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Líderes tiranos,
espécie em extinção
Consultores de empresas prevêem
vida curta para os executivos
arrogantes e mandões
E
xecutivos tiranos, arrogantes ou mandões não são um problema
apenas para os seus subordinados nem se comportam dessa maneira somente no ambiente de trabalho. O problema é mais amplo
e – quase sempre – difícil de resolver.
“O chefe tirânico é, basicamente, uma pessoa insegura e normalmente
tímida também”, explica o consultor de empresas Robert Wong. “O tímido
usa o ego contra si próprio e, por extensão, contra os que o cercam. As
causas de toda essa distorção devem ser procuradas no seu relacionamento
pessoal, às vezes com os pais, às vezes com a própria vida.”
Marco Stefanini, presidente e fundador da Stefanini IT Solutions,
considerada uma das dez melhores empresas prestadoras de serviços
de tecnologia da informação do mundo pela revista The Black Book
of Outsourcing e filiada ao LIDE – Grupo de Líderes Empresariais,
compartilha a visão do consultor Wong sobre a ligação entre a personalidade do indivíduo e a personalidade que o executivo revela no
ambiente de trabalho.
“O ser humano é complexo e no mundo dos negócios isso não é
diferente. Há líderes com todo tipo de perfil. Mas uma coisa é certa: há
cada vez menos espaço para quem pensa em obter resultados aos gritos”,
adverte Stefanini. “Por mais talentoso e criativo que possa ser, o líder
com essas características vai desaparecer por um processo darwiniano
de seleção natural. Só sobreviverá quem tiver bom senso, equilíbrio e
capacidade de ouvir para tomar a melhor decisão.”
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“Ter autoridade
não implica
ter poder,
senão ninguém
ouviria o DalaiLama”, diz o
consultor Robert
Wong
Em Anatomia da Destrutividade
Humana, o psicanalista alemão Erich
Fromm, que assistiu à ascensão do extremista austríaco Adolf Hitler em seu
país, analisa as dificuldades de certas
pessoas em lidar – ou aceitar a conivência – com outras, o que as leva a se
comportar de forma a tentar subjugálas – ou até eliminá-las.
Mas o presidente do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Empresarial,
José Augusto de Moraes – um consultor
formado no Success Motivation Institute de Waco, no estado americano do
Texas –, ele próprio um psicanalista,
diz que a modernidade está se encar14
regando de encurtar a trajetória dos
executivos tiranos.
“A chamada Era Industrial, pano de
fundo do funcionamento das grandes
corporações no século 20, permitia aos
arrogantes concentrar as informações
e fechá-las entre quatro paredes, para
que dessa forma, detentores únicos
do conhecimento, eles pudessem comandar sem ter de dar satisfação a
ninguém e ainda elaborar uma imagem
semelhante à do mito de sabichão. Só
que isso agora é passado”, sentencia
Moraes. “Marcas como o Google já
provaram que, neste século, da Era
da Informação, o sucesso está ligado
de forma indissolúvel ao compartilhamento das informações, o que afronta
o chefe concentrador”, conclui.
À frente de uma empresa com 1,4
mil funcionários, responsável, entre
outros feitos, por 65% do total de exportações de camisas masculinas do país,
a empresária Sônia Hess, da Dudalina –
também filiada ao LIDE –, acredita que
um dos segredos do sucesso de uma
companhia está na manutenção de
um ambiente de trabalho com grande
fluxo de informações. “Uma empresa é
feita por gente”, define Sônia. “O tempo dos chefes tiranos já passou e, na
nossa empresa, nem chegou. Nossa
maior preocupação, desde sempre,
é fazer com que as pessoas da nossa
equipe tenham informações sobre a
companhia, saibam para onde estamos
indo, conheçam as metas e, com isso,
sintam-se engajadas e motivadas.”
A base da Dudalina – uma empresa
com cinco unidades industriais no Paraná e em Santa Catarina – é formada
por nada menos que mil costureiras.
“Tenho grande preocupação com o
bem-estar delas”, afirma Sônia. A estabilidade dos bons colaboradores é
uma das características da empresa.
A Dudalina é um exemplo das muitas mudanças que ocorrem na gestão
empresarial. “Na empresa moderna,
ninguém faz nada sozinho e é isso que
está acabando, e vai acabar de vez, com
os líderes déspotas e personalistas”,
acrescenta Marco Stefanini.
Três grandes pesquisas feitas com
CEOs e executivos em cargos de diretoria
– duas realizadas nos Estados Unidos e a
terceira na Coréia do Sul – já provaram,
nos últimos 20 anos, que o senso de humor e a capacidade de relacionamento
fácil – além do simplesmente correto
– com os colaboradores são elementos
que garantem bons resultados operacionais – e lucros crescentes.
A primeira sondagem aconteceu
em meados da década de 1980 e ouviu
apenas os vice-presidentes e diretores das
100 principais empresas americanas. A
mensagem que surgiu foi clara: para 84%
Na empresa moderna, ninguém
faz nada sozinho e é isso que está
acabando, e vai acabar de vez,
com os líderes déspotas
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desses entrevistados, altos funcionários
dotados de senso de humor são mais
eficientes na rotina corporativa do que
aqueles que exibem pouca ou nenhuma capacidade de encarar a vida e seus
relacionamentos de forma aberta – ou
generosa –, amigável, bem-humorada.
“Pessoas com senso de humor tendem a ser mais criativas, menos rígidas
e mais dispostas a considerar e abraçar
novas idéias e métodos”, concluiu a
pesquisa, segundo o artigo Mudando
a Percepção das Corporações sobre o
Valor do Humor, publicado na imprensa
dos Estados Unidos.
Mais tarde, uma pesquisa entre
executivos de negócios formados pelas
escolas de administradores americanas
mostrou que 62% deles consideravam
o humor como fator contributivo para
o sucesso dos executivos. Em junho de
2000, a conceituada revista CEO Magazine patrocinou um workshop com 25
CEOs convidados entre os dirigentes
das maiores companhias do país. Eles
concluíram que a competitividade
no mercado globalizado depende de
funcionários cada vez mais eficientes,
rápidos, criativos e, sobretudo, que sintam prazer em fazer o seu trabalho. José
“Funcionários que
sentem prazer
pelo trabalho são
peças-chave para
competir no novo
cenário global”,
diz José Augusto
de Moraes, do
IBDE
Para Marco
Stefanini, só vai
sobreviver quem
tiver bom senso,
equilíbrio e
capacidade
de ouvir
Augusto de Moraes, do IBDE, aproveita
essa informação para reforçar: “E a
rapidez da ação depende fundamentalmente do compartilhamento das
informações com a equipe dirigente
da organização. Isso é a morte para o
chefe mandão”, ironiza ele.
Na segunda semana de dezembro de 2005, o Instituto de Pesquisa
Econômica Samsung, da Coréia do
Sul, colocou mais uma vez em pauta
o tema da importância da capacidade
de relacionamento.
Numa pesquisa que durou cinco
dias, com 631 executivos-chefes inscritos no site www.sericeo.org, 77% dos
intrevistados revelaram que selecionavam seus colaboradores entre os que
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demonstravam um real senso de humor; 48% garantiram que funcionários
com boa capacidade de relacionamento
pessoal também são mais eficientes
do que outros mais fechados. Mais
importante: 80% desses executivos
disseram acreditar que a comunicação
bem-humorada de um produto no
mercado contribui decisivamente para
o aumento da sensação de satisfação
do consumidor com esse produto.
Nada disso surpreende o engenheiro
e consultor Wong. “Os verdadeiros líderes
sabem que é melhor exibir autoridade, ou
influência, do que poder; que é melhor
fazer perguntas e ser proativo do que simplesmente exigir respostas, de maneira
reativa; e que há muito mais futuro em
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Segundo Sônia
Hess, da Dudalina,
o sucesso está
ligado de forma
indissolúvel ao
compartilhamento
de informações
apostar no retorno do investimento do
que, simplesmente, ficar imaginando o
custo desse investimento”, ensina.
Observações feitas pelo consultor
concluíram que o chefe tirânico se esforça em exercer seus controles com
foco nas atividades, buscando avaliar
competências. “O líder de verdade delega
tarefas, aguardando de forma especial
os resultados, para que possa fazer sua
avaliação dos colaboradores com base na
relação entre os seus resultados, o espaço
de tempo e os recursos que eles gastaram
para obtê-los”, pondera Wong.
A Dudalina, que no ano passado
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aponta: “O líder verdadeiramente extraordinário compartilha com seus
colaboradores as honras que recebe
pelos resultados alcançados e lidera pelo
respeito, não pelo medo. Ter autoridade
não implica ter poder. Se um fosse sinônimo do outro, ninguém pararia para
ouvir o Dalai-Lama, por exemplo”.
Membro do Conselho de Administração das Indústrias Klabin, presidente
do Conselho Deliberativo da Associação
Brasileira de Celulose e Papel e expresidente da Fiesp (Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo),
Horácio Lafer Piva é taxativo: “Se há
uma contradição neste mundo em que
pessoas e seus talentos é que fazem a
diferença, é a liderança totalitária. É
uma prática velha, inútil e um caminho
rápido para o fracasso”.
Wong completa: “Todos falam em
educação. E ela é mesmo muito importante. Mas costumo dizer que mais
importante do que educação é o potencial que cada ser humano desenvolve
dentro de si. O executivo tirânico é um
castrador desse potencial, um inibidor
de talentos. Não serve para nada nem
dentro da sua empresa, nem dentro da
sociedade do século 21”, assegura. n
“A liderança
totalitária é uma
prática velha,
inútil e um
caminho rápido
para o fracasso”,
diz Horácio
Lafer Piva
faturou 150 milhões de reais, possui
PPR – Programa de Participação por Resultados. “Nos orgulhamos dele, porque
foi feito depois de intensas discussões
entre todos os níveis hierárquicos, de
modo a ser justo e motivador para cada
um de nossos colaboradores”, conta a
presidente Sônia Hess. “Não vamos
retroceder em relação a todas essas
conquistas, mas somente avançar para
um ambiente de trabalho cada vez mais
produtivo e respeitoso.”
Numa reflexão que vai na linha da
prática adotada por Sônia e das observações do presidente do IBDE, Wong
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Conscientização
sobre assédio
aumenta no país
D
“Sempre foram
cometidos
abusos. O que
não havia eram
mecanismos de
proteção”
Luiz Flávio
D’Urso,
advogado
criminalista e
presidente da
divisão paulista
da Ordem dos
Advogados do
Brasil (OAB)
20
entro de uma corporação há dois
agrupamentos básicos de regras
que cumpre a todos observar:
as asseguradas por lei e as acordadas no
âmbito do contrato de trabalho (escrito
ou verbal). “A lei brasileira estabelece que
ninguém é obrigado a fazer ou deixar de
fazer algo que não seja em virtude dela
ou que represente sua violação”, esclarece
Luiz Flávio D’Urso, advogado criminalista
e presidente da divisão paulista da Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB).
O conjunto de dispositivos trabalhistas é, contudo, especialmente rígido: se uma das partes se prevalece do
exercício de poder para obrigar outra,
em posição inferior na cadeia hierárquica, a aceitar uma situação de maneira
forçada, mediante ameaça de perda de
emprego ou difamação, isso constitui,
inequivocamente, uma coação.
Os assédios sexual e moral acontecem com freqüência (de forma sutil
ou ostensiva) nos corredores dos ambientes de trabalho. E normalmente
vitimam o empregado, humilhado
pelo superior perante os colegas, e
a funcionária, cortejada com grosseria e insistência. “É inegável que essa
trabalhadora está sendo perturbada
e que isso traz um desassossego psicológico capaz de levá-la à angústia e
à depressão”, explica D’Urso. “Se esse
ataque for ainda mais longe, podemos
passar ao âmbito criminal, com a constatação de relação sexual violenta, não
consentida, que a lei caracteriza como
estupro”, completa.
No caso de assédio moral, a vítima tem direito a indenização, avaliada
de acordo com sua posição social e o
quanto isso lhe trouxe de sofrimento. O
assédio sexual, previsto no artigo 216-A
do Código Penal, vai além da indenização: prevê também, para o acusado,
detenção de um a dois anos.
Segundo registros da OAB, em 1993
não havia mais do que 28 processos
de assédio moral em tramitação no
Supremo Tribunal de Justiça. Em 2000,
contudo, eles já eram 1.331. “Abusos
sempre foram cometidos no Brasil,
mas não havia mecanismos de proteção e muito menos a conscientização
que temos hoje sobre o que é abuso”,
analisa D’Urso. n
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