O uso da Internet na produção jornalística diária do Caderno de Cidades do Jornal Correio da Paraíba Renata Escarião Parente1 Resumo Este trabalho pretende analisar a influência da internet na produção jornalística diária do caderno de Cidades do Jornal Correio da Paraíba. Pretendemos investigar como se dá a relação dos jornalistas com as fontes e como se dão os métodos de apuração diante das facilidades oferecidas pela rede mundial de computadores. Para efeito de análise, acompanhamos durante três semanas a produção diária de dois repórteres do Caderno, mapeando quais os caminhos utilizados para obtenção de informações que vão compor a notícia, bem como qual o papel que a internet representa nesta rotina produtiva. A análise foi feita à luz de autores como Traquina, Penna e Tuchman, quando se trata de rotinas jornalísticas, e Machado, Cardoso e Castells, entre outros, no que se refere à relação do jornalismo com a internet. Palavras-chave: Jornalismo. Apuração. Internet. Notícias. Rotina Produtiva. 1 INTRODUÇÃO Este trabalho pretende analisar a influência da internet na produção jornalística diária do caderno de Cidades do Jornal Correio da Paraíba. Pretendemos discutir de que forma o processo de informatização, que teve início na década de 90, com a chegada dos primeiros computadores à redação do Jornal, influencia hoje na produção do conteúdo diário do caderno de Cidades, levando em conta a consolidação do uso da internet na rotina produtiva. Pretendemos investigar como se dá a relação dos jornalistas com as fontes, e como se dão os métodos de apuração diante das facilidades oferecidas pela rede mundial de computadores, bem como quais as exigências de formação feitas pelo mercado a esses profissionais. O Jornal Correio da Paraíba é o periódico comercial de maior circulação do estado da Paraíba. Assim, representa substancialmente o cotidiano da produção jornalística diária em 1 Graduada em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo pela UFPB. Especialista em Redação Jornalística pela UnP. Ano VI, n. 09 – Setembro/2010 veículos comerciais impressos do estado, tanto pela demanda e produção de conteúdo quanto pela quantidade de profissionais contratados. Por sua vez, o caderno de Cidades do Jornal Correio é o que possui maior número de páginas e repórteres, bem como um número variado de temáticas das matérias, o que permite uma maior diversidade de formas de apuração. Tais características do caderno também exigem uma postura diferenciada dos repórteres, se comparado aos dos demais cadernos que compõem o Jornal. A demanda diária exige desses profissionais uma agilidade no trabalho de apuração, levando à escolha dos métodos mais eficazes para obtenção de informações. Por esse motivo, acreditamos que a análise desse caderno representa de forma consistente o que há de mais desafiador no trabalho diário de uma redação e pode representar um perfil do modo como se faz jornalismo diário na Paraíba nos tempos atuais. Para a realização deste trabalho utilizamos a metodologia da pesquisa qualitativa, que consideramos apropriada para quem tem por objeto de estudo “o homem em seu meio” (Marques apud Turato, 2005, p. 48). Este método permite produzir a teoria a partir do que é encontrado no ambiente analisado, da interpretação dos fenômenos, onde o ambiente natural é a fonte direta para coleta de dados. Para efeito de análise, acompanhamos durante três semanas (de 10 a 27 de março de 2010) a produção diária de dois repórteres do caderno, Luiz Carlos Lima, que trabalha no turno da manhã, e Flávio Asevedo, que trabalha no turno da tarde, mapeando quais os caminhos utilizados para obtenção de informações que vão compor a notícia, bem como que papel a internet representa nesse processo. Concluído o período de acompanhamento, elaboramos uma planilha com os resultados e, apoiados em entrevistas realizadas com os dois profissionais, analisamos os resultados e delimitamos hipóteses. A análise foi feita à luz de autores como Traquina (2005), Penna (2005) e Tuchman (1993), quando se trata de rotinas jornalísticas, e Machado (2002), Cardoso (2007) e Castells (2003), entre outros, no que se refere à relação do jornalismo com a internet. Incorporando inevitavelmente o computador e a internet como ferramentas de trabalho, os profissionais de jornalismo sofreram impacto direto desse novo ambiente informacional, que trouxe auxílios, mas também desafios. As mudanças vão desde a extinção de funções até a configuração do profissional multimídia, que aos poucos reconfigura sua posição de mediador. Como afirma Marques: Ano VI, n. 09 – Setembro/2010 O impacto da Internet na prática jornalística tem suscitado algumas questões de ordem técnica, ética, jurídica e profissional. Mudanças significativas são registradas em pelo menos quatro áreas básicas da produção jornalística: na forma como os jornalistas fazem seu trabalho, no conteúdo das notícias, na estrutura da redação e na produção industrial da notícia, e nas relações entre as empresas de comunicação e seus públicos. (MARQUES apud Pavilek, 2005, p. 14) A nova ferramenta facilitou o acesso a informações que ajudam de maneira ímpar o processo de apuração, o contato com fontes e a difusão de informações de maneira ilimitada. No entanto, dificultou o processo de seleção da notícia e trouxe desafios éticos ainda mais consideráveis. Independentemente dos meios e técnicas utilizados, ainda cabe aos profissionais da comunicação a tarefa de contribuir para uma interpretação do mundo e da sociedade que favoreça o pensamento crítico e a tomada de decisões na construção de uma sociedade melhor. O grande volume de notícias gerou a necessidade de um rigor na seleção do que vale a pena ser publicado. Se antes da informatização das redações era uma verdadeira batalha correr atrás da notícia, hoje o complicado é selecioná-la em meio a tantas informações. Através do estudo da produção diária do Jornal Correio da Paraíba, pretendemos analisar qual o peso da internet no trabalho diário nas redações e quais os principais desafios para o jornalista no âmbito da apuração, produção da matéria e relação com as fontes trazidas por essa nova forma de fazer jornalismo. 2 ROTINAS PRODUTIVAS: A REALIDADE NAS REDAÇÕES Ao longo de várias décadas, e depois de muitos estudos realizados sobre o jornalismo, é possível esboçar a existência de várias teorias que tentam explicar por que as notícias são como são, mesmo não sendo necessariamente independentes umas das outras. Assim, diversos estudos produziram uma vasta literatura com questionamentos sobre qual é o papel dos jornalistas na produção das notícias e qual o papel do jornalismo na sociedade – se um campo aberto que todos os agentes sociais podem mobilizar para as suas Ano VI, n. 09 – Setembro/2010 estratégias comunicacionais ou um campo fechado a serviço do sistema estabelecido (TRAQUINA, 2005). Mas, como revelou a socióloga Gaye Tuchman (apud Traquina, 2005) embora o propósito de fornecer relatos dos acontecimentos julgados significativos e interessantes pareça ser claro nesses estudos, esse objetivo é muito complexo. Segundo Pena (2005), com a convergência tecnológica, que traz a hibridação de contextos midiáticos e culturais em fluxos de informação com velocidade cada vez mais acelerada, o profissional da imprensa precisa ter uma informação sólida e específica para assumir o papel de mediador. Para o autor, a teoria do jornalismo se ocupa de duas questões básicas: por que as notícias são como são e quais são os efeitos que essas notícias geram. Pena (2005) explica que o primeiro questionamento preocupa-se fundamentalmente com a produção jornalística, mas também envereda pelo estudo da circulação da notícia. Esta, por sua vez, seria resultado da interação histórica e da combinação de uma série de vetores: pessoal, cultural, ideológico, social, tecnológico, midiático. Já quando se trata dos efeitos que essas notícias geram, Pena (2005, p.17) divide em afetivos, cognitivos e comportamentais, incidindo sobre pessoas, sociedades, culturas e civilizações. Considera também que tais efeitos influenciam a própria produção da notícia, em um movimento retroativo de repercussão. “Em suma, os diversos modelos de análise ocupamse da produção e/ou da recepção da informação jornalística”. Segundo Traquina (2005), não podemos compreender por que as notícias são como são apenas por fatores externos, sem compreender a cultura profissional da comunidade jornalística. De acordo com o autor, o jornalismo também é uma profissão marcada por rotinas, pois as organizações jornalísticas necessitam impor ordem no espaço e no tempo, já que os acontecimentos noticiáveis podem muito bem emergir a qualquer hora e em qualquer lugar. (2005, p. 31) Nelson Traquina reconhece uma “autonomia relativa” do jornalismo, mas considera também que a atividade é altamente condicionada, realizada em situações difíceis: O trabalho jornalístico é condicionado pela pressão da hora de fechamento, pelas práticas levadas a cabo para responder às exigências da tirania do fator tempo, pelas hierarquias superiores da própria empresa, e, às vezes, o(s) próprio(s) dono(s), pelo imperativo do jornalismo como um negócio, pela brutal competitividade, pelas Ano VI, n. 09 – Setembro/2010 ações dos diversos agentes sociais que fazem a “promoção” dos seus acontecimentos para figurar nas primeiras páginas dos jornais ou na notícia de abertura dos telejornais da noite. (TRAQUINA, 2005, p. 25) Para entendermos especificamente de que forma a internet tem influenciado a produção jornalística diária do Jornal Correio da Paraíba, é importante explicitarmos de que forma compreendemos a profissão e os desafios diários enfrentados pelo jornalista. Entre as tantas teorias do jornalismo surgidas a partir do século XIX, a que apresenta uma análise que melhor representa nossa compreensão sobre o cotidiano do jornalismo é a Teoria do Newsmaking, que está inserida numa perspectiva sociológica interacionista. Esta teoria emerge como novo paradigma nos anos 70 e tem a sistematização feita pelos autores Wolf (1987), Traquina (2005) e pela socióloga Tuchman (1993). De acordo com Pena (2005) a sistematização do Newsmaking feita por Traquina e Wolf leva em consideração que as normas ocupacionais enfrentadas pelo profissional parecem mais fortes do que as preferências pessoais na seleção e filtragem das notícias. O tempo é o eixo central do processo e o jornalista está sempre submetido à pressão do deadline, do fechamento da matéria. Pena (2005) explica que, de acordo com essa teoria, o jornalismo está longe de ser o espelho do real, mas sim a construção social de uma suposta realidade. Dessa forma, é no trabalho de enunciação que os jornalistas produzem os discursos, que, submetidos a uma série de operações e pressões sociais, constituem o que o senso comum das redações chama de notícia. Assim, de acordo com Pena (2005), a teoria defende que a imprensa não reflete a realidade, mas ajuda a construí-la. Esses pressupostos incluídos no modelo teórico do newsmaking levam em consideração critérios como noticiabilidade, valores-notícia, constrangimentos organizacionais, construção de audiência e rotinas de produção. Ou seja, embora a notícia não se esgote na sua produção, é com ela que esse modelo está preocupado. Tuchman quer dizer que o processo de produção da notícia é planejado como uma rotina industrial. Tem procedimentos próprios e limites organizacionais. Portanto, embora o jornalista seja participante ativo na construção da realidade, não há uma autonomia incondicional em sua prática profissional, mas a submissão a um planejamento produtivo. (...) Assim, uma suposta intenção manipuladora por parte do jornalista seria superada pelas imposições Ano VI, n. 09 – Setembro/2010 da produção jornalística. Ou seja, as normas ocupacionais teriam maior importância do que as preferências pessoais na seleção e filtragem das notícias. (PENA, 2005, p. 129) Ou seja, Pena explica que Tuchman considera de grande influência no processo de produção da notícia as rotinas e pressões as quais o profissional é submetido diariamente. Não são apenas as convicções pessoais ou os ditames organizacionais que definem as características das notícias como produto final. É um complexo conjunto de elementos que compõe as rotinas de produção que vai influenciar no processo. Segundo Traquina (2005), as notícias são resultado de processos complexos de interação social entre agentes sociais, que seriam os jornalistas e as fontes de informação, os jornalistas e a sociedade e os membros da comunidade profissional, dentro e fora da sua organização. As notícias seriam o resultado de um processo de produção composto pela percepção, seleção e transformação de uma matéria-prima, o acontecimento, em um produto final, a notícia. 2.1 APURAÇÃO: A ESPINHA DORSAL DO TRABALHO JORNALÍSTICO Luiz Costa Pereira Junior (2006, p.14) considera como premissa que os dilemas vividos numa redação começam já na raiz da atividade profissional – na validade do próprio testemunho jornalístico sobre os fatos que veicula – e marcam o trabalho do jornalista do momento em que ele colhe informações ao instante da formatação da notícia. Ocorre que o “produtor” da informação nunca é um só. No ciclo de produção da notícia, atuam sujeitos, veículos, convenções da rotina profissional e interesses corporativos. Há hierarquias, filtros, barganhas, hábitos incorporados, improvisos forçados pela pressão do fechamento, interstícios da organização, que tornam a informação resultado de uma manufatura, uma manipulação em cadeia nem sempre condicionada por apenas um agente produtivo. O preparo técnico, por si só, não é garantia de bom jornalismo. (PEREIRA, 2006, p. 14/15) Para o autor, os acontecimentos são produtos de estratégias. Aquilo que se considera como o real começa a virar “fato” ao ser “enquadrado” por certas convenções e procedimentos. Assim, de acordo com Pereira Junior, para “acontecer”, a “realidade” tem de ser embalada, codificada. Alvo de decisões e exclusões, produto de procedimentos e movimentos de todo modo arbitrários. Ano VI, n. 09 – Setembro/2010 O trabalho jornalístico seria, assim, o de explicar o encadeamento de eventos que produziram o fato, dando legitimidade a suas escolhas ao encadear o evento a outros. O acontecimento jornalístico será fruto não mais da relação habitual entre sujeito e objeto, “mas de uma lógica social que o faz dependente de uma relação articulada com outros eventos” (Pereira, 2006, p. 29). O autor define categoricamente qual o papel da apuração no processo de produção jornalística. Ele explica que a apuração de informações, a investigação, é a “pedra de toque da imprensa, seu álibi, a condição que faz um relato impresso ser jornalismo, não literatura. É a espinha dorsal do trabalho jornalístico” (Pereira, 2006, p. 73) Mas o que a apuração e a teoria do newsmaking têm de relação com o uso da internet no processo de produção que estamos analisando? Como Pereira (2006) explica, a própria natureza da atividade ajuda a tornar o processo impreciso. O ato de apurar e escrever na imprensa envolve tanto a retórica, tendo o público como horizonte, quanto a ética, que busca respeitar esse público e a realidade que se testemunhou para ele, além da técnica, que exige que se trabalhe sobre o verificável. Ou seja, o produto do trabalho jornalístico é sempre (ou pelo menos deveria ser) uma combinatória entre a retórica, a ética e a técnica. O jornalista não é só testemunha daquilo que o leitor não pôde ter acesso. Como afirma Pereira Junior (2006, p. 71) “é um processador das camadas verificáveis da realidade – não raro limitado à posição de verificador de fatos inacessíveis de forma direta”. Assim, o que distinguirá o jornalista serão os passos que der para atingir o “disponível”, que chamamos de real, seus critérios para não se deixar levar por falhas de percepção, pela rotina produtiva, pelo engano das fontes. Dessa forma, os caminhos que o profissional usa para construir a notícia – já que a Teoria do Newsmaking deixou claro que se trata de um processo complexo de construção que envolve diversos fatores – são essenciais para definir o direcionamento e a qualidade do “produto” que está sendo produzido. Portanto, as técnicas de apuração usadas ao longo da história do jornalismo andam de mãos dadas com os avanços tecnológicos, que oferecem ferramentas que facilitaram e tornaram eficazes esses processos de apuração, mas ao mesmo tempo trouxeram desafios. O uso de telefones nas redações e a disponibilização de equipes com motoristas e fotógrafos, por exemplo, mudaram substancialmente as condições de trabalho e alteraram a forma como se faz jornalismo, já que influenciaram o processo base da produção que é Ano VI, n. 09 – Setembro/2010 apuração, o modo de se relacionar com as fontes e, portanto, o modo como o profissional chega até a notícia. Nas últimas décadas, a incorporação do computador e da internet representa uma verdadeira revolução nas comunicações e no modo que se faz jornalismo. Portanto, analisando na próxima parte deste trabalho a influência que a internet exerce hoje na produção jornalística diária do caderno de Cidades do Jornal Correio da Paraíba, verificamos a forma como se faz jornalismo hoje na Paraíba. Analisamos também de que forma os profissionais têm utilizado essa ferramenta como facilitadora do trabalho de apuração e modo eficaz de garantir uma informação precisa e de qualidade. 3 O USO DA INTERNET COMO FERRAMENTA DE APURAÇÃO NO JORNAL IMPRESSO Segundo Cardoso (apud Colombo, 2007, p. 106), a ação de qualquer tecnologia, assim como a mídia, não pode ser considerada exterior à cultura e, portanto, interage com a cultura que a acolhe e modifica. O autor afirma que o processo de relação entre comunicação, informação e sociedade é essencialmente “biunívoco”. Isso porque, ao tempo em que a comunicação possibilita diferentes modelos de organização social, também ocorrem necessidades sociais supervenientes que impedem novas formas de comunicação. Nesse sentido, é possível falar de correspondência entre modelos comunicacionais e modelos sociais. Assim, Cardoso caracteriza a sociedade da informação como fruto do processo tecnológico que nos permite processar, armazenar, selecionar e comunicar informação em todas as formas disponíveis (oral, escrita e visual), sem limitações de distância, tempo e volume, adicionando assim novas capacidades ao ser humano e mudando a maneira como vivemos e trabalhamos em conjunto (Cardoso apud Karvonnen, 2007, p. 37). Partindo dessa avaliação, estaríamos vivendo em um processo de transição da sociedade da informação para a sociedade em rede. Para Castells (apud Cardoso, 2007, p. 29), a sociedade em rede é caracterizada por uma mudança na sua forma de organização social, possibilitada pelo surgimento das tecnologias de informação num período de coincidência temporal com uma necessidade de mudança econômica (a globalização das trocas e movimentos financeiros) e social (a procura de afirmação das liberdades e valores de escolha individual). Ano VI, n. 09 – Setembro/2010 Os valores de utilização da internet seriam, para Cardoso (2007), um marco para a caracterização da transição da sociedade da informação para a sociedade em rede. Nessa sociedade em rede a autonomia das escolhas de decisão está diretamente ligada com a nossa capacidade de interação com a mídia. Isso porque, segundo Cardoso (2007) sendo a espécie humana caracterizada pela comunicação, é ela que assegura o tecido social que construímos e em que vivemos. Em segundo lugar, a complexidade das nossas sociedades implica a necessidade de interagir permanentemente com, e entre, zonas espacialmente diferenciadas e diferentes domínios dos relacionamentos social, profissional e cultural. Ou seja, a hipótese para análise da evolução social e do papel da internet nesse processo é que ela é uma ferramenta para a construção de projetos, no entanto, se for apenas utilizada como mais um meio de fazer algo que já fazemos, então o seu uso será limitado e não necessariamente diferenciador de outras mídias existentes (Cardoso, 2007). Portanto, mais do que atribuir funções à mídia e temer as suas consequências, devemos analisar o que a realidade das apropriações e usos nos demonstra. A questão é até que ponto esse aumento da possibilidade de acesso, do tempo de exposição e de interação diária com a mídia é ou não propiciador de um aumento da nossa autonomia e, em última análise, do exercício da nossa cidadania nas suas múltiplas formas. É lícito questionarmo-nos como a internet mudou os meios de comunicação de massa (em particular a televisão, o rádio e os jornais) pela análise das suas presenças online e offline e também como essa mudança marcou as formas de apropriação dessa mídia por nós. Uma segunda dimensão de análise sobre as mudanças ocorridas é a compreensão de como os meios de comunicação de massa tentaram e tentam mudar a internet. (CARDOSO, 2007, p.19) Para Castells (apud Cardoso, 2007), é principalmente por meio da virtualidade que processamos a nossa criação de significado. Assim, ele sugere que a análise da criação de significado na era da informação tem de levar em conta a combinação da análise da comunicação e dos processos de mediação. A popularização da internet, por volta dos anos 90, provocou modificações importantes também no comportamento das redações. Como lembra Souza (apud Marques, 2005), não foi apenas a informática que mudou o jornalismo, mas toda uma convergência de setores da informática, das telecomunicações e da produção de conteúdos. Ano VI, n. 09 – Setembro/2010 Esta nova ferramenta que modificou o ambiente da redação jornalística e a forma de produzir notícia teve a grande expansão entre os anos de 1993/1994, quando a rede tornou-se aberta. Segundo Marques (2005, p. 29), o processo de mudanças provocado pela digitalização da imprensa, com a chegada dos computadores às redações, foi comparado pelo especialista em mídia Anthony Smith aos “dois abalos anteriores nas comunicações: o primeiro, causado pela invenção da escrita, e o segundo, pela prensa de Gutenberg”. Machado (2002, p. 01) destaca que a criação da tecnologia digital desencadeia um processo de utilização das redes telemáticas que apresenta duas vertentes. Na primeira, “as redes são uma espécie de ferramenta para nutrir os jornalistas das organizações convencionais com conteúdos complementares aos coletados pelos métodos tradicionais”. Na segunda, elas são um “ambiente diferenciado com capacidade de fundar uma modalidade distinta de jornalismo, em que todas as etapas do sistema de produção de conteúdos jornalísticos permanecem nos limites do ciberespaço”. Sem incorporar as particularidades do jornalismo digital, o primeiro modelo representa a aplicação do conceito de jornalismo assistido por computador. Segundo Machado (2002), esse modelo permite o uso dos conteúdos das redes nos meios convencionais, e o mais importante a se destacar: não provocam alterações essenciais no conjunto das práticas dos profissionais dentro das redações. O conceito de jornalismo assistido por computador identifica o processo de coleta de dados com auxílio do computador o que, para Nora Paul (apud Machado, 2002, p. 3), abrange quatro modalidades: reportagem, pesquisa, referência e encontro. Koch (apud Machado, 2002, p. 4) defendia que com os bancos de dados em linha nascia uma forma distinta de relação entre o jornalista e o assunto da notícia. Como a tecnologia afeta tanto os meios de produção quanto os próprios conteúdos, este autor, segundo Machado, acredita que o uso dos bancos de dados eletrônicos lança os alicerces de um novo tipo de jornalismo. Assim, esse novo tipo de jornalismo libertaria os profissionais dos pontos de vista limitados expressos por especialistas e fontes oficiais. Koch (apud Machado, 2002, p. 4) demonstra que no modelo clássico, antes do relato ser publicado, o jornalista deve encontrar os fatos, buscar os produtores de fatos além da obrigação de entrevistar parlamentares ou funcionários vinculados ao assunto. Ano VI, n. 09 – Setembro/2010 Quando se trata da apuração eletrônica, antes do relato contextual dos fatos, o jornalista consulta dados armazenados ou fontes disponíveis no ciberespaço, entrevistando os sujeitos dos fatos e avaliando o conteúdo das declarações tanto no espaço eletrônico quanto nas páginas impressas. Na medida em que a arquitetura descentralizada do ciberespaço desarticula o modelo clássico, o exercício do jornalismo nas redes telemáticas depende do estabelecimento de critérios capazes de garantir a confiabilidade do sistema de apuração dentro de um entorno com as especificidades do mundo digital. (MACHADO, 2002, p. 4) Assim, a novidade trazida pela possibilidade de usar o computador e a rede mundial de computadores como instrumento de apuração é alterar a relação de forças entre os diversos tipos de fontes, porque concede a todos os usuários o status de fontes potenciais para os jornalistas. Se cada indivíduo ou instituição, desde que munido das condições técnicas adequadas, pode inserir conteúdos no ciberespaço, então há uma certa diluição do papel do jornalista como único intermediário para filtrar as mensagens autorizadas a entrar na esfera pública. Ao mesmo tempo também ocorre uma quebra de paradigmas quanto às fontes profissionais serem as detentoras do quase monopólio do acesso aos jornalistas. Nesse contexto, segundo Pavlik (apud Aroso, 2003, p. 01), são três as mutações no papel do jornalista: o profissional tem que ser mais do que um contador de fatos; seu papel como intérprete dos acontecimentos será expandido e em parte modificado; e os jornalistas online terão um papel central na ligação entre as comunidades. Entendemos, pois, que outra modificação trazida pela internet é uma revalorização do papel do jornalista como mediador, como ferramenta de filtragem de informações. Tal realidade traz um desafio para os profissionais da área. Com a sobrecarga informativa que chega às redações diariamente, inclusive com as quais o profissional se depara durante o processo de apuração, é essencial para a produção de um bom material que o jornalista seja capaz de dar uma interpretação plausível e embasada sobre os acontecimentos. Doug Millison (apud Aroso, 2003, p. 3) afirma que uma edição e filtragem de informação de confiança e com qualidade torna-se ainda mais importante na Internet, onde qualquer pessoa pode publicar qualquer coisa e fazer com que pareça importante. Herbert (apud Aroso, 2003, p. 3) acrescenta que “em vez de encontrar ou descobrir informação, a Ano VI, n. 09 – Setembro/2010 tarefa agora é seleccionar, na amálgama informativa disponível, a informação mais importante”. Cabe ainda aos profissionais que trabalham em veículos impressos garantir em suas matérias o aprofundamento que é possível, mas não praticado pelos veículos noticiosos eletrônicos, que, utilizando-se da vantagem de publicar os fatos em tempo real, não se detêm a aprofundar suas causas e conseqüências ou encontrar caminhos que vão além do factual. Ao tempo em que a internet facilita o acesso a informações e diminui a distância entre o jornalista e as fontes, agilizando e otimizando o trabalho de apuração, também cria desafios oriundos do acesso ao grande número de informações que propicia. 4 O USO DA INTERNET NO CADERNO DE CIDADES DO JORNAL CORREIO DA PARAÍBA Para entendermos de que forma a internet influencia o processo de apuração diária no Jornal Correio da Paraíba, o de maior circulação do estado e que, por isso, pode representar um perfil do modo como se faz jornalismo diário na Paraíba, acompanhamos durante três semanas (de 10 a 27 de março de 2010) a produção diária de dois repórteres do Caderno. Assim, mapeamos quais os caminhos utilizados para obtenção de informações que compuseram as notícias, bem como qual o papel que a internet representou neste processo. Acompanhamos Luiz Carlos Lima, que trabalha no caderno de Cidades pela manhã, e Flávio Asevedo, que trabalha no mesmo caderno à tarde. É importante destacar que a cada semana qualquer repórter do caderno pode ser escalado para produzir a matéria especial da semana que vai ocupar as páginas de Cidades na edição de domingo, sem qualquer agendamento prévio. Por esse motivo, durante as três semanas, os dois repórteres não estiveram necessariamente na produção de matérias diárias, e a análise teve que seguir a imprevisibilidade que é própria, neste caso, da atividade desempenhada pelos dois profissionais. No caso dessas matérias especiais, o repórter fica com uma única pauta durante toda a semana, recebendo-a geralmente na terça-feira, com o prazo de entrega a matéria pronta na sexta-feira. Quando o repórter estava com matéria do dia, colhemos o relatório da produção ao final de cada turno. No caso das matérias especiais, fizemos o mesmo procedimento ao final de cada semana. Ano VI, n. 09 – Setembro/2010 Na entrevista com os profissionais levantamos: a quantidade de pautas recebidas; as formas de apuração utilizada em cada uma delas (entrevista presencial, por telefone, e-mail) e de que forma a internet foi utilizada no processo. 4.1 RELATÓRIO DO ACOMPANHAMENTO DOS REPÓRTERES No período de acompanhamento, o repórter Flávio Asevedo ficou durante uma semana com matérias do dia e duas semanas com matérias especiais. Ao final das três semanas observamos que: das seis matérias diárias produzidas por Flávio, a internet foi utilizada na apuração de quatro delas. Já nas duas matérias especiais, a internet foi usada de modo eficaz nas duas. Já com Luiz Lima o processo foi inverso. O repórter ficou durante uma semana com matéria especial e durante duas semanas com matérias do dia. Das 22 matérias diárias produzidas, a internet foi utilizada em apenas três, e no caso da pauta especial foi usada mais satisfatoriamente. Assim, observamos que, em se tratando da produção de matérias especiais a serem publicadas na edição de domingo, cujo prazo de produção é geralmente de quatro dias, o uso da internet para efeito de pesquisa e entrevistas é mais frequente e necessário. As matérias especiais requerem um volume de informação e de contextualização que encontram na internet uma fonte eficaz. Além da possibilidade de pesquisa de informações e busca de fontes via páginas da web, como o prazo é maior do que o disponível para produção de matérias diárias, o e-mail pode ser utilizado como ferramenta de realização de entrevistas, já que as mesmas não precisam de uma resposta tão imediata quanto quando se trata de matérias diárias. Há tempo e necessidade para a realização de pesquisas mais amplas e exploração das potencialidades da internet, o que faz com que, nesse caso, o uso da ferramenta esteja presente em 100% das matérias especiais produzidas pelos dois repórteres que acompanhamos. Já a produção diária, com seu deadline sempre apertado, requer do repórter respostas precisas que podem ser conseguidas com eficácia, via entrevistas presenciais ou por telefone. Assim, nesse caso, o uso da internet raras vezes é possível ou necessário, sendo realizado mais para a checagem de informações e acompanhamento de fatos. Observamos também que tal necessidade varia de acordo com o tipo de pauta e o método utilizado por cada repórter. No caso de Flávio Asevedo, que trabalha no turno da Ano VI, n. 09 – Setembro/2010 tarde, mesmo tendo produzido poucas matérias diárias durante o período de acompanhamento, utilizou a internet na maioria delas. Mas é preciso destacar que os repórteres que trabalham no turno da tarde recebem, algumas vezes, uma quantidade menor de pautas, já que a concentração da maior parte da produção fica no turno da manhã. Assim, a preferência dos repórteres por acessar sempre que possível a internet em busca de elementos que enriqueçam as matérias é favorecida quando há uma quantidade menor de pautas a serem cumpridas. O tempo disponível para a produção e a quantidade de matérias a serem produzidas acabam sendo apontados pelos dois profissionais como determinantes pela opção das formas de apuração. Isso faz com que o uso das entrevistas presenciais e por telefone sejam mais eficazes em situação de tempo curto e grande quantidade de pautas (matérias diárias) e o uso da internet de forma contundente seja possível geralmente quando se trata de produção de matérias especiais. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Concluímos, pois, que no caso analisado a internet ainda não é utilizada em toda a sua potencialidade como ferramenta no processo de apuração. A corrida contra o tempo e a grande demanda de material a ser produzido diariamente no caderno de Cidades do Jornal Correio da Paraíba faz com os repórteres optem pelas formas de apuração que garantam um retorno rápido de informações, como entrevistas presenciais ou por telefone. Não que tais escolhas sejam negativas, mas ter a condição de utilizar a internet de maneira eficaz no processo de apuração de matérias diárias poderia garantir ao material produzido, ao menos quando necessário, uma densidade maior de informações e um mergulho mais profundo no processo de investigação de determinados temas, levando, quem sabe, a produção de matérias mais aprofundadas e com olhares diversificados, fora do procedimento rotineiro usado diariamente, como o de ouvir sempre as mesmas fontes oficiais. Como vimos anteriormente, a internet é uma ferramenta para a construção de projetos, mas se for apenas utilizada como mais um meio de fazer algo que já fazemos, então o seu uso será limitado e não necessariamente diferenciador. Assim, tal procedimento pode representar a aplicação do conceito de jornalismo assistido por computador, modelo que permite o uso dos conteúdos das redes nos meios Ano VI, n. 09 – Setembro/2010 convencionais, mas não provocam alterações essenciais no conjunto das práticas dos profissionais dentro das redações. Não que até agora o uso da internet na redação do Jornal Correio não tenha propiciado mudanças e representado uma melhoria na forma como se faz jornalismo, mas concluímos após o acompanhamento dos repórteres que esse uso pode ser feito de maneira mais proveitosa. Também não defendemos que os repórteres deixem de ir para rua ou de manter o contato presencial com as fontes. Sabemos que vivenciar o calor dos fatos e imergir no processo de apuração através do contato pessoal com as fontes é essencial à prática do jornalismo. Mas acreditamos que, se acrescentado a isso tivermos a utilização das potencialidades da rede mundial de computadores no processo de investigação, poderemos garantir matérias mais completas, aprofundadas, e que representem um avanço, um diferencial, diante da forma ainda não ideal de como se pratica jornalismo diário hoje. REFERÊNCIAS AROSO, Inês Mendes Moreira. A Internet e o novo papel do jornalista. Biblioteca On-line de Ciências da Comunicação, 2003. Disponível em: <http://www.bocc.uff.br/pag/aroso-inesinternet-jornalista.pdf>. Acesso em 20 de maio de 2010. BRIGGS, Mark. Jornalismo 2.0. Como sobreviver e prosperar. Estados Unidos, 2007. CARDOSO, Gustavo. A mídia na sociedade de rede: filtros, vitrines, notícias. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007. 528p. MACHADO, Elias. O ciberespaço como fonte para os jornalistas. Universidade Federal da Bahia, 2002, 11p. Disponível em : <http://www.bocc.uff.br/pag/machado-elias-ciberespacojornalistas.pdf>. Acesso em: 06 de maio de 2010 MARQUES, Márcia. As mudanças nas rotinas de produção das agências de notícias com a consolidação da internet no Brasil. Universidade de Brasília,2005, 143p. Disponível em <http://bocc.ubi.pt/pag/marques-marcia-mudancas-nas-rotinas-de-producao.pdf>. Acesso em 07 de fev de 2010. PENA, Felipe. Teoria do Jornalismo. São Paulo: Contexto, 2005. PEREIRA JUNIOR, Luiz Costa. A apuração da notícia: métodos de investigação na imprensa. Vozes, 2006. Petrópolis, RJ. TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo, porque as notícias são como são. Florianópolis: Insular, 2. ed, 2005. Ano VI, n. 09 – Setembro/2010