UNIVERSIDADE ANHANGUERA DE SÃO PAULO JÚLIO CÉSAR DECKERT DA SILVA AS TRANSFORMAÇÕES GEOMÉTRICAS NOS CURRÍCULOS PRESCRITOS DE MATEMÁTICA NO ENSINO FUNDAMENTAL (1930-2010) MESTRADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA São Paulo 2014 JÚLIO CÉSAR DECKERT DA SILVA AS TRANSFORMAÇÕES GEOMÉTRICAS NOS CURRÍCULOS PRESCRITOS DE MATEMÁTICA NO ENSINO FUNDAMENTAL (1930-2010) Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Universidade Anhanguera de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, sob a orientação do Prof. Dr. Ruy César Pietropaolo. São Paulo 2014 Silva, Júlio César Deckert da. S58t As transformações geométricas nos currículos prescritos de matemática no ensino fundamental (1930-2010). / Júlio César Deckert da Silva. -- São Paulo: UNIAN - Universidade Anhanguera de São Paulo, 2014. xii, 158 f. il.; 30 cm. Dissertação (MESTRADO – Educação Matemática) – UNIAN - Universidade Anhanguera de São Paulo, 2014. Orientadores: Prof. Dr. Ruy César Pietropaolo. Referências bibliográficas: f. 155-158. 1. Reformas curriculares. 2. Transformações geométricas. 3. História das disciplinas. I. Pietropaolo, Ruy César. II. UNIAN Universidade Anhanguera de São Paulo. III. Título. CDD 372.7 Banca Examinadora ______________________________________ ______________________________________ _____________________________________ DEDICATÓRIA Aos meus pais que nunca desistiram de me ofertar apoio e amor. Muito obrigado! AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, por todos os momentos; aos meus pais Antoninha e Jesus, pelo amor, respeito, carinho, instrução; ao meu irmão César pelo incentivo, reconhecimento, sinceridade e confiança; ao Professor Dr. Ruy César Pietropaolo por ter me orientado com muita ética, dedicação e sinceridade e também por nunca ter deixado de me apoiar e de me encorajar no desenvolvimento dos meus estudos, realizando assim um excelente trabalho profissional em prol da concretização de nossa pesquisa; à Professora Dra. Tânia Maria Mendonça Campos pelo respeito, pela ousadia e pela dedicação com a qual desenvolve o seu trabalho, procurando aprimorar a qualidade do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Anhanguera de São Paulo; à CAPES pelo incentivo prestado em minha formação acadêmica ao me conceder Bolsa Integral de Estudos para que eu pudesse me dedicar exclusivamente às atividades do curso de Mestrado em Educação Matemática desta universidade, bem como aos estudos que me conduziram à realização dessa pesquisa; à professora Dra. Maria Cristina Araújo de Oliveira da Universidade Federal de Juiz de Fora e à professora Dra. Aparecida Rodrigues Silva Duarte da Universidade Anhanguera de São Paulo, que participaram da banca de qualificação e da banca de defesa, pela contribuição para o desenvolvimento dessa pesquisa por meio de suas críticas e sugestões, que favoreceram do nosso trabalho; aos Professores Doutores do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Anhanguera de São Paulo pelo respeito, pela ética, pela sinceridade, pelo companheirismo e pela dedicação com a qual lecionam, especialmente ao Professor Dr. Vicenzo Bongiovanni pelos ensinamentos da disciplina Tópicos Fundamentais de Geometria; aos funcionários da Secretaria do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Anhanguera de São Paulo, especialmente ao Guilherme Galvão de Menezes que sempre se mostrou disposto para esclarecer aos aspectos das normas e trâmites burocráticos. RESUMO O objetivo deste trabalho foi analisar e comparar as indicações de programas e currículos prescritos no período de 1930 a 2010 para o ensino das Transformações Geométricas nos anos finais do atual Ensino Fundamental. Trata-se de estudo desenvolvido no âmbito da linha de pesquisa “Formação de Professores que Ensinam Matemática” do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Anhanguera de São Paulo. Nesta pesquisa, as discussões acerca das reformas curriculares estão fundamentadas nos estudos de Dominique Julia e de Antonio Viñao, mais especificamente no que concerne à relação estabelecida entre os currículos prescritos e a cultura escolar. Para desenvolver este trabalho foram também considerados essenciais os trabalhos de André Chervel, que enfatizam os currículos como documentos que expõem a importância dos conteúdos escolares para o desenvolvimento da História das Disciplinas e nas pesquisas de Alain Choppin, concernentes às finalidades dos manuais escolares. Os seguintes documentos e/ou movimentos foram analisados: Reforma Francisco Campos (1931); Reforma Capanema (1942); Portaria Simões Filho (1951); Movimento da Matemática Moderna (início dos anos 1960); Guias Curriculares de São Paulo (1976); Proposta Curricular de São Paulo (1988); Parâmetros Curriculares Nacionais (1998); Novo Currículo do Estado de São Paulo (2010). Apresenta-se neste estudo a análise dos pressupostos adotados para o ensino da Geometria por esses programas e currículos, sobretudo em relação às Transformações Geométricas. Além disso, foram verificadas as estratégias e as atividades propostas sugeridas em alguns desses documentos para o processo de ensino e aprendizagem das noções e procedimentos relativos ao tema. Este estudo mostra que o tema Transformações Geométricas é bastante destacado na Reforma Francisco Campos e nos currículos cujo pressuposto era o Movimento da Matemática Moderna. No entanto, esse tema também está presente nos demais currículos, inclusive na Proposta Curricular de São Paulo de 1988, cujo pressuposto era a negação do MMM. Na verdade, a diferença está nas abordagens: transformações como um grupo de isometrias ressaltando seu aspecto funcional ou por meio de construções geométricas, observando os invariantes, utilizando inclusive dobraduras e, mais recentemente, softwares de Geometria Dinâmica. Convém salientar que este trabalho também evidencia a importância de Felix Klein para a inclusão das Transformações Geométricas nos programas escolares. Palavras-chave: Educação Matemática. Reformas Curriculares. Transformações Geométricas. História das Disciplinas. ABSTRACT The aim of this work was to analyze and to compare the indications of prescribed curriculum and some programs during the period from 1930 to 2010 for the teaching of Geometric Transformations in the final years of the current elementary school. That is a study developed within the research line "Training of Teachers who Teaches Mathematics" of the Postgraduate programme in Mathematics Education at Anhanguera University from the São Paulo. In this research, discussions about curricular reforms are based on studies carried out by Dominique Julia and Antonio Viñao, specifically with regarding to the relationship established between the prescribed curriculum and the school culture. To develop this work were also considered essential work of André Chervel that emphasize curriculum such as documents that expose the importance of educational content for the development of the History of Subjects and in the studies carried out by Alain Choppin concerning purposes of textbooks. The following documents and / or movements were analyzed: Francisco Campos Reform (1931); Capanema Reform (1942); Ordinance Simões Filho (1951); Modern Mathematics Movement (early 1960s); Curriculum guides from the São Paulo (1976); Curricular propose from the São Paulo (1988); National Curriculum (1998) parameters; New Curriculum of the State of São Paulo (2010). This study presents analysis of the assumptions adopted for the teaching of geometry for these programs and curriculum, especially in relation to Geometric Transformations. Furthermore, we analyzed the strategies and proposed activities suggested in some of these documents for the process of teaching and learning concepts and procedures related to the theme. This study shows that the theme Geometric Transformations is quite prominent in the Francisco Campos curricular reform had the assumption that the Movement of Modern Mathematics. However, this theme is also present in other curriculum, including the Curriculum Proposal from the São Paulo 1988, whose premise was the denial of the MMM. In fact, the difference is in the approach: transformations as a group of isometries emphasizing the functional aspect of this scholar content or by geometric constructions, considering the invariants, using folds and even more recently Dynamic Geometry software. It should be noted that this work also shows the importance of Felix Klein for Geometric Transformations of inclusion in school curriculum. Keywords: Mathematics Education. Curricular reforms. Geometric Transformations. History of Subjects. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABE – Associação Brasileira de Educação CENP – Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas CIEM – Commission Internationale de l`Enseignement Mathématique FTD – Editora francesa Frère Théophane Durant GEEM – Grupo de Estudos do Ensino da Matemática GHEMAT – Grupo de pesquisa da história da Educação Matemática no Brasil IMUK – Internationale Matematische Unterrichtskommission ISCHE – International Standing Conference for the History of Education LDB – Lei de Diretrizes e Bases MEC – Ministério da Educação e Cultura MMM – Movimento da Matemática Moderna OECE – Organização Europeia de Cooperação Econômica PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais PUC/SP – Pontíficia Universidade Católica: campus do estado de São Paulo SEESP – Secretaria da Educação do Estado de São Paulo SMSG – School Mathematics Study Group UNIBAN – Universidade Bandeirante Anhanguera UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas USP – Universidade de São Paulo LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Apresentação dos objetivos para o estudo de Geometria na 5º série.............................101 Quadro 2 – Aptidões dos alunos da 6º série no estudo de Geometria...............................................102 Quadro 3 – Capacidade dos estudantes da 7ª série no estudo da Geometria...................................103 Quadro 4 – Habilidades dos estudantes da 8ª série no estudo da Geometria....................................104 Quadro 5 – Recomendações dos manuais para o estudo de simetria axial.......................................105 Quadro 6 – Atividade de construção de figuras simétricas.............................................................107 Quadro 7 – Recomendações dos manuais para o ensino da simetria de rotação..............................108 Quadro 8 – Atividade: simetria de rotação em polígonos e quadriláteros........................................110 Quadro 9 – Recomendações dos manuais para o ensino de translação............................................111 Quadro 10 – Construção de ornamentos através de translação........................................................113 Quadro 11 – Atividade: aplicações da translação no deslocamento de figuras geométricas............115 Quadro 12 – Indicações do manual da 8ª série para o ensino de homotetia......................................116 Quadro 13 – Atividade: transformação de figuras planas por meio da homotetia............................119 Quadro 14 – Indicações do currículo para o ensino de simetria axial.............................................128 Quadro 15 – Atividade: transformação de figuras por simetria axial em malhas quadriculadas......130 Quadro 16 – Atividade: transformação de quadriláteros no plano por meio de simetria axial.........134 Quadro 17 – Indicações do currículo para o ensino da simetria de rotação......................................135 Quadro 18 – Atividade: transformação de figuras por meio de simetria rotacional.........................137 Quadro 19 – Prescrições curriculares para o ensino de translação.................................................138 Quadro 20 – Atividade: translação de figuras em malhas geométricas...........................................140 Quadro 21 – Indicações curriculares para o ensino de homotetia....................................................141 Quadro 22 – Atividade de ampliação de polígonos por meio de homotetia.....................................143 Quadro 23 – Recomendações das reformas curriculares para o estudo das transformações............145 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO............................................................................................................................1 1. INTRODUÇÃO..............................................................................................................................4 1.1 Motivações................................................................................................................................4 1.2 Relevância do trabalho..............................................................................................................7 1.3 Objetivos e questões de pesquisa.............................................................................................14 1.4 Limitação da pesquisa.............................................................................................................15 1.5 Procedimentos Metodológicos................................................................................................17 2. EM BUSCA DE FUNDAMENTOS TEÓRICOS.........................................................................20 2.1 Cultura escolar: abordagem histórica......................................................................................20 2.2 As reformas curriculares e as influências da cultura escolar...................................................22 2.3 A história das disciplinas escolares.........................................................................................27 2.4 A história dos manuais didáticos: estudo e finalidades...........................................................33 2.5 Revisão de literatura...............................................................................................................37 3. AS TRANSFORMAÇÕES GEOMÉTRICAS NO PERÍODO DE 1930 A 1951..........................51 3.1 Antecedentes: Felix Klein e as Transformações Geométricas................................................51 3.1.1 Felix Klein: breve síntese do livro “Elementarmathematik vom höheren Standpunkten Aus. Teil II: Geometrie”............................................................................................................55 3.1.2 Discussões do IV Congresso Internacional de Matemática – IMUK.................................58 3.1.3 Transformações Geométricas: novos conteúdos...............................................................62 3.2 Transformações Geométricas na reforma Francisco Campos................................................64 3.2.1 Pressupostos.....................................................................................................................64 3.2.2 Orientações Metodológicas: ensino das transformações...................................................65 3.3 Transformações Geométricas na reforma Capanema.............................................................67 3.3.1 Pressupostos.....................................................................................................................67 3.3.2 Orientações Metodológicas: ensino das transformações...................................................68 3.4 Transformações Geométricas na reforma Simões Filho.........................................................70 3.4.1 Pressupostos.....................................................................................................................70 3.4.2 Orientações Metodológicas: ensino das transformações...................................................71 4. O MOVIMENTO DA MATEMÁTICA MODERNA E AS REAÇÕES A ESSE MOVIMENTO: O CASO DAS TRANSFORMAÇÕES GEOMÉTRICAS...............................................................75 4.1 Movimento da Matemática Moderna - MMM: antecedentes..................................................75 4.1.1 Uma breve síntese do MMM.............................................................................................78 4.1.2 Ensino das transformações................................................................................................83 4.1.3 Guias Curriculares de São Paulo.......................................................................................90 4.2 Proposta curricular de São Paulo............................................................................................94 4.2.1 Reações contrárias ao Movimento da Matemática Moderna: novas propostas................94 4.2.2 Proposta Curricular de São Paulo de 1988: pressupostos..................................................97 4.2.3 O ensino de Geometria e o das transformações...............................................................100 5. AS TRANSFORMAÇÕES GEOMÉTRICAS NOS PARÂMETROS E NO CURRÍCULO DE SÃO PAULO..................................................................................................................................121 5.1 As transformações nos PCN.................................................................................................121 5.2 Ensino das transformações segundo o Currículo de São Paulo.............................................124 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................................149 REFERÊNCIAS.............................................................................................................................155 1 APRESENTAÇÃO O presente trabalho foi desenvolvido no âmbito da linha de pesquisa “Formação de Professores que ensinam Matemática” do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Anhanguera de São Paulo. Sua finalidade foi investigar as indicações para o ensino das Transformações Geométricas em currículos prescritos de Matemática para os anos finais do atual Ensino Fundamental durante o período de 1930 a 2010. As Transformações Geométricas constituem um conteúdo indispensável para o desenvolvimento do pensamento geométrico dos alunos, pois permite explorar conceitos e propriedades da Geometria, por meio da experimentação e do movimento. No contexto atual podemos observar que as Transformações Geométricas estão presentes nos currículos brasileiros. Os PCN consideram que os alunos, já no Ensino Fundamental, sejam capazes de produzir e analisar transformações e ampliações/reduções de figuras geométricas planas, identificando seus elementos variantes e invariantes, desenvolvendo o conceito de congruência e semelhança. As indicações dos documentos curriculares mais recentes, como o Currículo do Estado de São Paulo (2010), também sugerem o desenvolvimento dos conceitos de Geometria por meio das transformações, com a proposição de atividades práticas, as quais têm a finalidade de desenvolver uma aprendizagem caracterizada por experimentações e investigações. Esse contexto nos motivou a analisar as indicações dos currículos escolares do passado para o ensino desse conteúdo, com o objetivo de caracterizar as modificações sofridas e estabelecer as relações com o ensino atual. Dessa forma, a nossa pesquisa está associada à história das reformas curriculares e das disciplinas escolares. Segundo Chervel (1988), as diferentes acepções do ensino de um conteúdo nos currículos escolares evidenciam pressupostos distintos de ordem sociopolítica e cultural que são destinados à escola ao longo do tempo. Para esse pesquisador, as novas propostas curriculares apresentam mudanças nos objetivos educacionais das escolas, indicando novos conteúdos e métodos para o trabalho docente, o que significa uma reestruturação das disciplinas no contexto escolar. 2 Portanto, a análise das abordagens das Transformações Geométricas nos recentes currículos brasileiros constitui o nosso principal motivo de investigação, por meio do qual elaboramos dois questionamentos que estruturam o nosso estudo: Quais são as indicações para o ensino das Transformações Geométricas nos anos finais do Ensino Fundamental,1 segundo currículos prescritos de Matemática no período de 1930 a 2000? Quais são as indicações do Currículo de São Paulo (2010) para os processos de ensino e de aprendizagem das Transformações Geométricas nos anos finais do Ensino Fundamental? Iniciamos nosso trabalho com um capítulo introdutório pelo qual explicitamos as motivações que nos inspiraram a elaborar a nossa pesquisa, e também discutimos aspectos de sua relevância, seus objetivos, limitações e os procedimentos metodológicos utilizados. No Capítulo 2 tratamos de aspectos relacionados à história das disciplinas, área na qual fundamentamos nossos estudos, recorrendo aos argumentos de André Chervel (1988). Outro teórico essencial foi Dominique Julia (2001), pois seus trabalhos explicitam preceitos da cultura escolar que contemplam os sistemas de ensino. Além disso, apoiamo-nos em princípios de Alain Choppin (2001, 2002), no tocante aos manuais didáticos, e nas pesquisas de Antonio Viñao (1995, 2007), fundamentais para a compreensão dos processos de implantação e de transição das reformas educacionais. Finalizamos esse capítulo apresentando pesquisas referentes às reformas educacionais brasileiras. No Capítulo 3 fazemos uma análise dos pressupostos para a inclusão das Transformações Geométricas em currículos do século XX. Enfatizamos as orientações de Felix Klein referentes às reformas dos currículos de Matemática, incluindo o ensino das Transformações Geométricas. Além disso, discutimos as indicações de Euclides Roxo na reforma Campos (1931), e as indicações das reformas Capanema (1942) e Simões Filho (portaria de 1951). No Capítulo 4 discutimos as recomendações do Movimento da Matemática Moderna (MMM) para o ensino de Geometria, presentes nos currículos das escolas brasileiras. 1 Ensino Fundamental nesse contexto quer dizer: 1.º ciclo do antigo secundário (até 1942), depois ginásio (1971) e ainda de 5.ª a 8.ª série do 1.º grau, posteriormente Ensino Fundamental – atualmente 6.º a 9.º anos. 3 Analisamos as indicações para o ensino das transformações nos Guias Curriculares de São Paulo (1976), cujo objetivo era implementar novos conteúdos e novos métodos para o ensino da Matemática para a escola obrigatória de oito anos (junção do primário com o ginásio – formando o antigo 1.º grau). Examinamos também as recomendações para o ensino desse conteúdo na Proposta Curricular do Estado de São Paulo (1988), cuja finalidade era romper com o ensino de Matemática que se propunha nos Guias. Verificamos que nessa proposta o ensino das Transformações Geométricas, ainda que implicitamente sugerido para o 1.º grau (atual Ensino Fundamental), é bastante enfatizado em seus materiais para implementação como Experiências Matemáticas (1990), e se configura nesses manuais com finalidades distintas dos pressupostos do Movimento da Matemática Moderna. Optamos por analisar essa Proposta de 1988 porque nas avaliações do MEC ela foi considerada, em 1995, como o currículo que mais contemplava as pesquisas em Educação Matemática e bem mais fundamentada, sobretudo se comparada com os currículos de Matemática procedentes dos outros Estados. Nesse contexto, consideramos a análise das indicações e dos pressupostos dessa Proposta de São Paulo para o primeiro grau como imprescindível à nossa investigação (BRASIL, 1995). No Capítulo 5 analisamos o ensino das Transformações Geométricas proposto nos PCN do Ensino Fundamental, no Currículo de São Paulo (2010) e nos Cadernos desse currículo utilizados pelos professores do 6.º ao 9.º ano do Fundamental. A inserção das Transformações Geométricas nos currículos prescritos indica a importância da aprendizagem dos conceitos concernentes ao tema. No Capítulo 6 respondemos às questões de pesquisa por meio das quais estruturamos nosso trabalho, discutindo as mudanças históricas no tocante ao ensino das Transformações Geométricas, procurando estabelecer relações entre a maneira pela qual é proposto atualmente o ensino atual desse conteúdo e as indicações curriculares do passado. 4 CAPÍTULO 1 1. INTRODUÇÃO 1.1 Motivações As orientações para o ensino de Geometria presentes nos currículos prescritos do Ensino Fundamental têm sido debatidas pelos educadores. Como contraposição ao formalismo da Geometria, que historicamente tem tido prevalência entre muitos professores de Matemática, o conteúdo Transformações Geométricas tem sido recentemente enfatizado nos programas curriculares de Matemática do Brasil e de vários outros países como uma forma de desenvolver a Geometria escolar por meio da experimentação e de softwares de Geometria dinâmica. Nossa experiência docente no ensino de Geometria constitui uma de nossas principais motivações para o desenvolvimento deste estudo. Em nosso trabalho observamos que, sempre quando utilizávamos as Transformações Geométricas em nossas aulas, esse conteúdo oferecia aos alunos maiores possibilidades de compreensão dos conceitos do que o ensino tradicional de Geometria caracterizado pela ausência de movimento e por um desenvolvimento bastante formal e, às vezes, axiomático. No ano de 2012 ingressei no Programa de Pós-Graduação da Universidade Anhanguera de São Paulo com o objetivo de desenvolver um estudo histórico sobre o ensino das Transformações que auxiliasse pesquisadores e educadores nas discussões relacionadas ao ensino de Geometria. As aulas de Geometria que tive com o Professor Vicenzo Bongiovanni nessa instituição também foram essenciais para a elaboração desse estudo. Em suas aulas, o Professor Vicenzo desenvolvia a Geometria plana por meio das Transformações Geométricas utilizando softwares como um dos recursos. Observando o trabalho do professor, indagava-me: será que o ensino de Geometria nos currículos prescritos do Nível Fundamental sempre contemplou as Transformações Geométricas com ênfase na aprendizagem dos conceitos por meio da visualização e do movimento das construções? Os professores de Matemática que lecionam para o Nível Fundamental conhecem as orientações curriculares para o ensino das Transformações? Com quais finalidades as Transformações Geométricas são abordadas nos currículos prescritos de Matemática do Fundamental? As coleções didáticas de livros de Matemática para o Ensino Fundamental enfatizam o ensino desse conteúdo para os estudantes? 5 Atualmente, observamos que os programas curriculares do Brasil e de outros países têm enfatizado a importância das Construções Geométricas e das Transformações no ensino da Geometria. As orientações desses documentos salientam que as Transformações Geométricas são uma ferramenta que permite aos estudantes do Ensino Fundamental explorar conceitos geométricos de maneira experimental em diferentes contextos, por meio da visualização e da exploração das construções geométricas. As indicações curriculares para o ensino desse conteúdo nos fazem refletir: Com que finalidades o ensino das Transformações Geométricas foi concebido nos currículos prescritos de Matemática do Ensino Fundamental? Essas questões nos motivaram a investigar o ensino das Transformações Geométricas nos currículos ao longo da história para compreender como esse conteúdo foi inserido no contexto escolar. Por meio do estudo das consecutivas reformulações didáticas desse conteúdo nos currículos, podemos melhor analisar as relações entre suas finalidades nos programas atuais e de tempos passados para compreender seus significados no âmbito curricular. Em seus estudos, Chervel (1988) ressalta que, por meio da análise dos currículos escolares, é possível evidenciar as modificações sofridas pelos conteúdos ao longo do tempo. Essas transformações muitas vezes decorrem de novos pressupostos educacionais desencadeados por mudanças de organização social e cultural. Assim, a escola se modifica para suprir novas demandas sociais, e os conteúdos das disciplinas também são modificados seguindo novas finalidades didáticas. Segundo Chervel (1988), no campo da história das disciplinas, a contextualização histórica dos conteúdos desenvolvidos no contexto escolar constitui sua principal temática investigativa. Seria a história das disciplinas que possibilita aos pesquisadores relacionarem esses conteúdos com as suas funções específicas, por meio das quais se inserem na complexidade evolutiva dos sistemas educacionais: A história das disciplinas escolares não é então obrigada a cobrir a totalidade dos ensinos. Pois sua especificidade, ela a encontra nos ensinos da “idade escolar”. A história dos conteúdos é evidentemente seu componente central; o pivô ao redor do qual ela se constitui. Mas seu papel é mais amplo. Ela se impõe colocar esses ensinos em relação com as finalidades às quais eles estão designados e com os resultados concretos que eles produzem. Trata-se então para ela de fazer aparecer a estrutura interna da disciplina, a configuração original à qual as finalidades deram origem, cada disciplina dispondo, sobre esse plano, de uma autonomia completa, mesmo se as 6 analogias possam se manifestar de uma para a outra (CHERVEL, 1988, p. 73, tradução nossa).2 Para compreender como as disciplinas se inserem e se desenvolvem nos sistemas educacionais, o pesquisador não pode se restringir a analisar somente as prescrições dos currículos atuais. É necessário que o pesquisador realize uma investigação mais abrangente, recorrendo aos documentos do passado, identificando as sucessivas transformações dos conteúdos nos programas curriculares. Em sua pesquisa, Viñao (2007) enfatiza que as reformas curriculares ilustram novos objetivos políticos destinados aos sistemas educacionais que promovem uma reestruturação das funções do contexto escolar no ensino dos conteúdos. Dessa maneira, as disciplinas são adaptadas para atender às demandas das políticas educacionais. Para estudar o ensino de um conteúdo ou de uma disciplina e respectivas finalidades, é necessário que o pesquisador compreenda os complexos processos de elaboração e instauração das reformas educacionais e os objetivos a serem atingidos por meio de sua implantação. Podemos observar atualmente que as pesquisas relacionadas à história da educação têm contribuído para a compreensão e contextualização do ensino escolar e de suas funções educativas. Esses estudos indicam que o ensino se modifica no contexto escolar por meio de sucessivas reformulações didáticopedagógicas (VIÑAO, 2007). Nesse sentido, Choppin (2001) salienta que as orientações didáticas prescritas nos currículos para o ensino das disciplinas são muitas vezes representadas por meio dos livros didáticos, materiais elaborados com a finalidade de estruturar os conteúdos das disciplinas, possibilitando aos alunos compreender as aplicações dos conceitos ensinados no contexto escolar. Assim, esses manuais também se transformam em objetos de estudo dos pesquisadores que intentam compreender as finalidades com as quais o ensino de um determinado conteúdo escolar é prescrito nos currículos, bem como a adaptação das prescrições do seu ensino para que esse conteúdo possa ser incorporado à disciplina escolar. 2 L’histoire des disciplines scolaires n’est donc pas astreinte à la totalité des enseignements. Car sa spécificité, elle la trouve dans les enseignements d’ “âge scolaires”. L’histoire des contenus est évidemment sa composante centrale, le pivot autor duquel elle se constitue. Mais son rôle est plus large. Elle se doit de mettre ces enseignements en relation avec les finalités auxquelles ils sont assignés, et avec les résultats concrets qu’ils produisent. Il s’agit alors pour elle de faire apparaître la structure interne de la discipline, la configuration originale à laquelle les finalités ont donné naissance, chaque discipline disposant sur ce plan d’une autonomie complète, même si des analogies peuvent se manifester de l’une à l’utre (CHERVEL, 1988, p. 73). 7 1.2 Relevância do trabalho Em nossa pesquisa investigamos as finalidades pelas quais o ensino das Transformações Geométricas foi prescrito nos currículos brasileiros de Matemática do Ensino Fundamental ao longo da história. Dessa forma, procuramos fundamentar nossas discussões na história dos currículos, um campo de estudos que têm possibilitado aos pesquisadores compreender o funcionamento do contexto escolar, bem como os princípios estruturantes dos processos de ensino. A história dos currículos representa na atualidade uma área emergente de pesquisas para vários educadores, inclusive para os educadores matemáticos. Segundo Baker (2006), a história dos currículos se configura como uma área recente de pesquisas que emerge dos estudos referentes ao campo educacional: O campo da história dos currículos constitui-se como um fenômeno relativamente recente do estudo da Educação. A gênese desse campo de pesquisa tem sido reconstruída por historiadores que se preocupam em definir os objetos de seus estudos referentes a esse campo, os quais possibilitam a eles elaborarem consistentemente suas investigações e também os permite formular diferentes concepções acerca das funções dos currículos no campo educacional [...] (BAKER, 2006, p. 105, tradução nossa).3 Independentemente da época em que é instituído, o currículo contempla os preceitos modernos do campo educacional, adequando o trabalho desse campo ao contexto social no qual é concebido. Os programas curriculares são implementados mediante princípios sociopolíticos distintos, os quais determinam as funções do campo disciplinar. Esses programas motivam questionamentos nos pesquisadores referentes às finalidades do contexto escolar no ensino dos conteúdos. O currículo é concebido historicamente pelos educadores com significados e finalidades distintos, que são analisados mais profundamente no campo da história dos currículos. Para a grande maioria dos educadores os currículos são documentos pelos quais se objetiva orientar de maneira adequada as práticas escolares associadas aos processos de ensino e de aprendizagem. Os pesquisadores da atualidade têm estudado os pressupostos desses 3 The field of curriculum history is a relatively recent phenomenon in the study of education. How the genesis of the field has been reviewed and constructed by historians is reflective of the ways in which the field constructs the objects of study that comprise its content and emphases […] (BAKER, 2006, p. 105). 8 documentos, procurando compreender as acepções do seu trabalho e também dos conteúdos que ensinam no contexto escolar (BAKER, 2006). Assim, os programas curriculares constituem fontes de estudos imprescindíveis às pesquisas históricas referentes ao campo educacional. A análise desses programas possibilita aos pesquisadores compreenderem a construção dos processos organizativos que norteiam as atividades do campo educacional, bem como o desenvolvimento do ensino das disciplinas. As disciplinas escolares constituem outra maneira de investigar os pressupostos dos currículos que contemplam os sistemas educacionais. Embora a história dos currículos como área de pesquisa não intencione especificamente solucionar as problemáticas atuais do campo educacional, seus estudos propiciam aos pesquisadores análises mais consistentes dessas problemáticas, as quais muitas vezes explicitam relações com o ensino desenvolvido em tempos passados. A identificação e a compreensão dessas relações pelos estudiosos são imprescindíveis para o aprimoramento do ensino no contexto escolar. Para Gimeno Sacristán (2013), os currículos possuem dupla finalidade no contexto escolar, sendo sistematizadores e também unificadores dos processos de ensino e de aprendizagem. Os currículos determinam novas funções educativas para as disciplinas escolares. Logo, esses documentos representam recursos que, dentre outras funções, promovem externamente o controle do contexto escolar, orientando efetivamente o seu funcionamento e o seu ensino. É pelos currículos que se podem planejar as atividades do campo disciplinar e determinar padrões adequados para o desenvolvimento dos processos de ensino: Seja por bem ou por mal, o fato é que o ensino, a aprendizagem e seus respectivos agentes e destinatários – os professores e alunos – tornaram-se mais orientados por um controle externo, uma vez que este determinou a organização da totalidade do ensino por meio do estabelecimento de uma ordem sequenciada. Um dos efeitos desse regramento foi o reforço da distinção entre as disciplinas e a determinação concreta dos conteúdos que os professores deveriam cobrir, bem como o refinamento dos métodos de ensino. Dessa maneira, o conceito de currículo delimitou as unidades ordenadas de conteúdos e períodos que têm um começo e um fim, com um desenvolvimento entre esses limites, impondo uma norma para a escolarização. Não é permitido fazer qualquer coisa, fazer de uma maneira qualquer ou fazê-la de modo variável (SACRISTÁN, 2013, p. 18). Os conteúdos escolares representam componentes culturais que possibilitam a construção dos conhecimentos do contexto escolar. No campo cultural há significados distintos para os elementos estruturantes do ensino. É por meio da interatividade desses elementos que se concebe, no contexto escolar, o conhecimento. Os currículos não são documentos que determinam as realidades escolares, mas são imprescindíveis ao campo educacional por 9 possibilitarem nesse campo a inserção de aspectos culturais na construção do ensino e em seu desenvolvimento (SACRISTÁN, 2013). Sacristán (2013) ressalta que, embora o campo pedagógico, em suas finalidades, não se limite apenas a viabilizar o ensino dos conteúdos escolares, são esses conteúdos que permitem a aplicação dos pressupostos dos currículos nas instituições de ensino. Com isso, o contexto escolar se desenvolve por meio das reformulações didáticas desses conteúdos. Segundo Sacristán (2013), os pressupostos dos currículos são ineficazes para aprimorar o trabalho do contexto escolar se os educadores são inaptos para promover as capacidades que os estudantes necessitam para desenvolver de maneira coesa suas aprendizagens. Mesmo que as orientações dos currículos proponham aos professores novos procedimentos e métodos didáticos para o ensino dos conteúdos, a ausência de estratégias eficazes para o desenvolvimento desses conteúdos acarreta falhas nos processos de ensino (SACRISTÁN, 2013). Para esse pesquisador, as distintas concepções dos estudiosos referentes às finalidades dos currículos nos sistemas educacionais estabeleceram outras funções para o trabalho pedagógico no ensino das disciplinas, tal como a criação de competências associadas aos processos de aprendizagem. Em níveis educacionais precedentes ao universitário, essas competências são recursos sistematizadores e também controladores dos preceitos curriculares relacionados ao ensino dos conteúdos, planejando-os e organizando-os em uma configuração distinta das fragmentações disciplinares habitualmente explicitadas pelas listas de conteúdos, as quais são extensas e inaplicáveis ao ensino, para que os professores possam promover de maneira consistente as aprendizagens do público estudantil: Nos níveis não universitários, as competências estão sendo utilizadas como um procedimento para regular e controlar os objetivos e conteúdos mínimos do currículo exigido de todos, como uma guia para ordená-los a partir de uma lógica distinta à dos agrupamentos das matérias, disciplinas ou áreas tradicionais, assim como para orientar as atividades de ensinar-aprender. A regulação se realiza por meio das prescrições escritas correspondentes impostas a todo o sistema e aos fabricantes dos textos escolares [...] (SACRISTÁN, 2013, p. 278). Atualmente, analisar os currículos prescritos representa um trabalho importante para os educadores que intentam compreender o desenvolvimento dos sistemas educacionais, bem como os princípios estruturantes do ensino escolar. Esses documentos representam fontes de pesquisa que permitem aos estudiosos do campo educacional analisar e compreender as 10 finalidades de objetivo que determinam o ensino das disciplinas. No entanto, essas finalidades nem sempre correspondem aos propósitos reais com os quais os currículos são implementados nos sistemas educacionais (CHERVEL, 1988). As diversas reformulações didáticas da Matemática escolar têm possibilitado globalmente o desenvolvimento dos currículos para o ensino dessa disciplina. Os saberes científicos oriundos da Matemática, em seu decurso progressivo, determinam novos conteúdos a serem introduzidos ao desenvolvimento de seu ensino nos currículos prescritos. Similarmente a esse processo, os avanços do campo educacional determinam novas tendências pedagógicas para os processos de aprendizagem da Matemática pelo público estudantil e com isso os programas curriculares passam a contemplar novas teorias educativas para reestruturar o ensino escolar. Em sua pesquisa, Valente (2004) explicita que os estudos históricos referentes ao desenvolvimento dos saberes escolares têm suscitado, em tempos atuais, maiores atenções dos historiadores e dos pesquisadores do campo educacional que investigam os processos históricos de escolarização de áreas diversas, inclusive da Matemática escolar: As pesquisas sobre os saberes escolares, ao que tudo indica, vêm se multiplicando nos últimos anos. Áreas do saber as mais diversas vêm realizando investigações sobre o trajeto histórico de sua escolarização. Isso se passa também com a Matemática, com a Matemática escolar (VALENTE, 2004, p. 2). As produções históricas dos pesquisadores associadas à Matemática escolar, ao serem introduzidas no campo da história da Educação, possibilitam a eles estruturarem seus processos investigativos para estudarem os significados e as finalidades dessa disciplina escolar. É o campo educacional que, ao abranger os saberes científicos para transformá-los em conhecimentos do contexto escolar, permite aos estudiosos analisarem o decurso histórico das ciências, o qual é determinado por pressupostos socioculturais (VALENTE, 2004). Portanto, as pesquisas referentes à investigação da Matemática escolar ao longo da história, para serem desenvolvidas pelos pesquisadores, devem estar relacionadas aos fundamentos da cultura escolar. Essas pesquisas têm a finalidade de complementar os estudos relacionados à cultura que emerge do contexto escolar, possibilitando aos historiadores promover, por meio de fontes de estudos de tempos passados, a estruturação de investigações consistentes acerca das relações que são determinadas entre ensino e cultura. 11 Nessa pesquisa, concebemos a História e suas diversas subáreas relativas ao campo educacional como alicerces de nossas investigações. As práticas históricas, bem como os temas que são por essas práticas estudados, devem ser compreendidos por todos os pesquisadores que estudam mais profundamente a história da educação. Em sua pesquisa, Certeau (1982) denomina a História como um processo que segue pressupostos dos campos científicos pelos quais os pesquisadores podem analisar, partindo-se do contexto sociocultural em que tal processo está inserido, os acontecimentos de épocas em que se propõem a estudar. Esse pesquisador ressalta que, dentre as fontes de estudos das quais o pesquisador dispõe, somente é possível analisar problemáticas de tempos passados em contextos do presente, e que não são as épocas que determinam os resultados explicitados pelas pesquisas históricas, mas sim as situações a partir das quais o pesquisador problematiza suas investigações: Ainda que isto seja uma redundância é necessário lembrar que uma leitura do passado, por mais controlada que seja pela análise dos documentos, é sempre dirigida por uma leitura do presente. Com efeito, tanto uma quanto a outra se organizam em função de problemáticas impostas por uma situação (CERTEAU, 1982, p. 34). Assim, o historiador, independentemente dos métodos e procedimentos que adote para desenvolver seus trabalhos, deve formular investigações concernentes às problemáticas de um passado, cujas lacunas que apresentam as fazem presentes diante dos processos históricos de análise que, equivocadamente, as consumaram em outras épocas, e também deve explicitar em suas pesquisas os resultados pelos quais se podem comprovar a consistência e a veracidade dos temas que estuda. No entanto, os estudos dessas problemáticas também indicam as limitações do historiador em se dispor a explorar, por meio de documentos e relatos, aspectos de uma época da qual não possui conhecimento e experiências, sendo difícil, portanto, a plena contextualização dos fatos passados. Ao promover estudos referentes ao campo histórico, o pesquisador deve analisar as relações entre fatos de tempos passados e as lacunas desses fatos que emergem nas investigações do tempo presente (CERTEAU, 1982). Procurando melhor nortear as práticas dos estudiosos que realizam investigações no campo histórico, Certeau (1982) ressalta, dentre outros processos de pesquisa, os procedimentos investigativos fundamentados pelo movimento denominado por ele como “História Nova”, que foi idealizado nas escolas francesas dos annales e foi desencadeado em nível internacional entre as décadas de 70 e de 80, por historiadores contrários aos princípios da história tradicional. 12 Para Certeau (1982), os estudos referentes ao campo da História Nova se iniciam pelas modificações dos processos de pesquisa que são elaborados por historiadores para realizarem coerentemente suas investigações. Por meio dessas modificações, suas fontes de estudos adquirem outras finalidades investigativas, pois essas fontes deixam de representar descrições verídicas das problemáticas que são estudadas em tempos passados, para que sejam construídos pelos pesquisadores modelos ou representações dessas problemáticas, sendo atribuídos significados a esses modelos ou representações para possibilitar a sua introdução no campo histórico. Os pesquisadores priorizam os significados dessas fontes, reestruturando-as pela construção de representações para adequá-las ao contexto histórico dos temas estudados. Dessa maneira, a História Nova é praticada pelos historiadores mediante a constituição de modelos compostos de significados por meio dos quais esses modelos são introduzidos adequadamente ao contexto histórico das problemáticas em análise. Esses significados atestam a consistência histórica desses modelos: A transformação do “arquivístico” é o ponto de partida e a condição de uma história nova [...] A análise contemporânea altera os procedimentos ligados à “análise simbólica” que prevaleceu a partir do romantismo e que buscou reconhecer um sentido dado e oculto: ela reencontra a confiança na abstração que é hoje um conjunto formal de relações ou “estrutura”. Sua prática consiste em construir “modelos” propostos decisoriamente, em “substituir o estudo do fenômeno concreto pelo estudo de um objeto constituído por sua definição”, em julgar o valor científico deste objeto segundo o campo de questões a que permite responder e segundo as respostas que fornece, finalmente, em “fixar os limites da significabilidade deste modelo (CERTEAU, 1982, p. 83-84). Os pressupostos da História Nova provocaram transformações notáveis nos processos pelos quais os pesquisadores elaboram e concebem seus estudos, pois eles devem construir as representações daquilo que estudam e associar essas representações aos significados de seus estudos no campo histórico (CERTEAU, 1982). Nosso trabalho está integrado ao âmbito das temáticas históricas enfatizadas pela Educação Matemática. A Educação Matemática representa uma área de pesquisas e de profissionalização que se estabilizou após a iniciativa dos matemáticos em criar, durante o Congresso de Roma ocorrido em 1908, uma comissão educativa em nível internacional para inspecionar a Matemática escolar. Na atualidade, a Educação Matemática constitui-se como uma área abrangente de estudos acadêmicos e também como um campo que possibilita a criação de novas perspectivas de profissionalização para os docentes. Em sua pesquisa, Valente (2013) explicita que determinados estudos históricos do campo educacional foram recentemente introduzidos no campo da Educação Matemática, e 13 esses estudos se configuram na atualidade como uma nova vertente de investigação nessa área de pesquisas. No entanto, os pesquisadores do meio acadêmico determinam finalidades distintas para a realização desses estudos. Há pesquisas pelas quais os historiadores objetivam investigar a epistemologia dos conteúdos matemáticos em livros escolares ou analisar a constituição dos métodos didáticos no seu ensino. Há também pesquisas pelas quais os estudiosos objetivam contextualizar as reformulações disciplinares da Matemática escolar em tempos passados, analisando como fontes de pesquisa os currículos, os manuais didáticos e os documentos que explicitam as práticas dos docentes em determinadas épocas ou até mesmo investigar os trabalhos educativos das instituições de ensino no desenvolvimento dessa disciplina ao longo da história (VALENTE, 2013). Na Educação Matemática, essas pesquisas exigem um comprometimento maior dos historiadores em seus procedimentos investigativos, pois os historiadores possuem a função de “construir a história”, e não podem se restringir a descrever os fatos orientando-se somente pelos dados coletados em seus estudos: Essa caracterização, ao que parece, leva uma enorme mudança no modo de entender o trabalho do historiador. A ele não cabe mais coletar fatos do que ocorreu noutros tempos descrevendo-os consoante os documentos que encontra. Seu ofício é o de construir esses fatos. Quando se ultrapassa a ideia de que a história não é uma cópia do que ocorreu no passado, mas sim uma construção do historiador, a partir de vestígios que esse passado deixou no presente, passa-se a tratar a história como uma produção (VALENTE, 2013, p. 25). Os docentes, ao conhecerem a história daquilo que ensinam, podem melhor compreender o desenvolvimento do contexto escolar, e assim procuram aprimorar seus métodos didáticos para introduzi-los, de maneira adequada, nos processos de ensino da atualidade. No entanto, os estudos históricos referentes ao campo educacional não devem ser concebidos pelos pesquisadores como soluções das problemáticas do presente, pois a finalidade deles é aproximar os professores de sua realidade profissional e dos campos científicos, pelos quais suas disciplinas foram construídas, de modo a possibilitar-lhes reflexões concernentes às finalidades do campo educacional e ao aprimoramento do ensino (VALENTE, 2013). Em cada época, alguns dos conhecimentos que são construídos em Matemática por especialistas dessa área são difundidos no contexto escolar. Os docentes, ao se apropriarem desses conhecimentos, realizam adaptações para adequá-los ao seu trabalho. São essas adaptações que norteiam novos pressupostos educacionais para o ensino de Matemática. 14 Portanto, é fundamental que os educadores analisem os processos históricos de constituição dos novos conhecimentos que são introduzidos no ensino dessa disciplina, bem como de suas adaptações ou reformulações didáticas, para que possam refinar efetivamente seus procedimentos educativos no desenvolvimento da Matemática escolar. Valente (2013) salienta que as pesquisas históricas referentes ao ensino de Matemática adquirem maior consistência quando são fundamentadas nos pressupostos da História Cultural. No que concerne às fontes de pesquisa da atualidade que podem ser utilizadas pelos pesquisadores nos estudos acerca do decurso histórico da Matemática escolar, Valente (2013) explicita os documentos que, no contexto atual, estão relacionados ao seu ensino em tempos passados, os quais constituem importantes recursos para a produção de pesquisas referentes ao campo da Educação Matemática: Neste ponto, é o caso de perguntar: Que tipos de vestígios no tempo presente referese à educação Matemática de outros tempos? Livros antigos de Matemática? Manuais para professores ensinarem Matemática? Cadernos de Matemática de professores e alunos? Programas e orientações curriculares para o ensino de Matemática, elaborados em outras épocas? [...] É possível continuar essa série de interrogações e a todas elas responder sim. A ligação direta que cada um desses exemplos mostra com o ensino de Matemática não permite dúvida. Todos eles referem-se ao ensino de Matemática. São “testemunhos voluntários”. De outra parte, tantos e tantos outros vestígios ligamse à educação Matemática de outros tempos, que só a paciência e o investimento na pesquisa histórica poderão revelar tratar-se de marcas importantes, a serem utilizadas para o avanço do conhecimento em história da educação Matemática (VALENTE, 2013, p. 45). Na atualidade os estudos históricos concernentes aos ensinamentos da Matemática escolar têm contribuído efetivamente para as reformulações dessa disciplina nos currículos escolares e também nos manuais didáticos, fazendo com que seu ensino seja desenvolvido com maior eficiência pelos educadores. Esses estudos também permitem aos pesquisadores refletir acerca das finalidades da Matemática escolar para que essa disciplina possa ser desenvolvida pelos educadores de maneira coerente às aprendizagens de novos públicos estudantis. 1.3 Objetivos e questões de pesquisa Por meio deste trabalho, ambicionamos analisar a inserção e o desenvolvimento do conteúdo Transformações Geométricas nos currículos prescritos de Matemática do Ensino Fundamental desde a disciplinarização da Matemática no contexto escolar brasileiro em 1930 até os anos 2010. Procuramos, dessa maneira, justificativas para a presença das Transformações 15 Geométricas nos currículos de Matemática da atualidade e também analisar as recomendações para o seu desenvolvimento no ensino de Geometria. Com ênfase no contexto histórico das reformas educacionais, objetivamos também verificar as finalidades com as quais esse conteúdo foi prescrito nos currículos do passado procurando relacionar essas finalidades com aquelas dos currículos do contexto atual. Os estudos que realizamos no desenvolvimento deste trabalho, bem como as finalidades deles e dos procedimentos por nós concebidos em nossos intentos investigativos, foram coordenados por duas indagações concernentes à estruturação de nossa pesquisa: Quais são as indicações para o ensino das Transformações Geométricas nos anos finais do Ensino Fundamental,4 segundo currículos prescritos de Matemática no período de 1930 a 2000? Quais são as indicações do Currículo de São Paulo (2010) para os processos de ensino e de aprendizagem das Transformações Geométricas nos anos finais do Ensino Fundamental? 1.4 Limitação da pesquisa Em nossa pesquisa nos concentramos em analisar somente as prescrições curriculares para o ensino do conteúdo Transformações Geométricas, e não em sua aplicação nas escolas. Não podemos afirmar se as indicações contidas nesses documentos foram seguidas pelos professores, e não podemos contextualizar a aculturação promovida por esse conteúdo quando ensinado aos estudantes do Fundamental. Não analisamos nesse material os manuais antigos escritos por Euclides Roxo, dentre outros autores envolvidos nos dois movimentos de modernização da Matemática escolar, pois nosso objetivo é estudar o desenvolvimento do ensino das transformações nos currículos prescritos, e não na literatura didática. Os currículos prescritos constituem nossas principais fontes de estudos, pelas quais procuramos compreender as finalidades com que o ensino das Transformações Geométricas foi e é proposto para o Ensino Fundamental II. Não objetivamos investigar as concepções dos 4 Reiteramos que Ensino Fundamental nesse contexto quer dizer: 1.º ciclo do antigo secundário (até 1942), depois ginásio (1971), de 5.ª a 8.ª série do 1.º grau, posteriormente Ensino Fundamental – atualmente 6.º a 9.º anos. 16 docentes referentes ao ensino desse conteúdo, bem como os processos didáticos dos quais se utilizam para desenvolvê-lo em suas aulas. Embora os pressupostos dos programas curriculares para o ensino dos conteúdos sejam explicitados no contexto escolar com o objetivo de nortear os processos de ensino e de aprendizagem desses conteúdos, os quais são desenvolvidos por meio do trabalho dos docentes, não podemos descrever ou contextualizar o desenvolvimento desses processos na prática, pois não intencionamos estudar as circunstâncias em que o ensino e a aprendizagem das Transformações Geométricas realmente foi ou é desenvolvido no Ensino Fundamental. As indicações dos currículos de Matemática para o estudo da Geometria são os únicos recursos dos quais nos valemos para analisar o ensino do conteúdo Transformações Geométricas. Também não objetivamos estudar na prática as formas de apropriação do ensino desse conteúdo pelo público escolar. Não explicitamos neste trabalho nenhum relato oral de pesquisadores referente a essas apropriações, e não dispomos de nenhuma fonte de estudos além das escritas. Os currículos prescritos de Matemática dos anos 1930 aos anos 2010, os manuais didáticos da coleção Experiências Matemáticas relacionada à Proposta Curricular de 1988 para o ensino de Matemática e os manuais do Currículo de São Paulo de 2010 constituem as fontes primárias analisadas neste trabalho. Consideramos que esses manuais didáticos explicitam diretamente para os professores as prescrições dos programas curriculares pelos quais foram produzidos, portanto são documentos distintos dos livros escolares convencionais que promovem diversas adaptações dessas prescrições ao propor para os educadores o ensino dos conteúdos matemáticos. Não almejamos investigar os progressos e as dificuldades dos estudantes do Ensino Fundamental na aprendizagem das Transformações Geométricas nem identificar os métodos por meio dos quais os docentes realizam exposições teóricas ou práticas desse conteúdo para seus alunos ao desenvolverem seu ensino. Nos manuais didáticos que analisamos, enfatizamos as finalidades com que o ensino das transformações é indicado, mediante as recomendações desses documentos, para os professores. Não intencionamos estudar, por meio desses manuais, os aspectos concernentes à epistemologia didática que estão associados aos processos de ensino desse conteúdo. As reformas educacionais explicitam, em seus pressupostos, aspectos culturais que contemplam o contexto escolar. Dessa maneira, estudamos os preceitos da cultura escolar que 17 estão associados à implementação e ao desenvolvimento dessas reformas nos sistemas educacionais. Não analisamos as concepções dos educadores referentes aos significados dessa cultura no trabalho das instituições de ensino, nem as finalidades das práticas escolares que dela emergem. Embora os dois movimentos modernizadores da Matemática escolar tenham modificado, em nível internacional, os processos de ensino dessa disciplina nas escolas secundárias, principalmente em Geometria, sendo introduzidos procedimentos para desenvolver o ensino de novos conteúdos, restringimo-nos em estudar as prescrições das reformas curriculares brasileiras para o ensino das Transformações Geométricas. Os efeitos práticos das indicações dessas reformas para o desenvolvimento desse conteúdo nas escolas secundárias não foram investigados neste trabalho. 1.5 Procedimentos metodológicos Nossos objetivos de pesquisa nos levam a identificar modificações no ensino das Transformações Geométricas no Ensino Fundamental por meio da análise das prescrições das reformas curriculares ao longo da história. Para atingir os nossos pressupostos investigativos, elaboramos dois questionamentos que nos orientam relativamente quanto aos métodos e aos pressupostos teóricos, para fundamentar os nossos argumentos. Assim, justificamos o desenvolvimento de nosso estudo por meio das indagações apresentadas no item anterior. No intuito de responder às questões de pesquisa, inicialmente decidimos analisar as indicações dos currículos atuais. Optamos por examinar as prescrições do Currículo de São Paulo (2010), documento concebido como uma referência para a elaboração dos programas curriculares de outros Estados brasileiros (SÃO PAULO, 2010). Ao observar esse documento, nossa questão era: como estava prescrito o ensino das Transformações Geométricas nos currículos do Fundamental? Analisando as indicações do Currículo de São Paulo para o ensino de Geometria, notamos que o conteúdo Transformações Geométricas estava presente, e o seu ensino era enfatizado para o trabalho docente no Fundamental. Evidenciamos também a presença do ensino das Transformações Geométricas nos cadernos de Matemática desse currículo, os quais são por nós concebidos como manuais didáticos que adaptam e difundem os pressupostos desse documento no contexto escolar. 18 Ressaltamos que, em nosso estudo, esses cadernos, com os manuais da coleção intitulada Experiências Matemáticas associada à Proposta Curricular de Matemática para o primeiro grau (1988), foram os únicos manuais didáticos que investigamos por constituírem-se como materiais elaborados pelos reformadores no âmbito da Secretaria de Estado da Educação nos anos 1990. Portanto, optamos por não analisar os livros de Euclides Roxo e demais coleções didáticas ao longo da história, pois não consideramos a apropriação dos autores das literaturas didáticas referentes ao ensino das transformações, e sim a articulação dos pressupostos curriculares para o desenvolvimento desse conteúdo no contexto escolar. Nessas circunstâncias, decidimos verificar as prescrições das reformas curriculares de tempos passados para o ensino da Geometria das transformações. Por conseguinte, escolhemos analisar três reformas educacionais: Campos (1931), Capanema (1942) e Simões Filho (1951), descrevendo os pressupostos delas, bem como os sugestionamentos metodológicos para o ensino das transformações. Ademais, analisamos os pressupostos dos currículos para o ensino desse conteúdo no Movimento da Matemática Moderna, as implantações das suas orientações e o seu declínio nos programas curriculares paulistas. Dessa maneira, examinamos as prescrições dos Guias Curriculares (1976) e também as da Proposta Curricular de São Paulo (1988), além dos manuais Experiências Matemáticas que contemplam essa proposta, em sua instauração, descrevendo as orientações e as atividades sugestionadas nesses documentos para o ensino das transformações. Em seguida, analisamos as prescrições dos PCN de 1998 e do Currículo de São Paulo de 2010, enfatizando, pelos cadernos desse currículo, as recomendações para o ensino da Geometria das Transformações. Estudando os cadernos curriculares utilizados pelos professores, também procuramos descrever fatores característicos do ensino desse conteúdo, tais como: Procedimentos didáticos para o ensino desse conteúdo, em sua exposição e abordagem; Abordagens conceituais do conteúdo; Sugestões de ensino; Proposição das atividades; Objetivos curriculares e aptidões associadas à aprendizagem dos estudantes no ensino das Transformações Geométricas; 19 Relações entre as Transformações Geométricas e outros conteúdos matemáticos; Recomendações curriculares referentes à avaliação e também à recuperação das Transformações Geométricas nos processos de aprendizagem. Analisando as finalidades do estudo das Transformações Geométricas por meio dos manuais Experiências Matemáticas da Proposta Curricular de Matemática (1988) e dos cadernos de Matemática do Currículo de São Paulo (2010), procuramos relacionar os pressupostos desses currículos para o ensino desse conteúdo com as prescrições das reformas educacionais que os precederam. Assim, concebemos neste trabalho a elaboração de quadros de âmbito comparativo, pelos quais descrevemos e estudamos os propósitos desses documentos para o ensino das transformações e suas relações. 20 CAPÍTULO 2 EM BUSCA DE FUNDAMENTOS TEÓRICOS 2.1 Cultura escolar: abordagem histórica A cultura que historicamente emergiu do contexto escolar e que, dentre outras finalidades, contempla as práticas educativas associadas aos processos de ensino e de aprendizagem, tem sido atualmente investigada por historiadores que intentam compreender o desenvolvimento do campo educacional. Hoje, a cultura escolar, em seu contexto histórico, se constitui como um campo de pesquisa importante por possibilitar aos pesquisadores estudar o contexto escolar e suas finalidades educacionais (JULIA, 2001). Em sua pesquisa, Julia (2001) salienta que essa cultura é constituída pelas relações que são determinadas entre um conjunto de regulamentos pelos quais os conhecimentos pertinentes ao ensino escolar são definidos, bem como as atividades escolares referentes ao desenvolvimento desses conhecimentos e por um conjunto no qual estão imersas as práticas pedagógicas que refinam esses conhecimentos, adaptando-os ao ensino e agregando as atividades escolares ao campo educacional: [...] Para ser breve, poder-se-ia descrever a cultura como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos [...] (JULIA, 2001, p. 10). A cultura escolar, desde o passado, não era devidamente concebida pelos historiadores como uma cultura integrada aos trabalhos do contexto escolar. Dessa maneira, eles desconsideravam as relações entre as finalidades dessa cultura e os preceitos pedagógicos relacionados aos processos de ensino. Julia (2001) enfatiza que as instituições de ensino, para serem compreendidas pelos pesquisadores, devem ser analisadas por meio de sua funcionalidade interna, e não pelos processos externos à sua dinâmica funcional. É na perspectiva histórica do campo disciplinar, por meio da qual são estudadas práticas e pressupostos de ensino das disciplinas, que o contexto escolar tem sido mais bem analisado (JULIA, 2001). Por não disporem de fontes de estudos precisas que comprovassem efetivamente as finalidades culturais do campo educacional, os historiadores do passado equivocadamente se 21 negavam a conceber em suas pesquisas que as modificações das práticas escolares eram causadas, dentre diversos fatores específicos do contexto pedagógico, pelo estabelecimento de novos pressupostos do âmbito cultural. No entanto, essa postura dos pesquisadores denotava a superficialidade e a inconsistência de seus estudos no campo educacional (JULIA, 2001). Para Julia (2001), os documentos normatizadores do contexto escolar, os quais determinam as suas finalidades educativas, são fontes de estudo importantes para serem consultadas pelos pesquisadores. Por esses documentos, os estudiosos identificam os pressupostos e os projetos educacionais para o ensino, podendo reconstruir o decurso histórico do campo educacional para melhor compreendê-lo: Não existe na história da educação estudo mais tradicional que o das normas que regem as escolas ou os colégios, pois nós atingimos mais facilmente os textos reguladores e os projetos pedagógicos que as próprias realidades. Gostaria de insistir somente sobre dois pontos: os textos normativos devem sempre nos reenviar às práticas; mais que nos tempos de calmaria, é nos tempos de crise e de conflitos que podemos captar melhor o funcionamento real das finalidades atribuídas à escola (JULIA, 2001, p. 19). Dessa forma, as disciplinas representam construções específicas das instituições de ensino que possibilitam aos pesquisadores estudar os pressupostos dos sistemas educacionais: A análise precedente remete-nos a um estudo daquilo que hoje se chama disciplinas escolares: estas não são nem uma vulgarização nem uma adaptação das ciências de referência, mas um produto específico da escola, que põe em evidência o caráter eminentemente criativo do sistema escolar [...] (JULIA, 2001, p. 33). O campo disciplinar, em seu contexto histórico, explicita a flexibilidade autônoma dos docentes para desenvolver o ensino escolar de maneira coerente aos fundamentos do campo educacional. As disciplinas não devem ser investigadas somente em seu ensino atual, mas também no percurso histórico de seus ensinamentos em tempos passados, para que possam ser estudadas e compreendidas as suas relações (JULIA, 2001). A cultura escolar contempla as funções educativas das instituições de ensino, as quais interagem significativamente na reestruturação do seu trabalho. Nos currículos essa cultura está presente. Portanto, as modificações curriculares pelas quais são reformuladas as disciplinas constituem-se por meio de novos pressupostos culturais do ensino escolar. Essas disciplinas explicitam em seu desenvolvimento os fundamentos que alicerçam essa cultura, os quais predominam nas práticas escolares e nos processos de ensino (JULIA, 2001). 22 2.2 As reformas curriculares e as influências da cultura escolar Em seus estudos, Viñao (1995) ressalta que muitos historiadores têm utilizado a história cultural como uma ferramenta que, em razão de sua abrangência e flexibilidade interdisciplinar, possibilita compreender a complexa problemática em que se instaura a História da Educação. Essa iniciativa dos pesquisadores surge dos problemas que encontram ao estudarem os elementos que constituem historicamente a educação, procurando analisar as suas relações e o seu funcionamento. Esse pesquisador explicita que, por meio da história cultural, os estudos relacionados à história da educação adquirem novos sentidos. As instituições de ensino passam a ser caracterizadas como estabelecimentos que, dentre tantas práticas e ensinamentos, promovem uma cultura peculiar. Estudar a cultura produzida pelo contexto escolar e as suas modificações pode auxiliar os historiadores a compreender o desenvolvimento dos sistemas educacionais: Afirmar que a escola – no seu sentido mais amplo – é uma instituição é óbvio. Também se pode dizer que nela existe uma cultura escolar. Precisamente porque a escola é uma instituição é porque podemos falar de cultura escolar e vice-versa. A dificuldade que se apresenta é a de expressarmos de maneira adequada o que implica à escola ser uma instituição sobre a qual se insere uma cultura escolar, pois é preferível falar, no plural, das culturas escolares (VIÑAO, 1995, p. 68, tradução nossa). 5 As reformas educacionais também representam objetos a serem discutidos nesta pesquisa. Consideramos os estudos de Viñao (2007) apropriados para enfatizar os processos de instauração e transição das reformas curriculares e discutir a importância da cultura escolar como um meio de inserção das disciplinas. A cultura escolar se constituiu a partir da estabilização das instituições de ensino, e não como resultante dos processos de instauração dos sistemas educacionais. No entanto, são esses processos que concebem a inserção de tal cultura na dinâmica profissional do contexto escolar, objetivando aprimorar os trabalhos dos docentes, os currículos e também as disciplinas (VIÑAO, 2007). Afirmar que la escuela – entendido este término en su sentido amplio – es una institución, es una obviedad. También lo es decir que existe una cultura escolar. Precisamente porque la escuela es una institución es por lo que podemos hablar de cultura escolar, y viceversa. Lo que ya resulta difícil es ponerse de acuerdo sobre qué implica que la escuela sea una institución y sobre qué sea eso de la cultura escolar o si no sería preferible hablar, em plural, de culturas escolares (VIÑAO, 1995, p. 68). 5 23 No que concerne às finalidades dessa cultura no campo educacional, é por meio dela que o contexto escolar demonstra autonomia para adaptar os saberes externos que o contemplam aos seus objetivos educacionais. No contexto histórico do campo educacional, as reformas curriculares têm representado uma problemática que suscita reflexões entre estudiosos referentes às finalidades dessas reformas nos sistemas educacionais. Os historiadores têm analisado, dentre outros aspectos estruturantes das reformas curriculares, os fatores históricos que conduzem às suas ineficácias aplicativas, bem como as críticas dos educadores aos reformadores dos currículos. Essas reformas determinam novas funções educativas para o contexto escolar, as quais se configuram tanto implícita como explicitamente. No estudo dos currículos os historiadores devem observar as finalidades que são explicitadas nesses documentos para o ensino e aquelas que implicitamente são almejadas, bem como as distinções entre elas. Para Viñao (2007), o desenvolvimento dos sistemas educacionais está efetivamente relacionado a uma integração entre as reformas curriculares e as diversas culturas dos educadores. Por meio dessa integração o contexto escolar define, com autoridades reformadoras e com a classe docente, suas acepções educativas. Portanto, toda alteração que se instaura em um determinado sistema educacional desprende mudanças nas instituições que orienta. Segundo Viñao (2007), o fracasso das reformas escolares ocorre porque os currículos são concebidos como instrumentos que não promovem interação entre o contexto escolar e os ensinamentos provindos das experiências dos professores. Assim, os currículos são elaborados para seguir os objetivos dos legisladores e não respaldam o trabalho docente: As reformas fracassam não porque como se sabe, todas elas produzam efeitos imprevistos ou indesejáveis que constroem opositores aos seus pressupostos, não porque originem movimentos de resistência, não encontram apoios necessários e não aceitam agregar o professorado em sua realização, não porque, ao aplicarem-se estas medidas, elas se transformam em um ritual formal burocrático, mas sim porque, de todas as formas, por sua mesma natureza histórica, ignoram a natureza da “gramática escolar”. Porque ignoram a existência e o peso de um conjunto de tradições e “regularidades institucionais”, sedimentadas ao longo do tempo, “que governam as práticas do processo de ensino e aprendizagem” [...] São alguns modos de fazer e pensar – comportamentos e mentalidades – transmitidos de geração em geração por meio dos professores, aprendidos através da experiência docente, que constituem as regras do jogo dos supostos envolvidos, que interagindo, permitem aos professores organizar a atividade acadêmica, elevar a sua categoria, dadas a sucessões de reformas ininterruptas que são implantadas desde o poder político-administrativo, adaptando- 24 as, transformando-as para atender as exigências que se derivam da referida “gramática” e das pressões externas (VIÑAO, 2007, p. 2, tradução nossa). 6 Esse pesquisador salienta ainda que, por meio do estudo das propostas curriculares e das suas modificações, os pesquisadores podem compreender as funções do contexto escolar e os processos relacionados ao ensino das disciplinas. Esse estudo possibilita aos pesquisadores refletirem sobre a estruturação e o desenvolvimento dos sistemas educativos, quando em sua pesquisa procuram estudar mais profundamente os aspectos que contemplam as aplicações das reformas escolares e suas adaptações ao ensino. De acordo com Viñao (2007), o nível secundário constitui uma variável importante para pesquisas referentes à compreensão da problemática instaurada pelo percurso das reformas curriculares ao longo da história, pois, além de ser o nível educacional que mais sofreu modificações, as diversas reformas delegadas a esse nível denotam interação entre a cultura docente e as principais finalidades do secundário. Assim sendo, Viñao (2007) explicita que, para analisar as reformas escolares, é necessário que o pesquisador identifique e estude as distinções entre os três principais elementos que a constituem: as teorias que precedem a sua elaboração, a viabilidade de sua implantação por meio dos procedimentos legislativos para que seus pressupostos possam ser inseridos nos sistemas educacionais, obedecendo à legalidade dos legisladores e estudar também as acepções práticas das indicações curriculares. É importante também verificar que as reformas quase sempre apresentam resultados imprevisíveis ou indesejáveis, até mesmo para os seus idealizadores ou para os responsáveis por sua instauração, e analisar a cultura dos docentes e dos legisladores para compreender as relações entre as reformas curriculares e as diferentes acepções das culturas escolares: 6 As análises de qualquer reforma educativa requerem distinguir três âmbitos: a da teoria proposta por “especialistas”, a da legalidade em todas as suas formas e manifestações e das práticas curriculares. A Las reformas fracasan no porque, como es sabido, todas ellas produzcan efectos no previstos, no queridos e incluso opuestos a los buscados, no porque originen movimientos de resistencia, no encuentren los apoyos necesarios o no acierten a implicar al profesorado en su realización, no porque, al aplicarse, se conviertan en un ritual formal o burocrático, sino porque, además de todo ello, por su misma naturaleza a-histórica ignoran la existencia de la “gramática de la escuela”. Porque ignoran la existencia y el peso de ese conjunto de tradiciones y “regularidades institucionales”, sedimentadas a lo largo del tiempo, “que gobiernan la práctica de la enseñanza y el aprendizaje” [...] Unos modos de hacer y de pensar – comportamientos y mentalidades – transmitidos de generación en generación por los profesores, aprendidos a través de la experiencia docente, que constituyen las reglas de juego y los supuestos compartidos, no puestos en entredicho, que permiten a los profesores organizar la actividad académica, llevar la clase y, dada la sucesión de reformas ininterrumpidas que se plantean desde el poder político y administrativo, adaptarlas, transformándolas, a las exigencias que se derivan de dicha “gramática” y a las presiones externas (VIÑAO, 2007, p. 2). 25 teoria, a legalidade e as práticas não são temas totalmente similares tampouco distintos. São elementos que funcionam de forma integrada. No entanto, em cada um deles podem-se observar os rastros dos outros dois. Em toda reforma podem-se apreciar mudanças ou inovações concretas, aceitas sem discussão ou resistências na rápida difusão da sua aprovação legal [...] A implantação rápida de uma mudança ou inovação escolar se estabelece quando as propostas coincidem com os interesses corporativos – assim se sucede quando essas propostas são elaboradas pelos “especialistas”, sem que haja conflitos sociais externos ao mundo educativo – ou quando a legalidade se limita a reconhecer uma prática em fase de generalização. Toda reforma ou inovação educacional produz efeitos não previstos, não queridos ou procurados. Em certas ocasiões os referidos efeitos constituem autênticas inovações organizacionais ou curriculares que se consolidam por meio de um longo processo. Em outros casos, trata-se de comportamentos ou atitudes opostas aos processos educacionais que os próprios especialistas pretendiam instaurar. (VIÑAO, 2007, p. 7-8, tradução nossa).7 Para esse pesquisador, os programas curriculares explicitam uma cultura distinta da cultura escolar. Assim, os currículos enfatizam a cultura reformadora, a qual se concentra em formalizar as prescrições curriculares para atender suas intenções sem considerar a cultura docente. Segundo Viñao (2007), a implementação das macrorreformas modifica efetivamente a cultura escolar. Os docentes, em virtude do desconhecimento dos pressupostos reformadores, procuram não agregar as orientações dos currículos quando lecionam. Dessa maneira, as propostas dessas reformas são ignoradas e sua implantação se reduz a uma exposição teórica malsucedida: As macrorreformas estruturais e curriculares elaboradas desde a consolidação do campo político administrativo modificam, pois, a cultura das instituições escolares. Em plena supremacia, no geral elas se opõem – por sua característica e natureza omnicompreensiva –, esta última, assim como, de modo particular, a cultura acadêmica docente, todo o conjunto de crenças, mentalidades, práticas de interação e 7 El análisis de cualquier reforma educativa requiere distinguir tres ámbitos: el de la teoría o propuestas de los “expertos”, el de la legalidad en todas sus formas y manifestaciones y el de las prácticas. Teoría, legalidad y prácticas no coinciden. Pero tampoco son compartimentos estancos o que difieran totalmente. Se determinan e influyen entre sí. Más aún, en cada una de ellos pueden verse huellas de los otros dos. En toda reforma pueden apreciarse cambios o innovaciones concretas, aceptadas sin discusión ni resistencias, de difusión rápida tras su aprobación legal [...] La implantación rápida de un cambio o innovación suele tener lugar cuando las propuestas coinciden con los intereses corporativos – es decir, cuando estos hallan el apoyo de los “expertos” sin que se aprecien resistencias sociales externas al mundo educativo –, o cuando la legalidad se limita a reconocer una práctica en fase de generalización. Toda reforma, cambio o innovación produce efectos no previstos, queridos o buscados. En ocasiones dichos efectos constituyen auténticas innovaciones organizativas o curriculares que se consolidan a lo largo de un proceso más o menos dilatado. En otros casos, se trata de comportamientos o actitudes a veces incluso opuestas o contrarias a las que se pretendían (VIÑAO, 2007, p. 7-8). 26 de trabalho adquiridas no decurso do tempo, enraizadas e transmitidas, mas não imutáveis, que passam de uma geração para outra, contra as ações dos professores diante de suas tarefas cotidianas, em suas aulas ou fora delas no modo de conceber e aplicar no seu trabalho as prescrições e orientações administrativas. É daí que surgem os atrasos na aplicação das reformas, a desvalorização dos seus objetivos iniciais, sua substituição por procedimentos formais burocráticos e por último o evidente fracasso de todas elas (VIÑAO, 2007, p. 11, tradução nossa). 8 Viñao (2007) enfatiza que a cultura docente, também definida por cultura escolar, se constitui em um conjunto de concepções e práticas que se inserem nas comunidades de professores para enfrentar os problemas do contexto escolar, criados por imposições e delimitações promovidas pelos sistemas educacionais. Por meio dessa cultura os novos professores são capacitados para desenvolver o seu trabalho pedagógico. Ela também possibilita aos docentes elaborar estratégias, mediante os recursos dos quais dispõem, para se adaptar aos processos de reformulação educacional. Segundo Viñao (2007), para compreender as influências que as reformas escolares exercem sobre a cultura dos professores é necessário analisar os componentes que constituem essas culturas e as suas relações diretas ou indiretas com a aplicação das reformas. O estudo desses componentes, com os estudos relacionados à prática docente e as diferentes acepções do tempo escolar por parte deles permitem aos pesquisadores analisar o insucesso da instauração das reformas que, desde a sua elaboração, ignoram o complexo desenvolvimento das culturas escolares. As intensas cobranças delegadas ao corpo docente por autoridades envolvidas por uma cultura reformadora provocam sua isenção da implementação das reformas, pois trata-se de uma cultura contrastante à cultura do corpo docente e que ignora práticas e resultados conquistados por esse grupo em seu trabalho. Inaptos para atender as intenções do corpo reformador, os docentes se limitam a reproduzir seus procedimentos, sem agregar em seu trabalho novas modificações didáticas propostas nos programas curriculares. 8 Las macrorreformas estructurales y curriculares generadas desde el ámbito político-administrativo modifican, pues, la cultura de los centros docentes. Pero no suelen tener en cuenta y en general se oponen – por sus características y naturaleza omnicomprensiva – a esta última, así como, de un modo particular, a la cultura académico-profesoral, al conjunto de creencias, mentalidades y prácticas de interacción y trabajo adquiridas sobre la marcha, arraigadas y transmitidas, no sin modificaciones, de una generación a otra, con las que los profesores hacen frente tanto a su tarea cotidiana en el aula y fuera de ella como a las prescripciones y orientaciones administrativas. De ahí los retrasos que experimenta la aplicación de las reformas, la devaluación de sus objetivos iniciales, su sustitución por procedimientos burocrático-formales y, en último término, el más que relativo fracaso de todas ellas (VIÑAO, 2007, p. 11). 27 2.3 A história das disciplinas escolares Nos últimos anos, o ensino escolar vem se transformando em objeto de muitas pesquisas científicas. Segundo Chervel (1988), o processo complexo de desenvolvimento dos sistemas educacionais, aqueles que determinam às instituições escolares suas acepções, suas disciplinas e as legalizam para o usufruto de um determinado público, tem sido discutido entre os educadores. Muitas vezes, ao tentar compreender os sistemas educacionais, educadores decidem pesquisar o desenvolvimento e a inserção de disciplinas em programas curriculares ou em livros didáticos. Concebida por meio dos estudos relacionados à História da Educação, inicialmente elaborados por pesquisadores franceses, a história das disciplinas constitui atualmente em um campo científico que agrega novos elementos para a historiografia educacional, contribuindo significativamente para os trabalhos dos historiadores de vários países, possibilitando a esses historiadores analisar as diversas variáveis que caracterizam acepções delegadas às disciplinas pelos sistemas educacionais. Muitos pesquisadores têm se empenhado em estudar toda a problemática que envolve esse recente campo de estudos. Com o objetivo de enfatizar alguns temas dessa problemática, procuramos fundamentar as nossas discussões nas pesquisas do historiador francês André Chervel (1988). Chervel (1988) ressalta que o historiador, ao se propor à realização de estudos sobre a história das disciplinas, investiga um campo que ainda não foi devidamente explorado pela ciência. A palavra disciplina não está bem definida nos dicionários quanto às suas funções nos sistemas educacionais. Dessa maneira, os historiadores necessitam definir significativamente o termo disciplina no momento em que procuram construir a sua história: Neste campo o historiador é confrontado com um problema pouco usual. Aplicada ao ensino, a noção de “disciplina”, independentemente de toda consideração evolutiva, não foi, nas ciências do homem, e em particular nas “ciências da educação”, objeto de uma reflexão aprofundada. Demasiado vagas ou demasiado restritas, as definições que delas são dadas de fato não estão de acordo a não ser sobre a necessidade de encobrir o uso banal do termo, o qual, não é distinguido de seus “sinônimos”, como “matérias” ou “conteúdos” de ensino. A disciplina é aquilo que se ensina e ponto final [...] Retoma então ao historiador a tarefa de definir a noção de disciplina ao mesmo tempo em que faz a sua história (CHERVEL, 1988, p. 60, tradução nossa). 9 9 Dans ce domaine, l’historien est confronte à un problème peu usuel. Apliquée á l’enseignment, la notion de “discipline”, indépendanmment de toute considération évolutive, n’a pas fait, dans les sciences de l’homme, et em 28 De acordo com Chervel (1988), até o final do século XIX as palavras “disciplina” e “disciplina escolar” possuíam dois significados no contexto escolar: vigilância da escola e repressão disciplinar. Essas palavras não tinham nenhum outro sentido e ainda não eram utilizadas para denominar os níveis de ensino nos textos das legislações escolares, documentos pelos quais eram observadas improvisações de outras palavras para a mesma denominação. Esse pesquisador enfatiza que, somente no século XX, o termo disciplina passa a ter uma significação adequada à utilização nas instituições escolares. Essa nova significação é elaborada por uma corrente pedagógica que durante o século XIX mantinha relações com a reformulação educacional dos níveis primário e secundário. Durante os anos 1870, grupos de pedagogos iniciam uma reflexão sobre as finalidades formativas das escolas primárias. Dessa reflexão surge o verbo disciplinar. A palavra disciplina, até tomar o significado atual, passa por duas fases. Na primeira, essa palavra é utilizada para denominar as matérias escolares que eram concebidas como “exercícios intelectuais”, com referência à Matemática e à “formação espiritual”. Depois da 1.ª Guerra Mundial, o termo disciplina passa a ser usado para classificar as matérias escolares, sem nenhuma relação com a “formação espiritual” dos estudantes, significado que prevalece até a atualidade (CHERVEL, 1988). Para Chervel (1988), muitos historiadores, ao estudarem o desenvolvimento histórico dos conteúdos escolares, enfatizam que estes não são ensinados nas escolas por determinações de suas autoridades, e sim por imposições do meio sociocultural no qual se situam. Assim, o conhecimento escolar produzido é concebido como resultado de um saber científico, e esse conceito está associado às práticas pedagógicas. As alterações sofridas pelas disciplinas são concebidas por um processo de simplificações pedagógicas, pelo qual as disciplinas são adaptadas para serem integradas às instituições de ensino. No entanto, essa concepção equivocada dos pesquisadores promove uma desestruturação das disciplinas escolares, limitando as suas funções à aplicação de uma metodologia, objetivando somente a divulgação dos conhecimentos científicos para os estudantes. Segundo Chervel (1988), os contextos históricos dos conteúdos científicos passíveis de serem ensinados nas escolas e dos métodos pedagógicos são analisados distintamente pela particulier dans les “sciences de l’éducation”, l’objet d’une réflexion approfondie. Trop vagues, ou trop restrictives, les définitions qui em sont données ne s’accordent em fait que sur la necessite de couvrir l’usage banal du terme, lequel n’est pas distingue de ses “synonymes” comme “matières” ou “contenus” de l’ enseignement. Les disciplines, c’est ce qui s’enseigne, um point c’est tout [...] Il revient donc à l’historien de definir la notion de discipline em même temps qu’il em fait l’histoire (CHERVEL, 1988, p. 60). 29 história das disciplinas. Dessa maneira, é a história das disciplinas que possibilita aos pesquisadores compreender que as instituições de ensino não podem ser definidas por meio da finalidade de repassar os saberes aos estudantes meramente transmitindo-os ou de utilizar as disciplinas escolares como um meio para desenvolver as respectivas ciências, às quais essas disciplinas estão integradas: É de uma ou de outra que a história das disciplinas escolares é tributária. De um lado, à história das ciências, dos saberes, da língua, da arte, ela pede emprestada toda a parte relevante do seu ensino. À história da pedagogia, ela solicita tudo o que é parte integrante dos processos de aquisição, fazendo constantemente a separação entre as intenções anunciadas ou as grandes ideias pedagógicas e as práticas reais. Diante dessas duas correntes bem instaladas, ela se encarrega de estabelecer que a escola não se define por uma função de transmissão de saberes, ou de iniciação às ciências de referência. O que, apresentado nesses termos abruptos, parece levar a um paradoxo (CHERVEL, 1988, p. 65-66, tradução nossa).10 Esse pesquisador salienta ainda que os conceitos ensinados na escola não são constituídos por nenhuma ciência pedagógica que visa somente aspectos como aquisição e assimilação dos conteúdos, mas sim por uma adaptação pedagógica das disciplinas à cultura escolar. No entanto, não se pode descartar a importância do contexto pedagógico no estudo dos conteúdos, pois sem analisá-lo não conseguimos compreender o desenvolvimento do seu ensino. A pedagogia constitui um elemento precioso do processo de transição dos ensinos para as aprendizagens. A história das disciplinas, além de contribuir para a compreensão dos sistemas educacionais, nos permite refletir sobre o desenvolvimento das escolas ao considerar outro problema relacionado aos significados de seu ensino. As instituições de ensino, desde a sua criação, sempre foram caracterizadas pela sociedade e pelas ciências humanas como recintos que, por não desenvolverem nenhum tipo de conhecimento, se limitavam a contemplar os saberes produzidos por outros campos exteriores à sua realidade. Assim, os pesquisadores concebiam que as disciplinas escolares deveriam, por meio dos seus conteúdos, ressaltar os conhecimentos científicos de sua época. No entanto, Chervel (1988) salienta que as escolas não evoluem da mesma maneira que as ciências, assim não conseguem promover um ensino permeado pela disseminação do 10 C’est de l’une et de l’autre que l’histoire des disciplines scolaires est tributaire. D’un côté, à l’histoire des sciences, des savoirs, de la langue, de l’art, elle emprunte toute la partie qui relève de leur enseignement. À l’histoire de la pédagogie, elle demande tout ce qui est partie intégrante des processus d’acquisition, en faisant constamment le départ entre les intentions affichées ou les grandes idées pédagogiques et les pratiques réelles. Face à ces deux courants bien installés, elle s’attache à établir que l’école ne se définit pas par une fonction de transmission des savoirs, ou d’initiation aux sciences de référence. Ce qui, présenté dans ces termes abrupts, semble relever du paradoxe (CHERVEL, 1988, p. 65-66). 30 conhecimento científico. O ensino escolar se desenvolve e se modifica por meio de pressupostos didático-pedagógicos associados aos objetivos de reformulação dos sistemas educacionais. Ao priorizar os saberes advindos da evolução científica como o principal objeto de suas disciplinas, o contexto escolar se exime de seguir os seus princípios educativos. Em nosso trabalho analisamos as prescrições curriculares para o ensino do conteúdo Transformações Geométricas no secundário ao longo da história. A análise de um determinado conteúdo escolar ou da inserção de uma disciplina nos programas curriculares ou em coleções didáticas é uma temática concernente à história das disciplinas que se constitui como um campo científico indispensável à compreensão dos pesquisadores, não somente no que se refere aos principais aspectos das disciplinas escolares, mas é esse campo de pesquisa que permeia todos os elementos que compõem os sistemas educacionais. Dessa maneira, visando discutir e caracterizar as variáveis do conteúdo Transformações Geométricas nos currículos, nossas reflexões se fundamentam nos argumentos de Chervel (1988). Segundo Chervel (1988), os conteúdos escolares, em seu desenvolvimento didático, constituem uma grande incógnita na história do contexto educacional. Chervel (1988) também salienta que, no momento em que o pesquisador se dedica intensamente a uma investigação mais abrangente sobre os conteúdos do contexto escolar, buscando a compreensão do percurso histórico que envolve as modificações do seu ensino, é que se pode observar o primoroso significado desses conteúdos. Estes se transformam em meio a consultas indispensáveis à reflexão do pesquisador acerca das acepções disciplinares delegadas pelos sistemas educacionais nas problemáticas relacionadas ao seu desenvolvimento histórico nos programas curriculares: Tudo muda, evidentemente, a partir do momento em que se renuncia a identificar os conteúdos de ensino com as vulgarizações ou com as adaptações. Pois as disciplinas de ensino são irredutíveis por natureza a essas categorias historiográficas tradicionais [...] Como a escola, sendo a partir daí desqualificada de toda outra instância, começa a agir para produzi-las? [...] Se a escola se limitasse a “vulgarizar” as ciências ou a adaptar à juventude as práticas dos adultos, a transparência dos conteúdos e a evidência de seus objetivos seriam totais. Já que ela ensina suas próprias produções, não se pode senão questionar sobre suas finalidades: elas servem para quê? Por que a escola foi levada a tomar tais iniciativas? [...] (CHERVEL, 1988, p. 69-70, tradução nossa).11 11 Tout change, évidemment, à partir du moment où l’on renonce à identifier les contenus d’enseignement avec des vulgarisations ou des adaptations. Car les disciplines d’enseignement sont, elles, irréductibles par nature à ces catégories historiographiques tradition nelle […] Comment l’école, toute autre instance étant désormais disqualifiée, s’y prend-elle pour les produire? [...] Si l’école se bornait à << vulgariser>> des sciences ou à adapter à la jeunesse des pratiques d’adultes, la transparence des contenus et l’évidence de leurs objectifs seraient totales. 31 Conforme Chervel (1988), esses problemas constituem uma nova maneira de os historiadores tentarem analisar historicamente as disciplinas, concentrando-se em verificar os elementos do contexto escolar. A escola passa a ser caracterizada como um meio cultural valioso, por desenvolver as suas disciplinas para aculturar os estudantes e se transforma na principal referência para a constituição histórica de suas disciplinas. O estudo das finalidades, segundo Chervel (1988), se inicia com a análise de programas curriculares, os quais apresentam prescrições específicas relacionadas aos conteúdos e também aos procedimentos que contemplam adequadamente seu ensino. Agregados ao estudo dos currículos, outros documentos que também permitam identificar procedimentos e processos de ensino se transformam em meios de consulta imprescindíveis para se realizar um trabalho mais aprofundado acerca das finalidades do ensino: Neste estágio, uma primeira documentação abre-se imediatamente diante do historiador, a série de textos oficiais programáticos, discursos ministeriais, leis, ordens, decretos, acordos, instruções, circulares, fixando os planos de estudos, os programas, os métodos, os exercícios etc. O estudo das finalidades começa evidentemente pela exploração deste corpus. Aí juntam-se ou preferencialmente os precedem os planos de estudos, os tratados de estudos, os “ratio”, os regulamentos diversos que, sob o Antigo Regime, expõem os objetivos que perseguem os colégios das universidades ou das congregações, ou as escolas [...] (CHERVEL, 1988, p. 76, tradução nossa).12 As finalidades das disciplinas, para Chervel (1988), estão presentes nas indicações dos programas curriculares e em suas orientações didáticas, mas muitas vezes elas não estão claramente especificadas nesses documentos, o que faz com que elas sejam confundidas com os objetivos das propostas curriculares. Torna-se então fundamental para os historiadores das disciplinas analisar os programas educativos de instrução para identificar o desenvolvimento do seu ensino no contexto escolar distinguindo o ensino real do seu objetivo no contexto escolar. As finalidades dos conteúdos e das disciplinas nem sempre são analisadas adequadamente pelos pesquisadores que se dispõem a estudar os currículos prescritos, pois em Dès lors qu’elle enseigne ses propres productions, on ne peut que s’interroger sur leurs finalités: à quoi peuventelles bien servir? Pourquoi l’école a-t-elle été amenée à prendre de telles initiatives? […] (CHERVEL, 1988, p. 69-70). 12 À ce stade, une première documentation s’ouvre immédiatement devant l’historien, la série des textes officiels programmatiques, discours ministériels, lois, ordonnances, décrets, arrêtés, instructions, circulaires fixant les plans d’études, les programmes, les méthodes, les exercices, etc. L’étude des finalités commence évidemment l’exploitation de ce corpus. S’y ajoutent ou plutôt les précèdent, les plans d’études, les traités des études, les “ratio”, les règlements divers qui, sous l’Ancien Régime, exposent les objectifs que poursuivent les collèges des universités ou des congrégations, ou les écoles [...] (CHERVEL, 1988, p. 76). 32 determinados momentos eles confundem os significados das finalidades curriculares de objetivo, com as quais as disciplinas devem ser ensinadas, com os significados das finalidades reais dos currículos, os quais estão diretamente relacionados ao aprimoramento dos sistemas educativos. Em nossa pesquisa concebemos que as finalidades reais do currículo estão associadas à reestruturação organizativa e funcional do contexto escolar, bem como dos processos de ensino e aprendizagem que são desenvolvidos pelas escolas, enquanto as finalidades de objetivo correspondem ao desenvolvimento dos ensinamentos específicos de cada disciplina escolar, à elaboração das estratégias de ensino e à utilização de recursos didáticos que são indicados para os professores desenvolverem seu trabalho educacional, à integração de novos métodos de avaliação e de recuperação dos conteúdos disciplinares para o aprimoramento dos processos de aprendizagem do público escolar e também à determinação das capacidades ou habilidades a serem adquiridas pelos estudantes por meio do ensino dos conteúdos. Dessa maneira, esse pesquisador enfatiza que, para compreender o processo de desenvolvimento das disciplinas escolares, é fundamental analisar as modificações das finalidades das instituições de ensino, descentralizando a concepção do ensino presente nos conteúdos e estabelecendo relações entre os ensinos atuais utilizados pelo sistema escolar e os ensinos antigos que foram descartados por novos pressupostos pedagógicos. O ensino escolar é esta parte da disciplina que põe em ação as finalidades impostas à escola, e provoca a aculturação conveniente. A descrição de uma disciplina não deveria então se limitar à apresentação dos conteúdos de ensino, os quais são apenas meios utilizados para alcançar um fim. Permanece o fato de que o estudo dos ensinos efetivamente dispensados é a tarefa essencial do historiador das disciplinas. Cabe-lhe dar uma descrição detalhada do ensino em cada uma de suas etapas, descrever a evolução da didática, pesquisar as razões da mudança, revelar a coerência interna dos diferentes procedimentos aos quais se apela, e estabelecer a ligação entre o ensino dispensado e as finalidades que presidem o seu exercício. (CHERVEL, 1988, p. 80, tradução nossa).13 As disciplinas instituídas e reformuladas pela escola, segundo Chervel (1988), compõem uma problemática diversa quando os pesquisadores analisam a procedência dos seus 13 L’enseignement scolaire est cette partie de la discipline qui met em uvre les finalités imposées à l’école, et provoque l’acculturation conforme. La description d’une discipline ne saurait donc se limiter à la présentation des contenus de l’enseignement, qui ne sont que les moyens utilisés pour parvenir à une fin. Reste que l’étude des enseignements effectivement dispensés est la tâche essentielle de l’historien des disciplines. Il lui revient de donner une description détaillée de l’enseignement à chacune de ses étapes, de retracer l’évolution de la didactique, de rechercher les raisons du changement, de révéler la cohérence interne des différentes procédures auxquelles il est fait appel, et d’établir la liaison entre l’enseignement dispensé et les finalités qui président à son exercice (CHERVEL, 1988, p. 80). 33 conteúdos escolares. Essa problemática promove algumas indagações sobre a organização, a estruturação, o desenvolvimento e os objetivos dessas disciplinas. Em seu trabalho, Chervel (1988) explicita também que a exposição promovida por docentes, por livros ou currículos dos conteúdos escolares é um elemento disciplinar que permite ao pesquisador diferenciar os processos educativos característicos do meio escolar do ensino informal concebido em outros meios. O estudo dessa exposição pode indicar também ao pesquisador alguns fatores que conduzem às transformações do ensino. Esse pesquisador ressalta que, por meio da comparação das exposições atuais de um conteúdo escolar com as suas antigas, os historiadores podem verificar que as disciplinas adquirem, atendendo novos pressupostos pedagógicos, finalidades pelas quais ela se desenvolve para os estudantes de sua época. Uma disciplina escolar, para ser reformulada, não necessita contemplar a ciência ou se excluir dela. Sua renovação está relacionada à sua propriedade de transformar as suas finalidades para ser continuamente ensinada. 2.4 A história dos manuais didáticos: estudo e finalidades Os manuais didáticos explicitam para os docentes as prescrições curriculares para o ensino dos conteúdos, adaptando-os às finalidades do contexto escolar. Em sua pesquisa, Choppin (2001) enfatiza que o estudo das coleções de livros didáticos constitui um campo de pesquisa de grande importância para os pesquisadores que procuram compreender a complexidade de desenvolvimento dos sistemas educacionais no momento em que se atém a investigar os problemas concernentes à história da Educação: A pesquisa histórica sobre o livro e a edição escolares, a qual foi muito negligenciada por historiadores do passado, tem sido enfatizada na atualidade pelos estudiosos do campo educacional em um número cada vez mais significativo de países. O fato de a Associação Internacional de Historiadores da Educação (ISCHE) abordar em seu último congresso o tema “O livro e a Educação” constitui, assim, um testemunho inequívoco da importância dos estudos históricos relacionados às finalidades dos livros escolares no ensino. Mas por que esse campo de investigação esteve abandonado pelos historiadores em tempos passados e provoca, no contexto atual, tanto interesse da comunidade científica? Quais foram e quais são as concepções dos pesquisadores e dos educadores acerca das finalidades dos manuais didáticos nos processos de ensino e de aprendizagem e também quais são as principais orientações desses profissionais para a realização de pesquisas referentes à esse tema? Que precauções deve ter o historiador que toma os manuais escolares como objeto de estudo? (CHOPPIN, 2001, p. 6). 34 Conforme Choppin (2001), no passado, as coleções de livros didáticos eram ignoradas pelos pesquisadores como fontes de pesquisa do campo educacional. Eles evitavam analisá-las por diversos fatores, como a crença sociocultural de que os livros didáticos ou manuais não traziam nenhuma novidade para os estudantes. Assim, eles se restringiam a descrever fatos cotidianos e o fato de haver reproduções desses livros em grande escala nas editoras para a sua utilização restrita ao contexto escolar pode, entre outras situações, evidenciar a sua desvalorização histórica como fonte de estudos, um problema que persistiu durante séculos nas pesquisas científicas. As coleções didáticas de livros, para Choppin (2001), ao serem analisadas por historiadores caracterizam uma fonte mutável de consulta. Quando os sistemas educacionais se modificam por meio de inovações pedagógicas ou necessidades de reformulações curriculares, ou, ainda, quando as situações da atualidade alteram significativamente as estruturas sociopolíticas, essas coleções são modificadas, de maneira a descartar os métodos didáticos antigos para integrar novos métodos. Assim, esses livros são concebidos como materiais limitados, produzidos e utilizados para cumprir objetivos pedagógicos. No entanto, Choppin (2001) explicita que, independentemente da maneira como são estudados pelos historiadores em suas pesquisas, os manuais constituem uma fonte abundante de informações e ao mesmo tempo complexa, caracterizada por possuir diversas finalidades, que em sua maioria ainda não foram percebidas pelos pesquisadores para serem classificadas e avaliadas de maneira adequada. As pesquisas relacionadas aos manuais se restringem à parcialidade dos pesquisadores. Portanto, para o mesmo livro, todas as pesquisas referentes a ele desenvolvem concepções distintas associadas ao significado que esse documento possui para cada pesquisador: Os manuais representam para os historiadores uma fonte privilegiada, seja qual for o interesse por questões relativas à educação, à cultura ou às mentalidades, à linguagem, às ciências [...] O manual é, realmente, um objeto complexo dotado de múltiplas funções, a maioria, aliás, totalmente despercebidas aos olhos dos contemporâneos. É fascinante – até mesmo inquietante – constatar que cada um de nós tem um olhar parcial ou parcializado sobre o manual: depende da posição que nós ocupamos, em um dado momento de nossa vida, no contexto educativo; definitivamente nós só percebemos do livro de classe o que nosso próprio papel na sociedade (aluno, professor, pais de aluno, editor, responsável, político, religioso, sindical ou associativo, ou simples leitor, ...), nos instiga a ali pesquisá-lo (CHOPPIN, 2001, p. 13-14). Esse pesquisador salienta que, apesar de os manuais estarem inseridos no contexto escolar, não é difícil observar que, em muitas situações, os seus conteúdos se transformam em 35 meros pretextos para introduzir nos estudantes valores sociais, políticos, entre outros, procurando construir nos estudantes conceitos indispensáveis à sua cidadania. Considerando a sua produção, cada manual se restringe às concepções educacionais de sua época, as quais determinam suas maneiras de utilização. Segundo Choppin (2001), os livros cuja especificidade é sua efetiva utilização no meio escolar possibilitam aos historiadores caracterizar as articulações promovidas entre as orientações curriculares e sua adequação aos objetivos docentes. Para compreender as funções desses livros, bem como as finalidades da sua utilização, é importante para o pesquisador refletir sobre as prescrições curriculares impostas ao seu desenvolvimento e, dessa maneira, o conhecimento das orientações curriculares precede qualquer pesquisa mais profunda acerca dos livros escolares: Mas se os manuais constituem, para o historiador, uma fonte privilegiada, não é somente pela riqueza e pela multiplicidade de olhares que ele pode impelir sobre eles. Em primeiro lugar, o livro de classe situa-se na articulação entre as prescrições impostas, abstratas e gerais dos programas oficiais – quando existem e o discurso singular e concreto, mas por natureza efêmera, de cada professor na sua classe. O manual constitui um testemunho escrito, portanto permanente, infinitamente mais elaborado, mais detalhado, mais rico que as instruções que supõe preparar. Seja qual for a importância que concedermos aos manuais, eles não constituem uma fonte isolada: os regulamentos escolares, os programas e instruções, os debates divulgados na imprensa de opinião ou nas revistas profissionais, os outros instrumentos (cadernos, cartas murais, ...), mas também as outras produções contemporâneas destinadas à juventude fora do âmbito propriamente escolar, constituem, do mesmo modo, meios de desvelar os contextos institucionais, políticos, científicos, culturais, religiosos, pedagógicos etc. de sua concepção, sua produção e seus usos. Nota-se, aliás, que, antes de se interessar pelo recenseamento dos manuais escolares, os historiadores geralmente se preocupam em inventariar os programas de ensino (CHOPPIN, 2001, p. 14-15). Para Choppin (2001), mesmo com as eventuais mudanças ocorridas na estruturação dos sistemas educacionais, a produção dos manuais nunca é interrompida. Surgem sempre novos livros que substituem as obras descartadas do contexto escolar e as suas sucessivas reedições preservam as suas qualidades. Ao serem consultados por pesquisadores, os manuais de diferentes períodos permitem verificar com precisão diversos elementos do contexto escolar, viabilizando sua análise. A organização por série desses livros possibilita aos historiadores estudar as transformações dos processos didático-pedagógicos e da concepção das disciplinas na transição do desenvolvimento científico para os conhecimentos que integram o contexto escolar. Além disso, essa organização permite aos pesquisadores estudar as diferentes 36 organizações sociais, as quais exigiram da escola severas alterações em suas disciplinas e os avanços das produções didáticas dos manuais. Em sua pesquisa, Choppin (2001) enfatiza que, ao realizarem investigações referentes aos manuais utilizados no contexto escolar, os pesquisadores devem conceber esses documentos como instrumentos de ensino, utilizados constantemente por professores na estruturação dos cursos que ministram e na preparação sequencial de suas aulas, e não como simples objetos de leitura. Trata-se de fontes cuja análise se demonstra complexa, pois os manuais se relacionam diretamente com os indivíduos que os utilizam e com as finalidades didáticas que adquirem em contextos educacionais. No contexto de intensa complexidade no qual as pesquisas referentes aos livros escolares estão situadas, Choppin (2001), com o objetivo de delinear as pesquisas nessa temática, explicita no seu trabalho dois procedimentos a serem realizados por pesquisadores que se dedicam ao estudo específico desses materiais: inicialmente, um trabalho de coleta e de tratamento sistemático das fontes: é preciso empreender ou proceder a constituição e ao desenvolvimento de grandes instrumentos de pesquisa, monografias de editoras, repertórios de textos oficiais ou banco de dados bibliográficos, e colocá-las, tanto quanto possível, à disposição da comunidade científica através da internet; em segundo lugar, um trabalho de reflexão metodológica: uma das características essenciais da pesquisa sobre o livro e as edições escolares é sua interdisciplinaridade, no sentido amplo, e um dos principais perigos aos quais se expõe qualquer pesquisador, trabalhando só, isolado é de dar a uma realidade complexa uma análise reducionista, até mesmo errônea. Então, se o manual é o produto de competências diversas, por que não o seria o mesmo para a pesquisa que o toma como objeto? (CHOPPIN, 2001, p. 23). Os livros didáticos, segundo Choppin (2002), ao longo da história desempenham quatro funções básicas: “referencial, documental, instrumental e cultural”. Em nossa análise, consideramos as duas primeiras funções que explicitamos a seguir: 1. Função referencial, também chamada de curricular ou programática, desde que existam programas de ensino: o livro didático é então apenas a fiel tradução do programa ou, quando se exerce o livre jogo de concorrência, uma de suas possíveis interpretações. Mas, em todo caso, ele constitui o suporte privilegiado dos conteúdos educativos, o depositário dos conhecimentos, técnicas ou habilidades que um grupo social acredita que seja necessário transmitir às novas gerações. 2. Função instrumental: o livro didático põe em prática métodos de aprendizagem, propõe exercícios ou atividades que segundo o contexto visam a facilitar a memorização dos conhecimentos, favorecer a aquisição de competências disciplinares ou transversais, a apropriação de habilidades, de métodos de análise ou de resolução de problemas etc. (CHOPPIN, 2002, p. 553). 37 As pesquisas de Choppin (2002) indicam que, durante um longo tempo, o estudo das coleções de manuais didáticos limitava-se essencialmente à análise metodológica dos conteúdos escolares, por meio dos quais se evidenciava a submissão do ensino escolar aos interesses de censura das autoridades políticas que legislavam sobre a escola. Esse pesquisador aponta que as pesquisas do meio acadêmico referentes ao estudo dos conteúdos em livros didáticos costumam seguir a mesma orientação. 2.5 Revisão de literatura Nesta seção, apresentamos as pesquisas que nos inspiraram a desenvolver o nosso estudo e que serão utilizadas como referências na intenção de discutirmos os temas principais do nosso trabalho. Essas pesquisas constituem fontes importantes de estudos relacionados à história das disciplinas e das reformas educacionais, dois campos atualmente explorados por educadores e historiadores. No Brasil, os trabalhos do Professor Wagner Rodrigues Valente são uma referência para os estudos relacionados a essa temática de pesquisa. Valente é coordenador do Grupo de Pesquisa da história da Educação Matemática no Brasil (GHEMAT), fundado em 2000. Os estudos desenvolvidos por esse grupo se destinam a pesquisadores interessados em investigar a trajetória e as transformações do ensino de Matemática nas escolas brasileiras ao longo da história. O GHEMAT possui em sua biblioteca um grande acervo bibliográfico por meio do qual disponibiliza livros, documentos e biografias para consulta dos pesquisadores. Em seu site, o grupo divulga as pesquisas realizadas por meio de suas publicações ou de materiais de multimídia. Dentre as publicações do grupo, encontra-se um livro produzido por meio dos estudos realizados por Valente (1997) em sua tese de doutorado defendida na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo no ano de 1997, intitulada Uma história da Matemática escolar no Brasil (1730 – 1930), orientada pela Professora Doutora Marli Elisa Dalmaso André. Em sua tese, o pesquisador investiga a gênese da disciplina Matemática e do seu ensino nas escolas brasileiras, bem como a sua evolução em livros e matrizes curriculares dos colégios no período de 1730 a 1930. 38 Trata-se de uma obra fundamental para a nossa pesquisa por estar associada à história das disciplinas, enfatizando o estudo dos conteúdos de Matemática em diferentes fases da educação brasileira, desde a constituição das escolas até a concepção da Matemática como uma disciplina do contexto escolar. Em sua pesquisa, Wagner Rodrigues Valente utiliza os estudos de Roger Chartier e de Peter Burke para discutir os temas do seu trabalho relacionados à história cultural. Ao iniciar os seus estudos, Valente (1997) expõe as questões que originaram sua investigação: Como nos relacionamos com o passado do ensino e aprendizagem de Matemática? Que herança esse passado deixou para as práticas didático-pedagógicas na sala de aula de Matemática? Por que ensinamos hoje o que ensinamos? Como foi constituída a Matemática escolar no Brasil? (VALENTE, 1997). Valente (1997) ressalta que, com o surgimento das armas de longo alcance, como os canhões, que atingiram plena evolução em sua construção no século XVIII, houve a necessidade de reformular os projetos de construção das fortalezas militares. Isso exigia investimento na formação dos profissionais para trabalhar com as fortificações. Dessa maneira, foram criados, segundo os desígnios do império português, os cursos de formação em fortificações. Por meio desses cursos eram formados engenheiros. Os engenheiros atuantes nas construções militares eram profissionais que dominavam a Geometria prática e a aritmética. Por meio desses cursos, segundo Valente (1997), a Geometria passa a ter uma evolução no seu ensino. O aspecto abstrato da Geometria passa a ser utilizado em projetos e desenhos aplicados à construção de fortificações, pontes, estradas, armamentos de guerra, casas, palácios etc. Assim, o ensino de Geometria passa a predominar nos cursos militares, os quais exigiam dos ingressantes conhecimentos de aritmética. No entanto, não havia livros didáticos sobre artilharia em português, e então o engenheiro José Fernandes Pinto Alpoim,14 que lecionava nos cursos do Rio de Janeiro, decide escrever duas obras relacionadas ao tema nos anos de 1744 e 1748. Suas publicações seguiam as finalidades da formação militar. No entanto, os livros de 14 Militante da brigada do Império português que, em sua imigração para o Brasil em 1738, passa a lecionar nas academias de artilharia do país editando muitos manuais didáticos referentes ao tema. Como engenheiro Alpoim também edificou muitas construções militares no Rio de Janeiro (VALENTE, 1997, p. 44). 39 Bélidor15 e Bézout,16 por serem essencialmente didáticos em seus aspectos, passam a ser considerados como referências para a Matemática ensinada nos estabelecimentos militares portugueses e brasileiros naquele período. Ao comparar as obras de Alpoim com as Bélidor e as de Bézout, o pesquisador indica que Alpoim não tinha o intuito de escrever livros contemplados por uma didática, enquanto os outros dois autores procuraram simplificar os conteúdos matemáticos, transformando os seus textos em uma referência para o ensino dos campos da Matemática no contexto escolar, um prenúncio da necessidade de transformar a Matemática em uma disciplina: Os livros de Matemática de Bélidor e Bézout representam obras que não têm compromisso com o rigor, com a teoria matemática. São manuais didáticos. Tanto assim que os autores se notabilizam cientificamente por outras produções que não as que analisamos. Trata-se de obras que não se inscrevem como científicas, como inovadoras de conteúdos no seio da ciência matemática. São textos para o ensino. Textos endereçados aos alunos. Livros de difusão do saber matemático. Não há nenhum tom de especulativo-filosófico nesses livros. Serão tais obras e tal modo de tratar as Matemáticas na escola que representarão as matrizes para posterior desenvolvimento da disciplina escolar Matemática. Isso ocorrerá, no Brasil, a despeito da prática pedagógica dos colégios jesuíticos e, posteriormente, do ensino dos seminários. A adoção de Bézout e Bélidor inaugura no Brasil a separação entre Aritmética e Geometria. Assim é gerado o embrião de duas disciplinas autônomas dentro das escolas. Posteriormente virá a Álgebra. Será essa Matemática, inicialmente ligada diretamente à prática, que, desenvolvida pedagogicamente nas escolas técnicomilitares, organizada, dividida e didatizada para diferentes classes, passará para os colégios e preparatórios do século XIX, e orientará os autores brasileiros a escreverem seus próprios livros didáticos (VALENTE, 1997, p. 87-88). A fundação do Colégio Pedro II, para Valente (1997), constituiu um prenúncio de reformulação dos conteúdos matemáticos e dos programas curriculares no nível secundário por meio de novas publicações didáticas produzidas por autores brasileiros. Os livros adotados para o ensino de Geometria nessa época são de autoria do Professor Benedito Ottoni.17 Em seu livro de trigonometria Ottoni, visa promover uma abordagem mais didática para as demonstrações em Geometria. Quando a editora FTD surge no Brasil, as produções didáticas, inicialmente destinadas aos colégios religiosos, são utilizadas nas escolas para os níveis primário, secundário 15 Bernard Forest de Bélidor (1698-1761), engenheiro militar francês que dedicou seus estudos aos campos da física. Bélidor escreveu muitas obras para os cursos de artilharia. Seu principal enfoque eram os métodos práticos de ensino da Geometria (VALENTE, 1997, p. 64). 16 Étienne Bézout (1730-1783), matemático francês, professor da Academia de Ciências de Paris, dedicou seus estudos no desenvolvimento das equações algébricas (VALENTE, 1997, p. 77). 17 Cristiano Benedito Ottoni (1811-1896), engenheiro militar e professor brasileiro que se dedicou a produção didática de livros de Matemática para as escolas secundárias (VALENTE, 1997, p. 131). 40 e também para os cursos preparatórios. Os livros brasileiros de Matemática produzidos desde a época do Professor Ottoni, com o auxílio da editora FTD,18 passam a apresentar a Matemática com uma didática adequada ao contexto escolar. Em resposta às questões pelas quais desenvolve a sua pesquisa, Valente (1997) conclui que a Matemática, em sua gênese no contexto escolar brasileiro, está associada à criação dos cursos militares. Com o surgimento de livros para os cursos de formação militar, a Matemática começa a ser estruturada e inserida nas instituições de ensino. As publicações de Bézout constituem a primeira referência para a inserção das três áreas de Matemática como disciplinas nos currículos dos colégios brasileiros. No século XX, os livros escritos por Benedito Ottoni redefinem o ensino da Matemática nas escolas secundárias, sendo essas obras efetivamente utilizadas para a constituição da matriz curricular do Colégio Pedro II e demais colégios brasileiros. A criação da editora FTD no Brasil, no ano de 1902, promoveu uma reestruturação didática dos conteúdos matemáticos nas escolas. A Matemática, em suas diferentes etapas até a sua disciplinarização, se estabiliza no contexto escolar por meio dos manuais que se transformaram em materiais indispensáveis à utilização dos alunos em sua aprendizagem. Em relação ao estudo de Valente (1997), nossa pesquisa não se estrutura na análise das coleções de manuais didáticos, de matrizes curriculares ou fases de disciplinarização. Em nosso trabalho realizamos uma investigação referente à inserção e ao desenvolvimento do ensino do conteúdo Transformações Geométricas prescrito nos programas curriculares brasileiros de Matemática do Fundamental partindo dos anos 1930 até os anos 2010. No tocante à utilização de coleções de livros escolares de Matemática, analisamos os cadernos de Matemática do Currículo de São Paulo (2010) e os manuais da coleção Experiências Matemáticas, que contempla a Proposta Curricular de Matemática para o primeiro grau (1988). As reformas educacionais são as principais fontes de informações às quais recorremos. Embora os manuais sejam considerados historicamente programas por muitos educadores, ainda que na ausência de tais reformas, eles não possuem a mesma amplitude que os currículos, sendo sua utilização aplicável à realidade dos colégios que optam por sua adoção e os adotam para construir suas matrizes. Os manuais são programas práticos usados pelos professores, 18 Editora fundada por membros de uma Congregação Católica francesa de Irmãos Maristas. A Sigla FTD (Frère Théophane Durant) refere-se à “homenagem” feita ao diretor da Congregação Marista que se dedicou a promover, desde que assumiu a direção da Congregação em 1883, um grande movimento em prol da produção de livros didáticos (VALENTE, 1997, p. 189). 41 enquanto os programas curriculares constituem-se por possuírem uma abrangência maior concentrando-se em orientações para o ensino das disciplinas no contexto escolar. Outra referência indispensável aos nossos estudos são as pesquisas desenvolvidas por Regina Maria Pavanello. Em sua dissertação intitulada O abandono do ensino de Geometria: uma visão histórica, orientada pelo Professor Doutor Lafayette de Moraes e defendida na Faculdade de Educação da Unicamp em 1989, Pavanello investiga uma problemática de procedência histórica associada ao ensino da Geometria no contexto escolar por meio da análise dos estudos de educadores e da análise dos programas curriculares brasileiros durante a segunda fase de modernização da Matemática nas escolas secundárias. A pesquisadora procura identificar as principais causas da rejeição dos professores e a ausência de orientações curriculares no que concerne ao ensino dos conteúdos de Geometria almejando responder as seguintes questões: “Por que, quando e como o ensino de Geometria foi relegado ao segundo plano?” “Que prejuízos isto pode acarretar à formação do aluno?” (PAVANELLO, 1989, p. 10). Em seu estudo, Pavanello (1989) ressalta que a Matemática sofreu uma grande evolução no século XVIII com as demandas do setor industrial. Os profissionais desse setor necessitavam de conhecimentos técnicos e de uma educação que contemplasse a sua inserção no contexto profissional. O surgimento das universidades possibilitou o desenvolvimento das pesquisas em Matemática, dando a ela uma estrutura de ciência. No entanto, o seu ensino não era oferecido publicamente nas escolas, e mesmo nos cursos preparatórios não se atribuía a devida importância aos conhecimentos matemáticos. Somente algumas pessoas que, por interesse, pagavam pelas aulas de Matemática tinham acesso aos seus saberes. No século XIX, a Matemática, ao ser introduzida no contexto escolar elitista, ainda não era concebida como ciência. Tratava-se de um meio para desenvolver a abstração do pensamento, sem nenhuma aplicação ao contexto real, o que satisfazia os pressupostos sociais de formação escolar naquela época: Se, porém, a Matemática é, desde a criação das escolas militares, cada vez mais privilegiada nos cursos superiores, o mesmo não ocorre nos níveis inferiores de ensino. Nas escolas preparatórias, onde estudavam as elites, pouco ou nenhum tempo é destinado ao ensino de Matemática. Este, via de regra, é proporcionado privadamente àqueles que se interessam e podem pagar por ele. 42 É somente a partir de inícios do século XIX que o ensino de Matemática começa a ser introduzido nas escolas – mais ligado, porém, aos estudos clássicos do que aos científicos. Nessas escolas, porém, o estudo da Matemática tem como objetivo favorecer a busca das verdades abstratas – já que a sociedade na qual estão inseridas considera ser uma virtude não ter utilidade prática o conhecimento escolar e crê que se consiga a cultura e a formação através do estudo dos clássicos. (PAVANELLO, 1989, p. 85-86). A Geometria Euclidiana, segundo Pavanello (1989), no século XIX, se desenvolve nas escolas elitistas com ênfase nas abstrações e sem a preocupação com a sua exploração prática. Nas outras escolas frequentadas por trabalhadores e pessoas pobres, a Geometria era ensinada com ênfase na sua aplicabilidade prática: Nas escolas para a elite, busca-se o desenvolvimento das capacidades intelectuais, o que leva, na Geometria, à enfatização dos processos dedutivos, através dos quais se pretende conseguir o desenvolvimento do raciocínio lógico. As escolas para as camadas inferiores são orientadas a prepararem os estudantes para o trabalho, por isso a ênfase nas aplicações práticas dos princípios das ciências e, o que interessa a este trabalho, particularmente nos princípios da Geometria (PAVANELLO, 1989, p. 87). Nesse contexto, Pavanello (1989) ressalta que, no século XX, lideranças políticas e educacionais em todo o mundo promovem algumas reformas curriculares em colégios técnicos e normais. Os novos programas curriculares de Matemática propõem um ensino formal com ênfase nos aspectos do desenvolvimento científico. No entanto, a Matemática escolar permaneceu motivando muitas críticas, pois grande parte dos alunos não conseguia relacionar os seus conceitos com outros contextos que não seguissem o seu formalismo. Essas críticas provocam o surgimento de novos grupos educacionais em diversos países empenhados em desenvolver pesquisas referentes à elaboração de novos programas curriculares para o ensino de Matemática. As pesquisas desses grupos indicavam que os currículos de Matemática não contemplavam no seu desenvolvimento os progressos de áreas como álgebra e análise. Assim, eles propunham que esses estudos tivessem predominância no ensino dos conteúdos de Matemática prescritos nos currículos. Essas discussões impulsionaram o 1.º e o 2.º movimentos de renovação do ensino de Matemática que tiveram reflexos no Brasil. O estudo dessa pesquisadora nos mostra que, nas escolas brasileiras, com o Movimento da Matemática Moderna o ensino de Geometria sofreu grandes modificações nos currículos de Matemática do nível secundário, havendo propostas dos reformadores para a substituição do estudo da Geometria dedutiva que era desenvolvido nas escolas secundárias para enfatizar o ensino da Geometria pelas Transformações Geométrica. As principais propostas dos matemáticos atuantes no movimento de modernização para o ensino da Geometria consistiam 43 na modificação dos axiomas de Euclides por meio da inserção dos números reais, na introdução do conceito de vetor ou no ensino de Transformações Geométricas. Ao finalizar o seu estudo, Pavanello (1989) conclui que a Geometria escolar tinha diferentes finalidades nos níveis técnico e preparatório, o que revela uma separação significativa entre teoria e prática nos currículos das escolas brasileiras, organizados mediante interesses políticos. Além disso, essa pesquisadora salienta que as propostas dos idealizadores do Movimento da Matemática Moderna, apesar de terem sido apreciadas por matemáticos e por grupos educacionais brasileiros que procuravam disseminá-las de diversas maneiras para os professores do ensino secundário, não foram implementadas adequadamente nos currículos de Matemática, principalmente no que concerne ao ensino dos conteúdos de Geometria. Consideramos a pesquisa de Pavanello (1989) uma referência para o nosso trabalho, pois o estudo dessa pesquisadora compreende a análise do ensino de Geometria nos programas curriculares de Matemática para as escolas secundárias em diferentes fases da educação brasileira. É um trabalho que apresenta uma reflexão acerca de aspectos fundamentais para a idealização do Movimento da Matemática Moderna, bem como para a integração dos pressupostos desse movimento aos currículos brasileiros de Matemática. Aas reformas curriculares suscitam nos pesquisadores do campo educacional discussões acerca dos diferentes aspectos que caracterizam o ensino promovido no contexto escolar. Portanto, em nosso trabalho, referenciamos nossas discussões na pesquisa realizada por Alexandro Marques, em sua dissertação de Mestrado intitulada Tempos pré-modernos: a Matemática Escolar dos anos 1950, orientada pelo Professor Doutor Wagner Rodrigues Valente, e defendida na PUC de São Paulo em 2005. Em seu estudo, Marques (2005) investiga o desenvolvimento da Matemática nas escolas brasileiras de nível fundamental (antigo ginásio) da década de 30 até a década de 50, procurando contextualizar o seu ensino por meio da análise dos programas curriculares, dos congressos e dos manuais escolares enfatizando em seu estudo as pesquisas de Chervel (1990) e Choppin (2000). Ao construir a problemática do seu estudo, Marques (2005) explicita as questões para as quais ele objetiva, por meio de sua investigação, encontrar respostas: “Como está estruturada a Matemática escolar dos anos 1950?” (MARQUES, 2005, p. 4). 44 Segundo Marques (2005), com a implantação da Reforma Francisco Campos, todos os programas brasileiros de Matemática das escolas de nível ginasial são reestruturados, de maneira a seguir as mesmas orientações curriculares do Colégio Pedro II. Essa Reforma modifica as finalidades da Matemática escolar. Antes dessa Reforma, as escolas tinham somente a função de preparar os estudantes para a sua admissão em cursos superiores, oferecendo um ensino desestruturado de Matemática, inadequado à aprendizagem dos estudantes. A Reforma Francisco Campos redefine não somente as funções dos sistemas educacionais, mas também o ensino dos conteúdos matemáticos: A fim de que tais objetivos fossem atingidos, estavam presentes nas instruções pedagógicas todas as ideias defendidas por Euclides Roxo em relação ao movimento de renovação do ensino da Matemática, quais sejam: a predominância essencial do ponto de vista psicológico; a dependência da escolha na matéria a ensinar em relação ao conjunto das demais disciplinas; a subordinação da finalidade do ensino às diretrizes culturais da época; o ensino dos três ramos (aritmética, álgebra e Geometria) realizado de maneira integrada; o conceito de função como o fator de integração entre as partes da Matemática; o ensino de função tendo também como objetivo o embasamento do aluno, a fim de permitir a introdução do cálculo diferencial na última série do curso fundamental; a utilização da história da Matemática como auxílio ao ensino de Matemática; a aplicação do método de ensino conhecido como método heurístico (MARQUES, 2005, p. 28-29). Esse pesquisador ressalta que a Reforma Capanema foi elaborada segundo os interesses de uma Comissão organizada por Gustavo Capanema. Essa Reforma se caracterizava por priorizar o desenvolvimento dos conteúdos de Matemática, e não os métodos didáticos. Não havia orientações metodológicas nas prescrições desse documento. Os conteúdos programáticos eram as únicas referências utilizadas pelos professores para lecionarem no secundário. Os pressupostos da Reforma Capanema indicavam a exclusão do conteúdo escolar “funções” e dos recursos ao método heurístico nas séries do ensino secundário. Por meio da Reforma Capanema as lideranças educacionais objetivavam desfazer a fusão das três áreas da Matemática no ensino secundário que se oficializou com a implementação da Reforma Francisco Campos de 1931, pois os professores dos cursos regulares e os docentes dos colégios militares criticavam os pressupostos da Reforma Francisco Campos, considerando-a de caráter enciclopédico no que concerne ao ensino dos conteúdos matemáticos. Esses educadores defendiam que os conteúdos matemáticos deveriam ser ensinados de maneira sequencial, obedecendo a uma organização lógica nas prescrições dos programas curriculares, e não de maneira simultânea como havia sido proposto pelas indicações da Reforma Francisco Campos. Eles também defendiam o estabelecimento de um programa mínimo de conteúdos para o ensino de matemática no secundário, procurando adequar o ensino 45 dessa disciplina ao tempo escolar. Dessa maneira, com a implementação da Reforma Capanema, o ensino de função deixa de ser desenvolvido no secundário e com isso não há conexões entre os temas de Álgebra, Aritmética e Geometria que passam a ser ensinados separadamente. Com a implementação da Reforma Simões Filho em 1951, os conteúdos de Matemática a serem ensinados no secundário são organizados em um programa simplificado, como havia sido proposto na Reforma Capanema, porém com uma diferença significativa no número de conteúdos em relação a essa Reforma. Outro diferencial da Reforma Simões Filho para a Reforma Capanema era o fato de os programas mínimos elaborados durante a Reforma Simões Filho não constituírem fins em si mesmos para auxiliar o trabalho dos educadores, mas sim representarem modelos curriculares para que cada Estado brasileiro pudesse criar, a partir desses programas, os seus programas mínimos para o ensino de Matemática. Os programas de Matemática estabelecidos pela Reforma Simões Filho para o ensino secundário possuem a característica de apresentar para os educadores os conteúdos matemáticos de maneira simples em relação às Reformas Francisco Campos e Capanema que enfatizavam em certos casos a teoria e a abstração, dificultando a compreensão dos estudantes. Segundo Marques (2005), as orientações didáticas da Reforma de 1951, denominada Reforma Simões Filho, prescrevem a Matemática como uma disciplina, que, em razão dos seus valores culturais e da sua utilização em diversas atividades cotidianas, contribui efetivamente na formação dos estudantes, os quais devem ser induzidos a participar de sua aprendizagem. Dessa maneira, o ensino dos conteúdos matemáticos do ginásio deveria ser concebido por meio da prática e da intuição com a inserção gradativa do método dedutivo, preparando os alunos para estudarem as demonstrações. Durante os congressos nacionais, a Reforma Simões Filho foi debatida por professores de todos os Estados, que mandavam muitas sugestões à comissão responsável por sua elaboração, sem explicitarem nenhuma reação contrária aos pressupostos dessa Reforma. Esse pesquisador conclui que a Reforma de 1951 (Simões Filho) visava preservar a estrutura dos conteúdos matemáticos proposta na Reforma Capanema, alterando somente o enfoque dado ao ensino intuitivo de Geometria que passou a ser abordado com temas práticos de Geometria. As orientações didáticas constituem o grande diferencial das prescrições desse documento em relação às Reformas Campos e Capanema. Por meio dessas orientações 46 propunha-se uma exposição visual, com figuras, discussão dos exemplos referentes aos conteúdos com discussões relacionadas às suas principais aplicações antes que o professor indicasse aos seus alunos os exercícios a serem por eles resolvidos. Os congressos nacionais contribuíram para aprimorar os pressupostos da Reforma de 1951 e ilustraram a plena aceitação das suas indicações pelos professores que, ao produzirem seus manuais, procuraram se apropriar de suas prescrições. O trabalho de Marques (2005) está relacionado ao nosso estudo, pois Marques (2005) desenvolveu um trabalho de análise dos programas curriculares e de coleções de livros didáticos partindo do mesmo período que ensejamos investigar. O pesquisador fundamentou suas discussões nos referenciais teóricos da história das disciplinas, também mencionados em nosso trabalho. No entanto, ao investigar as discussões dos congressos nacionais, Marques (2005) objetivou uma contextualização prática da concepção dos professores relativamente ao currículo de 1951, situação distinta dos nossos objetivos, por meio dos quais nos concentramos na análise das reformas, e não em sua aplicação nas escolas. Outra pesquisa que mencionamos como referência à análise das referidas reformas é a dissertação de mestrado de Bruno Alves Dassie, intitulada A Matemática do Curso Secundário na Reforma Gustavo Capanema, orientada pelo Professor Doutor João Bosco Pitombeira Fernandes de Carvalho e defendida na PUC do Rio de Janeiro em 2001. Em seu estudo, Dassie (2001) objetiva pesquisar a gênese das reformas curriculares de Matemática do secundário desde 1934 até 1942, por meio da consulta de fontes legislativas do referido período e da análise das discussões de congressos no tocante aos discursos de Capanema referentes ao ensino secundário. Em sua pesquisa, Dassie (2001) salienta que a Reforma Campos, ao ser implementada, é criticada pelos professores brasileiros, fazendo diversas comparações entre essa Reforma e os programas curriculares de Matemática da Europa. Tanto os docentes das escolas regulares como aqueles que lecionavam para os cursos militares não concordavam com as orientações para ensinar os conteúdos matemáticos articulados, pois esses professores defendiam que os temas relacionados às três áreas da Matemática deveriam ser ensinados de maneira sequencial. Em 1934, o Ministro Capanema instituiu uma comissão com a função de articular um plano educacional para todo o Brasil. Antes de implementar a nova reforma, Gustavo Capanema analisou as reformas curriculares europeias e comparou suas orientações com a Reforma 47 Campos visando observar as falhas implementativas dessa Reforma. Capanema divulga publicamente a sua reforma no ano de 1941. Segundo Dassie (2001), na Reforma Campos, os programas curriculares de Matemática foram efetivamente impostos por Euclides Roxo seguindo os seus princípios reformadores aplicados ao Colégio Pedro II, utilizando os mesmos programas instituídos nesse colégio para o ensino de Matemática. Por sua vez, na Reforma Capanema, os programas curriculares foram elaborados coletivamente por uma comissão e por meio dos estudos realizados por professores secundários sobre os equívocos ocorridos na instauração da Reforma Campos: Em relação à reforma anterior, os programas de Matemática implantados em 1942 apresentaram um recuo em algumas ideias de Euclides Roxo. De fato, com a criação de uma comissão para a elaboração dos programas, com a participação direta do padre Arlindo Vieira, de Azevedo Amaral, do exército e com a intervenção de Gustavo Capanema, a aprovação integral das ideias de Euclides tornou-se muito difícil. Outro fator decisivo foram os resultados negativos apresentados por Arlindo Vieira e pelo exército, sobre os programas implantados pela reforma de 1931 (DASSIE, 2001, p. 159). Os estudos desse pesquisador indicam que durante a Reforma Capanema os professores discutiam reformulações nos conteúdos matemáticos, os quais deveriam ser adaptados descartando métodos e temas malsucedidos durante a Reforma Campos atendendo aos seus objetivos. Outra preocupação dos docentes consistia em adaptar o tempo letivo ao ensino dos conteúdos. Em detrimento dessa necessidade, os educadores criticavam a estruturação da Matemática secundária, com tantos conteúdos para serem ensinados sem disponibilidade de tempo. Ao concluir seu trabalho, Dassie (2001) explicita que, ao enfocar os aspectos essencialmente científicos da Matemática no contexto escolar, a reforma Campos fracassou, caracterizando uma grande crise no ensino brasileiro, e a Reforma Capanema significou, assim, a luta dos professores secundários contra os seus pressupostos. O Ministro Capanema, antes de implantar a reforma, tinha um plano educacional definido e almejava não repetir os erros dos programas de 1931. Sua atuação foi essencial para que ele pudesse conquistar o apoio dos professores, institucionalizando seus programas curriculares de maneira democrática e coletiva. Dassie (2001), em sua pesquisa, analisa as reformas curriculares brasileiras do secundário até o ano de 1942, recorrendo a fontes legislativas e documentos de congressos. Consideramos o seu estudo importante por sua relação com a história das disciplinas. Nosso trabalho está relacionado ao de Dassie (2001), pois também analisamos os currículos prescritos. 48 No entanto, concentramo-nos apenas em estudar a inserção e o desenvolvimento de um conteúdo específico nos currículos prescritos de Matemática do Ensino Fundamental II. Como em nosso trabalho analisamos o desenvolvimento das Transformações Geométricas nos manuais da coleção Experiências Matemáticas da Proposta Curricular de São Paulo (1988) e nos cadernos de Matemática do Currículo de São Paulo (2010), outro aspecto que procuramos verificar em nosso estudo são as discussões dos pesquisadores relacionadas à exposição das prescrições dos currículos e de suas orientações didáticas presentes em manuais didáticos. Para os historiadores, os manuais utilizados no contexto escolar são fontes de estudos que permitem a eles estudar o ensino das disciplinas, contextualizando sua gênese e o seu desenvolvimento em diferentes períodos. Assim, em virtude da necessidade do tema, referenciamos nossas discussões na pesquisa histórica realizada por Kátia Cristina Camargo em sua dissertação de mestrado intitulada O ensino da Geometria nas coleções didáticas em tempos do Movimento da Matemática Moderna na capital da Bahia, orientada pela Professora Doutora Maria Célia Leme da Silva e defendida na Uniban em 2009. Em seu trabalho, Camargo (2009) objetivou analisar o ensino dos conteúdos de Geometria no nível secundário por meio das coleções de livros didáticos utilizados nas escolas de Salvador/BA durante o Movimento da Matemática Moderna. O estudo de Camargo (2009) está relacionado com as temáticas abordadas na história das disciplinas, âmbito por meio do qual a pesquisadora fundamenta os seus argumentos em teorias de Chartier, Chervel, Choppin e Julia, na perspectiva dos historiógrafos Marc Block e Michel de Certeau. Ao iniciar sua pesquisa, Camargo (2009) expõe as questões que norteiam seus processos investigativos, as quais pretende responder: “Como os autores se apropriaram do ideário do MMM na elaboração da coleção didática de 1971?”; “Que Geometria escolar foi produzida por eles?”; “Como a Geometria proposta pelos autores foi reformulada nas coleções de 1975 a 1988?” (CAMARGO, 2009, p. 21). Camargo (2009), em seus estudos, ressalta que, no ano de 1959, o ensino da Matemática secundária foi um tema muito debatido pelos pesquisadores. Na Europa, foi instituída uma Comissão para analisar a aprendizagem dos estudantes do ginásio em Matemática. Os resultados dos estudos realizados por essa comissão foram discutidos na conferência de Royaumont. Durante essa Conferência, foram observadas questões relacionadas ao ensino ginasial e à sua contribuição na formação discente. Essas questões explicitavam a necessidade 49 de reformular os currículos escolares de Matemática do ginásio. Os matemáticos pretendiam priorizar a álgebra para unificar os conteúdos de Matemática. As discussões da conferência de Royaumont relacionadas à reformulação da Matemática secundária são retomadas no Congresso de Dubrovnik, na Iugoslávia, em 1960. Nesse Congresso, os matemáticos elaboram um programa curricular de Matemática explicitando as orientações de reformulação por eles debatidas. Segundo Camargo (2009), com a instauração do Movimento da Matemática Moderna, os conteúdos de Geometria sofreram efetivas modificações, sendo algebrizados para seguir os pressupostos fixados por esse movimento: Ao que tudo indica o ensino da Geometria durante o MMM assumiu uma dinâmica particular em relação aos outros conteúdos de Matemática. Essa dinâmica se deve ao fato de o ideário do MMM ter a intenção de trazer para o ensino secundário a algebrização da Geometria. Essa algebrização, segundo documentos do ideário, poderia ser realizada por três linhas: ensino segundo modificações dos axiomas de Euclides, ensino por meio dos grupos das Transformações Geométricas e ensino por meio dos espaços vetoriais (CAMARGO, 2009, p. 23). Os estudos dessa pesquisadora indicam que, no ano de 1964, o professor universitário Omar Catunda, um dos representantes brasileiros no Congresso de Dubrovnik, assume a direção do Centro Educacional da Bahia. Com a professora Martha Dantas e sua equipe, eles se dedicam a escrever livros escolares de Matemática enfatizando as modificações curriculares da Matemática Moderna. A primeira coleção didática da Matemática ginasial escrita por essa equipe intitulada “Ensino Atualizado da Matemática” é publicada em 1971. Nessa coleção a Geometria é abordada nos livros da 7.ª e da 8.ª séries ginasiais. Segundo Camargo (2009), nos referidos livros, as Transformações Geométricas são ensinadas por meio do formalismo imposto pelo Movimento da Matemática Moderna com ênfase na álgebra, sem relação com as suas prescrições metodológicas descritas no programa curricular de Dubrovnik, nas quais era proposto ao professor desenvolver a Geometria por meio da experimentação. Nesses livros não há exemplos que ilustrem os conceitos de maneira a facilitar a compreensão do estudo das Transformações Geométricas pelos estudantes. Não há preocupação em habilitar os alunos a elaborar problemas e discutir suas possibilidades de solução: A metodologia seguida na maior parte dos conceitos trabalhados utiliza-se de textos com uma linguagem rigorosa. O aluno recebe todas as informações, sem espaço para interagir e não há praticamente atividades experimentais, para estabelecer relações. 50 Tal procedimento emprega uma terminologia difícil e prematura; não usa modelos materiais para favorecer a observação e a experiência; não oferece ao aluno a oportunidade para formular problemas e expor suas soluções, ou seja, a proposta dos autores parece discordar dos princípios metodológicos estabelecidos no programa moderno de Dubrovnik (CAMARGO, 2009, p.78-79). Essa pesquisadora enfatiza que, na reedição dessa coleção em 1975, os autores propõem um novo tratamento mais didático, sugerindo ao professor desenvolver as atividades com papel quadriculado, facilitando a visualização dos alunos. Nos exercícios, os alunos encontram ilustrações e espaços quadriculados dispostos nos livros para realizar as transformações nas figuras. Os autores também sugerem ao professor aplicar as transformações utilizando dobraduras, procurando assim seguir as prescrições do currículo de Dubrovnik. A terceira coleção do grupo intitulada “As Transformações Geométricas e o ensino da Geometria”, publicada em 1988, foi elaborada para orientar os professores no tocante à utilização das Transformações Geométricas para desenvolver a Geometria no contexto escolar. Nessa coleção, a equipe de Catunda expõe as dificuldades encontradas pelos professores ao ensinar Geometria aos estudantes do ginásio. Ao concluir o seu estudo, Camargo (2009) se concentra em responder as questões, pelas quais desenvolveu seu trabalho. Essa pesquisadora ressalta que a equipe do Centro Educacional Baiano, ao publicar sua primeira coleção de livros didáticos em 1971, demonstrou plena apropriação das orientações da reforma curricular proposta no Congresso de Dubrovnik no que se refere à abordagem formal proposta pelos autores no estudo de Geometria. No entanto, nessa coleção o grupo não seguiu as orientações metodológicas do programa moderno. Suas coleções posteriores explicitaram a reformulação dos métodos didáticos no ensino das Transformações Geométricas no momento em que os autores deixam de priorizar o desenvolvimento algébrico e solicitam ao professor ensinar as Transformações Geométricas enfatizando seu aspecto experimental. A pesquisa de Camargo (2009) está relacionada à nossa investigação no que concerne ao estudo específico relacionado aos conteúdos de Geometria desenvolvidos no Fundamental e à contextualização da reforma curricular elaborada durante o Movimento da Matemática Moderna. No entanto, em nosso trabalho procuramos investigar efetivamente as prescrições dos programas curriculares brasileiros objetivando contextualizar o ensino das Transformações Geométricas em períodos anteriores e posteriores ao referido Movimento de reformulação curricular. 51 CAPÍTULO 3 AS TRANSFORMAÇÕES GEOMÉTRICAS NO PERÍODO DE 1930 A 1951 3.1 Antecedentes: Felix Klein e as Transformações Geométricas Felix Christian Klein nasceu na Alemanha no ano de 1849. Em seu ingresso na Universidade de Bonn em 1865 Klein decide concentrar seus estudos em duas áreas: Matemática e Física. Em 1868 ele obtém o título de doutor ao concluir sua tese relacionada ao campo da Geometria. Em seus estudos, Yaglom (1988) enfatiza que, no ano de 1870, Felix Klein, com o professor Sophus Lie,19 se reuniu em Paris com o matemático Camille Jordan,20 um pesquisador dedicado a difundir os estudos de Galois21 para estudar os recentes avanços obtidos no estudo das Simetrias. Segundo Yaglom (1988), Jordan explicita que as isometrias estavam organizadas em dois grupos: discretos e contínuos. Os grupos discretos eram grupos formados por isometrias de cristais e os grupos contínuos eram constituídos por isometrias que notoriamente se modificavam, passando de um conjunto de Transformações Geométricas aplicado a pontos ou figuras no plano para outro conjunto de transformações quando se modificavam os coeficientes das equações que caracterizavam a isometria. Dessa maneira, uma rotação aplicada a um ponto do plano poderia facilmente ser transformada em reflexão ou translação aplicada no mesmo ponto, modificando os coeficientes da equação de rotação. Yaglom (1988) ressalta que, em seu trabalho, Klein conclui que as propriedades dos entes geométricos permanecem invariantes, independentemente do conjunto de transformações aplicado sobre ele. Jordan acreditava que esse grupo contínuo de transformações constituía a Geometria Euclidiana e a Geometria afim, e que a teoria dos grupos seria utilizada no futuro 19 Marius Sophus Lie (1842-1899), matemático norueguês que, com Felix Klein, formulou a teoria dos grupos contínuos de Transformações Geométricas (YAGLOM, 1988, p. 2). 20 Marie Ennemond Camille Jordan (1838-1922) foi um matemático francês notável por divulgar em suas obras os estudos de Galois referentes ao desenvolvimento da teoria dos grupos (YAGLOM, 1988, p. 3). 21 Évariste Galois (1811-1832) matemático francês que, dentre seus muitos estudos em álgebra, formulou a base para o estudo dos grupos (YAGLOM, 1988, p. 5). 52 para reestruturar as diferentes Geometrias. Depois de estudar com Jordan as pesquisas de Galois referentes a esse tema, Felix Klein e Sophus Lie decidem se dedicar integralmente a formalizar uma teoria para o estudo dos grupos contínuos. Em 1870, Sophus Lie fundamenta sua teoria para os conjuntos de transformações relacionando-os aos sistemas algébricos. Depois de estudar as diversas propriedades de curvas tangentes no plano, Lie define as estruturas dos conjuntos de transformações. A teoria de Lie permitiu caracterizar as propriedades dos grupos e subgrupos de Transformações Geométricas. Em 1871, Felix Klein retorna de Paris para a Alemanha dedicando-se a lecionar Matemática na universidade de Göttingen e, em 1872, Klein torna-se professor da Universidade de Erlangen. No mesmo ano, ele apresenta à universidade um programa expondo uma nova estruturação para a Geometria fundamentada nas teorias de Lie para os grupos contínuos de transformações. Esse programa, originalmente intitulado “Considerações Comparativas referentes a Recentes Investigações Geométricas”, passou a ser denominado pela comunidade acadêmica como “Programa de Erlangen”. Nesse programa, Klein utiliza as Transformações Geométricas para relacionar as Geometrias. Dessa maneira, as Geometrias são estudadas com ênfase nas suas transformações, sendo caracterizadas por funções. Para Klein, a Geometria é o campo da Matemática que estuda as propriedades das figuras que permanecem invariantes diante da aplicação de um determinado conjunto de transformações (YAGLOM, 1988). A principal discussão proposta por Felix Klein no seu programa está relacionada à aplicação das Transformações Geométricas em pontos do espaço, objetivando facilitar o estudo das propriedades de diversos entes geométricos. Nesse contexto, o programa define determinados conjuntos de transformações que verificam a propriedade de composição como grupos: A principal ideia que norteia nossas discussões se refere ao grupo das transformações do espaço. A composição de certos números de transformações do espaço é sempre equivalente a uma de suas transformações. Agora, se um determinado conjunto de transformações tem a propriedade de, a partir da composição de alguns de seus elementos, produzir outras transformações nele contidas, então esse conjunto será denominado grupo de transformações (KLEIN, 1872, p. 5, tradução nossa). 22 22 Der wesentlichste Begriff, der bei den folgenden Auseinandersetzungen nothwendig ist, ist der einer Gruppe von räumlichen Aenderungen. Beliebig viele Transformatinen des Raumes ergeben zusammengesetzt immer wieder eine Transformation die Eigenschaft, dass jede Aenderung, die aus den ihr angehörigen durch Zusammensetzung hervorgeht, ihr selbst wieder angehörigen durch, so soll die Reihe eine Transformations gruppe genannt warden (KLEIN, 1872, p. 5). 53 Por meio dessa definição são discutidas teorias associadas à conservação das formas geométricas e das suas propriedades. Essas teorias permitem definir, a partir de grupos distintos de transformações, o grupo principal e suas aplicações no estudo da invariância geométrica: Agora vejamos que são as transformações do espaço que preservam as propriedades geométricas das configurações que permanecem inalteradas. Essas propriedades são preservadas, independentemente da posição ocupada no espaço pela configuração em questão, da sua grandeza absoluta e finalmente da ordem em que os elementos dessa configuração se ajustam. As propriedades de uma configuração permanecem inalteradas sob a ação de determinados movimentos do espaço representados por meio da transformação dessa configuração em configurações similares, da sua transformação em configurações simétricas contidas num plano (simetria de reflexão), bem como na composição dessas transformações. A totalidade dessas transformações nós definimos como o grupo principal das transformações do espaço; as propriedades geométricas não são modificadas pelas transformações do grupo principal. E consequentemente as propriedades geométricas são caracterizadas por permanecerem invariantes sob a aplicação das transformações do grupo principal. No entanto, se nós considerarmos o espaço imóvel, caracterizado por movimentos rígidos, os quais preservam todos os seus elementos, então poderemos observar que toda figura possui uma característica que a distingue das demais; assim todas as propriedades dessa figura, caracterizada por sua unicidade, somente serão preservadas sob a ação do grupo principal. Essa teoria, até agora formulada de maneira informal, será abordada com maior ênfase no decurso de nossas discussões (KLEIN, 1872, p. 6-7, tradução nossa).23 Depois de serem discutidas as características do conjunto das Transformações Geométricas no espaço, as propriedades desse conjunto são estendidas a todos os grupos distintos de transformações, definidos para quaisquer dimensões. Partindo dessa teorização, o programa propõe o desenvolvimento da Geometria por meio do estudo da invariância geométrica das figuras gerada por um determinado conjunto de transformações: Deixe-nos agora discutir a concepção concreta do espaço, a qual não é suficiente para os matemáticos, pois se restringe ao estudo dos elementos em três dimensões. Podemos perceber que as Transformações Geométricas do espaço que tanto enfatizamos formam grupos. Mas todos os grupos de transformações que não possuem relações com o espaço tridimensional, também devem ser concebidos com igual 23 Es gibt nun räumliche Transformationen, welche die geometrischen Eigenschaften räumlicher Gebilde überhaupt ungeändert lassen. Geometrische Eigenschaften sind nämlich iherem Begriffe nach unabhängig von der Lage, die das zu untersuchende Gebilde im Raume ennimmt, von seiner absoluten Grösse, endlich auch von demm, in welchem seine Theile geordnet sind. Die Eigenschaften eines räumlichen Gebildes bleiben also ungeändert durch alle Bewgungen des Raumes, durch seine Aehnlichkeitstransformationen, durch den Process der Spiegelung, sowie durch alle transformationen, die sich aus diesen zusammensetzen. Den Inbegriff aller dieser Transformationen, bezeichnen wir als die Hauptgruppe räumlicher Aenderungen; geometrische Eingenschaften warden durch die. Transformationen der Hauptgruppe nicht geändert. Auch umgekehrt kann man sagen: Geometrische Eigenschaften sind durch ihre Unveränderlichkeit gegenüber den Trasnformationen der Hauptgruppe characterisirt. Betrachtet man nämlich den Mannigfaltgkeit, so hat jede Figure in individualles Interesse; von den Eigenschaften, die sie als Individuum hat, sin des nur die eigentlich geometrischen, welche bei den Aenderungen der Hauptgruppe erhalten bleiben. Dieser hier etwas unbestimmt formulirte Gedanke wird im weiteren Verlaufe der Auseinandersetzung deulicher erscheinen (KLEIN, 1872, p. 6-7). 54 importância. Dessa maneira, a generalização da Geometria se constitui das investigações relacionadas ao seguinte problema: Dada uma dimensão e um grupo de transformações contido nessa dimensão; investigar as características das configurações geradas por esse grupo nessa dimensão para identificar as suas propriedades invariantes (KLEIN, 1872, p. 7, tradução nossa).24 Segundo Yaglom (1988), por meio desse programa, Klein propõe que o estudo das propriedades que caracterizam as diversas representações geométricas do plano e do espaço seja contemplado pelas Transformações Geométricas, introduzindo aspectos de movimento no estudo da Geometria. Assim, duas figuras são consideradas congruentes se existir uma transformação pela qual podemos transportar uma figura para a outra fazendo com que elas coincidam, preservando seu formato e as suas dimensões. Sob a aplicação das Transformações Geométricas, as figuras, ao conservarem suas propriedades, representam classes de equivalência. O objetivo da Geometria de Klein era estudar essas classes. Considerando um conjunto F de transformações, suas aplicações nas figuras geométricas obedecem às seguintes propriedades: Existe nesse conjunto F uma transformação que, aplicada a uma figura, transporta essa figura em si própria; Para cada transformação c do conjunto F existe uma inversa que transporta a figura transformada para a original; Para duas transformações d e g do conjunto F que transportam A em A1 e A1 em A2, F contém o produto d.g que transforma A em A2 (YAGLOM, 1988). A Geometria é definida, segundo Klein (1872), em uma determinada dimensão por um certo grupo de transformações que interagem nessa dimensão. Modificando as estruturas desses grupos, criam-se outros grupos, e dessa maneira outras Geometrias. Os grupos de transformações afins são criados por alterações estruturais do grupo das isometrias, os quais constituem a Geometria Euclidiana. O mesmo ocorre com as transformações projetivas 24 Streifen wird jetzt das mathematisch unwesentliche sinnliche Bild abb, und erblicklen in Raume nur eine mehrfach ausgedehnte Mannigfaltgkeig, also, indem wir un der gewohnten Vorstellung des Punctes als Raumelement festhalten, eine dreifach ausgedehnte. Nach analogie mit dem räumlichen Transformationen redden wir von Transformationen der Mannigfaltigkeig; auch sien bilden Gruppen. Nur ist nicht mehr, wie im Raume, eine Gruppe vor den übrigen durch ihre Bedeutung ausgezeichnet; jede Gruppe is mit jeder anderen gleichberechtigt. Als Veralgemeinerung der Geometrie entsteht so das folgende umfassende Problem: Es it eine Mannigfaltigkeit und in derselben eine Transformationsgruppe gegeben; man sol die der Mannigfaltigkeit angehörigen Gebilde hinsichtlich solcher Eingenschaften untersuchen, die durh die Trasnformationen der Gruppe nicht geändert warden (KLEIN, 1872, p. 7). 55 concebidas a partir de alterações do grupo afim. Partindo-se do grupo projetivo de transformações, são criadas as Geometrias não Euclidianas. O Programa de Erlangen constitui uma grande contribuição para a educação. Os estudos de Felix Klein fizeram com que os educadores pudessem refletir sobre novas alternativas para o ensino de Geometria, tradicionalmente desenvolvido de maneira estática por meio da efetiva utilização de teoremas. As indicações desse programa, dentre outros fatores, prenunciam a primeira fase de renovação curricular da Matemática secundária, provocando muitas modificações nas prescrições curriculares da Matemática secundária. 3.1.1 Felix Klein: breve síntese do livro Elementarmathematik vom höheren Standpunkten Aus. Teil II: Geometrie O livro de Geometria de Felix Klein, intitulado Elementarmathematik vom höheren Standpunkten Aus. Teil II: Geometrie,25 foi publicado em 1909 e é o resultado das teorias do Programa de Erlangen e das diversas discussões do autor em palestras, congressos e nos cursos de formação ministrados por ele em Göttinguen no ano de 1908 referentes à necessidade de reformulação curricular da Matemática secundária e à formação dos futuros professores secundários. A obra de Klein está estruturada em três blocos. No primeiro bloco o autor se dedica a descrever os entes geométricos e suas propriedades em uma determinada dimensão. No segundo bloco, Klein (1909) enfatiza o estudo das Transformações Geométricas. No último bloco são discutidos tópicos concernentes à estruturação axiomática da Geometria e à aplicação das transformações no seu ensino. Na proposição do ensino das transformações, Klein (1909) inicia sua discussão ressaltando a importância do emprego das Transformações Geométricas no desenvolvimento científico da Geometria. Para ele, o estudo das Transformações Geométricas nas escolas expõe para os professores a proposta do 1.º movimento de modernização da Matemática secundária de estruturar o ensino da Matemática por meio do conceito de função: O que vamos fazer agora é iniciar um dos capítulos mais importantes da Geometria científica. As discussões que fazemos aqui constituem um ensaio fundamental para o ensino escolar. As Transformações Geométricas não são nada mais do que uma 25 Referente ao título do livro de Geometria de Felix Klein publicado em alemão, no ano de 1909, cuja tradução em português o denomina Matemática elementar de um ponto de vista avançado (SOUZA, 2010, p. 39). 56 generalização da simples noção de função, da qual em nossas concepções reformadoras nos empenhamos em fazer dela o ponto central da instrução Matemática (KLEIN, 1909, p. 139-140, tradução nossa).26 No referido livro, as Transformações Geométricas são estudadas de maneira analítica por meio da inserção do sistema de coordenadas e do conceito de vetor. As funções aplicadas aos pontos desse sistema são concebidas como transformações que geram os movimentos dos pontos no plano segundo uma direção vetorial. Para determinar uma translação a um ponto (x, y) do plano é utilizada a função P(x, y) = (x + c, y + d) representando o movimento dos pontos na direção do vetor (c, d). O autor utiliza essa transformação para transportar uma figura em outra congruente a inicial, preservando as distâncias entre os elementos das duas figuras e as medidas dos seus ângulos. A simetria axial em relação ao eixo horizontal é definida pela função P(x,y) = (x,-y). Por meio dessa transformação são obtidas figuras congruentes. Nessas figuras as distâncias entre os seus pontos, seus segmentos e as medidas dos seus ângulos permanecem invariantes. A simetria de rotação é definida pela função P(x,y) = (xcos(c) – ysen(c), xsen(c) + ycos(c)). Essa transformação é também utilizada no estudo da congruência de duas representações geométricas apresentando a mesma invariância dos elementos que as transformações anteriores. Essas três Transformações Geométricas e as suas combinações constituem um conjunto de isometrias. O autor utiliza a função P(x,y) = (kx, ky) para definir a homotetia como um subgrupo da semelhança e aplica essa transformação a uma figura para transportá-la para figuras semelhantes de diferentes dimensões, invariando as razões entre os segmentos correspondentes e os ângulos das figuras homotéticas em relação a figura original. A homotetia também se caracteriza por manter o paralelismo dos segmentos correspondentes e nela a correspondência dos pontos da figura homotética com os da figura original é estabelecida em função do centro da homotetia. No seu livro, Klein (1909) propõe o estudo da semelhança definindo uma função com a finalidade de transportar uma figura em outra semelhante, preservando as suas propriedades. 26 Es ist eines der wichtigsten kapitel der wissenschafflichen Geometrie, das wir jetzt beginnen. In seinen Grundideen und seinen einfacheren Teilen liefert es aber – und darauf möche ich in dieser Vorlesung besonders hinweisen – auch für den Schulunterricht sehr anregendes Material; sind doch die geometrischen Transformationen schlieblich nichts als eine Verallgemeinerung des einfachen Funktionsbegriffes, den unsere modernen Reformtendenzen durchaus in den Mittelpunkt des Mathematischen Unterrichts stellen wollen (KLEIN, 1872, p. 139-140). 57 Essa função é também um conjunto que contém as translações, a simetria axial, a homotetia, a rotação e suas possíveis composições. As Transformações Geométricas relacionadas à Geometria projetiva e à Geometria afim são definidas de maneira análoga, por funções. As transformações afins aplicadas a uma figura conservam o paralelismo dos segmentos, a razão entre os pares de segmentos dispostos na mesma reta, o ponto médio desses segmentos, o baricentro dos triângulos e a razão obtida pelas áreas da figura transformada e da figura original. As transformações projetivas conservam a posição dos pontos contidos em uma curva, a colinearidade dos pontos das figuras e as suas intersecções. Klein (1909) não enfatiza os aspectos geométricos das figuras recorrendo à sua imediata visualização. Esse autor prioriza a caracterização algébrica das representações geométricas. Para ele, o conjunto de transformações de cada Geometria forma um grupo, mantendo sua estrutura algébrica. São as Transformações Geométricas que permitem a transição de uma figura para outra, na qual são transferidas as propriedades da figura inicial para a figura obtida por transformação. Dessa maneira, as Transformações Geométricas são empregadas no estudo de figuras complexas com a finalidade de transformar essas figuras em representações geométricas mais simples de serem estudadas. Por meio desse desenvolvimento, o autor propõe que o estudo das diferentes Geometrias seja desenvolvido mediante a caracterização dos invariantes das figuras que estão sob a aplicação dos respectivos grupos de transformações de cada Geometria. Assim, Klein define a Geometria Euclidiana como o estudo das propriedades das representações geométricas que são preservadas sob a aplicação das transformações do conjunto semelhança. A Geometria afim e a Geometria projetiva também são definidas relativamente aos invariantes que resultam da aplicação de seus respectivos conjuntos de transformações. Por meio das transformações, Klein (1909) demonstra que as estruturas que constituem as Geometrias projetiva e afim emergem da Geometria Euclidiana, e que todos os teoremas verificados nessas duas Geometrias o são também na Geometria Euclidiana. As proposições de Klein (1909) para o ensino das Transformações Geométricas se encerram com suas discussões referentes ao estudo dos objetos suscetíveis a deformações no espaço, os quais procuravam caracterizar os invariantes desses objetos prenunciando assim o desenvolvimento da topologia. Ao final do seu livro, o autor propõe a substituição dos axiomas 58 da Geometria Euclidiana pela aplicação do seu grupo de transformações num determinado plano, procurando contemplar o estudo da Geometria por meio do movimento, alegando que a Matemática havia atingido um patamar de evolução que não permitia aos matemáticos estruturar a Geometria por meio de um logicismo axiomático. 3.1.2 Discussões do IV Congresso Internacional de Matemática (IMUK) Em sua pesquisa, Miorim (1995) explicita que durante o século XIX o desenvolvimento científico e tecnológico ocasionado por processos revolucionários transformou efetivamente as estruturas sociais. O trabalho artesanal foi substituído por máquinas, e esse contexto motivou muitas reflexões de educadores relacionadas à reformulação da educação profissional. Logo, os currículos das escolas técnicas são reformulados para promover uma formação mais adequada às exigências do campo profissional. No entanto, os currículos das escolas de formação profissional apresentavam muitas diferenças em relação aos currículos das escolas elitistas de nível secundário. Nas escolas técnicas os alunos mais pobres aprendiam os procedimentos práticos para o trabalho, e nas escolas elitistas desenvolvia-se um ensino teórico relacionado à cultura humanística com a finalidade de capacitar os alunos a ingressarem nos cursos superiores. Segundo Miorim (1995), a predominância dos campos científicos na estruturação sociopolítica e econômica de vários países desencadeou uma necessidade de reformular os currículos escolares do secundário, contemplando-os com propostas modernas relacionadas à integração de novas disciplinas: A importância cada vez mais acentuada das ciências para o desenvolvimento sociopolítico-econômico acabaria, entretanto, gerando pressões no sentido de modernizar o currículo das escolas secundárias, especialmente através da introdução de novas matérias. Seria a antiga discussão sobre a melhor formação geral, que em certo sentido teria sido iniciada ainda no tempo dos sofistas e de Sócrates, com a oposição entre os defensores do estudo da retórica e os da filosofia que estaria novamente no centro das atenções. A oposição agora, no entanto, assumiria uma feição moderna: ela seria entre os defensores da antiga formação clássica – os anciens – e os defensores da introdução disciplinas modernas – os modernes. Quais as matérias que deveriam fazer parte da formação geral dos indivíduos? As humanidades clássicas ou as ciências? A escolha de uma determinada matéria deveria ser justificada por sua utilidade futura ou por seu poder de desenvolver o espírito do homem? Essas questões, que estariam na base das discussões naquele momento, mostram-nos que o tema dominante da educação moderna – a relação entre escola e trabalho – 59 estava começando a influenciar as propostas de ensino dos tipos mais conservadores de escolas: as secundárias e as universidades (MIORIM, 1995, p. 113). Em seu trabalho, Miorim (1995) explicita que, apesar de os educadores considerarem a necessidade da integração de novas disciplinas escolares nos currículos, a inserção dessas disciplinas ocorreu por meio de processos lentos e diversificados. Foram essas disciplinas que, criadas a partir da evolução dos campos científicos, provocaram reflexões nos educadores sobre a utilidade da Matemática escolar. Novos conteúdos modernos foram também inseridos nos currículos dos cursos superiores estruturando os campos matemáticos como disciplinas. O patamar de evolução da Matemática no século XIX a separa definitivamente do ensino humanístico e promove a transformação de seus três campos em disciplinas escolares essencialmente teóricas que deveriam ser contempladas com rigor. Segundo Souza (2010), dentre as tentativas dos educadores de reformular os currículos no século XIX, os trabalhos realizados por Felix Klein na implementação de sua reforma nas escolas e universidades da Alemanha alcançaram maiores repercussões. Klein enfatizava que as universidades deveriam promover um ensino adequado à formação dos professores secundários e que a Matemática secundária deveria ser reestruturada com a finalidade de acompanhar as transformações sociais ocasionadas pela evolução dos campos científicos e tecnológicos. Portanto, Souza (2010) enfatiza que, por meio dessa reforma, as universidades deveriam se dedicar à criação de cursos que priorizassem as seguintes relações: relação integrada dos campos distintos da Matemática; relação da Matemática com outros campos científicos; relação dos conteúdos modernos com o contexto escolar (SOUZA, 2010). No tocante ao nível secundário, Souza (2010) ressalta que Klein estava convicto de que as escolas secundárias deveriam priorizar os avanços da psicologia no ensino de Matemática procurando considerar o empenho dos estudantes para aprender. A psicologia seria utilizada para auxiliar os professores a desenvolver de maneira adequada os conceitos, fundamentandoos em suas aplicações, e também para promover, por meio de um ensino graduado, a transição da intuição para a abstração. Klein pretendia reformular os conceitos matemáticos. Nesse sentido, a modificação mais significativa seria a inserção do conceito de função unificando os diferentes campos matemáticos. 60 Para Klein, a Matemática secundária deveria estar centrada nesse conceito com a finalidade de possibilitar aos estudantes compreender as aplicações dos métodos gráficos. O matemático defendia a abordagem intuitiva do cálculo diferencial nas escolas secundárias. Além disso, defendia a unificação dos currículos de Matemática nos níveis técnico e preparatório, com a finalidade de reestruturar a formação matemática dos alunos de modo a viabilizar o seu ingresso nas universidades. O crescente avanço da Matemática no século XIX, segundo Miorim (1995), modificou suas estruturas subdividindo-a em campos complexos. Nesse contexto surgem muitas pesquisas acadêmicas, são organizados órgãos nacionais específicos de estudos e congressos internacionais com a finalidade de divulgar os estudos mais recentes relacionados à evolução da Matemática. Esses congressos constituíam também espaços de reflexão dos educadores relacionados ao desenvolvimento escolar da Matemática. Durante o IV Congresso Internacional de Matemática ocorrido em Roma, na Itália, no ano de 1908, os matemáticos apresentaram a proposta de criar uma comissão internacional, a qual ficaria encarregada de identificar os problemas enfrentados por professores secundários de diversos países no ensino de Matemática. Depois da aprovação do Congresso, foi criada a Comissão Internacional de Instrução Matemática (CIEM) também mundialmente conhecida por IMUK.27 Por decisão desse Congresso Internacional, Felix Klein foi eleito presidente dessa comissão, cargo em que permaneceu até 1925. Contrariando as recomendações do IV Congresso, o IMUK não se restringiu a analisar somente a situação da Matemática secundária. Em sua primeira reunião, os membros da Comissão julgavam insuficiente analisar somente os problemas apresentados em um nível de ensino. Eles defendiam que era necessário investigar a situação da Matemática em todos os níveis de ensino. Outra medida tomada pelos membros da Comissão durante essa reunião foi a de eleger dezenove delegações representantes dos países participantes e quatorze delegações representantes de países associados. Miorim (1995) explicita que, nas reuniões realizadas pelo IMUK no período do IV Congresso, foram discutidas as recomendações de reformulação curricular que seriam propostas a diversos países. Foram discutidos temas como: 27 Sigla referente a organização Internationale Matematische UnterrichtsKommission fundada em 1908, com a finalidade de verificar as condições do ensino de Matemática nas escolas secundárias de diversos países (MIORIM, 1995, p. 145). 61 proposição da articulação simultânea do ensino de Geometria e de álgebra no nível secundário; novos objetivos para as escolas secundárias visando promover um ensino de Matemática contemplado por aplicações práticas e pelas relações estabelecidas entre Matemática pura e aplicada; concepções de diferentes finalidades para a Matemática secundária considerando a heterogeneidade dos estudantes, e não somente o ingresso ao nível superior; contribuições da Matemática escolar no estudo das ciências naturais; integração dos diferentes campos matemáticos. Em geral, as propostas desenvolvidas pela comissão de instrução foram aceitas por diversos países que adotaram as suas indicações reformulando os currículos de Matemática das escolas secundárias priorizando a modernização dos campos matemáticos e enfatizando suas aplicações nos currículos. Segundo Miorim (1995), os novos programas curriculares da Matemática secundária expunham os pressupostos da reforma de Felix Klein e do IMUK, orientando-se nos seguintes princípios: Eliminação da organização excessivamente sistemática e lógica dos conteúdos da escola; Consideração da intuição como um elemento inicial importante para a futura sistematização; Introdução dos conteúdos mais modernos, como as funções e o cálculo diferencial e integral, especialmente devido à importância deles no desenvolvimento da Matemática e na unificação de suas várias áreas; Valorização das aplicações da Matemática para a formação de qualquer estudante de escolas de nível médio, não apenas para os futuros técnicos; Percepção da importância da “fusão”, ou descompartimentação, dos conteúdos ensinados (MIORIM, 1995, p. 159). Embora esse tenha sido um processo lento de implementação curricular, que não se iniciou de maneira unificada, os trabalhos de Klein e do IMUK, em determinados momentos confundidos com simples objetivos pedagógicos por certos educadores, representaram um grande passo para a constituição de reformas significativas para o ensino da Matemática secundária e para a sua reestruturação como disciplina escolar renovando os seus conteúdos e as práticas dos professores no seu ensino. 62 3.1.3 Transformações geométricas: novos conteúdos Durante o V Congresso Internacional de Matemática, realizado em Cambridge no ano de 1912, a principal questão colocada em discussão pelo IMUK estava relacionada à inserção do conteúdo funções no ensino de Geometria. Felix Klein, com a sua comissão, defendia que o estudo dedutivo da Geometria Euclidiana nas escolas secundárias deveria ser precedido por métodos que enfatizassem a experimentação e a intuição: A maior de todas as questões que dizem respeito à educação está relacionada ao modelo de Geometria a ser ensinado e ao tratamento do conceito de função. A partir dessa problemática acreditamos que muitas outras questões possam surgir nas discussões entre os matemáticos. Começamos refletindo sobre uma indagação recente: Será que a Geometria das escolas secundárias se desenvolve por meio de uma relação estabelecida entre intuição e dedução? Poucos matemáticos estão dispostos a responder essa pergunta, pois a maioria prefere começar ensinando a Geometria de Euclides ou de Legendre. Entretanto, concebemos que deve haver um curso preparatório, e esse curso deve ser caracterizado pela intuição e pela experimentação. Mas quanto tempo deve ser atribuído a esse curso? E exatamente que lacunas da Geometria devem ser cobertas? E, o mais importante, até que ponto esse curso pode substituir, por meio da intuição, a Geometria dedutiva de Euclides? Devemos realizar esse novo curso para reforçar a Geometria dedutiva ou para excluí-la de vez dos currículos? Como a Geometria rigorosa deve ser ensinada para os alunos que não possuem aptidões para a Matemática? Newton estava certo quando ele manifestou sua opinião de que todo o seu trabalho é bastante intuitivo, mas não possui nenhuma relação com a Geometria? Devemos elevar ao topo a Geometria do passado como fizemos com a lógica medieval ou pretendemos aprimorar seu ensino propondo um trabalho propedêutico? Será esse o valor do modelo euclidiano que salvaremos da depreciação ou estamos tentando fazer comparações equivocadas? Seria a prepotência dos matemáticos ou a pressão da industrialização moderna a verdadeira causa da predominância dos métodos de experimentação e de intuição no ensino de Geometria? Mas então o que será do ensino de Matemática no futuro e quais serão as novas demandas sociais atribuídas à educação? Apesar de serem essas as indagações que nós já ouvimos de muitos matemáticos a respeito de nossas propostas modernas para o ensino de Geometria no secundário, nós ainda não estamos aptos cientificamente para respondê-las e felizmente elas não estão à margem dos interesses desta comissão (SMITH,28 1912, p. 72-73, tradução nossa).29 28 David Eugene Smith (1860-1944) foi um matemático e educador norte-americano, autor de diversos manuais didáticos de Matemática para as escolas de seu país e também de diversas obras relacionadas ao ensino das Matemáticas. Em 1920 Smith se tornou presidente da Associação Americana de Matemáticos. Durante a emergência do primeiro Movimento de modernização do ensino de Matemática, Smith atuou intensamente escrevendo artigos e editando boletins para os jornais que eram produzidos e disseminados pelo IMUK, além de traduzir algumas obras notáveis de Felix Klein, tornando-as mais acessíveis para matemáticos e pesquisadores de vários países (SOUZA, 2010, p. 57). 29 The greatest questions of all, however, relate to the nature of geometry and to the treatment of the function concept. Other questions are important, but here is the dominant issue that must be met in the next few years. The first of these questions is this: How much of the geometry of the secondary schools shall be inductive, and how much deductive? Few are ready to assert today that is best to begin geometry with a study of Euclid or Legendre. There must be a preparatory stage, and this must be characterized by intuition an experiment. But how much time shall be assigned to this stage? And exactly what ground shall be covered? And, what is more important, 63 Nesse Congresso são discutidos temas como a inserção do sistema de coordenadas e a representação gráfica das funções, e a comissão propôs aos educadores das escolas secundárias introduzirem esses temas no ensino, procurando relacioná-los ao tratamento dado à Geometria. Objetivando cumprir seus pressupostos, Felix Klein e os demais líderes da comissão de instrução sugeriram que o ensino das Transformações Geométricas deveria ser inserido de maneira cautelosa no currículo do secundário, procurando não descaracterizá-lo. Ainda por meio desse conteúdo, a Geometria seria ensinada nas escolas secundárias utilizando processos mais intuitivos de ensino, antecedendo a inserção gradativa dos métodos dedutivos. Por meio do estudo das transformações eles procuravam propor também que o ensino da Geometria seguisse as orientações didáticas da reforma moderna referentes à utilização do conteúdo escolar “funções” para unificar as diferentes áreas do ensino de Matemática (SMITH, 1912). Assim, a comissão propunha que o ensino da Geometria no secundário se iniciasse por meio do estudo intuitivo das figuras geométricas, procurando familiarizar os estudantes com as formas e as dimensões dessas figuras, explorando suas propriedades com ênfase no movimento gerado por Transformações Geométricas. Durante esse processo de ensino, a Geometria Euclidiana seria caracterizada por seu conjunto de transformações: Na parte relativa à Geometria, percebe-se uma clara preocupação em introduzir os raciocínios lógicos apenas após um trabalho inicial que familiarize o aluno com as noções básicas presentes nas figuras geométricas, não apenas em sua posição fixa, mas, também, através de seus movimentos. Em relação a esse último aspecto, é enfatizada a importância de serem trabalhadas as noções de simetria axial e central, de rotação e de translação (MIORIM, 1995, p. 190). Os relatórios produzidos pelo IMUK referentes ao Congresso de Paris, em 1914, indicaram que o ensino de Geometria estática estava desaparecendo dos currículos de Matemática da maior parte dos países, sendo substituído pelas Transformações Geométricas. A introdução do conteúdo Transformações representou uma inovação no ensino da Geometria, rompendo com a clássica didática euclidiana da qual se originaram as sistematizações to what extent shall intuition replace deduction of the Euclid type? Must we have two or even three years of Anschauungslehre, as some have advocated, or is a year or a half year enough? How much must the rigorist in geometry be compelled to concede to the demands of the non-mathematical mind? Was Newton right when he expressed the opinion that all this intuitive work is pretty, but that it is not geometry? Must the real geometry of the past go by the board, as went the medieval logic or will its position be strengthened by this propedeutic work? Is the value of the Euclidean type of geometry such to save it from destruction, or is it to be so deluted by this consideration of pictures, of models, and of simple mensuration as to be unrecognizable? Is the over powerpowering force of moderne industry, the cause of the growth of intuition and experimental in geometry? And if so, what will the over-powering force of tomorrow, the force of social considerations, demand? These are questions that we are not yet able scientifically to answer, and fortunately they are not whitin the province of this committee to attempt to answer (SMITH, 1912, p. 72-73). 64 produzidas por processos dedutivos. Com o emprego desse conteúdo, as proposições geométricas seriam desenvolvidas por meio do transporte de figuras no plano realizado por transformações. Essa nova concepção de ensino para a Geometria Euclidiana modificava não somente a estruturação da Geometria, mas também o trabalho dos professores de Matemática que teriam que aprender novas técnicas didáticas para lecionar. As propostas de renovação do ensino de Matemática discutidas nos congressos internacionais de Matemática no início do século XX foram acatadas no Brasil, em grande medida pela reforma Francisco Campos, em 1931, precedidas pela adoção dessas ideias pelo Colégio Pedro II em 1929. 3.2 Transformações Geométricas na Reforma Francisco Campos 3.2.1 Pressupostos Para compor esse texto, consultamos dissertações e teses, como as de Dassie (2001), Marques (2005), Miorim (1995) e Pietropaolo (notas de aula, 1999). A Reforma Francisco Campos foi implantada em 1931, pelo primeiro Ministro Francisco Campos aderindo, em sua elaboração, aos princípios reformadores de Euclides Roxo para o ensino da Matemática secundária e procurando em sua abrangência reestruturar todos os níveis educacionais das escolas brasileiras. Em sua estruturação, essa Reforma demonstra efetiva relação com os pressupostos modernos da primeira fase de reformulação dos programas curriculares de Matemática, propostos pelo IMUK. Instituída pelo Decreto n.º 19.890/1931, a reforma curricular secundária objetivou: modificar os objetivos da formação secundária, procurando enfatizar a construção da cidadania dos estudantes; promover uma organização curricular seriada. As séries do secundário foram divididas em dois ciclos: o primeiro denominado Fundamental, composto de cinco séries com duração de cinco anos, e o segundo ciclo denominado complementar, que constitui o nível preparatório para a carreira universitária; conceber a Matemática como uma disciplina escolar por meio de um ensino integrado, unificando assim os seus três campos distintos; 65 promover o ensino da disciplina Matemática para as séries do ciclo fundamental. 3.2.2 Orientações metodológicas: ensino das transformações Segundo Marques (2005), as orientações metodológicas da reforma Campos constituem a principal modificação dos currículos de Matemática em relação aos programas anteriores. Por meio dessas orientações, os reformadores procuravam aprimorar as capacidades dos alunos na utilização do raciocínio matemático. Representam dessa maneira indicações que seguem os princípios modernos de Klein, dos quais Roxo procurou se apropriar para elaborar as suas reformas, propondo novos objetivos formativos para o secundário em relação aos valores culturais, a integração das três áreas da Matemática para constituir uma disciplina, o emprego do conteúdo funções para unificar a Matemática, utilização de recursos heurísticos e intuitivos nas aprendizagens, entre outros aspectos: Uma nova disposição curricular e instruções pedagógicas para o ensino dos conteúdos integravam a proposta de criação da Matemática e as finalidades de seu ensino. Incutidas no texto das diretrizes pedagógicas, as inovações propostas por Euclides Roxo tratavam, além da criação da nova disciplina, da implementação dos seguintes itens: a ênfase nas conexões entre os pontos de vista aritmético, algébrico e geométrico no tratamento dos conteúdos; o desenvolvimento do pensamento funcional, que garantiria à noção de função o status de eixo integrador do ensino dos conceitos matemáticos; o estudo da Geometria Intuitiva nas séries iniciais (primeira e segunda); a aplicação do método de ensino conhecido como método heurístico, que visava, sobretudo, tornar o aluno um agente ativo no processo de aprendizagem ao privilegiar a resolução de problemas pelo próprio aprendiz; e a integração e aplicação dos conhecimentos matemáticos no conjunto das demais disciplinas e em problemas do cotidiano (MARQUES, 2005, p. 32-33). O desenvolvimento das noções de função é o tema central das orientações metodológicas, as quais concebem esse conteúdo como elemento central da estruturação da Matemática secundária. Dessa maneira, é sugerido ao professor iniciar o estudo de função por meio da introdução de noções mais intuitivas, desenvolvendo-as com efetivo rigor, enfatizando situações em que há dependência de grandezas, para em outro momento poder explorar os seus aspectos abstratos ao final do Fundamental. As funções devem ser utilizadas no esboço de gráficos ou de representações geométricas no plano, com o objetivo de explorar as propriedades das funções e das representações relacionando os diferentes campos matemáticos: A noção de função constituirá a ideia coordenadora do ensino. Introduzida, a princípio, intuitivamente, será depois desenvolvida sob feição mais rigorosa, até ser 66 estudada, na última série, sob o ponto de vista geral e abstrato. Antes mesmo de formular qualquer definição e de usar a noção especial, o professor não deixará, nas múltiplas ocasiões que se apresentarem, tanto em Álgebra como em Geometria, de chamar a atenção para a dependência de uma grandeza em relação de outra ou como é determinada uma quantidade por uma ou por várias outras. A representação gráfica e a discussão numérica devem acompanhar, constantemente, o estudo das funções a permitir, assim, uma estreita conexão entre os diversos ramos das Matemáticas elementares. Além disso, isolado ou unido à fórmula, o gráfico ainda desempenha papel notável como instrumento de análise e de generalização, tal a vivacidade e o poder expressivo deste meio de representação, sobretudo no estudo das propriedades das funções empíricas. Não há perder de vista, porém, em todo o curso que a representação gráfica não é, por si mesma, o objetivo, procurado, mas apenas um meio de dominar visualmente a variação das funções (BRASIL, 1931, p. 4). Por meio dessa reforma, o trabalho com a Geometria se desenvolve com um curso precedente à Geometria dedutiva por meio do qual são introduzidos aspectos intuitivos relacionados à exploração experimental das construções geométricas, com a finalidade de promover o estudo das suas dimensões e das suas propriedades. Durante esse curso, o professor deve procurar desenvolver nos alunos capacidades relacionadas às experimentações inicialmente propostas: O ensino da Geometria começará por um curso propedêutico de Geometria intuitiva e experimental em que se procurará familiarizar o aluno com as ideias fundamentais relativas às figuras geométricas, no plano e no espaço, sob o ponto de vista da forma, da extensão e da posição. Esse estudo inicial subordina-se aos seguintes objetivos: a) exercitar a percepção e a imaginação especiais: b) desenvolver a faculdade de abstração: c) despertar o interesse pela estimativa e a medição, bem como pelo uso da régua, do compasso, dos esquadros, do transferidor e pela construção de modelos (BRASIL, 1931, p. 5). Ao final do curso introdutório, os alunos iniciam o estudo da Geometria dedutiva. Nesse estágio são estudadas as proposições formais, pelas quais os alunos devem relacionar o estudo intuitivo realizado na etapa anterior com os fundamentos estruturais da Geometria. Esse trabalho visava desenvolver nos alunos, por meio do estudo das demonstrações e das suas aplicações geométricas, as aptidões lógico-dedutivas. Na Reforma Campos, o estudo das transformações no secundário é introduzido na 3.ª série do primeiro ciclo (atual 8.º ano Fundamental), durante o curso inicial de Geometria intuitiva, no momento em que os alunos se deparam com atividades de construção de figuras bidimensionais e tridimensionais, pelas quais eles devem identificar gradativamente as etapas de transformação dessas figuras geradas por movimentos, também concebidos como variações destas. As orientações metodológicas da Reforma enfatizam a utilização de funções no estudo 67 dessas transformações, para que os alunos possam relacionar os movimentos das figuras às variações das funções: Nesta fase deve-se recorrer largamente à mobilidade das figuras do plano e do espaço, quando se tiver de verificar ou provar a influência que exerce a alteração de um elemento sobre a grandeza de outro elemento da mesma figura. Conduzindo-se o estudante a imaginar a variação pela qual a figura, através de estágios intermediários, passa de um estado particular para outro, acentuar-se-á o caráter funcional de tais variações. Também, desde o começo, salientar-se-á a importância da simetria axial e central, da rotação e da translação (BRASIL, 1931, p. 5). Portanto, no programa dessa Reforma para a 3.ª série, as simetrias, a rotação e a translação são usadas para estudar os movimentos descritos por figuras planas representadas no sistema ortogonal por meio da utilização de funções. Depois que os alunos estudam as propriedades dos triângulos e a proporcionalidade dos seus lados, a transformação homotetia é introduzida com a finalidade de analisar particularmente a semelhança das figuras. Segundo Pietropaolo (1999), é difícil precisar o quanto das “Instruções Pedagógicas” da Reforma Francisco Campos repercutiu em sala de aula. Os livros didáticos da época, por exemplo, programaram os três temas – Aritmética, Álgebra e Geometria – em cada série, mas parecia não haver uma preocupação explícita em trabalhá-los integradamente. Além disso, Pietropaolo considera que: A reforma Francisco Campos foi alvo de muitas críticas como a de não ter proporcionado, suficientemente, a articulação do ensino primário com o secundário e a de não se libertar da preocupação de fazer do ensino secundário o curso de formação de elite intelectual do País, ainda que não exclusivamente preparatório para os cursos superiores (PIETROPAOLO, 1999). 3.3 Transformações Geométricas na Reforma Capanema 3.3.1 Pressupostos A Reforma Capanema, instaurada pelo então Ministro Gustavo Capanema, no ano de 1942, visava reformar gradativamente os níveis primário e secundário, e neste último a reforma seria implantada tanto no ensino regular como no ensino profissionalizante da educação brasileira. Por meio do Decreto-lei n.º 4.244, denominado “Lei Orgânica do Ensino Secundário”, a Reforma Capanema objetivava: 68 Dar seguimento a um processo de reformulação estrutural e curricular do secundário procurando introduzir nesse nível uma nova concepção cultural humanística, seguindo princípios políticos de patriotismo; Oferecer aos estudantes uma formação secundária que possibilitasse a sua inserção nas universidades, objetivando a formação de futuras lideranças para o País; Criação do ciclo ginasial composto por quatro séries com quatro anos de duração e subdivisão do segundo ciclo em duas áreas: científica e clássica, sendo o tempo de duração de cada área de três anos (BRASIL, 1942). Assim como na Reforma Campos, essa Reforma manteve a oferta de ensino de Matemática para as séries ginasiais. Os programas de Matemática da Reforma Capanema foram elaborados por ação coletiva de uma comissão pedagógica por ele formada. Nessa Reforma não houve a unificação dos campos matemáticos por meio da introdução conceitual do conteúdo funções em contraposição à reforma anterior. Nas primeiras séries do ginásio, os conteúdos de Aritmética e Geometria eram ensinados de maneira concreta sem nenhuma preocupação em desenvolver, por meio de processos heurísticos, a abstração dos estudantes. 3.3.2 Orientações metodológicas: ensino das transformações Na Reforma Capanema todos os programas de Matemática são apresentados sem as prescrições das orientações metodológicas. Nesse documento há somente um texto pelo qual estão expostas preocupações dos reformadores com a metodologia a ser adotada pelos docentes em cada ciclo. No caso do ciclo ginasial há uma preocupação metodológica no tocante à articulação do ensino entre a disciplina Matemática e as ciências naturais, por meio da qual é proposto estudar as duas áreas de maneira elementar sem enfatizar o seu aprofundamento (MARQUES, 2005). Nessa Reforma, em virtude da ausência do conteúdo funções nas séries do 1.º ciclo, causada pela resistência dos professores secundários aos princípios de fusão das três áreas da Matemática, os conteúdos de Geometria intuitiva deixam de ser enfatizados, prevalecendo o estudo de Geometria dedutiva. As indicações dessa Reforma não excluem o ensino desses conteúdos dos programas de Matemática para o ciclo ginasial, mas sugerem para os educadores que esses conteúdos devem estar relacionados com o desenvolvimento da dedução dos conceitos geométricos, em razão do estabelecimento do número mínimo de conteúdos matemáticos a serem ensinados nesse ciclo. 69 Dessa maneira, o estudo das Transformações Geométricas, que durante a reforma Francisco Campos tinha a finalidade de habilitar os estudantes a estudarem noções e conceitos de Geometria de maneira experimental, com ênfase no desenvolvimento do raciocínio intuitivo dos estudantes, foi reduzido na Reforma Capanema, restringindo-se ao estudo das aplicações da transformação geométrica “translação” no deslocamento de quadriláteros no plano euclidiano, proposto para a 3.ª série ginasial (atual 8.º ano do Ensino Fundamental). No programa de Matemática da 3.ª série o estudo de translação é prescrito com o estudo de retas, ângulos, triângulos, quadriláteros e de construções geométricas, sendo organizado no espaço destinado ao ensino de Geometria dedutiva. Podemos perceber, dessa maneira, a intenção dos reformadores em propor para os professores do ginásio desenvolver o estudo de translação por meio de procedimentos geométricos, enfatizando a construção de figuras com régua e compasso. No estudo proposto para essa série, as translações de figuras eram realizadas exclusivamente por meio da regra do paralelogramo, sem utilização de funções, com a finalidade de aprimorar a percepção espacial dos alunos para que eles estivessem aptos a estudar, a partir do deslocamento e da construção de figuras planas, propriedades e conceitos geométricos como equidistâncias entre pontos e entre segmentos, o paralelismo entre segmentos correspondentes e a congruência de lados e de ângulos das figuras transformadas por translação, bem como a invariância geométrica dessas figuras. Por esse estudo objetivavase desenvolver as capacidades dos estudantes relacionadas à visualização dos conceitos geométricos. Para o 2.º ciclo, o estudo das transformações é proposto na 3.ª série do curso científico (Ensino Médio). No programa dessa série, estão prescritas as simetrias, indicadas para estudar os deslocamentos das figuras no plano, bem como a transformação homotetia, utilizada para analisar a semelhança de figuras planas e espaciais. 70 3.4 Transformações Geométricas na Reforma Simões Filho 3.4.1 Pressupostos Durante a década de 50, as principais discussões referentes ao ensino no Brasil centravam-se nos problemas apresentados pelos programas curriculares das escolas secundárias. As autoridades educacionais brasileiras discutiam soluções para desfazer o enfoque meramente formal que contemplava os programas das disciplinas. Nessa época, em meio ao grande descontentamento dos professores, o Ministro Simões Filho realiza um processo de revisão dos programas curriculares elaborados nas reformas anteriores. As principais críticas feitas à reforma Capanema partiam do diretor do Departamento Nacional de Educação Nélson Romero (MARQUES, 2005). Romero afirmava que o problema dos currículos da Reforma Capanema estava no seguimento dos princípios adotados pela extensa comissão técnica organizada por Capanema na elaboração dos programas, os quais enfocavam somente o ensino formal dos conteúdos, e não a aprendizagem dos alunos. Além disso, ele ressaltava também que, na época em que os programas das disciplinas secundárias eram elaborados por professores do Colégio Pedro II, esses programas não apresentavam equívocos formais e podiam ser aplicados sem nenhum problema para as séries ginasiais. Procurando seguir as recomendações de Romero, o então Ministro da Educação, Simões Filho, encarregou a congregação de professores do Colégio Pedro II da função de elaborar uma nova reforma, visando simplificar os conteúdos dos programas disciplinares e procurando adequá-los às diversidades regionais. Dessa maneira, no ano de 1951, a Congregação do Pedro II, com base em estudos produzidos por uma comissão precedente, apresenta sob a Portaria n.º 1.045 os novos programas da Reforma Simões Filho caracterizados por meio da minimização dos conteúdos disciplinares: No decorrer do ano de 1951, os novos programas de todas as disciplinas para o Ensino Secundário, tanto para o primeiro ciclo – período ginasial de 4 anos – quanto para o segundo ciclo – curso clássico ou científico de 3 anos cada – foram elaborados pela comissão, caracterizando-se por um roteiro disciplinador, ou seja, um programa mínimo a ser desenvolvido nos currículos escolares (MARQUES, 2005, p. 53). 71 Essa reforma visava dar maior autonomia para os professores secundários ensinarem os conteúdos das suas disciplinas mediante os problemas didáticos que vivenciavam com suas turmas. Outra finalidade da Reforma Simões Filho era a de subsidiar as regiões cujas escolas desenvolviam as atividades educativas sem auxílio de nenhum programa curricular. Dessa maneira, os pressupostos da Reforma para o ensino da Matemática secundária foram: Ressaltar os conteúdos matemáticos com ênfase nos valores culturais produzidos por seu ensino, sua importância no campo profissional e no aprimoramento das faculdades mentais; Desenvolver nos alunos suas capacidades intelectivas para que ao término da escolarização secundária eles estejam aptos para: agir de maneira coesa, criticar, intuir, aprimorar o raciocínio e compreender para criar. Utilizar o ensino da Matemática para desenvolver a imaginação dos estudantes e o seu senso estético. Conduzir gradativamente os alunos para o desenvolvimento de sua dedução, da qual fará pleno uso nas demonstrações (BRASIL, 1951). 3.4.2 Orientações metodológicas: ensino das transformações Nas orientações metodológicas da Reforma Simões Filho há uma preocupação em alertar o professor para que ele cumpra os objetivos fixados no currículo para o ensino da Matemática, procurando preservar as principais características dessa disciplina. Para tanto, é sugerido ao professor solicitar constantemente a participação dos estudantes, os quais devem interagir nas discussões e atividades durante as aulas, evitando, assim, sua passividade. O professor deve também procurar ensinar os conteúdos matemáticos de maneira diferenciada, discutindo suas aplicações e buscando exemplificações que possam motivar os estudantes a gerenciar sua aprendizagem de maneira adequada: É essencial, portanto, que neste ensino, não se percam jamais tais objetivos, mantendo suas características culturais, educativas, práticas e de utilidade, inclusive como instrumento da técnica em geral e das outras ciências. Impõe-se, assim, uma solicitação constante do aluno, que não poderá ser transformado em um mero receptor passivo de conhecimentos. O estudo de cada assunto deverá ser ilustrado com aplicações e exemplos que lhes despertem a atenção e o interesse (BRASIL, 1951, p. 26). Essas orientações enfatizam a necessidade de inserir métodos dedutivos de maneira gradativa nas séries ginasiais. Suas prescrições sugerem que o ensino da Matemática se inicie neste nível com ênfase nos procedimentos práticos e intuitivos, para desenvolver gradualmente nos alunos a necessidade de verificar a validade das proposições por meio da sistematização, recorrendo cautelosamente à dedução: 72 Especialmente nos primeiros anos do curso ginasial, o ensino terá caráter eminentemente prático e intuitivo. Procurar-se-á despertar, aos poucos, no aluno, o sentimento da necessidade da justificativa, da prova e da demonstração, introduzindose, ainda no curso ginasial, o método dedutivo, com o cuidado que exige (BRASIL, 1951, p. 26). Outra preocupação da reforma se verifica nas ações dos alunos do 1.º ciclo em relação aos significados da Matemática que aprendem. Durante o curso ginasial, os professores são orientados a apresentar aos alunos os significados reais dos termos que utilizam, procurando evitar o recurso excessivo ao exercício de memorização dos alunos, o uso exagerado das definições e demonstrações demasiadamente complexas. Os professores devem ensinar os conteúdos procurando sempre relacionar as exemplificações e os exercícios que propõe com a exposição teórica que apresentam: Dever-se-á dar especial atenção principalmente no curso ginasial, ao exato significado dos termos empregados, fugindo-se, sempre, da prática de simples memorização, que causa a enfastia; do uso abusivo de definições, em particular de definições descritivas, o mais das vezes viciosas; e, ainda, do recurso a demonstrações longas e pesadas que, ao invés de satisfazerem as necessidades lógicas que começam a ser despertadas, as embotam e atrofiam. O exercício e o exemplo deverão acompanhar a explanação da matéria, entremeando-se com a sua exposição. E, para os mesmos, necessário se torna solicitar, constantemente, a iniciativa do aluno. O que importa não é ensinar muito, mas ensinar bem, com orientação adequada, evitando fatos e problemas puramente especulativos (BRASIL, 1951, p. 26). O trabalho metodológico se encerra com prescrições pelas quais se objetiva esclarecer para os docentes que os alunos devem ser concebidos como centro da aprendizagem, cuja capacidade não pode ser determinada pela disciplina que lhes for ensinada, e sim por um conjunto de procedimentos que visam aprimorar a sua aprendizagem. Portanto, os professores são solicitados a identificar em cada série, nos comportamentos dos seus alunos, bem como no seu real desempenho, as possíveis modificações a serem feitas nos conteúdos dos programas. No entanto, essas recomendações não foram consideradas. Pietropaolo (1999) assevera: Contraditoriamente a estas advertências, as listas de conteúdos são muito mais extensas e detalhadas que as da reforma anterior, tornando os programas inexequíveis. Percebe-se também, pela análise desses, a prevalência de uma característica marcante em todos os currículos oficiais de Matemática incluindo os mais recentes: a organização linear dos conteúdos. Na Reforma Campos havia, pelo menos, uma preocupação bastante explícita de se trabalhar os grandes temas da Matemática – aritmética, álgebra e Geometria – em todas as séries, enquanto que na reforma Capanema não tínhamos sequer isso (PIETROPAOLO, 1999). Na Reforma Simões Filho, a organização dos conteúdos apresentada pela reforma anterior foi mantida. Assim, o ensino das transformações no curso ginasial, que havia sofrido 73 uma efetiva redução durante a Reforma Capanema, é concebido da mesma maneira. Foi prescrito somente o estudo da transformação geométrica “translação” para a terceira série do ginásio, com a finalidade de fazer com que os alunos desenvolvessem capacidades relacionadas à percepção espacial e à visualização dos conceitos geométricos. Pelo estudo de translação objetivava-se que os alunos pudessem estudar e melhor compreender algumas propriedades como equidistâncias, paralelismo e congruência entre figuras geométricas. Como descrevemos na etapa anterior, o currículo propõe o estudo de “translação” aplicada aos quadriláteros, sendo essa transformação descaracterizada da sua representação isométrica, desprovida de funções, restrita à aplicação da regra do paralelogramo. Analisando as indicações das Reformas Campos, Capanema e Simões Filho para o ensino das Transformações Geométricas no secundário, podemos observar que essas reformas prescrevem o ensino desse conteúdo com finalidades distintas. A Reforma Francisco Campos de 1931 é marcada pelos pressupostos do primeiro movimento de reformulação da Matemática nos currículos secundários. Reiteramos que as propostas de Felix Klein para a reformulação dos currículos de Matemática são contempladas na Reforma Campos, em sua elaboração, pois o Professor Euclides Roxo, o qual foi responsável pela elaboração dessa Reforma, adere aos preceitos de Klein relacionados à modernização dos currículos de Matemática. Por conseguinte, por meio dessa reforma, há indicações efetivas para as mudanças no ensino da Geometria, pela adoção do ideário de Klein e das recomendações de demais lideranças do IMUK que discutiam a introdução, nas séries do secundário, de um curso de Geometria intuitiva precedente ao estudo da Geometria dedutiva. A finalidade era fazer com que os alunos pudessem desenvolver os conceitos geométricos de maneira intuitiva e também por meio da experimentação antes de estudarem as axiomatizações e as demonstrações de conceitos e noções. A criação desse curso está presente na Reforma Campos que prescreve a inserção do ensino das Transformações Geométricas, com o objetivo de romper com o estudo essencialmente estático da Geometria Euclidiana. Nesse curso, as Transformações Geométricas são estudadas por meio de funções, sendo caracterizadas como isometrias. Na reforma Capanema de 1942 o conteúdo “funções” deixa de ser concebido como elemento unificador dos campos matemáticos e, dessa maneira, é retirado de todos os anos do secundário. Com isso, o ensino das Transformações Geométricas, que era desenvolvido na Reforma Campos por meio de funções, é reduzido, sendo estudada apenas a Transformação 74 Geométrica “translação” que era aplicada nas figuras pelo procedimento denominado “regra do paralelogramo”. Com a ausência das isometrias, o estudo da transformação “translação” passa a ser desenvolvido geometricamente, rompendo com os pressupostos da reforma anterior. Na Reforma Simões Filho de 1951, o ensino das Transformações Geométricas é prescrito para o secundário da mesma maneira que na Reforma Capanema, sendo restrito ao estudo da transformação “translação”, sem a presença de funções. 75 CAPÍTULO 4 O MOVIMENTO DA MATEMÁTICA MODERNA E AS REAÇÕES A ESSE MOVIMENTO: O CASO DAS TRANSFORMAÇÕES GEOMÉTRICAS 4.1 Movimento da Matemática Moderna – MMM: Antecedentes Segundo Pavanello (1989), no início do século XIX, a Matemática foi integrada ao ensino escolar. O ensino de Matemática possuía finalidades relacionadas ao racionalismo abstrato. Os conhecimentos matemáticos são desenvolvidos de maneira abstrata no contexto escolar, satisfazendo os princípios da organização social da época, para a qual o ensino estava relacionado aos estudos clássicos, sendo concebido sem aplicações práticas. A Geometria era ensinada por meio de tratamentos formais e abstratos. Tanto o ensino da álgebra como o da aritmética se desenvolveram separadamente, sendo a aritmética utilizada nas escolas dos trabalhadores durante a instauração dos centros industriais. Havia diferenças entre as finalidades dos currículos de Matemática para as distintas classes sociais. Por meio das lutas das classes mais pobres por melhores oportunidades de educação, e em virtude do aprimoramento da educação científica nos países industrializados, aumentou-se a demanda pela melhoria da qualidade da Matemática escolar e pelo seu status científico, o qual era apreciado por correntes positivistas por conceberem que a Matemática constituía a base para a estruturação de diversas ciências. No final do século XIX, surgiu o movimento escolanovista. Os idealizadores desse movimento defendiam que os processos educacionais deveriam considerar o desenvolvimento natural dos estudantes, procurando preservar sua personalidade em situações de cooperação. Para eles, a educação deveria ser desenvolvida por meio de princípios psicológicos de maturação e evolução. Embora esse movimento tenha colaborado para reflexões acerca da necessidade de modificação dos currículos, das disciplinas e dos procedimentos de ensino, sua contribuição foi insuficiente para causar tais mudanças (PAVANELLO, 1989). Durante o século XX, os métodos produtivos sofreram modificações com o surgimento da produção industrial em série, a qual possibilitou as indústrias fabricar isoladamente componentes ajustáveis por encaixe e também realizar rapidamente sucessivas operações produtivas em série. No final da Segunda Guerra, com o desenvolvimento dos dispositivos 76 eletrônicos, os métodos produtivos passaram a ser automaticamente controlados, aumentando a eficiência e a economia de produção. Essa fase é marcada por um intenso processo de descolonização e pela instauração de empresas multinacionais. A ciência ainda não tinha uma relação tão efetiva com a indústria e se limitava a subsidiar o trabalho produtivo solucionando problemas que transpassavam os conhecimentos técnicos. Pavanello (1989) explicita que, nessa fase, as universidades eram encarregadas da tarefa de realizar pesquisas para construir o desenvolvimento das ciências. Essa tarefa foi repassada para os centros de investimentos que liberavam orçamentos para a realização de projetos científicos e educacionais. Essa transição de responsabilidades da ciência ocorreu primeiramente na Alemanha durante o século XX, país que possuía uma estrutura teórica científica elevada e consequentemente demonstrava grande interesse em constituir uma educação científica em suas escolas. Outros países decidiram copiar o modelo alemão de educação, do qual surgiram cientistas mais bem capacitados, manuais e equipamentos de excelente qualidade. O trabalho dos cientistas adquiriu maior reconhecimento em sua profissionalização, porém sua autonomia diminuiu e suas atividades eram controladas pelos órgãos de investimento. Nesse contexto, a Matemática é valorizada por suas teorias, e não por sua eficácia em problemas cotidianos. Os formalistas consideravam a Matemática como linguagem que poderia ser utilizada para formalizar as estruturas de outras ciências, descaracterizando o seu valor científico. Eles acreditavam que a Matemática, em sua estrutura, constituía-se como uma área que não podia ser classificada como ciência, pois seus objetos de estudo somente podiam ser representados de maneira abstrata, sem conexões com o mundo real. Para Pavanello (1989), a cultura positivista concebia que a Matemática, em razão da sua estruturação essencialmente abstrata, deveria ser ensinada para pessoas que tivessem aptidões inatas. Essa concepção foi criticada pelos pesquisadores que defendiam o ensino da Matemática em contextos reais, pelos quais poderiam ser utilizados procedimentos práticos relacionados à teoria matemática. Muitos matemáticos eram adeptos dos refinamentos dos processos matemáticos, os quais não deveriam ser predominantes no ensino escolar. Houve, dessa maneira, um retrocesso da relação entre a Matemática e suas aplicações concretas na solução de problemas. 77 Com a expansão da escolarização secundária, segundo Pavanello (1989), a heterogeneidade dos seus estudantes se consolida e por essa razão os currículos, inicialmente elaborados para acompanhar a homogeneidade dos alunos, necessitavam ser modificados. Assim, novas disciplinas foram inseridas nos programas curriculares do secundário. No entanto, não havia professores devidamente preparados para ministrar aulas dessas disciplinas, que por consequência eram ensinadas de maneira precária. Para os estudantes mais pobres, desenvolviase um ensino mais prático e utilitário para a sua formação profissional. Para os estudantes da elite, por sua vez, o ensino desenvolvido no secundário tinha a finalidade de possibilitar seu ingresso no nível superior. Essas finalidades caracterizavam para as diferentes classes estudantis um ensino promovido mediante diferenciação curricular. Depois da Segunda Guerra Mundial, houve a necessidade de as nações reestruturarem o capitalismo. Dessa reestruturação surgiram as empresas transnacionais e iniciou-se também o processo expansionista do Ensino Superior. As universidades existentes foram aprimoradas e novas universidades, criadas. Essa pesquisadora salienta que, em virtude de a expansão educacional do nível secundário ter possibilitado a formação estudantil para as diferentes classes – mas não para todas as pessoas –, as questões relacionadas à qualidade e ao aprimoramento do ensino adquiriram predominância nas discussões dos educadores: É justamente quando, de uma forma ou de outra, a escola secundária progressivamente se expande e um maior número de alunos, mesmo entre os das classes menos privilegiadas, têm acesso a esse nível de escolarização, um novo tema desponta no debate educacional: o da qualidade do ensino (PAVANELLO, 1989, p. 90). Durante a década de 50, a Matemática secundária foi criticada por educadores em todo o mundo. Eles afirmavam que a Matemática era a disciplina que menos contribuía para a formação secundária dos alunos, os quais não apresentavam desempenho satisfatório nas avaliações e se sentiam desestimulados a estudá-la. Formaram-se diversos grupos educacionais pelo mundo que discutiam aspectos relacionados à reformulação dos programas curriculares de Matemática. Nesse contexto, iniciou-se o processo de financiamento a grupos de pesquisadores que se dedicavam à elaboração de um novo currículo de Matemática. Nos países europeus, as mudanças curriculares ocorreram paralelamente por meio das discussões dos matemáticos durante os congressos de Royaumont, em 1959, e Dubrovnik, em 1960. 78 4.1.1 Uma breve síntese do MMM Em sua pesquisa, Araujo (2009) ressalta que, durante o século XX, os inúmeros avanços obtidos nos campos científicos e tecnológicos acentuaram um grande problema na educação quanto ao ensino da Matemática no nível secundário. Matemáticos e educadores observaram que a Matemática secundária estava ultrapassada em relação à Matemática ensinada nas universidades. As escolas secundárias se restringiam a ensinar a Matemática desenvolvida na Grécia, que se demonstrava inadequada por expor os professores às seguintes limitações de ensino: impossibilidade de desenvolver a noção de variável e também o conceito de função; exclusão dos métodos quantitativos no estudo da fenomenologia natural, seguindo processos qualitativos de estudo; predominância das figuras em relação ao campo numérico; desconexão entre o campo da Aritmética e o campo da Geometria; tratamento efetivamente estático dos conceitos geométricos; desenvolvimento insuficiente do estudo das curvas geométricas, restrito à caracterização das curvas lineares, circunferências e curvas cônicas; abandono dos métodos quantitativos no estudo conceitual da noção de infinito (ARAUJO, 2009). A Matemática do nível superior era contemplada por aspectos modernos e seu ensino procurava acompanhar os avanços científicos. Essa Matemática se originou dos trabalhos de Isaac Newton na Física e priorizava o conceito de função e os processos quantitativos de estudo. Dessa maneira, os matemáticos discutiam a necessidade de reformular os programas curriculares de Matemática do secundário, adequando seu ensino às finalidades do ensino superior. Os princípios de modernização da Matemática secundária se fundamentam na ideologia do grupo francês Bourbaki,30 que objetivava promover no ensino a substituição dos cálculos por estruturas algébricas. Segundo Araujo (2009), para os membros do grupo o ensino da Matemática deveria partir dos conceitos mais gerais para os mais específicos. Eles defendiam que a Matemática escolar deveria ser desenvolvida com ênfase nos processos de axiomatização e no estudo das abstrações gerais que constituem sua estruturação lógica. Assim sendo, propunham a unificação 30 Pseudônimo do grupo constituído por matemáticos, em sua maioria franceses, dedicado aos estudos relacionados à Matemática moderna. O grupo atingiu grande notoriedade no ano de 1935, quando começou a publicar suas pesquisas (ARAUJO, 2009, p. 50). 79 das diferentes áreas da Matemática por meio da inserção da teoria dos conjuntos. Os trabalhos desenvolvidos pelo grupo Bourbaki permitiram a reformulação científica bem-sucedida da Matemática do campo clássico para o campo moderno. Na década de 50, as finalidades curriculares da Matemática secundária foram debatidas entre os educadores. Eles concebiam que as transformações sociais ocorridas desencadearam grandes demandas técnicas de profissionalização, as quais as escolas secundárias não estavam capacitadas para suprir, promovendo um ensino insuficiente de Matemática que não contemplava os aspectos de modernização científica. Essa situação promoveu o interesse dos governos e de instituições privadas de diversos países em financiar pesquisas relacionadas à reformulação curricular da Matemática no secundário. Surgiram vários grupos educacionais de pesquisa nos Estados Unidos e nos países europeus. Araujo (2009) ressalta que um grupo educacional organizado por um comitê europeu de estudos relacionados ao desenvolvimento da Matemática escolar, constituído por profissionais dos campos da pedagogia, psicologia e da Matemática, se reuniu na Inglaterra em 1950 com o objetivo de realizar projetos relacionados à inserção dos pressupostos de modernização nos currículos da Matemática secundária. Participaram desse grupo o psicólogo Jean Piaget e o matemático bourbakista Jean Dieudonné.31 Durante seus seis encontros posteriores pela Europa, esse grupo desenvolveu muitos trabalhos relacionados à instauração de reforma moderna, os quais foram divulgados por meio da publicação pelo grupo de um livro, em 1955, intitulado L’enseingment des Mathematiques. Nesse livro, o grupo procurava difundir suas propostas. Piaget propunha que o ensino de Matemática fosse desenvolvido nas escolas pela relação estabelecida entre as estruturas intelectivas dos alunos e as estruturas algébricas da Matemática. Dieudonné discutia a inserção do estudo da álgebra moderna e a contribuição desse tema no desenvolvimento da abstração. Outras discussões enfatizavam modificações nos processos de ensino, novos enfoques para o ensino da Geometria elementar e pressupostos pedagógicos para a Matemática secundária. Os grupos educacionais norte-americanos, formados em grande parte por universitários, segundo Araujo (2009), também tiveram uma atuação significativa nas pesquisas relacionadas 31 Jean Alexandre Eugène Dieudonné (1906-1992), matemático francês notável por seus trabalhos no desenvolvimento da Álgebra abstrata e da sua aplicação à Geometria, um dos principais líderes do Movimento da Matemática Moderna no final dos anos 50. Defendia a inserção da Geometria das transformações nos currículos das escolas secundárias (ARAUJO, 2009, p. 55). 80 à inserção da Matemática moderna no secundário. Suas pesquisas foram financiadas pelo governo e por instituições privadas. Dentre os principais grupos o que mais se destacou na pesquisa foi o SMSG,32 fundado pela sociedade norte-americana de matemáticos em 1958 e liderado pelo professor pesquisador Edward. G. Begle33 que lecionava na universidade de Yale. O grupo SMSG publicou livros escolares para o secundário introduzindo princípios modernos no estudo de álgebra e na axiomatização da Geometria, propondo uma adaptação do sistema axiomático de Birkhoff.34 Esse grupo defendia a utilização do conceito de conjuntos para unificar a Matemática. Os grupos universitários de Illinois e de Maryland, embora menos expressivos, também foram atuantes nas pesquisas (ARAUJO, 2009). Araujo (2009) enfatiza que, tanto na Europa como nos Estados Unidos, os grupos educacionais analisavam os currículos de Matemática e observavam que havia uma defasagem não somente no seu ensino, mas no avanço científico dos campos da Matemática. Os programas curriculares de Matemática das escolas secundárias desconsideravam os progressos dessa ciência. Muitos estudos em áreas como álgebra, análise, entre outros, não eram considerados nos currículos secundários, o que causava grande distanciamento entre a Matemática secundária e a Matemática universitária. Em geral, as propostas desses grupos para a reforma da Matemática estavam concentradas nos mesmos pressupostos: priorização das estruturas algébricas; aplicação extensiva dos métodos gráficos de representação; maior ênfase no estudo do conjunto dos reais e das suas propriedades; emprego dos conjuntos na criação de uma linguagem unificadora da Matemática (ARAUJO, 2009). De acordo com Camargo (2009), a necessidade de modificar o ensino da Matemática nas escolas secundárias despertava também as atenções de organizações científicas e de entidades econômicas da Europa. Tinha-se em comum a concepção de que a reformulação dos currículos era uma medida indispensável de garantir a futura profissionalização de muitos jovens. Em 1959, aconteceu um congresso internacional em Royaumont, na França, organizado 32 Sigla referente a School Mathematics Study Group, um dos principais grupos norte-americanos de pesquisas relacionadas a inserção da Matemática moderna nas escolas de seu país (ARAUJO, 2009, p. 55). 33 Matemático norte-americano (1914-1978) conhecido por suas pesquisas em análise e álgebra moderna, fundador do grupo SMSG e precursor do Movimento Moderno nos currículos de Matemática das escolas secundárias dos Estados Unidos (ARAUJO, 2009, p. 55). 34 George David Birkhoff, matemático norte-americano (1884-1944) que, a partir de 1930, propôs uma reestruturação do sistema axiomático de Euclides por meio da inserção dos números reais, originando a Geometria métrica (ARAUJO, 2009, p. 57). 81 pela OECE,35 que reuniu matemáticos de vários países para discutir as propostas de implantação da reforma moderna do currículo de Matemática. Nesse congresso, os temas referentes à reforma foram divididos em três sessões, no entanto esta dissertação trata apenas da primeira, a qual foi presidida pelo matemático Jean Dieudonné. Camargo (2009) enfatiza que a primeira sessão desse congresso foi presidida por Dieudonné, pesquisador que defendia modificações severas na metodologia utilizada pelos professores secundários para ensinar Geometria Euclidiana. Para ele, as noções geométricas poderiam ser mais facilmente ensinadas inserindo-se a noção de vetor. Assim, Dieudonné recomendava o emprego das Transformações Geométricas no ensino da Geometria. Em geral, as principais discussões estavam centradas na concepção da álgebra como campo unificador da Matemática, na exclusão parcial do ensino dedutivo da Geometria, maior enfoque nos métodos intuitivos de ensino e no rigor, ensino da Geometria por meio da teoria dos conjuntos, introdução do conceito de vetor no ensino da Geometria e da Álgebra Linear. As discussões do Congresso de Royaumont referentes à reforma da Matemática foram fundamentais para que o movimento fosse difundido entre os matemáticos e os professores secundários e se consolidasse como um meio de reflexão no campo educacional. Durante o congresso internacional realizado em Dubrovnik, na Iugoslávia, em 1960, conforme Camargo (2009), os matemáticos retomaram as discussões do Congresso de Royaumont. Dessas discussões a comissão educacional da OECE apresentou, no ano de 1961, um programa curricular de Matemática secundária. Por meio desse programa, os matemáticos objetivavam reestruturar o ensino secundário dividindo-o em dois ciclos, ambos com três anos de duração. Os pressupostos modernos na concepção da Matemática escolar estavam expostos nesse documento. A noção de conjunto possuía predominância nos campos matemáticos, de maneira a promover sua unificação. A Geometria foi apresentada com enfoque intuitivo, ensinada por meio dos métodos algébricos. Por meio da difusão do programa de Dubrovnik, o movimento reformador da Matemática secundária se estabilizou em vários países. Muitos cursos de formação e aprimoramento de professores foram reestruturados, agregando em suas matrizes as disciplinas modernas. Os currículos de Matemática no secundário foram reelaborados, contemplando as modificações propostas pelo programa de Dubrovnik. Os livros 35 Sigla da Organização Europeia de Cooperação Econômica fundada em 1948 por meio dos investimentos destinados ao Plano Marshall, ou seja, Plano de Recuperação Europeia criado pelos EUA para auxiliar os países europeus aliados que foram avariados durante a Segunda Guerra Mundial (CAMARGO, 2009, p. 39). 82 escolares das décadas de 60 e 70 refletiam as finalidades dos currículos do secundário relacionadas à modernização. Em sua pesquisa, Leme da Silva (2007) ressalta que desde as discussões referentes às recomendações do programa de Dubrovnik, de 1961, os matemáticos discutiam a inserção de novas práticas didáticas e de materiais concretos para ensinar os conteúdos de Geometria no secundário: Além dos princípios, do elenco de conteúdos a serem desenvolvidos no programa moderno de Matemática, a obra exemplifica como tais conteúdos devem ser desenvolvidos na sala de aula, ao apresentar sugestões de atividades. De modo geral, pode-se dizer que a grande maioria das atividades propostas para o ensino de Geometria faz uso de materiais concretos, como varetas, varas metálicas, discos circulares de cartão, recipientes com formas de objetos geométricos, dobraduras. Predominam situações em que o aluno é levado a observar e identificar propriedades características a partir do material concreto e tirar conclusões, em outras palavras, realizar uma investigação experimental (LEME DA SILVA, 2007, p. 87). Nos congressos internacionais dessa época, os matemáticos tinham a convicção de que a ineficácia de ensino da Matemática se originava do desenvolvimento inadequado do ensino de Geometria Euclidiana nas escolas secundárias. Para eles, era fundamental modificar não somente os conteúdos de Geometria, mas também os processos metodológicos de seu ensino. No Brasil, o Professor Osvaldo Sangiorgi36 fundou o grupo GEEM.37 Os trabalhos do grupo tinham como finalidades divulgar os princípios da reforma moderna dos currículos de Matemática e capacitar os professores secundários para ensinar os tópicos modernos. No IV Congresso Nacional de Matemática realizado em Belém, no Pará, em 1962, o GEEM apresentou um programa curricular de Matemática para o secundário. Esse programa foi elaborado pelo grupo, seguindo os pressupostos do movimento de reforma. Durante esse congresso, diversos Estados brasileiros aprovaram a inserção da Matemática moderna nos currículos do secundário. Segundo Araujo (2009), depois do GEEM, outros grupos brasileiros surgiram e se dedicaram a propor às lideranças educacionais de seus Estados modificações curriculares. Em geral, as principais características do ensino da Matemática moderna são: 36 Matemático brasileiro precursor do Movimento da Matemática Moderna no ensino secundário. Durante a década de 60 Sangiorgi se dedicou exaustivamente à divulgação dos pressupostos modernos em palestras realizadas nos Congressos Nacionais. Sangiorgi também ministrou o ensino de disciplinas modernas em cursos de formação docente criados pelo GEEM e publicou muitas coleções didáticas de Matemática moderna para o secundário (CAMARGO, 2009, p. 42). 37 Sigla referente ao Grupo de Estudos do Ensino da Matemática fundado no Brasil por Sangiorgi em 1961 (CAMARGO, 2009, p. 42). 83 padronização da linguagem e dos conceitos matemáticos nas diferentes vertentes da Matemática; utilização dos sistemas axiomáticos na dedução de teoremas; aprimoramento da Matemática clássica através da junção articuladora dos seus aspectos evolutivos e de uma nova proposição metodológica no seu ensino; relação entre os conhecimentos matemáticos e as atividades profissionais dos campos técnico e científico; maior ênfase no dinamismo da Matemática escolar, procurando acompanhar as principais transformações nos campos socioeconômico e cultural; priorização do rigor formal (ARAUJO, 2009). Araujo (2009) salienta que os grupos atuantes do movimento moderno implementaram uma reforma com o principal objetivo de agregar aos currículos escolares de Matemática os avanços obtidos nas diferentes ramificações dessa disciplina, os quais foram durante muito tempo renegados, ampliando a dicotomia entre o ensino da Matemática secundária e o da Matemática superior. No entanto, os pressupostos dessa reforma denotam também outros objetivos. Por meio dela, os reformadores objetivavam: incentivar a formação docente e de matemáticos; capacitar os profissionais para exercer atividades nos ramos técnico e científico; aprimorar o trabalho docente, no desenvolvimento de novas técnicas de ensino; despertar a vocação dos indivíduos no campo profissional; promover o desenvolvimento intelectivo das faculdades mentais; ampliar as pesquisas científicas no desenvolvimento da Matemática (ARAUJO, 2009). 4.1.2 Ensino das transformações Segundo Camargo (2009), durante o Congresso de Royaumont em 1959, os matemáticos se reuniram para discutir os principais temas da reforma moderna a ser instaurada. Nesse congresso, os matemáticos admitiam que o desenvolvimento da ciência estava efetivamente relacionado com os procedimentos matemáticos de cálculo e de teorização. Para eles, era necessário capacitar os jovens das escolas secundárias para sua inserção no campo de profissionalização científica. Portanto, os participantes do congresso tinham o consenso de que era fundamental estimular a formação de um grande número de matemáticos. A realidade social, em pleno auge do desenvolvimento tecnológico, também constituía para os matemáticos uma importante motivação para a proposição de reformas dos currículos de Matemática. Nesse contexto, Dieudonné (1959) defendia que a Matemática secundária deveria estar sujeita a um processo de reformulação curricular, por meio do qual seriam agregados os conteúdos 84 modernos. Ele apresentou para os participantes do congresso um modelo de programa curricular para o secundário, por meio do qual expunha a inserção dos métodos modernos de ensino. Em seu programa, Dieudonné (1959) criticou a concepção euclidiana de ensino da Geometria, a qual se restringia ao emprego dos triângulos para estudar as proposições fundamentais. Para ele, a Geometria deveria ser ensinada no primeiro ciclo por meio de métodos dinâmicos e intuitivos relacionados ao estudo das transformações geométricas: Quanto à Geometria, eu sei que, recentemente, realizamos muitos estudos nas instituições educacionais (especialmente nas escolas da Bélgica) referentes aos métodos de ensino da Geometria e suas aplicações na Física clássica. Acho que essas iniciativas são fortemente encorajadoras, desde que nós dediquemos nossos esforços não em métodos artificiais de estudo, fundamentados no conceito de triângulo, mas em conceitos fundamentais, tais como simetrias, translações, composição de transformações etc. (DIEUDONNÉ, 1959, p. 52, tradução nossa). 38 Dieudonné (1959) ressalta que a principal finalidade do ensino de Matemática nas séries do 1.º ciclo é o desenvolvimento da intuição dos estudantes, que deve ser exercitado desde a primeira série. Ele justifica as críticas feitas à Geometria propondo um refinamento dos métodos utilizados para o seu ensino, por meio da inserção do estudo das Transformações Geométricas e do tratamento vetorial: Então, considero que uma das principais tarefas das escolas secundárias é desenvolver gradativamente o pensamento intuitivo dos alunos, procurando fazer com que eles utilizem esse recurso para resolver problemas matemáticos complexos. Tal iniciativa deve ser realizada nas primeiras séries do secundário para que os alunos possam evoluir em sua aprendizagem. Meu objetivo, portanto, é discutir novos métodos de ensino para a Geometria, os quais havia mencionado anteriormente que seria muito melhor fundamentar o seu ensino não em conceitos artificiais que são comumente utilizados, mas sim em conceitos fundamentais que predominam sobre qualquer questionamento referente às aplicações da Geometria. Enquanto, por exemplo, a noção de vetor é de grande importância em qualquer ciência moderna, o conceito de triângulo é artificial e não tem praticamente qualquer aplicação fora dos campos altamente especializados de astronomia e geodésica. Dessa maneira, será que não é melhor insistirmos em construir a base da Geometria elementar sem esse acidente histórico do procedimento utilizado por Euclides, na falta de recursos mais eficientes? Devemos, portanto, continuar indefinidamente a seguir cegamente essa tradição, e fechar os olhos para a evidência de que há outras maneiras mais eficazes para atingir os mesmos resultados? Eu me recuso a acreditar que, em 38 Quant à la géométrie, je sais que récemment on a fait beaucoup de recherches et d’expériences dans les milieux pédagogiques (en particulier en Belgique) sur les méthodes permettant d’enseigner la géométrie pour ainsi dire comme un chapitre de la physique. Je pense que ces initiatives sont à encourager fortement, pourvu qu’on mette l’accent, non sur des joujoux artificiels comme les triangles, mais sur des notions fondamentales, telles que symétries, translations, produits de transformations etc. (DIEUDONNÉ, 1959, p. 52). 85 nossa profissão, não tenhamos essa ousadia e imaginação (DIEUDONNÉ, 1959, p. 56, tradução nossa).39 Em geral, Dieudonné (1959) propunha a inserção dos métodos intuitivos no estudo da Geometria com o objetivo de conduzir os estudantes a realizar explorações conceituais por meio da experimentação, com o recurso ao movimento. No entanto, ele também julgava importante a dedução em Geometria, desde que os alunos soubessem aplicar, no estudo das demonstrações, as noções intuitivas precedentes. Para o matemático francês, a intuição era a base da sistematização formal, do estudo axiomático. No final do Congresso de Royaumont, os participantes se comprometeram a divulgar e aplicar as recomendações do seu programa para o ensino da Geometria. No ano de 1960, os matemáticos discutiam a necessidade de elaborar um programa que explicitasse para os educadores secundários os aspectos da reforma que pretendiam implantar no ensino de Matemática. A comissão especial de matemáticos estava convicta de que esse programa não deveria ser imposto, e sim adaptado às situações das escolas secundárias de cada país, que poderiam, a seu critério, elaborar cursos e programas curriculares modernos. Em 1961, a Comissão da OECE apresentou para os seus representantes o programa curricular moderno para a Matemática secundária. Nessa apresentação, foram enfatizadas as modificações modernas para o estudo da Geometria no 1.º ciclo. As indicações do programa ressaltavam as relações entre os campos algébrico e geométrico e a sua principal finalidade de oferecer sustentação aos métodos euclidianos de dedução: 39 Je pense donc que l’une des tâches principales des établissements secondaires est de former et de développer chez les élèves l’intuition de l’espace, tout en la faisant entrer dans le cadre logique qui permettra aux jeunes gens de l’utiliser plus tard. Il ne faut rien négliger pour atteindre ce but aussi tôt et aussi complètement que possible.Mes critiques visent donc, non pas le but, mais les méthodesde l’enseignement de la géométrie ; j’affirme surtout qu’il vaudrait beaucoup mieux fonder cet enseignement, non sur des notions et des résultats artificiels qui, dans la plupart des applications, n’ont aucune utilité, mais sur les notions fondamentales qui dominent et éclairent toute question où la géométrie intervient. Alors que par exemple la notion de vecteur aune importance capitale dans toute la science moderne, la notion de triangleest artificielle et n’a pratiquement aucune application en dehors des domaines hautement spécialisés de l’astronomie et de la géodésie. Insisterait-on autant pour en faire la base de la géométrie élémentaire, sans cet accident historique que ce procédé fut employé par Euclide faute de meilleurs outils? Devronsnous donc continuer indéfiniment à suivre aveuglément la tradition, et fermer les yeux devant l’évidence écrasante qu’il y a de bien meilleures méthodes pour arriver au même résultat? Je ne puis croire que notre profession manque à ce point d’audace et d’imagination (DIEUDONNÉ, 1959, p. 56). 86 O programa proposto para este ciclo objetiva promover uma substituição do ensino tradicional de Geometria por uma abordagem contemplada por tendências modernas que ditam os rumos da Matemática. Atualmente a Geometria é o campo de estudos que integra todos os princípios matemáticos já desenvolvidos, seja no campo numérico (Álgebra), ou nos conjuntos de pontos, de retas etc. Consequentemente, os métodos euclidianos de síntese devem ser reforçados por métodos integrados ao campo da Álgebra (OECE, 1961, p. 74, tradução nossa).40 As orientações metodológicas do programa para o ensino da Geometria no primeiro ciclo se orientam nos seguintes pressupostos: 1. Evitar a utilização de uma terminologia complexa e prematura. A linguagem Matemática será empregada de maneira adequada no seu devido tempo. Definir os novos vocábulos no contexto em que são empregados; 2. Um modelo material (adequado à observação e à experiência) é a base de estudos ideal para se desenvolver a abstração matemática. A Matemática é uma ciência abstrata e o seu estudo está associado às relações entre representações abstratas. Para o jovem, contudo, uma experiência concreta, rica e diversificada constitui um passo importante para conduzir os alunos a abstrair noções e conceitos matemáticos; 3. É imprescindível que o aluno aprenda a pensar de maneira criadora e intuitiva. Para atingir essa finalidade, deve ser oferecida para o aluno a oportunidade para formular problemas e apresentar suas possíveis soluções. É evidente que o aluno estará suscetível ao erro e apresentará muitas soluções equivocadas (OECE, 1961, p. 76-77, tradução nossa).41 As prescrições do programa de Dubrovnik para o ensino das Transformações Geométricas seguem os princípios reformadores de Dieudonné em propor um curso experimental para o ensino da Geometria no primeiro ciclo, precedendo à formalização dos conceitos geométricos no segundo ciclo (LEME DA SILVA, 2007). As indicações do programa do 1.º ciclo, destinado aos alunos de faixa etária dos 11 aos 15 anos, sugerem ao professor desenvolver o estudo das simetrias e demais Transformações “Le programme proposé pour ce cycle marque um abandonon de la voie tradittionelle sur la géométrie pour une représentation qui reflate las tendencies modernes dans la manière ils trainted la question.” “La Géométrie englobe aujourd`hui tous les principes mathématiques déjà traité du point de vue du nombre (algèbre) ou comme um ensemble de points, lignes droites etc. Les méthodes de synthèse d`Euclide doivent être em conséquence renforcés par des méthodes intégrés dans le domaine de l’algèbra” (OECE, 1961, p. 74). 40 41 1. Ne pas employer une terminologie prématurée et difficile. La langage mathématique approprié sera utilisé dans le délai fois. Définir de nouveaux mots dans le contexte dans lequel sont employés; 2. Um modèle de matériau (favorisant l’observation et l`experiénce) est le point départ pour déveloper l’abstraction mathématique. Les mathématiques est abstrait et se rapportant des relations entre choses abstraites. Pour les jeunes, cependant, une expérience concrète, riche et variée est une étape nécessaire vers l’abstraction; 3. Il est essentiel que le étudiant apprenne à réfléchir de manère créative et intuitive. A cette fin, devraient etrê remis pour l’étudiant la possibilitéé de formuler les problemes et d`exposer ses solutions. Bien sûr, il commettra trop d`erreurs et présent la non validité des résultats (OECE, 1961, p. 76-77). 87 Geométricas de maneira intuitiva, com a finalidade de propor para os alunos o estudo investigativo das propriedades das figuras geométricas por meio de atividades de dobraduras e recortes de papel, utilização de representações de polígonos e de circunferências: 3. Simetrias – [observar o caso dos triângulos isósceles] 4. Transformações Geométricas estudadas de um ponto de vista dinâmico e intuitivo, aplicadas na exploração investigativa das propriedades das figuras. As transformações devem ser realizadas por meio de: a) papel dobrado; b) reflexão; c) rotação; d) translação; e) recortes; f) pontos regularmente distribuídos sobre circunferências e polígonos regulares [...] (OECE, 1961, p. 77, tradução nossa).42 As Transformações Geométricas foram inseridas no programa curricular moderno como um importante recurso ao desenvolvimento intuitivo dos conceitos geométricos, em etapas precedentes à dedução euclidiana. Assim, o ensino das Transformações Geométricas no primeiro ciclo observava os seguintes objetivos do programa: 1. Estabelecer, de maneira intuitiva, alguns fundamentos geométricos com base na noção de movimento e na experimentação. 2. [...] investigar as propriedades invariantes das figuras sob a aplicação de determinada transformação geométrica [procurando assim constituir uma base sólida de verificação para o estudo dedutivo das proposições formais]. 3. Promover a integração de métodos diversificados (algébricos e de análise) na resolução de problemas geométricos (OECE, 1961, p. 77, tradução nossa). 43 Por meio dessas orientações, a Geometria escolar passou a ter uma estrutura algebrizada, na qual predominavam as noções de conjuntos, sendo ensinada por meio das Transformações Geométricas. Nessa época, vários pesquisadores enfatizavam os problemas que poderiam ocorrer no ensino da Geometria, como a predominância dos aspectos intuitivos em relação aos dedutivos, provocando a descaracterização dos conceitos, limitações de aprendizagem relacionadas à enfadonha memorização de procedimentos e conceitos, ausência da visualização e o desconhecimento da utilização dos métodos algébricos no estudo das Transformações Geométricas por parte dos professores. Symétrie – le triangle isocèle. Transformations étudiées d’un point de vue physique et intuitif pour la recherche des propriétés des figures. Les transformations seront effectuées au moyen de: a) papier plié; b) réflexion; c) rotation; d) translation; e) découpage; f) points régulièrement espacés sur un cercle et les polygones réguliers […] (OECE, 1961, p. 77). 42 43 1. Établir, intuitivement certains résultats géométriques sur la base de l’experience physique et dans la expérimentation. 2. […] étudier les propriétés invariants dans les transformations physiques […] 3. Pour intégrer les methodes variables (algébrique et de synthèse) dans la resolution d`un problème de géométrie (OECE, 1961, p. 77). 88 Segundo Pavanello (1989), as propostas modernas de reforma no Brasil foram divulgadas nos cursos universitários ministrados por professores bourbakistas entre os anos 1940 e 1950. No momento em que Dieudonné adotou a iniciativa de impulsionar o movimento reformador, os professores das universidades brasileiras aprovaram suas propostas e passaram a difundir os seus ideais de modernização para os docentes das escolas secundárias: A influência predominante na introdução da Matemática Moderna no Brasil foi a francesa, como consequência dos cursos ministrados na Universidade (na de São Paulo, especialmente) por matemáticos franceses, nas décadas de 40 e 50. Dentre eles figuravam Dieudonné e outros ex-integrantes do grupo Bourbaki. Assim, quando Dieudonné se lança em defesa da Matemática moderna, é seguido pelos professores universitários brasileiros, que disseminam estas ideias entre os professores secundários (PAVANELLO, 1989, p. 162). Leme da Silva (2008) salienta em seu trabalho que as propostas enfatizadas por Dieudonné para o ensino da Geometria não foram incorporadas a priori aos manuais didáticos de Matemática produzidos no Brasil, pois os educadores matemáticos divergiam em adotar essas propostas em suas coleções. Benedito Castrucci, por exemplo, relutava em explicitar os pressupostos do movimento moderno em suas obras, enquanto Osvaldo Sangiorgi aderiu a esses pressupostos, procurando introduzi-los nos livros escolares que escrevia, com a finalidade de reformular a Matemática secundária: Enquanto Dieudonné propõe uma ruptura com a Geometria Euclidiana e Castrucci admite que, no Brasil, seria um passo ousado realizar as mudanças propostas pelo MMM, Sangiorgi incorpora à sua obra os elementos característicos dos diferentes posicionamentos. Não abandona a Geometria Euclidiana, nem a dedutiva, mas acrescenta novos postulados, uma Geometria exploratória. Também não se posiciona partidário da Geometria desenvolvida pelas transformações geométricas, mas não deixa de reservar um espaço a tal abordagem (LEME DA SILVA, 2008, p. 91). O manual escolar intitulado Matemática Curso Moderno, escrito por Osvaldo Sangiorgi para o ensino secundário nos anos 1960, segundo Leme da Silva (2008), não tinha o escopo de desenvolver ensinamentos formais para a Geometria. Por meio desse manual, Sangiorgi objetivava propor aos alunos um ensino experimental de Geometria, pelo qual eles poderiam realizar explorações dos conceitos sem necessitar de muitas formalizações, o que demonstrava que Sangiorgi, apesar de não rejeitar as propostas do movimento moderno, não tinha o intuito de abandonar a didática no ensino dos conteúdos de Geometria: Quanto à abordagem metodológica, realizada no ensino da Geometria, o livro “Matemática Curso Moderno” traz, para além das mudanças na linguagem, nos postulados, um desenvolvimento mais cuidadoso com os conceitos e propriedades geométricos. A nosso ver, tal alteração, juntamente com a tentativa de recuperar aspectos exploratórios no ensino da Geometria, antes da formalização de conceitos e da axiomatização, representa mudança significativa no ensino da Geometria. Este 89 aspecto, até então pouco discutido no ideário do MMM, representa indícios de uma preocupação com a didática do ensino da Matemática, na tentativa de uma maior participação do aluno no processo de aprendizagem [...] (LEME DA SILVA, 2008, p. 91-92). Em geral, os grupos educacionais brasileiros formados nos anos 1970 que tentaram introduzir ao ensino da Matemática secundária as propostas do segundo movimento de modernização curricular também produziram manuais didáticos, nos quais recomendavam aos professores secundários que a Geometria fosse ensinada por meio das Transformações Geométricas, procurando cumprir com as indicações do programa de Dubrovnik. Nesses manuais, o ensino das transformações é desenvolvido algebricamente. No entanto, os processos metodológicos prescritos no programa de Dubrovnik para o ensino desse conteúdo não foram abandonados por seus autores (LEME DA SILVA, 2008). Leme da Silva (2009) ressalta que, apesar de as Transformações Geométricas terem sido introduzidas nos manuais didáticos de Matemática para o ensino da Geometria, atendendo as indicações do Movimento da Matemática Moderna, as divergências dos educadores brasileiros quanto às tendências do movimento modernizador a serem seguidas no ensino secundário, tanto os ideários de grupos norte-americanos como os de grupos franceses, fizeram com que o ensino das transformações não fosse oficializado por esses documentos para ser desenvolvido nas escolas (LEME DA SILVA, 2009). Ao que tudo indica, foi somente o grupo educacional da Bahia, coordenado pela Professora Martha Dantas, que realmente procurou inserir o ensino das transformações nas práticas dos docentes por meio das coleções de manuais produzidas por esse grupo nas décadas de 70 e 80. No Brasil, essas coleções foram as que mais enfatizaram o ensino desse conteúdo nas escolas secundárias, distinguindo-se de outros manuais didáticos produzidos para o ensino de Matemática. Outras iniciativas de educadores em consolidar o ensino das transformações no secundário constituíram atividades isoladas que não foram eficazes para modificar significativamente o desenvolvimento da Geometria escolar. Por essa razão, as críticas dos pesquisadores referentes ao ensino das Transformações Geométricas não são críticas aos procedimentos utilizados pelos educadores para desenvolverem o ensino da Geometria em conformidade com Leme da Silva (2009): Talvez ainda seja cedo demais para a produção de novos fatos históricos sobre o ensino de Geometria e o MMM, mas certamente ele não pode estar somente atrelado à presença das Transformações Geométricas ao rol dos conteúdos de uma proposta curricular. Tudo indica que o conceito Transformações Geométricas foi tratado em experiências isoladas, mas não penetrou nas aulas de Matemática, a menos em 90 contextos muito particulares, como é o caso da Bahia. Criticar o ensino de Geometria ao tempo do MMM considerando como ponto central a proposta das Transformações Geométricas é uma crítica ao ideário do MMM, mas não propriamente às práticas pedagógicas que o ensino da Geometria incorporou (LEME DA SILVA, 2009, p. 17). Com o objetivo de introduzir os pressupostos do Movimento da Matemática Moderna no Ensino Fundamental, em São Paulo, no ano de 1975, são lançados os Guias Curriculares de Matemática, uma iniciativa da Secretaria da Educação que adota, por meio desse documento, os princípios dos reformadores atuantes no movimento de modernização, sobretudo em relação ao ensino das transformações geométricas. 4.1.3 Guias Curriculares de São Paulo Os Guias Curriculares de São Paulo são documentos curriculares elaborados pela Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas da Secretaria de Estado da Educação. Esses documentos tinham como finalidade indicar os conteúdos e as metodologias para as escolas de oito anos – antigo ensino de 1.º grau (SÃO PAULO, 1975). No que concerne à Matemática, os Guias Curriculares prescrevem um ensino contemplado pelos pressupostos do movimento de modernização, de maneira a introduzir gradativamente a teoria dos conjuntos e os métodos algébricos no estudo dos conteúdos matemáticos, visando promover uma aprendizagem com pressuposto no desenvolvimento da abstração do público escolar e enfatizando a experimentação nos processos de aprendizagem (ARAUJO, 2009). Esse documento apresenta os objetivos a serem alcançados no ensino dos conteúdos matemáticos e oferece, em certos temas, sugestões metodológicas e materiais para o professor poder desenvolver de maneira adequada os conteúdos que deve ensinar. Em Geometria, os Guias promovem abordagens intuitivas desde as séries iniciais até a 8.ª série (atual 9.º ano). Nas séries iniciais, os alunos estudam as características dos polígonos, realizam desenhos representativos de diversas curvas e estudam as medidas de figuras e regiões, realizando cálculos simples que ilustram os conceitos de perímetro e área. Nas atividades, são explorados de maneira introdutória os aspectos intuitivos, conduzindo os alunos a relacionar as figuras e a caracterizá-las, determinando suas medidas (SÃO PAULO, 1975). 91 Na 5.ª série (6.º ano) os conteúdos de Geometria são estudados por meio da teoria dos conjuntos. Assim, figuras geométricas, retas entre outras curvas em posições distintas, polígonos e planos são estudados algebricamente como conjuntos de pontos seguindo os pressupostos modernos. Por meio dessa abordagem, objetiva-se relacionar diferentes entes geométricos, caracterizando-os por meio de operações entre conjuntos. As observações metodológicas dos Guias sugerem para o professor desenvolver o conceito de conjunto como uma linguagem comum, por meio da qual se relacionam os campos da Matemática. Para a 6.ª série (7.º ano), a Geometria se desenvolve por meio das construções manuais realizadas com régua e compasso. As orientações dos Guias sugerem para o professor desenvolver o conceito de transformação geométrica, relacionando as transformações à noção de função, procurando propor para os alunos o estudo dessas transformações no plano, concebendo-as como “isometrias” por sua representação funcional. A partir desse desenvolvimento, o professor deve explorar a aplicação das isometrias, caracterizando-as por serem transformações, nas quais as distâncias dos segmentos correspondentes de determinada figura geométrica com a sua simétrica são preservadas. Em seguida, o professor deve empregar as isometrias, de maneira a permitir aos alunos estudar a congruência de diversas figuras, caracterizando-a como uma correspondência estabelecida entre as figuras por meio de transformações: Estabelecer intuitivamente alguns resultados geométricos com base na experiência e observação [...] Relacionar a ideia de função à de transformação do plano nele mesmo. Saber que a isometria é um tipo de transformação que conserva as distâncias. Reconhecer figuras congruentes como figuras que se correspondem por meio de uma isometria (SÃO PAULO, 1975, p. 223). Para a 7.ª série (8.º ano), esse documento prescreve o estudo de dois tipos de simetrias: axial e central. Por meio do estudo de simetria axial objetiva-se que o professor possa capacitar os estudantes a caracterizar essa transformação como uma função no plano, aplicar a transformação em figuras, procurando encontrar os eixos simétricos, obter a imagem simétrica da figura inicial em relação a um dado eixo e observar as propriedades geométricas preservadas por figuras na aplicação da simetria de reflexão: Reconhecer a propriedade simétrica da relação de “é o simétrico de”. Reconhecer os eixos de simetria numa figura geométrica. Determinar a figura simétrica de uma figura relativa a um eixo de simetria. Determinar os invariantes por uma simetria axial (SÃO PAULO, 1975, p. 225). 92 As orientações metodológicas referentes ao ensino de simetria axial sugerem ao professor apresentar para os alunos a definição formal dessa transformação, por meio de uma função que associa a um ponto qualquer de uma figura geométrica o seu simétrico, contido na figura transformada, mantendo-se essa relação independente das distâncias entre os pontos das duas figuras, e obter triângulos congruentes pela composição de simetrias axiais. No caso da simetria central, seu ensino é proposto com a finalidade de fazer com que o professor possa habilitar os alunos a caracterizar a relação funcional dessa transformação, realizar sua aplicação em diversas figuras para obter figuras simétricas em relação a um dado ponto, caracterizar as propriedades mantidas nas figuras transformadas e descrever as relações observadas entre a simetria de reflexão e a central: Reconhecer a propriedade simétrica da relação “é o simétrico de” em relação a um ponto. Determinar a figura simétrica de uma figura relativa a um ponto. Determinar os invariantes por uma simetria central. Relacionar a simetria central com a simetria axial (SÃO PAULO, 1975, p. 225). Para as 6.ª e 7.ª séries do primeiro grau, o estudo das Transformações Geométricas se estende para o desenvolvimento das noções de translação. As orientações dos Guias recomendam que o professor utilize na 6.ª série a transformação translação para obter segmentos correspondentes e também empregar essa transformação para estudar as propriedades do paralelogramo. Na 7.ª série, as orientações do documento sugerem ao professor propor aos alunos estudar a translação como função, representando-a em diagramas e aplicar a translação em figuras geométricas para analisar as características de invariância da figura transformada. Assim, nas duas séries, o estudo da translação se desenvolve em etapas sequenciais gradativas, partindo-se da transformação aplicada em segmentos para a transformação das figuras geométricas: Determinar segmento correspondente a outro por meio de uma translação. Associar o conceito de paralelogramo ao de translação. [...] Construir os pontos correspondentes por uma translação. Fazer diagramas de “é o correspondente de” por uma translação. Determinar os invariantes por uma translação (SÃO PAULO, 1975, p. 224-226). Na 8.ª série (9.º ano) são introduzidas as noções de homotetia, com a finalidade de iniciar explorações geométricas que conduzam os alunos a caracterizar a semelhança de figuras. As orientações dos Guias sugerem que o professor explore a transformação por meio de 93 construções geométricas, fazendo com que os alunos descrevam as relações observadas entre a razão da homotetia, os pontos obtidos por essa transformação em relação a um dado centro e as dimensões das figuras homotéticas. O professor deve também explorar com os alunos os aspectos funcionais da transformação, fazendo diagramas para representar a correspondência entre os entes geométricos obtidos por homotetia. Por meio da aplicação da homotetia em figuras geométricas, o professor deve habilitar os alunos a estudar as propriedades das representações homotéticas relacionando-as às representações iniciais para caracterizar seus invariantes: Determinar o homotético de um ponto dado. Relacionar o valor da razão com: – a posição dos pontos homotéticos em relação ao centro da homotetia; – a ampliação, conservação ou redução da figura. Traçar o diagrama de uma homotetia. Determinar os invariantes por uma homotetia (SÃO PAULO, 1975, p. 227). Podemos notar que os Guias Curriculares de São Paulo (1975) constituem uma tentativa dos reformadores do sistema educacional paulista de oficializar, entre outros conteúdos de Matemática moderna, o ensino das Transformações Geométricas no estudo da Geometria, pois, apesar de as transformações estarem presentes nos manuais didáticos de Matemática da época, não havia um consenso entre os autores de grande parte dos Estados brasileiros sobre a ênfase que deveria ser dada a esse conteúdo em suas obras para o ensino dos conceitos geométricos. Assim, além de ser abordado o estudo das Transformações Geométricas nesses manuais, também eram tratadas outras tendências modernas para o ensino de Geometria, tais como a inserção de novos axiomas e o desenvolvimento do estudo de Geometria experimental. Nesse contexto, o ensino das Transformações Geométricas era pouco incorporado à prática docente, pois não havia orientações didáticas consistentes na maioria das coleções de manuais didáticos que pudessem auxiliar os professores no trabalho com as transformações quando ensinavam os conteúdos de geometria para os alunos, com exceção dos trabalhos desenvolvidos pelo grupo educacional coordenado pela Professora Martha Dantas no Estado da Bahia, pelos quais o estudo das transformações foi enfatizado nos programas curriculares de Matemática do Ensino Fundamental, bem como nas coleções de manuais didáticos produzidas por esse grupo. Analisando as indicações dos Guias Curriculares de São Paulo (1975) para o ensino das Transformações Geométricas nas séries do Ensino Fundamental, observamos que há uma preocupação em desenvolver os conceitos geométricos com ênfase na experimentação e na utilização de funções. As simetrias de reflexão e de rotação, a translação e a homotetia são 94 definidas como funções que possibilitam uma correspondência entre os entes geométricos. As transformações de pontos, segmentos, retas e figuras geométricas são realizadas no plano ortogonal por meio de procedimentos algébricos. As posições das figuras no plano, bem como a invariância geométrica dessas figuras obtidas pelas transformações, são estudadas por meio de funções. Enfatiza-se o desenvolvimento da abstração dos estudantes na aprendizagem dos conceitos geométricos, procurando capacitá-los a relacionar as Transformações Geométricas aplicadas nas figuras planas com sua representação funcional no plano. 4.2 Proposta curricular de São Paulo 4.2.1 Reações contrárias ao Movimento da Matemática Moderna: novas propostas Durante as décadas de 60 e 70, muitos professores e matemáticos foram atraídos pelo movimento moderno de reforma da Matemática, o qual propunha, dentre os novos métodos, o ensino formal dos conceitos matemáticos, as aplicações das estruturas algébricas e a utilização da teoria dos conjuntos para promover a construção de uma linguagem de unificação da Matemática em substituição à utilização dos métodos experimentais e dos materiais concretos na aprendizagem dos conceitos. A implantação dos pressupostos desse movimento nos currículos do secundário modificou radicalmente as práticas docentes, principalmente no que se refere ao estudo dos conceitos com ênfase nos aspectos de formalização (ARAUJO, 2009). Os princípios da Matemática Moderna se fundamentam nas teorias piagetianas. Piaget pressupõe um ensino caracterizado pelas relações que o professor estabelece entre as estruturas algébricas e as estruturas intelectivas da mente humana. Dessa maneira, para os matemáticos modernos a Matemática deve ser contemplada pelas estruturas algébricas. No entanto, as ideias centrais desse movimento foram posteriormente criticadas pelos professores secundários que, durante a implantação dos novos programas curriculares, observaram que os estudantes do Fundamental não conseguiram dominar os métodos algébricos básicos e compreender as aplicações conceituais dos conteúdos matemáticos (ARAUJO, 2009). Essas críticas denotavam diversos problemas vivenciados por educadores, relacionados aos diferentes aspectos do ensino da Matemática Moderna. Pietropaolo (1999), por exemplo, discute os seguintes aspectos: 95 a substituição de práticas docentes eficazes por métodos modernos no ensino das operações algébricas e no desenvolvimento de noções relacionadas aos sistemas de numeração; realização de um processo precoce de formalização dos conceitos, sem preocupação com os seus significados na aprendizagem dos estudantes; separação permanente da Matemática das outras disciplinas do nível secundário; eliminação dos conhecimentos práticos da Matemática escolar e da sua aplicação no cotidiano; desvinculação do conhecimento prévio dos estudantes referentes a diferentes métodos de cálculo por eles utilizados na aprendizagem da Matemática; exposição equivocada da finalidade curricular da Matemática secundária, sendo seu ensino destinado a cumprir pressupostos técnico-científicos: nesse sentido a articulação do conhecimento matemático não necessariamente se realiza por interdisciplinaridade, pois a Matemática perde sua relação com os temas das outras disciplinas; eliminação dos princípios pedagógicos de socialização nos métodos de ensino dos conteúdos. Essas críticas constituíram o passo inicial para a superação dos pressupostos do movimento moderno nos currículos brasileiros de Matemática para as escolas secundárias. A medida inicial de desvinculação curricular compreende um retrocesso aos métodos e procedimentos anteriores ao movimento. Esse movimento de desvinculação curricular por meio do retrocesso denominado back to basics foi aderido por diversos países e objetivou reestruturar os princípios de ensino da Matemática. Embora as reformas curriculares provocadas por esse movimento em cada país apresentem distinções entre os objetivos educacionais fixados, essas reformas tinham em comum alguns pressupostos. Pietropaolo (1999) apresenta uma síntese desses princípios: ênfase na relação integrada entre os conhecimentos matemáticos e sua aplicação no cotidiano; priorização das aplicações da Matemática para solucionar problemas de outras disciplinas e também no estudo dos conceitos matemáticos em contextos diversificados, com a finalidade de promover uma formação secundária mais democrática com ênfase na cidadania dos estudantes; 96 inserção da história da Matemática no ensino dos conteúdos para viabilizar os processos de aprendizagem dos conceitos matemáticos; ênfase nos processos utilizados pelos alunos para resolver os problemas matemáticos, procurando aprimorar seu pensamento intuitivo; utilização de avaliações em Matemática, com a finalidade de diagnosticar o aproveitamento dos estudantes, bem como suas principais dificuldades; estudo de noções de Estatística e de Probabilidade no Fundamental com a finalidade de fazer com que os alunos possam explorar modelos matemáticos aplicados em contextos reais. Segundo Pietropaolo (1999), os movimentos reformadores da Matemática escolar expressam também a luta da educação contra dois grandes mitos que, durante muito tempo, foram concebidos como verdades, depreciando o seu ensino em todos os níveis, eximindo os alunos de uma formação adequada. O primeiro deles surge do predomínio das teorias positivistas nos programas curriculares de Matemática. São essas teorias que pressupõem que o ensino da Matemática somente pode ser destinado a alunos que possuem geneticamente grande habilidade para estudar as ciências. Essa teoria concebe que há indivíduos que nasceram com aptidões especiais para estudar e desenvolver as ciências. Entretanto, os professores devem conceber que os seus alunos podem progredir no ensino de suas disciplinas, independentemente do seu aproveitamento parcial. O outro mito provém de crenças sociológicas compartilhadas entre os professores, as quais supõem que os estudantes somente poderão progredir em Matemática se antes tiverem um nível avançado de embasamento cultural. Esse pesquisador ressalta que atualmente os currículos de Matemática tendem a contemplar a ação dos estudantes em prol de sua aprendizagem, ação esta que se representa nas novas vertentes curriculares por meio da sentença “Fazer Matemática”. Por essa proposta, o professor deve incentivar os estudantes a realizar atividades que os possibilitem construir os conceitos, e não simplesmente memorizá-los. No momento em que se apropriam dos conceitos, os alunos adquirem novas ferramentas para resolver os problemas matemáticos. Os diversos estudos epistemológicos que contemplam os currículos atuais indicam que o professor deve utilizar os conteúdos como meios para desenvolver um conhecimento global, de aplicação em contextos que transpassam o ensino escolar, e não um conhecimento específico cuja aplicação se restringe aos domínios do próprio conteúdo que é ensinado. 97 Para Pietropaolo (1999), esses são os princípios que norteiam a Proposta Curricular de Matemática para o primeiro e segundo graus, a qual foi elaborada pelos educadores da CENP44 no ano de 1988, seguindo os objetivos da SEESP.45 Essa foi a primeira proposta brasileira a introduzir as novas vertentes curriculares após o movimento moderno, sendo utilizada por outros Estados do Brasil como um modelo na elaboração dos seus próprios programas curriculares. 4.2.2 Proposta Curricular de São Paulo de 1988: pressupostos A Proposta Curricular de Matemática para o 1.º grau foi elaborada com a finalidade de propor aos professores novas maneiras de ensinar Matemática, partindo-se das reflexões dos educadores referentes aos principais problemas por eles identificados nos Guias Curriculares e nas coleções antigas de livros escolares: A elaboração da Proposta Curricular de Matemática do 1.º grau pela Equipe Técnica de Matemática da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP) da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo está diretamente ligada à discussão sobre a qualidade do ensino oferecido pelas nossas escolas públicas. Alguns problemas relativos ao ensino de Matemática já vinham sendo, há muito tempo, diagnosticados por professores preocupados com o mesmo: A preocupação excessiva com o treino de habilidades, com a mecanização de algoritmos, com a memorização de regras e esquemas de resolução de problemas, com a repetição e a imitação e não com a aprendizagem que se dê, inicialmente, pela compreensão de conceitos e de propriedades, pela exploração de situações-problema nas quais o aluno é levado a exercitar sua criatividade, sua intuição; a priorização dos temas algébricos e a redução ou, muitas vezes, eliminação de um trabalho envolvendo tópicos de Geometria; a tentativa de se exigir do aluno uma formalização precoce e um nível de abstração em desacordo com seu amadurecimento. Esses professores, insatisfeitos com tal situação e questionando cada vez mais o conteúdo dos livros didáticos, vinham se reunindo para discutir novas propostas para o ensino de Matemática (SÃO PAULO, 1988, p. 7). Essa Proposta explicita a principal finalidade do contexto escolar que é aprimorar nos alunos as capacidades relacionadas à construção autônoma dos sistemas dos quais necessitam 44 Sigla referente a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (PIETROPAOLO, 1999, p. 8). 45 Sigla da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (PIETROPAOLO, 1999, p. 8). 98 para gerenciar, de maneira adequada, sua aprendizagem. A formação secundária adquire também a finalidade de capacitar, da melhor maneira possível, os estudantes no percurso construtivo dos princípios norteadores de sua cidadania, com a finalidade de viabilizar sua inserção nos diferentes meios de convivência. As recomendações do documento enfatizam a necessidade da participação constante dos estudantes no estudo da Matemática como uma ferramenta indispensável a sua aprendizagem e também ao desenvolvimento de seu relacionamento com o mundo real. Nesse documento são discutidas duas tendências por meio das quais a Matemática geralmente é introduzida nos currículos escolares. A primeira está relacionada com a ênfase dada por educadores às aplicações práticas dos conceitos e a outra está ligada à concepção da Matemática como uma ferramenta de grande utilidade no desenvolvimento do pensamento racional. As indicações da Proposta Curricular sugerem que as duas tendências de ensino devem ser desenvolvidas de maneira harmoniosa pelos professores que devem promover um equilíbrio entre ambas, procurando priorizar o seu trabalho didático sem enfatizar a predominância de uma tendência específica, contribuindo para um enfoque mais adequado da Matemática nos programas curriculares: Existem duas vertentes básicas, amplamente difundidas, a partir das quais justifica-se a inclusão da Matemática, nos currículos escolares: - ela é necessária em atividades práticas que envolvem aspectos quantitativos da realidade, como são as que lidam com grandezas, contagens, medidas, técnicas de cálculo etc.; - ela desenvolve o raciocínio lógico, a capacidade de abstrair, generalizar, projetar, transcender o que é imediatamente sensível. Não é difícil entrar em acordo quanto a esta dupla função da Matemática: as aplicações práticas e o desenvolvimento do raciocínio. Já não é tão simples, no entanto, um acordo sobre o modo como um currículo deve ser organizado para que tais metas sejam atingidas. Assim, algumas vezes, uma ênfase exagerada em aspectos prático-utilitários, apesar da aparência de adequação, da perspectiva de continuidade na relação escola-vida, tolhe a capacidade de ultrapassar o senso comum, contribuindo até para a manutenção do status quo. Outras vezes pretende-se o desenvolvimento das estruturas lógicas do pensamento através de caminhos tão genéricos, tão formais e, consequentemente, tão distanciados de qualquer significado imediato que o ensino de Matemática passa a parecer apenas um efetivo exercício para o desenvolvimento do raciocínio... em Matemática. [...] Conseguir uma situação de equilíbrio nesta permanente tensão entre a pressão das necessidades práticas e a ultrapassagem da experiência concreta, tanto no nível das ferramentas conceituais como no das concepções, é a maior e a mais difícil tarefa do professor de Matemática. Somente um desempenho satisfatório de tal tarefa pode situar adequadamente a Matemática nos currículos, servindo tanto ao estabelecimento de uma continuidade entre a escola e a vida quanto à fundamentação das rupturas necessárias com o senso comum, no caminho para a construção de uma autonomia intelectual (SÃO PAULO, 1988, p. 9). 99 Nessa proposta, os conteúdos matemáticos estão distribuídos em três blocos: o primeiro relacionado ao campo dos números; o segundo, ao campo da Geometria; e o terceiro, ao conceito de medição. As orientações da Proposta sugerem ao professor promover abordagens didáticas que permitam aos estudantes participar dos processos construtivos da sua aprendizagem. Para tanto, o professor deve propor aos estudantes aprimorarem suas habilidades por meio da resolução de problemas em contextos variados, por meio dos quais os alunos possam exercitar o pensamento, refletindo sobre suas soluções e procurando aplicar na prática os conceitos que aprendem: No que se refere à abordagem, nesta Proposta ressalta-se ainda que o trabalho do professor junto aos alunos deve observar não apenas a sequência dos temas e sua interdependência, mas também a participação ativa dos alunos na descoberta e assimilação de ideias matemáticas. O recurso à resolução de situações-problema, em que o aluno é desafiado a refletir, discutir com o grupo, elaborar hipóteses e procedimentos, extrapolar as aplicações e enfrentar situações novas – não se restringindo apenas àqueles problemas que conduzem a uma única solução ou que tenham caráter repetitivo de aplicação de conceito – é possibilidade de raciocínio e ação (SÃO PAULO, 1988, p. 11-12). Em contraposição aos Guias, as prescrições desse documento não pressupõem a ênfase em um determinado conteúdo pelos professores para criar uma linguagem comum aos campos matemáticos. Embora admita-se a proximidade funcional da Matemática a uma determinada linguagem natural, as orientações da proposta advertem que a Matemática não pode ser estudada por meio de uma linguagem, ainda que essa linguagem esteja enraizada nas próprias estruturas da ciência, as quais possuem finalidades distintas, em certos casos, inadequadas ao contexto escolar. Assim, o principal objetivo da Proposta Curricular foi promover, por meio dos conceitos matemáticos, um tipo de alfabetização no qual os alunos reconhecem importantes relações numéricas e geométricas no contexto real, ampliando suas capacidades para estudar os conceitos e solucionar os diversos problemas cotidianos que vivenciam: Nessa Proposta, pretende-se que o aprendizado de Matemática tenha essencialmente o significado de uma alfabetização nos aspectos quantitativos da realidade, na classificação das formas, nos rudimentos da razão, na lógica da articulação dos significados, no desenvolvimento da capacidade de projetar, de arquitetar soluções para os problemas envolvendo grandezas. Tal opção deixa em segundo plano preocupações que se caracterizam muito mais como uma organização do conhecimento já construído do que com o efetivo processo de construção. Assim são consideradas as questões como a da estrutura algébrica dos conjuntos numéricos ou da unidade do conhecimento matemático através da linguagem dos conjuntos (SÃO PAULO, 1988, p.13). Portanto, a Proposta Curricular estabelece aos docentes que os conteúdos matemáticos de diferentes áreas devem ser desenvolvidos simultaneamente nas séries do primeiro grau, 100 procurando reforçar os principais conceitos e as suas diversas aplicações para aprimorar o raciocínio lógico dos estudantes, evitando priorizar noções restritas e complexas de determinado conteúdo. O professor deve oferecer aos estudantes uma visão global dos temas estudados, possibilitando-lhes uma evolução gradual das suas capacidades de aprendizagem. O aprofundamento dos tópicos deve ser gerenciado pelo professor, e deve estar em concordância com as possibilidades reais das quais dispõem os alunos para aprender. 4.2.3 O ensino de Geometria e o das Transformações Na Proposta Curricular são discutidas as maneiras de ensino da Geometria. São observadas três situações possíveis de ensino a serem seguidas pelo professor: ensinar Geometria por meio da lógica dos seus elementos e das suas proposições formais, primeiro no plano e depois no espaço; observar os conjuntos de Transformações Geométricas que caracterizam algebricamente as diferentes Geometrias e estudar, partindo-se dessas transformações, os movimentos descritos por figuras geométricas no plano; e, por último, propor aos estudantes um ensino experimental, permitindo-lhes manipular figuras relacionando-as para estudar suas propriedades, caminhando para o desenvolvimento formal das proposições geométricas. As indicações desse documento sugerem ao professor que a proposição do ensino experimental é a melhor opção de promover o estudo de Geometria no primeiro grau: Pode-se estudar Geometria tendo como meta primordialmente a aprendizagem da lógica, da organização do conhecimento, partindo-se de pontos, retas e planos para somente ao final do percurso tratar de objetos tridimensionais. Pode-se ainda considerar o eixo para o ensino da Geometria o estudo de certas classes de transformações e das propriedades que elas preservam, desde as mais gerais que são as topológicas até as mais específicas que são as métricas, passando pelas propriedades projetivas. Ou pode-se partir da manipulação dos objetos, do reconhecimento das formas mais frequentes, de sua caracterização através das propriedades, da passagem dos relacionamentos entre objetos para o encadeamento de propriedades, para somente ao final do percurso aproximar-se de uma sistematização. Aqui a opção pelo último percurso citado se evidencia desde os primeiros contatos (SÃO PAULO, 1988, p. 11). Na 5.ª série, os estudantes desenvolvem os conceitos referentes a retas, segmentos, propriedades dos triângulos, dos quadriláteros e da circunferência. As recomendações da 101 proposta sugerem ao professor utilizar o esquadro em atividades que envolvam triângulos, facilitando a determinação de suas alturas e utilizar o compasso no estudo das propriedades da circunferência. Podemos observar no Quadro 1 (extraído da página 74 da Proposta) os objetivos prescritos para o estudo de Geometria nessa série, por meio dos quais os estudantes devem apresentar as seguintes capacidades: Quadro 1 – Apresentação dos objetivos para o estudo de Geometria na 5.ª série Fonte: Proposta Curricular para o Ensino de Matemática 1.º grau (1988). Para a 6.ª série, as orientações do documento sugerem ao professor desenvolver o estudo dos ângulos, da perpendicularidade entre retas e o estudo dos polígonos. São recomendadas atividades de medição e de construção de polígonos com compassos, réguas e transferidores. Por meio do estudo da Geometria proposto na 6.ª série, os alunos devem apresentar as aptidões descritas no Quadro 2 (extraído da página 94): 102 Quadro 2 – Aptidões dos alunos da 6.ª série no estudo de Geometria Fonte: Proposta Curricular para o Ensino de Matemática 1.º grau (1988). Na 7.ª série os alunos estudam as diagonais de polígonos e de quadriláteros, iniciam o estudo das demonstrações do Teorema de Pitágoras e da congruência entre figuras. O conceito de congruência se estende para a exploração dos triângulos. São sugeridas atividades com dobraduras e construções geométricas para verificar as propriedades dos triângulos e das demais figuras geométricas. No Quadro 3 (extraído da página 128) são apresentadas as capacidades a serem aprimoradas pelos estudantes no estudo de Geometria: 103 Quadro 3 – Capacidade dos estudantes da 7.ª série no estudo da Geometria Fonte: Proposta Curricular para o Ensino de Matemática 1.º grau (1988). Para a 8.ª série, o documento prescreve o ensino da semelhança de figuras, sua aplicação em triângulos, o estudo formal da proporcionalidade, das relações no triângulo isósceles e as demonstrações dos teoremas de Tales e de Pitágoras. São propostas atividades de construções geométricas referentes ao estudo da proporcionalidade e atividades de aplicações da semelhança em problemas do mundo real. No Quadro 4 (extraído da página 152) estão expostas as perspectivas relacionadas às habilidades dos estudantes dessa série: 104 Quadro 4 – Habilidades dos estudantes da 8.ª série no estudo da Geometria Fonte: Proposta Curricular para o Ensino de Matemática 1.º grau (1988). Nessa Proposta as Transformações Geométricas não foram retiradas do Ensino Fundamental. No entanto, como essa proposta tinha a finalidade de romper com os pressupostos dos Guias Curriculares, as transformações são abordadas de maneira implícita nesse documento, sendo prescritas para as 5.ª e 6.ª séries no estudo dos eixos de simetria de figuras geométricas, realizado mediante atividades de dobraduras e recortes e também na 8.ª série por meio de atividades de homotetia. O ensino da homotetia é introduzido nessa série com o objetivo de possibilitar aos alunos a caracterização da semelhança em representações do mundo real e nos polígonos: A noção de semelhança de figuras planas é introduzida a partir: ─ da comparação entre uma fotografia e sua redução ou ampliação; ─ do trabalho de ampliação ou redução de polígonos por meio de uma rede quadriculada (trabalho este já iniciado na 5.ª série); ─ do trabalho de ampliação ou redução de polígonos a partir de um ponto (o centro de homotetia). Após estas atividades e utilizando régua e transferidor, os alunos poderão concluir que dois polígonos são semelhantes se tiverem: ─ todos os ângulos respectivamente congruentes (a mesma forma), e ─ lados correspondentes proporcionais (tamanhos que podem ser diferentes) (SÃO PAULO, 1988, p. 154). Assim, pela Proposta Curricular de Matemática para o primeiro grau (1988), as Transformações Geométricas deixam de ser estudadas por meio de funções. Nos manuais da coleção intitulada Experiências Matemáticas, que está relacionada a essa proposta, os quais 105 foram publicados no ano de 1993, o ensino das Transformações Geométricas é prescrito com maior destaque em relação ao documento oficial da proposta. Nesses manuais as Transformações Geométricas são introduzidas no Ensino Fundamental com a finalidade de possibilitar aos estudantes explorarem conceitos de Geometria exclusivamente por experimentação. Nas atividades propostas por esses documentos para o ensino das transformações, destacam-se aspectos relacionados à visualização geométrica dos conceitos estudados e também ao movimento de figuras planas. As indicações dos manuais didáticos da proposta sugerem ao professor que o ensino das Transformações Geométricas se inicie por meio do estudo da simetria axial. Podemos observar no Quadro 5 como o estudo dessa transformação é prescrito nesses documentos para o Ensino Fundamental II: Quadro 5 – Recomendações dos manuais para o estudo de simetria axial Séries do Ensino Fundamental II 5.ª Simetria Axial Objetivos/estratégias do professor Atividades e tarefas propostas para os alunos Objetivos: O estudo da transformação geométrica “simetria axial” é proposto com a finalidade de possibilitar aos estudantes observar e analisar as características das figuras geométricas que podem ser movimentadas simetricamente num determinado plano. Também objetiva-se habilitar os estudantes a construir imagens simétricas das figuras geométricas utilizando-se de espelhos. Esse trabalho tem a finalidade de permitir aos alunos identificar os eixos de simetria das figuras planas. Propõe-se também identificar, por meio de dobraduras, a simetria inversa, bem como o estudo da invariância geométrica em figuras construídas por esse tipo de simetria. Estratégias: O estudo de simetria axial deve ser realizado mediante a construção de figuras planas por meio de recortes e dobraduras, atividades lúdicas com espelhos e utilização de malhas geométricas na construção de ornamentos e de mosaicos. Objetivos: Objetiva-se capacitar os alunos a utilizar o conceito de simetria para que possam construir mediatrizes em segmentos de reta, determinar com maior facilidade os eixos simétricos das figuras e também construir figuras planas por meio de simetria. Também objetiva-se que os alunos utilizem essa transformação para construírem bissetrizes de diversos ângulos, podendo caracterizar essas bissetrizes como eixos simétricos que são determinados a partir de ângulos quaisquer. Reconhecer a simetria de determinadas figuras geométricas por meio de suas manipulações, distinguindo-as de figuras assimétricas. Caracterização da simetria das figuras por meio de jogos e de brincadeiras com espelhos. Construir diversas figuras geométricas por meio da simetria reflexiva. Determinar os eixos simétricos dos polígonos e também dos quadriláteros. Construções de mosaicos por meio de simetria axial em malhas geométricas. Construir figuras planas por meio de simetria inversa e investigar suas propriedades. Construções geométricas de mediatrizes com a utilização de régua e compasso. Estudo das propriedades de figuras planas simetricamente dispostas em relação às mediatrizes, possibilitando aos estudantes caracterizar as mediatrizes como eixos de simetria. Construções experimentais das bissetrizes de ângulos por meio de 106 6.ª Enfatizar o estudo das aplicações da simetria inversa, dobraduras de papel e também com a possibilitando aos alunos estudar as propriedades das utilização de régua e de compasso. figuras, bem como sua invariância em um processo Determinações de bissetrizes em inverso de transformação. Os alunos devem ângulos de setores circulares, de distinguir os dois tipos de simetrias, podendo quadriláteros e de polígonos. determinar figuras simétricas e suas inversas Determinar eixos simétricos em respectivas, procurando ampliar as noções figuras inversamente refletidas. relacionadas ao eixo de simetria e seus significados Construir figuras por meio de nas aplicações da transformação. simetria inversa com régua e Estratégias: compasso. Propõem-se ao professor a construção das mediatrizes em segmentos e a observação da equidistância pontual das figuras em relação às mediatrizes para que essas construções possam ser caracterizadas como eixos de simetria. Também é proposto ao professor realizar a identificação de bissetrizes em construções geométricas de ângulos e de figuras planas. As bissetrizes devem ser inicialmente caracterizadas pelos alunos por meio de dobraduras de papel para depois serem construídas geometricamente com régua e compasso. Fonte: Elaborado pelo autor (2014). No que concerne às atividades de simetria axial indicadas pelos manuais didáticos da Proposta Curricular, podemos destacar a atividade da página 287 do manual da 6.ª série (7.º ano), na qual os alunos devem, a partir da representação de figuras geométricas em determinados eixos, obter suas imagens por meio da simetria de reflexão, utilizando régua e compasso para construir as figuras simétricas. Subentendemos que essa atividade tem a finalidade de fazer com que os estudantes, ao aplicarem essa transformação nas figuras, observem que essas figuras, além de não alterarem suas propriedades, produzem, com os eixos de simetria, diferentes formas geométricas que possibilitam criar desenhos e construções geométricas diversas. Consideramos que essa atividade permite aos alunos utilizar os conceitos de mediatriz e de bissetriz para construírem figuras simétricas. Trata-se de uma atividade que possibilita aos estudantes atribuir outros significados à utilização dessa transformação geométrica. Podemos notar nessa atividade que os eixos de simetria são dispostos em posições distintas, contendo determinados entes geométricos das figuras a serem transformadas, o que, em nossa concepção, dificulta aos alunos a percepção imediata da simetria das figuras relativamente ao eixo, pois as figuras transformadas possuem entes pontuais coincidentes com as figuras originais. Dessa maneira, os estudantes que não dominam os procedimentos geométricos de construção também possuem muitas dificuldades em relação às atividades anteriores. Consideramos que a análise da invariância geométrica dessas figuras, em suas 107 propriedades, também se apresenta mais complexa, pois os estudantes devem observá-la em figuras que se “ajuntam” ou que se sobrepõem simetricamente, tendo que verificar, além das equidistâncias pontuais das figuras, da conservação das medidas de seus lados e ângulos, a coincidência de seus entes geométricos. Entendemos que as dificuldades explicitadas por essa atividade relacionada às construções e também à exploração das simetrias indicam que a intervenção do professor é efetivamente necessária para auxiliar os estudantes a transformar as figuras por meio da simetria, discutindo os processos geométricos de construção das imagens simétricas das figuras e aspectos referentes à invariância geométrica que estão presentes nas construções simétricas. Pelo Quadro 6 podemos observar essa atividade: Quadro 6 – Atividade de construção de figuras simétricas Fonte: Experiências Matemáticas – 6.ª série (1996). As indicações dos manuais sugerem ao professor desenvolver o estudo da simetria de rotação nas 5.ª e 6.ª séries do Fundamental. O Quadro 7 explicita as recomendações dos manuais dessas séries para o estudo dessa Transformação Geométrica: 108 Quadro 7 – Recomendações dos manuais para o ensino da simetria de rotação Série 5.ª 6.ª Simetria de rotação Objetivos/estratégias do professor Objetivos: Ampliar o estudo da simetria axial no movimento das figuras planas, possibilitando aos estudantes realizar a rotação dessas figuras por meio de aplicações sucessivas da simetria axial. Familiarizar os estudantes no desenvolvimento do estudo de uma nova transformação geométrica gerada a partir de uma transformação estudada em etapas anteriores. Relacionar o estudo da rotação às construções artísticas, realizadas em malhas geométricas, permitindo aos alunos atribuir outros significados para o estudo da transformação. Estratégias: Representar figuras no plano para que sejam consecutivamente movimentadas por reflexões, produzindo nessas figuras movimentos de rotação. Utilização de malhas para construções ornamentais, possibilitando relações entre o ensino da simetria de rotação e suas aplicações no contexto artístico. Objetivos: Estudar a invariância das propriedades de figuras transformadas por rotação de maneira a permitir aos estudantes identificar os elementos dessa transformação que possibilitam determinar não somente os movimentos de rotação das figuras, mas também seus padrões simétricos. Possibilitar aos estudantes a caracterização dessa transformação em outros contextos, pelo estudo de suas aplicações em representações do mundo real. Estudar propriedades de figuras planas que, sob determinados ângulos, podem ser rotacionadas simetricamente, sem alterar suas posições, como no caso dos polígonos. Habilitar os estudantes a construir, pela simetria rotacional, representações geométricas da natureza. Estratégias: O professor deve utilizar ilustrações de objetos cotidianos e de formas naturais para introduzir o estudo da transformação “rotação”. Também deve propor para os alunos atividades envolvendo a rotação de polígonos. Atividades/tarefas propostas para os alunos Aplicar consecutivamente a simetria axial em figuras planas para produzir a rotação dessas figuras. Construção de mosaicos e de ornamentos artísticos em malhas geométricas. Rotacionar polígonos sob determinados ângulos e em centros de rotação distintamente posicionados, procurando caracterizar suas simetrias. Utilizar a transformação rotação para construir representações de formas naturais, relacionando as simetrias dessas representações com as das figuras planas que forem rotacionadas. Fonte: Elaborado pelo autor (2014). Podemos observar pelo Quadro 7 que as orientações dos manuais enfatizam para o professor as aplicações da simetria de rotação em atividades que envolvam o estudo das propriedades dos polígonos e também dos quadriláteros. Das atividades propostas pelos manuais com essa finalidade, destacamos a atividade da página 349 do manual da 6.ª série (7.º ano), na qual os alunos devem 109 utilizar a simetria de rotação para movimentar polígonos e quadriláteros, de maneira a caracterizar a simetria de figuras transformadas por “rotação”. Subentendemos que essa atividade tem a finalidade de possibilitar aos estudantes identificar as simetrias das figuras por meio de aplicações da transformação geométrica “rotação”, bem como determinar os ângulos em que as figuras são rotacionadas sem alterar suas posições. Trata-se de uma atividade que possibilita aos estudantes explorarem, por meio da transformação rotação, as simetrias dos polígonos. Notamos que, para realizar essa atividade, os estudantes se deparam com representações poligonais nas quais há um caractere em forma de “z” desenhado em um de seus lados, e é o professor deve propor aos estudantes que desenhem um outro caractere da mesma forma, porém invertido no lado oposto ao caractere original. Depois disso, o professor deve sugerir que os alunos realizem a rotação dos polígonos em sentido horário a partir de determinado centro, de modo a sobrepor os caracteres representados em dois de seus lados. Concebemos que, por meio dessa atividade, objetiva-se que, ao realizarem as rotações das figuras, os estudantes possam perceber que tanto a figura original como sua imagem produzida por rotação coincidem, não havendo alterações em suas posições. Também objetiva-se que os estudantes possam verificar que as figuras foram rotacionadas em 90º, o que os permite movimentá-las de forma invariante, caracterizando assim suas simetrias. No entanto, observamos que essa atividade oferece maior complexidade para os estudantes, uma vez que no momento em que realizam essa atividade eles podem se deparar com dificuldades de construção, pois desconhecem o ângulo de rotação que proporciona a sobreposição das figuras e sua invariância posicional. Evidenciamos também que a análise das propriedades dos polígonos que são conservadas pelos movimentos de rotação se torna mais complexa para os estudantes, dado que os entes geométricos desses polígonos são coincidentes, não havendo comparações entre figuras transformadas que estão distintamente posicionadas. Entendemos que o professor deve promover discussões com os alunos acerca da utilização da transformação “rotação” no movimento dos polígonos e no estudo de suas simetrias, propondo que eles identifiquem outros ângulos de rotação, pelos quais as figuras são transformadas sem modificar suas posições. O Quadro 8 nos mostra como essa atividade é indicada pelo manual da 6.ª série (7.º ano): 110 Quadro 8 – Atividade: simetria de rotação em polígonos e quadriláteros Fonte: Experiências Matemáticas – 6.ª série (1996). Além de propor o desenvolvimento de atividades envolvendo a rotação de figuras planas, percebemos que as indicações do manual da 6.ª série (7.º ano) sugerem ao professor discutir com os alunos a presença da simetria de rotação em formas geométricas da natureza, apresentando ilustrações delas para os alunos e propondo a eles que utilizem essa transformação para reproduzi-las, objetivando que eles caracterizem as aplicações da simetria rotacional em contextos reais, procurando aprimorar suas aprendizagens: Comente com a classe que, na natureza, encontramos elementos cujas formas lembram o movimento de rotação. É o caso dos flocos de neve, que, vistos sob lentes de um microscópio, revelam configurações as mais variadas. Mostre a eles figuras de alguns desses flocos e estimule-os a criar outros modelos de flocos [...] (SÃO PAULO, 1996, p. 346). As orientações dos manuais didáticos da Proposta Curricular propõem ao professor desenvolver o estudo da translação nas 5.ª e 6.ª séries do Fundamental. O Quadro 9 indica como o estudo dessa transformação geométrica está prescrito nos manuais dessas séries: 111 Quadro 9 – Recomendações dos manuais para o ensino de translação Série 5.ª 6.ª Translação Objetivos/estratégias do professor Objetivos: Ampliar o conhecimento dos estudantes acerca das aplicações da simetria axial, utilizando essa transformação para produzir movimentos de translação. Familiarizar os discentes com o estudo de translação, fazendo com que inicialmente eles caracterizem essa transformação pelas aplicações sucessivas da simetria axial em figuras geométricas, sendo essa transformação estudada por eles em fases anteriores do ensino de Geometria, procurando, por esse trabalho, viabilizar a aprendizagem dessa transformação pelos alunos. Possibilitar aos estudantes identificar os movimentos de translação nas figuras como deslocamentos simétricos consecutivos em relação a um dado eixo, pelos quais as figuras transformadas são deslocadas, sem modificar sua posição em relação às figuras iniciais. Utilizar a transformação translação na construção de mosaicos e de ornamentos, procurando associar as aplicações dessa transformação geométrica com as criações artísticas, permitindo assim que os alunos possam atribuir outros significados ao estudo da translação em contextos do mundo real para compreenderem as finalidades de utilização dessa transformação quando aplicada ao movimento e à construção das figuras planas. Estratégias: Procurar não utilizar as noções de vetor no desenvolvimento do estudo de translação para permitir que o aluno possa relacionar essa transformação às aplicações da simetria axial para melhor compreender seus significados e aplicações no deslocamento das figuras e na construção de formas geométricas caracterizadas por padrões e também por regularidades em suas simetrias. Utilização da simetria de reflexão para produzir movimentos de translação nas figuras geométricas em relação a um dado eixo de simetria. Utilização de malhas geométricas nas quais estão representados eixos de simetria para possibilitar aos estudantes a construção de mosaicos e de ornamentos por meio da transformação “translação”. Objetivos: Propor aos alunos o estudo da translação por meio das noções de vetores, possibilitando-lhes caracterizar as aplicações dessa transformação em função dos vetores, na determinação das distâncias e das direções das figuras geométricas que são transformadas por meio da translação. Estudar a invariância geométrica das propriedades das figuras que são transladadas num plano, tais como a conservação das medidas dos segmentos e dos ângulos dessas figuras. Promover o transporte de figuras geométricas pela sua transformação por meio de translação, procurando caracterizar a invariância geométrica das figuras Atividades/tarefas propostas para os alunos Deslocar as figuras planas simetricamente em relação a um dado eixo, sem alterar suas direções para caracterizar a transformação dessas figuras por meio da translação. Construir diversos mosaicos e ornamentos em malhas geométricas utilizando a transformação “translação”. Relacionar as propriedades da simetria axial e da translação nos movimentos das figuras e também na construção de ornamentos e de mosaicos. Deslocar figuras geométricas em determinadas unidades, por meio de translação, utilizando o conceito de vetores para aplicar a transformação nas figuras, observando que, na translação, as figuras deslocadas possuem as mesmas direções e os mesmos sentidos que o vetor em relação ao qual essas figuras são movimentadas. Estudar as características das figuras transformadas por meio de 112 transformadas e também sua congruência em relação às figuras iniciais. Identificar a composição da translação com outras Transformações Geométricas aplicadas às figuras de modo a possibilitar o transporte dessas figuras e estudar a invariância de suas propriedades. Capacitar os alunos a construir polígonos, quadriláteros e ornamentos artísticos por meio de translação, analisando diferentes padrões geométricos e regularidades que podem ser obtidos a partir dos ornamentos que são construídos. Representar determinadas formas geométricas da natureza utilizando a transformação translação para construí-las e também para estudar as propriedades dessas formas. Estratégias: Utilizar o conceito de vetores para introduzir o estudo de translação na manipulação e também na construção de figuras planas, procurando fazer com que os estudantes possam caracterizar as propriedades dos vetores e suas utilidades nas aplicações dessa transformação. Enfatizar as aplicações da translação nos transportes geométricos das figuras, para desenvolver o estudo da invariância de suas propriedades e também das noções de congruência. Propor aos alunos a construção de ornamentos para que eles possam relacionar as aplicações da translação com as artes, procurando desenvolver uma aprendizagem mais ampla dessa transformação, associando sua utilização às atividades realizadas em contextos do mundo real. translação, bem como a invariância das suas propriedades geométricas. Realizar o transporte de figuras geométricas pela translação, observando a conservação das medidas dos lados e dos ângulos das figuras transformadas ao comparálas com as medidas das figuras originais. Observar determinadas formas ornamentais e reconstruí-las utilizando a transformação translação, procurando relacionar as aplicações dessa transformação com os padrões e com as regularidades geométricas dos ornamentos para caracterizar as simetrias obtidas nessas construções como decorrentes de aplicações sucessivas da translação em uma determinada figura para produzir os ornamentos. Fonte: Elaborado pelo autor (2014). Subentendemos que nas atividades propostas pelo manual da 6.ª série (7.º ano) os alunos devem construir experimentalmente com manipulações de folhas de papel figuras e faixas ornamentais por meio de translação. Na atividade da página 348 do manual observamos que, pelas indicações desse documento, propõe-se aos alunos a construção de uma faixa composta por folhas de plantas por meio de dobraduras e de recortes. Dessa maneira, evidenciamos que, mediante essa atividade, os alunos devem identificar as formas em que a folha de papel deve ser dobrada e também quais os recortes necessários para produzir uma faixa que caracterize em sua constituição os movimentos de translação. Concebemos que essa atividade tem a finalidade de capacitar os estudantes a representar consecutivamente as figuras geométricas transformadas por translação para observarem as regularidades e os padrões geométricos que podem ser produzidos por meio da utilização dessa transformação. Objetiva-se também aprimorar a percepção dos estudantes na caracterização dos 113 movimentos de translação das figuras para estudarem a invariância das propriedades dessas figuras. Inferimos que essa atividade oferece dificuldades para os estudantes, pois eles devem identificar, por meio dos recortes das figuras, que na translação as figuras se deslocam sempre de maneira orientada, ou seja, em uma mesma direção sem modificar seus formatos e suas medidas. Concebemos que a ausência dos vetores também dificulta a construção da faixa ornamental pelos alunos pois, para orientar os movimentos das figuras, eles devem determinar arbitrariamente um vetor sobre a folha de papel. Consideramos que o professor deve discutir com os estudantes as aplicações da transformação translação na construção de ornamentos artísticos e também as funções dos vetores na transformação das figuras por meio de translação, propondo a eles que identifiquem as propriedades geométricas das figuras que não são modificadas ao serem transladadas. O Quadro 10 nos mostra como essa atividade é proposta pelo manual do 6.º ano: Quadro 10 – Construção de ornamentos por meio de translação Fonte: Experiências Matemáticas – 6.ª série (1996). Observando as indicações do manual da 6.ª série (7.º ano), podemos notar que o estudo da translação é desenvolvido por meio das noções de vetores. Assim, verificamos que as indicações do manual sugerem ao professor propor aos alunos que movimentem as figuras planas por meio da translação utilizando vetores para aplicar a transformação nessas figuras. Das atividades de translação recomendadas por esse documento destacamos a atividade da página 350, na qual os alunos devem transladar as figuras seguindo a orientação dos vetores, deslocando as figuras geométricas horizontal ou verticalmente, e também realizar o transporte 114 geométrico das figuras por meio dessa transformação, identificando, quando necessário, sua composição com outras Transformações Geométricas nos movimentos das figuras. Subentendemos que essa atividade tem a finalidade de possibilitar aos estudantes aplicar a translação em figuras para produzir movimentos orientados pelos vetores, procurando compreender que, na translação, as figuras se deslocam de acordo com a posição dos vetores, mantendo suas propriedades geométricas. Também objetiva-se habilitar os estudantes a identificar os transportes geométricos que podem ser realizados, tanto pela translação como por suas composições com as demais transformações. Verificamos que nos itens A, B e C da atividade os alunos transladam as figuras, movimentando-as em determinadas unidades por meio dos vetores, sendo as figuras representadas no item A um exemplo ilustrativo de aplicação da translação em figuras a ser observado pelos estudantes para que apliquem essa transformação nas figuras dos itens B e C. Percebemos que nos itens D, E, F, G, H e I os estudantes devem identificar as Transformações Geométricas das figuras que permitem o seu transporte para outras figuras congruentes. Nessa parte da atividade, ao que tudo indica, os estudantes devem identificar os deslocamentos das figuras por meio de aplicações da translação ou das composições dessa transformação com a simetria axial ou também com a simetria rotacional. Inferimos que nessa etapa os estudantes se deparam com muitas dificuldades para realizarem a atividade, pois inicialmente exploram a translação nas figuras dos itens B e C, deslocando-as sem modificar suas posições, o que os permite verificar a invariância de suas propriedades medindo os segmentos e os ângulos das figuras transformadas e comparando essas medidas com as das figuras originais. Concebemos que a representação dos vetores em relação às figuras desses itens auxilia os estudantes a verificar que as figuras transformadas por translação apresentam as mesmas posições nas quais os vetores estão dispostos. Já nas figuras dos outros itens dessa atividade não há vetores, o que dificulta aos estudantes aplicar a transformação, pois eles devem planejar a construção dos vetores, posicionando-os de maneira a transladar as figuras, sobrepondo-as às outras figuras congruentes. Pode-se perceber que nos itens E e F a atividade adquire uma complexidade maior pois os estudantes devem identificar a transformação das figuras como uma composição entre 115 translação e rotação. O emprego das composições de Transformações Geométricas no movimento e na construção das figuras dificulta a percepção da invariância geométrica de suas propriedades pelos alunos que não conseguem fazer o transporte dessas figuras para investigar suas sobreposições. Em nossa concepção a intervenção do professor é efetivamente necessária para que os alunos possam realizar essa atividade, pois o professor pode discutir as aplicações da translação com os estudantes, bem como o emprego de sua composição com outras transformações nas figuras, esclarecendo-lhes que, mesmo nos deslocamentos de figuras realizados por meio de composições de transformações, as figuras transformadas preservam suas propriedades em relação às figuras iniciais, modificando somente suas posições. Entendemos que o professor pode trabalhar também com os alunos a construção dos vetores e os seus posicionamentos para possibilitar os transportes das figuras por meio de translação. O Quadro 11 nos mostra como essa atividade é indicada pelo manual da 6.ª série (7.º ano): Quadro 11 – Atividade: aplicações da translação no deslocamento de figuras geométricas Fonte: Experiências Matemáticas – 6.ª série (1996). Observamos que para a 8.ª série (9.º ano) as orientações do manual sugerem para o professor desenvolver com os alunos o estudo da transformação geométrica homotetia para 116 promover o ensino de semelhança. O Quadro 12 explicita as recomendações do documento para o estudo da homotetia: Quadro 12 – Indicações do manual da 8.ª série para o ensino de homotetia Série 8.ª Homotetia Objetivos/Estratégias do professor Objetivos: Utilizar a transformação homotetia para desenvolver, por meio da experimentação, conceitos relacionados à semelhança das figuras geométricas. Possibilitar aos estudantes a construção de polígonos e de quadriláteros com régua e compasso, por meio da homotetia, para que possam caracterizar a semelhança dessas figuras por meio das ampliações ou reduções de suas dimensões. Identificar a razão de homotetia nas ampliações e nas reduções das figuras, relacionando essa razão com as medidas dos lados, dos perímetros e das áreas dessas figuras, procurando analisar mais detalhadamente a proporcionalidade em que essas figuras são transformadas por meio da homotetia. Estudo das propriedades das figuras homotéticas que são preservadas e também das que são alteradas pela transformação. Construção de figuras por homotetia em maior proximidade ou afastamento do centro homotético utilizando diferentes razões de homotetia para que os estudantes possam melhor compreender as alterações das dimensões das figuras transformadas. Realização de construções homotéticas de figuras planas por meio do transporte geométrico de segmentos. Comparar figuras transformadas por meio da homotetia para verificar os entes geométricos dessas figuras que caracterizam sua semelhança em relação às figuras que não foram alteradas por meio dessa transformação. Caracterizar as condições de semelhança entre triângulos, procurando relacionar seus lados e ângulos através da homotetia. Observar determinadas características das figuras planas transformadas pela homotetia e comparar essas figuras com as figuras originais para analisar o paralelismo entre os seus segmentos correspondentes, a proporcionalidade dos seus segmentos correspondentes, a congruência de ângulos que se relacionam por correspondência, a relação entre a razão da homotetia e seus perímetros e também a relação entre a razão de homotetia e suas áreas, para que se possa compreender que o quociente entre as áreas dessas figuras é igual ao quadrado do quociente das medidas dos segmentos que representam seus lados. Possibilitar aos estudantes identificar as figuras homotéticas como semelhantes, mostrando a eles que a recíproca não é válida para os casos de semelhança entre figuras, ou seja, a transformação homotetia permite construir figuras semelhantes, mas o conceito de semelhança não se restringe às aplicações dessa transformação. Estratégias: Atividades/tarefas propostas para os alunos Construir determinadas figuras planas por meio da homotetia. Relacionar, por meio da homotetia, lados e ângulos de figuras semelhantes. Relacionar as medidas das figuras homotéticas com a razão de homotetia procurando compreender as proporcionalidades a partir das quais essas figuras são transformadas. Caracterizar as principais propriedades geométricas das figuras ampliadas ou reduzidas pela aplicação dessa transformação. 117 Propor a construção de figuras planas com régua e compasso por meio da transformação homotetia, sugerindo aos estudantes que relacionem as figuras homotéticas com as figuras iniciais pela razão da homotetia e de determinadas medidas modificadas por essa transformação. Propor aos alunos a construção de tabelas pelas quais eles podem registrar as medidas da figura inicial e da figura transformada pela homotetia para que possam comparar as relações entre essas medidas e as propriedades da transformação, permitindo-lhes melhor compreender a semelhança das figuras por meio de cálculos e da identificação das razões entre os entes geométricos das figuras. Fonte: Elaborado pelo autor (2014). Analisando as orientações explicitadas no Quadro 12 para o ensino de homotetia, podemos perceber que nas atividades indicadas pelo manual da 8.ª série (9.º ano) para o estudo da semelhança são realizadas construções de figuras planas com régua e compasso, sendo essas figuras ampliadas ou reduzidas em relação à sua representação inicial por meio da homotetia. Na atividade de homotetia presente na página 78 desse documento são propostas para os alunos construções geométricas de figuras planas por essa transformação. Subentendemos que, a partir das representações das figuras planas, dispostas com determinados segmentos de reta interceptando seus vértices, devem ser construídas com régua e compasso figuras homotéticas em determinados centros e com razões de homotetia distintas. Sobre os segmentos que contêm os vértices das figuras há dois pontos demarcados pelos quais as indicações do manual sugerem que o professor deve propor para os estudantes que construam tanto as figuras ampliadas como as reduzidas pela homotetia, com cada figura transformada passando por um desses dois pontos demarcados que estão nesses segmentos para que a figura inicial seja comparada com as suas transformações homotéticas. Concebemos que essa atividade tem a finalidade de habilitar os alunos a construir figuras semelhantes mediante a utilização da transformação geométrica homotetia e também possibilitar a eles identificar as propriedades geométricas das figuras transformadas que possuem relações com as figuras iniciais para que possam caracterizar, por meio dessas relações, a semelhança entre essas figuras. No entanto, consideramos que essa atividade também oferece dificuldades para os estudantes, pois os valores das razões de homotetia nas quais as figuras devem ser transformadas não são fornecidos, e os estudantes devem determiná-las geometricamente, 118 realizando transporte de segmentos com o compasso, considerando o segmento formado pelo centro de homotetia e por um dos pontos demarcados sobre os quais as figuras transformadas devem passar como a razão de homotetia. Os estudantes devem perceber também, pelos procedimentos geométricos dos quais se utilizam para obter as figuras homotéticas, que as figuras que interceptam pontos que estão próximos do centro de homotetia são reduções das figuras iniciais, e as figuras que interceptam pontos que estão mais afastados do centro de homotetia representam ampliações das figuras iniciais, sem ter condições de verificar a priori as proporções em que as figuras foram transformadas, pois desconhecem os valores das razões de homotetia, dificultando a percepção da semelhança entre essas figuras pelos estudantes, bem como a caracterização das relações entre as propriedades das figuras transformadas por meio da homotetia e as figuras inicias correspondentes. Sem utilizar régua graduada os estudantes não conseguem verificar o paralelismo entre os segmentos correspondentes das figuras, a proporcionalidade entre esses segmentos, a congruência entre seus ângulos, calcular perímetros e áreas das figuras e relacionar seus valores com a razão de homotetia. Mediante essas dificuldades, julgamos necessária a intervenção do professor, que deve discutir os procedimentos geométricos de transformação das figuras pela homotetia, bem como a caracterização das propriedades das figuras que sofrem essa transformação e que permitem identificar sua semelhança com as figuras não transformadas por meio desse processo. Salientamos que o professor também pode sugerir aos estudantes que registrem as medidas das figuras homotéticas em uma tabela para que possam melhor analisar a proporcionalidade dessas figuras e as relações entre suas medidas e as razões de homotetia, para poderem compreender a semelhança entre figuras por meio da transformação homotetia. O Quadro 13 nos mostra como essa atividade é proposta pelo manual da 8.ª série (9.º ano) para o professor: 119 Quadro 13 – Atividade: transformação de figuras planas por meio da homotetia Fonte: Experiências Matemáticas – 8.ª série (1996). Observando as recomendações da Proposta Curricular de primeiro grau para o ensino de Matemática (1988), bem como as orientações dos manuais didáticos da coleção Experiências Matemáticas associada a essa Proposta, podemos verificar que o ensino das transformações se desenvolve por meio de procedimentos geométricos com ênfase nas relações entre as construções de figuras com régua e compasso e as aplicações das transformações. As prescrições desses documentos sugerem para o professor introduzir o estudo das Transformações Geométricas no Ensino Fundamental com o objetivo de capacitar os alunos a construir figuras e analisar suas propriedades. Assim, o estudo da simetria axial é introduzido na 5.ª série (6.º ano) para possibilitar aos alunos movimentar figuras geométricas em malhas quadriculadas e também construir eixos simétricos, mosaicos e ornamentos. Tanto o estudo da simetria de rotação como o estudo da transformação “translação” se iniciam na 5.ª série (6.º ano) por meio de composições da transformação simetria axial aplicadas nas figuras geométricas, com o objetivo de permitir aos 120 estudantes utilizar essas transformações, de maneira simples, na construção de figuras para o professor desenvolver um estudo mais aprofundado das aplicações dessas transformações nas séries seguintes. Na 6.ª série (7.º ano) a simetria rotacional é utilizada no estudo de ângulos, bem como na análise das propriedades geométricas dos polígonos e dos quadriláteros. Nessa série, a translação é utilizada pelos alunos para estudar os movimentos orientados das figuras geométricas em relação às posições dos vetores utilizados para aplicar a transformação nessas figuras. Além disso, os alunos também usam essa transformação para construírem ornamentos artísticos, observando os padrões e as regularidades dessas construções. Na 8.ª série (9.º ano) a transformação homotetia é utilizada pelos alunos para construírem figuras semelhantes, usando régua e compasso para produzirem, por essa transformação, ampliações e reduções de figuras em determinados centros e razões de homotetia. Pelo estudo da homotetia objetiva-se que os estudantes identifiquem as proporcionalidades das figuras transformadas por meio desse processo geométrico, analisando as relações entre as medidas dessas figuras e a razão da homotetia para caracterizarem a semelhança. As indicações da Proposta Curricular de São Paulo (1988) explicitam modificações significativas nos processos metodológicos relacionados à introdução do estudo das transformações geométricas no ensino da Geometria em relação aos programas curriculares anteriores. Pelas indicações dessa proposta, os reformadores objetivavam possibilitar ao professor desenvolver o ensino das Transformações Geométricas de maneira experimental, mediante a construção de figuras planas, procurando proporcionar aos estudantes a aprendizagem dos conceitos geométricos. 121 CAPÍTULO 5 AS TRANSFORMAÇÕES GEOMÉTRICAS NOS PARÂMETROS E NO CURRÍCULO DE SÃO PAULO 5.1 As transformações nos PCN Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (1998) foram elaborados com a finalidade de instituir um conjunto de referências nacionais para que as secretarias estaduais e municipais da educação possam elaborar um currículo que atenda suas especificidades. Os PCN também se constituem em um instrumento importante para a reflexão das práticas docentes e para a reformulação dos currículos das escolas: Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática têm como finalidade fornecer elementos para ampliar o debate nacional sobre o ensino dessa área do conhecimento, socializar informações e resultados de pesquisa, levando-as ao conjunto dos professores brasileiros. Visam à construção de um referencial que oriente a prática escolar de forma a contribuir para que toda criança e jovens brasileiros tenham acesso a um conhecimento matemático que lhes possibilite de fato sua inserção, como cidadãos, no mundo do trabalho, das relações sociais e da cultura. Como decorrência, poderão nortear a formação inicial e continuada de professores, pois à medida que os fundamentos do currículo se tornam claros fica implícito o tipo de formação que se pretende para o professor, como também orientar a produção de livros e de outros materiais didáticos, contribuindo dessa forma para a configuração de uma política voltada à melhoria do ensino fundamental (BRASIL,1998, p. 15). Nos PCN (1998) do Ensino Fundamental, o estudo de Geometria está organizado em um bloco denominado Espaço e Forma. No estudo dos conteúdos referentes a esse bloco, salienta-se a importância do ensino dos conceitos de Geometria, pois ela se constitui em um campo que permite aos alunos desenvolver o pensamento matemático para resolução de problemas e estabelecer relações com o mundo em que vivem. Por meio da caracterização de formas geométricas algumas noções de números e medidas tornam-se mais simples de ser compreendidas. Recomenda-se ao professor desenvolver o ensino de Geometria por meio de construções utilizando régua e compasso e 122 realizar atividades que possibilitem aos alunos caracterizar e explorar as propriedades geométricas de cada figura construída. Desse modo, as prescrições dos PCN (1998) enfatizam o ensino das Transformações Geométricas no terceiro ciclo (antigas 5.ª e 6.ª séries), como ferramentas que permitem estudar as propriedades das figuras e desenvolver noções relacionadas à congruência e à semelhança. Esse documento expõe claramente os objetivos a serem atingidos no trabalho a ser realizado com as transformações: Composição e decomposição de figuras planas. Transformação de uma figura no plano por meio de reflexões, translações e rotações e identificação de medidas que permanecem invariantes nessas transformações (medidas dos lados, dos ângulos, da superfície). Ampliação e redução de figuras planas segundo uma razão e identificação dos elementos que não se alteram (medidas de ângulos) e dos que se modificam (medidas dos lados, do perímetro e da área) (BRASIL, 1998, p. 73). As recomendações dos PCN (1998) para esse ciclo indicam que as Transformações Geométricas devem ser estudadas de maneira experimental em uma diversidade de contextos de aprendizagem visando relacionar seu significado geométrico com diferentes campos do conhecimento, facilitando assim a compreensão desse conteúdo pelos estudantes. No quarto ciclo (antigas 7.ª e 8.ª séries), para o professor capacitar os estudantes a aplicar as transformações no estudo da Geometria, as orientações dos PCN (1998) sugerem que eles devem analisar as figuras geométricas construindo-as, utilizando as Transformações Geométricas para estudar as suas propriedades. Enfatiza-se a necessidade de se estudar Geometria por meio dos movimentos e de suas composições. Nesse ciclo, o ensino das transformações tem os seguintes objetivos: Desenvolvimento do conceito de congruência de figuras planas a partir de transformações (reflexões em retas, translações, rotações e composições destas), identificando as medidas invariantes (dos lados, dos ângulos, da superfície). Desenvolvimento da noção de semelhança de figuras planas a partir de ampliações ou reduções, identificando as medidas que não se alteram (ângulos) e as que se modificam (dos lados, da superfície e perímetro) (BRASIL, 1998, p. 89). As indicações desse documento sugerem que o desenvolvimento do ensino de transformações se inicie com atividades experimentais de forma a possibilitar a elaboração de conjecturas pelos alunos sobre o estudo das figuras e, principalmente, sobre a invariância das suas propriedades. Ressalta-se que o estudo de Geometria por meio das transformações pode 123 possibilitar ao aluno adquirir aptidões especiais relacionadas à percepção espacial e à elaboração de noções geométricas: Construindo figuras a partir da reflexão, por translação, por rotação de uma outra figura, os alunos vão percebendo que as medidas dos lados e dos ângulos, da figura dada e da figura transformada são as mesmas. As atividades de transformação são fundamentais para que o aluno desenvolva habilidades de percepção espacial e podem favorecer a construção da noção de congruência de figuras planas (isometrias). De forma análoga, o trabalho de ampliação e redução de figuras permite a construção da noção de semelhança de figuras planas (homotetias) (BRASIL, 1998, p. 86). Recomenda-se nos PCN (1998) que o ensino de semelhança seja desenvolvido por meio da homotetia de figuras geométricas e que não se limite ao estudo estático dos triângulos, objetivando assim oferecer aos estudantes do Fundamental um conhecimento amplo desse conceito geométrico. A transformação homotetia constitui uma ferramenta importante para estudar figuras semelhantes. As orientações do documento sugerem que o professor desenvolva a homotetia por meio das construções geométricas e de exemplos cotidianos relacionados às alterações das dimensões de fotografias e de documentos. Analisando as indicações e orientações didáticas prescritas nos PCN (1998) para os dois ciclos do Fundamental, podemos observar que o ensino das Transformações Geométricas, embora tenha as mesmas finalidades de desenvolver conceitos referentes às propriedades de congruência e de semelhança no estudo da Geometria, se desenvolve distintamente em cada ciclo. No terceiro ciclo, as Transformações Geométricas são introduzidas com o objetivo de fazer com que os estudantes possam se familiarizar com as diversas figuras geométricas para que investiguem gradativamente as propriedades dessas figuras, bem como sua invariância, causada por determinadas transformações. Esse trabalho inicial com as Transformações Geométricas possibilita aos estudantes caracterizar as figuras por meio de seus lados, ângulos e das relações entre esses entes geométricos. No quarto ciclo, objetiva-se utilizar o conhecimento dos estudantes acerca das transformações para propor um estudo mais aprofundado da invariância geométrica e assim desenvolver noções relacionadas à congruência e à semelhança entre figuras. Por meio dessas indicações, notamos uma proposta de oferecer ao público escolar uma Geometria que não se limita apenas ao estudo de seus conceitos de forma estática com a simples exposição de axiomas e demonstração de teoremas. Desmistifica-se o enfoque dado ao seu aspecto dedutivo, durante muito tempo restrito somente a exposições extremamente formais e complexas de serem compreendidas. 124 5.2 Ensino das transformações segundo o Currículo de São Paulo O Currículo do Estado de São Paulo foi elaborado em 2010 pela Secretaria da Educação com o objetivo de unir conhecimentos pedagógicos às práticas escolares, de forma a fornecer subsídios para aprimorar a qualidade do trabalho docente e a organização das escolas quanto ao desenvolvimento do seu ensino. Esse documento reitera as indicações dos PCN (1998) de adequar o ensino dos conteúdos aos objetivos do contexto escolar. Por meio das orientações desse documento objetiva-se promover nas escolas um ensino que permita habilitar os alunos a criar competências para melhorar sua aprendizagem, ou seja, capacitá-los a construir o pensamento matemático em diferentes situações por meio do seu raciocínio, da sua interação e de suas atitudes, viabilizando, assim, sua inserção no meio sociocultural e no campo profissional. Enfatiza-se nesse currículo a importância do trabalho com a competência de leitura e escrita na transmissão e compreensão dos saberes matemáticos, transformando a escola em um espaço cultural de aprendizagem e atribuindo-lhe a tarefa de articular conteúdos escolares e competências no ensino de Matemática: Este documento apresenta os princípios orientadores do currículo para uma escola capaz de promover as competências indispensáveis ao enfrentamento dos desafios sociais, culturais e profissionais do mundo contemporâneo. Contempla algumas das principais características da sociedade do conhecimento e das pressões que a contemporaneidade exerce sobre os jovens cidadãos, propondo princípios orientadores para a prática educativa, a fim de que as escolas possam preparar os seus alunos para esse novo tempo. Ao priorizar a competência de leitura e escrita, o Currículo define a escola como espaço de cultura e de articulação de competências e de conteúdos disciplinares (SÃO PAULO, 2010, p. 7). Portanto, os estudantes tornam-se responsáveis pela construção do seu conhecimento. Para atingir esse objetivo, o Currículo de São Paulo propõe uma articulação entre as atividades e as disciplinas escolares estabelecendo metas de aprendizagem para os alunos em cada faixa etária. Nesse processo, é fundamental analisar o aluno, o trabalho pedagógico do professor como mediador das aprendizagens e os procedimentos metodológicos utilizados nas disciplinas escolares: Um currículo que promove competências tem o compromisso de articular as disciplinas e as atividades escolares com aquilo que se espera que os alunos aprendam ao longo dos anos. Logo, a atuação do professor, os conteúdos, as metodologias disciplinares e a aprendizagem requerida dos alunos são aspectos indissociáveis, que compõem um sistema ou rede cujas partes têm características e funções específicas que se complementam para formar um todo, sempre maior do que elas. Maior porque 125 o currículo se compromete em formar crianças e jovens para que se tornem adultos preparados para exercer suas responsabilidades (trabalho, família, autonomia etc.) e para atuar em uma sociedade que depende deles. Com efeito, um currículo referenciado em competências supõe que se aceite o desafio de promover os conhecimentos próprios de cada disciplina articuladamente às competências e habilidades do aluno. É com essas competências e habilidades que o aluno contará para fazer a leitura crítica do mundo, questionando-o para melhor compreendê-lo, inferindo questões e compartilhando ideias, sem, pois, ignorar a complexidade do nosso tempo. Tais competências e habilidades podem ser consideradas em uma perspectiva geral, isto é, no que têm de específico. Competências, nesse sentido, caracterizam modos de ser, de raciocinar e de interagir, que podem ser desprendidos das ações e das tomadas de decisão em contextos de problemas, tarefas ou de atividades. Graças a elas, podemos inferir, hoje, se a escola como instituição está cumprindo devidamente o papel que se espera dela (SÃO PAULO, 2010, p. 12). Dessa maneira, são explicitados nesse documento três fatores que possibilitam a articulação das competências e das habilidades a serem efetivamente desenvolvidas pelos estudantes nos processos de ensino e de aprendizagem: Nessa etapa curricular, a tríade sobre a qual competências e habilidades são desenvolvidas pode ser assim caracterizada: a) o adolescente e as características de suas ações e pensamentos; b) o professor, suas características pessoais e profissionais e a qualidade de suas mediações; c) os conteúdos das disciplinas e as metodologias para seu ensino e aprendizagem (SÃO PAULO, 2010, p. 13). As competências de aprendizagem, por possuírem finalidades relacionadas ao desenvolvimento do ensino das disciplinas escolares, devem ser enfatizadas pelos professores para possibilitar aos estudantes as aquisições dessas competências, objetivando ampliar suas capacidades aprendentes nos processos de ensino. No entanto, os professores, para gerenciarem o desenvolvimento dessas competências, devem adquirir novas competências para continuarem ensinando. Logo, nesse documento, a competência referente à leitura e à escrita constitui-se como eixo articulador das competências específicas que se objetiva desenvolver nos processos de ensino, as quais determinam as seguintes finalidades ao contexto escolar: “Dominar a norma-padrão da Língua Portuguesa e fazer uso das linguagens Matemática, artística e científica.” A constituição da competência de leitura e escrita é também o domínio das normas e dos códigos que tornam as linguagens instrumentos eficientes de registro e expressão que podem ser compartilhados [...] “Construir e aplicar conceitos das várias áreas do conhecimento para a compreensão de fenômenos naturais, de processos histórico-geográficos, da produção tecnológica e das manifestações artísticas.” É o desenvolvimento da linguagem que possibilita o raciocínio hipotético-dedutivo, indispensável à compreensão dos fenômenos. Ler, nesse sentido, é um modo de compreender, isto é, de assimilar experiências ou conteúdos disciplinares (e modos de sua produção); escrever é expressar sua construção ou reconstrução, com sentido, aluno por aluno. 126 “Selecionar, organizar, relacionar, interpretar dados e informações representados de diferentes formas, para tomar decisões e enfrentar situações-problema.” Ler implica também – além de empregar o raciocínio hipotético-dedutivo que possibilita a compreensão de fenômenos – antecipar, de forma comprometida, a ação para intervir no fenômeno e resolver os problemas decorrentes dele. Escrever, por sua vez, significa dominar os inúmeros formatos que a solução do problema comporta. “Relacionar informações, representadas em diferentes formas, e conhecimentos disponíveis em situações concretas, para construir argumentação consistente.” A leitura, nesse caso, sintetiza a capacidade de escutar, supor, informar-se, relacionar, comparar etc. A escrita permite dominar os códigos que expressam a defesa ou a reconstrução de argumentos – com liberdade, mas observando regras e assumindo responsabilidades (SÃO PAULO, 2010, p. 19). Salienta-se no currículo que o ensino de Matemática deve estar relacionado com a linguagem materna para que as competências de expressão, compreensão, argumentação, contextualização, entre outras, possam ser mais facilmente desenvolvidas pelos estudantes. As competências referentes à contextualização e à abstração são fundamentais para serem desenvolvidas pelo professor para que a Matemática possa ser compreendida pelos estudantes. No entanto, essas duas competências não podem ser desenvolvidas nos processos de ensino sem que ambas sejam relacionadas entre si para possibilitar ao público escolar as aprendizagens dos conteúdos matemáticos: A Matemática nos currículos deve constituir, em parceria com a língua materna, um recurso imprescindível para uma expressão rica, uma compreensão abrangente, uma argumentação correta, um enfrentamento assertivo de situações-problema, uma contextualização significativa dos temas estudados [...] A caracterização dos conteúdos disciplinares como meio para formação pessoal coloca em cena a necessidade de sua contextualização, uma vez que uma apresentação escolar sem referências, ou com mínimos elementos de contato com a realidade concreta, dificulta a compreensão dos fins a que se destina. É fundamental, no entanto, que a valorização da contextualização seja equilibrada com o desenvolvimento de outra competência, igualmente valiosa: a capacidade de abstrair o contexto, de apreender relações que são válidas em múltiplos contextos e, sobretudo, a capacidade de imaginar situações fictícias, que não existem concretamente, ainda que possam vir a ser realizadas [...] (SÃO PAULO, 2010, p. 3031). Nesse documento destaca-se a necessidade de contextualizar os conteúdos, priorizando a compreensão dos seus significados pelos alunos no ensino de Matemática. No entanto, a contextualização dos conteúdos deve estar associada ao desenvolvimento da abstração do público escolar, permitindo-lhes apreender conceitos da Matemática em diferentes contextos de aprendizagem. Assim, no ensino de Matemática é fundamental desenvolver nos alunos capacidades que lhes possibilitem relacionar o conhecimento adquirido na escola com a sua aplicação em diferentes campos do conhecimento. As recomendações do documento sugerem para os professores que o estudo da Geometria se desenvolva por meio de atividades experimentais realizadas com as formas 127 geométricas, possibilitando aos estudantes identificar, utilizando suas percepções, as características dessas formas, realizar suas construções por meio de procedimentos geométricos e também formular determinadas concepções a partir do estudo das suas propriedades: A Geometria diz respeito diretamente à percepção de formas e de relações entre elementos de figuras planas e espaciais; à construção e à representação de formas geométricas, existentes ou imaginadas, e à elaboração de concepções de espaço que sirvam de suporte para a compreensão do mundo físico que nos cerca (SÃO PAULO, 2010, p. 39, grifo nosso). Assim, o ensino da Geometria é proposto pelo Currículo de São Paulo (2010) para o Ensino Fundamental com as seguintes finalidades: Em Geometria, no Ensino Fundamental, a preocupação inicial é o reconhecimento, a representação e a classificação das formas planas e espaciais, preferencialmente trabalhadas em contextos concretos com os alunos da 5.ª série/6.º ano e 6.ª série/ 7.º ano. Certa ênfase na construção de raciocínios lógicos, de deduções simples de resultados a partir de outros anteriormente conhecidos poderá ser a tônica dos trabalhos na 7.ª série/8.º ano e na 8.ª série/9.º ano. [...] As primeiras ideias associadas ao plano cartesiano podem – e devem estar presentes já no Ensino Fundamental, na 5.ª série/6.º ano ou na 6.ª série/7.º ano, ainda que por meio da localização de pontos em mapas, ou pelo estudo de simetrias, ampliações e reduções de figuras no plano coordenado; na 7.ª série/8.º ano ou na 8.ª série/9.º ano, podem – e devem – estar associadas à construção, análise e interpretação de gráficos. Um aspecto importante a ser destacado na apresentação da Geometria, tanto no Ensino Fundamental quanto no Ensino Médio, é o fato de que o conhecimento geométrico apresenta quatro faces, que se relacionam permanentemente na caracterização do espaço: a percepção, a concepção, a construção e a representação [...] De fato, ainda que a iniciação em Geometria costume realizar-se por meio da percepção imediata das formas geométricas e de suas propriedades características, tendo por bases atividades sensoriais como a observação e a manipulação de objetos, desde muito cedo tais atividades relacionam-se diretamente com a construção, a representação ou a concepção de objetos, existentes ou imaginados (SÃO PAULO, 2010, p. 41-42, grifos nossos). Observamos que as propostas desse documento contemplam o aluno como um dos principais agentes ativos do processo de ensino, e não somente como receptores do conhecimento. Nos pressupostos do Currículo de São Paulo (2010) são considerados fatores de aprendizagem como a curiosidade e a capacidade de trabalhar em grupo presentes nos estudantes, com o objetivo de promover processos de aprendizagem que resultem na intensa construção dos conhecimentos matemáticos. Nesse currículo os conteúdos matemáticos estão descritos em manuais intitulados “Cadernos do Professor”, por meio dos quais são apresentadas sugestões didáticas ao professor, com o intuito de possibilitar o aprimoramento das capacidades necessárias à aprendizagem dos estudantes. Os cadernos prescrevem as metas de aprendizagem a serem atingidas no ensino dos 128 conteúdos, bem como o tempo necessário ao desenvolvimento das atividades. As orientações dos cadernos indicam os materiais que os professores devem utilizar em atividades realizadas por meio da experimentação e sugerem projetos dinâmicos e formas de avaliação e recuperação distintas das tradicionais: O Currículo se complementa com um conjunto de documentos dirigidos especialmente aos professores e aos alunos: os Cadernos do Professor e do Aluno, organizados por disciplina/série bimestre. Neles são apresentadas Situações de Aprendizagem para orientar o trabalho do professor no ensino dos conteúdos disciplinares específicos e a aprendizagem dos alunos. Esses conteúdos, habilidades e competências são organizados por série/ano e acompanhados de orientações para a gestão da aprendizagem em sala de aula e para a avaliação e a recuperação. Oferecem também sugestões de métodos e estratégias de trabalho para as aulas, experimentações, projetos coletivos, atividades extraclasses e estudos interdisciplinares (SÃO PAULO, 2010, p. 8). Nos Cadernos do Professor para o Ensino Fundamental são explicitadas as dificuldades dos estudantes do 6.º ao 9.º ano ao estudarem as diversas formas, planas bem como suas propriedades. As indicações desses manuais didáticos sugerem a introdução das Transformações Geométricas no estudo da Geometria por meio da experimentação, com o objetivo de motivar nos alunos uma aprendizagem construtiva. O Currículo de São Paulo propõe que o estudo das Transformações Geométricas se inicie por meio de aplicações da simetria axial. Podemos observar no Quadro 14 como o ensino dessa transformação se desenvolve nos manuais didáticos do Professor (2009) para o Ensino Fundamental II: Quadro 14 – Indicações do currículo para o ensino de simetria axial Anos do Ensino Fundamental II 6.º 7.º Simetria Axial Objetivos/estratégias do professor Atividades e tarefas propostas para os alunos Objetivos: A simetria axial deve ser introduzida de maneira a permitir ao aluno classificar as diversas representações geométricas, relacionando suas propriedades. Podem ser realizadas construções de figuras de papel por meio de dobraduras. Estratégias: O estudo dessa transformação sugere também a utilização de jogos de tabuleiro e a observação das reflexões de desenhos em espelhos e mosaicos. Objetivos: Objetiva-se transpor o estudo da simetria axial para o contexto real explorando representações simétricas da natureza e das artes plásticas. Estratégias: A reflexão deve ser estudada em relação a uma reta por meio da determinação dos eixos de simetria Relacionar grupos de figuras simétricas explorando, por experimentação, o conceito de congruência. Aplicar a simetria axial para construir mosaicos realizando sucessivas reflexões em uma única peça. Caracterizar as representações geométricas da natureza e do cotidiano, determinando os eixos de simetria de cada representação. Desenhar objetos em papel quadriculado mantendo a sua simetria em relação a um dado eixo. 129 8.º presentes nas formas planas e nas ilustrações de objetos reais. Devem ser utilizadas figuras de plantas, animais, placas de sinalização, obras de arquitetura, polígonos e ornamentos. Objetivos: Enfatizar o significado de operações entre as coordenadas do sistema cartesiano, as quais podem ser utilizadas para movimentar polígonos representados no plano. Estratégias: Podem ser apresentadas representações de figuras geométricas no plano para que os alunos obtenham figuras simétricas em torno dos eixos x e y. Construir tabelas obtendo os vértices da figura simétrica, por meio dos produtos entre as coordenadas da figura inicial e a constante k = - 1, fazendo a sua representação no mesmo plano que a figura original. Fonte: Elaborado pelo autor (2013). Analisando as indicações explicitadas no Quadro 14 para o estudo de simetria axial podemos notar que, nas atividades relacionadas ao estudo dessa transformação propostas pelo manual do 7.º, ano enfatiza-se a caracterização das simetrias em representações do mundo real e também em figuras geométricas dispostas em malhas. Subentendemos que na atividade da página 28 desse documento as aplicações da simetria axial estão relacionadas à transformação de figuras em relação a um dado eixo de simetria, sendo proposto para os estudantes transformar por simetria as figuras representadas em malhas quadriculadas. Dessa maneira, os estudantes devem analisar as figuras dos itens A, B, C e D da atividade para completá-las simetricamente em relação a um dado eixo. Consideramos que essa atividade tem a finalidade de habilitar os alunos a caracterizar a simetria de reflexão em relação a um dado eixo, possibilitando-lhes construir figuras simétricas, utilizar essa transformação para movimentar as figuras de maneira simétrica em um determinado plano, bem como estudar a invariância de suas propriedades. Podemos perceber que por essa atividade objetiva-se também possibilitar aos alunos compreender o conceito de simetria, verificando que a simetria das figuras se dá em função de um determinado eixo, o qual possibilita a sua reflexão. Inferimos que nas figuras dos itens A, B, C e D os estudantes devem completar as figuras por simetria reflexiva em relação ao eixo simétrico presente nas malhas, pintando os quadrados que constituem a figura simétrica em relação à sua representação inicial. Embora essa atividade não apresente grandes complexidades para os estudantes, concebemos que a percepção da simetria de figuras em malhas geométricas oferece dificuldades para eles, pois os estudantes necessitam observar que o complemento das figuras segue um determinado padrão 130 simétrico em relação a um eixo, e que nem todos os meios dos quais os alunos se utilizam para complementar as figuras garantem suas simetrias, pois na transformação das figuras determinados quadrados são padronizadamente preenchidos, enquanto outros, não. Verificamos que a invariância das propriedades das figuras dos itens B e D que são refletidas em relação aos eixos por meio de simetria também não é simples de ser observada pelos estudantes, pois as diferentes posições do eixo simétrico promovem alterações nos posicionamentos dessas figuras, dificultando aos estudantes constatar, sem utilizar instrumentos de medição, a preservação das medidas de seus lados e de seus ângulos durante sua reflexão. Consideramos que o professor deve interferir nas discussões dos alunos relacionadas à realização dessa atividade, enfatizando para eles as aplicações da simetria axial no movimento das figuras em malhas geométricas e deve propor para eles observarem que é pelo eixo simétrico que se pode comprovar a reflexão das figuras, ressaltando também que nessa transformação as figuras não sofrem alterações em suas propriedades geométricas. O Quadro 15 indica como essa atividade é apresentada pelo manual do 7.º ano para os alunos: Quadro 15 – Atividade: transformação de figuras por simetria axial em malhas quadriculadas Fonte: Caderno do Aluno – 6.ª série/7.º ano, v. 2 (2009). 131 Além das atividades relacionadas à representação de figuras simétricas em relação a um determinado eixo, observamos que nesses manuais o estudo das isometrias também é enfatizado. Nesse documento as isometrias são estudadas com a finalidade de habilitar os alunos a desenvolver as seguintes competências de aprendizagem: Visualizar movimentos, posições e direções de segmentos, de retas e de figuras geométricas que são transformadas no plano por uma determinada isometria; Desenvolver o estudo introdutório do plano ortogonal, analisando as posições dos pontos do plano que podem ser obtidas por meio de transformações de suas coordenadas; Identificar as operações entre as coordenadas dos vértices das figuras representadas no plano e utilizar essas operações para produzir reflexões e translações dessas figuras; Resolver problemas relacionados à visualização e à aplicação de conceitos geométricos; Identificar, analisar e descrever a isometria que possibilita associar uma figura plana à sua correspondente obtida por transformação, bem como caracterizar a congruência entre essas figuras; Estudar as propriedades geométricas das figuras que são transformadas por uma isometria, observando a invariância dessas propriedades. Para possibilitar aos alunos desenvolver os conceitos geométricos por meio do estudo das isometrias, as indicações do Currículo de São Paulo sugerem para o professor explorar as propriedades das isometrias por meio de atividades de simetria axial nas quais enfatizam-se o deslocamento e a construção de figuras geométricas no plano ortogonal. Dentre as atividades de simetria axial presentes no currículo, destacamos a atividade da página 28 do manual do 8.º ano que é utilizado pelos alunos. Subentendemos que essa atividade está relacionada à construção de figuras simétricas no plano ortogonal. Pode-se perceber que, por meio dessa atividade, propõe-se para os alunos representarem um quadrilátero ABCD no plano cartesiano por meio de suas coordenadas, para construírem consecutivamente outros quadriláteros simétricos, utilizando a transformação simetria axial. Portanto, os estudantes devem inicialmente aplicar essa transformação no quadrilátero ABCD para refleti-lo horizontalmente em relação aos eixos coordenados para obter 132 o quadrilátero A`B`C`D`. Em seguida, os estudantes devem aplicar a transformação no quadrilátero A`B`C`D` refletindo-o verticalmente para obter o quadrilátero A``B``C``D``. Depois disso, observamos que as indicações do documento sugerem que os alunos devem refletir horizontalmente o quadrilátero A``B``C``D`` para obter o quadrilátero simétrico A```B```C```D```. Para construírem essas figuras, os alunos devem transformar algebricamente as coordenadas dos seus vértices, registrando os valores das coordenadas transformadas em tabelas. Consideramos que essa atividade tem a finalidade de possibilitar aos estudantes construir figuras planas por meio da simetria de reflexão utilizando-se de processos algébricos, pelos quais eles obtêm novas figuras no plano, modificando suas coordenadas. Objetiva-se também nessa etapa ampliar os conhecimentos dos estudantes referentes à utilização das Transformações Geométricas no deslocamento e na construção das figuras no plano, bem como no estudo da invariância geométrica das propriedades dessas figuras. Assim, notamos que o estudo das isometrias é introduzido nessa série para desenvolver as noções de plano ortogonal, permitindo aos alunos localizar, movimentar e construir entes geométricos e figuras. No entanto, consideramos que a transformação das figuras por meio de procedimentos algébricos oferece uma complexidade maior às construções dos quadriláteros que devem ser realizadas pelos estudantes, pois eles devem transformar simetricamente as coordenadas dos vértices dos quadriláteros mediante funções, concebendo os eixos coordenados como eixos de simetria para construírem as figuras. Concebemos também que a identificação dos eixos que permitem a reflexão horizontal ou vertical dos quadriláteros está associada à transformação das coordenadas dos vértices dos quadriláteros, em sua representação no plano, o que dificulta a percepção imediata da simetria dos quadriláteros pelos alunos que, para realizarem a transformação, necessitam verificar qual das componentes das coordenadas deve ser transformada para produzir adequadamente a reflexão das figuras. Logo, para obter a reflexão do quadrilátero ABCD de coordenadas (x, y), os estudantes operam com suas coordenadas, realizando produtos entre as abscissas dos vértices desse quadrilátero e a constante de valor -1 para obter as abscissas do quadrilátero simétrico A`B`C`D` de coordenadas (-x, y), observando que a reflexão do quadrilátero ABCD em relação 133 ao eixo vertical do sistema cartesiano é uma reflexão horizontal dessa figura, uma característica que os estudantes somente podem comprovar algebricamente quando modificam simetricamente suas abscissas. Notamos que o mesmo ocorre quando o quadrilátero A`B`C`D`é refletido verticalmente em relação ao eixo horizontal, pois os alunos devem transformar suas coordenadas, efetuando os produtos entre as ordenadas dos vértices desse quadrilátero pela constante -1, para obter as coordenadas (- x, - y) do quadrilátero A``B``C``D`` simétrico à A`B`C`D`, refletido verticalmente em relação ao eixo horizontal do sistema ortogonal e também quando esse quadrilátero é refletido horizontalmente em relação ao eixo y, produzindo o quadrilátero A```B```C```D``` de coordenadas (x, - y). Enfatizamos que nessa atividade as aplicações da simetria axial são exploradas exclusivamente por meio de processos algébricos que possibilitam a manipulação das coordenadas dos vértices dos quadriláteros por meio de funções, o que dificulta aos alunos estudar as propriedades geométricas das figuras transformadas por meio de simetria, pois eles devem relacionar a simetria de reflexão com os procedimentos algébricos pelos quais constroem os quadriláteros, tendo que dominar esses procedimentos para compreenderem as propriedades das figuras simétricas. No que concerne ao estudo da invariância geométrica das propriedades dos quadriláteros, pode-se notar que os estudantes também encontram muita dificuldade em perceber, por meio de procedimentos analíticos, que os quadriláteros são simétricos, pois procuram verificar a invariância pela preservação das medidas dos lados e dos ângulos das figuras que são construídas por simetria. No entanto, sabemos que, quando as figuras são transformadas no plano ortogonal, observar as relações entre seus ângulos representa uma tarefa complexa e o estudo da simetria das figuras, bem como da invariância geométrica de suas propriedades se restringe à observação das distâncias dos vértices das figuras em relação aos eixos em que são transformadas. Para caracterizar a simetria entre os quadriláteros os estudantes devem observar que seus vértices equidistam dos eixos sob os quais a transformação foi aplicada, não podendo recorrer aos procedimentos geométricos para comprovar as simetrias. 134 Ressaltamos que as dificuldades dessa atividade, a qual é indicada pelo manual do 8.º ano com maior complexidade na construção e no estudo das figuras simétricas, requerem a intervenção do professor, que pode discutir com os estudantes os processos algébricos de transformação de figuras planas no sistema cartesiano, a utilização de funções na transformação das coordenadas dos vértices dessas figuras e as características que possibilitam a verificação de sua invariância geométrica. O Quadro 16 nos mostra como essa atividade é proposta para os alunos pelo manual do 8.º ano: Quadro 16 – Atividade: transformação de quadriláteros no plano por meio de simetria axial Fonte: Caderno do Aluno – 7.ª série/8.º ano, v. 3 (2009). Salienta-se nesse currículo que, por meio de atividades como essa, objetiva-se ampliar as noções relacionadas ao estudo do sistema ortogonal e enfatizar novas utilizações para as Transformações Geométricas estudadas anteriormente: Na Situação de Aprendizagem 2 – Coordenadas cartesianas e transformações no plano, iniciamos a apresentação do recurso da representação de figuras por meio de coordenadas. A ideia de representação da informação em um plano com eixos orientados não é nova, ela já apareceu nas séries anteriores quando foram trabalhados alguns temas relacionados aos gráficos no contexto do tratamento da informação; porém, agora, ela se desenvolverá na 7.ª série com novas explorações, tais como a ideia de representação através de coordenadas, usada em mapas e guias de ruas, e as transformações no plano (translação, reflexão, ampliação e redução). O trabalho com as transformações no plano também representa uma oportunidade de retomada das ideias de simetria axial e rotacional trabalhadas nas séries anteriores (SÃO PAULO, 2010, p. 9). No 7.º ano, as orientações do currículo sugerem ao professor que se inicie o estudo da simetria de rotação. Essa transformação é apresentada nos cadernos seguindo a organização disposta no Quadro 17: 135 Quadro 17 – Indicações do currículo para o ensino da simetria de rotação Ano 7.º Simetria de rotação Objetivos/estratégias do professor Objetivos: Possibilitar o estudo de diferentes representações simétricas encontradas em seres da natureza e nas obras de arte. Ampliar o estudo da invariância dos segmentos e dos polígonos. Estratégias: O professor pode utilizar figuras de plantas e ilustrações de pinturas para induzir os alunos a analisar as figuras, determinando a simetria rotacional com régua e compasso. Para aplicar a rotação em segmentos e polígonos podem ser utilizadas as folhas de atividade do caderno ou folhas quadriculadas. Atividades/tarefas propostas para os alunos Caracterizar a simetria de rotação em plantas e obras de arte, identificando centros e ângulos de rotação. Aplicar a rotação em segmentos e representações poligonais em relação a um determinado centro. Fonte: Elaborado pelo autor (2013). Podemos notar pelas indicações explicitadas no Quadro 17 que as prescrições do currículo enfatizam, entre outros contextos, o estudo da simetria de rotação em quadros de pintura, sugerindo atividades pelas quais os alunos devem identificar os elementos dessa simetria (centro e ângulo de rotação). Para discutirmos as finalidades dessas prescrições tomamos como exemplo propício à nossa análise a atividade da página 26 do manual do 7.º ano utilizado pelos estudantes, na qual se propõe a eles explorar as características dessa transformação geométrica em quadros de pintura. Observando determinadas figuras ilustradas nesses quadros, os estudantes devem identificar os ângulos que os possibilitam rotacioná-las simetricamente, sem alterar seus formatos e suas propriedades. Trata-se de uma atividade que permite aos alunos caracterizar os elementos da transformação “rotação” e relacionar as aplicações dessa transformação com as construções artísticas para que possam melhor compreendê-la (SÃO PAULO, 2010). Consideramos que por meio dessa atividade objetiva-se habilitar os estudantes a identificar as aplicações da simetria de rotação em contextos reais, utilizar essa transformação para construir figuras e ornamentos artísticos de maneira dinâmica, por meio de movimentos de rotação consecutivos, bem como estudar a invariância geométrica das propriedades de diversas figuras. Objetiva-se também aprimorar o conhecimento dos estudantes relacionados ao estudo dos ângulos e de suas relações com as construções geométricas. No entanto, verificamos que, ao tentarem determinar os ângulos que caracterizam a simetria rotacional nas figuras indicadas, os estudantes se deparam com dificuldades, pois eles 136 não podem utilizar nenhum instrumento de medição para determinarem as medidas desses ângulos. Desse modo, os estudantes devem observar a simetria das figuras, elaborando planos de construção que os possibilitem rotacioná-las, transportando-as coincidentemente para outras figuras congruentes. Concebemos que a sobreposição das figuras por rotação não é simples de ser realizada pelos estudantes, pois eles realizam diversos movimentos de rotação estimando os ângulos arbitrariamente até encontrar o ângulo que possibilita a sobreposição. A preservação dos formatos das figuras rotacionadas pode ser facilmente identificada pelos alunos, porém a invariância geométrica das propriedades dessas figuras não é identificada a priori pelos estudantes sem que utilizem instrumentos de medição para verificar a preservação das medidas de seus lados e de seus ângulos, em virtude da inclinação dessas figuras e do desconhecimento das medidas dos ângulos pelos quais essas figuras foram transformadas. Entendemos que, para sanar essas dificuldades proporcionadas pela referida atividade, o professor deve discutir com os estudantes as propriedades da simetria de rotação e sua aplicação no movimento de figuras, salientando que, por meio dessa transformação, os formatos das figuras, as medidas dos seus lados e dos seus ângulos são preservados, e também que na simetria de rotação determinados ângulos possibilitam transformar as figuras sem modificar suas posições. O Quadro 18 nos mostra como essa atividade é indicada pelo manual do 8.º ano para o estudo da transformação rotação: 137 Quadro 18 – Atividade: transformação de figuras por meio de simetria rotacional Fonte: Caderno do Aluno – 6.ª série/7.º ano, v. 2 (2009). Salienta-se nesse documento que, por meio das atividades que envolvem a utilização da simetria rotacional, objetiva-se aprimorar as noções concernentes ao estudo de ângulos em representações artísticas. No currículo, observamos que o estudo dessa transformação se inicia com a caracterização da inscrição angular em circunferências e também com a exposição de ilustrações de plantas, vasos e demais objetos do contexto real, por meio dos quais é possível caracterizar a utilização dessa transformação geométrica. Nas primeiras atividades de rotação são apresentadas representações figurativas em malhas quadriculadas e os alunos devem identificar o ângulo que caracteriza a rotação dessas representações na malha. Podemos perceber no Quadro 19 que o estudo da translação é introduzido no currículo de maneira simples para caracterizar os movimentos das figuras mediante uma orientação vetorial e se estende para o estudo dos movimentos de polígonos no plano: 138 Quadro 19 – Prescrições curriculares para o ensino de translação Ano 7.º 8.º Translação Objetivos/estratégias do professor Objetivos: Ampliar o estudo das Transformações Geométricas promovendo a orientação dos movimentos das figuras planas por meio da utilização de vetores. Estudar os movimentos orientados das figuras no plano alterando a posição de seus vértices em relação a um dado número de unidades para realizar os movimentos. Estratégias: Nas atividades de translação devem ser utilizadas figuras geométricas representadas com setas dispostas em malhas quadriculadas. Os alunos devem ser solicitados a desenhar as figuras observadas seguindo a direção da seta (vetor) e as unidades fixadas para os deslocamentos. Objetivos: Estudar as operações entre as coordenadas que representam os pontos do plano associando-as ao movimento de figuras, utilizando-as como ferramentas para realizar translações de figuras geométricas no plano. Estratégias: O professor deve utilizar representações de polígonos no plano e discutir com os alunos as operações que caracterizam as translações das figuras. Em seguida o professor deve propor aos alunos realizar as atividades de translação. Atividades/tarefas propostas para os alunos Deslocar as figuras geométricas seguindo a direção do vetor. Obter os vértices da figura transladada deslocando suas coordenadas pelos eixos do plano ortogonal e esboçar sua representação. Construir tabelas obtendo os vértices da figura transladada, por meio da adição da constante k≠0 aos vértices da figura inicial, desenhando a figura transladada no mesmo plano que a figura original. Fonte: Elaborado pelo autor (2013). Observamos que, por meio das indicações explicitadas no Quadro 19, o currículo sugere o emprego da translação para promover o estudo dos movimentos direcionados por vetores. Podemos identificar e melhor compreender as finalidades das prescrições desse documento para o estudo de translação analisando a atividade da página 30 do manual didático destinado aos estudantes, na qual são propostas translações de figuras em malhas geométricas por meio de vetores. Verificamos que, para o desenvolvimento da atividade, as figuras representadas nas malhas devem ser deslocadas de sua posição em três unidades segundo as direções dos vetores. Subentendemos que essa atividade tem por finalidade habilitar os alunos a movimentar e a construir figuras utilizando a transformação “translação” e as noções de vetores, bem como estudar a invariância geométrica das propriedades dessas figuras. Objetiva-se também possibilitar aos estudantes observar que as figuras deslocadas por meio da transformação “translação” possuem as mesmas posições que os vetores a partir dos quais essas figuras são 139 transformadas, e também que a translação possibilita o movimento das figuras sem modificações de suas posições. Dessa maneira, concebemos que os estudantes, ao aplicarem a translação nas figuras, devem observar que estas são movimentadas nas malhas de acordo com a posição dos vetores sem alterar o seu formato. É fundamental que os estudantes possam identificar as translações por meio da orientação vetorial para melhor compreenderem a invariância dessas figuras. Eles devem perceber que no triângulo do item A é realizada uma translação que o movimenta horizontalmente para a direita, pois o vetor está disposto nessa posição e o trapézio do item B é movimentado verticalmente para baixo, pois essa é a posição do vetor em que o trapézio é transformado por translação (SÃO PAULO, 2009). Consideramos que a dificuldade maior dessa atividade está na percepção dos estudantes de que as figuras são deslocadas nas malhas na mesma medida em que o comprimento dos vetores, fato que não interfere no estudo das propriedades dessas figuras. Salientamos que, apesar de essa atividade não oferecer muitas dificuldades para os estudantes, é importante que o professor discuta as características dessa transformação, enfatizando as propriedades das figuras preservadas na aplicação dessa transformação, tais como medidas de lados e de ângulos e também o paralelismo de segmentos correspondentes. O Quadro 20 nos permite observar como essa atividade é indicada pelo manual do 7.º ano para os alunos: 140 Quadro 20 – Atividade: translação de figuras em malhas geométricas Fonte: Caderno do Aluno – 6.ª série/7.º ano, v. 2 (2009). Apesar de o estudo de translação ser desenvolvido por meio de atividades sugeridas pelas indicações dos manuais didáticos do Currículo de São Paulo com ênfase nos procedimentos geométricos de construção de figuras planas, verificamos também que no caderno do 7.º ano o estudo dessa transformação geométrica é concebido por meio de atividades que envolvem a construção de determinados mosaicos, bem como a caracterização da translação descrita pelo planeta Terra (SÃO PAULO, 2009). Depois dessa abordagem, podemos perceber que o estudo dessa transformação se estende a uma aplicação mais formal, sendo essa transformação empregada em representações poligonais dispostas no sistema ortogonal. Salienta-se no Currículo que, por meio da abordagem proposta para o ensino da translação no 7.º ano, objetiva-se caracterizar, por meio 141 da visualização, os aspectos geométricos dessa transformação, quando empregada em representações figurativas dispostas em um determinado plano. Para desenvolver as primeiras noções de semelhança, notamos que os professores são orientados pelas prescrições do Currículo de São Paulo a propor aos estudantes do 9.º ano o estudo da transformação homotetia seguindo as indicações dispostas no Quadro 21: Quadro 21 – Indicações curriculares para o ensino de homotetia Ano 9.º Homotetia Objetivos/Estratégias do professor Objetivos: Desenvolver o conceito de semelhança por meio da construção de figuras de diferentes dimensões, sendo essas figuras ampliadas ou reduzidas a partir da figura original por homotetia. Estratégias: Apresentar figuras geométricas para os alunos e propor que eles construam, com régua e compasso, ampliações ou reduções dessas figuras seguindo o processo de homotetia. Propor aos alunos estabelecer relações entre as figuras homotéticas e as figuras originais procurando caracterizar a semelhança apresentada por ambos os grupos. Fonte: Elaborado pelo autor (2013). Atividades/tarefas propostas para os alunos Realizar construções homotéticas das figuras geométricas que lhes forem apresentadas modificando o centro e a razão da homotetia. Observar as relações que caracterizam a semelhança entre as figuras construídas por homotetia e as figuras originais. Analisando as indicações explicitadas no Quadro 21, podemos observar que, para se introduzir o estudo da semelhança entre diversas representações geométricas, a transformação homotetia está presente no currículo, como ilustra a atividade da página 7 do manual do 9.º ano, pela qual se propõe aos estudantes a construção de um polígono por homotetia em uma determinada razão. Subentendemos que, por meio dessa atividade, objetiva-se capacitar os estudantes para construírem figuras homotéticas por ampliação e por redução, utilizando régua e compasso, bem como identificar as relações entre os entes geométricos da figura transformada por homotetia com os entes geométricos da figura inicial para caracterizarem a semelhança entre essas figuras, compreendendo que na transformação homotetia a ampliação e a redução de figuras geométricas obedecem a uma proporcionalidade, a qual é determinada pela razão da homotetia e pela relação que essa razão apresenta com as medidas das figuras homotéticas. As orientações do manual do 9.º ano nos mostram que nessa atividade os alunos devem utilizar a homotetia para ampliar um polígono em uma razão de valor 2. Portanto, é fundamental 142 que os estudantes dominem os processos geométricos de transformação de figuras por homotetia para construírem o polígono ampliado. Consideramos que uma das dificuldades dessa atividade é o desconhecimento das medidas do polígono pelos alunos que aplicam a homotetia para ampliar esse polígono sem ter condições de observar a proporcionalidade entre os segmentos correspondentes do polígono inicial e do polígono transformado, o que torna a caracterização da semelhança entre essas figuras mais complexa de ser analisada, pois os estudantes devem observar outras características como o paralelismo entre os lados correspondentes dos polígonos e a congruência de seus ângulos correspondentes. Dessa forma, os estudantes também deixam de perceber as relações entre o polígono ampliado e a razão da homotetia, pois eles necessitam das medidas do polígono para estudarem essas relações, bem como para observarem que o polígono ampliado corresponde a uma duplicação do polígono inicial. No que concerne à atuação do professor em relação às dificuldades apresentadas pelos estudantes na realização dessa atividade, entendemos que o professor pode intervir ressaltando para os alunos as propriedades da homotetia na transformação das figuras, sugerindo que procurem obter as medidas do polígono inicial e do polígono ampliado, registrando essas medidas em tabelas e comparando essas medidas com a razão da homotetia para verificarem a semelhança entre essas figuras. O Quadro 22 nos mostra como essa atividade é indicada no manual do 9.º ano: 143 Quadro 22 – Atividade de ampliação de polígonos por meio de homotetia Fonte: Caderno do Aluno – 8.ª série/9.º ano (2009). Por meio do estudo das indicações do Currículo para o ensino de homotetia, constatamos que as atividades de homotetia são propostas com o objetivo de estudar condições específicas de semelhança entre dois entes geométricos que possuem a mesma representação, mas com diferentes dimensões. Nessas atividades, as orientações do currículo sugerem para os docentes proporem aos estudantes que explorem diferentes construções homotéticas de uma mesma figura, utilizando razões distintas de homotetia. Depois de construírem as figuras, os estudantes deverão realizar comparações entre a figura original e as figuras homotéticas e verificar que, mesmo com alterações de dimensões, uma figura construída especificamente pelo processo de homotetia não apresenta modificações em suas propriedades e, portanto, permanece semelhante em relação à sua representação original. Analisando as recomendações do Currículo de São Paulo (2010) para o ensino das transformações geométricas, bem como as indicações dos manuais didáticos que contemplam esse currículo, podemos observar que, por esses documentos, objetiva-se possibilitar aos professores de Matemática desenvolver não somente o ensino desse conteúdo, mas também as capacidades aprendentes das quais os estudantes necessitam para compreenderem os significados e as finalidades das aplicações das transformações em figuras e no estudo de suas 144 propriedades. Assim, as Transformações Geométricas são prescritas no currículo de maneira a possibilitar aos estudantes explorar de forma dinâmica conceitos geométricos. Nas atividades propostas por esses documentos para o professor, verificamos que o estudo das Transformações Geométricas se apresenta com enfoque experimental e com aplicações diversas em contextos distintos de aprendizagem. Por meio dessas atividades, objetiva-se habilitar os estudantes a caracterizar determinadas figuras geométricas, investigando suas propriedades mediante a utilização de transformações. Também objetiva-se possibilitar aos discentes estabelecer relações entre as aplicações das Transformações Geométricas e os contextos do mundo real, procurando viabilizar a compreensão de noções e de conceitos geométricos pelos alunos, bem como permitir a eles identificar as utilidades do emprego das transformações nos movimentos e nas construções das figuras. Por meio dessa abordagem procura-se destacar para os estudantes os aspectos geométricos das transformações, facilitando a visualização dos conceitos no estudo de Geometria, embora o estudo das isometrias não tenha sido abandonado nesse documento. Observamos que as aplicações das isometrias são exploradas no manual do 8.º ano com o objetivo de introduzir noções de plano cartesiano e de maneira a possibilitar aos estudantes relacionar procedimentos algébricos e geométricos de transformação de figuras. Nesse contexto, consideramos que o Currículo de São Paulo (2010) prescreve o ensino das transformações com a finalidade de fazer com que o professor possa desenvolver o estudo da Geometria de maneira dinâmica e experimental, por meio da manipulação das figuras, visando ampliar o conhecimento dos estudantes em seus processos de aprendizagem. O Quadro 23 tem a função de apresentar uma síntese do estudo das transformações, bem como das finalidades por meio das quais o ensino desse conteúdo é indicado nas reformas curriculares do período de 1930 a 2010 e em manuais didáticos de Matemática utilizados nos anos finais do Ensino Fundamental: 145 Quadro 23 – Recomendações das reformas curriculares para o estudo das transformações Reformas curriculares e manuais Experiências Matemáticas Reforma Francisco Campos – 1931 Reforma Capanema – 1942 Reforma Simões Filho – 1951 Guias curriculares de Matemática – 1975 Indicações para o desenvolvimento do ensino das Transformações Geométricas no Fundamental II Estudo das transformações de entes geométricos e de figuras no plano ortogonal. Utilização efetiva de isometrias para produzir movimentos de figuras geométricas representadas no plano. Construção de figuras planas por meio da experimentação, por meio de aplicações de transformações. Ênfase no ensino do conteúdo Transformações Geométricas para possibilitar aos alunos o estudo de noções relativas à congruência e à semelhança de figuras. Estudo dos movimentos de paralelogramos e de suas propriedades por meio da utilização da transformação translação. Idem à Capanema Estudo efetivo da Geometria por meio do grupo das isometrias e também das características funcionais da transformação homotetia. Definição dos conjuntos de transformações como funções do plano. Manuseio de figuras geométricas no plano cartesiano por meio de transformações. Estudo analítico de transformações de figuras por meio de funções. Representação em diagramas das características funcionais das transformações de entes geométricos ou de figuras. Promover relações entre as características de Transformações Geométricas distintas. Identificação dos entes geométricos das figuras que se correspondem através de uma determinada transformação. Finalidades/capacidades a serem desenvolvidas pelos alunos no ensino das transformações Verificar os conceitos geométricos de maneira experimental, por meio dos movimentos de figuras no plano que são realizados pelas transformações. Desenvolver o raciocínio intuitivo no estudo da Geometria. Habilitar os estudantes a abstrair noções e conceitos geométricos por meio da caracterização das propriedades de figuras transformadas no plano ortogonal. Analisar as características das figuras geométricas transformadas por meio de translação. Estudar as transformações de figuras planas por meio da visualização geométrica da invariância das suas propriedades. Idem à Capanema Reconhecer as Transformações Geométricas de figuras por meio das propriedades de função. Construir determinadas figuras congruentes ou semelhantes no plano ortogonal. Estudar a invariância das propriedades das figuras, caracterizando-a como decorrente das aplicações de uma função. 146 Proposta curricular de São Paulo – 1988 Manuais Experiências Matemáticas (para implementação da PC de 1988) Parâmetros curriculares nacionais (PCN – 1998) Currículo de São Paulo (2010) Reconhecimento das características de figuras que possuem eixos simétricos. Estudo das propriedades dos eixos de simetria presentes nas figuras planas. Construção de figuras a partir de ampliações e de reduções de suas dimensões por meio da transformação homotetia, objetivando desenvolver o ensino de semelhança. Desenvolver o estudo das Transformações Geométricas experimentalmente, a partir das construções de figuras em folhas de papel, por meio de dobraduras e recortes. Enfatizar a utilização das transformações na construção de eixos simétricos de segmentos (mediatrizes) e de ângulos (bissetrizes) e também na construção de mosaicos e de representações ornamentais. Estudo da composição de simetrias utilizadas na transformação de figuras. Estudo de relações entre Transformações Geométricas distintas no movimento das figuras. Utilização efetiva das transformações nos transportes de figuras em malhas geométricas. Introdução do ensino das transformações no estudo de Geometria com o objetivo de viabilizar o desenvolvimento de conceitos relacionados ao estudo de congruência e de semelhança. Utilização das isometrias na transformação das figuras e na identificação da congruência dessas figuras. Relacionar as aplicações da homotetia em situações do contexto real com o estudo de semelhança. Enfatizar a utilização das transformações no estudo das propriedades das construções geométricas em contextos diversificados. Estudo das propriedades das figuras geométricas que são invariantes diante da aplicação de transformações. Enfatizar o ensino das Transformações Geométricas em Identificar os eixos simétricos de determinadas figuras planas. Estudar as aplicações da homotetia na semelhança de figuras, analisando objetos do contexto real, polígonos e também quadriláteros. Estudar as diferentes simetrias das figuras geométricas procurando distingui-las. Transformar determinadas figuras planas para estudar suas propriedades. Investigar as características das construções geométricas mediante a utilização de transformações. Compreender por meio das transformações de figuras noções de congruência e de semelhança. Compreender os processos geométricos de construção e de manipulação das figuras planas. Estudar as relações entre as transformações e elementos do contexto real. Construção das figuras geométricas por meio de transformações. Promover o estudo dinâmico das propriedades geométricas das figuras, por meio da utilização de transformações no movimento dessas figuras no plano e em malhas quadriculadas. Construção de polígonos e de quadriláteros com folhas de papel e caracterização dos eixos de simetria dessas figuras por meio de 147 diversos contextos de aprendizagem, possibilitando aos alunos relacionar a utilização das transformações com representações do mundo real. Estudo de simetrias por meio de atividades lúdicas, de brincadeiras e da utilização de espelhos. Caracterização das propriedades geométricas das figuras transformadas por simetria axial e por simetria rotacional por meio de manipulações com dobraduras e por meio de construções com régua e compasso. Identificação da simetria de reflexão em figuras planas e em ilustrações de objetos reais por meio da construção de eixos de simetria. Utilização de obras de arte para desenvolver o conceito de simetria, possibilitando aos alunos relacionar as propriedades das transformações com as artes visuais. Construção de figuras planas, mosaicos e ornamentos por meio de transformações ou de composições de transformações. Introdução do conceito de vetor no estudo de translação para capacitar os alunos a relacionar as direções e as posições de figuras geométricas que são movimentadas ou construídas por translação com as propriedades dos vetores. Utilização das isometrias para movimentar e construir figuras geométricas no plano, procurando caracterizar a invariância das propriedades dessas figuras, bem como a congruência entre figuras transformadas por isometria e as figuras originais. Utilização da transformação geométrica homotetia na construção de figuras semelhantes e no estudo das propriedades dessas figuras. dobraduras e também por meio da utilização de espelhos. Determinar eixos de simetria em ilustrações de objetos reais, relacionando as propriedades da simetria de reflexão com as características desses objetos. Construir mosaicos e ornamentos por meio de transformação identificando os padrões geométricos e as regularidades dessas construções. Utilizar as isometrias para movimentar polígonos e quadriláteros no plano ortogonal, caracterizando a preservação das suas formas e das medidas de seus lados, verificando que as figuras transformadas são congruentes às suas representações originais. Construir polígonos semelhantes utilizando a transformação geométrica homotetia. Determinar a razão de homotetia das figuras que são construídas por ampliação e por redução, verificando que na homotetia o paralelismo dos lados e as medidas dos ângulos correspondentes dessas figuras são invariantes. Identificar as relações entre a razão de homotetia e as medidas das figuras que sofrem esse tipo de transformação para caracterizar, por meio dessas relações, a semelhança entre as figuras homotéticas e as figuras originais. Fonte: Elaborado pelo autor (2014). Observando a síntese apresentada no Quadro 23 referente às indicações das reformas educacionais brasileiras dos anos 1930 aos anos 2010 para o ensino das transformações nos anos finais do Fundamental, podemos perceber que houve modificações significativas nos procedimentos metodológicos relacionados à inserção e ao desenvolvimento do ensino desse 148 conteúdo no estudo de Geometria. Nessas reformas, o estudo das isometrias constitui o centro das modificações das suas prescrições para o ensino das Transformações Geométricas. As recomendações dos currículos mais recentes sugerem ao professor desenvolver o estudo das isometrias de maneira didática, por meio da utilização de recursos sofisticados, tais como softwares de Geometria Dinâmica pelos quais os alunos podem realizar construções de figuras geométricas no plano e aplicar as transformações nessas figuras para estudar suas propriedades, movimentando-as para qualquer posição do plano, verificando que as formas e as dimensões das figuras transformadas são preservadas, com o objetivo de reforçar a aprendizagem dos conceitos geométricos relacionados à congruência de figuras e ao estudo do plano cartesiano. 149 CAPÍTULO 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Em nosso trabalho procuramos desenvolver investigações referentes ao ensino das Transformações Geométricas nas reformas curriculares brasileiras de Matemática para o Ensino Fundamental desde 1930, quando a Matemática se consolidava como uma disciplina escolar do ensino secundário, até 2010, quando o Currículo de São Paulo foi implementado. Assim, procuramos analisar as reformas educacionais para o ensino de Matemática desde o período em que se inicia no Brasil o primeiro movimento de modernização do ensino dessa disciplina nas escolas secundárias até o contexto atual, objetivando identificar e compreender as finalidades por meio das quais o ensino do conteúdo Transformações Geométricas foi prescrito nos currículos de Matemática para os anos finais do Ensino Fundamental. Procuramos alicerçar nossas investigações em princípios relacionados à história das disciplinas, um campo de pesquisa que nos permite estudar o desenvolvimento dos conteúdos escolares, mediante a análise dos currículos, de programas de instrução, entre outras fontes documentais. Como em nosso trabalho examinamos mais especificamente as recomendações dos currículos brasileiros prescritos para o ensino das transformações, procuramos também fundamentar nossos argumentos no campo da história dos currículos, o qual nos possibilita refletir acerca das finalidades dos currículos no ensino dos conteúdos escolares. Pode-se considerar nossa pesquisa também relacionada ao campo da História Nova. Para melhor compreender os pressupostos das reformas curriculares para o ensino desse conteúdo, analisamos os aspectos que precederam suas implementações, bem como fatores relacionados aos dois movimentos de modernização da Matemática secundária, os quais desencadearam reestruturações significativas nos programas curriculares para adequar o ensino de Matemática às necessidades do público estudantil das escolas secundárias, procurando descrevê-los em nosso trabalho por meio de sínteses que nos permitissem associar esses aspectos às recomendações das reformas para o ensino das transformações. Desenvolvemos nossa pesquisa com a finalidade de determinar respostas para duas questões que nos permitiram elaborar nossos procedimentos investigativos. A primeira questão que contempla as nossas investigações é: 150 Quais são as indicações para o ensino das Transformações Geométricas para os anos finais do Ensino Fundamental, segundo currículos prescritos de Matemática no período de 1930 a 2000? Em nosso estudo verificamos a importância de Felix Klein nos processos de ensino das Transformações Geométricas por meio de funções, com ênfase na aprendizagem dos alunos. No Brasil as indicações de Felix Klein e do IMUK foram introduzidas no ensino secundário por meio dos programas de Matemática do Colégio Pedro II em 1929 e na Reforma Francisco Campos em 1931. As recomendações da Reforma Francisco Campos sugerem para o professor desenvolver o estudo de simetria de reflexão, de simetria de rotação, de translação e de homotetia no 1.º ciclo utilizando essas transformações para movimentar figuras geométricas no plano cartesiano, destacando os aspectos funcionais que possibilitam relacionar uma figura a outra congruente, obtida por transformação. Reiteramos que a Reforma Capanema de 1942 foi marcada pela oposição dos professores secundários aos princípios de fusão das três áreas da Matemática, bem como ao ensino simultâneo dos conteúdos matemáticos. Talvez esse seja um motivo pelo qual o estudo das “funções” é excluído dos conteúdos matemáticos no 1.º ciclo do ensino secundário. Dessa maneira, os temas relacionados ao ensino da Geometria intuitiva, enfatizados na Reforma Francisco Campos por meio do estudo das Transformações Geométricas, foram reduzidos. Apesar disso, o ensino das Transformações Geométricas permanece no currículo Capanema, mas reduzido ao estudo da transformação translação – prescrito no programa de Matemática para a terceira série do 1.º ciclo. Assim, a “translação” passou a ter uma abordagem não funcional. Nessa reforma o estudo de translação se desenvolve por meio de procedimentos geométricos, com ênfase no deslocamento e nas construções de figuras planas com régua e compasso. Em contraposição às orientações da Reforma Francisco Campos, as indicações da Reforma Capanema propõem para o professor desenvolver o ensino das transformações com ênfase na visualização dos conceitos geométricos, sem a utilização de funções. Na Reforma Simões Filho de 1951 permanece o mesmo ideário para o ensino das transformações proposto pela Reforma Capanema, ou seja, propor o estudo da transformação geométrica translação sem destacar o seu aspecto funcional. 151 No Movimento da Matemática Moderna retoma-se o enfoque ao estudo das transformações sob o ponto de vista de Felix Klein, pois retoma-se a importância do ensino dos conceitos geométricos partindo-se de transformações de figuras no plano. Entretanto, o Movimento da Matemática Moderna tem como foco maior ênfase no objeto matemático, a sua formalização e no uso das estruturas algébricas. Os Guias Curriculares de São Paulo (1975) contemplam as indicações do MMM para o ensino das Transformações Geométricas. Nos Guias são estudadas as propriedades do grupo das isometrias e as características funcionais da transformação homotetia. As recomendações desse documento sugerem ao professor relacionar as transformações de figuras ao conceito de função para viabilizar o estudo de congruência e de semelhança. Na Proposta Curricular de São Paulo (1988) a ênfase ao ensino das Transformações é reduzida ao mínimo, muito provavelmente por ter como pressuposto a negação ao MMM. No entanto, os materiais que subsidiam essa Proposta – os manuais Experiências Matemáticas – valorizam as Transformações Geométricas, parecendo uma contradição às recomendações desse documento para o estudo de Geometria. As orientações didáticas dos manuais Experiências Matemáticas sugerem para os educadores o desenvolvimento do ensino das transformações não por via funções, mas por meio de materiais concretos e por meio de construções geométricas. Por sua vez, nos PCN há indicações nítidas sobre a importância do ensino das transformações no currículo do Ensino Fundamental dando ênfase à utilização de isometrias para o estudo de congruência e também à homotetia no estudo de semelhança. Nesse documento, são recomendadas manipulações experimentais de figuras planas construídas com folhas de papel e também com régua e compasso, com o objetivo de possibilitar aos alunos caracterizar as propriedades geométricas dessas figuras. Para o estudo da homotetia são indicadas atividades práticas por meio das quais os alunos podem manipular diversas ilustrações de objetos reais e fotografias ampliadas ou reduzidas proporcionalmente em relação às suas representações originais. A segunda questão que norteia nossa pesquisa e que objetivamos responder é a seguinte: 152 Quais são as indicações do Currículo de São Paulo (2010) para o ensino e aprendizagem das Transformações Geométricas nos anos finais do Ensino Fundamental? O Currículo de São Paulo (2010) procura contemplar diversas pesquisas da Educação Matemática. Dessa maneira, as indicações desse documento para o ensino de Geometria explicitam para os educadores as influências dos estudos produzidos por pesquisadores desse campo nos processos de ensino e de aprendizagem das Transformações Geométricas nos anos finais do Ensino Fundamental. Nessa perspectiva, as indicações do currículo enfatizam para os professores que a experimentação é um recurso imprescindível a ser utilizado no estudo das transformações de figuras. Assim, o Currículo de São Paulo (2010) prescreve o ensino das Transformações Geométricas com o objetivo de permitir aos alunos desenvolver experimentalmente os conceitos geométricos a partir da identificação e da análise das propriedades das figuras planas que sofrem transformações. As orientações desse documento recomendam ao professor desenvolver o estudo de simetria axial, de simetria rotacional, de translação e de homotetia por meio da proposição de atividades empíricas nas quais essas transformações são utilizadas com o objetivo de auxiliar os alunos no estudo das propriedades das figuras geométricas. Nos Cadernos, o estudo das Transformações Geométricas se desenvolve com ênfase na representação e na construção de figuras planas. Nas atividades propostas pelas indicações dos Cadernos, os alunos devem representar as figuras geométricas, seus deslocamentos, suas simetrias e suas ampliações e reduções, utilizando materiais como folhas de papel, tesoura, régua, compasso, ou até mesmo softwares de Geometria Dinâmica. Esse processo tem a finalidade de habilitar os alunos a estudar a congruência das figuras transformadas por simetrias e por translação. Objetiva-se também introduzir o conceito de semelhança por meio da construção de figuras geométricas por homotetia. As indicações do Currículo sugerem ao professor discutir com os alunos o conceito de Transformação Geométrica e suas aplicações em diferentes contextos de aprendizagem, procurando desenvolver o estudo das transformações de forma abrangente, por meio da qual o aluno pode formular concepções e construir significados importantes para o desenvolvimento de sua aprendizagem. 153 Para atingir esse objetivo são recomendadas atividades de aprofundamento nas quais o professor deve propor para os alunos que realizem sucessivas transformações em figuras geométricas e descrevam, por meio de relatórios, as propriedades das figuras que não sofrem alterações sob a aplicação de transformações. Também são recomendadas atividades de transformação de figuras com o objetivo de auxiliar os estudantes na recuperação das aprendizagens dos conceitos geométricos. O Currículo de São Paulo, em relação ao ensino das Transformações Geométricas, apesar de não se contrapor às orientações dos manuais Experiências Matemáticas e dos PCN, avança propondo novas metodologias, a utilização de softwares de Geometria Dinâmica e o estudo das transformações, sobretudo o estudo das isometrias. Este estudo mostra que o ensino das Transformações Geométricas foi enfatizado na Reforma Francisco Campos e, sobretudo, nos programas curriculares que contemplavam os pressupostos do Movimento da Matemática Moderna. No entanto, o estudo das transformações também está presente nas reformas educacionais implementadas em períodos posteriores ao Movimento da Matemática Moderna, inclusive na Proposta Curricular de São Paulo de 1988, nos PCN e no atual Currículo de São Paulo – currículos que não tinham como pressuposto a adoção do Movimento da Matemática Moderna. A diferença está nas abordagens didáticas pelas quais o ensino das Transformações Geométricas se desenvolve nessas reformas: transformações de figuras planas que são estudadas com ênfase nas propriedades do grupo das isometrias, bem como na caracterização dos aspectos funcionais dos elementos desse grupo, ou, então por meio de medições e construções com régua e compasso. Analisando as orientações dos currículos atuais para o ensino das transformações, podemos notar que as isometrias são estudadas com o objetivo de possibilitar aos alunos explorar as características e as propriedades geométricas das figuras no plano, identificando os invariantes das figuras que são movimentadas por meio de transformações e utilizando-se de diferentes maneiras de manipulação, tais como dobraduras e softwares de Geometria Dinâmica. Finalizamos nosso trabalho ressaltando que novas investigações referentes ao estudo das Transformações Geométricas podem ser realizadas por pesquisadores atuantes no campo da História da Educação Matemática. Essas investigações podem ser elaboradas a partir da análise de outros temas que não foram adequadamente enfatizados nesta pesquisa, tais como as 154 relações entre o ensino do conteúdo Transformações Geométricas e as práticas educativas relacionadas à cultura escolar, os pressupostos dos programas curriculares do Ensino Médio para o desenvolvimento do ensino desse conteúdo em tempos passados e também no contexto atual, bem como a apropriação desse conteúdo pelos alunos durante os movimentos modernizadores da Matemática secundária. 155 REFERÊNCIAS ARAÚJO DE OLIVEIRA, M. C.; LEME DA SILVA, M. C.; VALENTE, W. R. O Movimento Da Matemática Moderna: história de uma revolução curricular. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora, 2011. 190 p. ARAUJO, R. S. 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