Universidade Anhanguera-Uniderp Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes Desafio da saúde pública e privada no Brasil: contextualização histórica e discussão. Modelo de atenção à saúde no Brasil e sua estrutura de financiamento . DANIEL PORTO SOARES PASSOS 2010 DANIEL PORTO SOARES DESAFIO DA SAÚDE PÚBLICA E PRIVADA NO BRASIL: CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA E DISCUSSÃO. Modelo de atenção à saúde no Brasil e sua estrutura de financiamento. Monografia apresentada ao Curso de PósGraduação lato sensu TeleVirtual em Gestão de Planos de Saúde, na modalidade Formação para o Magistério Superior, como requisito parcial à obtenção do grau de especialista em Gestão de Planos de Saúde. Universidade Anhanguera-Uniderp Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes Orientadora: Profª Ana Lúcia Spina PASSOS 2010 TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito e que se fizerem necessários, que isento completamente a Universidade Anhanguera-Uniderp, a Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes, e os professores indicados para compor o ato de defesa presencial de toda e qualquer responsabilidade pelo conteúdo e idéias expressas na presente monografia. Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em caso de plágio comprovado. Passos, 31 de maio de 2010 Dedico este trabalho aos colegas da Santa Casa de Passos, aos colegas do curso e à minha família pelo apoio incondicional para que pudesse realizar esse curso de pósgraduação. Agradeço à Diretoria da Santa Casa por ter me proporcionado a oportunidade de realizar este curso de pós-graduação. Determinação, coragem e autoconfiança são fatores decisivos para o sucesso. Não importam quais sejam os obstáculos e as dificuldades. Se estivermos possuídos de uma inabalável determinação, conseguiremos superá-los. Independentemente das circunstâncias, devemos ser sempre humildes, recatados e despidos de orgulho. Dalai – Lama RESUMO Os desafios da saúde pública e privada no Brasil estão pautados na realidade de um país cujos fatores determinantes na condição de saúde de sua população, como a falta de saneamento básico, o transporte inadequado e em vias de acessos precárias aos centros de atenção à saúde, o uso inadequado do sistema de saúde pelo usuário em decorrência da falta de educação sanitária e um modelo de assistência à saúde fragmentado e desarticulado, tudo isso, impactando nos resultados das ações de saúde e como conseqüência a condição de saúde abaixo do desejável quando se fala em conceito de uma vida saudável. O desafio é organizar um sistema de atenção à saúde em redes integradas que permitam responder, com efetividade, eficiência, qualidade, segurança e equidade às condições de saúde da população brasileira; discutir, ainda, a estrutura de financiamento, bem como, o incremento de novos recursos para a melhoria do sistema como um todo se faz necessária, mas desde que haja um alinhamento entre os incentivos econômicos com os objetivos sanitários, pois da forma atual o pagamento por procedimentos estimula a oferta de mais serviços e cada vez mais caros voltados para a maximização dos lucros. Não proporciona a oferta de cuidados integrados e integrais prejudicando a resolução dos problemas de saúde do cidadão. Não estimula, ainda, a oferta de ações direcionadas à promoção e prevenção da saúde (MENDES, 2009). A inovação é o caminho para estruturar o sistema de atenção à saúde. Christensen (2009) utiliza o conceito de inovação de ruptura que é uma força transformadora dos serviços e produtos tornando-os mais acessíveis à população. É formada por três elementos: 1) tecnologia sofisticada cujo propósito é simplificar. 2) o segundo, é modelos de gestão inovadores e de baixo custo oferecendo soluções simplificadas de modo lucrativo e acessíveis. 3) o terceiro, é o surgimento de uma cadeia de valor inteiramente nova constituído por empresas com modelos econômicos disruptivos que se reforçam mutuamente. Portanto, rever todos os papéis dos diversos atores distribuídos na rede de atenção, promovendo rupturas nos modelos de gestão, nos modelos assistenciais, no modelo de financiamento, na formação dos profissionais de saúde e, sobretudo, na educação sanitária dos usuários são os fatores críticos para o sucesso das novas soluções para as condições de saúde da população. A estrutura de financiamento deve acompanhar o modelo voltado às condições crônicas, promovendo alinhamento entre os incentivos econômicos com os objetivos sanitários, pois a forma atual de financiamento estimula a oferta dos serviços cada vez mais caros tendo como objetivo o lucro. O financiamento deve ser capaz de estimular a oferta de ações direcionadas à promoção e prevenção da saúde. Palavras- chave: REDES DE ATENÇÃO, MODELOS ASSISTENCIAIS, NÍVEIS DE ATENÇÃO, FINANCIAMENTO. Abstract The challenges of public and private health in Brazil are guided by the reality of a country whose determinants on health status of its population, the lack of sanitation, inadequate transportation routes and poor access to health care centers, improper use of the health system by the user due to lack of health education and a model of health care fragmented and disjointed, all impacting on the results of health and consequently the health status less than desirable when it comes in the concept of healthy living. The challenge is to arrange a system of health care integrated into networks that allow them to respond with effectiveness, efficiency, quality, safety and equity to health conditions of the Brazilian population, to discuss also the structure of financing, as well as the increase of new features for improving the system as a whole is necessary, but since there is an alignment of economic incentives to the health objectives because of the current form of payment procedures encourages the provision of services more expensive and increasingly focused on profit maximization. It does not provide the supply of integrated care and full resolution of the problems hampering the health of citizens. There also stimulates the supply of actions aimed at health promotion and prevention (MENDES, 2009). Innovation is the way to structure the system of health care. Christensen (2009) uses the concept of breaking innovation that is a force of transformational products and services making them more accessible to the population. It is composed of three elements: 1) sophisticated technology whose purpose is to simplify. 2) the second is management models and innovative low-cost offering simplified solutions so profitable and affordable. 3) The third is the emergence of an entirely new value chain consists of companies with disruptive economic models that are mutually reinforcing. So review all the roles of various actors in the distributed network of care, promoting disruption in models of management in health care models, the model of financing, training of health professionals and particularly health education of the users are the critical factors to the success of new solutions to the health of the population. The financing structure should follow the model dedicated to chronic conditions, promoting alignment of economic incentives to the health objectives, because the current way of funding encourages the provision of services increasingly expensive with the objective of profit. Funding should be able to stimulate the provision of direct actions aimed at health promotion and prevention. Keywords: networks of attention, care models, levels of attention, funding SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................. 10 2. HISTÓRICO – A Situação de Saúde no Brasil ......................................... 12 3. SISTEMAS DE ATENÇÃO À SAÚDE ......................................................... 18 4. ANÁLISES DO SISTEMA DE ATENÇÃO À SAÚDE BRASILEIRA........... 23 5. REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE: Fundamentos, conceitos e elementos constitutivos................................................................................................ 24 5.1 FUNDAMENTOS.......................................................................................... 24 5.2 CONCEITOS................................................................................................ 27 5.3 ELEMENTOS CONSTITUTIVOS................................................................. 28 6. SISTEMA DE FINANCIAMENTO................................................................. 31 7. SISTEMA DE SAÚDE SUPLEMENTAR – CONTEXTO.............................. 34 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................... 38 9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................ 40 10 1. INTRODUÇÃO Os desafios da saúde pública e privada no Brasil estão pautados na realidade de um país cujos fatores determinantes na condição de saúde de sua população, como a falta de saneamento básico, o transporte inadequado e em vias precárias de acessos aos centros de atenção à saúde, o uso inadequado do sistema de saúde pelo usuário em decorrência da falta de educação sanitária e um modelo de assistência à saúde, fragmentado e desarticulado, tudo isso, impactando nos resultados das ações de saúde e como conseqüência a condição de saúde abaixo do desejável quando se fala em conceito de uma vida saudável. A organização do sistema de saúde nos anos 90 foi baseada nas reformas sanitárias cujos conceitos como privatizações, separação de funções, novos arranjos organizativos e o de competição são predominantes. Essa estrutura não foi capaz de gerar valor para o cidadão que utiliza o sistema de atenção à saúde. Com a instituição do Sistema Único de Saúde na constituição de 1988 são estabelecidas as diretrizes do sistema de saúde composto do setor público, filantrópico e privado regulados pelos princípios da equidade, integralidade e universalidade. Mais de 20 anos se passaram e os desafios que se colocam passam por uma nova agenda, que segundo Mendes (2009), deve ter como principais objetivos a geração de valor para as pessoas usuárias dos sistemas de atenção à saúde e diminuir as iniqüidades. Para isso, as mudanças deverão fazer-se por meio de grandes movimentos: da decisão baseada em opinião para decisão baseada em evidência; dos sistemas fragmentados, voltados para a atenção às condições e aos eventos agudos, para as redes de atenção à saúde, voltadas para atenção às condições agudas e crônicas; da gestão dos meios, recursos humanos, materiais e financeiros, para a gestão dos fins, a microgestão da clínica; de uma visão estreita de intervenções sobre condições de saúde estabelecidas, através de ações curativas e reabilitadoras, para uma concepção integral de sistemas de atenção à saúde que atue harmonicamente sobre os determinantes sociais da saúde e sobre as condições de saúde estabelecidas; e do financiamento baseado na geração de valor para as pessoas. Os resultados que se esperam dos sistemas de atenção à saúde são aqueles capazes de atender às necessidades de saúde dos cidadãos caracterizadas por uma transição demográfica acelerada cuja previsão para 2025 é de 15% de 11 idosos na população com manifestação de tripla carga de doenças: uma de doenças infecciosas e carenciais, outra de causas externas e, a terceira, a presença forte de condições crônicas. Para o enfrentamento dessa situação há que se reestruturar o sistema de atenção à saúde atual marcado pela fragmentação e pela organização voltada para as condições agudas e das agudizações das condições crônicas (MENDES, 2009). O desafio é organizar um sistema integrado de atenção à saúde que permita responder, com efetividade, eficiência, qualidade, segurança e equidade às condições de saúde da população brasileira; discutir, ainda, a estrutura de financiamento, bem como, o incremento de novos recursos para a melhoria do sistema como um todo se faz necessária, mas desde que haja um alinhamento entre os incentivos econômicos com os objetivos sanitários, pois da forma atual o pagamento por procedimentos estimula a oferta de mais serviços e cada vez mais caros voltados para a maximização dos lucros. Não proporciona a oferta de cuidados integrados e integrais prejudicando a resolução dos problemas de saúde do cidadão. Não estimula, ainda, a oferta de ações direcionadas à promoção e prevenção da saúde (MENDES, 2009). Esse trabalho faz uma revisão histórica apoiada fundamentalmente no autor Eugênio Vilaça Mendes, cuja obra As Redes de Atenção à Saúde, oferece uma profundidade na discussão, na formulação e estruturação desse sistema em forma de rede, suas características, os pontos críticos de sucesso para sua implementação e também, na apresentação de alguns resultados obtidos por experiências concretas. 12 2. HISTÓRICO - A SITUAÇÃO DE SAÚDE NO BRASIL Inicialmente é importante para esse estudo ter a referência dos conceitos de condições crônicas e condições agudas que suportam a epidemiologia no que diz respeito à análise das condições de saúde da população. Em saúde pública, trabalha-se com uma divisão entre doenças transmissíveis e não transmissíveis. Essa tipologia é utilizada pela epidemiologia com grande utilidade em seus estudos, mas não se presta à organização dos sistemas de atenção à saúde. A organização mundial da Saúde (2003) propôs uma nova tipologia para ser utilizada na organização dos sistemas de atenção à saúde: as condições agudas e as condições crônicas. As condições agudas caracterizam-se por: a duração da condição é limitada; a manifestação é abrupta; a causa é usualmente simples; o diagnostico e prognóstico são usualmente precisos; as intervenções tecnológicas são usualmente efetivas; e o resultado das intervenções leva, em geral, à cura; a atenção é centrada nos cuidados profissionais; a atenção é centrada no cuidado médico; e o conhecimento e a ação clínica são concentrados no cuidado profissional (MENDES, 2009). Diferentemente, as condições crônicas caracterizam-se por: o início da manifestação é usualmente gradual; a duração da doença é longa ou indefinida; as causas são múltiplas e mudam ao longo do tempo; o diagnóstico e o prognóstico são incertos; as intervenções tecnológicas são nós decisivos e, muitas vezes, com efeitos adversos; o resultado em geral, não é a cura, mas o cuidado; as incertezas são muito presentes; a atenção é focada no autocuidado; e o conhecimento deve ser compartilhado por profissionais e usuários de forma complementar (HOLMAN E LORIG, 2000; MENDES, 2009). Os principais fatores determinantes do aumento relativo das condições crônicas são as mudanças demográficas, as mudanças nos padrões de consumo e nos estilos de vida, a urbanização acelerada e as estratégias mercadológicas. As taxas de fecundidade diminuíram em todo o mundo, as populações envelhecem e as expectativas de vida aumentam. No Brasil há, hoje, 9% de idosos em relação à população total; em 2025 serão 15%, o que configura uma transição demográfica muito rápida que levará a um aumento grande das doenças crônicas (80% dos brasileiros com mais de 65 anos tem uma ou mais doenças crônicas). À 13 medida que os padrões de consumo modificam alteram-se, concomitantemente, os estilos de vida. Padrões de consumo e comportamentos não saudáveis vão se impondo e incrementando as condições crônicas. Dentre elas, destacam-se o tabagismo, o consumo excessivo de bebidas alcoólicas, as práticas sexuais de alto risco e o estresse social. Entre 1950 e 1985, a população urbana dos países ricos, duplicou e a dos países em desenvolvimento quadruplicou. Esse fenômeno da urbanização, de um lado, acelera a transição demográfica, mas de outro, pressiona os serviços de saúde, especialmente por parte das populações pobres que vivem nas periferias dos grandes centros urbanos. Por isso, se menciona que as condições crônicas são doenças da urbanização. Além da urbanização, desenvolvem-se estratégias mercadológicas eficazes de produtos nocivos à saúde, especialmente aqueles provenientes das indústrias de cigarro, álcool e alimentos industrializados. Como resultado da ação concomitante desses fatores determinantes, as condições crônicas aumentam em ritmo acelerado (MENDES, 2009). As doenças crônicas e os distúrbios mentais representam 59% do total de óbitos no mundo podendo chegar a 60% em 2020 e as maiores incidências serão de doenças cardíacas, acidente vascular cerebral e câncer. No Brasil a transição demográfica é muito acelerada. O efeito combinado de redução dos níveis de fecundidade e de mortalidade resulta numa transformação da pirâmide etária da população, o formato triangular, com base alargada, do início dos anos 2000, irá ceder lugar, em 2030, a uma pirâmide com parte superior mais larga, típica de sociedades envelhecidas. A situação epidemiológica, no Brasil, pode ser analisada por várias vertentes: a mortalidade, a morbidade, os fatores de risco e a carga de doenças. A transição epidemiológica observada pelo lado da mortalidade indica que em 1930, as doenças infecciosas respondiam por 46% das mortes e que este valor decresceu para um valor próximo a 5% em 2000. Ao mesmo tempo, as doenças cardiovasculares que representavam em torno de 12% das mortes em 1930, responderam, em 2000, por quase 30% de todos os óbitos. A tabela 1 evidencia que a mortalidade proporcional, em 2004, foi determinada em 13,1% pelas doenças infecciosas e maternas, perinatais e nutricionais; em 12,6% por causas externas; e em 74,3% por doenças não transmissíveis. Isso significa que se somando as causas maternas e perinatais 14 ( 3,2%), e as doenças crônicas não transmissíveis, 77,5% das mortes foram por condições crônicas. Tabela 1: Mortalidade proporcional por categoria de causas de óbitos, com redistribuição das causas externas, Brasil, 2002 a 2004. CAUSAS Infecciosas, maternas, perinatais e nutricionais Não transmissíveis Externas TOTAL 2002 129.795 2003 131.774 2004 132.000 TOTAL 393.569 (13,2%) (13,2%) (12,9%) (13,1%) 725.628 (73,9%) 126.241 (12,9%) 981.664 (100%) 743.902 (74,2%) 126.657 (12,6%) 1.002.333 (100%) 764.603 (74,7%) 127.470 (12,4%) 1.024.073 (100%) 2.234.133 (74,3%) 380.368 (12,6%) 3.008.070 (100%) Fonte: Ministério da Saúde (2008); MENDES (2009). Do ponto de vista da morbidade, tabela 2, tomada na sua vertente da morbidade hospitalar, observa-se que das treze principais causas de intervenção no SUS, no ano de 2005, nove foram por condições crônicas, considerando-se as causas maternas e perinatais. Tabela 2: As principais causas de internação no SUS em valores percentuais, Brasil (2005). CAUSA DE INTERNAÇÃO Parto Normal Pneumonia Parto Cesário Enteroinfecção Insuficiência Cardíaca Curetagem pós-parto Doença pulmonar obstrutiva crônica Acidente vascular-cerebral Crise asmática Herniorrafia inguinal Crise hipertensiva Pielonefrite Diabetes Fonte: SIH SUS (2005), MENDES (2009). % 13,5 6,9 4,9 3,1 2,9 2,1 1,5 1,5 1,5 1,3 1,3 1,2 1,0 15 A análise, tabela 3, pela carga de doenças mostra que as doenças crônicas e das condições maternas e perinatais representaram 75% da carga global de doenças no país, medidas em ano de anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (AVAIS). Enquanto isso, as condições agudas, expressas nas doenças infecciosas, parasitárias e desnutrição e causas externas, representaram 25% da carga de doenças. Mas deve-se observar ainda que uma parte significativa das doenças infecciosas, aquelas de longo curso, deve ser considerada como condições crônicas, o que aumenta, além de três quartos a presença relativa das condições crônicas na carga de doenças. Tabela 3: Carga de doenças em anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (Avais), Brasil, 1998. GRUPO DE DOENÇAS TAXA POR MIL % Infecciosas, parasitárias e HABITANTES 34 14,7 19 21 10,2 8,8 124 232 66,3 100,0 desnutrição Causas externas Condições maternas e perinatais Doenças crônicas Total Fonte: Schramm et al. (2004); MENDES (2009). A análise da tabela 4 evidencia que das dez principais causas de AVAI’s no país, apenas três (violência, infecções de vias aéreas superiores e acidentes de trânsito) não são condições crônicas e que as seis principais causas de AVAI’s são condições crônicas. Tabela 4: As dez principais causas de anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (AVAI’s), Brasil, 1998. CONDIÇÃO DE SAÚDE Diabetes mellitus Doença isquêmica do coração Doenças cérebro-vascular Transtorno depressivo recorrente Asfixia e traumatismo ao nascer Doença pulmonar obstrutiva crônica Violência Infecções de vias aéreas inferiores Acidentes de trânsito Doenças degenerativas do sistema nervoso central % 5,1 5 4,6 3,8 3,8 3,4 3,3 2,9 2,7 2,6 16 Fonte: Schramm et al, (2004); MENDES (2009). A prevalência dos fatores de risco no Brasil aponta para uma produção social de condições crônicas, já que eles respondem pela grande maioria das mortes por doenças crônicas e por fração significativa da carga de doenças devida a essas condições de saúde. Outro fator significativo que impacta na condição de saúde está ligado a um processo de transição nutricional que resultou em mudanças substanciais na alimentação, com a crescente oferta de alimentos industrializados; facilidade de acesso a alimentos caloricamente densos e mais baratos; e redução generalizada da atividade física. Como resultado, a situação epidemiológica brasileira traz consigo uma epidemia oculta: a das doenças crônicas (MENDES, 2009). A taxa de mortalidade padronizada por idade por doenças crônicas no Brasil, em pessoas de 30 anos ou mais, é de 600 mortes por cem mil habitantes, o que representa o dobro da taxa do Canadá e 1,5 vezes a taxa do Reino Unido (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2005). Como conseqüência, estima-se que morram, a cada dia, no Brasil, mais de 400 pessoas em decorrência de infartos agudos do miocárdio e de acidentes vascularescerebrais. Boa parte das mortes por doenças crônicas poderia ser evitada. A estimativa é de que poderiam ser evitadas, no mundo, em 2015, com medidas de prevenção de doenças crônicas, 36 milhões de mortes (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2005). A tabela 5 compara os anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (AVAI’s) do Brasil com os de países do Grupo América A, que incluem os países americanos que apresentam taxas muito baixas de mortalidade infantil e de adultos (Canadá, Cuba e Estados Unidos). 17 Tabela 5: Anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (AVAI’s), taxas por mil habitantes, Brasil e grupo América A. DOENÇAS CRÔNICAS Cânceres AVAI’S BRASIL 154 AVAI’S AMÉRICA 100 Diabetes 12 3 Doenças neuro-pisiquiátricas 43 42 Doenças cardiovasculares 31 14 Doenças respiratórias crônicas 19 8 Outras doenças crônicas 34 20 Fonte: Banco Mundial, (2005); MENDES, 2009. A análise desses dados mostra que existe uma carga potencialmente evitável de doenças crônicas muito significativas, especialmente relacionadas com as doenças cardiovasculares, com diabetes, com as doenças respiratórias crônicas e com alguns tipos de câncer. Há que se observar ainda que, mesmo nesses paises de melhores níveis de saúde, os grupos da América A, há, ainda, uma margem grande de carga evitável das doenças crônicas. (MENDES, 2009) A forte prevalência de condições crônicas no Brasil tem repercussões econômicas significativas para o país (MENDES, 2009). A Tabela 6 indica que os gastos dos SUS com as doenças crônicas foram responsáveis, em 2002, por 69,1% dos gastos hospitalares e ambulatoriais de nosso sistema público de atenção à saúde. Tabela 6: Estimativa de gastos hospitalares e ambulatoriais dos SUS com doenças crônicas, 2002. TIPO DE GASTO Gasto ambulatorial Gasto hospitalar Gasto total com doenças VALOR EM R$ 3.824.175.399 3.783.515.448 7.562.690.848 % 35,0 34,2 69,2 crônicas Gasto total hospitalar e 10.938.741.553 100,0 ambulatorial Fonte: Ministério da Saúde, (2005); MENDES, 2009. As conseqüências econômicas de um enfrentamento inadequado das condições crônicas no Brasil é que, no período de 2005 a 2015, as perdas 18 financeiras decorrentes de mortes prematuras causadas por doenças cardiovasculares e diabetes são estimadas em, aproximadamente, 50 bilhões de dólares. A perda estimada em 2005 foi 2,7 bilhões de dólares e poderá atingir, em 2015, 9,3 bilhões de dólares (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2005; MENDES, 2009). Concluindo pode-se afirmar que, a partir das informações analisadas, o mundo e o Brasil apresentam um processo de envelhecimento de sua população e uma situação de transição das condições de saúde, caracterizados pela queda das condições agudas e pelo aumento das condições crônicas. Essa situação epidemiológica define-se por alguns atributos fundamentais: a superposição de etapas, com a persistência concomitante das doenças infecciosas e carenciais e das doenças crônicas; as contratransições, movimentos de ressurgimento de doenças que se acreditavam superadas, as doenças reemergentes como dengue e febre amarela; a transição prolongada, a falta de resolução da transição num sentido definitivo; a polarização epidemiológica representada pela agudização das desigualdades sociais em matéria de saúde; e o surgimento das novas doenças ou enfermidades emergentes (MENDES, 1999; ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2003; MENDES, 2009). Essa complexa situação tem sido definida, recentemente, como tripla carga de doenças, porque envolve, ao mesmo tempo: primeiro, uma agenda não concluída de infecções, desnutrição e problemas de saúde reprodutiva; segundo, o desafio das doenças crônicas e de seus fatores de riscos, como tabagismo, sobrepeso, inatividade física, uso excessivo do álcool e outras drogas e alimentação inadequadas; e, terceiro, o forte crescimento da violência e das causas externas (FRENK, 2006; MENDES, 2009). A emergência de uma situação de condições de saúde, caracterizada pela tripla carga de doenças, convoca mudanças profundas nos sistemas de atenção à saúde (MENDES, 2009). 3. SISTEMAS DE ATENÇÃO À SAUDE 19 Os sistemas de atenção à saúde são definidos pela Organização Mundial da Saúde como o conjunto de atividades cujo propósito primário é promover, restaurar e manter a saúde de uma população para se atingirem os seguintes objetivos: o alcance de um nível ótimo de saúde, distribuído de forma eqüitativa; a garantia de uma proteção adequada dos riscos para todos os cidadãos; o acolhimento humanizado dos cidadãos, a provisão de serviços seguros e efetivos; e a prestação de serviços eficientes (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2000; MENDES, 2002; MENDES, 2009). Os sistemas de atenção à saúde são, portanto, organizações articuladas para responderem as necessidades, demandas e preferências das sociedades. A articulação entre os pontos de atenção deve ser baseada nas necessidades da população que se expressam pelas situações demográficas e epidemiológicas singulares. Há, portanto, uma relação muito estreita entre a transição das condições de saúde e a transição dos sistemas de saúde, uma vez que, ambas, constituem a transição da saúde (SCHRAMM et. al., 2004; MENDES, 2009). Essa transição das condições de saúde, juntamente com outros fatores como o desenvolvimento cientifico, tecnológico e econômico, determina a transição da atenção à saúde (FRENK et. al., 1991; MENDES, 2009). Isso significa que todo o sistema de saúde deve refletir as necessidades ou situação de saúde da população. Se não houver esse alinhamento entre a condição de saúde da população e o sistema de saúde que dá respostas a essas necessidades instala-se uma crise nos sistemas, como é o caso nesse momento em toda parte do mundo. Países desenvolvidos como EUA e os principais em desenvolvimento estão buscando soluções para reestruturar seus sistemas de saúde (MENDES, 2009). As características da crise dos sistemas de atenção à saúde são expressas pelo desencontro entre uma situação epidemiológica dominada pelas condições crônicas - tanto nos países desenvolvidos quanto nos paises em desenvolvimento acrescidos, ainda, pela situação de dupla ou tripla carga de doenças - e um sistema de atenção à saúde voltado para responder às condições agudas e aos eventos agudos decorrentes da agudizações de condições crônicas. Isso não está dando certo nos paises desenvolvidos e não dará certo nos paises em desenvolvimento (MENDES, 2009). HAM (2007; MENDES, 2009) faz uma análise histórica dos sistemas de atenção à saúde, mostrando que até a primeira metade do século XX, eles se 20 voltaram para as doenças infecciosas e, na segunda metade desse século, para as condições agudas. Além disso, ele afirma que neste inicio de século XXI, os sistemas de atenção à saúde devem ser reformados profundamente para dar conta da atenção às condições crônicas: O paradigma predominante da doença aguda é um anacronismo. Ele foi formatado pela noção do século XIX da doença como uma ruptura de um estado normal determinada por um agente externo ou por um trauma. Sob esse modelo a atenção à condição aguda é o que enfrenta diretamente a ameaça. Mas a epidemiologia moderna mostra que os problemas de saúde prevalecentes hoje, definidos em termos de impactos sanitários e econômicos, giram em torno das condições crônicas (HAM, 2007; MENDES, 2009). A organização Mundial de saúde afirma que, historicamente, os problemas agudos como certas doenças infecciosas ou traumas, constituíram a principal preocupação dos sistemas de saúde. Os avanços da ciência biomédica e da saúde pública, verificados especialmente no século passado, permitiram reduzir o impacto de inúmeras doenças infecciosas. Por outro lado, houve um aumento relativo das doenças crônicas. Baseando-se nisso, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE adverte: Pelo fato de os atuais sistemas de saúde terem sido desenvolvidos para tratar dos problemas agudos e das necessidades prementes dos pacientes, eles foram desenhados para funcionar em situações de pressão. Por exemplo, a realização de exames, o diagnóstico, a atenuação dos sintomas e a expectativa de cura são características do tratamento dispensado atualmente. Alem disso, essas funções se ajustam às necessidades de pacientes que apresentam problemas de saúde agudos ou episódicos. No entanto, observa-se uma grande disparidade quando se adota o modelo de tratamento agudo para pacientes com problemas crônicos. O tratamento para as condições crônicas, por sua natureza, é diferente do tratamento dispensado a problemas agudos. Nesse sentido, os sistemas de saúde predominantes em todo o mundo estão falhando, pois não estão conseguindo acompanhar a tendência de declínio dos problemas agudos e de ascensão das condições crônicas. Quando os problemas de saúde são crônicos, o modelo de tratamento agudo não funciona. De fato, os sistemas de saúde não evoluíram, de forma perceptível, mais além do enfoque usado para tratar e diagnosticar doenças agudas. O paradigma do tratamento agudo é dominante e, no momento, prepondera em meio aos tomadores de decisão, trabalhadores da saúde, administradores e pacientes. Para lidar com a ascensão das condições crônicas, é imprescindível que os sistemas de saúde transponham esse modelo predominante. O tratamento agudo será sempre necessário, pois até mesmo as condições crônicas apresentam episódios agudos; contudo, os sistemas de saúde devem adotar o conceito de tratamento de problemas de saúde em longo prazo (ORGANIZAÇAO MUNDIAL DA SAUDE, 2003; MENDES, 2009). 21 A organização Mundial da Saúde sintetiza em dez enganos generalizados, as idéias equivocadas ou os mitos de que as doenças crônicas são uma ameaça distante ou menos importante que as condições agudas (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2005; MENDES, 2009): Mito 1 - As doenças crônicas afetam principalmente os países de alta renda. Isso não é verdade porque quatro de cada cinco mortes por doenças crônicas acontecem em países de baixa e media renda; Mito 2 - Os países de baixa e média renda deveriam controlar as doenças infecciosas antes das doenças crônicas. Isso não é verdade porque esses paises apresentam uma dupla ou tripla carga das doenças e estão no centro de antigos e novos desafios de saúde pública; Mito 3 - As doenças crônicas afetam principalmente as pessoas ricas. Isso não é verdade porque, em geral, as pessoas mais pobres, mais provavelmente que as ricas, irão desenvolver doenças crônicas e é mais provável que morram em conseqüência disso; Mito 4 - As doenças crônicas afetam as pessoas de idade. Isso não é verdade porque quase metade das mortes causadas por doenças crônicas ocorre prematuramente, em pessoas com menos de 70 anos de idade, e um quarto das mortes são em pessoas de menos de 60 anos de idade; Mito 5 - As doenças crônicas afetam primordialmente os indivíduos do sexo masculino. Isso não é verdade porque as doenças crônicas, inclusive as doenças cardiovasculares, afetam as mulheres e homens de maneira quase igual; Mito 6 - As doenças crônicas são resultados de estilo de vida não saudáveis. Isso não é verdade porque leva a uma vitimização das pessoas portadoras de doenças crônicas e a responsabilização individual só pode ter efeito total onde as pessoas têm acesso igual a uma vida saudável e recebem apoio para tomar decisões saudáveis; Mito 7 - As doenças crônicas não podem ser prevenidas. Isso não é verdade porque as principais causas das doenças crônicas são conhecidas e, se esses fatores de risco fossem eliminados, pelo menos 80% de todas as doenças cardíacas e do diabetes de tipo 2 poderiam ser evitados e 40% dos cânceres poderiam ser prevenidos; 22 Mito 8 - A prevenção e o controle das doenças crônicas são caros demais. Isso não é verdade porque há uma gama de intervenções sobre as doenças crônicas que são economicamente viáveis e propiciam um ótimo retorno para os investimentos, mesmo nas regiões mais pobres; Mito 9 - Meu avô fumou e viveu acima do peso até os 90 anos de idade. Isso não é verdade porque em qualquer população haverá certo número de pessoas que não demonstra os padrões típicos observados na grande maioria, o que não significa que tabagismo e excesso de peso deixem de ser fatores de risco importantes nas doenças crônicas; Mito 10 - Todo mundo tem de morrer de alguma coisa. Certamente todos terão de morrer um dia, mas a morte não precisa ser lenta, nem prematura, nem com sofrimento prolongado. A morte é inevitável, mas o sofrimento desnecessário não (MENDES, 2009). A razão técnica da crise dos sistemas de atenção à saúde se explica pelo fato das soluções apresentadas para o enfrentamento das condições agudas, serem utilizadas para as condições crônicas que são normalmente percebidos pelas próprias pessoas por meio da atenção à demanda espontânea, principalmente em unidades de pronto atendimento ambulatorial ou hospitalar. Não se dá atenção à necessidade de um acompanhamento contínuo nos momentos silenciosos das condições crônicas que envolvem constantemente. Portanto, o modelo de atenção para as condições agudas não são apropriadas para a atenção das condições crônicas. Infelizmente, esse modelo ainda é muito valorizado pelos políticos, pelos gestores, pelos profissionais de saúde, e principalmente, pela população que carente de informação e educação sanitária influenciada pela mídia e pelos interesses mercadológicos exerceu a pressão sobre o sistema para garantir a existência desse modelo (MENDES, 2009). Portanto, há que se buscar um novo modelo de sistema de atenção à saúde mudando a lógica predominante mudando-a radicalmente para uma lógica que além de dar respostas às condições agudas e aos momentos de agudização das condições crônicas nas unidades de pronto atendimento ambulatorial e hospitalar, tenha uma estrutura organizada para o seguimento contínuo e pró-ativo, dos portadores de condições crônicas, sob a coordenação da equipe da atenção primaria à saúde, e com apoio dos serviços de atenção secundária e terciária da rede de atenção, atuando de forma integrada sobre os determinantes sociais da 23 saúde, sobre os fatores de risco e, sobre as condições de saúde manifestas e suas seqüelas (MENDES, 2009). 4. ANÁLISES DO SISTEMA DE ATENÇÃO À SAÚDE BRASILEIRA A organização atual do sistema de atenção à saúde se estrutura na formação de REDES compostas por pontos de atenção distribuídos de forma hierarquizada por nível de complexidade que de forma integral e integrada devem produzir os cuidados necessários para a solução das necessidades do cidadão. Na prática o modelo da atenção adotada privilegia as condições e eventos agudos sendo inadequada ou ineficiente para o cuidado das condições crônicas. O Ministério da Saúde concebe essa estrutura que tem produzido poucos efeitos eficazes sobre as condições de saúde de sua população. A característica desse sistema é marcada pela fragmentação da atenção sustentada pelo modelo hegemônico e pelos diversos fatores que influenciam a lógica de seu funcionamento. São organizados pontos de atenção que se isolam e não se comunicam, ou seja, os níveis de atenção primária, secundária e terciária mantêm-se isolados. Não tem uma população ou subpopulação adscrita de responsabilização. Segundo Mendes (2009), nos sistemas de atenção à saúde, vige uma visão de uma estrutura hierárquica, definida por níveis de “complexidades” crescentes, e com relações de ordem e graus de importância entre os diferentes níveis, o que caracteriza uma hierarquia. Essa concepção está presente no SUS. Os sistemas de atenção à saúde movem-se numa relação dialética entre fatores contextuais (como envelhecimento da população, transição epidemiológica e avanços científicos e tecnológicos) e os fatores internos (como cultura organizacional, recursos, sistemas de incentivos, estrutura organizacional e estilo de liderança e de gestão). Os fatores contextuais que são externos ao sistema de atenção à saúde mudam em ritmo mais rápido que os fatores internos que estão sob a governabilidade setorial. Isso faz com que os sistemas de atenção à saúde não tenham a capacidade de adaptarem-se, em tempo, as mudanças contextuais, especialmente demográficas e epidemiológicas. Isso explica a crise universal dos sistemas de atenção à saúde que foram concebidos e desenvolvidos com uma 24 presunção de continuidade de uma atuação voltada para as condições e eventos agudos e desconsiderando a epidemia contemporânea das condições crônicas (BENGOA, 2008; MENDES, 2009). A conclusão que se obtém em todo o mundo é que o problema da eficácia dos sistemas de atenção à saúde reside no fato de que as respostas dadas às necessidades e condições de saúde da população estão suportadas por um sistema fragmentado e incapaz de resolver a situação de transição epidemiológica completa nos paises desenvolvidos ou de dupla ou de tripla carga de doenças nos países em desenvolvimento, além disso, há ainda o impacto da tecnologia de saúde nos custos crescentes do sistema o que torna os recursos da saúde cada vez mais escassos e insuficientes. Essa incongruência caracteriza a crise do sistema público Brasileiro e para superá-la tem que buscar a alternativa de substituição pelas redes de atenção à saúde capaz de enfrentar as condições crônicas da saúde (MENDES, 2009). 5. REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE: FUNDAMENTOS, CONCEITO E ELEMENTOS CONSTITUTIVOS. 5.1 FUNDAMENTOS As propostas de redes de atenção à saúde são recentes, tendo origem nas expectativas de sistemas integrados de saúde, surgidas na primeira metade dos anos 90 nos Estados Unidos. Dali avançou pelos sistemas públicos da Europa Ocidental e para o Canadá, até atingir, posteriormente, alguns países em desenvolvimento (MENDES, 2009). Segundo Mendes (2009), para se obter a organização de redes de forma efetiva, eficiente e com qualidade tem que ser baseada nos fundamentos: economia de escala, disponibilidade de recursos, qualidade e acesso; integração horizontal e vertical; processos de substituição; territórios sanitários; níveis de atenção. A economia de escala ocorre quando os custos fixos de um determinado serviço diminuem quando da ocorrência do aumento da produção. Ou seja, o volume 25 de produção dentro da capacidade instalada reduz o custo fixo em relação ao custo unitário. A economia de escala é fundamental nos serviços de saúde para garantir eficiência e a correlação existente com a organização das redes é quanto à complexidade e custo do serviço prestado bem como a disponibilidade dos recursos para produção desse serviço. Portanto, a economia de escala tem sido aplicada levando em consideração a disponibilidade dos recursos sejam eles humanos, físicos e financeiros. Os serviços que devem ser ofertados mais próximos às populações são aqueles que não se beneficiam da economia de escala e o fator fundamental é a acessibilidade dos usuários ao atendimento. Os que são concentrados são aqueles que a distância tem menor impacto sobre o acesso, os recursos são escassos e a economia de escala viabiliza a sustentabilidade do serviço (MENDES, 2009). A escassez de recursos é um indicativo para a decisão de concentrar ou não as atividades. As dificuldades de ofertas de profissionais ou de tecnologias que exigem investimentos altos são exemplos para a concentração desses recursos para garantia de sustentabilidade. Outro fator importante do sistema de atenção à saúde é a qualidade. O serviço deve ser submetido às medidas de desempenho nos níveis de estrutura, processos e resultados produzindo a oferta de assistência voltada para as necessidades das pessoas. Essa assistência de qualidade ocorre se for medida por meio de padrões pré-definidos em programas de controle; se forem ofertadas em tempo oportuno; se forem seguras para os profissionais de saúde e para os usuários; se forem realizadas de forma humanizada e equitativas. O acesso, segundo Donabedian (1973; MENDES, 2009), tomado como acessibilidade aos serviços de saúde, é a capacidade de um sistema de atenção à saúde responder às necessidades de saúde de uma população, distinguidas por dois tipos de acessibilidade: a sócio-organizacional, que inclui características da oferta de serviços e a geografia que se relaciona ao espaço e que pode ser medida pela distância e tempo de locomoção, custos de transporte etc. Para a organização Mundial de saúde o conceito de acesso é baseado na cobertura efetiva, entendida como a proporção da população que necessita de um determinado procedimento de saúde e que o consegue efetivamente (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE, 2001; MENDES, 2009). 26 Segundo Mendes (2009), a situação ótima nas redes de atenção à saúde é dada pela concomitância de economia de escala e serviços de saúde de qualidade acessíveis prontamente aos cidadãos. A integração horizontal e vertical são conceitos que vem da teoria econômica e que estão associados a concepções referentes às cadeias de produção. A integração horizontal ocorre entre unidades produtivas iguais obtendo ganhos de escala, maior eficiência e competitividade. Um exemplo de integração horizontal é quando dois hospitais se fundem num só, aumentando a escala pelo somatório de leitos, diminuindo custos e unificando os serviços de apoio e administrativos. A integração vertical se faz com as unidades produtivas diferentes configurando uma cadeia produtiva com maior agregação de valor. O exemplo é a rede SUS formada por diversos serviços de proprietários diferentes que são integrados por uma gestão única de tal forma que os diversos pontos da rede são articulados por meio de uma comunicação eficiente entre as unidades da atenção primária até a terciária por meio de sistemas logísticos potentes (Mendes, 2009). O processo de substituição, outro fator importante, é definido como o reagrupamento contínuo de recursos entre e dentro dos serviços de saúde para explorar soluções melhores e de menores custos, ou seja, podem ser organizados para se produzirem melhores resultados sanitários e econômicos (SALTMAN E FIGUERAS, 1997; MENDES, 2009). Os processos de substituição são importantes para o alcance dos objetivos das redes de atenção à saúde de prestar a atenção certa, no lugar certo, com o custo certo e no tempo certo. A substituição pode ocorrer nas redes de atenção a saúde, nas dimensões da localização, das competências clínicas, da tecnologia e da clínica (HAM et. al., 2007; MENDES, 2009). Exemplos de substituição: locacional quando muda o lugar da assistência prestada, do hospital para o domicilio; tecnológica, medicamento substituindo um procedimento cirúrgico; competências clínicas as funções médicas transferidas para outros profissionais como enfermeiros, fisioterapeutas, etc; e por último a substituição clínica que passa do cuidado profissional para o autocuidado. Segundo Christensen, (2009) essas substituições são o que ele denomina de solução de ruptura que irá proporcionar a acessibilidade à maioria das pessoas. Os territórios sanitários são delimitados em sistemas de saúde que se organizam pelo princípio da gestão compartilhada. Uma base populacional é definida para o alvo das ações de saúde. 27 Outro conceito fundamental na constituição de redes de atenção é o de nível de atenção, que são arranjos produtivos estruturados de acordo com as densidades tecnológicas indo do nível de menor densidade, a atenção primária à saúde, passando pelo nível secundário até para o de maior densidade, que são os serviços de que agregam maior densidade tecnológica, a atenção terciária. Esses níveis são fundamentais para o uso racional dos recursos e para definir o papel de cada ente integrante de governança das redes de atenção (MENDES, 2009). Na prática social há que se combinarem os territórios sanitários com os níveis de atenção à saúde na construção das redes de atenção à saúde (MENDES, 2009). 5.2 CONCEITO A Organização Mundial da Saúde considera que as Redes de atenção à saúde contêm seis modalidades de integração: 1) um conjunto amplo de intervenções preventivas e curativas para uma população; 2) os espaços de integração de vários serviços; 3) a atenção à saúde contínua, ao longo do tempo; 4) a integração vertical de diferentes níveis de atenção; 5) a vinculação entre a formulação da política de saúde e a gestão; 6) e o trabalho intersetorial. A partir dessas modalidades produz uma conceituação de serviços integrados de saúde como a gestão e a oferta de serviços de saúde de forma a que as pessoas recebam um contínuo de serviços preventivos e curativos, de acordo com suas necessidades, ao longo do tempo e por meio de diferentes níveis de atenção à saúde (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2008; MENDES, 2009). Outra definição, obtida após análise de várias conceituações é a de uma organização poliárquica de conjuntos de serviços de saúde, vinculados entre si por uma missão única, por objetivos comuns e por uma ação cooperativa e interdependente, que permitem ofertar uma atenção contínua e integral a determinada população coordenada pela atenção primária à saúde – prestada no tempo certo, no lugar certo, com o custo certo, com a qualidade certa, de forma humanizada e com equidade – com responsabilidades sanitárias e econômicas 28 gerando valor para a população. Somente a atuação de uma rede de atenção à saúde vai gerar valor para a população. O valor da atenção à saúde se expressa na relação entre a qualidade dos resultados econômicos, clínicos e humanísticos e os recursos utilizados no cuidado da saúde (MENDES, 2009). 5.3 ELEMENTOS CONSTITUTIVOS São três elementos fundamentais que constituem as redes de atenção à saúde: uma população, uma estrutura operacional e um modelo de atenção à saúde. A população é a razão de ser de uma rede de atenção à saúde e é organizada em territórios sanitários com cadastramento das famílias, a classificação das famílias por riscos sócio-sanitários; a vinculação das famílias à unidade de atenção primária à Saúde/Equipe do Programa de Saúde da Família; a identificação de subpopulações com fatores de riscos; a identificação das subpopulações com condições de saúde estabelecidas por grau de riscos; e a identificação de subpopulações com condições de saúde muito complexas. Na concepção de redes de atenção à saúde cabe à atenção primária à saúde a responsabilidade de articular-se, intimamente, com a população, o que implica não ser possível falar-se de uma função coordenadora das redes de atenção à saúde se não se der, nesse nível micro do sistema, todo o processo de conhecimento e relacionamento íntimo da equipe de saúde com a população adscrita, estratificada em subpopulações e organizada em bases familiares (MENDES, 2009). A estrutura operacional das redes, o segundo elemento constitutivo, é formada por cinco componentes: o centro de comunicação à atenção primária à saúde, que é o nó intercambiador no qual se coordenam os fluxos e os contrafluxos do sistema de atenção à saúde e é constituído pela atenção primária da saúde ou PSF; os pontos de atenção à saúde secundária e terciária, conceitualmente são nós das redes onde se ofertam determinados serviços especializados, gerados através de uma função de produção singular. Eles se diferenciam por suas respectivas 29 densidades tecnológicas, sendo os pontos de atenção terciária mais densos tecnologicamente que os pontos de atenção secundária; os sistemas de apoio (sistemas de diagnóstico terapêutico, assistência farmacêutica e sistemas de informação) são os lugares institucionais que onde se prestam serviços comuns a todos os pontos de atenção à saúde; os sistemas logísticos (cartão de identificação das pessoas usuárias, prontuário clínico, sistemas de acesso regulado à atenção e sistemas de transporte) são soluções em saúde, fortemente ancoradas nas tecnologias de informação, que garantem uma organização racional dos fluxos e contrafluxos de informações, produtos e pessoas nas redes de atenção à saúde, permitindo um sistema eficaz de referência e contrareferência das pessoas e trocas eficientes de produtos e informações, ao longo dos pontos de atenção à saúde e dos sistemas de apoio nas redes de atenção à saúde ; e o sistema de governança da rede de atenção à saúde, definida pela Organização das Nações Unidas como o exercício da autoridade política, econômica e administrativa para gerir os negócios do Estado. É o arranjo organizacional que permite a gestão de todos os componentes das redes de atenção à saúde e cria uma missão e uma visão, define metas e objetivos para serem cumpridos no curto, médio e longo prazos, articula as políticas institucionais e desenvolve as competências gerenciais dos diversos atores do sistema (MENDES, 2009). O terceiro elemento é o modelo de atenção à saúde que é um sistema lógico organizado para o funcionamento das redes de atenção à saúde, articulando, de forma singular, as relações entre a população e suas subpopulações estratificadas por riscos, os focos das intervenções do sistema de atenção à saúde e os diferentes tipos de intervenções sanitárias, definindo em função da visão prevalecente da saúde, das situações demográficas e epidemiológicas e dos determinantes sociais da saúde, vigentes em determinado tempo e em determinada sociedade. A necessidade de se mudarem os sistemas de atenção à saúde para que possam responder com efetividade, eficiência e segurança às situações de saúde dominadas pelas condições crônicas, levou ao desenvolvimento dos modelos de atenção à saúde que podem ser direcionadas tanto às condições crônicas como para as condições agudas (MENDES, 2009). O modelo de atenção às condições agudas produz respostas aos eventos agudos originados das agudizações das condições crônicas. O objetivo desse modelo é identificar, no menor tempo possível, a gravidade de uma pessoa 30 em situação de urgência ou emergência e definir o ponto de atenção adequado para aquela situação, considerando-se, como variável crítica, o tempo de atenção requerido pelo risco classificado. Isto tem como implicação a adoção de um modelo de triagem de riscos nas redes de atenção à urgência e emergência (MENDES, 2009). O modelo de atenção crônica foi desenvolvido pela equipe do Maccoll Institute for Healthcare Innovation, nos Estados Unidos, a partir de uma ampla revisão da literatura internacional sobre a gestão das condições crônicas. O modelo da atenção crônica foi proposto como resposta a grandes desafios colocados pela emergência das condições crônicas que são: 1) A implantação do novo modelo de atenção crônica deve ser uma prioridade das organizações de saúde e de seus principais lideres e parte essencial dos planos estratégicos; 2) A atenção crônica deve envolver uma equipe multidisciplinar que atua com atendimentos programados e monitoramento das pessoas usuárias, programados com base em diretrizes clinicas construídas por evidências. Esses atendimentos podem ser individuais ou coletivos e incluem atenção às agudizações das condições crônicas, ações preventivas, educacionais e de autocuidado apoiado; 3) As decisões devem estar suportadas por diretrizes clinicas; 4) Deve-se utilizar do prontuário eletrônico para registro de toda informação relativa à condição crônica do usuário; 5) As tecnologias de autocuidado apoiado devem ser parte essencial do modelo de atenção crônica. Isto significa fortalecer as pessoas para estabelecer suas metas, participar da elaboração de seus planos de cuidado e identificar e superar as barreiras que se antepõem à sua saúde; 6) Deve-se buscar uma integração entre os recursos das organizações de saúde com os recursos existentes na comunidade (WAGNER, 2002; MENDES, 2009). O modelo de atenção às condições crônicas (MACC) foi proposto por Mendes (2007a) para ser aplicada no SUS. As variáveis incorporadas ao MACC foram: diretrizes clínicas baseadas em evidência; sistema de identificação das pessoas usuárias; estratificação da população em subpopulações por riscos; registro das pessoas usuárias por condição de saúde e por riscos; prontuários eletrônicos; sistema de lembretes, alertas e feedbacks como funcionalidades dos prontuários 31 eletrônicos; sistema de acesso regulado a atenção à saúde; com continuidade da atenção; oferta de cuidados primários, secundários e terciários integrados; atenção integral: oferta de cuidados promocionais, preventivos, curativos, cuidadores, reabilitadores e paliativos; plano de cuidado individual; autocuidado apoiado; uso de ferramentas de gestão clinica: gestão das condições de saúde e gestão de caso; coordenação da rede de atenção à saúde pela atenção primária à saúde; suporte especializado à atenção primária à saúde; educação permanente dos profissionais de saúde; educação em saúde das pessoas usuárias; presença de profissional de Saúde Comunitária; e articulação do sistema de atenção à saúde com os recursos comunitários (MENDES, 2007a; MENDES, 2009). 6. O SISTEMA DE FINANCIAMENTO O financiamento das ações de saúde vigente é o baseado no procedimento do ato medico ou de saúde. Não poderia ser diferente, pois esse sistema reflete o modelo de atenção às doenças na fase aguda. Não foram consideradas as condições crônicas existentes. O poder público, representado pelos gestores nas diversas esferas administrativas, tem o foco no resultado mais imediato o que justifica o financiamento com maior intensidade nas ações relacionadas com condições agudas da doença. Os investimentos em ações das doenças crônicas dão retorno de médio a longo prazo. O alinhamento dos objetivos de uma rede de atenção à saúde com o sistema de financiamento é fator critico de sucesso para o alcance dos resultados propostos. Como pensar em desenvolver ações de promoção à saúde se o sistema de financiamento estiver estruturado em pagamentos por procedimentos? No SUS bem como na saúde suplementar o financiamento é estruturado por pagamento por procedimentos. O instrumento instituído pelo SUS, PPIprogramação pactuada intergestores – dá evidências dessa incongruência. O orçamento da saúde é realizado considerando a população do município atribuindose um valor percapta para se chegar ao montante do recurso. A alocação dos recursos faz-se de acordo com os níveis de atenção primária, secundária e terciária tendo como parâmetros assistenciais definidos pela série histórica e pela ocorrência 32 prevista na população. O perfil epidemiológico, da população localizada em regiões, não é levada em consideração na PPI e o resultado é o financiamento de ações fragmentadas e ineficazes. Existem formas distintas de pagamento nos diversos pontos de atenção de uma rede. São eles: unidade de serviço, procedimentos que compõem a linha de cuidado, diária, capitação, salário, elemento de despesa orçamentário ou orçamento global. Alguns pontos parecem consensuais em relação aos sistemas de pagamento nas redes de atenção à saúde: os prestadores de serviços respondem aos incentivos positivos e negativos contidos em cada forma de pagamento; exigese certo nível de capacidade gerencial para tornar qualquer método eficaz; os métodos de pagamento que geram incentivos mais positivos tendem a apresentar custos administrativos mais altos; os gestores estão se movendo das formas de pagamento por subsídio à oferta para formas de pagamento por subsídio à demanda; a forma de pagamento deve induzir a algum compartilhamento de riscos financeiros com os prestadores de serviços; e a forma de pagamento de fazer parte de um contrato de gestão com base em seu desempenho (BARNUM et. al., 1995; ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2000; MENDES, 2009). Uma análise das experiências internacionais de financiamento de redes de atenção à saúde permite extrair algumas tendências. Em termos do contexto, deve-se buscar a definição de territórios sanitários que permitam alcançar maior escala para melhorar a equidade, a eficiência, a qualidade e reduzir os custos administrativos e a racionalização da oferta. Os entes de governança das redes necessitam de ter um orçamento definido sob o qual tenham responsabilidade: a possibilidade de gestão das redes de atenção à saúde exige um orçamento e a autonomia de sua gestão pelos entes de governança. Em sistemas descentralizados com múltiplas fontes financeiras, a sustentabilidade das redes de atenção à saúde depende, cada vez mais, de um fundo comum que agregue os recursos de diferentes fontes e os coloque sob comando dos entes de governança. O mecanismo de financiamento per capita ajustado torna-se mais comum porque permite financiar um pacote amplo de serviços ofertados, promover a equidade, conter os custos e financiar os investimentos das redes de atenção à saúde. Todas as formas de financiamento devem estar amarradas a contratos de gestão que fixem 33 bônus e sanções financeiras. E bons contratos exigem sistemas padronizados de custos (LAFORGIA, 2007; MENDES, 2009). A portaria de nº 1721, de 21 de setembro de 2005, Ministério da Saúde, criou o programa de reestruturação e contratualização dos hospitais filantrópicos no sistema único de saúde - SUS. O setor filantrópico é importante para o sistema único de saúde, pois complementa a rede publica na oferta de leitos hospitalares. No artigo 2º da portaria são definidas as ações estratégicas, fundamentadas nos princípios e diretrizes do SUS: I- Identificação do perfil assistencial, do papel da instituição e de sua inserção articulada e integrada com a rede de serviços de saúde do SUS; II- definição das responsabilidades dos hospitais e dos gestores na educação permanente e na formação de profissionais de saúde; III- qualificação do processo de gestão hospitalar em razão das necessidades e da inserção do hospital na rede hierarquizada e regionalizada do sistema único de saúde – SUS. No artigo 3º estabelece que as ações estratégicas de que trata o artigo 2º desta portaria sejam definidas e especificadas mediante processo de contratualização com o estabelecimento de metas e indicadores, que deverá ser aprovado pela Comissão Intergestores Bipartite – CIB- e homologado pelo ministério da saúde. A reação do setor filantrópico representado pelas Federações e Confederação Brasileira dos hospitais filantrópicos foi de cautela diante da situação nova. A representação da classe médica teve uma reação mais contundente, pois a contratualização tornou-se uma ameaça ao modelo hegemônico. No informativo da Associação médica do Rio Grande do Sul, ano 3, nº2 – junho de 2006 foi divulgado a conclusão do Fórum das Entidades Médicas e hospitalares em prol da saúde. Sobre as ameaças da contratualização: • A remuneração dos médicos ficará na dependência da administração dos recursos do hospital (sempre insuficientes); • Se faltar dinheiro a prioridade será para a comida dos pacientes, raiosX, exames, medicamentos, etc; • É possível que o hospital contrate médicos por CLT no número suficiente para atender as suas demandas e aqueles que atendam demandas do plantão, do consultório, etc, perdem pacientes e oportunidades; 34 • O médico perde autonomia porque deverá seguir normas do hospital quanto aos tipos de medicamentos, exames e procedimentos de acordo com a planilha de custos; • O risco de erros aumenta e de processos também e a responsabilidade é do medico que atende e gerencia o tratamento do paciente; • O médico não foi chamado para discutir ou opinar sobre o contrato que define sua atuação. Em que pese às distorções do processo de contratualização, principalmente, no critério de definição do orçamento global para a assistência da media complexidade, feita a partir da série histórica de um ano de atendimento, mantendo as distorções do sistema fragmentado, é uma tentativa de mudar o sistema de financiamento suportando a migração de um sistema fragmentado para um sistema de Redes hierarquizadas em níveis de complexidade. O próximo passo é evoluir para a implantação de redes de atenção à saúde com ênfase na gestão de doenças crônicas. 7. SISTEMA DE SAÚDE SUPLEMENTAR - CONTEXTO A constituição de 1988, no artigo 199, define a assistência à saúde pela iniciativa privada seguindo as diretrizes do SUS. A lei que regulamenta o setor da saúde suplementar é a de número 9656/98 - Essa lei cria normas de funcionamento das operadoras de saúde estabelecendo garantias aos usuários do sistema quanto ao acesso de seus direitos. Para implementar essa política foi criada a AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE - ANS, uma autarquia em regime especial com 42 atribuições, várias dizem respeito aos prestadores. Define índice de reajuste apenas para planos posteriores à edição da lei, pode multar, intervir e liquidar operadoras e pode multar prestadores. No artigo 4º da lei 9961, que cria a ANS, estabelece as suas competências: a) Estabelecer as características gerais dos instrumentos contratuais utilizados pelas operadoras; 35 b) Fixar critérios de credenciamento e descredenciamento; monitorar preços, inclusive de insumos; c) Fiscalizar abrangência das patologias e procedimentos; integrar informações com SUS; d) Requisitar informações de rede de serviços credenciados às operadoras; e) Fiscalizar cumprimento de legislação sanitária e epidemiológica; f) Normalização da adequação e utilização de tecnologias em saúde; g) Regular a adoção de mecanismos de regulação do uso dos serviços de saúde; h) E estimular a competição no setor de planos privados. Os desafios atuais das operadoras para a sustentabilidade passam pelo enfrentamento da pressão constante sobre os custos determinados pela incorporação de novas tecnologias, pelo envelhecimento da população, pela freqüência e duração dos tratamentos e pela falta de racionalização dos recursos disponíveis. A fragmentação da assistência não é diferente do ocorrido pelo sistema de atenção vigente, gerando informações desconectadas e sem um suporte de uma rede integrada com diversos pontos de atenção. A ênfase concentra-se no modelo de atenção aos eventos e condições agudas da saúde. A dispersão dos usuários de planos de saúde é um fator crítico para implementar programas de gestão da doença crônica considerando a importância do vinculo de uma população a uma equipe de saúde. Atender às expectativas, sempre crescentes, dos beneficiários na medida em que há melhora na informação e educação sanitária em relação às condições de saúde, colocam as operadoras na busca de um novo modelo de gestão do negócio plano de saúde - romper o modelo hegemônico da assistência à saúde vigente na atualidade - é o maior desafio das operadoras. A análise do contexto das operadoras de saúde, de acordo com o caderno de informação da saúde suplementar, março 2010 da ANS, projeta que o perfil da população usuária de planos de saúde, por faixa etária, sofrerá significativa mudança em 2030 comparada com 2010 com tendência do aumento da população mais idosa. A distribuição da população usuária de plano de saúde no ano 2000 era de 31,5% na faixa de 0 a10 anos; 57,7% na faixa etária de 20 a 50 anos; 10,8% acima de 60 anos. Comparada com a distribuição de 2009 observa-se uma mudança de composição das faixas etárias de 0 a 10 anos passou para 26,3%; de 20 a 50 36 anos aumentou para 62,4% e acima de 60 anos foi para 11,3%. O impacto da transição demográfica nos custos assistenciais é uma realidade e, ainda, associado a uma transição epidemiológica com prevalência das doenças crônicas, a persistência de doenças infecto-parasitárias e o reaparecimento de epidemias em áreas urbanas, potencializam esse contexto. No Brasil, alguns estudos investigaram as relações entre idade e gastos em saúde e demonstraram que além de mais freqüentes, as internações hospitalares entre os idosos são também mais prolongadas e custam mais, em virtude da multiplicidade de suas patologias quando comparadas às outras faixas etárias. Porém, segundo Kanamara e Vianna (2010), os gastos com saúde não se distribuem de maneira uniforme e a tendência é que uma minoria gaste muito, enquanto a grande maioria gaste pouco. Um dos grandes desafios da gestão em saúde é o manejo dos eventos mórbidos que resultam em gastos elevados. Na saúde suplementar são tímidas as iniciativas das operadoras na adoção de um modelo de atenção à saúde que enfatizam a promoção e a prevenção. A empresa pioneira que implantou um modelo de atenção focado nos três níveis de medicina preventiva foi a intermédica, cujas ações estão divididas em promoção da saúde com a educação para o autocuidado e hábitos de uma vida saudável; e no gerenciamento de doenças com atuação nos níveis secundários e terciários. O nível secundário está voltado para os benefícios com determinados problemas crônicos e específicos de saúde e gestão de risco. No nível terciário atendem os casos de alta complexidade. (Programa Qualivida-intermédica). Por fim, a ANS adota um programa de qualificação da saúde suplementar que tem por objetivo induzir o setor para a produção de saúde norteada pelos princípios: I- da avaliação da estrutura e do processo de produção das ações de saúde, assim como do impacto dessas ações na população beneficiária; II- a perspectiva de sistema; III- a avaliação de maneira sistemática e progressiva, com explicitação dos critérios utilizados para construção dos indicadores. Essa avaliação se desdobra em dois componentes: avaliação de desempenho das operadoras; e avaliação de desempenho da ANS. O desempenho da operadora é resultante da avaliação da qualidade em quatro dimensões: atenção à saúde; econômico- financeira; estrutura e operação; satisfação dos beneficiários. O desempenho do órgão regulador, a ANS, 37 é resultante da avaliação da qualidade em quatro eixos: qualificação da saúde suplementar; desenvolvimento institucional; sustentabilidade do mercado; articulação institucional. A ANS aposta na reversão do modelo de atenção à saúde vigente e na possibilidade de se reorganizar a prestação de serviços no setor de saúde suplementar, para que se paute pelos princípios de acesso necessário e facilitado com atendimento qualificado, integral e resolutivo de acordo com as necessidades e direitos de saúde dos beneficiários dos planos de saúde. O programa de qualificação da saúde suplementar é um convite a todos os atores envolvidos nessa área para a construção de um setor que: seja centrado no usuário,tenha realizações de promoção à saúde e prevenção de doenças, observe os princípios de integralidade e resolubilidade; tenha uma concepção de inclusão de todos os profissionais de saúde, respeite o controle social; esteja articulado com o Ministério da Saúde e cujo órgão regulador também se preocupe com a qualificação de seu processo regulatório. 38 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS Vencer os desafios da saúde pública e privada passa pela revisão de todos os elementos que constituem o sistema de atenção à saúde. Passa pelo redesenho das redes integradas de atenção, entendidas como a organização articulada dos pontos de saúde capazes de atender às necessidades da população, cuja porta de entrada é a atenção primária. Em toda parte do mundo vários estudos e experiências são realizados para encontrar o modelo que melhor atenda às necessidades da população e o que há de comum em todos eles é a constatação da falência do modelo de assistência focada nas condições agudas e na agudização das condições crônicas. Outro fator comum é o envelhecimento da população que eleva as condições crônicas e, como conseqüência, o aumento dos custos dessa assistência. No Brasil a crise do sistema de saúde não é diferente e é caracterizada pela dupla ou tripla carga de doenças suportada pelo modelo assistencial fragmentado. A formação de redes integradas e equilibradas de atenção à saúde são soluções para o atendimento tanto das condições agudas quanto das condições crônicas. A inovação é fundamental para estruturação do sistema de atenção à saúde. A inovação por meio da ruptura dos serviços e produtos existentes consiste em torná-los mais acessíveis à população por meio da mudança de três elementos: o primeiro, desenvolver tecnologia sofisticada com o propósito de simplificar os processos de produção ganhando tempo e qualidade; o segundo, é desenvolver um modelo de gestão inovador e de baixo custo oferecendo soluções simplificadas de modo lucrativo e acessíveis e o terceiro, é utilizar-se de uma cadeia de valor inteiramente nova constituída por empresas com modelos econômicos disruptivos, ou seja, que produzem com processos inovadores e contribuam para a melhoria do acesso e do custo assistencial. A educação sanitária do usuário é importante para a mudança e implementação de um novo sistema de saúde, pois na prevalência das doenças crônicas, o autocuidado é essencial para a obtenção de resultados de controle das doenças. A consciência e o entendimento da doença proporcionam ao usuário um uso adequado do sistema sem desperdício dos recursos escassos da saúde. Quanto aos profissionais de saúde, sobretudo os médicos, têm que vencer as resistências quanto à transição do modelo de remuneração centrado no procedimento para outro modelo que garanta uma assistência integral. Não se tem 39 um consenso sobre qual modelo seria o mais adequado para a remuneração. A certeza é que o pagamento por procedimento produz distorções no sistema provocando a realização de procedimentos desnecessários e a experiência que está sendo feita pelo SUS com a contratualização dos serviços estabelecendo metas quantitativas e qualitativas e o pagamento por orçamento global, ainda não se tem dados para se chegar a uma conclusão. Quanto à formação dos profissionais de saúde, deve sofrer uma mudança para capacitar profissionais para a nova situação. O modelo de rede de atenção à saúde tem que ser reestruturado, tendo como porta de entrada a atenção primária, com a função de organização, controle e regulação ao acesso dos recursos do sistema para satisfazer às necessidades e demandas da população. Essa mudança significará uma quebra de paradigma tendo a atenção primária à saúde mais qualificada, com mais densidade tecnológica, com mais recursos financeiros, com equipe multiprofissional, além do entendimento dos gestores, nas três esferas federativas, da necessidade de se aplicar maiores investimentos de toda ordem para o fortalecimento da atenção primária. Portanto, rever todos os papéis dos diversos atores distribuídos na rede de atenção, promovendo rupturas nos modelos de gestão, nos modelos assistenciais, no modelo de financiamento, na formação dos profissionais de saúde e, sobretudo, na educação sanitária dos usuários são os fatores críticos para o sucesso das novas soluções para o novo modelo de sistema de atenção à saúde da população. A estrutura de financiamento deve acompanhar o modelo voltado às condições crônicas, promovendo alinhamento entre os incentivos econômicos com os objetivos sanitários, pois a forma atual de financiamento estimula a oferta dos serviços cada vez mais caros tendo como objetivo o lucro. O financiamento deve ser capaz de estimular a oferta de ações direcionadas à promoção e prevenção da saúde. Essa solução se aplica à saúde suplementar na medida em que está submetida às políticas e diretrizes do sistema de saúde dos brasileiros. 40 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Agência nacional de saúde. Caderno de Informação da Saúde Suplementar. março de 2010. Banco Mundial, Enfrentando o desafio das doenças não transmissíveis no Brasil. Brasília, Unidade de Gerenciamento do Brasil, Relatório no 32576-BR, 2005. BARNUM, H. et. al., Incentives and provider payment methods. Washington, Human Development and Operation Policy, HROWP no. 51 1995. BENGOA, R. Empantanados. Revista de Innovatión Sanitaria y Atención Integrada, 1:1, 2008 BOSI, M. F. Dilemas e Escolhas de Saúde. Medbook, 2008. CHRISTENSEN, C. M. et al. Inovação na Gestão da Saúde: a receita para reduzir custos e aumentar qualidade. Porto Alegre: Bookman, 2009. Donabedian, A. Aspects of medical care administration, Boston, Harvard University Press, 1973. FRENK, J. et. al., La transición epidemiológica em America latina. Boletin de La Oficina Sanitária Panamerican, 111: 458-496, 1999. HAM, C. et.al, Getting the basics rights: final reports on the care closer to home, making the shift programme. Warwick, Institute for Innovation and Improvement, 2007. HOLMAN, H.; LORIG, K. – Patients as partners in managing chronic disease. British Medical Journal, 320: 526-537, 2000. LAFORGIA, G. Financiamento, incentivos financeiros e sistemas de pagamento para a conformação de redes: experiências internacionais. Brasília, Oficina sobre redes de atenção à saúde, Ministério da Saúde/CONASS/CONASEMS, 2007 MENDES, E.V. Uma agenda para saúde. São Paulo, Ed. Hucitec, 2ª Ed.., 1999 41 MENDES, E.V. Revisão bibliográfica sobre redes de atenção à saúde. Belo Horizonte, Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, 2007a MENDES, E. V. As Redes de Atenção à Saúde. Belo Horizonte: ESP- MG, 2009. Ministério da Saúde – Cuidado integral de doenças crônicas não –transmissíveis: promoção da saúde, vigilância, prevenção e assistência. Brasília, SVS/SAS/SE/INCA/ANS/MS, 2008. Organização mundial da Saúde - Cuidados inovadores para condições crônicas: Componentes estruturais de ação. Brasília, Organização mundial da Saúde, 2003. SALTMAN, R. B., FIGUERAS, J. European health care reforms: analysis of current strategies. Copenhagen, WHO, Regional Office for Europe,1997 SCHRAMM, J.M. A. et.al. – Transição epidemiológica e o estudo de carga de doença no Brasil. Ciência & Coletiva, 9:897-908, 2004. WAGNER, E. H. The changing face of chronic disease care. In: SCHOENI, P. Q. – Curing the system: stories of change in chronic illness care. Washington/ Boston, The national Coalition on Health Care/ The Institute for health improvement, 2002; Disponível em <www.amrigs.com.br> acesso em 8/05/2010 Disponível em <www.ans.gov.br> acesso em 21/04/2010 Disponível em <www.intermédica.com.br> acesso em 24/04/2010 Disponível em <www.saude.gov.br> acesso em 21/03/2010 42