridade para formar cidadãos inseridos em
uma sociedade mais democrática. De acordo com o pensamento de
Dewey (1976), mentor de Anísio Teixeira, a compreensão de Educação
Integral abrange a escolarização fazendo parte da vida, da vivência em
comunidade escolar e no contexto social, uma vez que todo conhecimento
autêntico vem da experiência.
Segundo Paro e colaboradores (1988a), as transformações do
modelo de produção brasileiro, que gerou um modelo urbano-industrial,
trouxeram novas necessidades sociais, entre elas, a educação. Nesse
sentido, para construir uma nação rica e democrática, acreditava-se ser
necessário universalizar a escola. Preocupava-se com o número de alunos
inseridos no sistema educacional e com a qualidade do ensino nas escolas,
que eram os ideais da Escola Nova, movimento que via na educação um
elemento-chave para a renovação do ensino e que se aproximava de uma
escola integral, pois refletia o desejo de formar o homem integral.
Também Anísio Teixeira torna-se um signatário e divulgador das
ideias do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932), propostas
que defendiam uma reconstrução educacional no país e que propiciasse
formação ao ser humano, por meio de uma Educação Integral (NUNES,
2000). Paro e colaboradores (1988a, p. 190), entretanto, ressalvam: “...
mas o adjetivo integral ainda não diz respeito à extensão do período diário
de escolaridade e sim ao papel da escola em sua função educativa”. Os
autores referem-se aqui, ao tipo de homem que se desejava formar, um
“cidadão” capaz de participar da vida política e contribuir para a riqueza
da nação, não necessariamente nessa ordem.
Palma Filho (1998) defende a relação entre cidadania e educação
na perspectiva da formação de indivíduos críticos e reflexivos. Isso pode
ser possível a depender da forma como o processo educacional se dá na
relação professor-aluno-conhecimento. Para ele, a escola pode aumentar
a compreensão dos alunos sobre o meio natural e social onde eles vivem.
Por outro lado, numa perspectiva global, a Educação Integral pode ser
vista e compreendida de formas variadas. A “educação” como princípio
fundamental do desenvolvimento intelectual humano já deveria ser
integral. Portanto, Paro (2009, p.54) indaga: “Da perspectiva de uma
educação integral, a pergunta que se faz é se vale a pena ampliarmos o
tempo dessa escola que aí está?” Desse modo, torna-se pertinente estudar
aplicações da Escola Integral no Brasil em face de uma formação mais
completa do ser humano.
O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e o Programa
Mais Educação
O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), criado em 2007,
cuja finalidade é traçar um paralelo entre os princípios constitucionais e
o Plano Nacional da Educação (PNE), visa garantir uma educação de
qualidade, inclusiva, que permita a construção da autonomia das crianças
e adolescentes e o respeito à diversidade (BRASIL, 2009b).
O PDE é um plano executivo organizado em torno de quatro
eixos: educação básica, superior, profissional e alfabetização. Este é
composto ainda por mais de quarenta programas e ações, dentre eles o
MAIS EDUCAÇÃO, objeto de estudo desta pesquisa.
O Programa conta com recursos provenientes do Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização
dos Profissionais da Educação (FUNDEB), o qual repassa para o ensino
fundamental 25% e para o ensino médio 30% a mais do custo por aluno
anualmente (BRASIL, 2007).
O Programa MAIS EDUCAÇÃO, instituído pelas Portarias
Normativas Interministeriais nº 17 e nº 19, de 24 de abril de 2007, integra
o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e é um dos componentes
do Plano de Ações Articulada (PAR), estruturando ações em parceria com
os ministérios da Educação, da Cultura, do Desenvolvimento Social e do
Esporte, cujo objetivo é o atendimento de crianças e adolescentes em
tempo integral, promovendo a Educação Integral por meio do apoio a
atividades socioeducativas no contraturno escolar (BRASIL, 2009b).
O objetivo do Programa é a conquista efetiva da escolaridade
dos estudantes, por meio da experiência da ampliação do horário escolar.
Com isto, o programa pretende que as práticas realizadas além do horário
escolar estejam sintonizadas com o currículo e os desafios acadêmicos
(BRASIL, 2009c).
Entende-se que o Programa MAIS EDUCAÇÃO pretende
ser um projeto multidimensional para atender o ser humano na sua
integralidade. Educação Integral e escola em tempo integral traduzem
esse compromisso com o sujeito porque incorpora a ideia que amplia as
oportunidades que respondem e complementam lacunas no processo de
atividades pedagógicas inseridas na Educação Integral (BRASIL, 2009c).
Nessa linha, o projeto de Educação Integral tem como desafio
estabelecer um diálogo entre escolas e comunidades. Assim, o programa
MAIS EDUCAÇÃO propõe uma metodologia de trabalho capaz de fazer
dos programas de governo que integram esta ação, um instrumento sensível
de produção de conhecimento e cultura, pois considera a diversidade dos
saberes que compõem a realidade social brasileira (BRASIL, 2009c).
O programa MAIS EDUCAÇÃO pretende contribuir para
a formação integral de crianças, adolescentes e jovens, por meio da
articulação de ações, de projetos e de programas do Governo Federal e suas
atribuições propostas, visões e práticas curriculares das redes públicas de
ensino, alterando o ambiente escolar e incluindo campos mais produtivos
e interessantes aos alunos.
Assim, o projeto se realiza por meio de parcerias entre as
escolas, comunidade, famílias, órgãos públicos e organizações sociais
em torno de um objetivo comum: uma metodologia diversificada de
ensino-aprendizagem com vistas à formação de cidadãos atuantes e
responsáveis.
O Programa Mais Educação no contexto do município de
Valparaíso de Goiás
Segundo dados do Censo Demográfico 2010 (IBGE), o município
de Valparaíso de Goiás, situado a 45 Km de Brasília, possui uma população
de quase 133.000 habitantes, conta com 41 escolas Municipais e pouco
mais de 26 mil alunos matriculados.
Em 2007, dados do Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica13 (IDEB) apontaram que, no Município de Valparaíso de Goiás,
2048 alunos de escolas Municipais realizaram a Prova Brasil, com escalas
que variavam de 2,6 a 4,7. Na etapa seguinte (2009), as escalas variaram de
3,1 a 5,5 (INEP, 2010). Essa discrepância revela profundas desigualdades
nas condições de acesso, permanência e aprendizagem na educação
escolar, refletindo a complexidade de um processo que envolve interesses
sociais, políticos e econômicos.
A educação nesse Município vem enfrentando algumas
transformações que necessitam de uma maior reflexão. Trata-se da
implantação da Escola Pública de tempo integral em nível de Ensino
Fundamental. Tal projeto consiste na oferta, em algumas escolas, no
período de contraturno, das chamadas “Oficinas” de dança, de teatro,
artes manuais, ciências, literatura, entre outros, que variam de escola para
escola.
Após lançamento do programa em 2008, Valparaíso de Goiás foi
contemplado com 03 escolas participantes. Os critérios de seleção para as
unidades de ensino foram: (1) baixo índice no IDEB, (2) distorção serie/
idade, (3) acesso e (4) reprovação escolar.
13
Segundo Fernandes (2007), o Ideb é um indicador de qualidade educacional que
combina informações de desempenho em exames padronizados (Prova Brasil ou
Saeb) – obtido pelos estudantes ao final das etapas de ensino (4ª e 8ª séries do ensino
fundamental ou 5º e 9º anos e 3ª série do ensino médio) – com informações sobre
rendimento escolar (aprovação). Em uma escala de zero a dez, em 2007, essa nota
subiu para 4,2, ultrapassando as projeções, que indicavam um crescimento para 3,9
nesse período.
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Desse modo, especificam-se aspectos relacionados a cada
uma das unidades, denominadas macrocampos e que fazem parte
do projeto. A escola amarela situa-se na zona rural e comporta
uma média de 550 alunos. Desses, 120 integram as atividades de
educação integral constantes no Programa MAIS EDUCAÇÃO.
Destacam-se as aulas de Karatê, Letramento, Acompanhamento
Pedagógico nas disciplinas de português e matemática; incluem-se
ainda aulas de Informática, orientações para a Horta, aulas de Ping
Pong e aulas de Dança.
A escola verde, com 1200 alunos, encontra-se na zona
urbana. Desses, 240 fazem parte do Programa MAIS EDUCAÇÃO,
que realizam as atividades de Letramento, Judô, aulas de Música,
Informática e Orientações para Horta.
Já a escola azul, com um número de 1050 alunos
matriculados, possui apenas 100 participando do Programa MAIS
EDUCAÇÃO, executando as atividades de Letramento, Judô,
aulas de Capoeira, Música e Horta.
Esse panorama rememora o sonho de Anísio Teixeira,
quando nos idos 1950, inaugura uma de suas mais importantes
iniciativas, a denominada Escola-Parque, com o objetivo de
fornecer à criança uma Educação Integral e de dar-lhe atendimento
em suas necessidades fundamentais de vida.
Considerações finais
O objetivo do presente estudo foi apresentar dados iniciais
da implantação do programa MAIS EDUCAÇÃO no Município
de Valparaiso de Goiás. A pesquisa continua em andamento. No
segundo semestre de 2011serão realizadas entrevistas com gestores
e coordenadores das escolas citadas. Espera-se dar prosseguimento
à produção de espaços de reflexão planejamento coletivo acerca do
modelo de Educação em tempo integral.
143
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
O destaque volta-se para as experiências educativas em que
se pretende ressaltar e analisar, bem como, problematizar alguns
princípios da Educação Integral com a possibilidade de explicitar sob
o enfoque plural as ações pedagógicas e educativas. Na perspectiva
desse olhar, é possível perceber o diálogo com outras formas de
conhecimento, pois amplia-se o leque de interpretação junto aos
diferentes atores que permeiam o contexto que faz o acontecer do
MAIS EDUCAÇÃO.
Fica evidente, então, que o MAIS EDUCAÇÃO está
diretamente relacionado à formação integral de cidadãos, por ser
uma questão voltada para o ser humano, considerado alguém
consciente e sujeito de direitos ligados à vida, à liberdade, à
igualdade, à educação, enfim, possuidor dos direitos civis, políticos
e sociais.
Atualmente, nas propostas de educação em tempo integral,
as questões sociais tendem a aparecer com importância maior do que
as pedagógicas (PARO et. al., 1988b). Assim, é fundamental destacar
as experiências em curso que vem se consolidando em termos de
educação em tempo integral. Cabe disseminar as melhores formas
de atendimento do aluno que precisa de uma educação de maior
qualidade, inclusive sob a ampliação de tempo/espaço.
Nesse sentido, não se almeja oferecer uma palavra final
em relação a esse trabalho pela continuidade prevista, por meio
da dinâmica e envolvimento das entrevistas semiestruturadas e,
posteriormente, com a apresentação de resultados mais precisos e
objetivos referentes ao programa, que prevê o desenvolvimento do
ser humano por meio da Educação em tempo integral. Ainda assim,
com base nos aspectos desenvolvidos neste artigo, é possível afirmar
que a Educação em tempo integral constitui-se em um importante
instrumento para a formação de cidadãos ativos, participantes e
responsáveis.
144
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
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148
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Desafios e implicações da governança educacional
para uma Educação Católica na construção da
cidadania
Olmira Bernadete Dassoler – UCB/DF14
[…] a sociedade, cada vez mais complexa,
exige da escola o compreender e aceitar
a diversidade como possibilidades de
aprendizagem para todos.
(Romy Schinzare, 2004)
Resumo: As exigências suscitadas pela globalização, pela revolução
científica e tecnológica, mudaram os paradigmas de produção
e transformaram também o cotidiano das pessoas inseridas nas
instituições educacionais, no sentido de adaptação à emergência de
novos tempos. As discussões, estudos e apresentações realizados
no período de três semanas na Universidade Católica de Brasília,
constituem a motivação para continuar aprofundando esse tema. O
artigo traz uma reflexão sobre desafios e implicações da governança
para uma educação católica na construção da cidadania. Questões
sobre Educação, Cidadania e Governança serão contempladas numa
perspectiva de que a formação para a cidadania forma o homem
global, ou melhor, o cidadão no mundo, com sensibilidade para
perceber os problemas sociais. Estão presentes aspectos históricos da
educação católica no Brasil e a educação que formou a cidadania do
14
Doutoranda em Educação pela Universidade Católica de Brasília, UCB.
Mestre em Educação pela Universidade Católica de Brasília. Pós-graduada em
Gestão Colegiada pela PUC/PR. Especialista em Orientação Educacional pela
FIDENE, Ijuí/RS. Pedagoga, com larga experiência docente, em Coordenação
Pedagógica e atuação em Direção de Escolas. Membro da Diretoria Executiva
e Conselho Nacional da Rede Católica de Educação – RCE. Desenvolve
pesquisa, como voluntária, na Cátedra UNESCO de Juventude, Educação e
Sociedade/UCB.
149
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
povo brasileiro. Apresentam-se os valores considerados essenciais
no desenvolvimento do ser humano, contributos para o exercício da
cidadania, assim como se aprofundam alguns desafios e implicações
da governança que envolve o trabalho educativo na construção da
cidadania. Estabelece-se um diálogo com relação às políticas de
educação católica, cuja ênfase e intensidade maior recaem sobre
o desenvolvimento de uma consciência cidadã, concretizadas, por
meio de uma gama imensa de ações humanitário-solidárias. E, na
perspectiva da esperança fundamentada na pedagogia crítica de
Paulo Freire, considera-se que é possível transformar a realidade a
partir do que se considera missão e compromisso na construção da
cidadania, por uma sociedade menos injusta e mais solidária.
Palavras-chave: Educação Católica. Governança Educacional.
Consciência. Cidadania.
Introdução
Este trabalho tem como objetivo demonstrar e aprofundar
aspectos de como a escola católica, no desenrolar de suas estratégias e
por meio do processo educativo, empreende políticas que favoreçam
e possibilitem alternativas de ações, voltadas para a construção
da cidadania no universo privilegiado do contexto escolar. Além
do mais, pretende-se apontar alguns desafios e implicações da
governança educacional, no sentido do envolvimento que isso
demanda para um efetivo exercício de construção conjunta.
Em âmbito específico tenciona-se elencar ações que são
previstas e desenvolvidas na escola católica e que expressam essa
construção de cidadania a partir de questionamentos, quais sejam,
que ações são desenvolvidas na escola católica? Quais os caminhos
percorridos em termos de projetos e vivências que apontam avanços
na construção da cidadania? Até que ponto é possível identificar
uma política ou diferentes ações voltadas para a construção da
150
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
cidadania? Que tipo de cidadania é promovida na proposta da
educação católica? Por que a escolha do tema cidadania? Intenta-se
dar respostas a essas questões no decorrer do trabalho.
A proposta justifica-se também pela ousadia com que
se busca investigá-lo, assim como por ser um assunto visto e
considerado, de certa forma, polêmico e dialético, nos ambientes
das instituições escolares católicas ainda carentes de observações
mais assertivas. Pois, educação para o exercício da cidadania é um
pensar a vida em sociedade e um refletir sobre o mundo global.
Outro fato importante para o estudo em pauta diz respeito
às implicações e aos desafios que advêm da governança educacional,
associados às constantes transformações e exigências incitadas pela
globalização, pelas revoluções científicas e tecnológicas, as quais
sinalizam emergência de novos tempos para o mundo da educação.
Na verdade, o atual processo de globalização refere-se a profundas
mudanças nos campos econômico, político, sociocultural,
educacional e tecnológico, caracterizando, assim, o contexto
histórico em que vivemos.
Neste cenário se pensa em políticas de educação católica
que possam contribuir para a construção da cidadania ao se
estabelecer um diálogo que inclui, na discussão e desenvolvimento
do tema, o perfil de ser humano que a escola católica deseja formar.
Quais os valores que permeiam essa educação e de que modo
ela tem cultivado o terreno da cidadania no espaço escolar e, ao
mesmo tempo, provocado uma consciência cidadã com o suporte
da governança educacional?
A formação de seres humanos tem como horizonte
uma educação de qualidade fundada na formação cidadã. Silva
(1999) complementa, ao afirmar que gerir novas formas de vida
humana digna e comprometida, por meio de uma prática social e
global, se traduz numa educação imbuída da “sabedoria” de viver
junto, respeitando as diferenças. Tais aspectos integram o que se
pode deduzir de uma formação cidadã e comprometida com a
transformação da sociedade. Libâneo (2010) assevera que o ensino
151
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
e a educação de qualidade preveem o atendimento às diferenças
sociais e culturais e promovem a formação para uma cidadania
crítica. Nesse sentido, corrobora Guimarães-Iosif:
A formação para a cidadania forma o homem
global, ou melhor, o cidadão no mundo, com
sensibilidade para perceber os problemas
sociais do seu tempo, com a capacidade
humana, formal e política de intervir na
perspectiva de mudança de um mundo
melhor e mais justo para todos os grupos
sociais (2009, p. 168).
Essas razões permeiam a elaboração desse artigo e trazem à
tona aspectos históricos da educação católica no Brasil, associados
aos valores que fundamentam a trajetória do ser humano. Naquilo
que atravessa toda a filosofia e o feitio pedagógico da educação
católica, entende-se que a busca pela convivência em termos de
solidariedade, de formação e consciência cidadãs, são formas que
preenchem e privilegiam o desenvolvimento das práticas educativas
nessas escolas.
O desenvolvimento da reflexão se complementa também
com a experiência da autora vivida como aluna de escola católica
no ensino fundamental e ensino médio, no Estado do Paraná e
Santa Catarina. Adiciona-se, ainda, o extenso trabalho exercido,
como educadora e pedagoga, em diferentes funções, sejam
como professora em todos os níveis de ensino (infantil, ensino
fundamental e médio), ou na coordenação pedagógica, na
orientação educacional e na gestão de escola católica. A dinâmica
da sala de aula, o trabalho de escuta, partilha e encaminhamentos
da coordenação pedagógica junto aos professores; os encontros e
diálogos promovidos na orientação com os alunos e, sobretudo, o
aprendizado obtido como gestora, proporcionam-lhe um respaldo
teórico, técnico e empírico, significativos, para aprofundar a
questão de como se desenvolvem as políticas na construção da
cidadania, no âmbito educacional da escola católica.
152
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Além disso, soma-se à trajetória, a inaudita experiência
realizada no período de nove anos, na presidência da Associação
de Educação Católica do Brasil (AEC), em que os contatos com
escolas católicas eram frequentes, outorgando-lhe ampliada visão a
respeito das muitas atividades educativas empreendidas nos espaços
escolares das mesmas.
Valores que contam: a educação católica na esteira da
história
Referir-se à educação católica na esteira da história é trazer
presente a educação que formou a cidadania do povo brasileiro
desde o início da colonização. É ter a convicção de que a tradição,
a identidade e os valores éticos ganham impulso e se renovam na
medida em que respondem ao apelo feito por João Paulo II15, ao
dizer que é preciso construir um mundo onde seja possível viver
mais bem juntos.
E confirma-se com Tempesta (2008, p. 7) por meio das
palavras: “da formação de homens e mulheres com valores humanocristãos, tem-se a certeza de que poderão exercer um bom trabalho
para a construção de um mundo melhor amanhã”. A presença da
Igreja no campo escolar manifesta-se, de modo particular, por
meio da escola católica; por isso, há que se encorajar a atividade
dos docentes que, no contexto escolar, se dedicam para a formação
integral da pessoa, promovendo-a nos valores éticos e cidadãos; e, o
fazem amparados na certeza e na perspectiva de estar contribuindo,
pela educação, para um mundo mais solidário e fraterno.
Ao debruçar-se sobre o solo fértil da escola católica, em
que uma multidão de crianças, jovens e adultos metamorfoseia
conhecimentos e experiências no seu interior, pensa-se que o
aspecto da cidadania possa encontrar espaços que permitam realizar
ações para responder e satisfazer as necessidades do ser humano
15
João Paulo II - Alocução da caridade. Roma, 16/05/99.
153
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
que busca ser feliz. Segundo Bauman (2008), cidadania constitui
uma energia voltada a debater e trocar notícias, opiniões, propostas,
críticas com o objetivo de ajudar no que estiver ao alcance a inserir
algo que contribua por uma sociedade digna de nome, que seja
social, humana, revolucionária e em constantes auto-reflexões e
aberta a transformações.
As transformações sociais ocorridas em níveis mundial e
nacional, muito contribuíram para que a escola católica também
buscasse mudanças e adaptação aos novos cenários e tendências
provindas desse contexto social vigente. Assim, o entendimento
é de que a história se constrói com pessoas que se desenvolvem
na interação com as forças sociais da sua circunstância. Portanto,
“a educação envolve os contraditórios processos de transmissão
e mudança da herança sociocultural entre gerações” (GOMES,
2005, p. 11).
Sob o influxo do Concílio16 Vaticano II e a Declaração
sobre a Educação Cristã da Juventude, de 20 de outubro de
1965 (Gravissimum Educationes Momentum)17, ressalta-se a
importância da educação na vida do ser humano, com reflexos
no progresso social. Desse modo, à escola católica cabe a tarefa de
cultivar as faculdades intelectuais, promover o sentido dos valores
e preparar o ser humano para a vida profissional e social, tornandose, assim, agente de mudança no meio em que vive.
Conforme o Dicionário Aurélio, concílio (1962) provém do latim conciliu
e compreende a Assembleia dos Bispos Católicos para tratar de assuntos
dogmáticos e doutrinários.
17
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Declaração sobre a Educação Cristã promulgada pelo Papa Paulo VI e consta
do Compêndio do Vaticano II.
16
154
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Desafios e implicações da governança educacional na
construção da cidadania nos processos educativos da
educação católica
Quais os desafios da educação e da formação para a cidadania
nessa era global, permeada de múltiplas mudanças, novas formas
de provisão da educação, novas formas de consumo dos serviços
educacionais? Que indivíduo se deseja formar?
Essas questões induzem a construir e a educar para uma
consciência cidadã a partir da vida, tendo em vista o exercício da
cidadania, na sociedade e num mundo global. Inclui também a
criação de espaços que contribuam para que o indivíduo seja
protagonista de sua própria história e tenha acesso à participação, à
igualdade de condições, e à qualidade de vida. Para Anísio Teixeira
(1994), a escola constitui esse espaço onde crianças e jovens, por
meio de uma educação de qualidade, possam construir a cidadania
e o respeito à diversidade. Abdi e Schutz (2008), em artigo sobre
racismo e cidadania, expressam que a educação para a cidadania
engloba a ideia de igualdade e do diferente numa comunidade, e as
vozes que aí se manifestam precisam ser ouvidas.
Ainda que a escola católica seja considerada uma escola
tradicional, percebe-se grande esforço em fazer gerar o novo a
partir do que está consolidado. Por outro lado, vê-se que as grandes
potências mundiais têm atingido também as políticas educacionais,
por seguirem os modelos recomendados pela Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Então,
como pensar a governança, um tema ainda novo e pouco usado
na área educacional, em níveis macro e micro, na tomada de
decisões com diferentes atores que a compõem. Tem-se presente
a estratégia apontada por Vigotski (1984) de que a mediação pode
conciliar os vários aspectos centrados numa educação cidadã em
que impliquem a participação e apoio da governança educacional.
155
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Considerando que as estratégias da OCDE são a
comparação, a disputa entre seus pares e a padronização dos sistemas
educacionais dos países com a equivalente busca por melhores
resultados e maiores investimentos, pergunta-se: de que modo a
escola católica se posiciona diante desse mercado competitivo para
construir valores universais em vista de uma consciência cidadã?
Entende-se que sob este aspecto, a governança educacional exerce
um importante papel nas questões que envolvem o exercício da
cidadania, associado à garantia dos direitos que promovem o ser
humano como um todo.
Assevera Hamze (2011) que a governança é a maneira
pela qual o poder é exercido na administração dos recursos
econômicos e sociais de um país, com vistas ao desenvolvimento.
Já aplicado à esfera educacional, entendida como micro sociedade,
governança está associada à garantia dos direitos que promovem o
ser humano. A governança educacional, portanto, precisa prover
e prever momentos no ambiente escolar, em que se discutam e se
construam valores em prol da cidadania, tendo presentes a vida e a
história do ser humano.
De acordo com Alves (2007), essa é uma tarefa que
exige adequada preparação de novas gerações de profissionais
com a aquisição de conhecimentos e competências que possam
corresponder e responder, em tempos hodiernos, para uma
formação integral do ser humano. Não se pretende aprofundar
a questão, porém tem-se a impressão que, sob esse ponto
de vista, um dos primeiros desafios seja o investimento da
autoformação e formação continuada do educador gestor como
um empreendimento contínuo, frente aos avanços globais e das
constantes mudanças na sociedade. Nesse contexto, pensa-se em
um educador de competência muldimensional, um educador do
mundo na visão de Ali A. Abdi (expressão do contexto de uma aula
ago./2011), capaz de acompanhar as novas gerações que adentram
as escolas católicas com uma infinidade de informações, porém
com poucas condições para processá-las criticamente.
156
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Novos desafios se apresentam com o acesso às redes
mundiais de comunicação num país tão extenso como o Brasil.
Contudo, o indivíduo precisa viver, sentir e reconhecer-se cidadão
e parte integrante de uma sociedade em que os direitos possam
ser mantidos e garantidos. Aqui o papel do educador se torna
indispensável em apontar estratégias de análise diante das muitas
informações que vão tomando conta do mundo infanto-juvenil
dessas instituições de ensino.
Nesse espectro, como delinear o ser humano que a escola
católica, no seu papel socializador, busca formar num cenário em
que pesquisas desafiam e “[...] têm mostrado a recusa pelos jovens
de valores convencionais como esforço, estudo, trabalho pessoal,
sacrifício, temperança, persistência e, paralelamente, a crescente
inquietude dos professores sobre como conseguir a motivação dos
alunos”(LIBÂNEO, 2010, p. 1-2)?
E mais, diante da desestruturação das famílias e o
surgimento de novas famílias, como lidar com essas novas formas
de expressão do ser humano que procuram as instituições escolares
e desejam ser acolhidas com o carinho e atenção ao diferente? A
escola católica, no atendimento ao ser humano, também não está
imune às questões relacionadas à teoria Queer, referente a homens
e mulheres homossexuais, gays, lésbicas, entre outros.
Toma-se cidadania, nos termos de Demo (2000) e
Freire (1993), respectivamente, como sendo uma produção, uma
criação política. Portanto, é construção na busca de autonomia, na
evolução da consciência crítica e, sobretudo, da autocrítica para o
enfrentamento dos desafios que emergem por meio dos processos
educativos e do contexto social. Na verdade, de acordo com Demo
(2000), constituem atitudes que, pela educação, se desenvolvem no
dia-a-dia sob o impulso do saber pensar e do aprender a aprender.
157
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Educação católica: políticas de consciência cidadã ou ações
humanitárias e solidárias?
Segundo Delors (2001, 2011), a educação para
a cidadania consiste em um conjunto complexo que
abrange simultaneamente a adesão a valores, a aquisição de
conhecimentos e a aprendizagem de práticas para a vivência em
sociedade. A partir dessa premissa, presume-se que a formação
do ser humano começa na família por meio de um processo de
humanização, de valores éticos e morais que terão continuidade
no trabalho educativo da escola. Portanto, educação para o
exercício da cidadania exige um pensar para a vida em sociedade
como construção cultural e também sobre o mundo.
A legislação brasileira para a educação estabelece a promoção
da cidadania de forma ampla e, para isso, por meio de documentos
oficiais, determina políticas de inclusão escolar, respeito às
diversidades, pedagogias de combate ao racismo e promoção da
igualdade. É o que expressam a Constituição Federal Brasileira de
1988 (Art. 205) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(Lei n.º 9.394/96, Art. 3°, inciso III e Art. 26-A), ao enfatizarem a
formação e o desafio de se educar para a cidadania como condição
básica do ser cidadão, garantindo a todos os brasileiros, sem
distinção de cor, sexo, credo, cultura, condição social, política e
econômica, direitos iguais para o seu pleno desenvolvimento.
Nessa discussão, como se sucede a formação do ser humano
no seio de famílias tão diferentes em que as figuras materna e
paterna assumem novas dimensões? Sabe-se que a educação, seja
ela dada na família, pela escola ou comunidade, contribui para a
descoberta do outro e, consequentemente, para a descoberta de si
mesmo. Descobrindo-se a si mesmo, o ser humano terá condições
de se colocar no lugar do outro e compreendê-lo em suas reações.
A solidariedade, a cooperação, o respeito a si mesmo e
ao outro, o espírito de partilha, os deveres sociais, o ser crítico e
158
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
criativo, entre outros, fazem parte dos princípios fundamentais
de uma boa educação para o exercício da cidadania e contribuem
para a formação de uma sociedade capaz de transformar o mundo
(AMARAL, 2011).
Destarte, o espírito cidadão se expressa em atitudes de
empatia, de altruísmo e de fraternidade desenvolvidas na escola e
abrem caminhos para os comportamentos sociais ao longo da vida.
Segundo Victor Frankl, citado por Caliman (2008, p. 63), o ser
humano é dotado de uma vontade que o motiva a buscar o sentido
da sua existência como uma necessidade fundamental. Portanto,
preencher o vazio existencial consiste na busca de felicidade
por meio de atitudes e comportamentos que se constroem e se
reproduzem nos vários âmbitos de vida, dentre eles, o estudo, o
trabalho, a relação com o outro, o sentir-se protagonista da história,
o sensibilizar-se com a necessidade do outro. Essa reflexão se
complementa com Siegel:
Ser cidadão é perceber que fazemos parte do
mundo. As escolhas e posturas diante da vida
afetam não apenas a si mesmos, mas a vida
de outras pessoas. Assim como as atitudes
das outras pessoas também afetam as demais.
Numa educação ética, é preciso resgatar e
incorporar os valores de solidariedade, de
fraternidade, de respeito às diferenças de
crenças, culturas e conhecimentos, de respeito
ao meio ambiente e aos direitos humanos
(SIEGEL, 2005, p. 41).
Constitui um dos compromissos da escola conduzir as
pessoas a tomar consciência das semelhanças e da interdependência
entre os seres humanos por meio de diferentes aprendizagens.
Nessa compreensão e diante do já exposto, podem-se ponderar
algumas ações consideradas estratégias políticas voltadas para a
construção da cidadania nas escolas católicas.
159
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Historicamente, se apontou por vários momentos sobre
o ideal de ser humano que a educação católica protagonizou
formar desde os primórdios. Situada em contextos e épocas,
os mais diversos, e frente aos desafios da modernidade e pósmodernidade, percebe-se que, na maioria das escolas, os programas
que somam o conjunto das possíveis atividades na construção da
cidadania, contemplam projetos voltados para ações solidárias e de
sensibilização para necessidades específicas.
Ressaltam-se ocasiões especiais em que a comunidade
educativa (governança, professores, alunos e funcionários) é
convidada a se despertar para o aspecto da solidariedade e até para
ajuda pontual, com relação a situações de calamidade pública como
foi o caso do terremoto de Haiti, dos abalos sísmicos do Japão,
as tempestades do Rio de Janeiro e casos semelhantes em outros
Estados do Brasil.
Recorda-se que cada escola possui uma dinâmica própria,
já constante em seu planejamento pedagógico no concernente às
ações denominadas e pensadas como políticas de cidadania. Nesse
sentido, questiona-se se existe uma cidadania para a escola católica?
Qual a diferença? Experiências empíricas e o conhecimento dão
consistência muito mais às atividades e na abundância de projetos
voltados para as distintas áreas de conhecimento e de ações
humanitárias e sociais.
Relevam-se atividades que vão à direção de uma
conscientização solidária e de fraternidade, tendo como suporte
os temas das Campanhas de Fraternidade; essas atividades se
desenvolvem, respeitando-se os diversos níveis de ensino, ou
seja, o infantil, o fundamental e o médio. Outros e diversificados
projetos são desenvolvidos a partir de uma necessidade emergente,
um atendimento específico, uma presença de sensibilidade por
vezes, de ajuda e no tempo devido, ao cuidado com o idoso ou a
crianças em situações vulneráveis.
160
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Evidencia-se que o processo formativo do ser humano,
realizado de modo acurado e diligente, constitui um grande
diferencial, pois traz em seu bojo a formação da pessoa, como líder
e cidadã. Este se ocupa com as questões que possam salientar o seu
importante papel na construção de uma sociedade mais humana e
com a possibilidade de minimizar também as situações injustas e
emergentes.
Enfim, pondera-se que iniciativas como estas vão tomando
corpo e concretização nos diferentes ambientes da escola católica, e a
cidadania vai se construindo, através do voluntariado, nos momentos
de solidariedade, no exercício das Campanhas de Fraternidade, na
defesa do meio ambiente e consciência planetária, nas alternativas
de solução para os casos do bullying, entre outros; soma-se a isso
a busca de autonomia, identidade, emancipação, participação e
consciência política. Quanto à questão das diferenças mencionadas
nesse texto, o que se entende por diferente? O diferente assusta ou
faz parte do acolhimento, do respeito do crescimento que advém
da diversidade? Contempla-se que são questões amplas e que as
respostas apenas contribuem para desencadear novas reflexões.
Porém, a reflexão sobre situações do “diferente” parte daquilo que
se relaciona ao modo de ser do indivíduo, às atitudes que causam
estranheza por não se configurarem com o padrão de que se está
acostumado no dia-a-dia. Por exemplo, questões referentes ao
bullying, assunto que tem trazido muitas preocupações no âmbito
escolar, além de estudos que possam contribuir para minimizar
situações, por vezes, constrangedoras, podem fazer parte de um
programa de cidadania?
Outros projetos se voltam para a questão de reciclagem
do lixo como sendo uma atitude de colaboração para o aspecto
planetário e de um mundo melhor e mais bonito. Nessa sequência,
menciona-se o que aponta Gadotti (2002), em relação à educação
sustentável, à educação para a cidadania planetária em que aprender
a cuidar e respeitar o planeta terra constitui um princípio de vida.
Em alocução feita em março de 2008, o Papa Bento XVI faz um
161
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
apelo enfático com relação aos novos pecados capitais que afetam
a vida do ser humano e da humanidade. Dentre eles destacam-se:
a poluição ambiental, a desigualdade social e a violação de direitos
fundamentais da natureza humana. Por isso, compreende-se que o
tema de políticas de educação católica, na construção da cidadania
reveste-se muito mais de uma consciência cidadã que se expressa
em ações humanitárias e solidárias. E o aspecto da cidadania no
sentido político e crítico não se manifestam tão claramente, ou
dito de outra forma, tem-se a impressão de que aos educandos
das escolas católicas, falta-lhes aquela atitude mais destemida,
conhecida como empowerment, isto é, a capacidade de reger-se por
si mesmo, com autodeterminação e autonomia.
Perduram, no entanto, os questionamentos de como
desenvolver e construir uma cidadania inclusiva que se preocupa
com as questões da diversidade, direitos humanos, equidade,
consciência crítica e emancipada. É possível desenvolver projetos
e/ou políticas que caminham nessa direção, dentro do contexto
escolar da educação católica? Sim, por quê?
Considerações finais
Ao se pensar em educação, geralmente a mente se ocupa
com a imagem da escola, do aluno, do professor e da governança
educacional. Em sendo assim, construir cidadania nesse cenário
é criar novas ideias e gerir conflitos, administrar emoções e
confrontar opiniões. A ação educativa não é neutra, pois ela traduz
uma política educativa e um modelo de relações que vai além da
construção de conhecimentos; é a construção de relações humanas
e cidadãs, de afetos e desafetos.
Relações construídas e alicerçadas no respeito, na
reciprocidade, na participação em que prevalecem o diálogo, o senso
crítico e a energia que propõe ao cidadão a conquista da autonomia
e o construir-se como ser participativo. Segundo Rebello e Vrana
162
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
(2008), fazendo memória às cartas de Sêneca a Lucílio, enquanto
se vive é necessário aprender a viver. Consequentemente, viver é
construir cidadania numa dinâmica de aprendizagem permanente
e continuada. Sob essa ótica, governança educacional, educador e
educando constroem cidadania de modo participativo, globalizante
e no entendimento da escola como um todo social.
Pela amplitude do assunto, não se pretende esgotá-lo,
porém se confirma que em relação às políticas de educação na
construção da cidadania, as ações estão mais focadas em ações
humanitárias e solidárias em contraposição às atitudes políticas que
contribuem para libertar e transformar, criticamente, realidades
de contextos diversos. E, pela crença que se tem na educação e
pela paixão que alimenta os sonhos, é possível pensar diferente e
alimentar a esperança que fundamenta os ideais de uma sociedade
melhor.
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166
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
A cidadania docente na Educação Superior
Isabela Cristina Marins Braga
Universidade Católica de Brasília
Resumo: Este paper busca compreender cidadania docente no
contexto da educação superior, campo de investigação que precisa
ser explorado no Brasil. O trabalho é parte do referencial teórico
necessário para minha dissertação de mestrado em educação, ainda
em andamento. Buscou-se primeiramente conhecer um pouco da
história da educação superior no país e como esta ainda é marcada por
desajustes sociais e mudanças nas políticas do governo. Contudo,
foi observado que esse nível de ensino sofreu fortes influências
dos governantes e da sociedade desde o século XIX, que tentou
elitizar o ensino superior, como uma oportunidade para poucos
no cenário nacional. Com o crescimento do mercado, o novo
caráter da Educação Superior adotou uma conduta mercadológica,
diante da necessidade de inserir mão-de-obra qualificada em todo
o país. Nesse sentido, é importante também questionar como
fica a questão do comprometimento social da educação superior,
diante das atuais pressões da globalização neoliberal, uma vez
que este novo modelo prega a necessidade de este nível de ensino
promover uma estreita relação entre cidadania e responsabilidade
ética e social. A legislação educacional brasileira reforça bem este
ideal. A Educação Superior é a base para construção e formação
de qualquer nação e este trabalho argumenta que a educação para
a cidadania deve começar pelo resgate da cidadania do professor,
uma vez que, quanto mais ele se sentir tratado com justiça e
respeitado em seus direitos, maior será seu comprometimento
com a educação dos discentes e com as questões sociais locais e
globais mais relevantes. Entretanto, é importante compreender o
que é cidadania, uma vez que este termo possui várias definições.
Com base em vasta literatura na área de educação para cidadania,
constrói uma definição própria para cidadania docente que ressalta
a importância das dimensões emancipatórias e autônomas.
167
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Palavras-chave: Cidadania Docente. Educação Superior.
Compromisso Social.
Introdução
Muito se discute sobre a cidadania no âmbito educacional,
todavia, essa discussão geralmente se limita apenas à cidadania dos
alunos. Nos ensinos fundamental e médio, é possível encontrar
várias pesquisas (GUIMARÃES-IOSIF, 2007; DEMO, 1991; 2003)
que relacionam a cidadania do aluno com o papel do professor na
promoção da qualidade do ensino. Esses trabalhos apontam para
uma questão delicada, que é o papel do docente e o trabalho que
desenvolve, como um dos fatores internos do processo ensinoaprendizagem. Porém, olhar para o professor isoladamente,
sem levar em consideração as políticas públicas como elementos
balizadores para a capacitação deste profissional pode ser um erro
e uma injustiça. Pensando nisso, será que essa discussão deve
prevalecer no âmbito dos ensinos fundamental e médio? E o
professor universitário? Se é o professor da educação superior, o
responsável por formar profissionais capacitados para o mercado,
não seria prudente compreender como está a cidadania docente?
O que as políticas de educação superior e as Instituições de Ensino
Superior têm feito para garantir a cidadania dos seus professores?
É nessa perspectiva que o presente trabalho será construído
buscando compilar o material necessário para compreender a
importância da cidadania no contexto docente no âmbito das
Instituições de Ensino Superior (IES).
A base para a construção da cidadania é a educação, que
deve contar com a participação de pais, alunos, professores, direção,
sociedade e governo. A qualidade do ensino está intimamente ligada
no resgate do papel do professor e da sua cidadania (DEMO, 2003;
GUIMARAES-IOSIF, 2009). Pensando nisso, este paper é parte do
referencial teórico necessário da minha dissertação de mestrado em
168
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
educação, que tem por finalidade investigar a cidadania docente na
educação superior.
Pensar na cidadania docente é também fazer uma reflexão
sobre autonomia e emancipação, como base dos direitos humanos,
conforme explica Santos (1989). A autonomia como fator indissociável
da cidadania no papel docente, ou seja, a liberdade da prática pedagógica
e de ensino. A emancipação como fator essencial para a liberdade de
expressão e igualdade no âmbito das relações sociais.
Para tanto, este trabalho estrutura-se da seguinte forma: a
primeira parte discute as políticas públicas na Educação Superior
no Brasil; a segunda parte versa sobre o compromisso social da
Educação Superior; a terceira parte trata da cidadania docente e a
quarta parte trata da conclusão e considerações finais do trabalho.
Educação superior no Brasil
Seria possível compreender todas as mudanças na
Educação Superior sem analisar o processo histórico político,
social e econômico vivido pelo Brasil? É provável que não, uma
vez que todos esses fatores se misturam e tornam-se fundamentais
analisá-los em conjunto para melhor entendimento das políticas
educacionais no Brasil. Como relata Dourado (2002, p. 245), “As
alterações provocadas pelas políticas educacionais no Brasil não
podem ser compreendidas sem o entendimento das contingências
históricas e econômicas que balizam o cenário atual das
transformações societárias do mundo atual”.
Historicamente, as primeiras escolas superiores surgiram a
partir da chegada da família Real Portuguesa em 1808, por ocasião
das pressões exercidas pela elite da época, conforme citam Colossi,
Consentino, Queiroz (2001). Destacam-se três instituições de
ensino superior no país que são: Escola de Medicina do Rio de
Janeiro, Escola de Medicina da Bahia e Escola de Engenharia e Arte
Militar do Rio de Janeiro.
169
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Ainda fazendo um retrato histórico da Educação Superior,
os autores supracitados lembram que em 1827, surgiram os Cursos
de Ciências Jurídicas em São Paulo e em Olinda. Em 1889 foram
criadas mais 14 Escolas Superiores. Em 1909 houve a criação da
Universidade de Manaus e em 1912 da Universidade do Paraná. A
Universidade de Brasília surgiu bem depois, em 1961.
Monfredini (2009, p. 55) destaca que o “[...] o Ensino
Superior no Brasil nasce com objetivos profissionalizantes e
num tempo relativamente recente (século XIX), se comparado às
universidades européias [...]”
A mesma autora coloca que, já no século XX, a grande
procura pelo ensino superior por parte da elite brasileira, promove
um crescimento considerável das universidades e de outras
instituições. De 1945 a 1964 passou de 5 para 37 e o que a autora
chama de instituições isoladas, de 293, chegou a 564. A reforma
universitária naquela época também teve forte influência do
governo militar, que com o Decreto nº 5.540/68 (BRASIL, 1968),
contribuiu para uma postura da Educação Superior empresarialmercantilizador. A carreira docente e a hierarquização dos títulos
acadêmicos estavam entre suas principais mudanças.
Para Colossi, Cosentino, Queiroz (2001) a partir disso,
houve um crescente interesse e especialmente necessidade pela
Educação Superior. As novas oportunidades de emprego fizeram
com que as pessoas em geral buscassem também pelas possibilidades
de crescimento oferecidas pela educação superior.
Dados do INEC/MEC de 1998 citados no Plano Nacional
de Educação, Lei nº 10.172 de 09/01/2001 (BRASIL, 2001),
mostram a existência naquele ano de 973 instituições de Ensino
Superior, sendo que destas, 57 eram Federais, 74 Estaduais, 78
Municipais e 764 particulares.
Segundo Monfredini (2009), com o Decreto 2.306/97
(BRASIL, 1997), houve uma hierarquização das Instituições de
Ensino Superior (IES) o que marcou ainda mais a postura de
170
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
mercado destas instituições. Isso fez com que os alunos passassem
a adotar uma postura mais de clientes do que de alunos. Além disso,
entre 1997 a 2006, houve um crescimento de 193% de IES privadas
e apenas 17% das IES públicas.
De acordo com Dourado (2002), a Lei de Diretrizes e Bases
(LDB) e o Plano Nacional de Educação (PNE) foram decisivos
para a mudança do ensino superior a partir da década de 90. Alvo de
debates entre o Estado e sociedade civil organizada, especialmente
na gestão de Fernando Henrique Cardoso, a LDB incorporou em
seu texto, vários dispositivos referentes à Educação Superior, uma
vez que a capacitação era inevitável em tempos de globalização da
economia.
No ano de 2004, numa nova aposta do governo em parceria
com instituições de ensino e profissionais da área, foi construído
o Anteprojeto da Reforma da Educação Superior que, para Silva
Júnior (2005) uma lei desse cunho não pode ser considerada nem o
início nem o fim da reforma. Tanto que em seguida, veio o Projeto
de Lei da Reforma da Educação Superior nº 7.200 de 12/06/2006
(BRASIL, 2006) com nova redação e correção do Anteprojeto
anterior.
É importante compreender esse processo histórico,
especialmente no que envolve as questões políticas que disciplinam
a educação no Brasil, uma vez que, conforme ressalta Carvalho
(2010), faz parte do resgate da cidadania, a inclusão na educação
superior.
E foi nessa perspectiva que o governo Lula, como colocado
por Carvalho (2010) criou em 2004, o Programa Universidade para
Todos (PROUNI), em uma nova tentativa de mudar a história
do ensino superior no Brasil, promovendo o acesso à universidade
àqueles menos favorecidos.
Monfredini (2009) ressalta que ainda no governo Lula
foi desenvolvido o Programa de Apoio a Planos de Reestruração
e Expansão das Universidades Federais (REUNI) na tentativa
171
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
de se adequar ao Processo de Bolonha de acordo com o Modelo
Unificado Europeu (MEU), como explicam também Santos e
Almeida Filho (2008).
Carvalho (2010) lembra que a Reforma Universitária
foi impulsionada por alguns fatores como um número cada vez
maior da população com curso superior, tanto nas áreas técnicas
como tecnológicas e a pressão da classe média para ter cada vez
mais acesso à Educação Superior. Porém, a autora ressalta que a
crescente procura pelo ensino superior enfrentou o impasse da
dificuldade do governo em custear as universidades públicas. A
saída foi isentar as instituições privadas de ensino superior de alguns
tributos fiscais, impulsionado especialmente por um aumento nas
vagas nas décadas de 60 e 70.
Mas, de acordo com Santos e Almeida Filho (2008), o
modelo brasileiro de Educação Superior ainda é muito arcaico,
podendo ser comparado ao modelo das universidades europeias do
século XIX, que já está absolutamente ultrapassado.
O compromisso social da Educação Superior
Qual é afinal, o papel da Educação Superior? Seria possível
restringir a Educação Superior à mera comercialização de mãode-obra capacitada? As críticas à expansão da Educação Superior,
deixando de lado as questões sociais, são comentadas por Colossi,
Consentino, Queiroz (2001, p. 51) ao afirmarem que:
Nas raízes da expansão do ensino superior,
observa-se a predominância dos critérios
de busca de atendimento de necessidades
voltados para o mercado, ou seja, prevalecem
critérios econômicos. Ocorre,
assim a
comercialização do ensino superior, a
predominância de critérios utilitaristas, com o
prejuízo de ações que privilegiem os aspectos
172
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
sociais e o atendimento aos interesses de um
pequeno grupo.
Sendo assim, fica fácil compreender a desigualdade
social como um processo histórico, que surgiu a partir do
mundo capitalista, onde, de um lado, havia os donos de terra ou
os industriais, e de outro, os assalariados. Como é colocado por
Demo (2003), faz parte da desigualdade social explorar o trabalho
alheio. Em uma democracia tão desigual, como é o caso do Brasil, a
tentativa de reduzir os problemas sociais pode ser algo arriscado.
Mas, como afirma Demo (2003, p.18), “a começar pela
freqüente sugestão de que é tarefa do Estado, ou dos técnicos, ou
dos professores, ou dos líderes partidários, ocultando a realidade
primeira de que desigualdade se enfrenta a partir dos desiguais.”
O mesmo autor revela ainda que, não só o Estado, mas
a sociedade deve se organizar exercendo plenamente a cidadania.
Além do que, enfrentar a desigualdade social com Educação,
especialmente oportunizando educação especializada para a
população em geral, é uma questão de compromisso social.
Santos e Almeida Filho (2008), reforçando a importância
da Educação Superior para a sociedade argumentam que o ensino
superior não pode ser tratado como mera mercadoria, mas que a
universidade pode ser o caminho para o desenvolvimento social
conduzido com justiça e bem-estar para os povos.
Frantz (2005), diante dessa questão social, traz a universidade
(enquanto mecanismo de educação superior) como ferramenta
incondicional na luta pelo compromisso social. Ressalta ainda que
“[...] a universidade não pode conviver, silenciosamente, com os
atuais rumos do desequilíbrio social e ambiental que ameaçam a
sociedade humana contemporânea” (FRANTZ, 2005, p. 122).
Os autores Colossi, Consentino, Queiroz (2001) realçam a
discussão, ao dizerem que a educação superior tem um papel social,
por ser incumbida da formação da elite intelectual e científica da
sociedade.
173
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
[...] a educação superior é uma instituição
social, estável e duradoura, concebida a partir
de normas e valores da sociedade. É, acima
de tudo, um ideal que se destina, enquanto
integrador de um sistema, à qualificação
profissional e promoção do desenvolvimento
político, econômico, social e cultural.
(COLOSSI; CONSENTINO; QUEIROZ,
2001, p. 51).
Por isso, é prudente destacar a ética e responsabilidade social
que são atitudes indeléveis da profissão docente, como é discutido
por Freire (1996; 2000). Este autor trata da postura ética como
instrumento da prática docente, uma vez que o educador tem um
papel importantíssimo na formação humana. Ao mesmo tempo em
que deve respeitar a opinião do educando, sua curiosidade e forma
de se expressar, deve também saber intervir no momento certo,
impondo limites que também fazem parte de uma boa educação.
O Projeto de Lei nº 7.200 de 12/06/06 (BRASIL, 2006)
esclarece a função social da Educação Superior em seu art. 4º, ao
incumbir a Instituição de Ensino de zelar por algumas questões,
tais como: plenas condições do trabalho acadêmico, qualidade do
ensino, liberdade acadêmica, respeito aos direitos e à cidadania,
participação na gestão da instituição, liberdade de expressão de
docentes e discentes, valorização profissional dos docentes e do
corpo técnico-administrativo.
Por isso, a universidade, como coloca Frantz (2005), não
pode ser apenas aporte político de minorias, mas deve acima de
tudo exercer plenamente o compromisso social em prol de uma
educação de qualidade e que promova bem-estar à população
interna e externa à Instituição de Ensino Superior.
Na interpretação do movimento da realidade
social, a universidade deve orientar-se
pela capacidade da dúvida, da pergunta,
174
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
estimulando a produção de conhecimento,
na escala mais ampla possível da sociedade,
como resposta aos seus problemas e desafios.
Nisso está um sentido de seu compromisso
social, especialmente, de sentido pedagógico
na formação da cidadania (FRANTZ, 2005,
p. 124).
Consoante com o autor supracitado, o papel da Educação
Superior deve ecoar por toda a vida dos indivíduos, formando
cidadãos capazes de atuar criticamente em qualquer situação.
A cidadania docente
Seria possível pensar em educação de qualidade, deixando
de lado a cidadania docente? Para melhor compreender essa relação,
faz-se necessário entender o que é cidadania e como ela se expressa
no contexto da Educação Superior.
Guimarães-Iosif (2009) traz alguns esclarecimentos
sobre o ser cidadão. De acordo com esta autora, este termo é
constantemente usado em vários segmentos da sociedade, sendo
compreendido de diferentes formas. Para alguns, ser cidadão
pode ser simplesmente pertencer a um país, ter uma cidadania.
Outros adotam uma definição da cidadania global, na qual os
indivíduos se preocupam com as questões sociais de seu próprio
país e do mundo. Para outros, cidadania significa o pleno exercício
dos direitos eleitorais (votar e ser votado), possuir liberdade de
expressão, de organização, ou ter o direito à saúde, educação,
segurança. Ou ainda, a compreensão de cidadania como aquela
pessoa que cumpre com seus deveres civis.
Não desmerecendo a cidadania política, ou seja, esta
referenciada até aqui, Santos (1991) fala sobre a importância de
exercer o que ele chama de a nova cidadania, ou seja, a cidadania
emancipada, uma vez que deve sim existir uma obrigação política
175
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
vertical (dos cidadãos para o Estado) e uma obrigação política
horizontal (entre os cidadãos). Prevalecendo nessa última, a ideia
de igualdade, de autonomia e de solidariedade.
Nesse sentido, Demo (1991, p. 16) corrobora dizendo que
“[...] cidadania nunca se esgota na dimensão político-participativa,
porque, como todo fenômeno emancipatório, é constituído de um
lado econômico-produtivo, e de outro participativo.” De acordo
com o autor, a cidadania emancipada refere-se à capacidade do
próprio indivíduo promover o seu desenvolvimento.
Para Demo (2000b citada por GUIMARÃES-IOSIF 2007,
p. 100), o cidadão emancipado pode ser visto como:
[...] aquele que não chega ao mercado
suplicando assistência, mas pretendendo seus
direitos; sabe, de um lado, que no capitalismo
o mercado acaba sempre se sobrepondo aos
direitos, mas sabe também que não pode
aceitar isso sem mais. Esta condição de
não-aceitação não pode ser limitar apenas
no simples ato de reclamar ou denunciar,
mas buscar alterar a situação por meio da
organização coletiva [...]
Faz-se necessário também, conceituar cidadania no âmbito
organizacional, o que contribuirá para a sua compreensão nas
Instituições de Ensino Superior, uma vez que podemos considerálas como uma organização, ou seja, uma entidade prestadora de
serviços que se organiza administrativamente para atingir seu
objetivo maior que é proporcionar uma educação de qualidade a
seus alunos, como retrata Rego (2000).
Para Rego (2000), o comportamento cidadão em qualquer
organização se dá através de atitudes e iniciativas na condução de
tarefas, que no caso docente, pode ser, por exemplo, uma ajuda a
um colega na revisão de um trabalho ou na preparação de uma aula,
176
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
buscar contribuir de alguma forma para a melhoria da instituição,
zelo na preparação de aulas, empatia com os alunos e ética.
Contudo, esse comportamento só é possível se as práticas
institucionais ou as políticas educacionais forem condizentes, ou
seja, para Rego (2001), o que ele chama de justiça organizacional
é fundamental para a promoção da cidadania docente. Quanto
maior a percepção dos professores de que estão sendo tratados com
justiça, maior será a cidadania docente.
Freire (2000) destaca que a autonomia é essencial para o
exercício da profissão docente e sua cidadania, pois é primordial
que os professores respeitem a si mesmos e aos discentes na forma
de pensar, de sonhar e até mesmo de deixar as próprias opções de
lado, para atender às opções dos alunos.
Ainda sobre a autonomia, como uma prática de cidadania,
para Freire (1996) não só expressa liberdade, como também
responsabilidade a partir do momento em que o professor deixa de
ter uma atitude de dependência. O grande papel do professor não
está expressamente amarrado no conteúdo programático que tem
que cumprir, mas especialmente no seu testemunho de vida, como
forma principal para a construção de um aprendizado que resgate a
essência do ser humano.
A partir das contribuições dos autores Demo (1991),
Guimarães-Iosif (2007; 2009), Rego (2000; 2001), Santos (1991)
e Freire (1996; 2000), o que se considera importante para garantir
a cidadania docente é: o pleno exercício dos direitos e deveres
políticos e sociais, a atitude emancipatória do indivíduo, ou seja,
sua capacidade de se desenvolver, ter autonomia de ação, primando
pela igualdade e solidariedade, comprometer-se com a Instituição
de Ensino e acima de tudo com a comunidade local.
Portanto, a cidadania docente deve expressar aquele
professor capaz de se desenvolver e ter autonomia dentro e fora
de sala de aula, de forma que contribua eticamente e socialmente
para a formação do aluno enquanto profissional e enquanto pessoa,
sendo portanto, exemplo para todos os envolvidos nesse processo.
177
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Conclusão
A cidadania docente no âmbito da Educação Superior é um
campo de pesquisa extremamente rico e necessário no contexto da
Educação. Este paper procurou abrir caminhos para o início de uma
investigação que em muito poderá contribuir para as estratégias de
gestão das Instituições de Ensino Superior e para a melhoria das
políticas voltadas para a educação superior, que possam contribuir
efetivamente para a cidadania docente.
No contexto histórico, observou-se que o Brasil passou
por várias mudanças nas políticas de Educação Superior, mas que
ainda não foram suficientes para melhorar o quadro educacional
deste país. Por vezes, a universidade foi compreendida de forma
mercadológica, esquecendo-se da importância social da educação,
uma vez que as Instituições de Ensino Superior não se constituem
isoladamente da comunidade. Ao contrário, ela está inserida
na sociedade, promovendo direta ou indiretamente mudanças
significas na vida das pessoas.
A cidadania docente deve levar em consideração o
desenvolvimento do professor, sem se esquecer da autonomia
no exercício da sua profissão. A partir do momento em que a
Educação Superior no Brasil compreender a importância de zelar
pela cidadania docente, será um marco para crescimento não só
econômico, mas também cultural, ideológico, científico e social.
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181
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Políticas educacionais e exclusão: questões
contemporâneas de cidadania dos estudantes com
superdotação em situação de pobreza
Olzeni L. Costa Ribeiro
Magali de Fátima Evangelista Machado
Renato de Oliveira Brito R.
Universidade Católica de Brasília, 2011
Resumo: Este artigo traz como eixo temático discutir a questão
da cidadania voltada para os estudantes com superdotação
oriundos das classes desfavorecidas, os quais enfrentam os efeitos
do preconceito que nega o talento em ambientes adversos. Traz,
ainda, dentre as várias concepções de exclusão, a que se refere
diretamente ao contexto atual da educação, conceito que nasce na
teoria dos conjuntos, e, desde a sua origem, segue impregnado de
uma força perversa que vem há séculos determinando as relações
sociais. A pesquisa objetivou refletir sobre aspectos relacionados às
perspectivas de inclusão desses estudantes, a partir da eliminação
dos mecanismos de exclusão impostos pelas próprias escolas e
corroborados pelas políticas educacionais. Como propósito, buscou
investigar em que medida a rede pública reconhece a existência
de estudantes com essas características, se demonstra estar
preparada para identificá-los, e, enquanto necessidade educativa
especial, verificar se as políticas educacionais, especialmente, no
Distrito Federal, caminham na direção de atendê-los. Discute a
visão equivocada dos professores como obstáculo à identificação
desses estudantes e propõe a urgência em programar políticas
de formação continuada direcionadas para o reconhecimento
dessas características, envolvendo estratégias para a oferta de uma
educação adequada às suas necessidades. O enfoque adotado
atendeu ao estudo de natureza analítico-descritivo, com base em
pressupostos do método survey. Envolveu 44 professores, entre
docentes, gestores e coordenadores, de quatro escolas da rede
183
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
pública de ensino do Distrito Federal, sendo três localizadas em
zonas periféricas e uma em zona central. Os dados evidenciaram a
discrepância entre o tempo de experiência dos professores na área
da educação e o grau de desconhecimento acerca da superdotação
e da oferta de atendimento especializado há mais de três décadas
no DF.
Palavras-chave: Superdotação. Políticas Educacionais. Cidadania.
Educação Especial.
Introdução
O conceito de exclusão empregado pelas ciências sociais
deriva da teoria dos conjuntos, designando junção de elementos
iguais. A relação pertencer ou não, estar incluído ou excluído,
dependerá das características desses elementos. O critério de
inserção nos conjuntos, portanto, caberá à condição de o elemento
possuir características idênticas às dos elementos predominantes.
Assim, desde a sua origem, o termo emerge impregnado da força
perversa que vem há séculos determinando as relações sociais.
Esta referência à concepção geral de exclusão remete ao modelo
de educação que não promove igualdade social. Entende-se, no
entanto, que há outra face, raramente abordada, a qual se refere
ao fenômeno humano que diz respeito aos estudantes com altas
habilidades / superdotação18, especialmente os de baixa renda.
Em 1999, o Ministério da Educação estimava cerca de 1,55
milhão de indivíduos superdotados (BRASIL, 1999). A Organização
Mundial de Saúde já apontava que 5% da população teria algum
18
184
Em face das várias denominações para identificar os indivíduos com
altas habilidades/superdotação, nesse estudo será utilizada a expressão
‘com superdotação’, para se referir a ‘comportamentos de superdotação’
(RENZULLI, 1986), a fim de caracterizar o fenômeno que se refere ao alto
potencial ou potencial superior de aprendizagem, talento acadêmico ou
capacidades acima da média.
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
tipo de alta habilidade. Se considerarmos os quase 56,6 milhões
de alunos, cerca de 11 milhões não goza do direito à educação
apropriada, pois, até 2009, haviam sido identificados somente 5,1
mil (INEP/DEED, 2009). Esses indicadores alertam para uma
necessidade especial não considerada na dimensão necessária. O país
deu saltos em quatro anos, porém, se comparado aos prováveis 11
milhões de superdotados, prediz um longo caminho a percorrer.
A respeito do Distrito Federal, até 2009, alcançou 1.207
alunos atendidos, para 5.186 do total do país. Significa que restam
apenas 3.979 distribuídos nos 26 Estados, dado que corrobora a
constatação de o DF se destacar nessa área. A oferta de atendimento
especializado na rede pública se iniciou em 1976 e, até 2010, havia
15 unidades, em escolas que disponibilizam espaço para este
atendimento, em salas de recursos. Embora se considere uma
iniciativa importante, há muito que avançar se levado em conta o
contingente atual de mais de 500 mil alunos.
Todo esse contexto introduz uma questão crítica na esfera
educacional: a ineficácia das políticas educacionais nas questões da
equidade e sucesso escolar dos alunos com superdotação, e, junto a
essa característica pessoal, a característica social e cultural de serem
oriundos das classes desfavorecidas.
Para consubstanciar a discussão, realizou-se uma pesquisa
de cunho qualiquanti, aplicando-se procedimentos analíticodescritivos a uma amostra que abrangeu 44 profissionais de quatro
escolas públicas do Distrito Federal. Como propósito, investigouse em que medida a rede pública reconhece estudantes com essas
características e demonstra estar preparada para identificá-los.
Para atingir o objetivo, partiu-se da seguinte questão: qual a real
importância dada à inclusão dos estudantes com superdotação das
classes desfavorecidas, a fim de garantir seu direito à cidadania?
No tocante ao direito à educação, observa-se que não tem
sido prioridade. Para determinados países, ainda prevalece a ideia de
que a matrícula seja suficiente para manifestar o cumprimento do
que compete às políticas educacionais. Entretanto, desconsiderar
185
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
condições sociais e econômicas dos estudantes pobres, dentre
outros aspectos, são elementos que denunciam um direito não
assegurado em sua totalidade (GUIMARAES-IOSIF, 2009).
O desafio se intensifica quando o Programa de Avaliação
Internacional de Estudantes (Pisa) revela que estudantes brasileiros
de baixo desempenho não alcançaram os 10 pontos mínimos
exigidos pela OCDE. Em contrapartida, os números relevantes para
esse estudo estão entre os 10% mais bem avaliados e que elevaram
os índices positivos a 30 pontos. Entre os 25% de estudantes de
melhor desempenho, o avanço alcançou 22 pontos, dado que
revela evolução positiva de 16 pontos da média do Brasil atribuída
ao desempenho dos estudantes acima da média.
Estudantes com superdotação: desafios para as políticas
educacionais
Entre os pesquisadores que definem a superdotação,
destaca-se Renzulli (1986), atualmente, uma das concepções de
melhor fundamentação científica, a qual enfatiza comportamentos
de superdotação em vez de indivíduos superdotados. Tais
comportamentos consistem numa interação entre três dimensões
das características humanas: capacidades acima da média,
envolvimento na tarefa e criatividade. Os indivíduos capazes de
desenvolver comportamentos de superdotação são aqueles que
alcançam a intersecção dessa tríade, ao mesmo tempo em que
aplicam-na a um determinado campo de desempenho humano.
Por se tratar de uma área relativamente recente no
Brasil, as poucas iniciativas para atender os estudantes carecem
de investimentos e recursos governamentais, além da dedicação
de pesquisadores que disseminem conhecimentos pertinentes a
esse construto. A flagrante deficiência de políticas educacionais
destinadas à área incorre no risco de que as poucas iniciativas
não prosperem, provocando um empobrecimento no processo
educacional, segundo Virgolim (2007).
186
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Quanto à visibilidade que alcançam, Moura Castro (2008)
remete ao conceito de países vencedores como aqueles que
valorizam “os cérebros bem lapidados” enquanto riqueza mais
preciosa. Nessa direção, as escolas brasileiras são comparadas a uma
empresa cuja especialidade é receber cristais para lapidar, porém, ao
se deparar com diamante em meio aos cristais, joga-o fora por não
saber lapidá-lo. Estudantes com superdotação oriundos das classes
sociais desfavorecidas são esses cristais a lapidar não reconhecidos
pelos sistemas educacionais. Dessa forma, terminam por ser
impedidos de manifestar seu potencial, tornando-se “diamantes
descartados”, excluídos da oportunidade de serem lapidados.
Refere-se aqui, ao conceito de exclusão formulado
por Escorel (1999), que remete à situação do estudante com
superdotação. Sua concepção de exclusão expõe
processos de vulnerabilidade, fragilização
ou precariedade e até ruptura dos vínculos
sociais em cinco dimensões da existência
humana em sociedade: ocupacionais e de
rendimentos; familiares e sociais proximais;
políticas ou de cidadania; culturais; e, no
mundo da vida onde se inserem os aspectos
relacionados com a saúde (Ibid., p. 75).
Explica-se, transpondo as palavras de Escorel (1999), que o
talento ignorado pode se tornar grave problema pessoal ou social,
fazendo com que crianças e jovens de baixa renda, não sendo
reconhecidos pelo sistema educacional, sejam por ele excluídos,
levando-os a romper vínculos imprescindíveis ao seu processo
de desenvolvimento humano. Dimenstein (2006) corrobora a
autora, quando aponta a criminalidade como o “resultado perverso
da inteligência”. Na visão desse autor, o mau uso das habilidades
superiores de jovens que são cooptados pelo crime, incorre em
grande risco para a sociedade e para o próprio jovem, atuando
negativamente no mundo da vida.
187
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Nesse contexto, cabe à Educação Especial o dever de
promover os recursos necessários à realização plena do potencial
humano e de sua cidadania (HALLAHAN; KAUFFMAN, 1994).
Numa concepção mais ampla, Vega (1993) afirma que o próprio
termo ‘educação’ já implica ser especial, no sentido de que deveria
responder às características e necessidades educacionais de cada
indivíduo, em particular. Sendo assim, ser especial atribui à
educação a responsabilidade de atuar de forma individualizada,
respondendo às necessidades de todos e de cada estudante.
Metodologia
A pesquisa apresenta um estudo de natureza analíticodescritivo, numa abordagem qualitativa, embora a análise partisse
de um conjunto de dados percentuais analisados sob o enfoque
quantitativo. Traz uma base bibliográfica, na medida em que
também se utilizou do conhecimento disponível na literatura, a fim
de ampliar as possibilidades de reflexão e explicação do problema
(KÖCHE, 2003).
Sobre o tipo de estudo, atende ao pensamento de Gil (1991),
que orienta o uso do conceito ‘analítico’, quando se pretende avaliar
informações disponíveis na tentativa de esclarecer o contexto de
ocorrência de um fenômeno, no caso, a ineficiência das políticas
educacionais em relação aos estudantes com superdotação. O termo
‘descritivo’, por sua vez, é usado quando se pretende descrever
características ou relações existentes em um fenômeno investigado,
a fim de motivar opiniões ou projeções futuras, a partir das
respostas obtidas. Compõe o processo descritivo o levantamento
do tipo survey, cuja intenção foi originar informações sobre práticas
ou opiniões atuais de uma população específica (KERLINGER,
1980), neste caso, de professores da rede pública do DF.
188
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Assim, optou-se pelo método survey, definido em Saccol
e Freitas (2010), como um meio de captar informações referentes
à determinada população, no caso, estudantes com superdotação
de baixa renda. Dentre as características do método, destacase o propósito de produzir descrições quantitativas referentes a
aspectos da população estudada, tendo como principal meio de
recolha dos dados, o uso de perguntas pré-definidas e estruturadas,
geralmente coletadas sobre uma parte desta população. Em suma,
a survey realizada neste estudo é de caráter exploratório e analíticodescritivo.
Quanto ao processo de amostragem, caracteriza-se como
não probalístico, uma vez que os sujeitos foram escolhidos
conforme a oportunidade, e, de conveniência, ou seja, distribuiu-se
o questionário entre os professores que se dispuseram a participar
da pesquisa.
Participantes e coleta de dados
Aplicou-se um questionário contendo 11 perguntas,
sendo quatro de identificação do perfil da amostra. Alcançou um
universo de 44 professores, os quais desempenham funções de
docência, gestão e coordenação pedagógica. Foram distribuídos
100 questionários, em quatro escolas, sendo um Centro de Ensino
Médio, na zona central; uma escola de Educação Infantil e Anos
Iniciais (Sobradinho); uma escola de Anos Finais (Sobradinho)
e uma escola de Anos Iniciais e Finais (Planaltina). O critério de
escolha da amostra consistiu em diversificar as etapas de ensino,
regiões e áreas de atuação dos professores, na tentativa de apreender
diferentes visões.
189
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Resultados e Discussão
Foram utilizados números percentuais e gráficos, porém,
nem todos os gráficos foram expostos, embora seus resultados
tenham sido discutidos. Quanto à idade (Gráfico 1), somando-se
os percentuais, constatou-se que 70% encontram-se na faixa etária
a partir de 36 e acima de 45 anos, sendo expressivo o número de
professores acima de 45 anos.
Gráfico 1: faixa etária dos participantes (Questão 1)
Q u a l a lte rn a ltiv a id e n tific a s u a fa ix a
e tá ria ?
34%
7%
23%
M enos de 25 anos
26 a 35 anos
36 a 45 anos
36%
A c im a d e 4 5 a n o s
No Gráfico 2, verifica-se que 84% dos professores trabalham
há mais de 10 e mais de 20 anos, enquanto um número reduzido
apontou ter menos de cinco. Comparados os dois gráficos e
considerados como medida de experiência, um número importante
de professores, supostamente, aparece como experiente na área da
educação, tanto pela idade quanto pelo tempo de serviço.
190
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Gráfico 2: tempo de serviço dos participantes (Questão 2)
H á q u a n to te m p o v o c ê a tu a c o m o
p ro fe s s o r?
7%
39%
9%
M enos de 5 anos
E n t re 6 e 1 0 a n o s
M a is d e 1 0 a n o s
45%
M a is d e 2 0 a n o s
Com relação às questões de cinco a onze, observou-se
que o DF, mesmo considerado referência na área, necessita dar
grandes passos, conforme discussão a seguir. No Gráfico 3, nota-se
que 55% já participaram de atividades sobre o tema e 45% nunca
participaram ou ‘não fez diferença’.
Gráfico 3: acesso ao conhecimento sobre a área (Questão 5)
Em su a o p in iã o , a S u p e rd o ta çã o
e stá a sso cia d a a :
5%
21%
29%
Comportamento de opos iç ão a
regras e a autoridade.
0%
5%
A o meio s oc ial, ec onômic o e
c ultural de onde a c rianç a
prov ém: dev e s er ric o em
es tímulos .
É um f enômeno ex tremamente
raro. São pouc os os alunos que
podem s er c ons iderados
s uperdotados .
A o ex c elente rendimento na
es c ola.
12%
28%
Hiperativ idade ou TDA H
Capac idade intelec tual.
191
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Avalia-se, portanto, que houve discrepância entre tempo
de atuação e acesso à formação sobre a área. A comparação entre
tempo de serviço (Gráfico 2) e oferta do atendimento no DF (33
anos), relação que poderia denotar expertise na área, não parece
condizente com o grau de acesso/participação dos profissionais nas
discussões acerca da superdotação.
O Gráfico 4, por sua vez, apontou relação direta com a
questão anterior e percebeu-se convergência entre os percentuais
de ambas.
Gráficos 4: identificação de estudantes (Questões 6)
V o cê te m o u te ve a lg u m a lu n o co m A lta s
H a b ilid a d e s/S u p e rd o ta çã o e m su a sa la d e a u la ?
16%
5%
S im
26%
53%
P ro va ve lm e n te S im
P ro va ve lm e n te n ã o
D e fin itiva m e n te n ã o
Vê-se que 53% já identificaram estudantes para atendimento,
enquanto 55% informaram ter participado de momentos de
formação. Desconsiderando a ínfima diferença entre os percentuais,
denota coerência entre as respostas. A respeito disso, evidenciou
para os pesquisadores, uma correlação significativa entre acesso à
informação e o respeito às necessidades dos estudantes, visando o
direito à cidadania.
192
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
No Gráfico 5, destaca-se a questão nove, em que os
dados empíricos confirmam o que as pesquisas na área apontam
recorrentemente: a extensão do desconhecimento acerca da
superdotação. Para 21%, a superdotação condiciona-se ao meio,
e, em consequência, 28% consideram o fenômeno ‘extremamente
raro’. São dois mitos que favorecem a exclusão de inúmeros alunos
que deixam de ser beneficiados pelos programas especializados.
Gráfico 5: concepções/mitos/crenças dos professores sobre o
fenômeno (Questão 9)
V o cê já p a rticip o u d e a lg u m e ve n to , cu rso , p a le stra o u
a tivid a d e d e fo rm a çã o co n tin u a d a q u e tra ta sse d o te m a
A lta s H a b ilid a d e s/S u p e rd o ta çã o ?
5%
S im
40%
Não
55%
P a rticip e i, m a s n ã o fe z
d ife re n ça
Mais uma vez verificou-se convergência entre respostas:
49% não acreditam na existência da superdotação em classes
desfavorecidas econômica, social e culturalmente, aproximando-se
dos 45% de professores que nunca tiveram acesso à informação,
dos 47% que desconhecem a existência desse fenômeno, e, dos
37% que ignoram a existência de atendimento especializado no DF.
O resultado revelou mitos e crenças que rotulam e discriminam
indivíduos identificados, os quais, no imaginário popular, se
priorizados, passariam por privilegiados pelas políticas educacionais
(PÉREZ, 2003).
193
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Curiosamente, encontrou-se um paradoxo na questão 10
(Gráfico 6), quando 90% reconhecem a superdotação como “um
direito desse aluno, por se tratar de necessidade educacional especial
prevista na legislação”, e os outros 10% se dividem igualmente,
alegando que “não deveria existir, já que todos nós possuímos
talentos” e trata-se de “um serviço que deve receber somente
alunos que tem alto desempenho em testes de QI”.
Gráfico 6: Visão sobre a oferta de atendimento especial (Questão 10)
O a t e n d im e n t o e s p e c ia l
a o s u p e rd o ta d o é :
Um d ir e ito d e s s e a lu n o , p o r s e
tr a ta r d e n e c e s s id a d e
e d u c a c io n a l e s p e c ia l p r e v is ta
n a le g is la ç ã o .
5%
5%
0%
Uma p r á tic a e litis ta q u e r e f o r ç a
a d if e r e n ç a e n tr e o s a lu n o s ,
a tr a p a lh a n d o s e u
d e s e n v o lv ime n to .
0%
A lg o d e s n e c e s s á r io , p o is e le
já te m c a p a c id a d e s u p e r io r a o s
d e ma is c o le g a s .
90%
Nã o d e v e r ia e x is tir , já q u e to d o s
n ó s p o s s u ímo s ta le n to s .
Um s e r v iç o q u e d e v e r e c e b e r
s o me n te a lu n o s q u e te m a lto
d e s e mp e n h o e m te s te s d e Q I.
Enquanto o primeiro denota amplo reconhecimento de
um direito institucionalizado, o segundo, o descaracteriza, ora
banalizando, ora exaltando-o de forma discriminatória. Outro
aspecto paradoxal é a possibilidade de se ler esse dado, na perspectiva
de significar que 90% dos professores tem conhecimento da área, o
que, diante dos dados de questões anteriores e da literatura, poderia
incorrer num equívoco de análise.
194
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Considerações finais
Diante de um potencial de talento ignorado pelos sistemas
de ensino e do flagrante descaso das políticas educacionais em
demandar esforços no sentido de identificá-los e oferecer educação
adequada, os dados da questão 10 instigam a associar a percepção do
grupo pesquisado a uma suposta postura de omissão. Se comparada
a realidade vigente e essa ampla defesa da necessidade desses alunos
como um direito, sugere-se que pode haver uma transmissão
deliberada de responsabilidade por parte da escola.
Tal percepção remete a uma nova problemática, cuja
reflexão passa pela criação da cultura democrática apontada por
Castilho (2002). A questão é: as escolas estão, de fato, conscientes
do que vem a se constituir um direito do aluno, quando atribuem
esse encargo restritamente à legislação?
Os dados revelaram a urgência na organização de programas
de formação para capacitar professores e gestores na compreensão
de que, mais que tornar um direito institucionalizado, é necessário
incorporar a responsabilidade, individual e coletivamente, de tornar
a inclusão um princípio. O desafio posto é, sobretudo, alcançar o
entendimento de que a lei delibera e institui a obrigatoriedade,
mas não diz o que nem como fazer. Esse encargo caberá à escola,
como habitat dos problemas e soluções, e, aos gestores dos sistemas,
como propiciadores das condições para que esses problemas sejam
solucionados.
Embora o DF se destaque como pioneiro na oferta de
atendimento, nota-se que em escolas que compõem o seu sistema
de ensino, ainda prevalece a visão equivocada sobre a superdotação.
Desde concebê-la como um fenômeno raro, e, por isso, é suficiente
estar restrito à formulação de leis, até o desconhecimento da
existência de um atendimento especializado, no próprio locus
institucional.
195
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
O aspecto que mais se destacou na pesquisa foi a relação
entre o tempo de experiência dos professores pesquisados, o
período de vigência do atendimento existente no DF e a ineficiência
desses professores em identificar, entre seus alunos, aqueles que
apresentam capacidades acima da média, além de desconhecer os
meios para encaminhá-los.
Diante dos resultados do estudo, responde-se à questão
que o instigou, sinalizando que a rede pública parece desconhecer
a existência da superdotação e, de acordo com o posicionamento
dos sujeitos pesquisados, demonstrou que as escolas não estão
devidamente preparadas para identificá-los e encaminhá-los.
Reconhecem a necessidade como especial, enquanto direito
institucionalizado, porém, enquanto ação educativa não foi
incorporada.
No que diz respeito aos objetivos, a visão apreendida dos
resultados é de que se tornará cada vez mais difícil os movimentos
sociais se levantarem na defesa dos direitos desses estudantes,
já que a própria escola não incorporou a causa como dimensão
importante para o desenvolvimento destes. Assim, considera-se
uma distância expressiva na direção da garantia dos direitos dos
superdotados, especialmente das classes desfavorecidas, na medida
em que prevalece o preconceito em relação ao diferencial que
apresentam.
Acredita-se que, à medida que os professores os
reconhecerem com necessidades educacionais especiais e
desmitificarem seus conceitos referentes às altas habilidades, se
ampliarão as possibilidades de esses alunos terem seus direitos
educacionais pelo menos acolhidos. Nesse sentido, considera-se
que a discussão versada nesta pesquisa pode contribuir para essa
questão, na perspectiva de vislumbrar a inclusão educacional dos
estudantes com superdotação.
196
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
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199
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Os desafios da Educação Profissional Brasileira na
promoção da cidadania
Kátia Christina Soares de Morais Corrêa
Universidade Católica de Brasília
Resumo: O texto deste artigo, parte integrante do meu projeto
de pesquisa de dissertação de mestrado, em fase inicial, constitui
uma tentativa de resgate e reconstrução de propostas e iniciativas
de qualificação profissional. Programas e projetos promovidos
por instituições públicas e privadas são os principais promotores
dessas iniciativas. Partindo de um breve resgate histórico, o texto
aborda aspectos da Educação de um modo geral, com enfoque na
Educação Profissional no Brasil. Temas relacionados à história
dessa modalidade de ensino, além de um breve parâmetro do que
é, e do que foi a Educação Profissional, no país, tendo como tema
principal, a promoção da cidadania como forma de inclusão social,
por meio do Programa Senac de Gratuidade (PSG), que oferece
cursos gratuitos de qualificação profissional para pessoas de baixa
renda. Cita ainda, algumas políticas públicas apresentadas por meio
de programas de formação profissional, voltadas para a promoção
da cidadania e inclusão social, e ainda, relacionando Educação,
Trabalho e Cidadania. O presente artigo está dividido em três
partes. A primeira apresenta um breve relato sobre a Educação
dentro da perspectiva da formação para o trabalho no país, dentro
do contexto histórico brasileiro. A segunda parte apresenta a relação
entre educação, trabalho e cidadania e as perspectivas de promoção
da cidadania por meio de programas de inclusão social, com
enfoque nas políticas públicas de educação profissional, voltadas
para a formação para o trabalho e inserção no mercado de trabalho.
E a última parte apresenta o Programa Senac de Gratuidade que,
dentro da perspectiva de política pública, tem como principal desafio
a promoção da cidadania por meio da formação para o trabalho,
e, a inclusão social de indivíduos excluídos socialmente. Diante
201
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
das análises apresentadas, percebe-se que os resultados ainda são
incipientes e ineficazes na solução do problema ora apresentado.
Palavras-chave: Políticas de Educação Profissional. Cidadania.
Inclusão social.
Introdução
No decorrer das últimas décadas observou-se que a
questão da qualificação profissional – entendida como requisito
para empregabilidade – vem se destacando como desafio a ser
enfrentado por pessoas que serão inseridas no mercado de trabalho.
Nesse caso, a escola como formadora de cidadãos ganha destaque
no enfrentamento do desafio de promover a mudança do indivíduo
e auxiliá-lo na sua inclusão social.
Nesse contexto, o papel da educação é revalorizado, dentro
de um contexto semelhante ao ocorrido nas décadas passadas,
quando era associada ao crescimento econômico e à inclusão
social dos indivíduos. A educação passa então a desempenhar esse
novo papel, de participante na promoção do desenvolvimento
econômico e de aumentar as chances individuais de inserção no
mercado de trabalho e ainda, numa perspectiva de promoção da
cidadania, promover a inclusão social de pessoas sem qualificação
profissional.
Nesse sentido, o presente artigo, parte integrante da revisão
de literatura do projeto de pesquisa de mestrado, em fase inicial,
analisa a proposta de promoção da cidadania e da inclusão social do
meio do Programa Senac de Gratuidade (PSG) criado pelo Decreto
n. 6633 (BRASIL, 2008).
O texto está dividido em três partes. A primeira apresenta
um breve relato sobre a Educação Profissional no contexto da
Educação no Brasil. A segunda parte apresenta a relação entre
educação, trabalho e cidadania e as perspectivas de promoção da
202
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
cidadania por meio de programas de inclusão social, com formação
para o trabalho. E a última parte apresenta o Programa Senac de
Gratuidade como promotor da cidadania e de inclusão social.
Além desses aspectos, o artigo trata ainda da qualificação
profissional como forma de preparar mão-de-obra qualificada
para atender as demandas do mercado de trabalho, bem como de
promover a melhoria da qualidade de vida de pessoas excluídas
socialmente.
A Educação Profissional no Brasil
A educação no Brasil colonial e imperial priorizou a formação
da elite da sociedade para o exercício das atividades políticoburocráticas e das profissões liberais, enquanto a preocupação com
a mão-de-obra não existia por apresentar na época um modelo
agroexplorador, que fundamentava a organização da economia na
produção de produtos primários, predominantemente agrários,
destinados à exportação para as metrópoles (FREITAG, 2007).
As primeiras necessidades de formação de força de trabalho
surgem, na ocasião da transferência da corte portuguesa para o Brasil,
quando D. João VI, em 1808, funda as primeiras escolas técnicas
e academias, para formar os quadros técnicos e administrativos da
corte.
Algumas mudanças começam a ocorrer no início do século
passado, quando em 1930 é criado o Ministério da Educação e
Saúde Pública, sob a responsabilidade de Francisco Campos, que
organizou o ensino secundário em duas etapas: fundamental (5
anos) e complementar (2 anos) (ROMANELLI, 1993). O ciclo
fundamental dava a formação básica geral e o ciclo complementar
oferecia cursos propedêuticos articulados ao curso superior (préjurídico, pré-médico, pré-politécnico).
Em 1934 com a nova Constituição (art.150, a) surgiu a
necessidade de se elaborar um Plano Nacional de Educação que
203
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
coordenasse e supervisionasse as atividades de ensino em todos
os níveis (FREITAG, 2007). Implanta-se a partir daí o ensino
profissionalizante, previsto principalmente para as classes “menos
privilegiadas” (BRASIL, 1934).
A política educacional do Estado Novo, que de certo
modo excluía as classes menos favorecidas do acesso ao sistema
educacional, em função das mudanças ocorridas na infraestrutura
econômica do país, passa a exigir maior qualificação e diversificação
da força de trabalho, e adotar posturas de atendimento aos interesses
e necessidades das empresas privadas.
O crescente desenvolvimento industrial desse período se
complementa com a criação dos cursos do Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial (SENAI), em 1942, e do Serviço Nacional
de Aprendizagem Comercial (SENAC), em 1946, pela iniciativa
privada, tendo como principal objetivo a formação de força de
trabalho para os setores do Comércio e da Indústria.
Esse período caracteriza-se pela luta em torno da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e da Campanha da
Escola Pública. Surge então uma série de protestos encabeçados
por intelectuais, pedagogos e liberais resultando no que ficou
conhecido como “Manifesto dos Educadores”.
Após uma série de debates, em 1961 se estabelece a primeira
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de n. 4024
(BRASIL, 1961), que estrutura o ensino secundário e o ensino
técnico profissional.
Em 1971, é promulgada mais uma Lei que fixa novas
diretrizes para a educação no Brasil, a LDB 5692 (BRASIL,1971),
que trata apenas dos ensinos de 1º e 2º graus, trazendo ainda
inovações para o ensino profissionalizante passando a ser o ensino
de 2º Grau obrigatoriamente profissionalizante, com a proposta de
que os alunos saíssem do 2º grau direto para o mercado de trabalho,
diminuindo a pressão por vagas no ensino superior.
204
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
O aspecto mais discutido dessa nova lei é o da
profissionalização, onde a qualificação para o trabalho é a meta
de um grau de ensino que deveria adquirir nítido sentido de
terminalidade (FREITAG, 2007).
Em 1975, com o Parecer 76 do Conselho Nacional
de Educação (CNE, 1975) tenta-se eliminar o equívoco no
entendimento da Lei 5692 (BRASIL, 1971) de que toda escola
de Ensino Médio (2º grau) deveria tornar-se uma escola técnica
esbarrando na falta de recursos materiais, financeiros e humanos
para tanto.
A proposta da profissionalização no 2º grau foi alterada
pela Lei n. 7044 (BRASIL, 1982), que extinguiu a escola única de
profissionalização obrigatória e separou os trabalhadores intelectuais
dos trabalhadores manuais.
A nova Constituição (BRASIL, 1988) permitiu a
promoção de algumas mudanças necessárias na educação, com
encaminhamento de projetos de vários parlamentares ao Congresso,
seguido de longos debates e pressões de alguns segmentos da
sociedade, tendo enfim, em 1996, a nova Lei de Diretrizes e Bases
da Educação (BRASIL, 1996) que teve como base o projeto do
Senador Darcy Ribeiro.
A educação profissional no Brasil passa, então, a ser oferecida
por instituições públicas e privadas, pelo Sistema “S”19, por escolas
mantidas por sindicatos de trabalhadores e por organizações não
governamentais de cunho religioso, comunitário e educacional,
entre outras.
19
Sistema formado por organizações criadas pelos setores produtivos - indústria,
comércio, agricultura, transportes e cooperativas - com a finalidade de qualificar
e promover o bem-estar social de seus trabalhadores (SENAC, 2008).
205
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Educação, Trabalho e Cidadania
Em toda a análise do histórico da Educação Profissional
no Brasil, pode-se perceber que alguns temas são reincidentes, e é
por eles que se começa a análise daqueles que permeiam o presente
artigo: Educação, Trabalho e Cidadania.
Iniciaremos então pela Constituição Federal (BRASIL,
1988), que define as responsabilidades e finalidades da Educação
no âmbito federal, prevê que:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever
do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,
seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho.
Complementando o art. 205 da Constituição Federal vem
a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que em seus Artigos 2º
e 3º (BRASIL,1996), traduz os objetivos, os direitos e os deveres
relacionados à educação, no Brasil,
Art. 2o A educação, dever da família e do
Estado, inspirada nos princípios de liberdade
e nos ideais de solidariedade humana, tem
por finalidade o pleno desenvolvimento do
educando, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 3o O ensino será ministrado com base
nos seguintes princípios:
I – igualdade de condições para o acesso e
permanência na escola;
206
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar
e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o
saber; [...]
XI – vinculação entre a educação escolar, o
trabalho e as práticas sociais.
Dentro de uma perspectiva legal, com base na Constituição
Federal (BRASIL, 1988) e a LDB (BRASIL, 1996), educar para uma
cidadania plena, em que cada indivíduo possa ser livre e agente
participativo da construção de um mundo mais igual, parece ser
utópico.
Cabe destacar na legislação citada o caráter da educação
relacionada aos princípios de igualdade de condições, de liberdade de
aprender, e da vinculação desses princípios e condições à educação,
ao trabalho e às práticas sociais, visando o pleno desenvolvimento
da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania, o que faz com
que a escola, como promotora da educação, tenha um papel de
destaque na formação de um cidadão consciente de sua importância
na construção de uma sociedade justa e igualitária.
O Brasil está longe de sustentar o discurso de sociedade
justa e igualitária, com igualdade e oportunidade para todos. E essa
promoção da igualdade passa, ainda, pelo processo de promover
mudanças e repensar a educação como um processo emancipatório.
Esse processo passa pela oferta de uma escola gratuita, de qualidade,
que promova uma transformação do cidadão e permita uma
qualificação necessária para o trabalho.
Segundo Guimarães-Iosif (2009), o cidadão que teve a
oportunidade de freqüentar uma escola pública de qualidade sabe
pensar criticamente, expressar-se, organizar-se e reivindicar seus
direitos.
Mas realmente o que é essa cidadania promotora de uma
sociedade justa e igualitária? Segundo Demo (1995) a cidadania “é
a raiz dos direitos humanos, pois estes somente medram onde a
sociedade se faz sujeito histórico capaz de discernir e efetivar seu
207
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
projeto de desenvolvimento”. Dentro desse projeto cabe destaque
ainda à relação da cidadania à preservação dos direitos e deveres do
homem e ainda do poder organizar-se livremente (GUIMARÃESIOSIF, 2009).
No entanto, a relação com o preparo para o trabalho como
forma de garantia de direitos e de prática democrática é destaque
dentro de um processo de mudança social promovido pela
educação.
Segundo Frigotto (2005), a concepção de trabalho não pode
ser reduzida meramente ao conceito de emprego, que trata de uma
ocupação formal de posto de trabalho no mercado. Trata-se antes
de uma atividade de produção que permeia todas as dimensões da
vida humana. O trabalho como princípio educativo deriva do fato
de que todos os seres humanos têm a necessidade de alimentarse, proteger-se e criar seus meios de vida. Ressalta-se ainda que é
fundamental socializar, desde a infância, o princípio de que a tarefa
de prover a subsistência pelo trabalho, é comum a todos os seres
humanos, evitando-se criar indivíduos ou grupos que exploram e
vivem do trabalho dos outros.
Nesse sentido, o governo e a sociedade civil têm buscado
a promoção da cidadania preservando o maior dos direitos do
cidadão, o direito à educação.
Muitas questões relativas à conquista da cidadania se fazem
presentes: pode a conquista da escolaridade garantir a cidadania,
num país que não garante ao indivíduo o direito ao trabalho?
Pode essa qualificação garantir-lhe emprego, sendo este um dos
parâmetros fundamentais para tornar-se cidadão? Como pode ser
percebida a importância do aprendizado e do desenvolvimento
de competências e habilidades na escola, no desenvolvimento das
atividades laborais pelo trabalhador? A realidade social brasileira
não compromete o projeto de cidadania?
208
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Segundo Frigotto (2005 citado por BATISTA, 2007), o
tratamento a ser dado à educação profissional, seria reconstruí-la
como política pública e corrigir distorções de conceitos e de práticas
decorrentes de medidas adotadas anteriormente, que dissociou
educação profissional da educação básica, aligeirando a formação
técnica em módulos dissociados e estanques, dando um cunho de
treinamento superficial à formação profissional de jovens e adultos,
preparando então o indivíduo para o exercício da cidadania com
sua inserção no mercado de trabalho.
O Programa Senac de Gratuidade e a promoção da
Cidadania
Desde a publicação da Nova LDB (BRASIL, 1996), período
em que pode-se perceber as transformações no mundo produtivo e
os novos perfis de trabalho, a educação adquire um novo conceito
e o trabalho passa a ser integrante da relação entre educação geral
e a conservação do conhecimento. A partir daí, a relação educação,
trabalho e cidadania passa a aparecer mais enfaticamente. Políticas
públicas voltadas para a formação do trabalhador e, principalmente
do cidadão, surgem desde esse período, no entanto, têm sido
incipientes na solução de problemas relacionados à formação para
o trabalho.
Surge, nesse período, uma série de programas sob o
discurso da necessidade de se promover a garantia de educação para
todos. Essa garantia esbarra em dificuldades, principalmente a falta
de financiamento, que acaba por encontrar nas parcerias com os
órgãos internacionais, a solução paliativa para financiar a educação
no país.
A política de educação profissional passa a ser processada,
desde o seu surgimento, por meio de programas focais e
contingentes, a exemplo do Programa Escola de Fábrica, do
Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio
209
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA) e
do Programa de Inclusão de Jovens (PROJOVEM). Na análise
desses programas cabe destaque a dois pressupostos: a mudança da
materialidade estrutural da sociedade brasileira, em que o campo
educacional é apenas uma particularidade, move-se de forma lenta,
como expressão da natureza das relações de poder das classes sociais
e; a luta por mudanças mais profundas, como consequência, efetivase numa travessia marcada por intensos conflitos e no terreno da
contradição (FRIGOTTO, 2005).
Dentro dessas mesmas perspectivas, surge o Programa Senac
de Gratuidade (PSG), um programa integrante das novas políticas
educacionais propostas pelo Ministério da Educação (MEC), e que
se encontra em processo de construção e implementação.
O Programa surgiu como resultado de uma série de
debates e de um protocolo firmado entre a Confederação Nacional
do Comércio (CNC), o Serviço Nacional de Aprendizagem
Comercial (SENAC) e o Governo Federal, mais tarde ratificado
pelo Decreto 6633, de 5 de novembro de 2008, que altera e acresce
dispositivos ao Regulamento do SENAC, aprovado pelo Decreto
no 61.843 (BRASIL, 1967) garantindo a promoção da cidadania
por meio da
oferta de vagas gratuitas em aprendizagem,
formação inicial e continuada e em educação
profissional técnica de nível médio, a pessoas
de baixa renda, na condição de alunos
matriculados ou egressos da educação
básica, e a trabalhadores, empregados
ou desempregados, tendo prioridade no
atendimento aqueles que satisfizerem as
condições de aluno e de trabalhador [...]
(BRASIL, 2008).
210
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
O PSG surge no Senac, dentro um contexto socioeconômico
em que ocorre uma crise de falta de preparação de pessoas
qualificadas para o enfrentamento das mudanças do mercado de
trabalho cada vez mais exigente. Aliada a essa situação, o governo
federal viu no Sistema “S” a perspectiva de cumprir promessas
ofertando mais vagas em cursos de formação para o trabalho, sem
que isso representasse custos adicionais, nesse caso utilizando-se de
aberturas legais que permitissem a destinação de recursos oriundos
de tributos federais, recolhidos mesmo que indiretamente dos
cofres públicos, para desenvolver suas ações.
Como forma de garantir que as pessoas atendidas pelo
programa tivessem os mesmos direitos das outras pessoas que
custeassem seus próprios estudos, o governo federal definiu que
seria necessária a realização de “estudos, pesquisas e experiências
por meio de unidades operacionais, para fundamentação das
atividades do SENAC” (BRASIL, 2008), além de determinar que
fossem definidos critérios para o acompanhamento e avaliação das
ações do Programa.
Um aspecto que cabe ressaltar é o perfil dos ingressantes no
Programa. Como são pessoas de baixa renda, algumas características
físicas, posturas no comportamento, na fala, na escrita dentre outras
são ressaltadas no momento de encaminhamento para empresas
para inserção no mercado de trabalho. Aliadas a essas, tem-se o
desenvolvimento de competências eminentemente técnicas, que
são requeridas pelo mundo do trabalho e carecem das competências
básicas desenvolvidas durante a Educação Básica. Tais competências
devem ser resgatadas a todo momento na tentativa de que o preparo
dessas pessoas permita a inserção e a permanência delas no mercado
de trabalho, oportunizando a promoção da cidadania e a mudança
de suas vidas e a de seus familiares.
O programa teve início em 2009 e já promoveu a formação
de várias pessoas dentro do perfil delineado pelo governo no
Decreto de criação. No entanto, um estudo aprofundado que
aponte resultados concretos sobre a eficácia das suas ações ainda
211
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
não ocorreu, pois o número de jovens e adultos que concluíram
sua qualificação, ainda é incipiente para uma análise conclusiva.
Conclusão
No quadro apresentado, em vários momentos da história
da educação no país, pôde-se observar como a educação dessa
modalidade de ensino no Brasil, em vários momentos, oscilou entre
educação para a classe proletária e educação para a classe média,
relegando sempre às classes menos favorecidas a obrigação de se
qualificar para o trabalho e prover as empresas com mão-de-obra
barata. Vê-se então que ainda tem-se muito a fazer para promover
as mudanças necessárias para a solução desses problemas.
Dentro da análise de vários programas nacionais de
qualificação de pessoas para o mercado de trabalho, que tem
como público-alvo, trabalhadores ou desempregados, egressos
ou estudantes da educação básica e de baixa renda, ao PSG coube
destaque por ter em sua essência a promoção da cidadania, por
meio da qualificação profissional e da inserção social e no mercado
de trabalho dos cidadãos egressos desse Programa, segundo suas
diretrizes (SENAC, 2009).
Conclui-se, então, que legislações e políticas públicas
apresentadas ao longo da história do país não foram suficientes para
possibilitar o encontro de uma solução definitiva, ou senão, mais
duradoura, para o problema constante da falta de qualificação para
o trabalho, encontrada na sociedade produtiva no Brasil, muito
menos dentro da perspectiva de formação de cidadãos e de inclusão
social.
O trabalho então deve modificar o cidadão e promover
mudanças em sua vida e de sua família, fazendo com que ele se
sinta parte integrante de uma sociedade cada vez mais excludente,
quando se trata de pessoas diferentes ou com características
diferentes das da maioria da população.
212
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Percebe-se, então, que alguns dos programas citados
surgem em momentos de grande crescimento da economia, onde
governo e empresários se deparam com a falta de qualificação, e a
necessidade de atendimento às demandas internas e externas.
O maior desafio no âmbito da construção de políticas
públicas para a promoção da cidadania, passando pela inclusão
social por meio do trabalho, é encontrar um caminho que alie as
necessidades do país às dos empresários e do cenário econômico
do momento, permitindo a promoção da formação de indivíduos
autônomos intelectual e eticamente, capazes de responder e superar
as demandas. Esse desafio é dos governos, da sociedade, mas
principalmente das instituições de ensino, que têm papel relevante
na formação desses indivíduos. Nesse sentido, algumas perguntas
apresentadas no texto ainda permanecerão sem resposta.
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214
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215
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e profissional dos alunos da USP. In: Documento de Trabalho
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216
Eixo 3:
Política e Gestão Educacional para
a Diversidade Étnico-Racial, Sexual,
Social, Cultural e Lingüística
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Construção e desafio de uma identidade negra
positiva a partir de Alberto Melucci
Prof. Dr. Jorge Manoel Adão20
Resumo: O presente trabalho possui como objetivo fazer uma
abordagem sobre os desafios da construção de uma identidade negra
positiva em terras brasileiras, a partir do pensamento do sociólogo
e psicólogo clínico italiano Alberto Melucci. Presentificando a
organização, atuação, reivindicações e conquistas do movimento
negro brasileiro, enquanto movimento social, especificamente,
este texto aborda: o contexto histórico, ideológico e teórico que
fragmentou e estereotipou a identidade dos negros e negras
brasileiros; o conceito e contexto de negritude; e, por fim, o contexto
em que se dá a construção e desafio de uma identidade negra
positiva; enfatizando o conceito e entendimentos meluccianos de
identidade em nossas sociedades hodiernas.
Palavras-chave: Identidade Negra. Negritude. Movimento
Negro. Alberto Melucci.
20
Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS), professor efetivo da Universidade Estadual de Goiás (UEG) e
professor do Instituto de Educação e Ensino Superior de Samambaia - IESA
(DF). E-mail: [email protected].
219
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Introdução
O presente artigo possui como objetivo fazer uma
abordagem da construção e do desafio de uma identidade positiva
dos negros e negras brasileiros a partir de Alberto Melucci –
sociólogo e psicólogo clínico italiano. Das obras de Melucci este
trabalho fundamenta-se, especificamente, em “O jogo do eu. A
mudança de si em uma sociedade global”, de 1992, onde o próprio
autor apresenta a obra afirmando que ele expressa a realidade social
e a experiência individual como pólos de uma relação circular –
pois o observador não é externo ao campo que descreve. E, em
“A invenção do presente. Movimentos sociais nas sociedades
complexas”, de 2001.
De antemão explicito que em nenhum momento desta
abordagem faço uso de “identidade” como conceito filosófico21. E
sim, refiro-me a identidade individual e grupal no entendimento
melucciano, que possui as seguintes características: “[...]
continuidade de um sujeito, além das variações do tempo e das
adaptações ao meio ambiente; delimitação deste sujeito em relação
aos outros; e, capacidade de reconhecer-se e de ser reconhecido”
(MELUCCI, 1992, p. 31).
Com relação ao negro, lembro que a história do Brasil foi
marcada não só por um conflito entre ricos e pobres, mas também
por um conflito sócio-racial entre negros e não negros (FRISOTTI,
1988). Conflito esse que, hodiernamente, continua e adquire novas
roupagens como a xenofobia e a mixofobia.
Embora não seja um tema aqui desenvolvido, lembro que na
abordagem da identidade do negro é mister ter presente a trajetória,
atuação, embates e conquistas realizadas pelo movimento negro
21
220
A “identidade” como conceito filosófico possui três definições fundamentais:
identidade como unidade de substância, entendimento de Aristóteles; identidade
como possibilidade de substituição, definição de Libniz; e, identidade como
convenção, conceituado por Weismann (Abbagnano, 1999, p. 528-529).
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
brasileiro22. Pois foi no seio das entidades e grupos constituintes
desse movimento que seus respectivos militantes sentiram a
necessidade de vivenciar e reivindicar valores que viessem ao
encontro de uma vivência da negritude e à construção de uma
identidade negra positivo.
Entendo também que o negro brasileiro se constitui como
grupo étnico e racial, ao mesmo tempo.
Um grupo étnico se define por um conjunto
de elementos biológico-hereditários e por uma
tradição histórico-cultural: por certos traços
somáticos e raciais, como por uma cultura
e por formas específicas de organização das
relações sociais e por auto-afirmação destas
diferenças (MELUCCI, 2001, p. 109).
E, como grupo racial, faço uso do conceito de “raça” como
uma construção social: no convívio social, esta noção é construída,
mesmo que em nosso contexto brasileiro nós a chamemos de
“cor”. Em outras palavras, defino “raça” como um grupo de
pessoas que, em uma determinada sociedade, é definido como
diferente de outros grupos em razão de certas diferenças físicas,
onde os fenótipos funcionam como uma espécie de matéria-prima
física, que estão calcadas socialmente por meio de crenças, valores
e atitudes (ADÃO, 2002).
Enfim, sou da opinião que a importância do uso do
conceito de raça ao lado de etnia está na análise do racismo23.
É de praxe definir a trajetória do movimento negro brasileiro em três fases
(PINTO, 1993; FERREIRA, 2000; H. SANTOS,2000; NABARRO,2000), que
são as seguintes: Movimento Negro Pré-Abolicionista, até 1888; Movimento
Negro Pós-Abolicionista, de 1888 até a década de 1970; e, Movimento Negro
Atual, da década de 1970 até os dias atuais.
23
Defino racismo a partir de Munanga (2000, p. 21), que traz presentes seus
dois aspectos: o racismo, por um lado, é o discurso doutrinário em forma de
ideias, congelado nos livros, cujo início de sua elaboração aconteceu no final
do século XIX, chamado de racismo científico ou racialismo; e, por outro lado,
o racismo é entendido como uma prática política traduzida em discriminações
concretas.
22
221
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Isto é, só tem sentido o uso do conceito de raça diante da ideia
e realidade do racismo. Assim como entendo que o racismo só
pode ser compreendido por meio de uma análise e abordagem da
sua formação particular em seu contexto histórico e geográfico
diferenciado.
Identidade fragmentada e estereotipada
Desde o entendimento melucciano de identidade como
um sistema de relações e representações e não como uma unidade
monolítica de um sujeito (MELUCCI, 1992), abordo o processo
de fragmentação e estereotipação que historicamente vem sendo
pensado, projetado e concretizado para o negro na diáspora
brasileira. Situação essa que se dá, concomitantemente, a uma práxis
histórica de luta e resistência negras, concretizada na organização
de quilombos e na presença de cultos de matrizes africanas em
nossa sociedade, por exemplo.
Nesse processo de inferiorização da identidade do
negro destaco, em especial, a ideologia do branqueamento, a
mestiçagem, o mito da democracia racial e a criação de estereótipos
raciais. Elementos esses que foram estruturados e balizados no
significado simbólico, social, político, econômico e ideológico
dos trezentos e cinquenta anos de escravidão de africanos e seus
descendentes em terras brasileiras. Creio serem esses os elementos
principais imbricados nessa problemática, mesmo sabendo que
não os esgotam; até porque a identidade possui diversos graus de
complexidade, assim “[...] poderemos falar de muitas identidades
que nos pertencem, aquela pessoal, familiar, social e assim por
diante: aquilo que muda é o sistema de relações da qual nos
referimos e em respeito ao qual, vem o nosso reconhecimento”
(MELUCCI, 1992, p. 36).
A ideologia do branqueamento teve sua origem na teoria da
superioridade da etnia branca sobre as outras, colocando os loiros
222
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
do norte europeu como ideal máximo: foi articulada por Firdrich
Ratzel (1844-1904) e por Gobineau (1816-1922), entre outros. Essa
teoria teve muita aceitação no Brasil, no final do século XIX e nas
primeiras décadas do século XX, encontrando em Oliveira Vianna
(1883-1951) um expressivo divulgador. Desde então, desencadeiase uma trajetória dos estudos sobre o negro brasileiro (final do
século XIX).
Essa trajetória pode ser dividida em três correntes, em nível
de domínio e influência, que são as seguintes: a primeira corrente,
influenciada pela antropologia física racialista, apresentava os negros
como uma categoria racial inferior, podendo até pesar negativamente
sobre o futuro do Brasil, por causa da mestiçagem com os brancos.
Ou seja, a elite intelectual brasileira da época, imbuída de ideias
racistas, acreditava que o processo de mestiçamento entre negros,
índios e brancos resultaria em uma descendência degenerada e,
consequentemente, sem capacidade de assegurar o futuro do Brasil.
Aqui, trazemos como exemplo Nina Rodrigues, médico e cientista
maranhense, que difunde as ideias de Lombroso24 na América do
Sul, na década de 1890. Conforme Silva Jr. (2000, p. 365),
[...] dentre as manifestações de genialidade
do cientista Nina, uma série cômica, se
não tivesse respondido pela tragédia que se
abateu sobre tantas crianças e jovens negros
do início do século: a freniatria, frenologia
e que tais notabilizaram-se na Europa, pela
associação entre determinadas características
ou medidas corporais e delinqüência; daí a
24
Cesare Lombroso (1835-1909), médico, psiquiatra e militante do Partido
Socialista Italiano dos Trabalhadores, é considerado fundador da Antropologia
criminal e um dos precursores da Criminologia, ciência cujo objeto ainda hoje
é alvo de controvérsias. Graças a Lombroso se têm as definições de delinquente
nato e atavismo (herença remota) criminosos e a associação entre fenótipo e
predisposição delituosa. Lombroso, juntamente com Enrico Ferri e Rafael
Garofalo, faz parte da escola italiana do positivismo criminológico (SILVA JR.,
2000, p. 384).
223
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
importância atribuída às medições de estatura,
comprimento da cabeça, do dedo médio,
dos braços, etc., às quais foi acrescentada,
no Brasil, a largura do nariz, certamente
resultante do esforço adaptativo do cientista.
A segunda corrente começa a salientar-se na década de
1930, quando o debate da primeira corrente (que se alternava entre
escritores, médicos, juristas e antropólogos) começa a declinar.
Esta segunda corrente, fortemente influenciada pelo culturalismo,
tem em Gilberto Freyre um de seus grandes representantes. Os
autores desta corrente
[...] viam os negros não somente como
oriundos de uma raça inferior, mas também
como representantes de uma cultura
considerada ao mesmo tempo inferior,
devido à qualçificação pré-lógica tomada do
pensamento de Levy-Bruhl, e, relativamente
positiva, em função das teses culturalistas
(MUNANGA, 2000, p. 13).
É consenso que a ideia da existência de uma democracia
racial no Brasil teve uma grande contribuição de Gilberto Freyre,
em sua obra Casa Grande e Senzala. Isto é, ao transformar a
mestiçagem em um valor positivo e não negativo sob o aspecto da
degenerescência, esse autor, permitiu completar definitivamente
os contornos de uma identidade que há muito vinha sendo
desenhada: Freyre consolida o mito originário da sociedade
brasileira configurada em um triângulo, cujos vértices são as raças
negra, branca e indígena (MUNANGA, 1999c).
Essas duas primeiras correntes coabitaram até a década de 1950,
não se preocupando com a raiz e com a natureza das relações entre
negros e brancos, ou entre brancos e indígenas, tem no trabalho de
seus pensadores uma grande contribuição para o mito da democracia
224
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
racial; e, para projetar o Brasil aos olhos do mundo como o único país
multirracial, onde as populações viveriam em harmonia.
Uma terceira corrente de pensamento surge a partir
de 1950, após a Segunda Guerra Mundial, com uma equipe de
pesquisadores (entre eles, os sociólogos Roger Bastide, Florestan
Fernandes, Oracy Nogueira, Thales de Azevedo, Octavio Ianni
e Fernando Henrique Cardoso); patrocinados pela Unesco, com
um projeto de estudo sobre o sistema de relações harmoniosas.
“[...] com o desenvolvimento desse projeto, descobriu-se, no
entanto, que a mobilidade social ascendente dos negros nesta
sociedade era bloqueada pela existência de preconceitos raciais e
pela discriminação daí advinda” (MUNANGA, 2000, p. 14).
Na década de 1980, o aprofundamento destes estudos
(terceira corrente) vai demonstrar que, independentemente
dos vestígios do passado escravagista, o racismo era produto da
sociedade brasileira contemporânea e repousava sobre outros
antagonismos que não os da sociedade escravagista “[...] E,
observada sob esse Aspecto, a sociedade brasileira contemporânea
era estruturada por dois sistemas dialéticos: as relações de classe e
de raça” (MUNANGA, 2000, p. 14).
Enfim, por um lado, consciente ou inconscientemente,
a sociedade brasileira em sua práxis racista teve e tem presente as
diversas dimensões constitutivas e demarcadoras da identidade,
tanto em nível pessoal quanto em nível grupal. Dimensões essas
em que Melucci (1992, p. 37) as configuras em pólos
A nossa identidade se configura então como
um campo de quatro pólos, como um
sistema de vetores em tensão entre si, que
procuram continuamente um equilíbrio
entre a identificação que nós operamos
e a identificação por parte dos outros, a
diferença como nós a afirmamos e como nós
é reconhecida pelos outros.
225
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
E, por outro lado, como já me referi, não obstante a essa
práxis que fragmentou e negativizou a identidade negra brasileira,
a vivência da negritude e a construção de uma identidade negra
positiva vem sempre mais se tornando realidade para essa parcela
da população de nosso país.
Conceito e contexto de negritude
O termo negro, em nossa realidade, tornou-se um conceito
político que envolve todas as pessoas (negros, mestiços, morenos,
mulatos) com ascendência parcial ou totalmente africana.25 Decorrente
do conceito e expressão negro, temos o conceito de negritude,
enquanto construção de uma identidade racial e étnica negro-brasileira.
Realidade, desafio e também problemática enfrentada, desde seu
surgimento, pelo movimento negro e, ultimamente, também pelos
pesquisadores que se debruçam neste tema.26
A expressão negritude, por um lado, passou a ser usada
na década de 1930, por Léopold Sedar Senghor, do Senegal, e
Aimé Césaire, da Matinica27 em seus textos. Senghor a usava com
indicativo do patrimônio cultural, valores e espírito da civilização
negro-africana. Para Césaire, este termo exprime o reconhecimento
�������������������������������������������������������������������
O historiador Clóvis Moura, após o censo de 1980, fez uma pesquisa
perguntando aos não brancos sobre sua cor. No resultado desta pesquisa foram
levantadas 136 cores (M���������������
UNANGA���������
, 1999���
A��
).
26
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Há também o termo “b������������������������������������������������������
r�����������������������������������������������������
ancura”, enquanto categoria. Este teve sua origem na
segunda metade do século XVII, fruto da transformação social da colonização
da América com ingleses, irlandeses, escoceses e outros europeus. Porém, “[...]
os primeiros colonizadores brancos não tinham um conceito de si mesmos
como homens brancos [...]. A expressão “branco”, com todo seu ônus de culpa
e arrogância, só passou a ser de uso comum no final do século” (C���������
ASHMORE��,
2000, p. 97). Atualmente, mais do que superioridade ou pureza, a brancura
significa privilégio e poder, conferindo vantagens e prestígios.
27
Dois grandes pensadores e batalhadores na luta contra o racismo anti-negro,
referenciais do movimento negro. Léopold Sedar Senghor e Aimé Césaire,
nascidos em 1906 e 1913, respectivamente, foram ambos poetas, escritores,
políticos e companheiros de exílio na Europa.
25
226
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
de um fato, sua aceitação e assunção ativa do destino e cultura dos
negros (FERREIRA, 2000). Por outro lado, enquanto conceito, a
negritude nasce no momento em que estudantes negros dos países
colonizados da África, Antilhas e Guianas, começaram a estudar
nas universidades das antigas metrópoles. Estes estudantes, com
o objetivo de assimilar o modelo cultural ocidental, tido como
o único e o melhor que a humanidade já tinha produzido,
começaram a perceber as contradições e rivalidades existentes
entre as próprias potências coloniais. E, assim, paulatinamente
começam a desfazer-se do mito da superioridade da civilização
ocidental (MUNANGA, 1999a).
Esse dar-se conta desafiou estes estudantes a enfrentar
duas grandes questões interligadas: a recuperação da identidade de
seu povo e a busca de emancipação, traduzidas em independência
política. A conquista desses objetivos foi acompanhada pela
tomada de consciência racial e pelo fato de que a opressão sofrida
não se constituía somente de uma classe minoritária sobre uma
majoritária inferiorizada, porém, simultaneamente, a de uma raça,
independentemente da classe social.
A identidade consiste em assumir plenamente,
com orgulho, a condição de negro, em dizer
de cabeça erguida: sou negro. A palavra
foi despojada de tudo o que carregou no
passado, como desprezo, transformando este
último numa fonte de orgulho para o negro”
(MUNANGA, 1999c, p. 51).
Assim, a negritude surge como uma operação de
desintoxicação semântica e de constituição de um novo lugar de
inteligibilidade da relação consigo mesmo, com os outros e com o
mundo.
Desde a literatura, podemos perceber e classificar diferentes
concepções de negritude: (a) negritude dolorosa é uma fase vivida,
por exemplo, quando o poeta negro sofre a paixão dos sofrimentos
227
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
históricos, no esforço de sintonizar-se e comunicar-se com seu
povo, através de sua arte; Com angústia e dor, sente medo de perder
sua cultura e sua identidade no contexto ocidental; (b) negritude
agressiva caracteriza uma fase de revolta, de negação da razão, do
Deus branco, da beleza ocidental, das línguas europeias. A raça é
reivindicada até nas suas carências; (c) a negritude serena é uma atitude
construtiva de reconciliação dialética, um desejo de ascender a uma
cultura universal. Sente-se como é bom proclamar constantemente
sua negritude, evidente na conduta e nos hábitos de cada africano;
(d) a negritude vitoriosa constitui-se na reivindicação da paternidade da
civilização, em uma supercompensação idealizante, um verdadeiro
messianismo. Esta classificação, “além de sua permanência, mostra
também como um escritor pode passar de uma posição a outra,
sem se trair, exprimindo-se, simultaneamente, sob vários registros”
(MUNANGA, 1986).
Construção de uma identidade negra positiva
Desde a presença histórica e contemporânea de um racismo
antinegro à brasileira, percebendo o lócus, status, classe social ... onde
a maioria dos negros está, possuem e pertencem, respectivamente,
não é surpresa constatarmos que a vivência da negritude e a
construção de uma identidade negra positiva continuam sendo
um desafio emergente. Desafio este que passa, em especial, pela
participação em entidades e grupos do movimento negro.
Em outras palavras, as entidades e grupos do movimento
negro constituem-se em espaços onde é possível Aos negros
viverem a polaridade existente entre autorreconhecimento e hetero
reconhecimento, que se articula ao seu redor como identificação e
diferença – dimensões imersas e constitutivas da própria identidade.
A identificação acontece quando nós nos afirmamos por aquilo que
somos, assim declarando a continuidade e permanência do nosso
existir e solicitando que sejamos reconhecidos pelos outros. Por sua
228
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
vez, a afirmação da diferença se dá quando nós nos distinguimos
dos outros e tentamos fazer reconhecer esta diversidade.
Atualmente, já encontramos reflexões, pesquisas e
análises desenvolvidas a respeito da trajetória identitária negra.
Por exemplo, Ferreira (2000) denomina essa trajetória de estágios
de construção da identidade negro-brasileira. Ou seja, conforme
esse autor, a construção da identidade negra segue um processo
constituído por quatro estágios: (1) no estágio de submissão há
uma idealização do mundo branco como escudo, correspondendo
a internalização de estereótipos negativos feita de maneira
inconsciente, sintetizado na noção do “branco ser certo” e o “negro
ser errado”; (2) o estágio de impacto é marcado pela descoberta
do grupo étnico-racial de referência, desenvolvido pela pessoa a
partir do momento da tomada de consciência da discriminação,
quando brotam emoções como a culpa, a raiva e uma angústia
generalizada, que poderão se tornar favoráveis por gerarem energias
para a ação; (3) no estágio de militância acontece a construção
de uma identidade afrocentrada, caracterizada por uma grande
valorização dos símbolos da nova identidade em processo (jargões
verbais, músicas, ritmos, penteados e roupas africanos), com a
substituição da denominação “preto” ou “de cor” pela de “negro”,
ocorrendo a dissipação das hostilidades do estágio anterior; (4) e,
no estágio de articulação há uma abertura para a alteridade, com
a nova identidade fundamentando-se em três funções dinâmicas:
a defesa e a proteção de agressões psicológicas, o provimento de
um sentido de pertença e ancoradouro social, e o ponto de partida
e fundamentos para relacionamentos com pessoas de culturas
diferentes daquelas referenciadas em matrizes africanas.
Estes estágios sintetizam o processo em que vivemos
quando temos a oportunidade e a coragem de assumir a negritude.
A este desafio de vivência da negritude e construção de uma
identidade negra positiva soma-se a realidade complexa, polêmica
e ideológica da categoria dos mestiços no Brasil, onde, geralmente,
apenas aqueles negros que se integram em uma entidade ou grupo
229
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
do movimento negro é que rechaçam esta categoria. Percebo
que, assim como o mito da democracia racial, que se utiliza da
ideologia do branqueamento e da questão da mestiçagem biológica
e cultural impede o ingresso de muitos negros brasileiros nas
entidades e grupos do movimento negro; e, consequentemente,
da conscientização da importância deste, enquanto movimento
social, também no processo de construção da identidade negra que
existem muitos impedimentos e tentações. Impedimentos como: a
jornada diária de um trabalhador negro, desde sua saída de casa até
seu retorno no final da jornada; o contexto dos estudantes negros,
que geralmente trabalham durante o dia e estudam à noite; e, os
próprios problemas e desafios no interior das entidades e grupos
do movimento negro.
As tentações estão presentes em situações onde alguns
militantes colocam em segundo plano o objetivo da causa,
preocupando-se mais com a promoção pessoal; outros que, ao
ingressarem na academia, praticamente desligam-se de seu grupo
ou entidade negra; e, outros ainda, que priorizaram ou ficaram em
apenas uma das etapas do processo de construção da identidade
negra e vivência da negritude.
Em nossa realidade, percebemos que o movimento negro
contemporâneo aposta na construção da identidade, na recuperação
da negritude entendida em sua complexidade biológica, cultural e
ontológica; usando como caminho o resgate da sua cultura, do seu
passado negado e falsificado, do dar-se conta de sua participação
positiva na construção do Brasil, da beleza de seu fenótipo
inferiorizado. Especificamente, tem presente que, se do ponto de
vista biológico e sociológico a miscigenação e a transculturação
entre os povos é um fato consumado; a identidade é um processo
que sempre pode ser renegociado conforme os critérios políticoideológicos e as relações de poder. Ao mesmo tempo, enfrenta
um nó no processo de formação da identidade brasileira que se
constitui, por um lado, em uma autodefinição preconizada pelos
negros politicamente mobilizados em suas entidades; e, por outro
230
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
lado, no descaso das bases negras, que são a maioria não mobilizada
e não conscientes.
No entanto, o movimento negro tem presente que, apesar
dos empecilhos e dificuldades, sem a construção de uma identidade
negra positiva, com a solidariedade de negros e mestiços, não
existe vislumbre e muito menos caminho que possa desencadear
um processo de implementação de políticas públicas a favor da
comunidade e contra o racismo. Isto é, como afirma Melucci
(1992), não é possível separar, rigidamente, os aspectos individuais,
relacionais e sociais da identidade. Na história individual a
identidade se apresenta como um processo de aprendizagem, que
carrega a autonomia de um sujeito.
Conclusão
Ao me debruçar na elaboração da presente reflexão, tendo
presente minha trajetória pessoal e acadêmica, fica mais forte o fato
de que Melucci contribui e pode continuar contribuindo nesta
realidade-desafio da vivência da negritude e construção de uma
identidade negra positiva em terras brasileiras.
Entre as muitas contribuições que Melucci (1992) traz
com suas obras, destaco aqui três ideias, à guisa de conclusão, sobre
a identidade. A primeira é o fato de que nossa unidade pessoal,
produzida e mantida por meio da autoidentificação, fundamentase no pertencimento de um grupo e sobre a possibilidade de situarnos no interior de um sistema de relações. A segunda consiste no
fato de que a diferença supõe uma certa semelhança e uma certa
reciprocidade, por ser vista e afirmada como tal, o que constitui o
paradoxo da identidade. E, terceira, é que nossa identidade tende a
coincidir com os processos conscientes de individuação e não tanto
como uma situação quanto como uma ação.
231
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
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233
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Da necessidade de novas práticas: implicações da Lei
Federal Nº 10.639/2003 no Ensino Médio
Denise Maria Soares Lima - UCB28
Resumo: O ensino médio no Brasil sofreu mudanças que
possibilitam ao estudante a compreensão dos problemas da
sociedade e a identificação de causas e possíveis soluções a partir do
estudo integrado das dimensões científicas, tecnológicas e culturais
do currículo. Aliada a essas novas diretrizes, surge a implementação
da Lei Federal n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que alterou a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LBD) tornando
obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira em
estabelecimentos oficiais e particulares no ensino fundamental e
médio. Contudo, desde sua publicação, os conteúdos impostos não
se consolidaram nos currículos escolares, fazendo-se necessário
interrogar como e quais políticas públicas educacionais nos âmbitos
federal, estadual e municipal têm sido delineadas, inclusive, no
sentido de promover a formação de professores para a educação
das relações étnico-raciais de modo que estejam preparados para
novas abordagens e metodologias, onde a prioridade é despertar as
competências básicas dos alunos no âmbito da referida Lei. Afinal,
o professor é agente ativo no cotidiano escolar, educando para a
construção de valores antirracistas que incluam crianças, jovens e
adultos negros e garantam-lhes educação de qualidade. Este artigo
se propõe a refletir a importância da formação do professor frente
aos conteúdos impostos pela referida Lei. Ao fazê-lo, apresenta
um breve histórico da referida lei, apontando seus fundamentos e
exigências dada a necessidade de se estabelecer posturas pedagógicas
que reconheçam as diferenças. Procura ressaltar aspectos que
constituem a prática pedagógica, além de apontar algumas ações
28
Professora e Advogada. Especialista em Língua Portuguesa e em Educação
de Jovens e Adultos. Mestranda em Educação da Universidade Católica de
Brasília – UCB, desenvolve pesquisa na Cátedra UNESCO de Juventude,
Educação e Sociedade/UCB.
235
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
empreendidas pelo Estado, que têm como escopo garantir o
implemento legal, particularizando o ensino médio.
Palavras-chave: Lei n.10.639/2003. Práticas pedagógicas.
Formação de professores. Relações étnico-raciais e educação
antirracista.
Introdução
Historicamente, as instituições educacionais têm se
modificado em face das mudanças sociais, políticas, econômicas e
culturais. Essa dinâmica social, por conseguinte, atinge a prática
docente. Hoje, em face das políticas públicas que contemplam as
novas demandas sociais no que diz respeito à implementação da
Lei n. 10.639/2003, em busca da promoção da igualdade racial, fazse necessário discutir a formação dos professores.
Na perspectiva da Lei em estudo, não se trata apenas de o
professor ter conhecimento da existência e exigência do conteúdo
legal, ou melhor, da obrigatoriedade da inserção das discussões
voltadas para as relações étnico-raciais nos espaços escolares. Há
necessidade da compreensão da temática trazida pela Lei que entra
pela porta da frente, porque é uma alteração da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação. Do ponto de vista da história da educação do
negro no Brasil, isso é significativo (GOMES, 2010). O professor,
ao reconhecer essa responsabilidade social, compromete-se.
Conforme ratifica Freire (1996, p. 98), ao afirmar que ensinar exige
comprometimento:
Minha presença de professor, que não pode
passar despercebida dos alunos na classe e
na escola, é uma presença em si política.
236
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Enquanto presença não posso ser uma
omissão, mas um sujeito de opções. Devo
revelar aos alunos a minha capacidade de
analisar, comparar, de avaliar, de decidir, de
optar, de romper. Minha capacidade de fazer
justiça, de não falhar à verdade. Ético, por isso
mesmo, tem que ser o meu testemunho.
Esse compromisso, no que tange a pensar em uma
prática pedagógica em prol das relações étnico-raciais, envolve
uma postura não omissa, ou seja, capaz de interferir em valores,
posturas, estigmas e julgamentos excludentes presentes no
interior da escola. Segundo Cavalleiro (2001, p. 152), as questões
raciais, no cotidiano escolar, nem sempre são consideradas
relevantes no fazer profissional: “No espaço escolar nem
sempre os agentes estão conscientes de que a manutenção de
preconceitos seja um problema”.
Ao mesmo tempo, a lei para ser efetivada necessita de ações
políticas e agentes capazes de colocá-la em prática. Nessa perspectiva,
faz-se necessário o seguinte questionamento: o professor que atua
no ensino médio está se preparando adequadamente para a busca de
novas abordagens e metodologias, onde a prioridade é possibilitar
ao estudante a compreensão dos problemas da sociedade, identificar
causas e possíveis soluções, no âmbito da referida Lei?
Neste artigo, apresenta-se um breve histórico da lei,
destacando seus pontos mais marcantes, assim como verificar-se
qual a importância da formação dos professores na construção
de uma ação pedagógica frente às questões étnico-raciais e à
diversidade cultural.
237
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Conhecendo a Lei
A Lei Federal n.10.639/200329, que torna obrigatório o
ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira em estabelecimentos
oficiais e particulares e dá outras providências, surgiu da luta histórica
dos movimentos sociais negros por uma educação antirracista.
De acordo com Santos (2005), a atuação desses grupos
pode ser observada, por exemplo, na década de noventa, quando
obtiveram algumas reivindicações atendidas, como a reestruturação
de livros didáticos, eliminando a figura do negro como ‘racialmente
inferior’. Por sua vez, Bento (2006) enfatiza que o Movimento
Negro representa um dos mais inovadores movimentos sociais
brasileiros, orientado pelos seguintes objetivos: o combate às
desigualdades raciais, a luta pela transformação social e a valorização
da identidade e da cultura negras.
Contudo, apesar das conquistas dos movimentos sociais
negros e da consequente publicação da referida lei em 2003, o
texto legal por si só não se constituiu na garantia efetiva de sua
implantação nas escolas nacionais.
Nesse sentido, vale verificar a orientação dada pela Lei n˚
10.639/2003, que acrescenta à Lei n˚ 9.394/1996 os artigos 26-A,
79-A e 79-B, in verbis:
Art. 26-A Nos estabelecimentos de ensino
fundamental e médio, oficiais e particulares,
torna-se obrigatório o ensino sobre História e
Cultura Afro-Brasileira.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere
o caput deste artigo incluirá o estudo da
29
238
Lei Federal sancionada pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva,
e promulgada em 9 de janeiro de 2003, altera a Lei n. 9.394, de 20 de dezembro
de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, para incluir no
currículo dos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e
particulares, a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira e
dá outras providências.
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
História da África e dos Africanos, a luta dos
negros no Brasil, a cultura negra brasileira e
o negro na formação da sociedade nacional,
resgatando a contribuição do povo negro nas
áreas social, econômica e política pertinentes
à História do Brasil.
§ 2o Os conteúdos referentes à História e
Cultura Afro-Brasileira serão ministrados
no âmbito de todo o currículo escolar, em
especial nas áreas de Educação Artística e de
Literatura e História Brasileiras.
Art. 79-B O calendário escolar incluirá o dia
20 de novembro como “Dia Nacional da
Consciência Negra” (BRASIL, 2010a).
Observa-se que o texto legal estabelece novos caminhos
para a educação escolar, ao voltá-la para as relações étnico-raciais,
para o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana,
para o estudo da luta dos negros no Brasil e para a cultura negra
brasileira e sua formação, no intuito de resgatar a contribuição do
povo negro em todas as áreas. Além disso, determina que esses
conteúdos sejam ministrados em todo o currículo e inclui o Dia da
Consciência Negra no calendário escolar.
Assim, com a criação da Lei Federal n.10.639, em 2003,
assume-se do ponto de vista oficial, o caráter de urgência com
que as referidas questões deveriam ser executadas e discutidas no
interior da escola. No ano seguinte, em 2004, o Conselho Nacional
de Educação elaborou parecer30 e exarou resolução31, instituindo as
CNE/CP n. 03, de 10 de março de 2004, Parecer sobre as Diretrizes Curriculares
Nacionais para Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História
e Cultura Afro-brasileira e Africana, onde ficam estabelecidas orientações de
conteúdos a serem incluídos e trabalhados e suas respectivas modificações.
31
A Resolução CNE/CP n. 01, publicada em 17 de junho de 2004, detalha
os direitos e obrigações dos entes federados frente à implementação da Lei
n.10.639/2003.
30
239
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura AfroBrasileira e Africana. Ainda nesse compasso, recentemente, surge
Proposta Nacional que trata das responsabilidades de cada órgão
governamental e sistema de ensino nas ações para implementação
da citada Lei, que, atendendo a anseios da sociedade civil, em
conjunto com órgãos ministeriais, dá origem, em 2008, ao Plano
Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais
da Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-brasileira e Africana – Lei n˚10.639/2003,
cujo propósito é garantir que todo sistema de ensino e instituição
educacional cumpram as determinações legais.
Entre diversas ações expressas no referido Plano, determina,
ainda, ações para os níveis de ensino e modalidades de ensino. No
que tange ao ensino médio, nível abordado no presente artigo,
contempla a juventude negra brasileira e relata:
[...] esse é um dos níveis de ensino com
menor cobertura e maior desigualdade entre
negros e brancos. Em 2007, 62% dos jovens
brancos de 15 a 17 anos frequentavam a escola,
enquanto que o percentual de negros era de
apenas 31%. Se o recorte etário for 19 anos,
os brancos apresentam uma taxa de conclusão
do ensino médio de 55%, já os negros apenas
33% (BRASIL, 2010b, p.48).
Logo, o citado Plano reafirma a necessidade de enfrentar
todas as formas de preconceito, racismo e discriminação para
garantir o direito de aprender e a equidade educacional, a fim
de promover uma sociedade mais justa e solidária nos sistemas
e escolas.
Nesse sentido, na coletânea ‘Racismo e anti-racismo na
educação: Repensando nossa escola’, Cavalleiro (2001, p.7) organiza
vários artigos sobre a questão do racismo em escolas brasileiras e
240
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
com muita propriedade afirma que há urgência em se buscar “uma
política educativa a qual rompa com o staus quo, conteste os fatos
de maneira profunda e consciente, evidencie a inexistência de uma
democracia racial em nosso país.”
Por essa razão, faz-se necessário ressaltar que a Lei em
estudo constitui-se em elemento essencial na promoção social para
a recuperação do negro como agente ativo do processo de formação
da sociedade brasileira, cuja imagem, por séculos, foi deturpada e
carregada de representações preconceituosas e racistas que se têm
configurado nos conteúdos didáticos e no espaço da escola, tendo
como sua mais grave consequência: a destruição histórica e social
que determinado grupo fez de outro (BENTO, 1999).
A importância do saber docente
Para valorizar a diversidade cultural étnico-racial e pensar e
atuar em prol de uma educação antirracista é necessário formação.
Neste título, verificar-se-ão quais ações estão sendo voltadas para as
questões étnico-raciais nas Instituições de Ensino Superior (IES),
atualmente, no quesito formação profissional.
À obrigatoriedade imposta pela recente legislação aliouse a necessidade de se formar professores de modo adequado.
Neste sentido, em 2006, o Ministério da Educação, por meio da
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
(Secad) publicou detalhado material com o intuito de implementar
orientações e ações para a educação das relações étnico-raciais.
Neste volume, há um capítulo intitulado ‘Licenciaturas’.
Evidencia-se a preocupação em articular os pressupostos dispostos
na Resolução CNE/ CP 1/ 2004 com a orientação para a formação
dos docentes nos cursos de licenciatura, conforme o que segue:
Desse modo, as instituições de educação superior devem:
241
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
[...] Capacitar os (as) profissionais da educação
para, em seu fazer pedagógico, construir
novas relações étnico-raciais; reconhecer e
alterar atitudes racistas em qualquer veículo
didático-pedagógico; lidar positivamente
com a diversidade étnico-racial;
Capacitar os (as) profissionais da educação a
incluírem a História e Cultura Afro-Brasileira
e Africana nos currículos escolares, assim
como novos conteúdos, procedimentos,
condições de aprendizagem e objetivos que
repensem as relações étnico-raciais;
Incluir as competências anteriormente
apontadas nos instrumentos de avaliação
institucional, docente e discente, e articular
cada uma delas à pesquisa e à extensão,
de acordo com as características das IES
(BRASIL, 2006, p.124).
Como se pode verificar há preocupação na formação
desse profissional que tem a sua frente uma sociedade que almeja
a inclusão, o respeito ao pluralismo cultural e, principalmente, a
educação ao alcance de todos. Diante desses desafios, a formação
inicial dos educadores deve ser articulada entre as Instituições de
Ensino e as políticas educacionais, na inserção das referidas ações
em seus projetos pedagógicos institucionais, e deve ser fiscalizada
e avaliada pelos órgãos institucionais no intuito de verificar como
as IES têm promovido a inclusão da temática das questões étnicoraciais em seus programas.
Outro aspecto em relação à formação do professor diz
respeito ao educador que já se formou e que já atuava nos sistemas
e estabelecimentos de ensino antes da publicação legal, ou seja,
de que modo esse educador pode acompanhar e envolver-se com
242
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
as novas questões apontadas pela Lei n.10.639? Santos (2005), ao
realizar estudo sobre a referida Lei, enfatiza que:
A legislação federal, segundo o nosso
entendimento, é bem genérica e não se
preocupa com a implementação adequada do
ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.
Ela não estabelece metas para implementação
da lei, não se refere à necessidade de qualificar
os professores (aqueles que já estão em sala de
aula) dos ensinos fundamental e médio para
ministrarem as disciplinas referentes à Lei n˚
10.639, de 9 de janeiro de 2003, menos ainda,
o que é grave segundo nosso entendimento,
à necessidade de as universidades
reformularem os seus programas de ensino
e/ou cursos de graduação, especialmente os
de licenciatura, para formarem professores
aptos a ministrarem ensino sobre História
e Cultura Afro-Brasileira. Ao que parece, a lei
federal, indiretamente, joga a responsabilidade do
ensino supracitado para os professores. Ou seja,
vai depender da vontade e dos esforços destes
para que o ensino sobre História e Cultura
Afro-Brasileira seja ministrado em sala de
aula (grifo nosso) (SANTOS, 2005, p.33).
Essas falhas apontadas por Santos no que diz respeito à
formação do professor são ratificadas pela Secretaria de Educação,
Alfabetização e Diversidade (Secad):
A organização consecutiva do Prêmio
“Educar para a Igualdade Racial” do Centro
de Estudas das relações de Trabalho (Ceert)
tem ilustrado a quase totalidade das ações
243
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
desenvolvidas nas escolas sobre educação para
as Relações étnico-raciais e ensino de História
e Cultura Afro-Brasileira e Africana, que
não são institucionais; são ações individuais
baseadas num esforço pessoal do/a educador/
a em lidar com as questões raciais em sua sala
de aula (grifo nosso) (BRASIL, 2006, p.126).
Contudo, a fim de superar essa lacuna em relação à formação
continuada, algumas experiências têm despontado: a) Programa de
Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira (PENESB), curso
lato sensu cujo objetivo é contribuir para que os docentes possam
enfrentar e desestabilizar o racismo em educação; b) Núcleo de
Estudos e Pesquisas sobre Relações Raciais e Educação (Nepre/
UFMT), que atua principalmente com atividades de formação
continuada de professores, promovendo cursos de extensão que
abordem aspectos teóricos e práticos, estimulando os professores
à realização de pesquisas e à publicação nos Cadernos Nepre. Além
disso, desenvolve cursos de Especialização lato sensu: Relações
Raciais e Educação na Sociedade Brasileira; Centro de Estudos
Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia (Ceaco/Ceafro/
UFBA) e Programa de educação e profissionalização para igualdade
racial e de gênero, órgão de extensão universitária da UFBA que
vem desenvolvendo ações várias em torno da história e cultura afrobrasileira, africana dentre outras, e tem o Ceafro como programa
especialmente voltado para a educação.
Assim, a formação do profissional é fundamental e deve ir
além dos conteúdos, não podendo ficar dissociada da ação.
A prática docente
A prática docente consiste na atividade do professor, é o
resultado da aplicação dos saberes acadêmicos agregados às ações
244
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
humanas em sala de aula. No dizer da equipe do Observatório da
Juventude da Universidade Federal de Minas Gerais32 (UFMG):
[...] a reflexão movimenta o sujeito, que cria
uma prática baseada no ser humano ativo
que ele é. Suas ações podem ser guiadas por
preceitos e normas mais gerais, acordadas na
coletividade, nas leis ou parâmetros oficiais,
mas é a sua ação humana que dará o tom,
que fará com que uma determinada opção
metodológica ou temática seja encaminhada
dessa ou daquela forma, são suas escolhas e
sua atuação humana que traduzem em prática
pedagógica o que está posto nos objetos
materiais para o ensino, por definição,
passivos (DARELL, 2006, p.139).
Diante disso, como o professor pode inserir a temática das
relações étnico-raciais no seu cotidiano escolar, nas suas escolhas,
no que faz e nas decisões que toma? E em relação à juventude,
mais particularmente ao ensino médio? Como conjugar o saber
acadêmico às questões das relações raciais em favor de uma
educação antirracista para essa modalidade de ensino?
O livro ‘Orientações e Ações para Educação das Relações
Étnico-Raciais’, ao dar direcionamentos para esta fase final da
Educação Básica, salienta a necessidade de a escola reconhecer
os jovens como sujeitos de uma história cultural, social, além
32
O Observatório da Juventude da UFMG é um programa de ensino,
pesquisa e extensão da Faculdade de Educação, com o apoio da Pró Reitoria
de Extensão. Criado em 2002, o programa realiza atividades de investigação,
levantamento e disseminação de informações sobre a situação dos jovens na
região metropolitana de Belo Horizonte. O programa situa-se no contexto
das políticas de ações afirmativas, orientando-se por quatro eixos centrais de
preocupação que delimitam sua ação institucional: a condição juvenil nas
sociedades contemporâneas; as políticas públicas e as ações sociais voltadas aos
jovens; as práticas culturais e as ações coletivas da juventude na cidade e a
construção de metodologias de trabalho com jovens.
245
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
de “considerar as singularidades de cada grupo”, evitando-se
considerar a juventude como apenas uma fase de preparação
para a vida adulta, negando-lhe a existência e retirando-lhe a
complexidade. Aliado a isso, recomenda conhecer o seu jovem
aluno, desejos e necessidades, e reforça a construção do Projeto
Político-Pedagógico, por meio do qual, toda a comunidade escolar
criaria mecanismos de ação e transformação.
O caderno ‘Gênero e Diversidade na Escola’ insere-se
nesse perfil. Projeto pioneiro desenvolvido pelo Curso Gênero e
Diversidade na Escola33 (GDE) organiza uma série de atividades
relacionadas ao tema gênero, sexualidade, orientação sexual e
relações étnico-raciais, cuja proposta é abordar a diversidade
cultural no Brasil, considerando as distintas histórias dos alunos
(pessoais, familiares, sociais e culturais). Com esse fim, propõe
situações didáticas que podem ser adaptadas por todas as disciplinas
e componentes curriculares. Apesar de o caderno não ser específico
para os alunos do ensino médio, na medida em que prioriza o
indivíduo, respeita o diverso e compromete-se com a formação
cidadã vislumbra transformações concretas no jovem.
Outras sugestões de atividades para o ensino médio são dadas
no livro Orientações e Ações para Educação das Relações ÉtnicoRaciais, capítulo Sugestões de Atividades, p. 163. Desenvolvidas
pelos Grupos de Trabalho (GT), essas propostas são inseridas nas
três áreas: Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias;
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; e Ciências Humanas e
suas Tecnologias. Recomenda-se a contextualização e a inserção do
conteúdo das relações étnico-raciais em todo planejamento escolar,
evitando-se práticas isoladas como em festas que se comemoram a
libertação dos escravos ou o “Dia do Folclore”.
33
246
O curso Gênero e Diversidade na Escola - GDE é um projeto que visa à
formação de profissionais da educação da rede pública e aborda as temáticas de
gênero, sexualidade e igualdade étnico-racial. É fruto de uma articulação entre
diversos ministérios do Governo Federal Brasileiro, o British Council (órgão
do Reino Unido atuante na área de Direitos Humanos, Educação e Cultura)
e o Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM/
IMS/UERJ) http://www.clam.org.br/gde.
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Além dessas sugestões, a Secretaria Especial de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial 34 (SEPPIR) produz e disponibiliza
recursos que podem ser utilizados em sala da aula, tais como: livros,
mapas, cartazes, entre outros.
O educador, ao construir sua prática pedagógica, tendo
um olhar voltado para as questões étnico-raciais, e ao buscar a
valorização do alunado negro, “devem estar dispostos a ouvir e ler
o que ainda não foi lido ou ouvido nas escolas.” (BRASIL, 2006,
p.196). Ou seja, buscar a reflexão sobre a sua própria prática o
que possibilitará trabalhar com os alunos a questão da identidade,
combatendo as formas de discriminação e preconceito.
Conclusão
A prática pedagógica se articula com o olhar do docente e o
saber acadêmico, que são indissociáveis (FREIRE, 1996). No âmbito
da Lei Federal n.10.639/2003, o pressuposto não é apenas a aquisição
do novo conteúdo, mas pautar a temática racial na educação básica.
A expectativa em relação à inclusão das questões voltadas para as
relações étnico-raciais é de que os professores sejam promotores da
igualdade racial e considerem em seu fazer a composição do povo
brasileiro. Neste sentido, não há ação pedagógica neutra, ensinar é
busca permanente, refletindo em que sociedade se encontra, qual
modelo deseja reproduzir e qual o cidadão deseja formar.
A implantação da Lei representou um grande avanço para
a educação brasileira, mas são necessárias mudanças de atitudes
nos currículos, na escola, nos projetos, particularmente, maiores
investimentos na formação de seus agentes educativos. É preciso
oferecer, nas esferas federal, estadual e municipal, formação inicial
e continuada aos gestores, professores, coordenadores por meio da
34
Criada no dia 21 de março de 2003, Dia Internacional pela Eliminação da
Discriminação Racial. A missão da Seppir é estabelecer iniciativas contra as
desigualdades raciais no País, voltadas aos interesses da população negra e de
outros segmentos étnicos discriminados.
247
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
qual poderão tratar os conteúdos legais não apenas em momentos
festivos, mas durante todo o ano, já que as relações étnico-raciais
devem encontrar espaço no planejamento escolar e no plano
político-pedagógico.
Referências
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São Paulo: Ática, 2006.
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______. Ministério da Educação. Diretrizes curriculares
nacionais para a educação das relações Etnicorraciais e
para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana.
Brasília: MEC, [s.d.]. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/
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2006.
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unesco.org/images/por.pdf. Acesso em: 7 jul. 2010.
249
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Candomblé Iorubá: a relação do homem com seu orixá
pessoal
Francisco Thiago Silva35
Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal
GERAJU, FE-UNB
Resumo: Este artigo objetiva entender as relações e influências
dos arquétipos dos orixás nos seguidores do Candomblé Iorubá
a partir da revisão e análise crítica sob uma ótica comparativa de
diversas fontes, principalmente as obras: O candomblé da Bahia
(2001) de Roger Bastide, Orixás (1981) assinada por Pierre Verger
e Mitologia dos Orixás (2001) de Reginaldo Prandi, autores que
abordaram a ritualística candomblista sob diferentes formas, porém
são unânimes em afirmar a existência de especificidades no culto
candomblista entre o fiel e o seu orixá, resultando na construção
identitária desses filhos e filhas de santo. Essa miscelânea de ritos
que tornou a fé nos orixás uma religião de matriz africana, mas
genuinamente brasileira, teve terreno fértil para se desenvolver
em nosso território e a partir desse contato com uma nova cultura
fundamentada na religião cristã foi transformada e se construiu
com características próprias, atraindo hoje praticantes em diversos
setores da nossa sociedade, sendo uma das mais importantes
religiões afro-brasileiras.
Palavras-chave: Candomblé, Orixás, Arquétipos, Identidade.
35
Aluno Especial do Programa de Pós-graduação, mestrado na Faculdade de
Educação da Universidade de Brasília - UNB. Professor da Secretaria de
Educação do DF desde 2005. Licenciado em História e Especialista em História
e Cultura Afro-Brasileira. E-mail: [email protected]
251
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Os orixás podiam de novo conviver com os
mortais. Os orixás estavam felizes. Na roda
das feitas, no corpo das iaôs, eles dançavam
e dançavam e dançavam. Estava inventado o
Candomblé.
(Mito Queto)
Introdução
Este artigo objetiva entender as relações entre os orixás
e seus filhos estabelecidas no Candomblé Iorubá, procurando
investigar de que maneira as características da entidade influenciam
no comportamento do iniciado. Por meio da análise das visões
de três importantes estudiosos do assunto: Roger Bastide, Pierre
Verger e Reginaldo Prandi.
Cabe salientar que a escolha por focar as percepções
educacionais dessa pesquisa no candomblé ketu-nagô, se deve ao
fato de que muito já foi escrito e estudado sobre esse culto, que
se apresenta com certa organização e traços semelhantes entre as
várias casas espalhadas pelo país, conforme Marina de Mello e
Souza (2006), Reginaldo Prandi (1997) e Roger Bastide (2001). É
importante destacar que inquices, voduns, caboclos apresentam uma
quantidade razoável de referências literárias, porém a aproximação
do autor se dá com os candomblés de matriz Iorubá.
A prática destes cultos colocou o espaço do terreiro como
uma forma de resistência cultural, formador de uma consciência
coletiva libertária, tendo como base a construção da identidade
subjetiva de cada praticante.
Segundo Pierre Verger (1981), fotógrafo francês, estudioso
e praticante do candomblé, autor de importantes estudos sobre as
religiões de matriz africana, cada orixá tem um caráter próprio que é
religiosamente atribuído e estendido aos seus seguidores, filhos ou
252
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
filhas de santo. O autor acredita que por meio dos mitos, a religião
fornece padrões de comportamento que modelam, reforçam e
legitimam o comportamento dos fiéis. Além disso, defende que
essas relações se diferenciam a depender da região no qual o
praticante se encontra. O fato de ele estar na África ou no Brasil
interfere na qualidade das relações entre o indivíduo e seu orixá.
Ou seja, na África a cerimônia do orixá é realizada pelo
sacerdote e outros membros da “casa” têm apenas deveres
materiais com a cerimônia. Nesse sentido, esta relação não é tão
direta e pessoal quanto no Brasil, onde o praticante deve preparar
de maneira pormenorizada o culto ao seu orixá e obedecer às
exigências dele.
O culto aos orixás aqui no Brasil ganhou formas e ritos
específicos, a partir de uma mistura com outras crenças e passou a
ter identidade própria, influenciando a vida e o cotidiano dos seus
praticantes. Essa miscelânea de ritos foi trazida para o novo mundo
principalmente pelos negros tornados escravos da costa ocidental
africana. Nesse contexto três nações se destacaram ao perpetuar
seus rituais: os negros jêje, os iorubás ou nação Queto e os bantos
ou nação Angola Kewe Lijá Undé. Desse intercâmbio surgiu o
candomblé que é um culto de matriz africana, mas genuinamente
brasileiro.
Dentro da fé candomblista, o orixá ocupa um posto
importante, já que o mesmo comanda e rege toda a existência
individual e coletiva de seu fiel. Portanto, é importante estudar
até que ponto a personificação da entidade religiosa dentro do
candomblé influencia e molda o caráter e externa suas atribuições
e características, através da vida do filho de santo.
Para realização dessa pesquisa, o tema será desenvolvido
por meio da análise de diversas fontes bibliográficas, dentre elas,
Mitologia dos Orixás, Herdeiras do axé, Os Candomblés de São
Paulo todas escritas por Reginaldo Prandi. Utilizaremos ainda o
livro Os Orixás de Pierre Verger e Candomblé da Bahia de Roger
Bastide.
253
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Reginaldo Prandi, que é um estudioso renomado
no campo antropológico com inúmeras pesquisas na área de
religiões afro-brasileiras, traz uma interessante observação sobre
a personificação das entidades nos fieis: em Mitologia dos orixás
(2001) o autor apresenta trezentos e um mitos iorubanos, sempre
em suas mais antigas visões. Nesta obra, Prandi escreve sobre a
importância da relação do homem com o seu orixá, de forma que
a ideia contempla coerentemente as propostas do presente artigo.
Segundo ele, “Os orixás alegram-se e sofrem, vencem e perdem,
conquistam e são conquistados, amam e odeiam. Os humanos
são apenas cópias esmaecidas dos orixás dos quais descendem”
(PRANDI, 2001, p.24).
Roger Bastide é outro nome que se destaca na área de
religiões africanas. Seu mais conhecido livro é O Candomblé da
Bahia, onde descreve e comenta o funcionamento do candomblé
iorubá, fortemente praticado nesta região. Muitos estudiosos são
unânimes em concordar que ele foi o responsável por reafirmar o
status sociológico do candomblé.
Bastide acredita que a relação entre divindades e filho ou
filha é levada para a vida cotidiana. Segundo ele: “O indivíduo não
repete os gestos dos deuses apenas no transe, na dança, extática,
mas também em sua vida cotidiana, em seu comportamento de
todos os dias” (BASTIDE, 2001, p. 238).
Entender essa crença e as relações estabelecidas entre deuses
e homens é primordial para o reconhecimento dos arquétipos das
divindades em cada praticante.
Da África ao Brasil: Origens do Candomblé
Apesar da variedade de cultos e de divindades existentes
no continente africano, no Brasil, o termo candomblé foi o mais
utilizado para designar as diversas práticas religiosas relacionadas
ao culto dos orixás. Marina de Mello e Souza, em sua obra África e
254
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Brasil africano, discorre como a história escrita em nosso território
registrou a presença e a fecundidade desses ritos, e a preponderância
das crenças de origem iorubá. Como assegura Souza,
outro conjunto importante de práticas e
crenças mágico-religiosas de matrizes africanas
que germinou no Brasil foram os candomblés,
sendo do século XIX as primeiras referências
a eles. Apesar de o termo pertencer à língua
banto, no Brasil se refere a cultos religiosos de
origem iorubá e daomana. Neles, as principais
entidades sobrenaturais são os orixás, quando
a influência iorubá é maior e voduns, quando
a influência daomeana se destaca. Na Bahia,
os iorubás também ficaram conhecidos como
nagôs, e os daomeanos como jejês (SOUZA,
2006, p. 115).
O culto candomblista teve origem na cidade de Ifé, na
África, ao sudoeste da atual Nigéria e chegou as terras pertencentes
a Portugal, como no caso do Brasil colônia lusa à época, entre os
séculos XVI e XIX e acompanhou toda a trajetória da escravidão.
Nessa época, os colonizadores achavam que o rito era baseado na
feitiçaria e que tudo que fosse produzido nele era obra demoníaca.
Por essa razão, a maioria dos praticantes adotou elementos do
catolicismo romano, para disfarçar sua crença e não ser reprimidos
ou duramente castigados pelos seus senhores. Era uma estratégia
de ao mesmo tempo se proteger e resistir à dominação ao tentar
preservar de forma disfarçada as suas tradições milenares. Um
exemplo disso foi o uso por associação de nomes dos orixás com
os de santos, dando início ao processo de sincretismo dentro dos
cultos afro-brasileiros. Marina de Mello e Souza afirma que
também os cultos jêjes e nagôs, aos
voduns e orixás, adotaram santos e rezas
255
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
católicas, incorporando-os ao seu panteão
de representações e ritos religiosos sem
alterar a natureza das antigas crenças nem a
maneira de se relacionar com o sobrenatural
(idem. 19).
No século XVIII, as cerimônias secretas eram chamadas
de Calundus e, somente no século XIX, passou a ser designado de
candomblé. Apesar da perseguição, o culto conseguiu arrebanhar
muitos adeptos firmando-se como instituição religiosa, o terreno
mais fértil para o seu desenvolvimento foram às cidades litorâneas
da Bahia.
A depender da região na qual se difundiu o Candomblé
recebe várias denominações diferentes. Em Pernambuco é
denominado Xangô, no Rio Grande do Sul é chamado batuque, no
Maranhão é designado tambor de mina nagô e no Rio de Janeiro
é conhecido como macumba. Porém, na Bahia é que se encontra
maior registro desses rituais como explica Reginaldo Prandi. Para
este autor,
o candomblé dessas casas baianas mais
estudados no período que vai de 1890 a 1970
popularizou-se com o nome de candomblé
queto, por suas ligações históricas e afetivas
com o antigo reino iorubá da cidade de Queto,
em região hoje pertencente à República
do Benin, embora o culto seja mesclado
de elementos de outras religiões iorubanas
da Nigéria e de procedência africana não
iorubá, além do sincretismo católico, é claro
(PRANDI, 1991, p.17).
O candomblé baseia-se no culto aos orixás, deuses
oriundos das quatro forças da natureza: Terra, Fogo, Água e Ar. Os
orixás são, portanto, forças energéticas, desprovidas de um corpo
256
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
material. Sua manifestação básica para os seres humanos se dá por
meio da incorporação durante as cerimônias.
O ritual de possessão dentro dos cultos afro-brasileiros
ainda desperta muitas indagações e curiosidade por parte das pessoas
que não fazem parte das crenças. Porém, autores como Prandi
investigaram e constataram que o rito de transe no candomblé
vai muito além do momento em que acontece durante as festas,
pois nesse instante ocorre um retorno ao passado mítico dessas
divindades. Prandi acredita que,
no candomblé, emblematicamente, quando o
filho-de-santo entra em transe e incorpora um
orixá, assumindo sua identidade representada
pela dança característica que lembra as
aventuras míticas dessa divindade, é o passado
remoto, coletivo, que aflora no presente para
se mostrar vivo, o transe ritual repetindo o
passado no presente, numa representação em
carne e osso da memória coletiva (PRANDI,
200, p.7).
Aqui no Brasil costuma-se cultuar em torno de dezesseis
orixás, dos quase duzentos existentes na África. São eles: Exu,
Ogum, Oxóssi, Ossaim, Oxumaré, Obaluaiê, Xangô, Iansã, Obá,
Oxum, Logun-Edé, Euá, Iemanjá, Nanã, Oxaguiã (Oxalá Jovem) e
Oxalufã (Oxalá Velho).
Os orixás são concebidos como entidades que estiveram
no mundo dos homens por algum tempo e realizaram feitos
importantes e sagrados, para, em seguida, retornar ao orum36.
Porém, por onde passaram deixaram seu legado e sua marca:
segredos, encantos, ensinamentos, a partir disso sua devoção foi se
construindo e sendo passada de geração em geração. Essa noção de
orixá está ligada diretamente ao culto em torno da família.
36
Nome dado ao céu dos Orixás.
257
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
O candomblé atua misturando o sagrado e o profano e
a identificação com os ancestrais míticos pode ser o ponto mais
importante da religião candomblista como acredita Prandi (1991),
onde cada um tem seu guia pessoal e pode cultuá-lo agradando
todos os seus desejos, pois o orixá tem sentimentos e desejos
humanos e há toda uma série de obrigações que o filho de santo tem
que cumprir para agradar sua divindade. Por exemplo, para agradar
Ogum, deus do ferro, da guerra e da tecnologia, dependendo da
cerimônia, é preciso fazer sacrifícios de animais, como o bode, o
boi, o galo e de preferência às terças-feiras que é o seu dia. Além
disso, oferecer ao orixá as comidas que ele mais aprecia: feijoada, o
acarajé, o inhame assado e o milho branco.
Esse tipo de oferenda dentro da tradição do candomblé, a
comida de santo, é muito valorizada, pois através delas os homens
ligam-se às suas divindades.
A origem da fé candomblista está ligada à noção de
resistência, pois era uma religião de escravos e ex-escravos, tanto
que na fase inicial de formação dos cultos afro-brasileiros, a
presença maciça era de negros, em maioria afro-descendentes
de líderes religiosos. Hoje, porém, nas festas de candomblé, por
exemplo, é comum a presença de variados tipos de etnias e das mais
diversas esferas econômicas dentre os praticantes.
Bastide, Verger e Prandi: Os Orixás e seus filhos - a
personificação da entidade no comportamento do fiel
Apesar dos anos que separam as pesquisas destes três
estudiosos, ambos contribuíram e contribuem para fomentar os
debates sobre as religiões de matriz africana, especialmente do
candomblé. Roger Bastide e Pierre Verger escreveram obras sobre
um culto em meados do século XX, que ainda perseguia o status
de religião institucionalizada. Reginaldo Prandi analisa os novos
rumos que o culto aos orixás tem tomado no Brasil.
258
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Bastide foi um dos autores que evidenciou em seus escritos
quão grande é a importância da presença do orixá no corpo do filho
ou filha. Segundo ele (2001), o status que o candomblista pode
alcançar em determinado espaço religioso, está diretamente ligado
a quantidade de seres que o orixá possui no indivíduo.
Sobre arquétipos de personalidade, Pierre Verger (1981)
pensa que o comportamento externo dos fieis do candomblé são
as tendências da personalidade escondida de cada pessoa. Porém,
ele defende que as experiências vividas pelo iniciado também vão
moldar o caráter da divindade dona da cabeça, tendo em vista que
a relação entre as partes é recíproca.
O contato do sobrenatural (orixá) com o natural (seguidor)
é tão sério na ritualística candomblista, que podem ocorrer, segundo
Prandi (1997), doenças, morte, perdas materiais, abandonos
afetivos, sofrimento do corpo, essas mazelas só podem ser evitadas
através das oferendas e da obediência, o que vai gerar um equilíbrio
entre deuses e adoradores.
Essa tríade de afirmações também é confirmada por
outros autores. Segundo José de Barros e Maria Teixeira (2000),
geralmente após a iniciação no candomblé, os neófitos procuram
aproximar-se ao máximo de seu mentor espiritual, por meio da
imitação de suas características, pode-se pensar cada orixá com
um arquétipo que informa e fornece padrões de temperamentos e
comportamentos.
Para compreender a complexa relação entre o fiel e seu orixá,
é importante entender como funciona o transe e a importância que
ele ocupa no ritual. Talvez o momento mais esperado pelos fiéis nas
festas de candomblé é o transe, onde os filhos e filhas são tomados
pela presença incorporada de suas entidades, num ritual de beleza,
espetáculo e fé. Por meio da possessão, orixá e filho se tornam um
só, é a prova viva do tipo de relação que cada um estabeleceu com
sua entidade. Sobre esse assunto, Pierre Verger afirma que,
259
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
o orixá é uma força pura, axé imaterial
que só se torna perceptível aos seres
humanos incorporando-se em um deles.
Esse ser escolhido pelo orixá, um de seus
descendentes, é chamado de elégùn, aquele
que tem o privilégio de ser “montado”, por
ele. Torna-se o veículo que permite ao orixá
voltar a Terra para saudar e receber as provas
de respeito de seus descendentes que o
evocaram (VERGER, 1981, p.10).
Quando os participantes de qualquer manifestação
religiosa prestam culto, devoção e adoração ao seu orixá ou a vários
deles, a intenção dos adoradores é tentar aproximar-se o máximo
possível das características de seus guias, reproduzindo os gestos, os
sentimentos, construindo sua personalidade legitimada pela força e
pela importância da entidade a ser copiada.
O que vários estudiosos têm demonstrado por meio de
suas pesquisas, é que essa reprodução do caráter da divindade na
vida do fiel não acontece somente em determinados momentos
de fervor religioso. No caso da religião candomblista, o que se
tem observado é que antes de tudo, o filho de santo reproduz no
seu cotidiano, as inúmeras marcas das características que cercam
os orixás.
Os traços das personalidades dos deuses africanos são
traduzidos e repassados nos terreiros de santos por meio da
narrativa da história mítica dos orixás, desde a cozinha, onde se
prepara a comida de santo até os momentos que cercam a cerimônia
religiosa nos barracões. Inúmeros pesquisadores têm reconhecido
a importância desses relatos para manter vivas a raiz e a memória
dos antepassados que vieram da África, mesmo que esses sejam
ressignificados a partir do olhar cultural brasileiro. Ou seja, a
construção da identidade do candomblista está relacionada com sua
memória ancestral, suas tradições passadas, com sua origem e em
260
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
determinados momentos no tempo, sobre isso Kathryn Woodward
afirma que,
as identidades são produzidas em momentos
particulares no tempo. Na discussão sobre
mudanças globais, identidades nacionais
étnicas ressurgentes e renegociadas e sobre
os desafios dos “novos movimentos sociais” e
das novas definições das identidades pessoais
e sexuais, sugerir que as identidades são
contingentes, emergindo em momentos
históricos particulares (WOODWARD,
2000, p.38).
A representação está relacionada à identidade e à diferença.
Quando um determinado grupo é representado por meio das mais
variadas formas, seja artística ou não, essa representação é que dará
sentido a identidade, que é relacional, pois depende da diferença, ou
seja, do outro, para se constituir. Como reflete Tomaz Tadeu Silva,
é aqui que a representação se liga à
identidade e à diferença. A identidade e a
diferença são estreitamente dependentes da
representação. É por meio da representação,
assim compreendida, que a identidade e a
diferença adquirem sentido. É por meio
da representação que, por assim dizer, a
identidade e a diferença passam a existir.
Representar significa, neste caso, dizer: “essa
é a identidade”, a “identidade é isso”(SILVA,
2000, p. 91).
A obra Mitologia dos Orixás do sociólogo Reginaldo Prandi
é um trabalho ímpar dentro dos estudos do candomblé. Neste
trabalho, o autor reúne uma coletânea de 301 mitos sobre os deuses
261
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
iorubás. Nela são apresentados vários episódios do cotidiano desses
personagens que retratam as suas experiências através de enredos
que envolvem uma miscelânea de sentimentos: amor, alegria,
inveja, ciúme, ódio, compaixão, dentre outros.
Geralmente, os mitos iorubanos que têm os orixás como
protagonistas, trazem situações que demonstram a carga de
sentimentos que as entidades africanas carregam, nem sempre bem
vistos para serem atribuídos a um deus, pelo menos na perspectiva
ocidental cristã, na qual Deus representa sempre o bem e o Diabo,
o mal. Esse maniqueísmo cristão não existe no Candomblé. Para
Prandi,
O candomblé opera em um contexto ético
no qual a noção judaico-cristã de pecado
não faz sentido. A diferença entre o bem e o
mal depende basicamente da relação entre o
seguidor e seu deus pessoal, o orixá. Não há
um sistema de moralidade referido ao bemestar da coletividade humana, pautando-se o
que é certo ou errado na relação entre cada
indivíduo e seu orixá particular. A ênfase
do candomblé está no rito e na iniciação,
que, como se viu brevemente, é quase
interminável, gradual e secreta (PRANDI,
1999, p.10).
Esse relato ilustra bem como a essência dessas entidades
penetra no ser de cada seguidor, e passa a fazer parte da existência
do fiel. Por exemplo, se o orixá de um indivíduo é invejoso como
Oxum, então quem o segue, tende a apresentar sentimentos
próximos a esse em algum momento de sua vida secular. Isso
acontece com todas as entidades do panteão brasileiro, que
funcionam como espelhos e modelos para ditar ou pelo menos
orientar a existência de seu seguidor. Para Alexandre de Oliveira
Fernandes, Pierre Verger
262
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
se apóia na pesquisa de Gisèle Cossard
para discutir arquétipos, segundo o que,
os iniciados, geralmente, possuem traços
comuns a seu orixá, tanto no biótipo, quanto
em características psicológicas. O corpo do
filho de santo, bem como suas ações em
sociedade parecem ser espelho do orixá, tal
qual seus mitos apresentam. Neste sentido,
se Xangô é vigoroso, forte e elegante, Oxum
possui feminilidade extrema e elegância,
Iansã apresenta-se como força, energia e
sensualidade, Oxossi com vivacidade e
independência, Ogum com extrema força,
rapidez e não muito bom humor, isso será
reproduzido no arquétipo (FERNANDES,
1992, p.3).
As pesquisas de doutorado da francesa Gisèle BinonCossard, conhecida no Rio de Janeiro como a mãe-de-santo
“ialorixá Omindarewá”, foram fundamentais para compreender
melhor as relações entre o fiel e a entidade. Um dos resultados
de seus estudos está na obra Awô: o mistério dos orixás, na qual
Binon-Cossard destaca a importância que a iniciação tem na vida
do candomblista, de forma que após servir de “cavalo” para o orixá,
ele passará a moldar aspectos pessoais da personalidade do seu
próprio guia. Ou seja, cada um vai adquirir formas variadas, por
exemplo, nenhum oxalá é igual ao outro. Por isso,
quanto mais antiga for a iniciada, mais a
personalidade de seu Orixá irá se desenvolver.
Ela vai continuar correspondendo ao
arquétipo tradicional de cada entidade, mas
adquirirá nuances variáveis de acordo com
cada um. (...) Tem-se o hábito de dizer que
o orixá se desenvolve com o tempo, sem que
263
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
a iniciada tenha consciência disso, o mesmo
aconteceu quando ela foi escolhida para
tornar-se yawô, sem que tenha feito nenhum
esforço para isso(COSSARD, 2006, p.160).
Nesta perspectiva, as oferendas e o tempo que o iniciado
dedica ao seu orixá são determinantes para a construção de uma
relação mais íntima com a sua entidade. Percebe-se que conforme o
grau de iniciação do candomblista vai evoluindo, a sua cumplicidade
e ligação com o seu guia vão aumentando e tornando-se complexa,
pois os praticantes do candomblé buscam ao máximo aproximar-se
fisicamente e psicologicamente de seus deuses. Sobre isso, Prandi
esclarece que
maior o tempo de iniciação do filho, maior o
grau de autonomia, privilégio, prerrogativas e
poder que alcançará o orixá. Há uma relação
de equivalência diretamente proporcional
entre o saber iniciático do filho-de-santo
(Omo-orixá, em iorubá) e a capacidade de
expressão do orixá (PRANDI, 1991, p.72).
Outra questão importante na relação entre o fiel e seu orixá
é a “telepatia”. O filho sente na sua mente os comandos, as ordens e
os conselhos de seu guia. O depoimento de uma ialorixá demonstra
isso. Na dissertação de mestrado de Aislan Vieira de Melo (2004,
p.166), há um relato interessante: segundo a Mãe de Santo Wanda
de Oxum, “quando você é velho do orixá, no santo, quando você
chega lá, é uma interpretação assim que você tem como se fosse
uma telepatia. Você não precisa ir até lá e ouvir seu deus dizer ‘Bom
dia Iyá’. Quando você entra ele fala por você na sua mente”.
De maneira geral, toda a existência religiosa dos praticantes
do candomblé é orientada pela passagem que o orixá teve aqui na
Terra. As ações que ele realizou enquanto vivia no mundo terreno
é que determinam como será o destino de quem resolve iniciar-se.
264
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Nesse sentido, muito das características psicológicas e morais que
o fiel possui são atribuídas ao fato de ele ser filho de tal orixá.
Assim, as personalidades do fiel e do guia se entrelaçam
de tal maneira que fica, muitas vezes, difícil separar uma da
outra. Prandi faz uma colocação muito interessante sobre esse
assunto. Segundo ele, devido à estreita relação entre o orixá e o
seu “cavalo” a comunidade a qual ele pertence legitima tanto as
características positivas quanto negativas dos candomblista. Isto
também está relacionado com o fato de não existir no Candomblé
a dicotomia entre orixás bons e maus. Nessa perspectiva, esses
estão muito próximos da humanidade de cada um, pois, como os
seres humanos, têm sentimentos complexos e variados. Sobre estas
questões, Prandi assevera que:
nenhum orixá é nem inteiramente bom, nem
inteiramente mau. Noções ocidentais de bem
e mal estão ausentes da religião dos orixás no
Brasil. E os devotos acreditam que os homens
e mulheres herdam muito dos atributos de
personalidade de seus orixás, de modo que em
muitas situações a conduta de alguém pode ser
espelhada em passagens míticas que relatam
as aventuras dos orixás. Isto evidentemente
legitima, aos olhos da comunidade de culto,
tanto as realizações como as faltas de cada um
(PRANDI, 1997, p.12).
Além disso, não é o neófito37 que escolhe seu guia. Ele só
fica conhecendo a que orixá pertence a partir do momento em que
o chefe do terreiro utiliza-se do oráculo para revelar qual orixá é
dono da sua cabeça. Só então o iniciado é convidado a conhecer
quem foi, o que fez e como se apresenta esse poder que passará
a reger toda sua vida e a justificar o que acontece ao longo de sua
caminhada no plano terreno.
37
Recém iniciado na religião candomblista.
265
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Isso tudo faz parte da ritualística iniciatória, que vai além do
aspecto religioso, trazendo uma série de aprendizagens ao neófito,
todo conhecimento adquirido se relaciona aos deveres que devem
ser dedicados ao seu deus pessoal: a forma de cultuá-lo, o modo de
apresentar-se na comunidade de santo, as vestimentas, os gestos.
Sobre esta questão, Reginaldo Prandi menciona que
é na etapa da iniciação propriamente dita
que o iniciante aprende a lidar com o transe,
assumindo os papéis rituais que o transe
implica. O iniciante fica recolhido por cerca
de 21 dias (o que lhe permite aproveitar as
férias anuais para fazer o santo), que são
decisivos na sua carreira religiosa. Durante
este período, passado todo ele no roncó, a
clausura, os contatos com o mundo exterior
cessam. (...) Na iniciação, o iaô, ou quase, iaô,
aprende a dançar, aprende toda coreografia
da festa pública que encerra o recolhimento,
aprende os gestos e posturas do orixá no
barracão (PRANDI, 1997, p. 177).
Talvez o que mais marca a fase inicial de entrada na religião
candomblista no aspecto físico do iniciado é a raspagem da cabeça,
pois nesse momento o orixá passará a ter livre passagem pela vida do
filho, pois o mesmo estará renascendo para dedicar-se fielmente ao
seu guia. Em seu livro Candomblé de Ketu, o babalorixá Ominarê
(2005) explica essa etapa, onde o filho de santo é então submetido
à raspagem de cabeça, que é, em seguida, lavada com água dos axés,
é o momento oficial onde a vida do iaô38 passa a pertencer ao seu
guia (orixá).
Ao adquirir um “dono”, o fiel passará a observar todas as
vontades da força que o rege, os alimentos preferidos, os lugares e
horas certas para adoração, dias de maior influência. Assim, cada
38
266
Iniciado no candomblé até o sétimo ano de iniciação.
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
vez mais é construída uma relação de proximidade e cumplicidade
entre divindade e adorador, visto que cada vez mais o fiel herdará
traços da personalidade do seu orixá.
A partir disso, os estereótipos de personalidade são
construídos sob a ótica do mundo candomblista e as ações, positivas
ou negativas e as consequências delas na vida do fiel são o reflexo
da subjetividade que cada orixá carrega e estende para seu filho
durante toda a sua existência.
Considerações Finais
É clara e marcante a presença do negro africano nas bases
da sociedade e da cultura brasileira, é difícil entender a história
do Brasil sem considerar a influência dos bantos, dos iorubás, dos
angolanos, enfim, de tantas nações que fazem do nosso país o que
ele é, uma verdadeira mistura de culturas e crenças.
Por isso, o culto candomblista vai além dos rituais
estritamente religiosos que acontecem nos barracões. Em cada casa
de candomblé percebe-se a existência de uma sociedade, de hábitos
próprios, o que vai além da compreensão religiosa.
Antes de tudo, como culto religioso, o candomblé oferece
aos seus seguidores a possibilidade de encontrar e construir sua
própria identidade por meio da relação com seu orixá, assim,
a religião possibilitará a construção do caráter do seguidor,
principalmente no que tange ao seu relacionamento com seu pai
sobrenatural, pois a partir desse contato, a personalidade de ambas
as partes irá se construir mutuamente.
Essa devoção está presente nas relações de todos os tipos,
mesmo as que não envolvem somente pessoas ligadas aos cultos
afro-brasileiros, as entidades ligadas aos seus seguidores podem
determinar desde a carreira até os relacionamentos pessoais que o
fiel virá a ter.
267
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Como numa relação cotidiana entre seres humanos, o
relacionamento divino entre o filho e o orixá, deve ser pautado pelo
respeito, pela devoção e pelo amor, pois eles serão os condutores de
todas as ações de seus fiéis. Muitas vezes nem percebemos, mas
ás vezes, até num simples ato, como o de
cozinhar, por exemplo, temos a presença, ou
melhor, a regência, de quatro ou cinco, ou até
mesmo seis dessas forças, os Orixás. São eles,
na grande maioria das vezes, os condutores
de nossas ações. E essa convivência é eterna.
Cabe a nós, algumas vezes, torná-las benéficas
e pacíficas (BARCELLOS, 2005, p.43).
A presença do orixá na formação do caráter do candomblista
é perceptível e ocupa papel fundamental nas bases dessa religião
afro-brasileira.Verger (1981) justifica essa dependência ao orixá
ancestral, como traço marcante na construção subjetiva do
indivíduo.
É preciso se desligar de valores civilizatórios racistas para
tentar compreender como a ritualística religiosa do candomblé
molda a personalidade do adepto, por meio dos mitos, dos hábitos,
dos rituais. A maneira mais clara de observar isso está no desenrolar
cotidiano das relações sociais pelas quais essas pessoas vivem; na
escola, em casa, no trabalho, na sociedade em geral, onde os filhos
de cada entidade em algum momento da vida irão expressar traços
da subjetividade que cada orixá carrega, pois já dizia Bastide (2001)
que o candomblé é muito mais que uma visão religiosa, antes é
uma forma de construir o homem.
Podemos perceber que, a cada dia, os ritos candomblistas
ganham espaço e são respeitados, um avanço, pois o culto, de origem
estritamente negra, está se expandindo e não mais está entrelaçado e
identificado como uma religião específica de determinado grupo.
268
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Enfim, essa discussão pretendeu, a partir da análise teórica
das visões de estudiosos renomados sobre o assunto, e da opinião
dos praticantes e líderes religiosos, abordar diversas ideias acerca
das relações dos fieis do candomblé iorubá com seu orixá pessoal,
demonstrando que essas divindades regem a vida do fiel em todos
os sentidos.
A expressão “tal pai, tal filho” como acredita Prandi (1997)
resume claramente a maneira como o seguidor do candomblé
toma os atributos do seu orixá, como se fossem os seus próprios,
na busca incessante de ser de fato, uma cópia do seu protetor.
Aos poucos a ligação entre orixá e aprendiz vai estreitandose, pois ambos passam a manter um relacionamento íntimo, de
reciprocidade e de afeto.
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271
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Desigualdade social, educação e literatura infantil: aspectos
relevantes para um projeto de identidade étnico-racial na
escola
Lucilene Costa e Silva39
Resumo: O artigo aqui apresentado tem como elementos principais
os estudos sobre a conexão existente entre currículo, cultura e
construção das identidades através do ensino da cultura africana e
afro-brasileira e, ainda, evidencia a riqueza de material pedagógico
que constitui a literatura infantil que trata dos conhecimentos
de África e dos afro-brasileiros. Estes elementos fazem parte da
reflexão, ao longo do texto, por conterem em si a possibilidade de
subsidiar a implementação da política de valorização da população
negra dentro dos princípios que nortearam a mudança do artigo
26A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que torna
obrigatório o ensino de Historia da África e dos afro-brasileiros
nos currículos da educação básica das redes pública e privada.
Para a compreensão das exclusões às quais a população negra está
submetida, são apresentados alguns dados sobre as desigualdades
no campo da economia e da educação, divididos pelas categorias
negros e brancos. A abordagem sobre a legislação enfatiza o
currículo escolar como um dos meios para a afirmação das
identidades, fazendo a reconstituição da história negada e distorcida
sobre a formação social brasileira. Para esta ampliação na visão
pedagógica dos atores educacionais, é evidenciada no trabalho a
importância das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Culturas
Afro-Brasileira e Africana. Por fim, é apresentada a literatura
infantil afro como possibilidade de subsidio para uma pedagogia
39
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Professora da Secretaria de Estado de Educação, graduada em pedagogia/UCB,
especialista em psicopedagogia/UNIVERSO, especialista em História da
África/UNB, mestranda em Políticas Públicas e Gestão da Educação – Relações
Raciais/UNB, membro do grupo de pesquisa GERAJU/UNB – gênero, raça e
juventude.
273
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
que contemple a educação para as relações étnico-raciais por conter
representações sociais positivas sobre o fenótipo negro e também
por trazer elementos das culturas africana e afro-brasileira.
Palavras-chave: Currículo. Identidade negra. Cultura. Literatura
infantil.
Introdução
A escola tem, entre muitas funções, socializar os indivíduos,
torná-los capazes de viver em sociedade à plenitude de sua
individualidade, de suas diferenças físicas e culturais e da sua relação
de pertencimento a grupos que possuem histórias distintas.
A educação é um importante meio de transformação da
sociedade e de fortalecimento de identidades. Superar as propostas
curriculares que desenvolvem processos educacionais hegemônicos
voltados para uma única parcela da sociedade é um grande desafio
para a educação brasileira.
Romão (2005) aborda a questão do sistema de educação
concebido de forma universal e a visão de mundo eurocêntrica
impondo modos de ser e de conceber os seres humanos e
promovendo a subordinação de povos através da imposição da
cultura:
Estamos dentro de um sistema de educação
considerado universal, que transmitiria
em hipótese a essência da cultura humana,
na sua diversidade. No entanto, esta visão
de universal funcionou como imposição
de uma visão eurocêntrica de mundo. As
idéias de ocidente e a cultura ocidental são
utilizadas como parte da dominação cultural.
No trato dado ao universal, desaparecem as
274
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
especificidades, ficam as categorias gerais que
são as da cultura greco-romana, judaico-cristã.
Essas culturas fundamentam o eurocentrismo
e desconhecem como relevantes as expressões
de africanos e afro-descendentes. (ROMÃO,
2005, p.254).
Gomes (2008) afirma que o ser humano se constitui na
vivência das diferenças e semelhanças em um processo complexo
de interpretação do mundo. O importante neste processo de
constituição é a não hierarquização das diferenças e a compreensão
de que uma educação voltada para a diversidade não é um apelo
romântico do século XX e início do XXI, mas uma cobrança feita
por grupos marginalizados, exigindo equidade de tratamento nas
diversas áreas sociais, inclusive na educação formal.
Para superar o ensino cuja função, em vários momentos, foi
manter as relações de poder através do currículo, os pesquisadores
chamam a atenção para a possibilidade de educação multicultural
e socializadora das várias culturas pertencentes às três principais
matrizes que deram origem à sociedade brasileira. Neste sentido,
Moreira (2008) contribui ao evidenciar o seu entendimento sobre
currículo e sociedade:
[...] estamos entendendo currículo como as
experiências escolares que se desdobram em
torno do conhecimento, em meio a relações
sociais, e que contribuem para a construção
das identidades de nossos/as estudantes.
Currículo associa-se, assim, ao conjunto de
esforços pedagógicos desenvolvidos com
intenções educativas. ( p.18).
A pouca importância dada aos assuntos que se referem
ao continente africano não é um problema só do Brasil.
Porém, o percentual de pessoas que se denominam negras é de
275
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
aproximadamente 49,8% da população, segundo dados da Pesquisa
Nacional por Amostra em Domicílio (PNAD, 2006), o que
torna bastante significativa a revisão dos currículos dos sistemas
educacionais no sentido fazer valer o direito desta população à sua
história.
Compreendendo que a educação é um fator de mudança
e possibilidade de ascensão social, a população negra está em
desvantagem em relação à possibilidade de ter uma vida digna
tanto do ponto de vista material quanto de valorização e respeito
à pessoa humana. Segundo a publicação do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA), Retratos das Desigualdades (2008),
cujas análises evidenciam a situação socioeconômica da população
brasileira desagregada pela categoria raça, os indicadores sociais
pesquisados de 1996 a 2007 mostram que entre os 10% mais pobres
da população, 67,9% eram negros, caindo esta proporção para 21,9%
no grupo dos 10% mais ricos. Quando analisada a renda per capta,
ficou evidente que 20% da população branca situava-se abaixo da
linha de pobreza, enquanto mais que o dobro, ou seja, 41,7% da
população negra se encontrava na mesma situação.
Em outra análise do IPEA (2008), tomando como base os
dados da PNAD e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), evidencia-se que o índice de analfabetismo é maior para
a população negra, com taxa de 13,6% da população pesquisada,
enquanto para a população branca, o índice é de 6,2%. No quesito
média de anos de estudo, a população negra apresenta taxa de 6,5
anos, enquanto a população branca, 8,3 anos. As análises mostram
ainda que a população negra está em desvantagem quanto ao
número dos que frequentam o ensino médio com idade de 15 a 17
anos, que é de 42,2%. Para a população branca, este número sobe
para 61,1%.
As políticas que promovem o acesso à educação foram
eficazes para garantir que um maior número de crianças e jovens
negros e brancos ingressassem no sistema educacional, mas as
diferenças de trajetória ainda são significativas, configurando
276
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
um estado de desvantagem para a população negra no processo
educacional brasileiro.
Os dados acima evidenciam a diferença dos grupos branco
e negro nos quesitos desenvolvimento econômico e processo
educacional. Outras questões voltadas para a constituição dos
sujeitos, incluindo a dimensão subjetiva das crianças e jovens no
espaço escolar, são difíceis de evidenciar devido ao caráter subjetivo
das relações baseadas nas representações sobre a população negra
que chega à sala de aula, aos materiais didáticos e passam a fazer
parte do cotidiano de negação e estereotipia em que crianças
brancas e negras se constituem como sujeitos.
Falar de educação básica é ter que mencionar o grande
desafio da educação, que, conforme alertam Osório e Soares
(2005), é diminuir a disparidade entre brancos e negros no quesito
escolarização para construir um projeto social de crescimento
e desenvolvimento econômico em que todos partam do mesmo
patamar, com as mesmas condições de lutar por melhores condições
de vida.
Analisar, inicialmente, a situação de atraso na trajetória
escolar de crianças, jovens e adultos negros e negras é concluir
que as políticas universais não dão conta de romper com duas
desigualdades: a de classe e a de raça. Ainda que haja intersecções
entre as duas, o racismo é outro constructo que serviu para
justificar a dominação e o enriquecimento de nações, povos,
elites e classes sociais. Além disso, por si só a ascensão dos mais
pobres não resolverá a questão das desigualdades raciais porque
essas desigualdades são revestidas pelo racismo40 que se encontra
impregnado no imaginário social no qual negros e negras têm suas
representações vinculadas a trabalho desqualificado, incapacidade
intelectual, seres exóticos e naturalmente inferiores.
Com base nos dados apresentados, evidenciam-se dois
questionamentos: pode o racismo ser um fator que contribui para
40
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Racismo, segundo Sant’Ana (1998, p. 12), “é uma ideologia que postula a
existência de hierarquia entre os grupos humanos”.
277
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
o insucesso e a evasão da criança negra do espaço escolar? E quais
são os efeitos do racismo na infância? Estas questões ainda não
possuem respostas, porém os indicativos já mencionados apontam
para um conjunto de fatores que evidenciam a difícil convivência
da criança negra no espaço escolar, podendo ser o ambiente da sala
de aula, em vez de acolhedor, hostil e agressivo, além de poder,
ainda, contribuir para o abandono da escola em algum momento
da trajetória educacional.
Legislação e diretrizes: por uma Pedagogia para a
diversidade étnico-racial
Na perspectiva de garantir ao povo uma educação que
assegure o direito à diversidade, a Constituição Federal é o primeiro
documento oficial que garante a cidadania para a população negra
brasileira.
Em 2003, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBEN) passou por alteração no seu texto, tendo
sido impulsionada pela política de valorização da população negra
através da Lei n°. 10.639/03, que acrescentou novos dispositivos
ao artigo 26, denominando-o, a partir de então, 26A e que orienta
para a valorização da população negra através de um currículo que
evidencie o legado cultural dos africanos trazidos para o Brasil,
tornando assim, obrigatório o Ensino da Cultura Africana e AfroBrasileira nos currículos da educação básica das redes pública e
particular.
Botelho (2006), em seu trabalho com ênfase na cultura
religiosa afro-brasileira, trouxe questões relacionadas à difícil
construção da identidade negra em um ambiente escolar em que
a história do povo africano é contada de forma a favorecer a não
aceitação do passado da população negra brasileira, a negação das
influências culturais plenamente observadas em grande parte do
território do Brasil pelos festejos, língua, vivência religiosa, modos de
278
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
ser e de se organizar. As consequências deste currículo educacional
empobrecido, por mostrar um único modelo de cultura e não
representar a multirracialidade da sociedade, são a impossibilidade
de crianças e jovens negros se sentirem parte importante e
positivamente influente na cultura nacional brasileira.
Buscando a compreensão sobre o que ensinar, para quem
ensinar e que tipo de sociedade a escola pretende produzir, Silva
discorre sobre a função dos conhecimentos na construção dos seres
humanos:
[...] as teorias do currículo, tendo
decidido quais conhecimentos devem ser
selecionados, buscam justificar por que
“esses conhecimentos” e não “aqueles”
devem ser selecionados [...] Nas discussões
cotidianas, quando pensamos em currículo
pensamos apenas em conhecimento,
esquecendo-nos de que o conhecimento que
constitui o currículo está inextricavelmente,
centralmente, vitalmente, envolvido naquilo
que somos, naquilo que nos tornamos: na
nossa identidade, na nossa subjetividade.
Talvez possamos dizer que, além de uma
questão de conhecimento o currículo é
também uma questão de identidade. (SILVA,
1999, p.15).
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura
Afro-brasileira e Africana têm como objetivo orientar as ações
pedagógicas no sentido de contribuir para que os direitos de todos ao
currículo que trate da diversidade cultural e promova a construção
das identidades negras e de ações de combate ao racismo sejam
assegurados.
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Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
A disciplina História tornou-se um elemento importante
do currículo para uma educação de sujeitos ativos, participantes
de sua própria história, mas, e a História da África nas séries
iniciais? Que objetivos tem a educação brasileira nos anos iniciais
com tais conhecimentos?
A construção de um currículo que contemple as diferentes
matrizes da cultura brasileira e a diversidade humana tem como
perspectiva romper com o racismo que permeia as relações sociais
na escola. As crianças brancas também são muito prejudicadas no
que tange a ausência de uma formação voltada para o respeito às
diferenças e a vivência dos princípios fundamentais para todos os
seres humanos, pois passam a se enxergar como seres superiores
em beleza e cultura e a constituírem seus sentidos subjetivos41,
naturalizando a hierarquia sobre o outro. O fato de pertencerem
ao grupo cujos feitos históricos são mundialmente reconhecidos,
sendo, inclusive modelo de civilização para a humanidade, faz
com que estas crianças acreditem que têm um lugar especial
naturalmente reservado para elas.
A branquetude42, não só no aspecto físico, mas também
subjetivo, é uma construção silenciosa que se expressa no modo de
ser e agir destas crianças e começa a influenciar na maneira como
tratam os outros e como atuam nos espaços sociais. O ensino da
cultura africana traz consigo a possibilidade dos pequenos educandos
conhecerem outras culturas, com diferentes elementos, modos de
ser e viver e estes novos conhecimentos são possibilidades para
enxergar o outro como diferente, sem hierarquizar seus modos,
sua religião e seu corpo com base em um único modelo de ser
humano e cultura.
Cultura, identidade e história apresentarão
sempre aspectos críticos ao serem tratados,
pela carga política que essas definições e
Rey (2003) define como a unidade inseparável dos processos simbólicos e as
emoções num mesmo sistema.
42
Segundo Bento (2002), se relaciona à força hegemônica de ser branco.
41
280
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
conceitos encerram. A educação transmite a
cultura. Assim, ela reserva o direito de dizer
o que é cultura. Cabe, antes, qualquer de
qualquer coisa, perguntarmos qual educação,
para quem e para que? A educação faz a
seleção dos temas por um critério unicamente
ideológico, político, mas se ampara nas
ciências para justificar as escolhas. Vemos
que as ciências fazem um esforço para serem
consideradas neutras, e também verdadeiras.
As definições de cultura e história abrangem
sempre concepções sobre as quais não
existem uma unanimidade de perspectiva, e as
definições fazem parte da cena do confronto
político entre grupos sociais. (ROMÃO,
2005, p.256).
A história da África nas séries/anos iniciais viria com a
função extra de promover a familiarização das crianças com os
elementos que constituem o universo africano com suas diferenças.
As lendas, histórias, mitos, provérbios, modos de pensar e viver no
mundo, a fauna e a flora, a relação do africano com a terra são
reveladores da cultura de um povo e, no caso, estes elementos da
cultura africana e afro-brasileira serão um preparativo para estudos
futuros com uma compreensão mais apurada do que seja a África
em seus vários aspectos.
Literatura infantil como instrumento auxiliar para uma
Pedagogia multicultural
Na atualidade, os estudos pós-coloniais têm, de forma
relevante, tratado das identidades surgidas a partir das interações
entre as diferentes culturas. As questões do poder e da legitimação
de determinadas identidades têm sido analisadas do ponto de vista da
281
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
teoria das representações sociais43 neste artigo, por buscar elucidar
as ligações simbólicas que estabelecem sentidos no imaginário e
propiciam a emergência e o arquivamento de campos conceituais a
respeito de coisas, pessoas e culturas. Esse pensar sobre a sociedade
remete o sujeito a pensar sobre si mesmo e a atribuir identidades,
reconhecer as diferenças e fortalecer a própria identidade.
A literatura em geral constitui uma modalidade de
construção de sentidos na qual as representações perpetuam ou
criam novos sentidos, alterando os conceitos e modos de conceber a
realidade e construindo as relações de pertencimento identitários.
A literatura afro tem características evidentes nos
pressupostos do seu nascimento como uma possibilidade de
referência cultural positiva para crianças negras e brancas, opondose à literatura infantil cuja cultura abordada evidencia a cultura
europeia em que os autores dos famosos clássicos infantis retrataram
espaços geográficos estranhos aos olhos dos brasileiros. Sobre esta
ideia, Munanga contribui ao constatar que:
Ora, a maior parte das crianças está nas
ruas. E aquelas que têm a oportunidade de
ser acolhida não se salva:a memória que lhe
inculcam não é a de seu povo ; a história que
lhe ensinam é outra; os ancestrais africanos são
substituídos por gauleses e francos de cabelos
loiros e e olhos azuis;os livros estudados lhe
falam de um mundo totalmente estranho, da
neve e do inverno que nunca viu, da história
e da geografia das metrópoles; o mestre
e a escola apresentam um mundo muito
diferente daquele que sempre a circundou
(MUNANGA, 2009, p.35).
43
282
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Moscovici (2009) define como uma maneira específica de compreender e
comunicar o que nós já sabemos.
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Não se trata de pensar a literatura como tendo uma
função utilitarista e com fins didáticos, mas não desvinculá-la
das determinações sociais, do tempo, do espaço e das questões
ideológicas que envolvem a sua concepção. Literatura infantil é
arte e, como tal, não está isenta das influências exteriores e das
motivações pessoais de cada autor. O fato é que passa a fazer
parte do currículo da escola. O entendimento da importância da
literatura fez com que fosse pensada uma política de formação
de leitores que culminou no Programa Nacional Biblioteca da
Escola (PNBE), pelo qual acervos são disponibilizados para os
alunos e alunas.
Estudos sobre África para séries iniciais, na forma de
literatura infantil, podem ser uma grande possibilidade pedagógica
que vem ao encontro de toda proposta curricular que tenha como
conteúdos o estudo dos diferentes grupos, a interação da criança
com o meio e a resolução de questões íntimas e subjetivas relativas
à identidade negra e branca, através das representações sociais
positivas que uma boa literatura deve conter no sentido de não
perpetuar estigmas.
A riqueza das histórias, seus signos e significados, mitos e
imagens da cultura africana e afro-brasileira conseguem permear
a imaginação das crianças e estabelecer construções conceituais
e, muitas vezes, a escola não se dá conta da importância deste
currículo como parte da complexidade que constitui a formação
das personalidades das crianças e o estabelecimento de novos
valores humanos voltados para a aceitação das diferenças. Também
para este fim da educação, a literatura infantil é um instrumento
muito importante.
A literatura infanto-juvenil apresenta-se como
filão de uma linguagem a ser conhecida, pois
nela reconhecemos um lugar favorável ao
desenvolvimento do conhecimento social e à
construção de conceitos. A psicanálise folheou
283
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
as ingênuas obras e nos contou uma história de
profundos conflitos psíquicos, relacionando
personagens a chaves emocionais, como
abandono, perda, competitividade, autonomia
etc., que auxiliaram na ordenação da caótica
vida interna da criança em formação. Para
além de uma função, a terapêutica, as
narrativas voltadas para um leitor jovem
apresentam o dinamismo das diferentes
culturas humanas e o que imaginamos ser um
espaço de significações, a emoções, ao sonho
e á imaginação. (LIMA, 2008, p.97).
A utilização da literatura infantil para redimensionar os
conhecimentos sobre a África e os afro-brasileiros numa nova
perspectiva de representação social constitui uma boa opção para
atrair as crianças e inserir os conteúdos, uma vez que a literatura
oferece imagens e textos repletos de um vasto conhecimento que,
muitas vezes, os educadores não dominam, mas que se tornam
acessíveis e relevantes para informar e introduzir as crianças em
vários assuntos, como a geografia da África, costumes de uma
determinada sociedade, modos de produção, crenças, vida familiar,
entre outros assuntos colocados como eixos temáticos nos
Parâmetros Curriculares e que podem, com o auxílio da literatura
infantil, ganhar materialidade pedagógica.
Toda obra literária, porém, transmite
mensagem não apenas por meio do texto
escrito. As imagens ilustradas também
constroem enredos e cristalizam as
percepções sobre aquele mundo imaginado.
Se examinadas como um conjunto, revelam
expressões culturais de uma sociedade. E se
pensarmos neste universo literário imaginado
pela criação humana, como um espelho
284
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
onde me reconheço através de personagens,
ambientes, sensações? Nesse processo eu
gosto e desgosto de uns e outros e formo
opiniões a respeito daquele ambiente ou
daquele tipo de pessoa ou sentimento (LIMA,
2008, p.98).
A literatura infantil relacionada aos estudos africanos
surge para suprir parte da carência de visibilidade e de identidade
cultural das crianças negras nos sistemas de ensino. Durante muito
tempo, pesquisadores como Lima (2000) e Sousa (2001), entre
outros, que desenvolveram trabalhos tendo como objeto de análise
a literatura brasileira, concluíram, quase sempre, que este recurso
cultural muito esteve carregado de preconceitos tanto na forma de
representar imageticamente44 a população negra quanto na ausência
de textos que fizessem menção à cultura afro-brasileira e africana.
As questões abordadas brevemente neste tópico tiveram
como objetivo evidenciar a literatura como possibilidade de
subsídio para a auxiliar a transposição do artigo 26A da LDBN que
trata da cultura afro-brasileira e africana para o currículo e ainda
desconstruir estereótipos sobre a população afro-brasileira.
Considerações finais
O desafio de incluir nos currículos a História da África
e Afro-Brasileira ficou dependendo de outros fatores, além da
legislação, ligados à formação do professor e da professora e
também do modo como as instituições concebem os fins da
educação e constroem seus currículos a partir de reflexões sobre as
demandas sociais.
44
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Moscovici (2009, p. 46) afirma que representação=imagem/significação, em
outras palavras, a representação iguala toda imagem a uma idéia e toda idéia a
uma imagem.
285
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
A óbvia conclusão é de que formalmente, cotidianamente
na escola, o ato de educar está principalmente nas mãos dos
professores e, embora não sejam os únicos responsáveis, devem
receber o maior número possível de informações sobre a história da
constituição da diversidade social brasileira, das diferentes culturas
e do direito que os educandos têm de acesso ao currículo e às suas
construções identitárias no espaço escolar.
A educação para as relações étnico-raciais está amparada por
um conjunto de leis muito importantes para afirmar legalmente
a necessidade do trabalho pedagógico que inclua a todos e todas
de maneira igualitária, considerando as diferenças humanas e
de cultura. São muitos os fatores que promovem a diferença de
escolarização entre negros e brancos, porém a valorização de
todas as matrizes que compõem a sociedade brasileira constitui
processo importante na área da educação, no sentido de superar as
desigualdades educacionais e proporcionar maior índice de sucesso
escolar entre as crianças negras.
O desafio maior é transformar as determinações legais
em práticas pedagógicas cotidianas nas salas de aulas, bem como
adequar materiais didáticos para uma educação de fato antiracista. É possível inferir que o currículo voltado para a educação
das relações étnico-raciais contribua para fortalecer a construção
identitária da criança negra para que esta se sinta valorizada no
espaço escolar e conclua a trajetória educacional sem as marcas
deixadas pelas relações sociais racistas.
A literatura infantil e a infanto-juvenil com temas voltados
para os estudos afro-brasileiros e africanos estão em expansão e
surgiram para atender a demanda por reconhecimento da cultura
e da identidade da população afrodescendente de forma positiva.
Como outras literaturas, têm um viés político e ideológico porque
surgem com objetivos de trazer ao conhecimento de todos e todas,
uma cultura negada nas propostas curriculares das graduações e
da educação básica, mas vivenciadas no cotidiano da língua, da
comida, dos festejos, danças e costumes do povo brasileiro.
286
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
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288
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Movimento negro: a educação no contexto dos avanços após
a Marcha Zumbi dos Palmares
João Costa Lima45
Resumo: O presente texto tem por objetivo fazer uma abordagem
sobre os principais avanços do Movimento Negro brasileiro na área
de educação a partir da Marcha Zumbi dos Palmares, realizada em
Brasília - DF, em 1995. Neste trabalho, explicito ações educativas
incrementadas por entidades e grupos desse movimento, o
pensamento e conceito de autores negros e não negros renomados
sobre as políticas públicas de ações afirmativas e os principais marcos
reivindicatórios do Movimento Negro brasileiro. Consta também
nessa abordagem a questão das políticas de ações afirmativas nas
universidades estatais, concomitantemente a importância da
universidade para a ascensão social dos negros e a aprovação no
Congresso Nacional do Estatuto da Igualdade Racial como uma
conquista da população negra brasileira.
Palavras-chave: Movimento Negro. Avanço. Educação.
Introdução
O objetivo deste texto é refletir e explicitar os principais
avanços educacionais do Movimento Negro brasileiro a partir
da realização da Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo,
pela Cidadania e a Vida, ocorrida em 20 de novembro de 1995, por
45
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Pós-Graduado em Didática e Pedagogia da História e Cultura Africana e
Afro-Brasileira; Docência do Ensino Superior pelo Instituto Educacional
Multidisciplinar de Brasília – IMPAR-DF; Licenciado em História pela
Faculdade Projeção – DF; Membro do GERAJU- Grupo de Pesquisa em
Educação e Políticas Públicas: Gênero, Raça/Etnia e Juventude, FE – UNB.
Professor da Universidade Estadual de Goiás – UEG. E- mails: kkostta@
yahoo.com.br, [email protected].
289
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
ocasião dos 300 anos do falecimento do herói negro Zumbi dos
Palmares, comumente chamada Marcha Zumbi; pois, a educação é
o ponto de partida para que se possa melhorar as condições de vida
de uma população em qualquer contexto no Brasil, e também para
a população afro-brasileira. Tendo em vista que o eixo norteador
das lutas e reivindicações do Movimento Negro brasileiro é a
educação, reflito no presente texto sobre os principais avanços desse
movimento social nesta área; considerada por seus idealizadores
e militantes como questão fundamental no combate ao racismo,
à discriminação racial e às desigualdades raciais, historicamente
comprovadas em nosso país, como confirma Hasenbalg (1979) e
Santos (1997 citado por Sales Augusto dos Santos 2005, p. 21):
A abolição da escravatura no Brasil não livrou
os ex-escravos e/ou afro-brasileiros (que já
eram livres antes mesmo da abolição em 13
de maio de 1888) da discriminação racial e das
conseqüências nefastas desta como a exclusão
social e a miséria. A discriminação racial que
estava subsumida na escravidão emerge, após
a abolição, traspondo-se ao primeiro plano de
opressão contra os negros. Mais do que isso,
ela passou a ser um dos determinantes do
destino social, econômico, político e cultural
dos afro-brasileiros.
No contexto dos avanços educacionais do Movimento
Negro brasileiro nas décadas finais do século XX e inicial do XXI,
cito o trabalho educacional desenvolvido pelo bloco carnavalesco
Ilê Aiyê nas escolas de vários municípios baianos. Aqui, tenho como
exemplo de uma ação prática de valorização das raízes africanas e de
instrução e conscientização dos descendentes dos negros brasileiros;
a opinião de Terezinha Bazé de Lima (2002) sobre pluralidade
cultural e o combate à discriminação racial na escola, conceito de
cultura e respeito às diferenças culturais, étnicos-raciais e sociais,
290
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
utilizando-se a diversidade étnica e cultural do Estado do Mato
Grosso do Sul como referência; a visão de Luis Fernando Martins
da Silva (2003) sobre a universidade como divisor de águas para as
classes sociais menos favorecidas, para o combate à discriminação
racial e ruptura do ciclo de pobreza.
Também é parte integrante deste texto a respeitável opinião
de dois negros ocupantes de altos cargos na estrutura do poder no
Brasil: Joaquim Barbosa Gomes (2003), ministro do Supremo
Tribunal Federal, sobre o conceito jurídico de políticas de ações
afirmativas e a implementação dessas políticas como atitude
reparadora do Estado brasileiro da discriminação racial histórica
contra os negros. E a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial
no Congresso Nacional com a participação do Movimento Negro.
Como resposta às lutas do povo negro brasileiro, que perdura desde
o século XVI e às demandas contemporâneas da população negra,
na opinião do Senador da República Paulo Paim (2006) do Partido
dos Trabalhadores do Rio Grande do Sul (PT/RS).
Outra abordagem sobre o Movimento Negro que
considero importante citar é a volta à Brasília dez anos após a
realização da Marcha Zumbi (1995), intitulada “Marcha Zumbi
+10”; que produziu o documento Manisfesto à Nação (2005) para
reafirmar o descontentamento da nação negra brasileira, apesar de
alguns avanços, com as autoridades estatais no tocante ao combate
do racismo, à discriminação racial e às desigualdades sociais.
Breve Trajetória Histórica do Movimento Negro Brasileiro
Na história dos negros no Brasil sempre houve registros de
resistências e lutas contra a situação degradante que lhes era imposta,
sejam os quilombos e as revoltas urbanas na época da escravidão, as
lutas pela sobrevivência como libertos, num longo período após a
abolição; seja nas manifestações culturais e religiosas, como forma
de resistência e esforço para evitar a miséria, nas décadas iniciais
291
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
do século XX. Especificamente, em nível histórico, conforme
Munanga (1999), Pinto (1992) e Nabarro (2000), é praxe subdividir
a trajetória do Movimento Negro brasileiro em três fases, que são
as seguintes: Movimento Negro Pré-Abolicionista (até 1888);
Movimento Negro Pós-Abolicionista (até a década de 1970); e,
Movimento Negro Atual.
Sobre o Movimento Negro Pré-Abolicionista, conforme
Adão (2002, p. 73), explicito alguns protestos dos negros em defesa
da liberdade que já existiam desde a saída forçada da África, no
século XV, e na travessia do Atlântico antes da chegada às costas
americanas. Encontram-se registrados em documentos inúmeros
levantes, revoltas, fugas individuais e coletivas, suicídios e abortos
voluntários de mulheres escravizadas. Nesse contexto, o autor
destaca que:
No quotidiano do negro do regime
escravista, subjaz, pulsa e sustenta-se uma
práxis educativa e informal, cujo cerne é a
cosmovisão africana: uma cultura da vida,
concretizada e rememorada na tradição oral,
reforçada no culto aos orixás que, por sua vez,
funda, cria, dinamiza, restitui e substitui o axé
(força vital) (ADÃO, 2002, p. 73).
De acordo com Adão (2002), o clima de fugas, organizações
de vivências da liberdade deram o tom da práxis educativa informal
negro-brasileira. Pois na senzala as crianças negras eram preparadas
para o sonho quilombista, enquanto no Quilombo eram educadas
para manter a liberdade conquistada. Não obstante, a abolição
da escravatura não se deu da noite para o dia, ela foi resultado de
revoltas, insurreições e de lutas nomeadas como abolicionistas. Este
autor enfatiza que, em especial, na segunda metade do século XIX,
destacam-se fatos importantes nas lutas sociais a cerca da questão
dos escravos, tais como: a Primeira Greve de Escravos-Operários
do Brasil (1847), em uma metalúrgica criada pelo Visconde de
292
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Mauá; Lei do Ventre Livre (1871), que tornou livres os filhos dos
escravos nascidos no Brasil; e Lei Euzébio de Queiróz (1850), que
aboliu o tráfico negreiro no Brasil.
No contexto do Movimento Negro Pós-Abolicionista,
destaca-se o período de 1930 a 1964, no qual o Movimento Negro
criou a Frente Negra Brasileira – FNB e o Teatro Experimental
do Negro – TEN. De acordo com Adão (2002), oficialmente e
formalmente o negro só teve acesso a educação após 1888, nesse
sentido, a educação tornou-se um dos objetivos centrais do
Movimento Negro pós-abolicionista, em suas lutas e reivindicações.
Exemplifico aqui, a práxis educativa do quotidiano do Movimento
Negro com as ações educativas da FNB:
Suas atividades educacionais merecem ser
reconhecidas pelo alto grau de abrangência e
organização: desenvolveu cursos da música,
inglês, educação física e formação social,
juntamente com atividades de carpintaria e
corte e costura que, na prática, funcionavam,
também, como cursos profissionalizantes.
Essas associações tiveram muitas dificuldades, e
só levaram adiante suas atividades com muitos
esforços e colaboração de voluntários (PINTO,
1992, p. 28, citado por ADÃO, 2002, p.79).
Com Adão (2002) destaco o TEN como marco importante
do Movimento Negro Brasileiro, apesar de sua atuação ter abrangido
dimensões culturais, artísticas e sociais; ou seja, o TEN desenvolveu
trabalhos educativos instruindo os negros a continuar a tradição
de protesto e organização, ao mesmo tempo, procurou reivindicar
o reconhecimento do valor civilizatório da herança africana e da
personalidade negro-brasileira. Para este autor, na década de 1930,
a ênfase era para que o negro se instruísse e se escolarizasse, por
isso o TEN colaborou com as críticas às autoridades por não terem
dado a devida atenção para a instrução dos negros após a abolição.
293
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
No tocante ao Movimento Negro atual, presentifico o
entendimento de Maria Auxiliadora Gonçalves da Silva (1994) sobre
as ações políticas e de indignação do Movimento Negro brasileiro.
Neste contexto, esta autora relata que no dia 18 de julho de 1978,
durante um ato de protesto nas escadarias do Teatro Municipal de
São Paulo, foi fundado o Movimento Negro Unificado Contra a
Discriminação Racial (MNUCDR); mais tarde sendo denominado
apenas de MNU, como resultado da integração de várias entidades e
grupos do Movimento Negro paulista e carioca, inicialmente. Para
enfrentar as perseguições da ditadura militar, o Movimento Negro
Unificado se estruturou juridicamente em nível nacional, estadual
e municipal com Programa de ação, Estatuto e Carta de Princípios.
E, assim, exemplifica o descontentamento desse Movimento:
[...] Para nós da comunidade negra, os 100
anos da Abolição não refletem a liberdade
através de todo este século, praticamente
nada mudou, continuamos escravos. Nos
é imposta toda uma série de infindável
barreiras e preconceitos que não permitem
nossa ascensão social. Partimos das senzalas
para os morros e bairros afastados. E quando
um de nós consegue melhor condição
social, pagamos um preço muito alto, tais
como: ironia, discriminação agressiva de
não pertencermos a esta classe [...] Estamos
com a programação que tem como objetivo
desmistificar o mito da democracia racial
tão propagada no Brasil. (texto introdutório
do convite para o dia 20 de novembro – Dia
Nacional da Consciência Negra, 1988, citado
por SILVA 1994, p. 61).
294
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Ainda no contexto do Movimento Negro Atual, abordo o
pensamento de Carlos Alberto de Paulo (2002), que destaca três
acontecimentos como “marcos” referenciais do Movimento Negro
no Brasil: a criação do Movimento Negro Unificado – MNU, em
1978; a realização do Primeiro Encontro Nacional de Entidades
Negras em São Paulo em 1991 - I ENEN; e a Marcha Zumbi dos
Palmares Contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida, ocorrida em
20 de novembro de 1995, em Brasília. O autor buscou, neste último
evento, as referências necessárias para desenhar o cenário que
configurou os pressupostos da luta contra o racismo protagonizada
pelo Movimento Negro.
A Educação no Contexto dos Avanços após a Marcha
Zumbi
Após a realização da Marcha Zumbi, o Movimento Negro
conseguiu avanços significativos em diversas áreas que compõem
os eixos temáticos de suas reivindicações; principalmente na
questão educacional, nas esferas Municipal, Estadual e Federal,
com abrangência que vai do Ensino Fundamental ao superior.
Um bom exemplo de conquistas do Movimento Negro foi
o projeto “Experiências Educativas para Populações Negras”, do
bloco carnavalesco Ilê Aiyê, com sede no bairro Curuzu-Liberdade
em Salvador, no Estado da Bahia (BA). De acordo com Antonio
Carlos dos Santos, Vovô e Jônatas Conceição da Silva (2002), o
Ilê Aiyê foi um marco da resistência político-cultural das raízes
africanas na sociedade brasileira.
Segundo Vovô e Silva (2002), a idealização do Ilê Aiyê
teve como referências teóricas informações do movimento negro
estadunidense nas décadas de 1970 e 1980, as lutas de independências
de países africanos e a resistência cultural afro-brasileira originária
do Candomblé (religião brasileira de matriz africana). Para esses
autores, foi a partir desse referencial que o Ilê Aiyê desenvolveu
295
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
inúmeros estudos direcionados à educação da população afrodescendente, com ênfase na solidariedade dos negros entre si, no
respeito à história da mulher negra e na valorização das religiões de
origem africana.
Conforme Vovô e Silva (2002), o Ilê Aiyê desenvolveu
um ensino informal da história das civilizações africanas e afrobrasileiras na medida em que, a cada carnaval, desde 1975, o bloco
cantava em homenagem a nações do continente africano e abordava
fatos da história de lutas do povo negro brasileiro.
A experiência educativa do Ilê prioriza a
vertente cultural afro-brasileira, elegendo
como referencial fundamental a música. Foi
a trilha escolhida para fazer com que afrodescendentes ou não, tomassem conhecimento
do ‘Mundo Negro’. Esta é a tese principal
da Entidade: através do conhecimento vem
a auto-estima; a ignorância é superada e
as pessoas negras não são eliminadas; o
preconceito e as discriminações dão lugar à
aceitação das diferenças; as oportunidades de
vida digna para todos aumentam (VOVÔ;
SILVA, 2002, p. 24).
Segundo Vovô E Silva (2002), em 1995, o Ilê Aiyê iniciou
um processo de ensino formal com a criação do “Projeto de
Extensão Pedagógica”, que se desenvolveu com experiências
culturais e educativas produzidas pela entidade no bairro CuruzuLiberdade e posteriormente difundido no Brasil e no exterior. Para
tanto, os autores destacam que:
O acervo de material educativo que incluía um
vasto repertório música, discos, estamparias,
pesquisas históricas, vivências religiosas,
histórias orais, práticas sócio-educativas, etc.
296
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Começa a ganhar visibilidade maior a partir
dos anos 90, permitindo que o Ilê Aiyê fizesse
importantes parcerias para consolidar o seu
projeto sócio-educativo. (VOVÔ; SILVA,
2002, p. 25).
De acordo com Vovô e Silva (2002), dentre as parcerias
citadas, o Ilê Aiyê obteve apoio financeiro e metodológico de
instituições importantes como Fundação Odebrecht, Fundo das
Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e convênios com as
Secretarias de Educação do Município de Salvador e do Estado
da Bahia (BA). Com esse suporte, o Projeto teve acesso às escolas
para desenvolver: “[...] o trabalho de capacitação dos professores da
Escola Mãe Hilda e de professores das principais escolas públicas
da Liberdade, visando a introdução dos temas da história negra no
planejamento curricular”. (VOVÔ; SILVA, 2002, p. 25).
Outro ponto do projeto educacional do Ilê Aiyê abordado
por Vovô e Silva (2002) foi a publicação sistemática de Cadernos
de Educação que, em 2002, já contava com dez volumes, com
abrangência em temas importantes sobre a história dos negros
no Brasil, dentre os quais, os 300 anos de Zumbi dos Palmares,
publicado em outubro de 1996, Terra de Quilombo, publicado em
abril de 2000 e a Revolta dos Malês publicado em maio de 2002.
(VOVÔ; SILVA, 2002).
Vale ressaltar que esse trabalho do Ilê Aiyê vem corroborar
um dos principais objetivos do Movimento Negro brasileiro, que
é a conscientização da população negra através da valorização de
suas raízes africanas. Nesse sentido, a simples experiência de cantar
em homenagem às nações africanas torna-se educação informal
e posteriormente formal, trazendo em seu bojo a valorização da
cultura africana e afro-brasileira; com o intuito de instruir os
negros, melhorar sua autoestima através do conhecimento e ao
mesmo tempo combater o preconceito e a discriminação racial
latente da população brasileira.
297
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Outro avanço importante do Movimento Negro, em
âmbito estadual, pode ser observado no artigo da professora
Doutora Terezinha Bazé de Lima intitulado “Pluralidade Cultural
e o Combate à Discriminação Racial na Escola”, tendo como
referência o Estado do Mato Grosso do Sul.
Segundo Terezinha Bazé de Lima (2002), o Mato Grosso
do Sul (MS) é um Estado rico em diversidade étnico-cultural
por fazer fronteira com vários Estados brasileiros e com países
como Paraguai e Bolívia. Além de existirem no território sulmatogrossense negros, quilombolas, aldeias de índios. Isso tudo
torna esse Estado um caldeirão cultural.
De acordo com Lima (2002), para desenvolver um trabalho
educacional com a temática pluridade cultural no combate ao
preconceito racial, é importante refletir sobre a concepção de cultura:
[...] A cultura é os costumes, as tradições,
a língua, a raça, a religião, enfim, os valores
da diversidade humana. Ser culto não é ter
escolaridade simplesmente, mas sim, ser
você mesmo preservando seus valores, seus
costumes, falando a sua língua e apreciando
as diferenças, amando e respeitando a si e
seus semelhantes (Lima, 2002, p. 30).
Lima (2002) entende que para uma conscientização sobre
a pluridade cultural é preciso reconhecer e respeitar as diferenças,
sejam elas étnicas ou culturais e afirma que os Parâmetros
Curriculares Nacionais – PCNs trouxeram uma boa proposta nesse
sentido; pois tratam de um novo “ensinar-aprender”, objetivando
incorporar o cotidiano social e cultural no cotidiano escolar e
destaca que:
Entre os muitos temas e documentos que
compõem os PCNs, o que diz respeito
à pluralidade cultural é especialmente
298
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
inovador. Apresenta uma noção afirmativa de
diversidade cultural, como riqueza humana
a ser explorada, fonte de conhecimento e
denso material a ser usado nas escolas em
praticamente todas as disciplinas (LIMA,
2002, p. 31).
Para Lima (2002), a pluralidade cultural precisa ser vista
como um direito, como forma de afirmação social, como um
modo de reconhecer a dignidade dos grupos que a representam.
Para tanto, é preciso que o professor no seu trabalho, em sala
de aula, saiba compreender aqueles estudantes que são alvo da
discriminação racial e desenvolva práticas docentes voltadas para
a cidadania, reconhecendo e valorizando a diversidade cultural.
Nesse sentido afirma que:
As ações do Movimento Negro representam
um dos mais originais e promissores
movimentos sociais na sociedade brasileira.
Pelo menos dois objetivos orientam a ação das
entidades negras e isso tem qualificadamente
transformado o comportamento do Negro
brasileiro e consequentemente do Mato
Grosso do Sul: o combate às desigualdades
raciais e a luta pela transformação social e a
valorização da identidade e da cultura negra
(LIMA, 2002, p. 32).
Segundo Lima (2002), a discriminação racial no Brasil se dá
de duas formas: a direta, que é a adoção de regras gerais estabelecendo
distinções através de proibições, e a indireta, que são situações
aparentemente neutras, mas que acabam criando desigualdades em
relação ao outro. Para superar essas formas de discriminação social,
Lima (2002) afirma ser necessária a criação e implementação de
várias políticas públicas nesse sentido. E destaca que:
299
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
As esferas governamentais terão, portanto, um
desafio maior que é o de continuar a propagar
as idéias de não discriminação, e ao mesmo
tempo, difundir os ideais de tolerância e
de respeito aos direitos humanos. Enfim,
a construção de uma sociedade que não
discrimine passa por mudanças de atitudes
bem radicais a começar pelo reconhecimento
de que a discriminação existe até mesmo no
cotidiano das pessoas (LIMA, 2002, p. 33).
Dentre os avanços do Movimento Negro nos últimos
anos, indiscutivelmente, o maior deles foi conseguir abrir o debate
sobre desigualdades raciais no âmbito do Governo Federal e entre
intelectuais renomados em várias áreas do conhecimento; mais
precisamente no tocante à educação em nível superior. Nesse
sentido, têm-se as ações afirmativas (políticas de cotas) como o
ponto mais polêmico desse debate.
Para Joaquim Barbosa Gomes (2003), ao discutir a
implementação de políticas afirmativas, o Estado considerou
que houve uma discriminação histórica no passado que causou
desigualdades no presente e que tais políticas são necessárias
para fomentar a igualdade de oportunidades, seja no mercado de
trabalho ou em instituições educacionais. E afirma que:
[...] As ações afirmativas podem ser definidas
como um conjunto de políticas públicas e
privadas de caráter compulsório, facultativo
ou voluntário, concebidas com vistas ao
combate à discriminação racial, de gênero,
por deficiência física e de origem nacional,
bem como para corrigir ou mitigar os efeitos
presentes da discriminação praticada no
passado, tendo por objetivos a concretização
do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens
300
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
fundamentais como a educação e o emprego
(GOMES, citado por SANTOS; LOBATO,
2003, p. 27).
Segundo Gomes (2003), entre os teóricos do Direito Público
no Brasil, Carmen L. Rocha traduziu uma completa noção acerca
do enquadramento Jurídico-Doutrinário das ações afirmativas e
as classificou como a mais avançada tentativa de se concretizar o
princípio jurídico da igualdade. Para tanto, essa autora afirma que:
A definição jurídica objetiva e racional
da desigualdade dos desiguais histórica e
culturalmente discriminados é concebida
como uma forma para se promover a igualdade
daqueles que foram e são marginalizados por
preconceitos encravados na cultura dominante
na sociedade. Por esta desigualação positiva
promove-se a igualação jurídica efetiva; por
ela afirma-se uma forma jurídica para se
provocar uma efetiva igualação social, política,
econômica no e segundo o Direito, tal como
assegurado formal e materialmente no sistema
constitucional democrático. A ação afirmativa
é, então, uma forma jurídica para se superar
o isolamento ou a diminuição social a que se
acham sujeitas as minorias (ROCHA, 1996,
citado por SANTOS; LOBATO, 2003, p. 28).
De acordo com Luis Fernando Martins da Silva (2003), a
universidade representa uma mobilidade de ascensão social que
mais influencia na ruptura do ciclo de pobreza, o que a torna um
divisor de águas entre as classes sociais e afirma que:
Por isso, o tema ação afirmativa, e seus
mecanismos como a implementação de
reservas de vagas (cotas) no ensino público
301
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
superior
para
os
afro-descendentes,
recolocou na pauta dos debates públicos no
Brasil a questão racial e a luta anti-racista,
e vem suscitando vigorosas divergências
jurídicas sobre a constitucionalidade dessas
políticas públicas, que atingiram o seu
ponto mais alto com o ajuizamento de
mais de duzentos mandados de segurança
individual e de duas representações de
inconstitucionalidade perante o Tribunal de
Justiça do Estado do Rio de Janeiro, e uma
ação direta de inconstitucionalidade perante
o Supremo Tribunal Federal (SILVA, citado
por SANTOS; LOBATO, 2003, p. 59).
Segundo Silva (2003), a agenda de estudos e debates sobre
ações afirmativas no Brasil, especialmente na área de educação, não
é recente e deve-se ao incessante trabalho do Movimento Negro,
que vem fazendo inúmeras denúncias por todo país, sobre a falta
de igualdade de oportunidades para os afro-descendentes.
Para Silva (2003), a discriminação racial está presente no
sistema educacional brasileiro e causa enormes dificuldades aos
afro-descendentes no acesso à educação formal. Para esse autor,
tal discriminação tem raízes no passado histórico de colonialismo
e escravidão que, ainda hoje, apresenta nefastos resultados nos
índices de escolaridade dos afro-descendentes, gerando um círculo
vicioso de pobreza e marginalização social.
Vale ressaltar que as discussões sobre políticas de ações
afirmativas não se restringem apenas ao poder executivo, pois foi
aprovado no Senado, em 2003, o “Estatuto da Igualdade Racial”
posteriormente alterado por um substituto do Senador Paulo
Paim (Partido dos Trabalhadores do Estado do Rio Grande do
Sul - PT/RS).
302
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Segundo Paim (2006), a luta do povo negro brasileiro
começou no século XVI e, durante muito tempo, não teve vez
nem voz; portanto, para continuar lutando contra essa realidade
e conquistar os espaços que foram negados aos negros brasileiros,
em conjunto com o Movimento Negro foi pensado e aprovado o
Estatuto da Igualdade Racial que é:
[...] um conjunto de ações afirmativas,
reparatórias e compensatórias. Sabemos que
esses tipos de ações devem emergir de todos
e de cada um. Devem partir do Governo, do
Legislativo, da sociedade como um todo e do
ser humano que habita em cada um de nós.
Felizmente isso vem acontecendo. Talvez
pudessem ser mais numerosas, mas temos
presenciado ações afirmativas. São frentes de
luta contra o racismo na educação, no mercado
de trabalho, nos meios de comunicação e
diversas outras áreas. (Estatuto da Igualdade
Racial, 2006, p. 09).
Conforme Paim (2006), a intenção de aprovar o Estatuto
da Igualdade Racial foi defender os discriminados por cor, raça
ou etnia e fomentar o debate contra o preconceito racial presente
no Brasil. Como grande parte do documento foi construído com
ideias do Movimento Negro, outros brasileiros que se sintam
discriminados podem contribuir com novos conceitos para
combater o preconceito. E destaca:
Não queremos a cultura afro-brasileira vista,
sentida experimentada somente nas práticas
religiosas, música ou alimentação. Queremos
a cultura do negro inserida nas escolas, no
mercado de trabalho, nas universidades,
pois o negro faz parte do povo brasileiro.
303
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Cultivar as raízes da nossa formação histórica
evidentes na diversificação da composição
étnica do povo é o caminho mais seguro para
garantirmos a afirmação de nossa identidade
nacional e preservarmos os valores culturais
que conferem autenticidade e singularidade
ao País (Estatuto da Igualdade Racial, 2006,
p. 40).
Diante dos exemplos elencados nesse texto, nota-se que,
mesmo não sendo consensual, as políticas de ações afirmativas
entraram definitivamente nas discussões políticas nacionais, no
âmbito das três esferas do poder (Executivo, Legislativo e Judiciário).
O que pode ser considerado benéfico frente às desigualdades
existentes no Brasil. Não obstante, o Movimento Negro não se
acomodou e realizou em Brasília, 2005, a Marcha Zumbi +10
- Contra o Racismo e pela Vida que, como a anterior, também
produziu documento intitulado “Manifesto à Nação”, que afirma:
Estamos aqui para dizer que os pricípios de
liberdade e dignidade – pelos quais lutaram
nossos antepassados neste solo, em África e
em todos os recantos do planeta atingidos
pela experiência da Diáspora Africana permanecem como fontes inesgotáveis de
inspiração de nossa luta contemporânea
pela Vida, Humanização, Respeito e Justiça
(MANIFESTO À NAÇÃO, 2005, p. 01).
O documento da Marcha Zumbi +10 traduz-se pela
cobrança de ações efetivas do Estado relativas às principais
denúncias feitas na Marcha anterior dez anos antes. De acordo com
esse Documento, persiste a insuficiência de iniciativas de combate
ao racismo, somando-se ainda, novos desafios. Portanto, afirma
que:
304
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Por considerarmos que todas essas condições
adversas de vida são produzidas pelo racismo
estrutural que organiza as relações sociais
no Brasil, reafirmamos o nosso repúdio a
esta realidade, injusta, desumana, genocida e
tratada com profunda indiferença e desprezo
pelos diferentes níveis de Governo e por
parcela considerável da sociedade brasileira
(MANIFESTO À NAÇÃO, 2005, p. 06-07).
Conforme o Manifesto à Nação (2005), após dez anos
da primeira Marcha, um dos novos desafios decorrentes da
discriminação foi a luta contra a inaceitável resistência de alguns
setores da sociedade brasileira em aceitar os legítimos direitos da
população negra. E, apesar de ter avançado o debate sobre as políticas
de ações afirmativas, a comunidade negra organizada continua a
lembrar ao Estado e à sociedade brasileira de suas responsabilidades
na produção das desigualdades raciais.
Segundo o Manifesto à Nação (2005), o Brasil está entre os
países com maior concentração de renda do mundo, é o país com
maior população de negros fora do continente africano. Por isso,
faz-se necessário compreender a natureza profunda dos alicerces
que consolidam a injustiça. Para o Movimento Negro, combater o
racismo e exclusão da população negra é tarefa urgente. Com essa
disposição os negros brasileiros voltaram à Brasília em 2005, para
reafirmar perante a Nação o desejo de buscar a construção de uma
sociedade pluralista e democrática.
Considerações finais
Apesar dos exemplos na área de educação incrementados
pelo Movimento Negro, aqui explicitados, notou-se que, dentre
as conquistas desse movimento social nos últimos tempos, as
discussões em nível nacional sobre as políticas de ações afirmativas
305
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
podem ser consideradas como um grande destaque; observa-se
também que as manifestações do Movimento Negro nos dez anos
entre Marchas (1995-2005) continuam bastante contundentes,
principalmente na luta por melhorias na educação dos menos
favorecidos.
Ao refletirmos sobre os avanços educacionais alcançados
pelo Movimento Negro nas últimas décadas, nota-se como
ao longo dos séculos o povo negro brasileiro foi massacrado,
discriminado e usurpado de direitos vitais intrínsecos à
sobrevivência dos seres humanos, pois, apesar dos exemplos aqui
explicitados serem abordados como avanços, na realidade, eles
nada mais são do que obrigações do Estado para com seu povo,
independente de cor, raça ou condição social. Uma educação
de qualidade não deveria ser fruto de reivindicação ou atitude
própria de movimentos sociais negro ou não negro e sim uma
obrigação constitucional do Estado.
Acrescido aos absurdos desumanos cometidos em todos
estes séculos, o povo negro brasileiro ainda tem contra si o mito da
democracia racial, uma ideologia que legitima e mascara o racismo
latente na sociedade brasileira, que dificulta a ascensão social dos
negros. Todavia, as ações do Movimento Negro têm dado uma
contribuição significativa para o combate a essa ideologia. A esse
respeito, cito Nilma Lino Gomes (2005), ao afirmar que:
Essa imagem de ‘paraíso racial’, forjada
ideologicamente, foi reforçada das formas
mais variadas e tornou-se muito aceita
pela população brasileira. Através de
vários mecanismos ideológicos, políticos
e simbólicos, ela foi introjetada (e ainda é)
pelos negros, índios, brancos e outros grupos
étnico-raciais brasileiros. Porém, a atuação
do Movimento Negro e, conseqüentemente,
a construção de um debate político sobre a
306
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
situação dos negros no Brasil, bem como
a realização de pesquisas por acadêmicos e
instituições governamentais, têm comprovado
a existência do racismo e, conseqüentemente,
a desigualdade racial entre os negros e os
brancos, assim como têm ajudado a superar o
mito da democracia racial no Brasil (GOMES,
2005, p. 59).
Por fim, ressalto que apesar dos avanços educacionais do
Movimento Negro nas últimas décadas abordadas no presente
texto, ainda há muito a fazer no sentido de corrigir as desigualdades
seculares entre negros e não negros, tanto em nível governamental
quanto no âmbito do próprio Movimento Negro, visto que,
números recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
– IBGE relativos ao censo de 2010 corroboram a tese de que no
Brasil há um “abismo social” entre negros e não negros.
Referências
ADÃO, Jorge Manoel. O negro e a educação: movimento e
política no Estado do Rio Grande do Sul (1987-2001). Porto
Alegre: UFRGS, 2002. Dissertação (Mestrado). Programa de PósGraduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, 2002.
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309
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
A Diversidade na escola: como lidar com as relações
étnico-raciais,46 de gênero e sexualidade?
Ana José Marques
Leila d’Arc de Souza
Márcia Lucindo Lajes
Diretoria de Educação Integral – SEICDH/SEDF
Resumo: O estudo em pauta retrata, de forma pontual, a
necessidade latente de se trabalhar na rede pública de ensino do
Distrito Federal as temáticas da diversidade humana, com ênfase na
educação para as relações étnico-raciais, para as questões de gênero
e para a orientação sexual. A partir dos resultados apresentados no
I Fórum de Diversidade da Rede Pública de Ensino do DF, das
pesquisas que tratam das questões em voga e da legislação em vigor
pode-se afirmar que as escolas precisam se organizar no sentido de
atender essa demanda, que tem causado conflitos que interferem
diretamente na organização do trabalho pedagógico e na qualidade
social da educação ofertada na escola pública. Para o trato desses
conflitos, a formação continuada aos profissionais da educação,
nas temáticas em questão pode oferecer importantes subsídios
que concorram para uma educação inclusiva e que promova a
diversidade humana.
Palavras-chave: Educação. Diversidade. Formação continuada.
46
Será utilizado o termo étnico-racial, com a escrita conforme indica a Academia
Brasileira de Letras no site: http://www.dominiopublico.gov.br/download/
texto/me004818.pdf.
311
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Reflexões sobre diversidade na educação: conceito e
legislação
A diversidade constitui-se como um conjunto heterogêneo
e dinâmico de concepções e atitudes relativas às diferenças, sejam
elas de origem étnico-racial, de gênero, de orientação sexual,
religiosa, das condições físicas e ou mentais de cada indivíduo, do
pertencimento a contextos sócio-culturais, etc. Trata-se, portanto,
de realidade complexa resultante de fatores objetivos e subjetivos
relacionados aos sujeitos e às interações produzidas nas relações
sociais. Diante dessa complexidade, a rede pública de ensino do
Distrito Federal vem enfrentando desafios no trato das diferenças
presentes na escola. Estas, que deveriam ser fatores de agregação e
qualificação do processo de ensino-aprendizagem, ao contrário, têm
se configurado como fator causador de conflitos, de desigualdade e
de exclusão educacional.
O Brasil, nas últimas décadas, tem vivenciado uma série
de mudanças, a partir da Constituição de 1988, que é um marco
legal na democracia brasileira. Essas alterações chegam ao campo
educacional gerando reflexões, conflitos, discussões e debates,
frutos de um processo histórico de lutas dos movimentos sociais
de negros, mulheres, indígenas, homossexuais, dentre outros.
Dentre as mudanças acima citadas, destacamos o
reconhecimento e o fortalecimento da diversidade humana com
ênfase ao debate sobre as questões raciais, as de sexualidade, as
afetivas e as relações de gênero, que são dimensões definidoras da
formação e da identidade do ser humano.
Cabe ao poder público elaborar e fazer cumprir estratégias
de acesso e permanência dos (as) estudantes nos sistemas de
ensino e assegurar uma formação continuada em serviço dos/das
profissionais da educação, redimensionar os tempos e espaços e as
oportunidades educativas; promover uma readequação dos quadros
funcionais; ampliar as redes de interação entre o poder público e os
312
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
cidadãos; e traçar um novo desenho do currículo escolar, pensandoo como um conjunto de atividades desenvolvidas no âmbito da
escola e do sistema de ensino e asseguradas nos Projetos Políticos
Pedagógicos, cuja construção deve ser coletiva.
As inovações relativas à educação para as relações
étnico-raciais, de gênero e de sexualidade estão asseguradas nos
documentos oficiais e nos instrumentos legais, que vão desde a
Constituição Federal de 1988, passando pela Lei nº 8.069/1990
do Estatuto da Criança e do Adolescente, pela Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96), que é alterada pelas Leis
Nº 10.639/03 e 11.645/08, inserindo os artigos 26 A e 79 B, pelo
Plano Nacional de Educação (Lei 10.172/01), pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais- PCN (1997) que já apresentavam uma
abordagem de gênero e sexualidade, chegando ao Parecer Nº
03/2004 – CNE/CP, que estabelece as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena,
pelo Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos.
Apesar de todos esses avanços, ainda existem lacunas entre o
que está apregoado na legislação e sua consolidação na prática. Essas
lacunas aparecem de forma contundente por meio da dificuldade
em mudar ideias, valores e práticas não mais condizentes com o
respeito aos direitos humanos, as diferenças e a promoção da
inclusão educacional e da igualdade social. A legislação por si só
não pode mudar uma realidade que se constituiu historicamente
e que apresenta dados alarmantes sobre a existência de práticas
discriminatórias nas escolas públicas no DF.
Essas questões se somam às muitas e significativas
dificuldades relacionadas à elaboração e execução de ações políticopedagógicas. É necessário superar a falta de recursos financeiros
que garantam a prática de ações pontuais e estruturais; a debilidade
da formação inicial dos profissionais de educação e o despreparo e
a resistência do gestor para abordagem das questões sociais, étnicas,
raciais, sexuais e de gênero, no Projeto Político Pedagógico da
313
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
escola e nas ações cotidianas que imprimem vida e dinamicidade
ao processo educativo e ao currículo escolar.
Educação para as relações étnico-raciais, gênero e
sexualidade: pesquisando a constituição dessas relações na
escola.
A sociedade brasileira, em seu imaginário social coletivo
(grifo nosso) mantém o mito da democracia racial e a crença na
ideia de que a desigualdade racial pode ser entendida essencialmente
pela situação de pobreza e às péssimas condições de vida de uma
grande parcela da população, sem acesso aos bens historicamente
produzidos pelos homens e mulheres, em especial, em nossa
contemporaneidade. Pesquisas recentes como a do IPEA (2008)
demonstram que não podemos separar a desigualdade social
existente no Brasil da desigualdade racial, ou seja, os pobres
e miseráveis brasileiros são, em sua maioria, negros e negras,
enquanto os ricos (as) e a classe média e a classe dominante são
compostas basicamente de homens e mulheres brancos (as). No
que concerne às questões da sexualidade e de gênero, entende-se
que a construção do sujeito como mulher e como homem ocorre
de diferentes formas nas sociedades, nos diferentes contextos
culturais. É necessário, portanto, uma reflexão histórica desses
dados, pois pelo estudo e pelo diálogo, estes mitos podem ser
desvelados.
Com isso, torna-se premente a reflexão e a proposição
de estratégias de superação das desigualdades sociais, atreladas às
estratégias de combate ao preconceito e à discriminação racial,
de gênero e de orientação sexual, conforme preconiza o II Plano
Nacional de Políticas para Mulheres (PNPM- 2005, p.16 ) “[...]
Educação inclusiva, não sexista, não-racista, não homofóbica e não
lesbofóbica”.
314
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Pesquisas realizadas em nível local e nacional nos trazem
dados preocupantes. Dentre estes estudos destacamos a pesquisa
“Retrato da desigualdade de gênero e raça” realizada em 2008 pelo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ( IPEA). Esta pesquisa
aponta que a população negra sofre com uma média de 2,1 anos de
estudo inferior à da população branca.
Em outra pesquisa “Preconceito e Discriminação no
Ambiente Escolar”, realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas
Econômicas (FIPE), a pedido do Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), em 501 escolas
públicas de todo o país onde se entrevistaram alunos(as), pais e mães,
diretores(as), professores(as) e funcionários(as), constatou-se que
99,3% destas pessoas demonstram algum tipo de preconceito. Mais
especificamente, a pesquisa constata que 96,5% dos entrevistados
têm preconceito com relação a portadores de necessidades especiais,
94,2% têm preconceito étnico-racial, 93,5% de gênero, 91% de
geração, 87,5% socioeconômico, 87,3% com relação à orientação
sexual e 75,95% têm preconceito territorial.
Segundo o coordenador desse estudo, José Afonso Mazzon,
professor da Faculdade de Economia da Universidade de São
Paulo (FEA-USP), a pesquisa conclui que as escolas são ambientes
onde o preconceito é bastante disseminado entre todos os atores.
Outra conclusão que nos parece bastante significativa é a de que
não existe alguém que tenha preconceito em relação a uma área e
não tenha em relação à outra. A maior parte das pessoas tem de três
a cinco áreas de preconceito. Ao estudar a categoria gênero, Paz
(2008) aponta no mesmo sentido ao afirmar que: “[...] relacionar
essa categoria com classe, sexualidade, raça e etnia, nacionalidade,
geração, religião, entre outras, demonstra e reforça a impossibilidade
de se pensar em identidades essencialistas, universais e a-históricas
para os/as sujeitos/as” ( p. 20-21).
Os conflitos relacionados às discriminações de gênero,
étnico-racial e sexual estão muito imbricados e exigem elaborações
e intervenções conjuntas, resguardadas algumas situações onde se
acentua a especificidade de cada uma das questões.
315
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Apesar da fragmentação, gênero, raça etnia e sexualidade
estão intimamente imbricados na vida social e na história das
sociedades ocidentais e, portanto, necessitam de uma abordagem
conjunta. Pra trabalhar estes temas de forma transversal, será
fundamental manter uma perspectiva não-essencialista em relação
às diferenças. A adoção dessa perspectiva justifica-se eticamente,
uma vez que o processo de naturalização étnico-raciais, de gênero
ou de orientação sexual, marcou os séculos XIX e XX, vinculou-se
à restrição do acesso à cidadania a negros, mulheres e homossexuais
(INEP, 2009, p. 13).
Este breve panorama nos convida a reflexão e a tomada
de atitudes que promovam o desenvolvimento de um conjunto
de estratégias pedagógicas e políticas que respondam de forma
democrática à condição multicultural da sociedade brasileira.
As heranças de uma cultura burguesa, branca, androcêntrica e
heteronormativa aprofundam as discriminações e a ocorrência
da violência que envolve a realidade das escolas públicas como
expressão da intolerância ao multicultural e às diferenças. Por essa
razão novas estratégias e políticas precisam suscitar mudanças nas
práticas educativas.
Neste contexto, a construção de uma educação de qualidade
social no Distrito Federal carece de aprofundamento nos estudos
sobre a Diversidade na perspectiva da formação continuada dos
(as) profissionais da rede pública de ensino para o trato das relações
étnico-raciais, de gênero e em sexualidade no ambiente escolar. Com
esta preocupação, a Escola de Aperfeiçoamento dos Profissionais
da Educação – EAPE, da SEDF, por meio de sua Coordenação
de Diversidade, promoveu em novembro de 2010, o I Fórum de
Diversidade da Rede Púbica de Ensino do DF. Neste fórum os (as)
profissionais puderam indicar as demandas emergentes da escola
em relação à temática em questão, na perspectiva de aprimorar os
cursos de formação continuada para o ano de 2011.
316
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Cerca de 300 profissionais de várias escolas públicas da
Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF)
compareceram ao Fórum, participando de palestras e debates.
Neste evento, aplicamos um instrumento para um levantamento
inicial de como se dão as relações étnico-raciais, de gênero e de
sexualidade nas escolas. Responderam ao nosso instrumento 160
profissionais da educação de 122 escolas de 9 Diretorias Regionais
de Ensino, entre professores/as, orientadores (as), gestores (as) e
auxiliares de ensino e psicólogos (as).
O instrumento de coleta de dados objetivou identificar quais
os principais problemas enfrentados pela escola na educação para
as relações étnico-raciais, de gênero e em sexualidade. Apresentou
também questões voltadas para identificar como a escola lida
com estes temas e como a EAPE poderia contribuir por meio da
formação continuada dos profissionais da educação para qualificar
as estratégias pedagógicas focadas nas referidas temáticas.
A análise dos dados levantados nos indicou que as relações
de gênero, de sexualidade e étnico-raciais na escola são base
para a causa de conflitos e que, em geral, a escola não sabe como
lidar com os mesmos. Em consequência, a principal demanda
identificada pelos grupos de profissionais que responderam ao
instrumento é a solução dos conflitos advindos das questões postas.
Ao sistematizar como a escola lida com o conflito e como a EAPE
poderia ajudar, as respostas são unânimes em concluir que a escola,
os seus profissionais, seus alunos (as) e comunidade em geral
carecem de informação e formação sobre essas temáticas. Neste
sentido, foi recorrente a solicitação de cursos de formação para
toda comunidade escolar, além de oficinas, palestras e realização de
fóruns nas Diretorias Regionais de Ensino.
Em relação à questão étnico-racial, na identificação do
problema foram descritas pelos diferentes grupos de trabalho as
seguintes situações: em danças de quadrilha ninguém quer ficar ou
formar par com as crianças negras; discriminação de alunos e de
professores por questões de origem, raça e características especiais;
317
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
falta de preparo da instituição e dos profissionais em lidar com as
questões étnico-raciais inclusivas; não definição de sua cor, não
aceitação, supervisora chama uma aluna de negra (carinhosa),
a aluna volta com a mãe no dia seguinte e quer processá-la por
racismo, o eterno “moreno”. Auto- discriminação, (preconceito da
própria cor); criança negra que evitava brincar com crianças brancas;
preconceito com a aparência (cabelo, cor da pele, gordo, magro).
Compreender a realidade da cultura afra (tipos de cabelos e cheiro),
higienização. Os apelidos de má referência ainda predominam; as
desculpas para fatos de referência negativa ainda são associadas à
cor; preconceito velado, intolerância religiosa. (Fragmentos do
debate no I Fórum de Diversidade da Rede Púbica de Ensino do
DF, EAPE, 2011)
Entre as situações destacadas pelos (as) profissionais
das escolas, é possível perceber a realidade do preconceito e
discriminação racial que está na sociedade e que se reproduzem
na escola como intolerância religiosa, crianças brancas que não
querem interagir com crianças negras, atos negativos associados à
cor e ao preconceito velado.
No entanto, nos chamam a atenção as caracterizações
dos problemas: “compreender a realidade da cultura afro
(tipos de cabelos e cheiro), higienização” e “auto discriminação
(preconceito da própria cor)”. Estariam estas definições associadas
ao senso comum de que o negro tem um cheiro mais forte e
desagradável como característica própria de sua constituição física?
(CAVALLEIRO, 2000).
Na obra de Cavalleiro, produzida em 2000, a partir de uma
pesquisa em uma escola pública de educação infantil localizada
no centro de São Paulo, uma professora refere-se ao negro como
alguém que cheira forte, mal. Tal percepção aparece novamente
em 2011 entre profissionais da rede pública de ensino do DF. Esse
fato merece reflexão, visto que os momentos, as localidades e os
contextos são distintos, contudo, as falas semelhantes expressam
que o racismo se mantém no imaginário social.
318
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
A segunda definição estaria associada à ideia de que o próprio
negro se discrimina e que assim seria responsável pela exclusão
social que sofre? (SOUZA, 1990). Tal definição, muito forte no
senso comum inverte a lógica do racismo e desqualifica o debate
entre os vários grupos étnico-raciais, além de desresponsabilizar o
Estado e sociedade como um todo para a superação do preconceito
e a promoção da igualdade racial.
Os dados aqui analisados são fruto de um levantamento
inicial e preliminar ainda insuficiente para o aprofundamento
do entendimento de como se dão as relações étnico-raciais na
escola. Contudo, podemos afirmar que seguramente os conflitos
raciais que ocorrem na escola influenciam a organização do
trabalho pedagógico em sala e o conjunto das relações sociais aí
estabelecidas.
Na questão seguinte, o instrumento de levantamento de
dados propôs aos (às) participantes que listassem as ações que
a escola desenvolve ou poderia desenvolver para lidar com as
situações problemas descritas, referentes às relações étnico-raciais
constituídas nas escolas. As ações elencadas foram as seguintes:
Trabalho de sensibilização com filmes e divulgação a toda
comunidade responsável por transmitir algum tipo de ensinamento,
estar engajado no debate e resolução das questões; aceitar que a
situação existe; trabalhar de forma didática a importância das cores,
fases da vida e seus cheiros; encaminhamento para instâncias de
atendimento as diversidades; reunião com pais/palestras sobre o
tema; assumir que existe preconceito e trabalhar dentro das escolas
com relação a esse tema; capacitação em formação da sociedade, do
povo brasileiro e contribuição da África; foi feita uma mediação
de conflitos com os envolvidos; trabalhar a auto-estima e valores
com dinâmicas, vídeos etc; reflexões constantes nas Instituições
de Ensino (professores, alunos, comunidade); inclusão dos
temas no Projeto Político Pedagógico das Instituições de Ensino,
sendo, portanto, desenvolvidos durante todo o ano letivo, como
prática rotineira; através de projetos e oficinas abordando o tema;
319
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
promover espaços culturais; professor trabalho em sala, formação
de rede social; trabalhar a Lei 10639 como previsto em seus textos,
inclusive de forma contextualizada e disciplinar; projetos nas
escolas englobando o tema, utilizando teatros, filmes, histórias,
atividades culturais dentro de cada faixa etária, esclarecimentos
legais sobre as consequências dos atos. Acompanhamento pelo
SOE e sensibilização em sala; intervenção dos professores com
os alunos envolvidos; parcerias, convênios e palestras com SOE;
trabalhos semanais com vídeos, histórias, músicas, etc. (Fragmentos
do debate no I Fórum de Diversidade da Rede Púbica de Ensino do
DF, EAPE, 2011)
Na descrição das ações que a escola realiza ou que poderia
realizar na busca de possíveis soluções para os problemas, podemos
identificar três vertentes, uma que transfere o problema retirandoo da esfera da ação pedagógica e levando-o para outros segmentos
da escola, como o SOE – Serviço de Orientação Educacional e
“Instâncias de atendimentos às diversidades”. Estas proposições
podem reforçar o entendimento de que o problema não é da
escola e que a sua solução deve ocorrer por fora dela. Tal ideia se
assenta numa concepção de educação voltada para reprodução de
conhecimentos deslocada das relações sociais e de suas contradições
e conflitos que refletem as relações de poder que envolvem questões
econômicas, culturais, sociais e políticas.
Uma segunda vertente pode ser identificada nas formulações
que defendem que o problema deve ser assumido, o que denota
uma fase de reconhecimento. Nesta mesma vertente podemos
identificar ações pontuais para a solução dos conflitos postos como:
“Intervenção dos professores com os alunos envolvidos” e o relato
de que “foi feito a mediação de conflitos com os envolvidos”, ou
seja, na medida em que os problemas forem se apresentando a
escola vai adotando ações pontuais como forma de solucionar o
conflito. Poderíamos incluir aqui também as propostas de palestras,
trabalhos com vídeos e filmes.
320
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
A terceira vertente identificada aponta a necessidade de
inclusão da temática no Projeto Político Pedagógico- PPP da escola
e de construção de projetos de intervenção cotidiana, a formação de
rede social, o trabalho com a lei 10.639/2003 e a 11.645/2008 de forma
contextualizada e disciplinar, formação continuada em formação
do povo brasileiro e África e o reconhecimento da existência do
preconceito, o desenvolvimento de projetos para cada faixa etária e
a promoção de espaços culturais. Consideramos muito positivo e
avançado que esse entendimento apareça entre os (as) participantes
do fórum, pois fortalece o espaço e a perspectiva de realização de
um trabalho de formação como parte da institucionalização da
abordagem da educação para as relações étnico-raciais na escola
pública do Distrito Federal.
As situações problemas relacionadas a gênero foram assim
descritas pelos participantes do fórum: aluna que não tem muita
vaidade e gosta de jogar futebol é chamada pelos colegas de sala de
sapatão; denominar o que é para meninas e meninos; brincadeiras,
objetos pedagógicos cores e brinquedos, organização (meninos/as);
se os meninos beijam muitas meninas são machões e se acontece
com as meninas elas são vadias; as mulheres ainda são vistas como
fornecedora de cuidados, os homens com mais liberdade de agir,
aulas de balé só para meninas, meninos não podem fazer, jogos
para meninos e para meninas; resistência da comunidade em aceitar
professor homem lecionando para educação infantil e até o 5º ano,
divisão de papéis dos alunos e professores por gênero; estereótipos
de gênero que impedem a livre expressão dos alunos (cor de
camisetas de formatura); sexismo; competição entre os gêneros,
espaços reservados para homens e mulheres (divisão do pátio);
desenvolver estratégias que valorizem igualdade entre os gêneros
e fim dos estereótipos; ausência de um referencial masculino no
âmbito escolar; aluna que tem modos de menino e é agressiva,
preconceito baseado nos estereótipos.
321
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
A maioria das situações é bem conhecida de todos/as nas
escolas públicas em geral. Podemos destacar como positivo que
os participantes do fórum reconheçam de forma crítica que os
estereótipos de gênero impeçam a livre expressão de meninos e
meninas e questione os papéis definidos para homens e mulheres
na escola como expressão dos padrões socialmente construídos
com base numa relação de poder que gera sexismo, disputas
e conflitos na escola. Mais avançado ainda, é considerarmos a
identificação da necessidade de promoção da igualdade de gênero
como um problema da escola, tal entendimento vai influenciar as
proposições sobre as possíveis ações para o trato das relações de
gênero na organização do trabalho pedagógico.
Chamamos atenção para a ideia que uma “ausência” de
um referencial masculino poderia influenciar na constituição
das identidades de gênero das crianças. Tal ideia se baseia num
estereótipo de masculinidade e feminilidade associado ao estereótipo
de família padrão e ignora a constituição de outras estruturas de
família que cada vez mais estão presentes na contemporaneidade.
Desconhece ainda, o fato de que os referenciais de feminilidade e
masculinidade hegemônicas estão disponíveis nas várias instituições
sociais aos quais todas as crianças têm acesso. Nessa perspectiva não
seria, portanto, a ausência de referencial masculino ou feminino na
família ou na escola um problema (RAMIRES, 2009).
Quanto às estratégias pensadas para abordar as relações de
gênero foram levantadas as seguintes proposições: Conversa com
os alunos envolvidos juntamente com o SOE e a direção, conversa
com os pais dos alunos; desmitificar as funções de meninos e
meninas na sociedade; atividades que trabalhem o grupo misto;
discutir a cultura na educação infantil, no maternal, nas séries
iniciais, com o grupo de professores; conversar com os pais sobre
os direitos de escolha dos filhos e das filhas; sensibilização sobre
as habilidades; atividades de consciência de que a preferência não
atinge o meu ser, maior interação entre escola e comunidade;
instituir no calendário escolar as discussões sobre gênero, entre
322
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
professores, alunos e comunidade; valores em forma de projetos
e transversalmente; aluna encaminhada ao SOE; formar grupos
mistos, espaços comuns, atividades de interação entre os grupos;
desenvolver projetos de sensibilização tanto de professores
quanto alunos para questão de igualdade de direitos; dinâmicas de
sensibilização, palestras; intervenção de profissionais especialistas
em áreas que envolvem os problemas surgidos na Instituição de
ensino, utilização de recursos (filmes, jogos participativos) que
incentivem os alunos a trabalhar juntos; que sejam apresentadas
várias brincadeiras para que possam escolher, sem discriminação
de meninas e meninos.
Aqui também podemos identificar duas linhas de
proposições. Uma que fica entre transferir o problema para o Serviço
de Orientação Educacional e ao mesmo tempo tratar a questão
apenas com os envolvidos e outra que assume o problema como
sendo da escola e levanta a necessidade de envolver no trabalho
pedagógico a igualdade de gênero envolvendo toda a comunidade
escolar e da desmistificação das funções de meninos e meninas na
sociedade. Neste entendimento aparecem as propostas de trabalho
com a questão cultural, promoção de atividades mistas, projetos de
sensibilização de pais, mães, alunos e professores e o trabalho com
valores de forma transversal.
Fica evidente a necessidade não mencionada de trabalho
a partir de uma conceituação de gênero? Como se constitui a
identidade de gênero na infância e como isto se manifesta nas
interações sociais presentes na escola? Parece-nos relevante que as
respostas não abordem essa questão fundante para o entendimento
dos conflitos listados anteriormente.
Além das já mencionadas, as situações problema
relacionadas à sexualidade foram assim descritas pelos participantes
do fórum: alunos que demonstram trejeitos afeminados são
discriminados pelos demais, dois alunos homossexuais assumidos
se cumprimentavam com beijos fora da escola e a equipe escolar
queria expulsá-los; apelidos depreciativos; meninos/as que têm
323
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
comportamento diferenciado dos ditos “normais” e que todas
acham que devem ser encaminhados para psicólogo; as pessoas
com orientação homossexual sofrem com piadas e exclusão de
grupos de trabalho ou de recreação; namoro precoce, homofobia,
docentes e comunidade não se sentem a vontade com o tema; todos
esses temas deveriam fazer parte do Projeto Político Pedagógico;
percepção dos pais sobre o assunto não é trabalhada na escola, é vista
como tabu; sexualidade precoce, homossexualidade (dificuldade de
relacionamento), conflito interior, aceitação da família; aceitação
do profissional (professores), por parte da família (comunidade);
grupo de “emos” ou “coloridos” (como são chamados), utilizando
o banheiro feminino;
Quanto às situações problemas relacionadas à sexualidade
fica evidente a incidência de homofobia no contexto das escolas
representadas no fórum. Parece-nos bastante avançado o
reconhecimento da dificuldade dos (as) profissionais da educação
e da comunidade em lidar com a expressão de outras sexualidades
diversas da heteronormatividade. A denúncia de discriminação e da
intenção de expulsão de alunos de orientação homossexual assim
como a defesa destes, remete para expressão de uma concepção de
escola inclusiva, o que se fortalece na proposta de inclusão do tema
no Projeto Político Pedagógico da escola.
As ações realizadas e propostas para intervenção nos conflitos
relacionados à sexualidade descritos foram: acompanhamento do
SOE (orientação, esclarecimento para os alunos e a família), alguns
professores que não concordaram com a expulsão conseguiram
convencer todo o grupo a trabalhar com o SOE, com os alunos e
os familiares, no sentido de aceitar a orientação sexual dos alunos;
formação dos gestores, educação sexual; trabalhar os conceitos de
respeito, valores e convivência; procurar, por meio das políticas
de promoção dos direitos humanos, conhecer as melhores
experiências já adotadas na sociedade como forma de melhoria
do local; trabalho com os valores e o respeito por todos em suas
diferenças; projeto de prevenção e saúde, palestras, envolvimento
324
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
escola/comunidade, todos esses temas devem ser discutidos nas
coordenações pedagógicas; orientação educacional, teatro, histórias,
contos e recontos, projetos bem elaborados dentro do tema; às
vezes tratam como bullying, chamam os alunos e se persistirem as
ações, chamam os pais.
Entre as estratégias adotadas e as propostas de intervenção
levantadas chamamos a atenção para a relação estabelecida entre
a homofobia e o bullying. Tal relação carece um estudo mais
aprofundado e uma pesquisa que possa desvelar esse fenômeno
social, suas relações com a violência e como este se apresenta na
escola.
Mais uma vez foi possível constatar a percepção de
que a orientação educacional deve estar focada na mediação de
conflitos, o que nos leva a questionar qual seria de fato o papel da
orientação educacional no processo de ensino-aprendizagem e na
organização do trabalho pedagógico. Neste caso, especialmente, a
questão parece ser tratada mais entre as partes e a família. Quando
a unidade de ensino pensa em fazer um trabalho voltado para a
escola, não toca diretamente no tema, trabalha valores, prevenção,
saúde, bullying, passando ao largo do problema da homofobia. A
questão da sexualidade continua sendo um tema que deve ser
tratado no particular, por ser considerado um assunto “privado”,
e não público.
Consideramos muito positiva a disposição de aprofundar
o tratamento da questão expressa nas propostas de discussão do
tema nas coordenações pedagógicas, pois dessa forma todos (as)
professoras (es) estariam aptos a discutir e lidar com assunto
no momento de uma situação na escola, em vez de aguardar a
presença e orientação de um (a) especialista, não reproduzindo e
fortalecendo preconceitos e buscando experiências de promoção
de direitos humanos como condição para uma educação inclusiva
de qualidade social.
325
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Construindo uma política pública de formação continuada:
educação para as relações étnico-raciais, gênero e
sexualidade
Quanto às sugestões para a ação da EAPE no sentido de
contribuir com a formação dos profissionais da educação para uma
educação das relações étnico-raciais, de gênero e de sexualidade,
destacamos:
Capacitação da equipe escolar no sentido de sensibilizar a
escola quanto ao respeito a todos/as, independente de raça, sexo
etc.; formação para gestores, professores e orientadores; formação
para os professores com especialistas, ampliação de conceito de
sexualidade, não apenas aparelho reprodutor e o sexo; promover
o debate sobre os temas para além do campo educacional, ex.:
segurança, saúde e assistência social e justiça; fórum permanente,
formação continuada ampliada; cursos sobre diversidade para
a rede, descentralização dos cursos e do fórum em pólos nas
regionais; proporcionar por meio de seminários, fóruns e outros
meios atingir a todos os trabalhadores da educação e conscientizálos das leis e das necessidades de respeito ao ser; divulgar o trabalho
já existente na EAPE, DREs e escolas, oferecer formação para o
maior número de profissionais “convocando-os” para os encontros
e dar continuidade aos fóruns permanentes, divulgar os resultados,
valorizando as mudanças que ocorrerem, organização no sentido
de uma rede; promover cursos de diversidade que atendam
profissionais da educação infantil até o ensino médio; cursos
para orientação familiar (as diagnosticadas e atendidas), participar
efetivamente das coordenações coletivas, criação de grupos de
discussão, levar essa discussão que fizemos hoje ao maior número
de professores e pensar nas estratégias; Formação do professor para
a prática na sua realidade; que seja oferecido pela EAPE palestra
no ambiente escolar, com toda a comunidade; realização de uma
conferência e criação de grupos de multiplicadores formados por
pessoas de diversos segmentos; maior articulação EAPE/SPE; que
326
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
a coordenação de diversidade tenha representação nas DREs (um
coordenador intermediário).
As sugestões feitas para nortear as ações da EAPE no
sentido da formação dos profissionais da educação apontam
para uma ampliação da educação para a Diversidade, exigem da
EAPE e da SEEDF um conhecimento aprofundado das relações
produzidas no contexto escolar e a definição de políticas públicas
de educação articuladas a outras instituições sociais e programas
interinstitucionais com vista a constituição de rede social, de
parcerias para o combate ao preconceito e a discriminação de raça,
de gênero e de orientação sexual. Nestas proposições podemos
inferir que estes/as profissionais avançam da necessidade de
solução pontual dos conflitos vivenciados para o entendimento de
que estes problemas locais e aparentemente pontuais articulamse a um contexto social mais amplo no qual as relações de poder
são constituídas.
No campo da educação e no âmbito da Secretaria de
Educação é possível perceber a preocupação com a constituição de
uma rede que articule a educação para diversidade, em toda rede de
ensino público, por meio das sugestões que dizem respeito a que
Coordenação de Diversidade tenha representação nas Diretorias
Regionais de Ensino, e da constituição de redes de multiplicadores
com profissionais de vários segmentos para a realização de uma
conferência sobre a temática.
Foi possível perceber ainda, a preocupação de ampliação
da oferta de educação para diversidade ao maior número possível
de profissionais e a defesa da obrigatoriedade desta formação
para os/as gestores/as escolares. Esta preocupação nos parece
significativa, pois, segundo relatos de alguns profissionais,
projetos escolares podem esbarrar na resistência de grupos que
compõem a gestão escolar.
A proposição de formação do professor para atuação na sua
realidade nos remete à necessidade de um levantamento qualitativo
e quantitativo da realidade da escola pública no que concerne às
327
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
relações de raça e etnia, gênero e sexualidade que ali se estabelecem.
Assim, evidenciou-se possibilidade de realização de um diagnóstico
mais preciso relacionado aos seguintes questionamentos: como se
produzem as relações de gênero, étnico-raciais e de sexualidade
no contexto escolar? Em que medida essas relações produzem
e reproduzem conflitos, violências e exclusão escolar? Como a
formação continuada pode contribuir para a aplicação da legislação
referente a essas questões e à promoção de uma educação inclusiva
e de qualidade para todos/as?
Tais questionamentos deram origem a constituição de
um projeto de pesquisa intitulado: “Mapa da diversidade das
escolas do Distrito Federal: ações e projetos”, que encontrase em andamento, por meio de parceria entre a Coordenação
de Diversidade da EAPE, o Grupo de Pesquisa em Educação e
Políticas Públicas: Gênero, Raça/Etnia e Juventude – GERAJU/FE/
UnB e a Subsecretaria para Educação Integral Cidadania e Direitos
Humanos/SEEDF.
Referências
BRASIL, Gênero e diversidade na escola: formação de professoras/
ES em gênero, Sexualidade, Orientação Sexual e Relações ÉtnicoRaciais. Livro de conteúdo. Versão 2009, v II.
______, Lei 9.394/1996 de Diretrizes e Base da Educação
Nacional
______, Lei 10.172/01, Plano Nacional de Educação.
______. Lei 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente.
CAVALLEIRO, Eliane dos Santos. Do silêncio do lar ao silêncio
escolar: racismo, preconceito e discriminação na educação infantil.
São Paulo: Contexto, 2000.
328
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
PAZ, Cláudia Denís Alves da. Gênero no trabalho pedagógico
da educação infantil. Dissertação (mestrado) – Universidades de
Brasília, Faculdade de Educação, 2008, 135
MONTTSERRAT, Moreno. Como se ensina a ser menina: o
sexismo na escola. São Paulo: Moderna, 1999.
Pesquisa do IPEA “Retratos das Desigualdades em Gênero e Raça,
2008.
http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/destaque/Pesquisa_Retrato_
das_Desigualdades.pdf
Pesquisa: Aula de Intolerância: Preconceito e Discriminação
no Ambiente Escolar (Inep,2009), http://portal.mec.gov.br/
dmdocuments/diversidade_apresentacao.pdf
RAMIRES, Lula e VIANA, Cláudia: O que muda e o que
permanece: uma análise sobre gênero, diversidade sexual e família
nos livros didáticos. Disponível em: <http://revistaeducacao.uol.
com.br/textos.asp?=12589>, Acesso em: 28 fev. 2009.
Resolução nº 01 CNE/CP 2004; II Plano Nacional de Políticas
para as Mulheres (PNPM 2008); Programa Brasil sem Homofobia
e Política Nacional de Enfretamento à Violência Contra as
Mulheres.
Revelando Tramas, Descobrindo Segredos: Violência e Convivência
nas Escolas (RITLA, 2008).
SOUZA, Neusa Santos. Tornar-se negro. Editora: Graal, RJ. 2.
ed., 1990.
I Fórum de Diversidade da Rede Púbica de Ensino do DF, EAPE,
2011.
329
Eixo 4:
Política e Gestão Educacional em e
para os Direitos Humanos e o Direito
à Educação no Brasil
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
A educação em direitos humanos no Distrito Federal:
conquistas e desafios
Adriana Miranda e Maraísa Lessa
Diretoria de Cidadania e Direitos Humanos
Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal
Resumo: A pesquisa, realizada por meio de observação
participante e análise de documentos publicados pelo Governo
Federal, apresenta a trajetória da educação em direitos humanos
na rede pública de ensino do Distrito Federal até agosto de 2010.
Para tanto, apresenta as diretrizes nacionais para a educação em
direitos humanos, a proposta da Secretaria de Educação do DF
para a educação básica, cujo marco inicial está situado em 2009,
bem como as ações, os resultados e os desafios identificados até
o momento. Vale destacar o estímulo às ações de fortalecimento
da articulação entre as escolas e a rede de proteção da criança e
do adolescente, bem como os projetos e programas com foco na
promoção da cultura de paz e no estímulo ao exercício de uma
cidadania ativa, propostos pela Diretoria de Cidadania e Direitos
Humanos, considerando as especificidades das escolas e da regional
de ensino. Na atual conjuntura, tais projetos estão em andamento,
ainda não apresentando resultados concretos. Entretanto, cabe
destacar a necessidade de vontade política para a continuidade da
política de educação em direitos humanos, bem como a necessidade
do envolvimento da comunidade escolar e de outras organizações
governamentais e não-governamentais na implementação de uma
cultura dos direitos humanos no Distrito Federal.
Palavras-chave: Política de Educação em Direitos Humanos.
Rede de proteção da criança e do Adolescente. Cultura de paz.
Cidadania.
333
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos
na Educação Básica
O Governo Federal Brasileiro instituiu em 1997 a
Secretaria Nacional de Direitos Humanos, inicialmente como um
órgão do Ministério da Justiça – MJ. Em 2003, o referido órgão
passou a ser vinculado à Presidência da República, na qualidade de
Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) da Presidência
da República, responsável pela articulação e implementação de
políticas públicas voltadas para a proteção dos direitos humanos.
Por meio de medida provisória de 25 de março de 2010, a SEDH
torna-se órgão essencial da Presidência da República recebendo
o nome de Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da
República (SDH).
Desde a sua fundação, a SDH é responsável pelo Programa
Nacional de Direitos Humanos – PNDH, que prevê, entre outras
medidas, a promoção da educação em direitos humanos como uma
das formas de garantir a proteção aos direitos humanos, conforme
recomendam os tratados internacionais na área. Para isso, em 2003,
a SDH, em parceria com o Ministério da Educação e o Ministério da
Justiça, elaborou o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos
– PNEDH que está em sua terceira versão, publicada em 2006.
Partindo do pressuposto de que a educação é um direito
humano fundamental que permite a conquista de todos os demais
direitos, o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos
– PNEDH visa contribuir para a promoção de uma cultura dos
direitos humanos, baseada no respeito e no reconhecimento da
diversidade, bem como na disseminação de valores solidários,
cooperativos e de justiça social. Tendo em vista que a educação
não contempla apenas os processos educativos formais, o Plano
Nacional de Educação em Direitos Humanos prevê a articulação
de ações na Educação Básica, Ensino Superior, Educação NãoFormal, Educação dos Profissionais do Sistema de Justiça e
Cidadania e Educação e Mídia.
334
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
No campo da Educação Básica:
a educação em direitos humanos [na educação
básica] vai além de uma aprendizagem
cognitiva, incluindo o desenvolvimento
social e emocional de quem se envolve
no processo de ensino-aprendizagem
(Programa Mundial de Educação em Direitos
Humanos – PMED/2005). A educação, nesse
entendimento, deve ocorrer na comunidade
escolar em interação com a comunidade local.
Assim, a educação em direitos humanos deve
abarcar questões concernentes aos campos da
educação formal, à escola, aos procedimentos
pedagógicos, às agendas e instrumentos
que possibilitem uma ação pedagógica
conscientizadora e libertadora, voltada para
o respeito e valorização da diversidade, aos
conceitos de sustentabilidade e de formação
da cidadania ativa (BRASIL, 2009, p. 31).
Entre as ações programáticas previstas no Plano Nacional
de Educação em Direitos Humanos para a Educação Básica dos
estados, municípios e o Distrito Federal, cabe destacar:
• propor a inserção da educação em direitos humanos nas
diretrizes curriculares da educação básica;
• construir parecerias com os diversos membros da
comunidade escolar na implementação da educação em
direitos humanos;
• tornar a educação em direitos humanos um elemento
relevante para a vida dos estudantes e dos profissionais da
educação, envolvendo-os em um diálogo sobre maneiras
de aplicar os direitos humanos em sua prática cotidiana;
335
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
• fomentar a inclusão, no currículo escolar, das temáticas
relativas a gênero, identidade de gênero, raça e etnia,
religião, orientação sexual, pessoas com deficiência, entre
outros, bem como todas as formas de discriminação e
violações de direitos, assegurando a formação continuada
dos profissionais da educação para lidar criticamente com
esses temas;
• apoiar a implementação de projetos culturais e educativos
de enfrentamento a todas as formas de discriminações e
violações de direitos no ambiente escolar;
• favorecer a inclusão da educação em direitos humanos
nos projetos político-pedagógico das escolas, adotando as
práticas pedagógicas democráticas presentes no cotidiano;
• apoiar a implementação de experiências de interação da
escola com a comunidade, que contribuam para a formação
da cidadania em uma perspectiva crítica dos direitos
humanos;
• incentivar a elaboração de programas e projetos pedagógicos,
em articulação com a rede de assistência e proteção social,
tendo em vista prevenir e enfrentar as diversas formas de
violência;
• incentivar a organização estudantil por meio de grêmios,
associações, observatórios, grupos de trabalhos, entre
outros, como forma de aprendizagem dos princípios dos
direitos humanos, da ética, da convivência e da participação
democrática na escola e na sociedade;
• propor ações fundamentadas em princípios de convivência,
para que se construa uma escola livre de preconceitos,
violência, abuso sexual, intimidação e punição corporal,
incluindo procedimentos para a resolução de conflitos
e modos de lidar com violência e perseguições ou
intimidações, por meio de processos participativos e
democráticos.
336
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Com base nessas diretrizes, presentes no Plano Nacional
de Educação em Direitos Humanos, a Secretaria de Estado de
Educação do Distrito Federal tem promovido ações no âmbito das
instituições educacionais do DF.
A educação em direitos humanos na rede pública de ensino
do DF
O Distrito Federal não acompanhou as diretrizes nacionais
em função da falta de diálogo entre os dois últimos governos do
DF e o Governo Federal. Assim, só a partir de 2011 é que está
ocorrendo a proximidade entre essas duas instâncias, em virtude
da criação da Subsecretaria para Educação Integral, Cidadania e
Direitos Humanos na Secretaria de Estado de Educação do DF
em abril de 2010. A criação desta Secretaria ocorreu durante um
período de governo transitório, cuja equipe assumiu a sua gestão
em 2011 garantindo a continuidade do trabalho, por meio da
Diretoria de Cidadania e Direitos Humanos – DCDH.
No entanto, antes de apresentar o trabalho da DCDH, é
importante saber que há instituições educacionais que, mesmo
antes da criação da referida Subsecretaria, já desenvolviam projeto
nas áreas de cidadania, diversidade e cultura de paz nas escolas,
porém eram iniciativas fragmentadas sem o devido apoio da gestão
central da Secretaria de Educação do Distrito Federal – SEDF.
Além disso, políticas públicas educacionais correlatas tiveram
início com a criação do Programa Paz nas Escolas em 1995, cujo
foco era o enfrentamento dos conflitos e das violências nas escolas.
Em 1999, foi realizada parceria com a Universidade da Paz, com
a finalidade de formação de profissionais da educação no Programa
Gente que Faz a Paz. Após estes períodos, ocorreu a descontinuidade
destas políticas, sendo que o trabalho sistemático nesta área só foi
retomado com a publicação da Portaria nº 147, de 24 de julho de
2008, na qual foi instituída a Política de Promoção da Cidadania e
da Cultura de Paz, com foco na redução das violências escolares.
337
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Assim, a criação da Subsecretaria para Educação Integral,
Cidadania e Direitos Humanos é um avanço por articular e
fortalecer iniciativas que ocorriam isoladamente, baseando-se
nas diretrizes da educação nacional, recomendadas pelo Plano
Nacional de Educação em Direitos Humanos, em atendimento aos
princípios constitucionais, à legislação educacional brasileira e ao
Estatuto da Criança e do Adolescente que, baseado na Doutrina de
Proteção Integral, solicita o atendimento das crianças e adolescentes
respeitando as suas condições peculiares de desenvolvimento,
chamando a atenção para o papel do profissional da educação neste
processo de atenção.
O Plano de Ação da Diretoria de Cidadania e Direitos
Humanos
Em 2011, a Diretoria de Cidadania e Direitos Humanos DCDH elaborou um Plano de Ação com a finalidade de contribuir
para a implementação da educação em direitos humanos com vistas
à promoção da cultura dos direitos humanos e da cultura de paz nas
instituições educacionais, por meio do estímulo à cidadania ativa.
Para a DCDH, a promoção da cultura dos direitos humanos,
por meio do exercício de uma cidadania ativa, é fundamental para
a paz nas escolas. Assim, a DCDH desenvolve o seu trabalho com
base em três eixos: Promoção, Defesa e Garantia dos Direitos
Humanos de Crianças e de Adolescentes, Educação para a Paz nas
Escolas e Educação e Cidadania.
O eixo Promoção, defesa e garantia dos Direitos Humanos visa
cumprir o papel que a área educacional tem na efetivação dos
direitos humanos, por meio do fortalecimento da articulação
entre as instituições educacionais e as Redes de Proteção e
Defesa da Criança e do Adolescente. Cabe destacar que a SEDF
tem representatividade no Conselho de Direitos da Criança e do
Adolescente – CDCA, no Comitê Distrital de Enfrentamento ao
338
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Abuso e Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes, no
Comitê Distrital de Erradicação do Trabalho Infantil, no Sistema
Nacional de Medidas Socioeducativas, cujo comitê distrital está
em processo de formação, entre outros. O principal desafio nesse
eixo é articular as deliberações desses comitês dentro da escola no
sentido de mobilizar, sensibilizar e instrumentalizar a comunidade
escolar para a importância da abordagem dessas temáticas.
O eixo Educação e Cidadania contempla projetos, ações e
programas da SEDF em parceria com instituições governamentais
e não-governamentais que devem ser executados por meio da
articulação entre conteúdo curricular e vivência cotidianos para
que seja possível o efetivo exercício da cidadania ativa.
O eixo Educação para a Paz nas Escolas visa o fortalecimento
das ações de cultura de paz nas escolas. Cabe considerar que a
educação para a paz contempla o processo de conscientização
integral do ser humano em três níveis: a paz consigo mesmo, a paz
com os outros e a paz com o meio (WEIL, 1993). Tal pensamento indica
que a paz é um fenômeno social, construído sócio-historicamente
demandando um esforço individual e coletivo para sua efetivação.
A própria Declaração sobre uma Cultura de Paz da Organização
das Nações Unidas afirma que
a cultura de paz é um conjunto de valores,
atitudes, tradições, comportamentos e
estilos de vida baseados no respeito à vida
e na promoção dos direitos humanos e das
liberdades fundamentais, propiciando o
fomento a paz entre as pessoas e os grupos,
podendo assumir como uma estratégia
política para a transformação da realidade
social (2008, p. 01).
Nesse sentido, a promoção dos direitos humanos aparece
como fundamental para a difusão de uma cultura de paz nas escolas
públicas do Distrito Federal.
339
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Esses três eixos são permeados pela formação continuada
dos profissionais de educação; do estímulo ao protagonismo de
todos os atores envolvidos no processo educacional, especialmente
de crianças e de adolescentes; e da prevenção às violações de direitos.
De acordo com o Plano de Ação da DCDH, a SEDF entende que
a implementação da educação em direitos humanos pressupõe
não apenas o acesso às informações resultantes da formação de
professores, como também a vivência de processos participativos
em que toda a comunidade escolar seja protagonista no processo
de transformação da escola e da comunidade.
Nesse sentido, a DCDH pretende contribuir para o
fortalecimento das instâncias de participação da comunidade
escolar como, por exemplo, os Conselhos Escolares, responsáveis
por deliberar, articular e mobilizar a comunidade escolar para
a resolução dos problemas escolares; os Conselhos Locais de
Promoção da Cidadania e Cultura de Paz, responsáveis por
promover o diálogo, o debate e a mediação de conflitos nas escolas;
e os Grêmios Estudantis, instância fundamental de representação e
participação discente no ambiente escolar.
Para mobilizar as escolas, a DCDH atua na articulação
com os Coordenadores de Cidadania, Direitos Humanos e
Diversidade, lotados nas Diretorias Regionais de Ensino – DRE
com a função de exercer o papel de elo entre a DCDH e as
instituições educacionais. Além disso, a DCDH tem procurado
dialogar com a Escola de Aperfeiçoamento dos Profissionais de
Educação – EAPE, responsável pela formação continuada dos
profissionais de educação e com a Subsecretaria para a Educação
Básica – SUBEB, responsável pela implementação do currículo.
Por meio da articulação com essas três esferas – DRE, EAPE e
SUBEB, a DCDH pretende garantir a inclusão da educação em
direitos humanos nos currículos, nos projetos políticos pedagógicos
e nos projetos educacionais desenvolvidos nas escolas, bem como
assegurar a formação de profissionais com metodologias adequadas
para lidar com essa temática.
340
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Ações em andamento da Diretoria de Cidadania e Direitos
Humanos
Conforme foi possível verificar junto à DCDH, foram
realizadas as seguintes ações no primeiro semestre de 2011:
• Fortalecimento da articulação entre a SEDF e a Rede de
Proteção da Criança e do Adolescente, por meio da participação
nos conselhos e comitês voltados para a garantia dos direitos
de crianças e adolescentes e a articulação com as escolas;
•Estímulo à implementação do projeto Escola de Pais nas
escolas;
• Programa Cidadania e Justiça na Escola: em parceria com o
TJDFT/AMAGIS, está em fase de sensibilização no âmbito das
DRES, para fins de formação dos Coordenadores/Professores
do 5º ano;
• Programa Trabalho, Justiça e Cidadania na Escola: em parceria
com a AMATRA 10, está em fase de organização do curso de
sensibilização;
• Programa Escola Aberta: em parceria com o Ministério da
Educação – MEC, está em fase de recadastramento e adesão
de novas escolas;
•Seminário de Educação em Direitos Humanos e Diversidade:
ação da DCDH, voltada para a formação dos profissionais de
educação, com o intuito de levar o debate acerca da educação
em direitos humanos para todas as instâncias da SEDF. Em
fase de organização, o evento deve ocorrer em setembro de
2011;
•I Encontro de Protagonismo Infanto-Juvenil da SEDF: ação
da DCDH voltada para o estímulo ao protagonismo infantojuvenil com vistas ao exercício de uma cidadania ativa. Em fase
de organização, o evento deve ocorrer em outubro de 2011;
341
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
• Projeto Viva a Vida! Droga Comigo não Rola: em parceria
com a Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e
Cidadania/Subsecretaria de Políticas de Prevenção ao Uso
de Drogas, está em fase de sensibilização e formação dos
profissionais de educação para a implementação do projeto na
escola;
• Participação da SEDF na Mobilização Social de 18 de maio
“Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual
Infanto-juvenil” realizado pelo Comitê Distrital de Enfrentamento
ao Abuso e à Exploração Sexual Infanto-Juvenil. Em todo o país
acontecem mobilizações que referenciam o 18 de Maio,
instituído pela Lei Federal n. º 9970/00. A data escolhida
reafirma a importância de se denunciar e responsabilizar
os autores de violência sexual contra a população infantojuvenil
Além das ações apresentadas, foi realizado também um
diagnóstico sobre a existência e as condições de funcionamento
dos Conselhos Escolares, Grêmios Estudantis e Conselhos Locais
de Cidadania e Cultura de Paz, por meio do preenchimento de
formulários, elaborados pela DCDH, e encaminhados para as
escolas por intermédio das DREs. A seguir, o resultado da pesquisa
por DRE:
342
50
24
GAMA
GUARÁ
30
64
101
24
39
26
32
44
65
649
PARANOÁ
PLANALTINA
P.PILOTO/
CRUZEIRO
RECANTO DAS
EMAS
SAMAMBAIA
SANTA MARIA
SÃO SEBASTIÃO
SOBRADINHO
TAGUATINGA
TOTAL
BANDEIRANTE
33
88
CEILÂNDIA
NÚCLEO
29
Existente
356
49
1
21
25
12
18
38
55
16
32
14
31
19
25
228
32
0
10
13
8
10
24
43
11
21
10
17
12
17
Atuante
39
9
0
6
1
0
1
5
4
0
2
2
3
2
4
Muito
89
8
1
5
11
4
7
9
8
5
9
2
11
5
4
Pouco
ATUAÇÃO DO
CONSELHO ESCOLAR
214
19
1
5
20
7
13
25
51
11
25
5
4
12
16
Sim
142
30
0
16
5
5
5
13
4
5
7
9
27
7
9
Não
103
8
0
4
10
2
6
8
36
4
12
2
1
6
4
Sim
111
11
1
1
10
5
7
17
15
7
13
3
3
6
12
Não
ATUANTE
CONSELHO LOCAL
EXISTÊNCIA
Fonte: Diagnóstico nas DREs da SEDF
Mapeada
ESCOLAS
BRAZLÂNDIA
DRE
33
10
0
2
3
0
2
2
4
1
3
1
1
1
3
Sim
323
39
1
19
22
12
16
36
51
15
29
13
30
18
22
Não
GRÊMIO
Tabela 1 – Funcionamento dos Conselhos Escolares, Grêmios Estudantis e Conselhos Locais de
Cidadania e Cultura de Paz na SEDF
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
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Um balanço geral: conquistas e desafios
Entre os avanços já conquistados pela DCDH para a
educação em direitos humanos no DF, vale destacar que:
• a reestrutura da SEDF prevê a incorporação dos trabalhos
da SEICH pela Subsecretaria de Educação Básica da
SEDF, onde a DCH passará a articular suas ações às
necessidades das demais diretorias e será criada a Diretoria
de Diversidade;
• o currículo da SEDF passará a ter como eixo transversal a
educação em direitos humanos;
• ampliação da gestão democrática escolar por meio das
atuais diretrizes da SEDF.
Entretanto, vale destacar também a emergência de alguns
desafios:
• Fortalecer o trabalho dos Conselhos Escolares e dos
Conselhos Locais de Promoção de Cidadania e Cultura
de Paz em ações de prevenção às violações de direitos
humanos/promoção aos direitos humanos, e não no
enfrentamento às violências escolares;
• Formar e/ou fortalecer as redes escolares de atendimento à
criança e ao adolescente;
• Fortalecer as redes regionais de proteção à criança e ao
adolescente em todas as regiões administrativas do Distrito
Federal;
•Ampliar a inclusão das temáticas relativas à cidadania e aos
direitos humanos na formação continuada dos profissionais
da educação;
•Sensibilizar a comunidade escolar a ser protagonista no
processo de construção da cultura de paz nas escolas,
no sentido de vencer a cultura violenta de lidar com os
conflitos interpessoais e sociais que se apresentam nos
espaços públicos e privados no Brasil;
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• Criação do Comitê Distrital de Educação em Direitos
Humanos, especialmente no sentido de fortalecer e afinar
o diálogo entre a educação superior, educação básica e os
profissionais do sistema de justiça e segurança.
Sendo assim, é possível perceber que já foi dado o início
à implementação da educação em direitos humano no Distrito
Federal, porém trata-se de um processo lento, pois depende do
envolvimento e da mobilização não só de esferas governamentais e
não-governamentais, mas principalmente da comunidade escolar,
sem a qual todo o trabalho da DCDH perderia o sentido.
Considerações finais
Observa-se que a educação em direitos humanos é uma
política educacional voltada para a emancipação dos indivíduos,
na medida em que pressupõe o tratamento crítico de temáticas
sociais, econômicas e políticas em sala de aula; a participação da
comunidade escolar na resolução de problemas que surgem no
âmbito escolar; e a construção de uma cultura de direitos humanos
nas escolas, bem como para além de seus muros.
A Secretaria de Educação do Distrito Federal tem
despendido esforços no sentido de promover tal educação por
meio das ações anteriormente discriminadas, no entanto, há
que continuar havendo vontade política de fortalecer e ampliar
tais ações por parte da gestão central da SEDF, uma vez que,
principalmente na área de promoção, defesa e garantia de
direitos é necessário haver maior investimento na formação dos
profissionais da educação, execução das ações previstas para a
educação nos Comitês e Comissões e Conselhos em que tem
assento, valorização dos profissionais da educação e investimento
de recursos materiais e financeiros para a reforma e construção de
unidades escolares com a finalidade de melhorar a qualidade da
educação nas escolas públicas do Distrito Federal.
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Assim, educar em direitos humanos exige a atenção, reflexão
e ação de todos os atores envolvidos no processo educacional:
gestores, profissionais da educação, estudantes e dos demais
membros da comunidade escolar – pais, mães e responsáveis
pelos estudantes, comerciantes, organizações governamentais e
não governamentais que atuem em rede junto à escola. Aí está a
“boniteza” da educação em direitos humanos!
Referências
BRASIL, Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos.
Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília:
Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2009.
BRASIL, Ministério da Educação. Documento de Referência:
Orientações para a Implementação da Educação em Direitos
Humanos na Educação Básica. Brasília: versão preliminar,
mimeo, 2010.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília: 1988.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Brasília: 1996.
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília: 2008.
DISTRITO FEDERAL, Secretaria de Estado de Educação do
Distrito Federal. Plano de Ação da Diretoria de Cidadania e
Direitos Humanos. Brasília: 2011.
SEDF. Violência e escola: definição, encaminhamento
e prevenção – Manual aos gestores das instituições
educacionais. Brasília: Gráfica da SEDF, 2008.
WEIL, Pierre. A arte de viver em paz. São Paulo: Gente, 1993.
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Eixo 5:
Política e Gestão Educacional para o
Meio Ambiente e o Desenvolvimento
Sustentável
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Ambientes alternativos de vivência e aprendizagem
Luiz Síveres
Lucicleide Araújo
Carla Cristie França
Universidade Católica de Brasília
“Precisamos tornar a Universidade um espaço
vivo, agradável, estimulante, com aulas mais
centradas em projetos do que em conteúdos
prontos; com atividades em outros espaços
que a sala de aula [...].” (MORAN, 2007)
RESUMO: Este artigo apresenta, no contexto atual, ambientes
alternativos como possibilidades de experiências de vida e
aprendizagem. A vivência que enfatizaremos é fruto do projeto
“Água, fonte de aprendizagem”, desenvolvido em espaço alternativo
de ensino e aprendizagem. A experiência suscita sensibilidade
para com os saberes propiciados pela natureza e leva estudantes
de graduação do primeiro semestre da disciplina “Introdução
a Educação Superior” de uma instituição de Ensino Superior
do Distrito Federal a refletirem sobre possível aprendizado em
contextos alternativos - para além do espaço tradicional da sala
de aula. O encontro do sujeito com a natureza, com o outro e
consigo permite olhares diferentes dos antes conhecidos pelos
sujeitos/aprendizes em relação ao próprio processo de construção e
reconstrução de conhecimentos. Configura-se momento dinâmico
de ensino e aprendizagem entrelaçado pelas dimensões cognitivas,
emocionais e, sobretudo, espirituais.
Palavras-chave: Ambientes alternativos. Aprendizagem. Projeto.
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Contexto atual
Diante de um mundo “líquido” (BAUMAN, 2001),
em constantes mudanças, que se cria e se recria a todo instante,
provisório, imprevisível, necessita-se de práticas educativas
que se desenvolvam para além do espaço tradicional da sala de
aula e contemplem, mediante projetos educativos, ambientes
alternativos para a formação intelectual e emocional de ensino e
aprendizagem.
Os problemas contemporâneos, decorrentes das mazelas
relativas à fragmentação do conhecimento, visão unilateral que por
séculos tem separado sujeito e objeto, cognição e vida, razão e emoção,
educador e educando, indivíduo e sociedade, têm impulsionado a
necessidade de se repensar e reencantar a educação sob nova ótica,
voltada para um pensamento complexo. O pensamento complexo
permite articular diferentes saberes, unindo-os e integrando-os
em prol da construção de conhecimentos com mais sentido, tanto
para a vida pessoal como a profissional dos sujeitos/aprendizes em
diversos contextos educativos.
A Universidade, como parte dessa realidade e espaço
favorável à multiplicidade de ricas aprendizagens, não pode
limitar-se a utilizar apenas o espaço da sala de aula tradicional para
a apropriação desses saberes. Nesse sentido, é preciso investir em
práticas pedagógicas focadas em projetos, pesquisa, colaboração
presencial-virtual, individual-grupal, como Moran (2007) e
Araújo (2011) sugerem. Síveres (2006) afirma que, diante de toda
essa tessitura complexa, as instituições superiores ainda flutuam,
insistindo em se manterem fechadas para a nova proposta de
educação que, há tempos, desponta.
Pensar na criação de propostas inovadoras a partir da
utilização de espaços alternativos para processos de ensino e
aprendizagens mais prazerosos, capazes de despertar no estudante
a vontade, o desejo, a curiosidade, são algumas atitudes que podem
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Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
apontar novos horizontes a serem vislumbrados e o estabelecimento
de pontes que possibilitem ser, a sala de aula, porta de acesso ao
novo mundo.
Vivências em contextos educativos voltadas a essa
perspectiva são possibilidades para o desfrute de experiências
dialógicas, de autorreflexão, para o desenvolvimento da autonomia,
da criatividade e da solidariedade do sujeito/aprendiz. Em
espaço construído de forma sensível e harmoniosa, propiciará
possivelmente a construção de conhecimentos de modo mais
significativo à medida que promove a interação do sujeito/aprendiz
com o seu mundo exterior (ambiente) e a própria vida interior.
Esse diálogo, a partir dessa dupla relação, é fundamental para o
surgimento de uma terceira possibilidade de caminho para aquele
ascender em termos de percepção em relação ao conhecimento.
Propostas de projetos de ensino e aprendizagem
desenvolvidos em ambientes alternativos possibilitam práticas
inovadoras de aprendizagem, pois estas podem favorecer o
encontro entre os conhecimentos informais obtidos pelos sujeitos
ao longo de sua trajetória de vida com os conteúdos formais
propostos pelas disciplinas. Essa articulação e conexão entre os
saberes formais e informais, integrada à vivência de projetos em
ambientes diferenciados, podem possivelmente propiciar aos
sujeitos/aprendizes a apreensão de “conhecimentos pertinentes”
(MORIN, 2004), ou seja, com sentido, tanto à vida profissional
quanto à pessoal.
Diante desse pressuposto e da compreensão da Universidade
como lugar de encontro de pessoas que desejam e têm vontade
de aprender, dialogar, lugares propícios ao desenvolvimento de
conhecimentos para além das paredes que a envolvem - o parque
tecnológico, a biblioteca, os laboratórios - são alguns exemplos
de espaços extensivos a serem explorados e compreendidos por
educadores como anexos à Universidade e não desconexos.
Compreendemos que a educação se concretiza nos mais variados
ambientes e não somente no espaço interior.
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Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Nesse sentido, pensar e criar projetos educativos
que explorem os mais diferentes espaços da Universidade é
compreender que a sala de aula não consiste em lugar estático,
onde a figura do professor é a de um computador e a do aluno,
a de um ser passivo que recebe as informações como se fosse um
pen drive. É preciso saber conectar os vários espaços oferecidos pela
Universidade com a sala de aula, mediante criação de projetos
de aprendizagem que promovam a articulação dialógica entre
os espaços interiores oferecidos pela Universidade e os espaços
exteriores, intensificando-se cada vez mais a indissociabilidade
entre teoria e prática no intuito de minimizar a fenda que separa
a escola da vida ou na interlocução entre as disciplinas. Esse é o
grande desafio a ser enfrentado por educadores para a compreensão
de uma práxis pedagógica dinâmica e conectada com a própria vida
e o desenvolvimento de processos de ensino e aprendizagem que
favoreça o tripé da base universitária: ensino, pesquisa e extensão.
Assim, para a educação voltada a essa perspectiva, é preciso
que educadores invistam em encontros que ajudem os estudantes
a expandir seus conhecimentos, formando pessoas de cabeça “bem
feita” (MORIN, 2008), ousadas, sensíveis e principalmente mais
comprometidas, não somente com a própria transformação, mas,
sobretudo, com o mundo ao seu redor. A sociedade atual precisa
de pessoas que façam diferença no processo socioevolutivo da
humanidade, pessoas que, ao se perceberem, sintam-se parte da
sociedade.
Exigência de ampliação de espaços educativos
Vários são os pesquisadores que anunciam há séculos
a necessidade de reconfiguração dos cenários educativos. Os
espaços para processos de ensino e aprendizagem na modernidade
ampliaram-se, principalmente com a conectividade propiciada pela
Internet.
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Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Reconfigurar cenários mais criativos, baseados na
complexidade e na transdisciplinaridade, buscando cada vez mais
a aproximação entre razão e emoção, vida e conhecimento, são as
novas ordens do momento que já não é mais possível adiar.
Diante disso, é urgente e necessário que transformações
ocorram nas práticas pedagógicas, quer no modo presencial quer
no virtual, que levem educadores e educandos a experimentar
processos reflexivos e de aprofundamento no que diz respeito aos
conhecimentos apreendidos, a fim de que propostas inovadoras
despertem no sujeito/aprendiz razões para aprender e ensinar,
porque aprendeu como se ensinava Freire (2005) e, desse
modo, possam trazer respostas mais positivas à qualidade da
aprendizagem dos sujeitos/aprendizes em contextos universitários.
Uma das possibilidades de ampliação dos espaços educativos é a
aprendizagem por meio de projetos.
Aprendizagem por projetos
A aprendizagem por projetos leva educadores e educandos
a trilhar caminhos nunca antes pensados, pois, a cada ponto de
bifurcação, novas aventuras iniciam.
Segundo Antunes (2001), um projeto é uma pesquisa ou
uma investigação sobre dado tema, desenvolvida no sentido de
seu conhecimento em profundidade. O trabalho com projetos
permite rompimento das fronteiras disciplinares bem como
favorece elos entre as diferentes áreas do conhecimento em
situação contextualizada de aprendizagem, sem que haja perda de
identidade das disciplinas.
Nesse sentido, Almeida (2002, p. 58) corrobora, destacando
que,
[...] o projeto rompe com as fronteiras
disciplinares, tornando-as permeáveis na ação
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Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
de articular diferentes áreas de conhecimento,
mobilizadas na investigação de problemáticas
e situações da realidade. Isso não significa
abandonar as disciplinas, mas integrá-las
no desenvolvimento das investigações,
aprofundando-as verticalmente em sua
própria identidade, ao mesmo tempo, que
estabelecem articulações horizontais numa
relação de reciprocidade entre elas, a qual
tem como pano de fundo a unicidade do
conhecimento em construção.
Os projetos, como estratégias didáticas transdisciplinares
(ARAÚJO, 2011), sugerem planejamentos mais flexíveis, pois,
segundo estudos realizados por Perrenoud (1999, p. 64), no
trabalho por projetos é possível saber quando a atividade começa,
mas raramente se sabe quando e como terminará. Essa situação
didática traz consigo um dinamismo que lhe é própria, pois os
projetos invadem outras partes do currículo à medida que envolvem
estudantes em situação de interação com diferentes conhecimentos,
pelo viés da construção e da reconstrução de conceitos, ideias,
permitindo ao indivíduo transitar mais naturalmente e seguro
entre os saberes ora individuais, ora coletivos.
Prova disso é o projeto intitulado “Água, Fonte de
Aprendizagem”, que vem sendo desenvolvido em uma Universidade
no Distrito Federal e tem, como um dos seus eixos, a água.
O projeto “Água, Fonte de Aprendizagem” é desenvolvido
em espaço educativo que procura integrar o meio ambiente, a
experiência social e a consciência pessoal. Esse projeto consiste em
processo de aprendizagem a partir da água. Ela é uma possibilidade
de aprendizagem, a partir de sete pegadas educativas. Tais pegadas
estão dispostas em ambiente natural, no qual se encontram
nascentes que desembocam em um riacho.
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Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
A primeira pegada está situada em uma nascente de água.
A nascente nos ensina que precisamos buscar os conhecimentos
nas suas origens, que a aprendizagem é dinâmica e os processos
educativos, além de se voltarem para o passado, passam pelo
presente e correm para o futuro.
A segunda pegada é o encontro de duas nascentes. O
encontro das nascentes demonstra a importância de compreender
o processo de aprendizagem por meio do encontro de saberes, do
encontro de mestres e do encontro com outros autores.
A terceira pegada é uma árvore que está caída sobre o
riacho. O processo pedagógico é permeado de desafios que precisam
ser superados. À medida que um ajuda o outro, cria-se uma energia
cooperativa, que potencializa a superação dos desafios.
A quarta pegada é um forno de barro construído há uns
100 anos pela população que morou na região. Nessa pegada podese refletir que a educação é sempre marcada por pessoas e processos.
Assim, os alunos são marcados pelos professores que passaram na
vida estudantil e pelos conhecimentos que foram construindo.
A quinta pegada é a entrada do riacho no rio. Essa pegada
ensina que a educação precisa ajudar a compreender a realidade
e interagir com ela. A finalidade educativa é contribuir para a
construção de uma sociedade mais justa, mais saudável e mais
ética.
A sexta pegada é a passagem por uma pinguela. A
aprendizagem ocorre sempre por meio de conexões, redes e
sistemas. Quanto melhor forem as conexões, melhor será o
processo de aprendizagem.
A sétima pegada é a compreensão de que o rio corre no
sentido do mar. Assim, a educação ajuda a revelar o sentido da
vida, apontando para a utopia e para a esperança, com o objetivo de
buscar realização pessoal e profissional.
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Relato da experiência
O contexto em que ocorreu a experiência foi uma
Instituição de Ensino Superior. Vivenciaram a experiência 25
estudantes do 1º semestre da disciplina “Introdução à Educação
Superior” de diferentes áreas do conhecimento: Administração,
Biologia, Contabilidade, Computação, Direito, Gastronomia,
Pedagogia, Publicidade e Serviço Social. O objetivo dessa vivência
voltou-se para a análise da possibilidade de aprendizagem em
contextos diferenciados mediante o projeto “Água, Fonte de
Aprendizagem”.
O cenário do projeto supracitado foi todo pensado e
construído, preservando-se a natureza para possível aprendizado
a partir das sete pegadas. A vivência no Recanto Kairós, espaço
diferenciado de aprendizagem, leva educadores e educandos a
trilhar caminhos nunca antes imaginados e a construir as próprias
aventuras.
No momento em que o sino na entrada do recanto é tocado,
inicia-se a aventura, o cenário se descortina e os sujeitos entram em
cena, dando vida ao ambiente que, aos olhos visíveis, se apresenta
aparentemente estático. Porém, à medida que os estudantes
adentram a trilha e assumem o palco dessa aventura, tudo vai,
como em uma espécie de magia, passando a ter vida. Dinamizá-lo
é o grande desafio e faz parte do roteiro a ser construído no exato
momento em que cada um assume seu papel de autor e ator nessa
aventura.
Durante o percurso das sete pegadas, é possível perceber
o quanto os estudantes se veem envolvidos em novos desafios
e possibilidades de experimentar aprendizagem diferente das
constituídas em sala de aula, pois são eles os próprios autores
que dão vida ao cenário que, por ora, antes de atuar, apresenta-se
estático. Cada um dos sujeitos presentes nesse cenário, pensado e
construído em espaço alternativo, mediante suas pegadas deixadas
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Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
durante o percurso da trilha, deixa sua marca, seu riso, seu gesto,
seu olhar, suas experiências, suas emoções, um pouco de sua
história à medida que vai vivenciando a experiência constituída
pelo entrelaçamento entre as experiências e o novo conhecimento
a se construir e reconstruir.
A vivência dessa experiência pelos estudantes da disciplina
“Introdução à Educação Superior” possibilitou a percepção de mais
interesse, alegria e envolvimento em cada pegada apresentada, bem
como momentos de reflexões coletivas e também de autorreflexão,
reforçando-se, pelos depoimentos, que é possível obter rico
aprendizado pela água, aprender em contextos diferenciados, além
do da sala de aula. Como disse um dos estudantes, “O contato
com a criação sempre me faz refletir sobre como estou e vivo, bem
como o que fazer para melhorar”.
Conforme o relato de outro estudante, “As águas estão
sempre a seguir o seu trajeto e nós estamos parados ou corremos
atrás dos nossos objetivos”. Ou seja, a busca pelo conhecimento
depende de cada um de nós, de termos atitude, para formação
contínua, ao longo da vida.
Essa experiência de aprendizagem por projeto também
permitiu aos estudantes compreender e perceber que a aprendizagem
não se dá apenas no espaço tradicional da sala de aula e que muito
se pode aprender em espaços alternativos, a partir do percurso de
uma trilha marcada por sete pegadas. Como diz outro estudante,
“[...] o ambiente de aprendizagem é possível em qualquer lugar”.
Por meio da experiência vivida os estudantes avaliaram
que
A aula de hoje pode nos mostrar que não
há necessidade de estar em sala de aula
com quadro, textos, retroprojetores para
que possamos absorver e compartilhar
conhecimentos. Hoje vimos um pouco da
aula em um ambiente diferente, isso nos
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Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
permite descontrair e sair um pouco do
rotineiro. Podemos também explorar um
pouco este ambiente natural e sair do estresse
da cidade.
A práxis pedagógica mediante projetos inovadores em
espaços alternativos de aprendizagem possibilita mais liberdade
para os sujeitos expressarem seus sentimentos, suas emoções,
experimentarem outras formas de conhecimento para além da
razão, construindo saberes entrelaçados pelas experiências de vida
já acopladas em cada um com os conhecimentos apreendidos pelos
elementos da natureza, em específico nesse contexto, os oferecidos
pela água. Como dito por outro estudante, foi uma aula diferente
“[...] que promoveu a religação, ou seja, uma ligação entre o
homem e a natureza”.
Segundo Morin (2007, p. 104) “[...] religação é um
imperativo ético primordial que comanda os demais imperativos
em relação ao outro, à comunidade, à sociedade, à humanidade”.
Isso pressupõe abertura ao outro, no sentido de compreendê-lo,
legitimando-o mediante vivência de experiências que envolvem
separação e conexão.
A experiência vivenciada no Recanto Kairós contribui para
a manifestação dos conhecimentos dos estudantes, a criatividade, a
invenção, o fortalecimento da autoestima e o viver da experiência,
ao mesmo tempo, de construtor e co-construtor do próprio
processo de construção do conhecimento.
Assim, fica claro que o trabalho por projetos possibilita
o resgate do sujeito transdisciplinar ao próprio processo de
construção do conhecimento, pela reintegração das dimensões
cognitivas, emocionais e espirituais em contextos alternativos de
aprendizagem. Possibilita aos estudantes flexibilidade e a percepção
de que a sala de aula pode extrapolar as grades que circundam a
Universidade, indo além do esperado, janela aberta para encontros
e desencontros de saberes.
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Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Como expresso na fala de outro estudante, “[...] podemos
aprender na Universidade, mas podemos aprender com tudo que
está ao nosso redor, basta estarmos sensíveis para entendermos o
que a natureza nos proporciona”. Ou seja, a aprendizagem para
além da vida, à medida que o sujeito/aprendiz aprende a integrar
corpo e mente, sensações, emoções, razão, intuição, podendo sentir
e pensar com todo o corpo, em toda a sua inteireza, não somente
com a cabeça, como ensina Moran (2007). Assim, reforça-se, a
partir da fala de outro estudante, que “[...] a natureza nos traz paz
e tranquilidade e podemos levar esta vivência para o resto de nossa
jornada universitária”, sobre a importância de processos de ensino e
aprendizagem em diferentes contextos educativos para construção
e reconstrução de conhecimento significativo e com mais sentido
à vida em sua infinitude e oportunidade para a vivência de ótimas
experiências de ensino e aprendizagem.
Ainda em consonância com outros estudantes, “somos
inteligência, espírito, intuição e emoção”. Portanto, em tudo que
se realiza é importante que a pessoa se coloque por inteiro. Isso
demonstra que não se é neutro e imparcial frente à dinâmica da
vida, pois a constante relação entre o sujeito do conhecimento com
a natureza, tanto o sujeito/observador quanto o objeto observado,
sofrem modificações, transformações. Conforme as percepções
e as compreensões, evolui-se, transpondo-se para outros níveis
de conhecimento em relação à vida, podendo inclusive atingir
a transcendência, como colocada por D’Ambrósio (2009, apud
ARAÚJO, 2011), ou seja, aquela capaz de o sujeito viver e saber
dizer, colocando-a, principalmente, em prática.
Considerações finais
O trabalho por meio de projetos reintroduz o sujeito/
aprendiz no próprio processo de construção do conhecimento, à
medida que, ao se assumir como autor e ator, ele vai se envolvendo
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Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
nas cenas como protagonista da própria história, levando-o a
aproximar-se do conhecimento desejado, dando desfecho a sua
história a partir de novo recomeço.
As cenas ora estáticas vão aos poucos desvelando os
conhecimentos anteriormente aprendidos pelos sujeitos/aprendizes,
mais os que são apreendidos, construídos e reconstruídos mediante
o construir de uma rede de significados representativa do grupo.
Educador e educando, juntos, caminham e tecem os complexos
fios da rede a se constituir no exato momento em que diferentes
conhecimentos emergem, atribuindo-lhes sentido.
Assim, concluímos que processos de ensino e aprendizagem
em contextos alternativos possibilitam aprendizagens diferenciadas
e são porta aberta para o mundo. Explorar diferentes possibilidades
de situações didáticas, contemplando outros espaços distintos dos
já tradicionalmente explorados, é estar disposto a vincular a teoria
à prática, para possibilidades de abertura de janelas que favoreçam
o encontro entre o mundo interior e o exterior da Universidade.
Para isso, atitude é a palavra-chave de todo esse processo e isso
requer, acima de tudo, por parte dos educadores, confiança para
ousar, ser criativo.
Integrar a sala de aula com ambientes alternativos de
ensino e aprendizagem é compreender o espaço educativo como
possibilidade de contribuir para a construção de uma sociedade
mais justa, solidária e mais amorosa. Nesse sentido, concluímos
concordando com a epígrafe proferida por Moran (2007, p. 15) no
início deste artigo.
Referências
ALMEIDA, Maria Elizabeth Bianconcini de. Como se trabalha
com projetos (entrevista). Revista TV Escola. Secretaria de
Educação a Distância. Brasília: Ministério da Educação, Seed, n.
22, março/abril, 2002.
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Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
ANTUNES, Celso. Um método para o ensino fundamental:
o projeto. Petrópolis: Vozes, 2001.
ARAÚJO, Lucicleide de Sousa Alves. Didática transdisciplinar:
um pensar complexo sobre a prática docente. Brasília: Exlibris,
2011, no prelo.
BAUMAN, Sygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro:
Zahar, 2001.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2005.
MORAN, José Manuel. A educação que desejamos: Novos
desafios e como chegar lá. Campinas: Papirus, 2007.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do
futuro. 8. ed. São Paulo: Cortez; Brasília: UNESCO, 2004.
______. Introdução ao pensamento complexo. 3. ed. Porto
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______. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o
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PERRENOUD, Phillipe. Construir as competências desde a
escola. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.
SÍVERES, Luiz. Universidade: Torre ou sino? Brasília: Universa,
2006.
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Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
A Educação Ambiental e a Formação de Professores
em Ciências - Um Caminho para o Desenvolvimento
Sustentável
Fernando Barcellos Razuck
Renata Cardoso de Sá Ribeiro Razuck
Universidade de Brasília
Resumo: Dentre as diversas disciplinas integrantes do currículo do
ensino de Ciências, a educação ambiental (EA) está também inserida
nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que constituem
os referenciais para a qualidade da educação, mostrando assim
sua relevância no âmbito educativo e consequente importância na
formação cidadã. Apesar disso, historicamente, o ensino de Ciências
no Ensino Fundamental é muito recente no Brasil e, até hoje,
apresenta certa carência com relação à formação de licenciados em
Ciências Naturais para atuar na Educação Básica. Entretanto, nos
últimos anos, observou-se o surgimento, em diversas universidades
públicas, de cursos de Licenciatura não só específicos para a área do
ensino de Ciências, como também para as diversas disciplinas que
fazem parte do seu currículo, como Química, Física e Biologia.
Este trabalho visa então discutir de que maneira pode-se atrelar
à estrutura curricular de um curso de Licenciatura em Ciências
Naturais questões relativas à sustentabilidade e suas implicações
sociais, temas estes pertencentes à ementa de disciplinas direta ou
indiretamente relacionadas com a educação ambiental. Além disso,
pretendeu-se verificar de que maneira a inclusão de tais questões
também podem subsidiar as necessidades cada vez mais presentes
na formação de professores de Ensino de Ciências visando um
processo educativo com maior significância social/ambiental. Foi
realizada então uma pesquisa qualitativa com os alunos pertencentes
à última disciplina de estágio, do curso de Licenciatura em Ciências
Naturais. Nessa disciplina os alunos foram estimulados a trabalhar
com oficinas pedagógicas que envolvessem temas ambientais
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Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
que estivessem atrelados aos conteúdos trabalhados nas escolas.
Entende-se que, com esse enfoque na formação, a EA pode ser uma
importante ferramenta para o ensino de Ciências na perspectiva da
formação cidadã.
Palavras-chave: Educação Ambiental. Licenciatura em Ciências
Naturais. Formação de professores. Cidadania.
Introdução
Pode-se dizer que a questão ambiental é central no
processo educativo e, consequentemente, na esfera da formação
de professores. De acordo com Carvalho (2001), a chamada
educação ambiental (EA) vem sendo incorporada como uma
prática inovadora em diferentes âmbitos, como por exemplo, na
internalização na forma de objeto de políticas públicas, nas áreas
de educação, meio ambiente, na mediação educativa e na forma
de práticas de desenvolvimento social, respondendo assim a
demandas impulsionadas pela sociedade. Assim, para a autora, a
questão ambiental age como qualificadora da educação, uma vez
que contextualizam “os sujeitos no seu entorno histórico, social e
natural” (Ibid., p. 44).
Nesse sentido, faz-se cada vez mais necessária a formação
de educadores com essa nova visão da educação ambiental, de forma
a contextualizar o conhecimento e aproximá-lo do aluno, a ponto
de introduzi-lo na realidade social em que vive e aja de forma a
disseminar o conhecimento na população na qual se insere.
Dessa maneira, já sinalizando uma preocupação com o tema
“educação ambiental”, o próprio PCN (Parâmetros Curriculares
Nacionais) indica, por meio dos seus temas transversais para a
Educação Fundamental, a questão do meio ambiente, segundo o
qual,
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Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
A problematização e o entendimento das
conseqüências de alterações no ambiente
permitem compreendê-las como algo
produzido pela mão humana, em determinados
contextos históricos, e comportam diferentes
caminhos de superação. Dessa forma, o
debate na escola pode incluir a dimensão
política e a perspectiva da busca de soluções
para situações como a sobrevivência de
pescadores na época da desova dos peixes,
a falta de saneamento básico adequado ou
as enchentes que tantos danos trazem à
população (BRASIL, 1998, p. 169).
Entretanto, apesar da importância da temática e dos
esforços empreendidos pelo governo na busca pela melhoria do
ensino, ainda é possível verificar um distanciamento com relação
ao principal interessado e beneficiado, no caso o próprio aluno.
Isso porque os índices de repetência e evasão do sistema
educacional brasileiro observados ao longo dos últimos anos são
alarmantes, o que demonstra em última instância uma falta de
interesse por parte do aluno em continuar seus estudos. Porém, essa
falta de interesse não deve ser vista apenas de forma isolada, uma
vez que vários fatores, como condições de estudo, programas de
ensino e qualificação de professores devem também ser analisados.
O que preocupa, entretanto, é que essa evasão pode comprometer,
futuramente, toda uma política de educação ambiental, afetando
diretamente a vida das pessoas, uma vez que a educação ambiental
traz consigo todo um processo de conscientização coletiva.
Assim, dados recentes revelam uma realidade bastante
preocupante com relação à evasão que atinge todos os níveis de
escolarização (RIBEIRO, 1991; FERNANDES, 2007; KLEIN,
2007). Diante do fato, inúmeras medidas governamentais têm sido
tomadas para erradicar a evasão escolar, tendo como exemplos, a
365
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
implementação da Escola Ciclada, a criação do programa bolsaescola, a criação do Plano Desenvolvimento Escolar (PDE), dentre
outros. Entretanto, tais medidas ainda não têm sido suficientes para
garantir a permanência da criança e a sua promoção na escola.
Possivelmente, uns dos principais fatores que levam
a evasão escolar se relacionam com a precária formação dos
professores (BORUCHOVITCH, 1999). Dessa forma, deve-se
pensar, prioritariamente, a formação dos professores com o intuito
de diminuir essa distância verificada entre os alunos e as escolas,
modificando assim esta situação excludente.
Vale ainda ressaltar que até o início do século XXI, na
organização das Licenciaturas no Brasil, existia uma proposta
específica para a formação de professores para o ensino infantil, nas
séries iniciais do Ensino Fundamental e para o Ensino Médio, mas
não existia uma formação específica para professores de Ciências
para as séries finais do Ensino Fundamental. Essa lacuna pode ser
entendida como um dos possíveis fatores responsáveis pela criação
dessa ruptura na continuidade da educação.
Para Magalhães Junior e Pietrocola (2005), a formação de
professores de Ciências no Ensino Fundamental é muito recente
no Brasil, sendo até hoje relegada pelas universidades. Assim, a
disciplina Ciências só foi inserida obrigatoriamente na educação
brasileira, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB)
em 1961, pela lei nº 4.024/61, mas a formação de professores foi
postergada para a década de 1970. Somente a partir da promulgação
da nova LDB, lei nº 9.394/96, é que se torna obrigatória a formação
de nível superior de cursos plenos para profissionais da educação,
incluindo os da área de Ciências. Apesar disso, a maioria das
universidades preferiu continuar formando professores em áreas
específicas, e não em Ciências, de forma generalista.
366
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Essa falta de um programa de formação específica para a
Licenciatura em Ciências vem sendo suplantada principalmente
pelos cursos de Licenciatura em diversas áreas do conhecimento,
como por exemplo, Ciências Biológicas, Química e Física, os quais
costumam atender parcialmente as demandas escolares. E, ainda
mais alarmante, em nosso país é cotidiano verificar profissionais
com formação diversa ministrando aulas de Ciências para as séries
finais do Ensino Fundamental. É frequente encontrar biólogos,
químicos, físicos, matemáticos, médicos, dentistas, agrônomos,
engenheiros e veterinários, entre outros profissionais, atuando
como professores de Ciências, o que pode ser comprometedor
para o processo de ensino e aprendizagem.
Segundo Magalhães Junior e Pietrocola (2005), o ensino
de Ciências no nível fundamental é conhecido como Ciências
Naturais e ainda também em alguns casos como Ciências Físicas
(compreendendo a Física, a Química, a Geologia e a Astronomia)
e Biológicas (compreendendo a Fisiologia, Anatomia, Botânica
e Zoologia). Ou seja, ainda hoje o curso de Ciências Naturais é
confundido com o de outras áreas de formação.
Dessa forma, este trabalho visa discutir de que maneira
podem-se atrelar à estrutura curricular de um curso de Licenciatura
em Ciências Naturais, questões relativas à sustentabilidade e suas
implicações sociais, já que a formação de professores críticos
é crucial para a construção de uma sociedade participativa nas
questões ambientais. Será analisada a necessária estruturação de
um curso voltado propriamente para a área de Ciências, de forma a
abarcar o conhecimento das demais áreas que constituem o universo
científico. Assim, entende-se que esse processo colabora com as
questões ambientais, pois possibilita a formação de profissionais
qualificados para discutir os novos desafios educacionais, que vão
muito além da simples aprendizagem de conteúdos escolares.
367
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
A necessária formação de educadores em Ciências
Uma breve estimativa da demanda de professores de
Ciências para a década 2001-2010, considerando a universalização
obrigatória da Educação Fundamental, mostra que seriam ainda
necessários cerca de 30 mil professores para atender o segundo
segmento, relativo ao ensino do 6º ao 9º anos (CHAVES;
SHELLARD, 2005). Além disso, as novas exigências legais
indicam que os professores devem ter formação especifica em
Ciências Naturais (BRASIL, 2001), o que justifica a necessidade de
implementação deste curso em nossas universidades.
Essa preocupação, especificamente com relação ao
ambiente, de acordo com Cachapuz e colaboradores (2005), já
podia ser verificada em 1992, durante a Conferência da Nações
Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada
no Rio de Janeiro. Nessa Conferência, foi praticamente exigido
um posicionamento dos educadores perante a necessidade de
uma formação crítica para que os cidadãos pudessem ter maiores
possibilidades de conhecimentos atrelados à perspectiva social, de
forma a favorecer a tomada de decisões fundamentadas. Ou seja,
é necessário alertar sobre a questão da emergência planetária, o
que leva ao processo de tomada de consciência e empoderamento
social.
Assim, de acordo com a UNESCO e o Conselho
Internacional para a Ciência, durante a Conferência Mundial sobre
a Ciência para o Século XXI, realizada em Budapeste no ano de
1999, afirmava-se que:
Para que um País esteja em condições de
satisfazer as necessidades fundamentais
da sua população, o ensino das ciências e
a tecnologia é um imperativo estratégico.
Como parte dessa educação científica e
tecnológica, os estudantes deveriam aprender
368
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
a resolver problemas concretos e a satisfazer
as necessidades da sociedade, utilizando
as suas competências e conhecimentos
científicos e tecnológicos (DECLARAÇÃO
DE BUDAPESTE, 1999).
Portanto, como já sinalizado, depreende-se a necessidade
cada vez maior de se implementarem cursos de Licenciaturas em
Ciências que formem professores com consciência crítica e visão
ética e social.
A formação de Professores de Ciências na Universidade de
Brasília
Sabe-se que a Universidade de Brasília tem hoje uma
política clara de extensão, que permite não só a vasta produção
de conhecimento nos projetos de extensão desenvolvidos como
projetos de pesquisa, como também a participação dos estudantes
nestas atividades. Acredita-se assim que a extensão é um importante
eixo norteador das atividades que devem ser desenvolvidas dentro
do âmbito universitário.
Dessa maneira, os docentes de Ciências podem, de forma
significativa, contribuir para a formação discente. Para tanto,
propõe-se uma metodologia diferenciada com relação às disciplinas
oferecidas, como no caso da disciplina de Estágio Supervisionado
em Ensino de Ciências Naturais, que almeja possibilitar esta
formação, na qual todos os envolvidos (alunos da Educação Básica,
alunos da Graduação, Professores da Educação Básica e Professores
da Instituição de Ensino Superior) trabalhem colaborativamente
e aprendam com tal experiência. Em outras palavras, busca-se,
neste curso, integrar pesquisa e extensão, propiciando intervenção
sobre a realidade e a produção de conhecimento, envolvendo os
estudantes neste processo.
369
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Assim, tem-se como base a questão do trabalho em Vigotski
(2003), o qual defende que o trabalho deve ser a própria base do
processo educativo, por possibilitar a articulação entre os estudos
escolares e o cotidiano, com o intuito de alcançar um maior
envolvimento, interesse e aprendizagem. Essa articulação pode
ser perfeitamente viabilizada a partir de projetos pedagógicos, os
quais surgem da necessidade de desenvolver uma metodologia de
trabalho que valorize a participação do educando e do educador no
processo de ensino e aprendizagem, visando transformar o espaço
escolar em um local de interações, aberto ao real e às suas múltiplas
dimensões.
O trabalho construído com base no sistema das
reações conscientes é justamente essa ponte
que se estende entre o mundo das ciências
naturais e o das ciências humanas. É a única
“matéria” que constitui o objeto de estudo
de ambas. Só o trabalho, em seu significado
histórico e em sua essência psicológica, é
o ponto de encontro entre o fundamento
biológico e o suprabiológico no ser humano.
Nele se enlaçaram o animal e o homem, e o
saber humano e o natural se entrecruzaram.
Portanto, a síntese na educação, com a qual
sonhavam os psicólogos em tempos remotos,
torna-se possível na educação para o trabalho
(VIGOTSKI, 2003, p.193).
Como sugere Freire (1997), ao trabalhar com projetos
tem-se a possibilidade de reflexão sobre a correlação entre o tema
estudado e a realidade social e não apenas sobre o conteúdo de
uma disciplina isolada. Na verdade, os projetos oportunizam uma
abordagem global de conteúdos a partir dos temas de interesse da
comunidade, o que faz com que esta abordagem seja sempre inter
e multidisciplinar, com o enfoque voltado para a formação cidadã.
370
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Esse processo acaba também por criar junto ao corpo
discente um perfil de pesquisador, fundamental na sua vida
como professor. A formação de um professor-pesquisador, como
apontado por Mortimer (1998), é essencial para uma verdadeira
melhoria do ensino das Ciências, tendo muito a contribuir,
principalmente com relação à pesquisa com fundamentação teórica
e epistemológica, uma vez que o próprio professor está em posição
privilegiada para coletar dados e investigar situações de ensino e
aprendizagem na sala de aula.
Assim, para o autor, no ensino de Ciências, grande parte
dos esforços de pesquisa é dedicada à investigação em solução de
problemas, seja em laboratório, seja sobre concepções espontâneas
dos alunos. Já o professor, por outro lado, trabalha diariamente, em
situações reais de sala de aula, essas mesmas questões.
Portanto, para Erickson (1986, p. 157),
O professor, como pesquisador de sala de
aula, pode aprender a formular suas próprias
questões, a encarar a experiência diária
como dados que conduzem a respostas
a essas questões, a procurar evidências
não confirmadoras, a considerar casos
discrepantes, a explorar interpretações
alternativas. Isso, pode-se argumentar, é o que
o verdadeiro professor deveria fazer sempre.
A capacidade de refletir criticamente sobre
sua própria prática e de articular essa reflexão
para si próprio e para os outros, pode ser
pensada como uma habilidade essencial que
todo professor bem preparado deveria ter.
Com o intuito de cumprir seu papel social formando
educadores que possam suprir a carência de professores de Ciências,
a Universidade de Brasília criou, em 2005, o curso de Licenciatura
em Ciências Naturais na Faculdade UnB, Campus Planaltina.
371
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Nesse curso, a Ciência não é vista apenas como um meio de
compreender os produtos tecnológicos, mas principalmente como
um processo de pensar o mundo em busca de soluções equilibradas,
o que confere caráter interdisciplinar e muito contribui não só
para a formação intelectual, mas também moral dos educandos e
futuros professores.
Segundo o Projeto Político Pedagógico do curso:
Estudar Ciências Naturais tem implicações
importantes relacionadas à compreensão
do mundo e suas transformações, e ao
conhecimento científico, passando pela
formação de cidadãos reflexivos e críticos, com
capacidades diversas para analisar, questionar
e modificar a sociedade e o ambiente a sua
volta, de modo responsável, e respeitando as
pessoas e todas as outras formas de vida. (FUP/
PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO
DO CURSO DE LICENCIATURA EM
CIÊNCIAS, UnB, 2010, p. 9)
Nesse sentido, não há como ensinar Ciência de forma
desconexa da pesquisa e da necessária formação contínua do
professor, na qual sua prática pedagógica deve ser sempre investigada
e refletida, gerando pesquisas que possibilitem a produção de novos
conhecimentos sobre o ensino de Ciências.
Assim, segundo o próprio Projeto Político Pedagógico,
o curso de Licenciatura em Ciências Naturais da UnB “busca o
enfoque interdisciplinar das Ciências e utiliza a pesquisa como
instrumento pedagógico para a formação de educadores, visando
atender uma demanda crescente de profissionais.” (p. 10)
Pelo exposto até o momento, fica claro que a formação
de professores exige hoje que se supere o modelo tradicional de
formação, constituído anteriormente pela simples soma de dois
372
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
conjuntos isolados (PIMENTA; LIMA, 2010): a formação estrita
em conhecimentos específicos (“conteúdos”) e a formação teórica
estrita em pedagogia (“formas e técnicas de ensinar”). A busca pela
superação dessa visão dicotômica é um grande desafio vivenciado
ao longo do curso. Acredita-se que as disciplinas de estágio
supervisionado (que totalizam 400h, conforme a atual legislação)
sejam cruciais para os aspectos da formação inicial e continuada de
professores, conforme apresentados a seguir.
As disciplinas de estágio supervisionado e o Ensino de
Ciências
O Estágio Supervisionado curricular do curso de
Licenciatura em Ciências segue as orientações do Regulamento de
Estágio Curricular Supervisionado, sendo desenvolvido em quatro
semestres, nas disciplinas Estágio Supervisionado em Ensino de
Ciências Naturais 1, 2, 3 e 4, totalizando assim 405 horas ou 27
créditos.
Os dois primeiros estágios são desenvolvidos nos anos
finais do Ensino Fundamental, enquanto os dois últimos são
desenvolvidos no Ensino Médio, visando oferecer aos futuros
docentes uma visão mais ampla acerca da atuação dos professores
nos diferentes níveis de escolarização. Tais disciplinas são destinadas
à imersão do licenciando na profissão docente e na identificação do
papel do professor na sociedade.
As disciplinas de Estágio Supervisionado buscam contemplar
a interdisciplinaridade, a integração dos conteúdos específicos, os
pedagógicos e a prática docente, junto com a escola formadora
(BRASIL, 2001). Assim, o estágio supervisionado engloba um
conjunto de atividades de formação, realizado sob a supervisão de
docentes da instituição visando à vivência de situações de efetivo
exercício profissional.
373
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Além disso, estudos apontam que o Estágio Supervisionado
propicia a formação do professor pesquisador, já que pressupõe a
pesquisa como prática e pode também ser um indutor de formação
continuada para o professor da Educação Básica que recebe o
estagiário (PIMENTA; LIMA, 2010). Nesse sentido, podemos
dizer que o estágio supervisionado é de fundamental importância
para a constituição da área de ensino de Ciências, pois propicia
a aproximação da pesquisa acadêmica à prática da sala de aula,
possibilitando que licenciando e licenciado se apropriem das
recentes pesquisas em Didática da Ciência.
O Estágio Supervisionado em Ensino de Ciências Naturais
e a proposição de ações para a sustentabilidade
As ações pertinentes à última disciplina de Estágio
Supervisionado se iniciam ao longo do Estágio Supervisionado
em Ciências Naturais III (ESCN III), momento em que o aluno
se insere no contexto do Ensino Médio e tem a oportunidade
de vivenciar situações de caracterização, observação, estudo dos
Parâmetros Curriculares Nacionais e regência. Durante todo o
semestre de ESCN III, o discente tem a oportunidade de conviver
com professores e alunos da instituição de Ensino Médio e, em
conjunto com o grupo escolar, seleciona demandas de oficinas
pedagógicas oriundas dos próprios alunos que visem um maior
entendimento acerca da Ciência e de suas implicações para o
contexto social.
Como afirma Freire (1997), os projetos devem iniciar com
a escolha de temas que sejam de interesse da comunidade escolar
e que possibilitem a articulação com os conteúdos escolares. Os
temas dos projetos, seus conteúdos específicos e a forma como serão
desenvolvidos não devem ser propostos apenas pelo educador. Os
professores e alunos precisam ter uma participação ativa em todas
as etapas do projeto. Ao educador compete resgatar as experiências
374
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
do educando, auxiliá-lo na identificação de problemas, nas suas
reflexões e na concretização dessas reflexões em ações, além de
ter o cuidado de tornar o conteúdo específico sempre relevante à
compreensão do tema abordado.
Durante o contexto do ESCN III que ocorreu no primeiro
semestre de 2010, as oficinas demandadas pelo grupo escolar
foram: “papel reciclado e questões ambientais”, “viveiro, cerrado
e o social”, “astronomia: o universo e nós”, “permacultura e a
sustentabilidade”, “tipos de energia: obtenção e implicações”,
“Sexualidade” e “Átomos, moléculas, suas ligações e o ambiente”.
Ainda ao final do primeiro semestre letivo de 2010, os discentes se
dividiram conforme suas afinidades e interesses e, durante o recesso
das aulas e início do segundo semestre de 2010, se dedicaram a
estudos pertinentes ao planejamento e organização das oficinas
citadas, as quais tiveram seu início nas escolas no início do semestre
letivo.
As oficinas foram oferecidas a alunos do Ensino Médio,
durante os horários das aulas de professores de Química, Biologia
ou Física que acolheram os estagiários e gentilmente concordaram
com a sua realização. A experiência foi muito proveitosa para todos
os envolvidos. Os estagiários tiveram a oportunidade de vivenciar
um desafio em seu processo de formação e constituição do “ser
professor” que se iniciou com o levantamento de anseios dos
educandos do Ensino Médio e a responsabilidade de se adequar
às necessidades apresentadas pelo grupo; o professor da Educação
Básica teve a oportunidade de acompanhar, planejar e verificar
a aplicação de oficinas e seus efeitos quanto ao envolvimento,
aprendizagem e desenvolvimento dos alunos.
375
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Considerações Finais
De forma geral, entende-se que o curso de graduação em
Ciências Naturais atende aos objetivos propostos com relação
à formação de professores voltados para a temática da Educação
Ambiental, almejando os aspectos relacionados à formação de um
professor pesquisador, crítico, consciente das suas atividades e ativo
no seu papel social como professor.
Vale destacar que as oficinas sugeridas pelo grupo de alunos
do Ensino Médio estão intimamente relacionadas a questões de
sustentabilidade, o que demonstra que os alunos da Educação
Básica não estão alheios ao contexto sócio-ambiental; muito pelo
contrário, suas demandas estão cunhadas neste alicerce.
A educação respaldada na sustentabilidade visa estabelecer
referências segundo um processo participativo permanente
que busca incutir no educando uma consciência crítica sobre a
problemática. Dentro desse contexto, é clara a necessidade de
conscientizar todos com relação à responsabilidade ambiental,
no sentido de promover, sob um modelo de desenvolvimento
sustentável, a qualidade de vida.
Tal preocupação também está presente nos Parâmetros
Curriculares Nacionais, que ressaltam a perspectiva de reflexão com
relação às alterações humanas sobre o meio ambiente e a necessidade
de se buscar novos padrões de interação mais sustentáveis.
Referência
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378
Eixo 6:
Política e Gestão Educacional, Sociedade
e Juventude
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Consumo, espetáculo e violência nas escolas públicas
do Distrito Federal
Diogo Acioli Lima
Universidade Católica de Brasília
Resumo: Este estudo de casos múltiplos analisou cinco escolas
públicas do Distrito Federal com elevado grau de práticas de
violências, tanto institucionais, como entre os atores e contra
os estabelecimentos. O presente trabalho focaliza a atuação de
grupos de estudantes dos anos finais do ensino fundamental e
as relações de violência ligadas ao consumismo desenfreado e
à espetacularização da mesma, tendo como um de seus pilares a
influência da mídia em geral, de modo a identificar a escola como
possível local de produção de violência. Neste sentido, verificouse uma liquidez nos conceitos ligados à violência, em que as
influências midiáticas impostas aos jovens e suas famílias podem
conduzir muitos estudantes a ligar o ato de consumir a um ato
moral. Sob esta óptica a subjetividade do outro sofre interferências
ao tentar ser compreendida como objeto, o trabalho de alteridade e
ultrapassamento do ser ficam engessados e o outro se objetifica. A
partir desta perspectiva, o consumo de pessoas e comportamentos
pode justificar qualquer atitude violenta, pois são vistos de forma
constante, banalizada, espetacularizada e muitas vezes com um
teor ético positivo em grande parte da mídia que influencia o
comportamento dos discentes. Com isso, as violências podem se
mostrar veículos de integração grupal e um meio de alcançar status
mais elevado, para aqueles que praticam.
Palavras- chave: Violência escolar. Ética na escola. Mídia.
381
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Introdução
No Distrito Federal e em seu entorno, a violência torna-se
cada vez mais preocupante nos ambientes escolares. Percebendo
esta realidade, o Ministério Público instituiu o Projeto de Segurança
Escolar, com a intenção de criar órgãos internos direcionados para
a promoção da segurança nas escolas. Os conselhos de segurança
escolar são compostos por diretores, professores, funcionários da
escola, alunos e seus pais ou responsáveis (BRASIL, 2004), de modo
que toda a comunidade se responsabilize pela questão. Atendendo
à solicitação daquele órgão, a Cátedra UNESCO de Juventude,
Educação e Sociedade da Universidade Católica de Brasília (UCB)
realizou uma pesquisa em estabelecimentos situados em diferentes
graus de implantação do Projeto.
Imersos em um contexto volátil, as instituições educacionais
emergem como um poço de paradoxos, pois um local que deveria
prezar pela inclusão social e educação pode aparecer como um
dos principais responsáveis pela desconstrução da socialização.
Pino (2007) afirma que as violências escolares podem gerar graves
consequências tanto para os alunos que nelas estudam quanto para
a sociedade que a rodeia, construindo um arquétipo educacional
falido e distorcendo referenciais morais e culturais.
Com a educação escolar implementando saberes cada vez
mais distantes da realidade dos alunos, a violência que nasce muitas
vezes nos pátios escolares não aparece de forma espontânea, sendo
impulsionada pela mídia e pelas próprias famílias. Quando a violência
nasce dentro de casa, fica clara a influência do contexto sóciofamiliar nas agressões dentro das escolas. Nos países desenvolvidos
este contexto tem um peso aproximado de 80% da variância de
aproveitamento dos estudantes e os 20% restantes são atribuídos a
escola. Nos países em desenvolvimento as variáveis extraescolares
passam para 60% e 40%, respectivamente, confirmando o fato de
que, nos países da América Latina, a escola tem uma importância
fundamental no desenvolvimento do aluno (GOMES, 2005).
382
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Na pós-modernidade, os fenômenos se manifestam de
forma complexa, se completando, entrelaçando e se desfazendo.
A violência não foge a regra, pois, dificilmente emerge de apenas
uma fonte, neste caso as mídias aparecem, também, como um forte
manancial de violências. Assim, estes veículos de comunicação
assumem um papel fundamental na disseminação da violência
entre os alunos, construindo na sua subjetividade uma perspectiva
indiferenciada e banalizada das atitudes agressivas. Dois pilares,
construídos pela mídia, fundamentam o constante consumo
de violência entre estes estudantes, são eles: a banalização e a
espetacularização.
No que diz respeito à banalização da violência, Bourdieu
(1997) percebe este ciclo de forma peculiar, pois afirma que sua
mola mestra são os fatores econômicos que envolvem a mídia,
ou seja, a audiência. Assim, estes veículos têm como função
transformar o ordinário em extraordinário, e para isso a corrida
pelo furo de notícia homogeniza tudo o que é transmitido. Com a
violência passando em todos os veículos midiáticos com constância,
a mesma se torna ordinária, e como a intenção é transformar tudo
em extraordinário, a busca pelo momento mais violento, cada vez
mais insensibiliza os olhos sociais.
Aliada à banalização, a espetacularização da violência nas
escolas toma proporções cada vez maiores, pois atitudes agressivas
se tornam premissas básicas para demonstração de poder e
aquisição de um status elevado (LIMA, 2010). Considerando que
a sociedade pós-moderna estrutura relações interpessoais na troca
de signos distorcidos e líquidos, baseando tudo isso no consumo
simbólico de imagens, a espetacularização se manifesta como
afirmação da aparência ou da vida pessoal e social como puro
simulacro (SIBILA, 2009).
A mídia, como um veículo de construção de realidade
também estrutura conceitos, e, para muitos jovens a liberdade se
manifesta na ação de mudar os canais de acordo com sua vontade.
Assim, estes podem permanecer muitas horas do dia passivamente
383
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
em frente à televisão, este processo pode causar uma degradação
da capacidade de abstração, pois eles deixam de se esforçar
intelectualmente para compreender o visto para receber apenas
imagens prontas e editadas. Neste procedimento, a violência se
banaliza em massa e se torna um espetáculo fundamentado na
intenção do controle social (NJAINE, 2006).
Para Lima (2010), o ambiente escolar sofre forte influência
do meio externo, podendo causar dissonâncias na compreensão
do certo e errado e fazendo da violência um bem de consumo
banalizado. Consumir se torna a ordem do dia, adquirir roupas,
comportamentos e linguagens, muitas vezes, pode servir como
uma forma de reafirmar um caráter ligado à identidade, mesmo
parecendo paradoxal, pois, o jovem primeiro se afirma igual dentro
do grupo para parecer diferente perante a sociedade.
Bauman (2008) desenha a questão do consumo ligada à
identidade, pois a representação do que a pessoa é muitas vezes se
mostra por meio do que ela consome, seja ligada ao aspecto estético
ou comportamental. Nesta óptica, onde o consumo perpassa o
aspecto puramente material e se liga à personalidade da pessoa, ele
pode se tornar também um ato moral.
Sob este aspecto, o consumo e espetacularização das
violências nas escolas tendem a crescer, pois com o certo e o errado
sofrendo interferências em seus conceitos, atitudes violentas
podem parecer corretas e ainda gerar status àqueles que as cometem.
Percebendo a urgência de analisar as violências escolares, o presente
artigo visa compreender as relações de consumo e espetacularização
da violência entre estudantes das séries finais do ensino fundamental
em escolas públicas do entorno do Distrito Federal.
384
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Metodologia
A pesquisa em que este trabalho se baseia focalizou
cinco escolas públicas urbanas do Distrito Federal, escolhidas
intencionalmente por se encontrarem em diferentes estágios de
implantação de um projeto de segurança. Sendo estabelecimentos
onde a violência era grave, não representam a situação da rede.
Tendo natureza qualitativa e quantitativa e caráter descritivo e
exploratório, a pesquisa utilizou como técnicas de coletas de dados
observação, entrevistas de grupo focal com alunos; entrevistas
semiestruturadas individuais com diretores, membros dos
conselhos de segurança escolar – CSE - e policiais e aplicação de
questionários a professores e alunos. Foram focalizadas as turmas
do sexto ao nono ano do ensino fundamental e de aceleração dos
turnos diurnos. Os pesquisadores foram alunos voluntários de
Pedagogia, Psicologia e Direito, além de mestrandos em educação
da Universidade Católica de Brasília. Todos foram capacitados não
só para a coleta de dados, mas também para a sua organização e
análise, sendo acompanhados ao longo de todo o processo. Ao todo
participaram da pesquisa 783 alunos, 111 professores, oito policiais,
dez membros dos CSE, cinco diretores e 91 alunos nos grupos
focais. A coleta de dados ocorreu em abril e maio de 2008.
Análise e discussão
Na sociedade contemporânea, as violências se manifestam a
todos os instantes, geralmente de maneira líquida, adaptando-se ao
invólucro por ela necessitada, o que pode dificultar a compreensão
da mesma por todos aqueles que a sofrem e praticam. Lipovetsky
(2008) sugere que a violência, na atualidade, se envolve em um
paradoxo, onde algumas vezes ela se mostra velada por uma moral
negativa e em outras vezes por uma positiva. Sob este aspecto,
surge nas escolas uma urgência de compreender os múltiplos
385
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
sentidos das violências, dentre elas as relacionadas ao consumismo
e espetacularismo.
Para compreender a ligação do consumismo com a violência
nas escolas, a objetificação do ser aparece como um dos arquétipos
que sustentam todo este ciclo. Consumir torna-se a ordem do dia,
fazendo a sociedade levantar um conceito de dualidade, sujeitoobjeto e consumidor-mercadoria, transformando os alunos em
mercadorias a serem consumidas a todos os instantes (BAUMAN,
2008). A tentativa de um comportamento moralmente correto
entrelaça o consumismo e a violência a todo o momento, tornando
a escola uma passarela de comportamentos violentos.
Muitas vezes, o consumismo é o motivo para o início de
muitas violências. O status gerado por uma roupa da moda pode
causar muitos problemas, como explicou uma estudante da Escola
2: “Teve uma menina, porque, tipo assim, as meninas, tipo assim,
se acham uma menina bonitinha, se acha que ela é mais bonitinha
do que ela, ela vai querer brigar com ela. Vai estragar a imagem
dela, que não sabe brigar e nada...”. Com isso, fica claro que a
imagem pode ser uma forma de objetivação da pessoa, que muitas
vezes usa da mesma para entrar no processo de consumismo,
sendo ela objetificada pelo olhar do outro. A beleza é considerada
uma mercadoria, e muitos dos estudantes, quando não a podem
ter, tentam destruí-la, como mostra o relato desta aluna: “já vi
baterem em uma menina só porque ela era mais bonita que outras,
daí quiseram acabar com isso...”
O consumo de pessoas visto de forma objetificada, pode
ostentar mais violências quando não se pode consumir tanto a
pessoa quanto sua beleza. Na Escola 5, um fato narrado por uma
aluna confirmou o consumo violento de pessoas, quando, uma
estudante foi forçada por cinco jovens a entrar em uma sala vazia.
Após fecharem as portas, a aluna foi colocada em cima da mesa e
sua roupa foi parcialmente retirada a força, até entrarem algumas
colegas na sala e chamarem as autoridades escolares.
386
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Circulando por entre os pátios escolares, a violência se une
ao consumismo, quando, para fazer parte de um grupo ou mostrar
status, os estudantes devem estar sempre vestidos com roupas da
moda, geralmente aprendidos com a mídia (LAURENS, 2006).
Para que isso aconteça, a violência pode ser um dos maiores veículos
para a aquisição destes produtos, como relatou uma estudante da
Escola 2: “Aqui na educação física, roubou o tênis do menino, ele
estava fazendo a aula e roubaram o tênis dele...”.
Com a vaidade, a vontade de pertencer a algum grupo
ou de tornar-se um sujeito-objeto para serem mais facilmente
consumíveis, muitos discentes se expõem a situações de violência
para permanecerem na moda, como afirmou indignada uma
estudante no grupo focal: “Uma vez eu falei para minha mãe que
iam roubar meu tênis, ela comprou outro e falou que não era para eu
vir mais com este tênis, mas eu continuo vindo, já roubaram meu Nike
shoks na rua, eu perdi 250 reais”. Assim, quando os alunos foram
perguntados a respeito da ocorrência de roubos e furtos nas
escolas, 64,7% concordaram muito e um pouco que este fenômeno
é recorrente, 6,5% não manifestou opinião, 8,4% discordaram um
pouco e muito e 20,4% anularam a questão. Ao todo, 43,2% dos
respondentes declararam ter presenciado estes atos de violência,
mas, perguntados sobre a autoria dos fatos, só 4,7% afirmaram já
ter roubado ou furtado no interior da escola e 74,4% disseram não
ter cometido roubos ou furtos.
Contudo, o consumismo não gera apenas violências ligadas
a roubos e furtos, consumir pessoas também aparece como uma
forma de violência. Para Lima (2010), tais relações de consumo
geralmente estão ligadas a relações de dominações, onde quem
mais consome aparece como o senhor da relação. Sob esta ótica, as
gangues de estudantes muitas vezes servem como um referencial
ético e comportamental a ser seguido pelos estudantes. O fato
de seus líderes ou a própria gangue desfrutarem de status elevado
pode ser um dos fatores que motivam os jovens a pertencer ao
grupo e fazer da identidade do mesmo a sua própria identidade. A
387
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
popularidade dos alunos integrantes de gangues se mostra muito
comum na cultura dos jovens, como explica um aluno da Escola nº
1: “As meninas gostam é de meninos que fazem parte de gangues,
que batem nos outros, usam roupas de marcas...”. Neste caso,
salientam-se como critérios de prestígio a força, a agressividade
e a valorização do consumo. Contudo, nem todas as garotas se
mostraram interessadas neste perfil de jovem, ficando claro que
o grande número de alunas que gostam de jovens violentos não
representa a totalidade.
O consumismo para estes jovens muitas vezes parece não
ter limites, e consumir apenas objetos já não supre mais as vontades
de seus desejos, com isso, seus olhares objetificam pessoas e as
transformam em algo consumível (LIMA, 2010).
Agregado a estes fatos, a espetacularização da violência tende
a elevar o nível e a banalização de tais atitudes. Em uma análise a
respeito do movimento de banalização da mídia, Bourdieu (1997)
percebe este ciclo de forma peculiar, pois, veículos midiáticos têm
como função transformar o ordinário em extraordinário, e para isso
a corrida pelo furo de notícia homogeniza tudo o que é transmitido.
Com a violência passando em todos os veículos midiáticos com
constância, a mesma se torna ordinária, e como a intenção é
transformar tudo em extraordinário, a busca pelo momento mais
violento, cada vez mais insensibiliza os olhares sociais e aquilo que
antes se mostrava incomum passa a ser comum.
Tal banalização aparece para os alunos muitas vezes como
uma violência paradoxal, onde, se encontram em becos sem saída,
como relatou uma estudante no grupo focal: “Se a gente vem de
chinelo chamam a gente de mendigo e, se vem toda arrumada,
nos roubam e chamam de playboy...”. Sem nortes éticos a seguir,
muitos estudantes percebem a violência como um espetáculo
que se mostra como uma afirmação da aparência, identidade e
dominação social, criando um dispositivo de espetacularização para
assumir o controle social sobre a massa de alunos indiferenciados
(SIBILA, 2009).
388
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Com a intenção de afirmar a identidade do grupo, as
violências se tornam cada vez mais espetacularizadas, como
afirmou um estudante da Escola 1: “Na hora do recreio, os alunos
mais velhos fazem uma corrente humana no corredor e saem
arrastando e batendo em todos que tiverem no pátio, professores
e o diretor observam mas não fazem nada...”. Fica claro neste
relato, que a violência se torna um espetáculo para todo o colégio,
afirmando por meio do medo, a identidade dos senhores dos
grupos que a realizam.
O aprendizado da violência como espetáculo pode também
ser realizado dentro de casa com a própria família. Em muitos casos
a violência entre casais e pais e filhos é vista na televisão como algo
normal, e muitas vezes espetacular, assim, quando o jovem compara
a violência da televisão com a que acontece em sua casa percebe
que são semelhantes e se identifica com o contexto. Nestes casos,
a percepção da violência dentro de casa pode não ser vista como
algo negativo, pois, como aparece na televisão como representação
da vida real, e sua vida real se mostra tão violenta quanto às novelas
tudo isso parece comum e espetacular quando vivido na vida dos
jovens (LIMA; SANTANA; GOMES, 2008).
No ambiente escolar, esta questão pôde ser percebida no
relato de um aluno da Escola 2: “Dentro de casa, o pai bate na mãe
e os meninos acham bonito e fazem o mesmo aqui na escola...”. A
violência aprendida dentro de casa pode ser um dos motivadores das
brigas nas escolas, este fato somado à influência da mídia pode fazer
o ambiente escolar ficar repleto de agressividade. Este aprendizado
da violência por meio da mídia foi relatado com indignação por
uma estudante da Escola 3: “... Eu acho assim, existe violência
pela televisão, pela internet, porque as crianças, hoje em dia tão
muito ligada em televisão e tudo que eles pegam pela televisão
eles imitam...”. Na Escola 5, o panorama não se mostrou muito
diferente, como relatou uma estudante: “... Muitos alunos veem
filmes de luta e ficam brincando de briga na hora do recreio, de vez
em quando sai uma briga de verdade...”.
389
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Fechando o ciclo de espetacularização e consumo da
violência, a internet fomenta mais uma fonte de influência para
comportamento agressivo dos jovens. A facilidade que este
veículo promove para a construção de uma identidade fictícia
chama a atenção de muitos jovens, causando dissonância no
entendimento entre o real e o simulacro, ajudando a esconder
a verdadeira identidade de quem acessa a rede. Com isso, as
violências encontram os caminhos abertos nas redes sociais, onde
muitas brigas de gangues são marcadas e ameaças feitas (LOPES
NETO, 2005).
A internet, como um veículo digital de massificação da
violência, também espetaculariza a mesma, com acesso ilimitado
a todo tipo de conteúdo, os jovens aprendem rápido que a
espetacularização da pornografia muitas vezes vem aliada à violência
e coerção. Confirmando este fato, no grupo focal da Escola 2, uma
estudante relatou o fato da espetaculosidade de imagens privadas
em mídias como a internet. Neste relato, a aluna declarou que
algumas estudantes eram obrigadas a ir ao banheiro e, no interior
das cabines eram fotografadas nuas por outras meninas integrantes
de gangues.
Fazer parte do ciclo de violência nas escolas é quase um
imperativo categórico para os jovens que as frequentam, não
importando se como observadores, vítimas ou praticantes. A mídia
e a família podem assumir papeis fundamentais na formação dos
estudantes, contudo, com a banalização e manipulação dos conceitos
linguísticos e sociais, todo este processo pode sofrer dissonâncias e
o certo e o errado adquirir um tom de liquidez.
Neste processo, a transformação da violência em um bem
de consumo espetacularizado pode instigar o comportamento
agressivo dentro das escolas, estimulando jovens alunos a perceber
a violência como parte integrante de suas vidas e em muitas vezes
um veículo tanto de dominação quanto de inclusão social.
390
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Conclusão
Percebendo o ciclo contínuo de formação da violência,
que a todo o momento se espetaculariza por influência da mídia,
muitos jovens sofrem dissonâncias na construção de seus conceitos,
podendo tornar a violência algo banal e corriqueiro. Com a
objetificação do outro, os jovens passam a consumir violentamente
pessoas e comportamentos, assim como objetos, pois o caráter de
alteridade e ultrapassamento do ser se tornam engessados. Sob este
aspecto, o processo de banalização da violência imposto pela mídia,
que espetaculariza as brutalidades, pode se manifestar como um
dos fortes pilares para a transformação de atos violentos em atos
de inclusão social e disputas de poderes nos ambientes escolares,
assim, ocorre uma troca de toda a transcendência e interpretação
da subjetividade alheia pelo preço da abundância e dos excessos na
ausência de compreensão do outro como um fim em si mesmo.
Referências
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392
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Formação e atuação do educador social no Brasil
Luciano Cardoso
Resumo: Este paper trata da questão inerente à formação e à
atuação do educador social no Brasil. É sabido que muitas pessoas,
movidas apenas pela boa vontade e pelo nobre sentimento de
solidariedade, se intitulam “educador social” sem jamais terem
participado de qualquer qualificação para tal. Não existe, no
Brasil, sequer um Curso de Graduação em Pedagogia Social ou
nomenclatura similar. Os cursos de especialização em Pedagogia
Social começam a surgir, mas, de forma bastante tímida. Para um
futuro curso de graduação em pedagogia social, tendo como base
o curso oferecido pela Universidade Salesiana de Roma, propõese uma matriz curricular que contemple conteúdos pedagógicos,
psicológicos, humanísticos, sociológicos, jurídicos e técnicas
de animação cultural. A Universidade Católica de Brasília, a
Universidade de São Paulo - USP, a Universidade Federal do
Paraná e a Universidade de Campinas – UNICAMP destacam-se
na promoção do desenvolvimento da pedagogia social brasileira.
Porém, mais preocupante que a inexistência de cursos destinados
à formação do educador social é a constatação de que o poder
público brasileiro não demonstra a menor preocupação com esta
realidade, o que, felizmente, não impede o florescimento de uma
pedagogia social viva. Com relação à atuação do educador social,
que geralmente trabalha com a educação de adultos, de adolescentes
em situação de vulnerabilidade, de toxicodependentes, de jovens
em situação de extrema pobreza material, excluídos socialmente e
vítimas da desagregação familiar, não há sequer um levantamento
das reais condições de trabalho. Um verdadeiro educador social,
para atuar de forma efetiva, deve estar devidamente titulado e
qualificado para promover ações de cunho socioeducativo.
Palavras-chave: Atuação. Educador Social. Formação.
393
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Introdução
Com este texto objetiva-se analisar a formação do educador
social no Brasil, em nível de graduação e pós-graduação, o campo
de atuação deste profissional, bem como a experiência adquirida
através da vivência e convivência daqueles que exercem o ofício de
trabalhar com as vítimas da sociedade excludente contemporânea.
A formação do educador social merece uma profunda
reflexão visto que o futuro profissional atuará frente a um público
bastante diferenciado, num contexto repleto de particularidades e
em um espaço que geralmente não oferece as condições ideais para
o desenvolvimento de crianças e adolescentes.
Também será discutida a atuação de diversas pessoas que
se intitulam educadores sociais, mas que não têm uma formação
adequada, o que não raramente causa frustrações tanto para os
educandos quanto para os próprios pseudo-educadores sociais.
Explicitados os pontos fundamentais e os objetivos do
presente texto, necessário se faz esclarecer que o mesmo é fruto
exclusivamente de pesquisa bibliográfica.
Formação do Educador Social
Infelizmente é de fácil constatação, porém, de difícil
compreensão, o desprezo com que o poder público brasileiro trata
a Pedagogia Social.
Entender porque o Brasil ainda não
incorporou a Pedagogia Social como uma
área de conhecimento dedicada à formação
docente, campo de pesquisa e de trabalho
profissional, é uma incógnita. O fato é que
há um grande número de países em que a
Pedagogia Social é reconhecida como ciência
394
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
destinada à formação profissional, ainda que
com diferentes matizes, para contemplar a
especificidade de cada país. (SILVA; SOUZA
NETO; MOURA, 2009, p. 15)
Embora diversos documentos referentes às políticas
educacionais brasileiras mencionem a democratização da educação,
como um direito de todos e dever do Estado e da família, nos
cursos de Pedagogia, bem como nas especializações em educação, o
conteúdo inerente à Pedagogia Social é praticamente insignificante.
Durante décadas não houve reflexões teóricas sobre o tema.
Nem mesmo a constatação de que no Brasil um grande
número de crianças e adolescentes vive numa situação de extrema
vulnerabilidade, onde seus direitos fundamentais são frontalmente
desrespeitados, fez com a Pedagogia Social ocupasse o lugar de
destaque que merece no cenário educacional brasileiro.
Não obstante a insensibilidade dos pensadores e instituidores
da política educacional brasileira, a Pedagogia Social floresce. Neste
sentido, valiosa é a lição otimista do Professor Geraldo Caliman, o
mais conceituado estudioso da Pedagogia Social no Brasil.
Notamos com satisfação a riqueza da ação
sociopedagógica vivida no momento atual
pelo Brasil. Tal diversidade de metodologias
e de projetos ficou patente, por exemplo,
por ocasião do I Encontro Nacional de Educação
Social realizado no Anhembi, São Paulo,
em junho de 2001, mas, sobretudo, com a
convocação do presente congresso em um
ambiente tão significativo como a USP. Tal
riqueza emerge com intensidade em todos os
recantos do Brasil, mas não pode permanecer
para sempre como uma riqueza: ela deve
ser estudada, sistematizada e difundida. Ela
tem como fio condutor a Pedagogia Social,
395
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
disciplina de crescente importância em
tempos de acirramento das desigualdades
sociais em contextos urbanos (CALIMAN,
2009, p. 52).
O Professor Geraldo Caliman cobra, conforme citado
acima, que a Pedagogia Social seja estudada, sistematizada e
difundida, o que, na realidade, ele já vem fazendo com maestria,
conforme lição abaixo:
Coube ao ítalo-brasileiro Geraldo Caliman,
hoje o mais gabaritado estudioso da Pedagogia
Social no Brasil, sistematizar as bases concretas
da Pedagogia Social, nesta coletânea. Caliman
fez mestrado e doutorado em Ciências
da Educação na Università Pontifícia di
Roma, onde lecionou Pedagogia Social por
cerca de dez anos. Vivenciou a experiência
de implantar e coordenar o Programa de
Mestrado e Doutorado em Pedagogia Social
naquela universidade. Seu texto, portanto, já
faz uma aproximação entre a Pedagogia Social
e a realidade social brasileira, especialmente
no que se refere a uma proposta metodológica
para a realização da pesquisa em Pedagogia
Social (SILVA; SOUZA NETO; MOURA,
2009, p. 19).
Vale destacar que além dos feitos acima citados, em prol
da Pedagogia Social, o Professor Geraldo Caliman, atualmente, é
professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Educação da
Universidade Católica de Brasília, onde leciona Pedagogia e Educação
Social; na mesma universidade criou e coordena a especialização
em Educação Social, visando à formação de educadores sociais; é
conferencista e autor de vários trabalhos sobre Pedagogia Social,
396
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
publicados no Brasil e no exterior. Importante frisar que a citação
de alguns dos muitos feitos do Professor Geraldo Caliman, tem
como único objetivo demonstrar que o Brasil tem um profissional
de altíssimo nível a serviço da Pedagogia Social.
O desenvolvimento teórico da Pedagogia Social no Brasil,
atualmente, acontece de forma significativa, principalmente, na
Universidade Católica de Brasília – UCB e na Universidade de
São Paulo – USP. O trabalho realizado na Universidade Católica
de Brasília já foi destacado anteriormente. Na Universidade de São
Paulo o professor Roberto da Silva, livre docente em Pedagogia Social,
coordena grupo de estudos que desenvolve pesquisas a despeito da
formação de educadores sociais, educação de moradores de ruas,
cumprimento de medidas sócio-educativas, profissionalização de
educadores sociais e práticas sócio-educativas, dentre outras. Nesta
universidade já aconteceram o I, II e III Congresso Internacional
de Pedagogia Social – CIPS, com a participação de renomados
estudiosos de diversos países, o que resultou na publicação de
diversos trabalhos de excelente qualidade.
O trabalho realizado nas universidades acima citadas, na
Universidade de Campinas – UNICAMP e na Universidade
Federal do Paraná, dentre outras, contribui valiosamente para a
formação de educadores sociais qualificados para o enfrentamento
de questões a eles apresentadas.
Mas como se situa a Pedagogia Social frente à Pedagogia
Escolar? Para Moraes (2010), antes de se responder a este
questionamento, deve ser considerado que a Pedagogia Escolar
se desenvolve em espaços formais, com currículos estruturados e
com pequena flexibilidade, além de possuir didática e metas prédefinidas. Sobre a Pedagogia Social a professora baiana leciona:
A Pedagogia Social se desenvolve em espaços
de educação não-formais que apresentam
determinadas características, surgindo como
respostas as exigências da educação de crianças
397
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
e jovens, mas também de adultos, que vivem
em condições de marginalização da sociedade.
A sua necessidade se amplia com o aumento
das desigualdades sociais fruto da corrida pelo
lucro dos países hegemônicos (MORAES,
2010, p. 09).
O professor Geraldo Caliman afirma que a Pedagogia
Social se distingue da Pedagogia Escolar por diversas razões, e
destaca duas destas razões: a primeira seria pela evidência dos fatos,
na medida em que se encarrega de resolver os casos que a Pedagogia
Escolar não consegue solucionar.
A segunda razão deriva da primeira, conforme lição de
Caliman:
A primeira tem toda uma história e é
amplamente desenvolvida pela didática,
ciência ensinada nas universidades. A segunda,
a Pedagogia Social, se desenvolve dentro
de instituições não formais de educação. É
uma disciplina mais recente que a anterior.
Nasce e se desenvolve de modo particular
no século XIX como resposta às exigências
da educação de crianças e adolescentes (mas
também de adultos) que vivem em condições
de marginalidade, de pobreza, de dificuldades
na área social.
Em geral essas pessoas não frequentam ou
não puderam frequentar as instituições
formais de educação. Mas não só: o objetivo
da Pedagogia Social é o de agir sobre a
prevenção e a recuperação das deficiências
de socialização, e de modo especial lá onde
as pessoas são vítimas da insatisfação das
necessidades fundamentais.
398
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Podemos re-afirmar, portanto, que no Brasil
atual a Pedagogia Social vive um momento
de grande fertilidade. É um momento
de criatividade pedagógica mais que de
sistematização dos conteúdos e dos métodos.
Em outras palavras, mais que pedagogistas,
temos no Brasil educadores que colaboram
com o nascimento e o desenvolvimento de
um know how com identidade própria, rica
de intuição pedagógica e de conteúdos.
Ao mesmo tempo nos damos conta de que
é chegado o momento no qual precisamos
sistematizar toda essa gama de conhecimentos
pedagógicos para compreender melhor e
interpretar a realidade e projetar intervenções
educativas efetivas. (CALIMAN, 2009, p.
58-59)
Mas como deve ser oferecida a formação do educador social?
Deve ser em nível de graduação, especialização ou capacitação? A
professora Ercília Maria Angeli Teixeira Paula, da Universidade
Estadual de Ponta Grossa – PR, apresenta o pensamento do
professor Roberto da Silva sobre a questão:
O Prof. Dr. Roberto da Silva em conjunto com
pesquisadores brasileiros e de vários países
onde a Pedagogia Social já é uma realidade,
elaboram uma proposta da pedagogia Social
para cursos de graduação e pós-graduação
(lato-sensu) e posterior regulamentação da
profissão, apresentada na Semana de Avaliação
do Curso de Pedagogia da Faculdade de
Educação da Universidade de São Paulo em
2009. Para ampliar a formação dos pedagogos,
o professor sugere três desafios descritos no
399
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Portal da Pedagogia Social (2009). Ele propõe
para a Universidade de São Paulo a nível de
graduação a criação de um curso de Pedagogia
Social. Para pós-graduação propõe curso de
especialização em Pedagogia Social a distância
e cursos de formação para educadores sociais
que há muitos anos estão trabalhando nas
Organizações Não Governamentais sem o
devido preparo (PAULA, 2009).
Embora a proposta do professor Roberto da Silva seja focada
na Universidade de São Paulo, em linhas gerais, salvo melhor juízo,
atenderia aos anseios de toda a sociedade brasileira.
No que tange à graduação, o professor Caliman apresenta a
matriz curricular da graduação em Pedagogia Social da Universidade
Salesiana de Roma:
Para formar tais profissionais a Faculdade de
Educação da UPS (Itália) distribui assim a sua
grade disciplinar: 31,2% de pedagógicas, 14,6%
de Psicológicas, 14,6% de Humanísticas,
12,5% são disciplinas sociológicas, 12,5% são
técnicas e de animação cultural, 4,2% jurídicas
(CALIMAN, 2009, p. 54-55).
Segue a relação das disciplinas que compõem a matriz
curricular do curso acima citado. Disciplinas pedagógicas:
Pedagogia das Relações Humanas, Pedagogia da Reeducação de
Menores, Pedagogia Intercultural, Pedagogia da Comunicação
Social, Educação e Ciências da Religião, Processos Formativos e
Formação de Adultos, Biologia da Educação, História da Educação
e da Pedagogia, Prevenção e Tratamento da Toxicodependência
e Sistema Preventivo na História; disciplinas psicológicas:
Psicologia do Desenvolvimento, Psicologia Social, Psicologia da
Comunidade, Psicologia do Trabalho, Psicologia da Religião e
400
Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Psicologia do Desenvolvimento; disciplinas humanísticas: Filosofia
da Educação, Ética Profissional, Teologia da Educação, Educação
e Bíblia, Antropologia e Comunicação e Antropologia Cultural;
disciplinas sociológicas: Sociologia da Educação, Sociologia
da Família, Sociologia do Desvio, Sociologia do Tempo Livre,
Sociologia dos Processos Culturais e Sociologia das Organizações;
disciplinas técnicas de animação cultural: Metodologia da Pesquisa
Pedagógica, Metodologia Pedagógica Evolutiva, Estatística,
Metodologia do Trabalho Científico e Metodologia da Prevenção
e Reeducação; disciplinas jurídicas: Legislação do Menor, Direitos
Civis e Cidadania. (CALIMAN, 2009).
Com a devida e indispensável contextualização, o Curso
de Pedagogia Social da Universidade Salesiana de Roma, serviria
de ponto de partida para discussões sobre a futura graduação
em Pedagogia Social no Brasil. Também deve ser considerada
a formação de educadores sociais em países como Alemanha,
Espanha, França, Itália, Portugal e Uruguai, onde a Pedagogia
Social já é uma realidade.
Atuação do Educador Social
Não seria prudente delimitar o campo de atuação do
educador social, tendo em vista o grande risco de diminuir a
importância do trabalho prestado por esse profissional. Não
obstante, algumas demarcações podem ser traçadas.
Podemos, no entanto, dizer que existem
alguns âmbitos de atuação que atualmente
correspondem a tais critérios: a Educação
de adultos, a Educação de adolescentes em
situação de risco, a recuperação e reinserção
social de sujeitos toxicodependentes, a
orientação escolar de alunos atingidos por
fortes condicionamentos sociais (pobreza,
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Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
exclusão social, desagregação familiar),
a ação educativa dentro dos ambientes
familiares, a influência dos meios de
comunicação social e das associações e
grupos juvenis (grupo de pares, gangues
etc). (CALIMAN, 2009, p. 59)
Ainda segundo o Professor Caliman (2009), a Pedagogia
Social, de forma preventiva e recuperativa, promove melhorias nas
condições de bem-estar social, convivência, exercício de cidadania,
promoção social, desenvolvimento e melhorais nas condições de
vida daqueles que convivem com o sofrimento e a marginalidade.
Questão intrigante refere-se ao termo adequado a ser
utilizado na titulação do profissional da Pedagogia Social: Educador
Social, Educador Profissional ou Pedagogo Social?
Apesar de não ser um entendimento unânime,
principalmente porque é bastante tênue a linha divisora das diversas
práticas sociais, pensa-se que o termo mais adequado para titular o
profissional formado em Pedagogia Social seria Educador Social.
Nesse sentido, lecionam Moura e Zuchetti (2006, p. 234): “Em
todo caso, o educador social parece ser o profissional devidamente
titulado, ou em vias de titulação, que responde sobre ações de caráter
socioeducativo, no âmbito de intervenções primárias, secundárias
e terapêuticas”.
De forma precisa as professoras Eliana Moura e Dinorá
Tereza Zuchetti (2006) se posicionam:
Entendemos que a Educação, enquanto
prática social, precisa (re)criar uma Pedagogia
Social que se apresente como um campo
de saber e fazer, no entremeio da Educação
e da Assistência Social, e que se abasteça
de um arcabouço teórico-metodológico
capaz de intervir naqueles fatores que
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Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
produzem vulnerabilidades e/ou nos tornam
vulnerabilizados. (p. 235)
De forma sintética pode-se dizer que o profissional do
Serviço Social trabalha com o objetivo de melhorar o bem-estar
da população atingida por problemáticas individuais ou coletivas,
que necessitam de assistência social. Já o Educador Social é aquele
profissional devidamente habilitado, que pratica ações de natureza
socioeducativas.
Considerações Finais
No Brasil, infelizmente, não se oferece uma formação
adequada àqueles que pretendem atuar como Educadores Sociais.
Mais que isso: existe um enorme e evidente desprezo do poder
público para com a educação social brasileira.
Não existe ainda, no Brasil, um Curso de Graduação em
Pedagogia Social. Em nível de pós-graduação existe o Curso de
Especialização em Pedagogia Social, oferecido de forma pioneira
pela Universidade Católica de Brasília, sob a coordenação do
Professor Geraldo Caliman.
Verificou-se que o Educador Social atua, de forma
preventiva e recuperativa, visando melhorias nas condições de
bem-estar social, convivência, exercício da cidadania e promoção
social para aqueles que vivem em condições de sofrimento e
marginalidade.
Indispensável que o Brasil possa oferecer cursos de
formação de Educadores Sociais, em todos os níveis, para aqueles
que pretendem atuar como verdadeiros agentes de transformação
social. Somente com uma formação adequada se obtém profissionais
competentes.
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Coletânea de Artigos do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional
Referências
CALIMAN, Geraldo. A Pedagogia Social na Itália. In: SILVA,
Roberto; SOUZA NETO, João Clemente; MOURA, Rogério
(Orgs.). Pedagogia Social. São Paulo: Expressão e Arte, 2009.
MORAES, Cândida Andrade de. Pedagogia Social Comunidade
e Formação de Educadores: na busca do saber sócio-educativo.
Disponível
em
<http://www.smec.salvador.ba.gov.br/site/
documentos/espaco-virtual/espaco-autorias/artigos/pedagogiasocial.pdf>. Acesso em: 03 fev. 2011.
MOURA, Eliana; ZUCHETTI, Dinorá Tereza. Explorando outros
Cenários: educação não escolar e pedagogia Social. Educação
Unisinos, set./dez. 2006.
PAULA, Ercília Maria Angeli Teixeira. Educação Popular,
Educação Não Formal e Pedagogia Social: análise de conceitos e
implicações para a educação brasileira e formação de professores.
IX Congresso Brasileiro de Educação e III Encontro Sul
Brasileiro de Psicopedagogia, 2009, Anais eletrônicos do
evento. Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Disponível
em <http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2009/anais/
pdf/2103_1034.pdf>. Acesso em: 01 fev. 2011.
SILVA, Roberto da; SOUZA NETO, João Clemente; MOURA,
Rogério (Orgs). Pedagogia Social. São Paulo: Expressão e Arte,
2009.
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Esta obra foi editorada pela Universidade Católica de Brasília
Impressão: Miolo: Papel A/P 75g/m2 — Capa: Papel Supremo 240g/m2
Formato: 150x210mm — Fontes: Aldine 401 Bt, Berthold Akzidenz Grotesk
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