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JUSTIÇA RESTAURATIVA - UMA JUSTIÇA DO TRABALHO MAIS CIDADÃ
Tese apresentada no XI Encontro dos Juízes do Trabalho
da Sexta Região e no XIII Congresso Nacional dos Juízes
do Trabalho – CONAMAT. Aprovado em ambos os
Congressos.
I. Introdução
No Brasil o tema é quase desconhecido dos operadores do Direito. Poucas experiências existem. Entendemos de
apresentá-lo, na tentativa de formulação de um outro paradigma ao mundo do Direito. A crise vivida é da Utopia.
A violência e a exclusão são as marcas da nossa sociedade, encarando-se como natural ao ser humano uma cultura
do medo. Aceitamos como “normal” a punição como forma de respeito à ordem reinante. O império das leis. São
justamente tais concepções que fortalecem a idéia atual de uma Justiça de Retaliação. Nas palavras dos juízes
Egberto Penido e Leoberto Brancher: “É provável que, em período não muito longo, olhemos para a Justiça de
hoje como olhamos para o pelourinho”.
Trataremos das origens da Justiça Restaurativa. Onde e Como surgiu e como se faz presente na nossa sociedade?
Quais seriam os seus princípios? Nesse rumo, mostraremos que a Justiça não pode atuar isoladamente,
fragmentada. Essa reação positiva somente surge e sobrevive num movimento social mais amplo. Ou seja, uma
Justiça Restaurativa exige uma prática multidisciplinar, enfatizando-se a importância da interconexão do
Judiciário com os movimentos sociais e outros ramos científicos na busca de uma Justiça Cidadã, reformulando,
assim, nossa concepção de justiça, como resposta e reparação de atos anti-jurídicos.
Perguntar-se-ia: como seria possível no Judiciário sua presença efetiva e não apenas teórica? É justamente nesse
ponto que há um vazio na Justiça do Trabalho. Todos os projetos pilotos estão na Justiça Comum. As
primeiras experiências de Justiça Restaurativa vêm sendo saboreadas por algumas Varas, por exemplo, de São
Paulo, Brasília (projeto Bandeirantes) e do Rio Grande do Sul. Elas surgiram a partir de uma atuação conjunta da
Secretaria da Reforma do Judiciário, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e a Secretaria
Especial de Direitos Humanos, formando uma rede com a Magistratura Estadual, Ministério Público e
Redes de Assistências. Dentre os seus defensores, está o juiz da 3a Vara da Infância e Juventude de Porto Alegre,
Leoberto Brancher, inclusive coordenador do projeto. Ele tem participado ativamente de Seminários de Cultura
de Paz, relatando o vivido juntamente com o Professor Alfredo Avelino, mais conhecido como Lama Padma
Samten e o sociólogo Pedro Scuro. Obviamente, entre tantos outros nomes.
Ao conhecer o tema, um dos casos citados era uma ação decorrente de relação de emprego, embora todas as
experiências no Brasil sejam na área de infância e adolescência, família e criminal. Nesse ponto, começou a nos
inquietar o porquê de também não debatermos o assunto e, quem sabe, trazermos o projeto para a Justiça
do Trabalho. Não se trata de estar à frente ou atrás dos avanços da Justiça Comum, mas lado a lado nos
movimentos que representam produção de novas idéias na tentativa de uma Justiça Cidadã. Portanto, o objetivo
desse trabalho é: 1) Lançarmos sementes dessas proposições entre os magistrados trabalhistas, fomentando
a discussão sobre o tema através de seminários e outras atividades afins; 2) Sermos produtores de idéias,
elaborando projetos de onde e como poderia ser implantada; 3) Ação positiva concretizada - implantação
piloto na Justiça do Trabalho, como parte de um PROGRAMA DAS ASSOCIAÇÕES DE
MAGISTRADOS. Ou como falam: Justiça Restaurativa é o “bê-a-bá” da Cidadania”
II. Origem
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O conceito e a filosofia da Justiça Restaurativa surgiram nos anos 70 e 80, nos Estados Unidos e no Canadá, em
conjunto com uma prática que foi chamada de Programa de Reconciliação Vítima-ofensor. Anos depois, adquiriu
status de engenharia social. No entanto, tão-somente em 1989, na Nova Zelândia, surge a experiência pioneira,
como um esforço para lidar com pequenos furtos ou outros crimes contra a propriedade (geralmente
incorretamente chamados de menos ofensivos), porém inspirada em costumes dos Maoris – primeiros nativos
daquele país antes da colonização inglesa. A população Maori criticava seriamente o sistema judicial colonial
imposto, observando-se uma desagregação dos costumes nativos e o envolvimento dos jovens, que sem
perspectivas no mundo branco, isolavam-se em guetos com álcool e outras drogas. Os delitos eram conseqüências
naturais, bem como as reincidências. A versão judicial, em 1989, do “ECA neozelandês” (Children, Young
Persons and Their Families Act) inaugura na estrutura do Poder Judiciário o modelo. Em face do grande sucesso
na prevenção e não reincidência, o seu exemplo, com as necessárias adaptações, passou a ser também
implantado no Canadá, na Austrália, na África do Sul, no Reino Unido, na Argentina e noutros países.
III. Definição e Princípios
Cabe definir o conceito de Justiça Restaurativa. Não há, como sucede com novas matérias um conceito assentado
na doutrina ou na jurisprudência. Citamos o conceito de autoria de Pedro Scuro: “A justiça restaurativa consiste
na inclusão da vítima e da comunidade na pacificação social e na redução dos danos causado pelo delito. A
JR pugna pela restauração de todas as relações abaladas, o que inclui, mas não se limita, à reparação dos
danos causados à vítima e à comunidade, a partir de uma postura positiva do infrator, passando pela reflexão
das causas do evento e dos meios de restabelecimento, de forma integrada com a comunidade e com a rede de
assistência”.
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Em linhas gerais, os seus princípios são: 1) O ilícito é uma violação interpessoal. Envolve vítimas
primárias e secundárias, ou seja, além daquele diretamente atingido, há também a comunidade, membros da
família, amigos, testemunhas etc.; 2) A presença da ética do Cuidado, ou seja, os relacionamentos, para uma
restauração, devem ser cuidados; 3) As vítimas, os ofensores e as comunidades afetadas são os participanteschave na justiça; 4) O Estado tem papel de investigar os fatos, assegurar toda a segurança do processo, mas,
jamais, o papel de vítima; 5) Violações criam obrigações e a obrigação principal é corrigir o malfeito. Daí a
importância da participação da vítima na definição das obrigações, alertando-se do perigo de não recair numa
vingança; 6) As obrigações para com as vítimas, tais como reparação, têm prioridade sobre as sanções e
obrigações para com o estado, tais como as multas; 7) Focaliza o dano e as conseqüentes necessidades das
vítimas, assim como dos demais envolvidos, como as comunidades e dos ofensores; 8) Ocupa-se das obrigações
que resultam desses danos (as obrigações dos ofensores, assim como da comunidade e da sociedade); ou seja,
devem ser criadas oportunidades para os ofensores compreenderem o dano causado. Naturalmente, a participação
do ofensor deve ser ao máximo voluntária. A coerção e a exclusão são exceções; 9) Usa processos inclusivos e
colaborativos. Desse modo, a comunidade indiretamente atingida tem a responsabilidade de apoiar e ajudar as
vítimas, bem como promover o bem-estar de seus membros e também a integração dos ofensores na definição das
obrigações.; 10) Promove uma estrutura de recuperação e cura. Não há, por conseguinte, uma uniformização dos
resultados, bem como os ajustes acordados preferem a qualquer outra solução.
Apoiado nos conceitos acima, pode-se, no esquema abaixo, observar algumas distinções entre a Justiça “Comum”
e a Justiça Restaurativa:
Justiça Comum:
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Crime é uma violação da lei, ato lesivo ao Estado; violações criam culpa; a Justiça requer que o Estado
determine e imponha a pena (punição);O foco central é os “ofensores recebem o que merecem”,
enfatizando o antagonismo; a comunidade é marginalizada, sendo representada pelo Estado.
Justiça Restaurativa:
Crime é uma violação de pessoas, relacionamentos e comunidades; violações criam obrigações; a Justiça
envolve vítimas, ofensores e a comunidade. De modo que o infrator assuma a responsabilidade; foco
central nas necessidades das vítimas e a responsabilidade dos ofensores em reparar o dano; enfatiza o
diálogo e a negociação; a comunidade é a facilitadora do processo restaurativo.
QUAIS PERGUNTAS SÃO FEITAS?
Justiça Comum
Justiça restaurativa
. Que lei foi infringida?
. Quem foi afetado?
. Quem o fez?
. Quais são as suas necessidades?
. O que ele merece?
. Que obrigações foram geradas?
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Podemos, assim, repetir: “Assim, a justiça restaurativa é construída sobre três pilares: danos e
necessidades relacionadas (primeiro que tudo das vítimas, mas também das comunidades e dos
ofensores); obrigações que resultaram daqueles (ou aumentaram com) danos (dos ofensores e
também das comunidades); e engajamento daqueles que têm legítimo interesse ou ligação com a
ofensa e sua resolução (vítimas, ofensores e membros da comunidade)”.
IV. Modelos
Não há na doutrina uma harmonização a respeito dos modelos. Três modelos distintos têm tentado
dominar a prática da Justiça Restaurativa na concepção de Susan Sharpe: 1) conferências vítimainfrator; 2) conferências de grupos familiares; 3) abordagens em círculos. Progressivamente,
entretanto, esses modelos vêm sendo misturados. Eles têm importantes elementos em comum,
entretanto, por causa das suas semelhanças, são algumas vezes agrupados juntos como diferentes
formas. Algumas perguntas-chave ajudam a analisar a efetividade e a extensão dos modelos de
justiça restaurativa em determinadas situações. Chega a ser mais salutar sua investigação a uma
nominação: a) O modelo se ocupa dos danos, necessidades e causas? b) É adequadamente
orientado para a vítima? c) Os ofensores são encorajados a assumirem responsabilidade? d)
Todos os interessados estão envolvidos? e)Há uma oportunidade para diálogo e tomada de
decisão participativa? f) O modelo respeita todas as partes?
Nesse diapasão, os modelos são traçados tendo em mira os elementos e questionamentos
necessários aos valores de uma justiça restaurativa. Escolhemos dois deles na linha de Pedro Scuro:
a) Conferências vítima-ofensor: As conferências vítima-ofensor envolvem primeiramente as
vítimas e os ofensores mesmo num clima de informalidade e sempre voluntário. As vítimas e os
ofensores são trabalhados individualmente. Então, depois de sua concordância com o procedimento,
eles são colocados juntos. O encontro é conduzido por um facilitador treinado que guia o processo
de uma maneira equilibrada. Os envolvidos narram os seus sentimentos e percepções, justamente
como forma de evitar juízos pré-formados na solução do caso. Um acordo de reparação assinado é
geralmente uma conseqüência, o que deve ocorrer na forma escrita. Deve ser bem circunstanciada a
natureza e extensão dos danos (morais, materiais, etc.). É, ainda, possível a participação de
membros das famílias das vítimas ou dos ofensores, mas eles são vistos geralmente como tendo um
papel secundário, de apoio. Pessoas que representem a comunidade podem ser envolvidas como
facilitador e/ou o administrador do programa, mas eles geralmente não participam dos encontros; b)
Câmaras (ou círculos) Restaurativas: As abordagens dos círculos surgiram inicialmente das
comunidades da Primeira Nação canadense. Diversamente do modelo anterior, lançam mãos do
efeito normativo dos processos grupais. Há a figura de um coordenador no objetivo de trabalhar os
participantes na consecução de um plano de reparação (um ou dois “guardiões de círculos” servem
como facilitadores do círculo. Nas comunidades indígenas, os mais velhos têm um importante papel
na liderança de círculos ou oferecendo conselhos e percepções). É possível a adoção do rito judicial
quando há preferência de uma das partes ou não cumprimento do acordo.
V. Prática Restaurativa – Um Projeto ao Judiciário Trabalhista?
Pensamos que a inação presente na Justiça do Trabalho decorre de pensar a Justiça Restaurativa,
tão-somente, nas áreas correlatas da Penal. Não podemos continuar a maximizar a Justiça
Restaurativa apenas ao extremo da violência, mas adotá-la, conforme a situação, noutros conflitos.
É sair do velho modelo retributivo e distributivo, tomando que o “malfeito”– cometimento de ação
danosa, e mais das vezes dolorosa, é reparado, não vingado. Eis o grande potencial de Paz que uma
cultura fundada nos Princípios Restaurativos pode fazer presente a uma real justiça.
Nesse sentido, o esforço reformador tem se pautado pela busca de interseções no sistema quando os
modos convencionais de Justiça não conseguem resolver o conflito. É uma singela forma de
permitir um maior acesso de desprivilegiados aos serviços da Justiça. Há um fértil ramo à
construção de uma Justiça cada vez mais cidadã na seara trabalhista. Por que? Não precisamos ir
longe, eis que suficiente recordar das suas origens. O Direito do Trabalho é “vanguardeiro na
socialização do direito”. Nasceu, justamente, da necessidade de frear os desajustamentos da
concepção individualista do mundo liberal – hoje reinante com força total, mais requintada.
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Vivemos, sem dúvidas, prognósticos sombrios, visto que a hegemonia liberal reina sem grandes
contrapesos. É uma ordem econômica, política e cultural voltada à destruição do emprego e à
desvalorização do próprio trabalho. Contamos, também, com a formação do magistrado trabalhista
mais voltada ao social, fugindo da esfera individualista ainda marcante nas outras Justiças. É a
Justiça que sai do pretório às ruas através de alguns projetos de conexão com a população no
sentido de contribuir na formação do cidadão. Exemplos marcantes são as varas itinerantes que vão
até os rincões esquecidos do Brasil, a ativa participação na Conatrae (Comissão Nacional de
Combate ao Trabalho Escravo) e o programa, lançado em 8.12.04, “ Trabalho, Justiça e Cidadania”
- fornecimento de cartilhas e aulas proferidas por magistrados na rede de ensino. Hoje, inclusive, já
inserida na programação do Telecurso pela Fundação Roberto Marinho. Também não podemos
esquecer a celeridade. Aliás, a marca registrada e fundamentalmente diferenciada das demais
Justiças.
Nessa esteira, há um oceano possibilidades a sua implantação experimental na nosso ramo do
judiciário. Pensamos, de início, principalmente pela hercúlea luta da conquista da competência para
Justiça do Trabalho (Emenda n. 45) nas ações decorrentes do acidente. Outros exemplos também se
enquadrariam perfeitamente no modelo restaurativo, como trabalho infantil, o trabalho escravo.
O acidente do trabalho é, apesar da avalanche de normas administrativas, gritante. Em 1993, o
número de trabalhadores formais era de 23.165.027. No ano 2000, era de 26.228.629. O total
de acidentes foi de 412.293, reduzindo para 343.996. Todavia, o evento morte por acidente
passou de 3110 para 3094. Sem grande análise, as nossas estatísticas de redução do dano (todas
oficiais – RAIS e SAT) são marcadas pela presença das subnotificações, ou seja, acidentes não
denunciados ao INSS. Como explicar a não redução do número de mortos. A frase já virou jargão:
cadáver não se esconde. Salta veraz a nossa lamentável realidade, afinal fomos o país campeão nos
anos 70. Numerosos casos de acidentes desembocam na Justiça. O resultando é distribuir renda,
retribuindo a lesão. Será possível continuarmos a trocar a saúde pela monetarização? Nenhuma
indenização, por mais que acalente o coração pela via do bolso, é suficiente para compensar a perda
de audição ou de um membro. Mais ainda, ao recebemos ações, como de LER e PAIR, miramos
apenas o passado. Normalmente, essas doenças continuarão a macular um grande número de
empregados, por ser o modo de operação único naquela empresa. É mais barata a indenização do
que adoção concreta de medida de segurança, educação do trabalhador e redução de carga horária.
Continuamos, desse modo, a trabalhar com fragmentos. Aliás, a pesquisa da AMB concluiu que “o
sistema é muito complexo, fragmentado, pouco uniforme e pouco conhecido”. Assim, sequer os
juizes que julgaram ações similares contra o mesmo réu e sobre mesmo acidente mantêm contatos.
É preciso, assim, não apenas indenizar, mas restaurar. Ou seja, sair da exclusiva visão financeira,
passando a incluir o social, o psicológico (auto-estima), o coletivo (ambiente de trabalho e o grupo)
e círculo familiar (como a doença refletiu no seio doméstico e de amigos). O outro acréscimo, é
que, ao invadir o chão da fábrica, retratará condições de trabalho vigentes: 1) como está a saúde dos
atuais empregados e daqueles já demitidos? Muitas doenças somente surgem algum tempo após a
saída, como é o caso da abestose; 2) ajuda médica, psicológica e outras aos casos já detectados; 3)
adoção de medidas preventivas; 4) fiscalização do Estado mais sistemática naquela empresa (o
número de fiscais de trabalho é insuficiente, o que com largo espaço de tempo e muitas vezes por
amostragem).
Ficam, aqui, algumas propostas a implementação da Justiça Restaurativa na seara trabalhista:
1) Vara Específica para concentrar ações Restaurativas, como guia de um projeto piloto. Em não
sendo possível, a escolha de uma determinada Vara, na consonância de critérios objetivos de
organização judiciária, bem como ser um juiz treinado em prática restaurativa;
2) Seleção dos casos por uma comissão com prática restaurativa (juizes, servidores e outros)
calcada em critérios objetivos (por exemplo, a matéria de acidente de trabalho em grandes e médias
empresas e relativas ao exercício de uma profissão, como é a LER. Aqui também é possível o
trabalho infantil, escravo etc.);
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3) Conforme a especificidade de cada ação, montar a rede de assistência (médicos, assistentes
sociais, etc.). Participação ativa do juiz como o coordenador da rede;
4) Participação voluntária do autor e do réu (jamais será possível restaurar com o uso da força). Nas
grandes e médias empresas, é preciso atentar a importância do preposto. Deve ser uma pessoa de
nível hierárquico de decisão, ou mesmo um diretor ou assemelhado, para que não ocorra o risco de
confundir com “mediação” ou “conciliação” já tão praticada na seara trabalhista;
5) Participação das “vítimas” secundárias. Formação do círculo dos envolvidos naquele caso, como
colegas de trabalho, comunidade, membros da família e outros. O circulo deverá sempre ser
mantido aberto, permitindo a inclusão de novos participantes diante do surgimento de outros fatos;
6) Participação do Estado (dever de investigar, fiscalizar, propor, etc.), seja através do Ministério
Público do Trabalho, Delegacias Regionais do Trabalho e mesmo o Poder Policial. É a hipótese, por
exemplo, de servidores da Delegacia do Trabalho na investigação do ambiente de trabalho; análise
do estado de saúde daqueles que exercem a mesma função ou levantamento dos despedidos (motivo
e estado de saúde atual). Enfatizamos a importância da participação conjunta do Ministério Público
do Trabalho na formação da rede de assistência restaurativa;
7) Promoção de relações equânimes e com interdisciplinariedade na intervenção. Exige, assim, uma
atenta observação das condições culturais, sociais, psicológicas e outras dos envolvidos (trabalho
infantil é um grande exemplo);
8) A “sentença” é montada sob a ótica da vítima e dos demais participantes. O Estado aqui não é o
único senhor da decisão. Ou seja, ao invés da mera indenização, é preciso recompor a vítima
(muitos casos não é possível integralmente) conforme suas reais necessidades. Em muitas situações,
a vítima doente deseja uma garantia médica até a sanidade, posto que, tão-só, dinheiro na mão,
mormente aos mais despreparados, tem fim rápido;
9) Preferencial o advogado com formação em prática restaurativa. Manutenção do jus postulandi;
10) Os resultados devem ser condensados e enviados a órgãos como da Secretaria da Reforma do
Judiciário, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e a Secretaria Especial de
Direitos Humanos e outros na tentativa de montar uma POLÍTICA PÚBLICA INTEGRADA
PARA O DESENVOLVIMENTO DA PRÁTICA RESTAURATIVA.
É mais um viés para fortalecimento da democracia.
VI. Conclusão
A Justiça Restaurativa como visto, jamais representará um mapa, ou seja, caminhos definidos e
mesurados. Ela é uma bússola, como se nos colocássemos no lugar dos velhos marinheiros que
diziam – navegar é preciso, viver não - num oceano de muitas incertezas em que sua agulha nos
indica uma direção longe daquele dogmatismo presente no mundo jurídico. Por outras palavras,
é a lição de Bobbio: “A tarefa do jurista positivo – segundo expressão proverbial de John Austin – é
indagar não o direito que deve ser (como faziam os jusnaturalista que presumiam ser juristas,
quando na realidade eram apenas moralistas), mas o direito que é”. Ou seja, o Direito liberto de
dogmas. Outorga ao magistrado novos instrumentos para uma produção judicante através de vários
olhares (vítima, ofensor, coletivo, rede de assistência etc.), o que conduz certamente a uma
prestação jurisdicional, conforme a circunstância de cada caso, mais aproximada e interconectada
com a realidade social, com as próprias mutações do Direito, as inquietações deônticas e o
sentimento comum de justiça de fácil percepção ética aos leigos.
Ela representa uma REFORMA. Não as conhecidas reformas do Judiciário. Nomes novos para
coisas velhas, eis que abordagem é a mesma. A Justiça Restaurativa traz um outro paradigma ao
modo convencional de fazer justiça, um exercício de democracia participativa no seio de um
Poder dos mais fechados. Ao incluir, ao invés das velhas figuras da legitimidade processual, um
circuito amplo, ela abre uma caixa bem hermética por não ser a palavra do Estado, na figura do
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Juiz, o motor da decisão. Restaurar implica em dividir responsabilidades, passando não apenas
por conduta positiva do ofensor e não apenas compensar o dano à vítima, mas, sobretudo,
uma reflexão profunda das causas presentes e mesmo futuras do evento. Cremos que a Justiça
do Trabalho tem todos os elementos necessários para saborear essa prática, contribuindo, de forma
efetiva e eficiente, para a consolidação da nossa jovem democracia ao criar mecanismos que
dignificam o trabalhador e o trabalho no surgimento de uma JUSTIÇA –CIDADÃ. É acreditar no
consenso e participação como elementos chaves de uma justiça acessível e cidadã.
Concluímos por propor, uma ampla discussão nas Associações Regionais, no sentido de
implantarmos a Justiça Restaurativa nesta Especializada.
VII. Bibliografia
AMB – Associação dos Magistrados Brasileiros. Campanha pela Efetividade.
Folha de São Paulo – Artigo dos juízes Egberto Penido e Leoberto Brancher:
McCold, P. Restorative justice and the role of community In. B. Galaway & Hudson; Restorative
Justice: internacional perspecgives; Restorative justice theory validation.
Scuro, Pedro – Por uma Justiça Restaurativa Real e Possível. Escola Superior da Magistratura
Rio Grande do Sul;
i.
- Câmaras Restaurativas: a Justiça como instrumento de transformação
conflitos. In Encontros pela Justiça na Educação. Brasília, DF.
ii.
- A Justiça como fator de Transformação de Conflitos: Princípios
Implementação. Palestra Simpósio Internacional da Iniciativa Privada para a Prevenção
Criminalidade. Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha, São Paulo, abril de 2000.
do
de
de
da
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Ana Maria Soares Ribeiro de Barros
Juíza do Trabalho Substituta do Tribunal da Sexta Região
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justiça restaurativa – uma justiça do trabalho mais cidadã