1
Bases do poder organizacional
Maria do Carmo Fernandes Martins
French e Raven começaram, em 1959, a desenvolver uma teoria sobre
poder social, na qual defendiam que as relações entre as pessoas baseavam-se
em trocas sociais e que estas trocas tinham por base relações de influência.
Segundo estes autores, esse sistema de influência era sustentado pela utilização de cinco bases de poder nas quais uma pessoa se apoiava para exercer
poder sobre a outra. Bases de poder foram, então, definidas como insumos
que geravam dependências da outra parte.
French e Raven (1959) referiram-se a cinco bases de poder: poder de
recompensa, poder coercitivo, poder legítimo, poder de perícia e poder de
referência. Eles chegaram a discutir uma sexta base, o poder de informação,
que não foi classificada entre as principais bases de poder (Podsakoff e
Schriesheim, 1985) por depender, segundo French e Raven, de outras duas
bases, a base de poder de referência e a de perícia.
Classificações diferentes foram apresentadas por outros autores como
Kipnis, Schmide e Wilkinson (1980), Patchen (1974), Shukla (1982) e Rahim
e Afza (1993), mas a taxonomia proposta por French e Raven (1959) e aperfeiçoada por Raven (1993) foi a que recebeu maior atenção dos estudiosos,
tendo influenciado sobremaneira estudos posteriores. Além disso, esta taxonomia foi confirmada por muitos estudos realizados ao longo dos quase 50 anos
que transcorreram depois de sua formulação (Posdsakoff e Schriescheim, 1984;
Rahim e Afza, 1993; Rodrigues e Assmar, 2003; Hinkin e Schriescheim, 1989).
Para French e Raven (1959), a base de poder de recompensa foi definida
como aquela alicerçada na habilidade de uma pessoa fornecer à outra algo
considerado pela última como um prêmio ou na capacidade de a primeira
remover ou diminuir possíveis punições destinadas à última.
O poder de coerção possui sentido oposto ao poder de recompensa e
envolve a habilidade de uma pessoa ter sob seu controle coisas importantes
para outra. Quem exerce coerção, baseia-se na expectativa do outro de que a
pessoa pode puni-lo se ele falhar. Quem coage, vale-se de condições negativas
que ameaçam o outro. Então, o poder coercitivo depende de quanto o que
22
Mirlene Maria Matias Siqueira & cols.
uma pessoa controla é negativo para a outra e da probabilidade da outra evitar isto.
Para French e Raven (1959), o poder legítimo baseia-se no reconhecimento de uma pessoa de que a outra tem o poder legal, concludente, de
influenciá-la e que ela tem por obrigação aceitar esta influência. O poder de
perícia baseia-se no fato de uma pessoa reconhecer que a outra domina certo
conhecimento, que é especialista em determinado assunto e que, por isto, não
deve questioná-la. A base de poder de referência é aquela que se sustenta no
reconhecimento de uma pessoa de que a outra é um modelo, alguém a ser
imitado.
Assim, poder legítimo deve-se à posição que o poderoso ocupa; poder de
coerção, diz respeito ao controle do poderoso sobre punições; poder de recompensa refere-se ao controle do poderoso sobre prêmios; poder de perícia,
baseia-se no conhecimento ou na especialidade do poderoso e ao reconhecimento por parte do influenciado de que este poderoso é especialista em determinado aspecto, e poder de referência deve-se ao reconhecimento de que o
influenciador serve como modelo de identificação para o influenciado.
A taxonomia das bases de poder de French e Raven (1959) foi trazida
para o âmbito do comportamento organizacional para se estudar as relações
entre supervisor e supervisionado, já que estas relações também são sociais.
No contexto dos estudos organizacionais, Johnson e Scollay (2000) demonstraram que bases de poder afetam os conflitos e a influência dentro dos
grupos ou das organizações e Yukl (1994) identificou que elas produzem impacto no comprometimento, na confiança e na resistência do empregado. Para
Yukl (1994), as bases de referência, perícia, poder legítimo e de recompensa
estão positivamente relacionadas com comprometimento e com confiança
organizacionais, enquanto poder de coerção provoca resistência. Para Rahim
(1989), as bases de poder legítimo, de perícia e de referência associam-se
positivamente com confiança do empregado, mas poder de recompensa, não.
As bases de poder de recompensa e de coerção estão associadas com resistência, o que, segundo Johnson e Scollay (2000), caracterizam-nas como uma
forma de conflito. Além disso, alguns estudiosos como Hinkin e Schriesheim
(1989, 1990), Johnson e Payne (1997), Rahim (1989), Schriesheim, Hinkin e
Podsakoff (1991) e Yukl e Falbe (1991) identificaram associações positivas
entre poder de perícia e de referência com satisfação e desempenho dos subordinados. Isto demonstra a importância de sua identificação nas organizações.
Todavia, a medida das bases de poder foi um problema discutido por
muito tempo por estudiosos como Patchen (1974), Yukl (1981), Podsakoff e
Schriesheim (1985), Hinkin e Schriesheim (1989) e Rahim, Antonioni, Krumov
e Ilieva (2000). Até 1985 as medidas das bases de poder de French e Raven
(1959) eram bastante criticadas por não atenderem às exigências psicométricas
adequadas (Schriesheim, Hinkin e Podsakoff, 1985). Por isso, em 1989, Hinkin
e Schriesheim desenvolveram e validaram fatorialmente uma escala denomi-
Medidas do comportamento organizacional
23
nada Escala de Bases de Poder do Supervisor (EBPS), composta por 20 itens,
para avaliar as cinco bases de poder social propostas por French e Raven (1959).
Vale ressaltar que a ESBP de Hinkin e Schriesheim (1989) tinha por objetivo
medir as bases de poder do supervisor, tendo sido, portanto, construída focalizando as relações de poder entre supervisor e subordinados no ambiente de
trabalho. A EBPS foi validada por análises fatoriais exploratórias; os fatores
revelaram ótimos índices de precisão, conforme se pode constatar na próxima
seção. O texto a seguir relatará o estudo de adaptação e validação fatorial da
EBPS no Brasil conduzido por Martins e colaboradores (2006).
ADAPTAÇÃO E VALIDAÇÃO DA ESCALA
DE BASES DE PODER DO SUPERVISOR – EBPS
Os 20 itens da EBPS (Hinkin e Schriesheim, 1989) foram traduzidos e
adaptados semanticamente à língua portuguesa por Martins e colaboradores
(2006). As autoras submeteram os itens à avaliação de três especialistas nas
línguas inglesa e portuguesa para garantir uma tradução confiável e adaptada
ao trabalhador brasileiro. Verificaram, depois disso, a clareza e a compreensão
dos 20 itens, discutindo-os com 10 trabalhadores de escolaridade correspondente ao ensino fundamental e ajustaram alguns itens para que se tornassem
mais claros. A EBPS foi, então, aplicada a 312 trabalhadores de diversas empresas privadas, de ramos de atividades variados. A escolaridade mínima dos
trabalhadores era de ensino médio.
Os sujeitos registravam suas respostas em uma escala de 5 pontos, sendo
o valor 1 correspondente a “discordo totalmente” e o 5 a “concordo totalmente”. Estas respostas foram codificadas em um banco de dados e submetidas às
análises estatísticas dos componentes principais com rotação oblíqua (oblimin)
e, posteriormente, à dos eixos principais com rotação Promax para verificação
da validade (qualidade psicométrica que verifica se a escala realmente mede o
que se propõe a medir) e aos cálculos do alfa de Cronbach para verificação da
confiabilidade (outra qualidade psicométrica que avalia se a escala mede com
precisão).
Os cálculos indicaram quatro fatores com valores próprios iguais ou maiores do que 1,0 que explicavam, no mínimo, 7% de variância cada um. Os quatro fatores, juntos, explicaram 59% da variância total e reuniam 15 dos 20
itens iniciais da EBPS de Hinkin e Schriesheim (1989), todos com cargas
fatoriais = 0,48: base de poder legítimo (Fator 1, com 4 itens e α de 0,81);
base de poder de perícia (Fator 2, com 4 itens e α de 0,84), base de poder
de coerção (Fator 3, com 3 itens e α de 0,85) e base de poder de recompensa (Fator 4, com 4 itens e α de 0,72). A base de poder de referência não foi
identificada entre os trabalhadores que participaram do estudo. Assim, a EBPS
24
Mirlene Maria Matias Siqueira & cols.
adaptada e validada para trabalhadores brasileiros avalia quatro das cinco
bases de poder propostas por French e Raven (1959) e confirmadas por Hinkin
e Schriesheim (1989), conforme se pode observar no Quadro 1.1. A EBPS
completa, com instruções, 15 itens e escala de respostas se encontra ao final
do capítulo.
QUADRO 1.1
Denominações, definições, itens integrantes e índices de precisão
dos fatores da EBPS
Denominações
Definições
Itens
Índices de
precisão
Base de poder
legítimo
Reconhecimento de uma pessoa
de que a outra tem o poder legal
de influenciá-la e que ela tem por
obrigação aceitar esta influência.
2, 5, 13 e 14
0,81
Base de poder
de perícia
Reconhecimento por parte de uma
pessoa de que a outra domina
certo conhecimento e que, por
isto, não deve ser questionada.
3, 7, 10 e 15
0,84
Base de poder
de coerção
Habilidade de uma pessoa ter sob
seu controle coisas importantes
que ameaçam a outra.
4, 11 e 12
0,85
Base de poder
de recompensa
Poder de fornecer à outra pessoa
algo considerado um prêmio ou
capacidade de remover ou diminuir
punições destinadas ao outro.
1, 6, 8 e 9
0,72
Medidas do comportamento organizacional
25
APLICAÇÃO, APURAÇÃO DOS RESULTADOS E INTERPRETAÇÃO DA EBPS
A aplicação da EBPS poderá ser feita de forma individual ou coletiva.
Deve-se cuidar para que os respondentes tenham entendido as instruções e o
modo de assinalar suas respostas. É necessário assegurar também que o ambiente de aplicação seja tranqüilo e confortável, lembrando que o tempo de
aplicação da EBPS é livre.
Como a EBPS é uma escala composta por quatro fatores (multifatorial),
seus resultados devem ser apurados por fator. Assim, se terá um resultado (ou
média fatorial) para cada um dos fatores, ou seja, o diagnóstico das bases de
poder do supervisor será feito baseando-se em quatro fatores.
Isso é feito somando-se os valores marcados pelos respondentes em cada
item de cada fator e dividindo-se o resultado total pelo número de itens. Desse
modo, por exemplo, para o Fator 1, “Base de poder legítimo”, somam-se os
valores das respostas aos itens 2, 5, 13 e 14 e divide-se o resultado por 4.
Depois, somam-se as médias de cada respondente em cada fator e divide-se
pelo número de respondentes e assim sucessivamente. Os resultados das médias fatoriais deverão ser sempre um número entre 1 e 5 que é a amplitude da
escala de respostas.
Para interpretar as médias das bases, deve-se considerar que quanto maior
for o valor da média fatorial, mais aquela base de poder é utilizada pelo supervisor. Além disso, valores maiores que 4 indicam que a base de poder é
bastante utilizada e valores menores do que 2,9 indicam que a base é pouco
utilizada. Assim, quanto maior a média, mais utilizada é a base e quanto menor, menos utilizada ela é.
A EBPS resultou de trabalhos internacionais e de um extenso trabalho
brasileiro feito por Martins e colaboradores (2006) que demonstrou sua validade e sua fidedignidade. As características psicométricas que garantem a boa
qualidade da escala só permanecem se ela for utilizada sem alteração de qualquer uma de suas partes.
26
Mirlene Maria Matias Siqueira & cols.
Escala de bases de poder do supervisor – EBPS
Apresentação
A seguir há uma lista de frases que podem ser usadas para descrever comportamentos que supervisores (ou chefes) podem apresentar frente aos seus subordinados. Leia
cuidadosamente cada frase pensando em seu supervisor. Então, decida até que ponto
você concorda que ele poderia fazer isto com você.
Marque o número que representa sua opinião na coluna à direita de cada frase. Use
os números seguintes para suas respostas:
1
Discordo
totalmente
2
Discordo
3
Nem concordo
nem discordo
4
Concordo
5
Concordo
totalmente
Meu chefe pode …
1. Aumentar meu salário.
2. Fazer-me sentir que tenho compromissos a cumprir.
3. Dar-me boas sugestões técnicas sobre meu trabalho.
4. Tornar meu trabalho difícil para mim.
5. Fazer-me perceber como eu deveria cumprir as exigências
do meu trabalho.
6. Influenciar a organização para conseguir um aumento de
salário para mim.
7. Dividir comigo suas experiências ou treinamentos importantes.
8. Conseguir benefícios especiais para mim.
9. Influenciar a organização para me dar uma promoção.
10. Fornecer para mim conhecimento técnico necessário
ao trabalho.
11. Tornar as coisas desagradáveis para mim.
12. Tornar meu trabalho desagradável.
13. Fazer-me perceber que eu tenho responsabilidades para cumprir.
14. Fazer-me reconhecer que eu tenho tarefas para realizar.
15. Dar-me dicas relacionadas ao trabalho.
Medidas do comportamento organizacional
27
REFERÊNCIAS
FRENCH, J. R. P.; RAVEN, B. The bases of social power. In CATWRIGHT, D. (Ed.). Studies
in social power. Ann Arbor, MI: Institute for Social Research, 1959.
HINKIN, T. R.; SCHRIESHEIM, C. A. Development and application of new scales to
measure the French and Raven (1959) bases of social power. Journal of Applied
Psychology, Berkeley, CA, v. 74, n.4, p. 561-567, Aug. 1989.
________ . Relationships between subordinate’s perceptions of supervisor’s influence
tactics and attributed bases of supervisory power. Human Relations, v.43, p. 221-237,
1990.
JOHNSON, P. E.; PAYNE, J. Power, communicator styles, and conflict management styles:
a web of interpersonal constructs for the school principal. International Journal of
Educational Reform, v. 6, n. 1, p. 40-53, Jan. 1997.
JOHNSON, P. E.; SCOLLAY, S. J. Scholl-based, decision-making councils: conflict, leader
power and social influence in the vertical team. Journal of Educational Administration,
London, v.39, n.1, p. 47-66, Jan. 2000.
KIPNIS, D.; SCHMIDT, S. M.; WILKINSON, I. Intraorganizational influence tactics:
Explorations in getting one’s way. Journal of Applied Psychology, Berkeley, CA, n. 65,n.
4, p. 440-452, Aug.1980.
MARTINS, M. C. F. et al.. Adaptação e validação fatorial da escala de bases de poder de
French e Raven. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL E
DO TRABALHO, 2., 2006, Brasília. Anais...Brasília: SBPOT,2006. v. 1, p.1.
PATCHEN, M. The locus and basis of influence on organizational decisions. Organizational Behavior and Human Performance, n. 11, n.2, p. 195-221, Apr.1974.
PODSAKOFF, P. M.; SCHRIESHEIM, C. A. Field studies of French and Raven’s bases of
power: critique, reanalysis, and suggestions of future research. Psychological Bulletin, v.
97, n.3, p. 387-411, May 1985.
RAHIM, M. A. Relationship of leader power to compliance and satisfaction with
supervision: evidence from a national sample of managers. Journal of Management, v.
15, n.4, p. 545-576, Dec. 1989.
RAHIM, M. A.; AFZA, M. Leader power, commitment, satisfactions, compliance, and
propensity to leave a job among U.S. accountants. The Journal of Social Psychology,
Washington, DC, v. 133, n.5, p.611-626, Oct.1993.
RAHIM, M. A. et al. Power, conflict and effectiveness: a cross-cultural study in the
United States and Bulgaria. European Psychologist, Jena, Germany, v. 5, n. 1, p. 28-33,
Mar. 2000.
RAVEN, B. T. The bases of power: origins and recent development. Journal of Social
Issues, v.49, n. 4, p. 227-251, 1993.
28
Mirlene Maria Matias Siqueira & cols.
RODRIGUES, A.; ASSMAR, E. Influência social, atribuição de causalidade e julgamentos de responsabilidade e justiça. Psicologia Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v. 16, n. 1,
p.191-201, 2003.
SCHRIESHEIM, C. A.; HINKIN, T. R.; PODSAKOFF, P.M. Can ipsative and single-item
measures produce erroneous results in field studies of French and Raven’s five bases of
power? An empirical examination. Journal of Applied Psychology, Berkeley, CA, v.76,
n.1, p. 106-114, Feb. 1991.
SHUKLA, R. K. Influence of power bases in organizational decision making: a contingency
model. Decision Sciences, Atlanta, GA, v. 13, n.3, p. 450-470, July 1982.
YUKL, G. A. Leadership in organizations. Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall, 1981.
________ . Leadership in organizations. Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall, 1994.
YUKL, G. A.; FALBE, C. M. Importance of different power sources in downward and
lateral relations. Journal of Applied Psychology, Berkeley, CA, v. 76, n.3, p. 416-423,
June 1991.
Download

Bases do poder organizacional