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VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: NOVO ESPAÇO DE EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL PARA O
SERVIÇO SOCIAL
Cilene Telis de Oliveira1
Mary Luisa de Freitas Paixão2
RESUMO
Com o crescente número de casos de violência doméstica e familiar, surge um novo
espaço de experiência profissional para o Serviço Social. Esta pesquisa busca analisar
este novo espaço, através de uma investigação focalizada no Projeto Piloto da POLÍCIA
CÍVIL DE MINAS GERAIS – PCMG denominado “Dialogar”, desenvolvido pela Delegacia
de Atendimento a Mulher – DEAM, situada em Belo Horizonte, o qual realiza o
acolhimento e acompanhamento de forma humanizada às mulheres em situação de
violência doméstica, aplicando métodos alternativos para resolução de conflitos entre
a vítima e seu agressor. Verificar os resultados alcançados pelo Projeto Dialogar e
responder qual contribuição o assistente social pode dar ao projeto.
Metodologicamente fundamentou-se em dados qualitativos fornecidos pela PCMG e
na Co-investigação para identificação dos principais tópicos dos problemas levantados
pelos usuários, averiguando o olhar das vítimas que sofrem agressões.
Palavras-chave: Violência Doméstica. Prática Profissional. Serviço Social. Projeto
Dialogar.
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Aluna do 5º período do Curso de Serviço Social – Faculdade Novos Horizontes – Belo
Horizonte/MG - Brasil. Estagiando na Associação Crescer – Nova Contagem/MG.
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Aluna do 5º período do Curso de Serviço Social – Faculdade Novos Horizontes – Belo
Horizonte/MG - Brasil. Estagiando na Associação Crescer - Nova Contagem/MG.
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INTRODUÇÃO
Nos últimos anos vem crescendo o número de casos de violência doméstica e familiar,
muitos destes reincidentes, pois a maioria das mulheres continua a manter um
convívio familiar com os seus agressores, seja por intenção de dar continuidade ao
relacionamento afetivo, pelo fato de uma das partes envolvidas não conformar-se com
o fim do relacionamento, seja por necessidades financeiras. A fim de prevenir, punir e
erradicar a violência contra a mulher, em 2006, foi promulgado a Lei Nº 11.340,
também conhecida como Lei Maria da Penha. Amparadas pela referida lei, as mulheres
vítimas de violência podem buscar, além de proteção, a efetivação de seus direitos
junto às Delegacias de Atendimento à Mulher, onde geralmente é realizado o registro
das ocorrências, investigação das mesmas e, quando necessário, solicitado a aplicação
das Medidas Protetivas. Quanto ao agressor, são tomadas medidas paliativas, dentre
elas a persecução penal, podendo ser de ordem privada ou pública, desprovendo-o de
um suporte social mediado por ações interdisciplinares.
Tendo em vista que a própria Lei 11.340/06, em seus artigos 30 e 35, inciso IV, prevê
programas e campanhas de enfrentamento à violência doméstica e familiar, emergem
novos atores objetivando resolver e ajudar a refletir sobre a violência doméstica e
familiar, como o Projeto piloto da Polícia Civil de Minas Gerais - PCMG, implantado em
2011, denominado “Dialogar”. O projeto tem como escopo buscar romper com o ciclo
de violência doméstica, através de um acompanhamento humanizado oferecido às
vítimas e também ao agressor, mediante o diálogo e o relacionamento interpessoal,
contando com o trabalho de psicólogos e assistentes sociais. O profissional em Serviço
Social insere-se no Projeto Dialogar, atuando junto aos conflitos relativos à violência
doméstica e familiar, tendo em vista, sua capacidade instrumental e metodológica em
lidar com questões interpessoais. Tal profissional é encarado como “utilizador das
técnicas de base científica, nos problemas do ajustamento do homem à coletividade e
de integração do mesmo em si próprio” (IAMAMOTO; CARVALHO, 2012:351).
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Este artigo tem como foco o estudo do Projeto Dialogar, sob a perspectiva do Serviço
Social, considerando-o como espaço de atuação do Assistente Social diante da
multiplicidade de situações de violência em que os usuários das Delegacias de
Atendimento às Mulheres apresentam e, principalmente da necessidade de
intervenção a fim de que a convivência familiar possa ser mantida.
Nesta ordem será apresentado um aparato crítico versando sobre a violência
doméstica e a aplicação da Lei Maria da Penha sob a perspectiva dos princípios da
justiça restaurativa; o estudo de caso do Projeto Dialogar e a instrumentalidade do
Serviço Social; conclusões e referências.
Violência Doméstica: Identidade de gêneros
A violência doméstica não é um problema recente, além de atingir todas as classes
sociais. É considerada uma das piores formas de violação dos direitos humanos de
mulheres, “uma vez que extirpa os seus direitos de desfrutar das liberdades
fundamentais, afetando a sua dignidade e autoestima” (PAULA, 2012:03). Com a
constitucionalização dos direitos humanos, foi dado um maior enfoque a este tipo de
violência, já que passou a ser considerado um problema relevante para toda a
sociedade.
Esse tipo de violência é considerado o pior entre as mulheres, estando atrelado aos
conflitos de gênero, ou seja, provenientes das relações entre homem e mulher. Na
sociedade ocidental é remota a construção de um estereótipo da mulher como sendo
objeto ou propriedade do homem, podendo estes usar livremente delas, tendo em
vista a superioridade masculina financeira, social, cultural, etc. Apesar dos idos do
século XXI, permanecem resquícios de homens caracteristicamente dominadores,
conhecedores e mantenedores do poder que lhes fora socialmente legitimado, que
agem e reagem de forma violenta às mulheres, sejam aquelas indefesas, sejam aquelas
que, após assumirem uma postura crítica, não mais se sujeitam ao processo de
dominação masculina.
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A partir, desses conflitos de gênero, crescem os casos de violência doméstica e
familiar, grande parte reincidentes, já que muitas mulheres continuam mantendo um
convívio familiar com os seus agressores, criando-se, assim, sentimentos de
impotência, quando a mulher não consegue manifestar sua indignação ou mesmo
quando não se faz ouvida pelo seu agressor, mantendo-se um aparente
relacionamento feliz.
No decorrer dos anos, as teorias que explicam o abuso, onde está incluída a violência
doméstica, e os aspectos que os envolvem sofreram evolução. De acordo com
Magalhães (2010), com as últimas alterações do Código Penal, violência doméstica
define-se como:
Violência que se pratica no seio da relação familiar em sentido amplo,
independentemente, do gênero e idade da vítima ou do agressor. [...] Estes
comportamentos podem ser exercidos de forma direta ou indiretamente
sobre a vítima, sendo maus tratos físicos ou psicológicos, incluindo castigos
corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais. (MAGALHÃES, 2010:22)
A partir do movimento feminista dos anos 70 e da visibilidade social da luta das
mulheres, deflagrou-se uma mobilização da sociedade a despeito das relações entre
família e violência, o que resultou na conquista da inclusão do parágrafo 8º do artigo
226 da Constituição Federal Brasileira, o qual coíbe a violência doméstica. “A
publicização da violência que ocorre no âmbito doméstico, obrigou-nos a entrar em
contato com a triste realidade de que a casa é, como sempre foi, também um lugar de
risco” (MIOTO, 2003: 97).
Para entender a problemática da violência doméstica, a partir dos conflitos de gênero,
é necessária uma análise sobre os processos de socialização e sociabilidade, assim
como o que significa ser homem na sociedade ocidental. Os homens, geralmente, são
educados a fim de responder a expectativas sociais, de maneira proativa. Para tanto, o
risco e a agressividade não devem ser evitados, e sim experimentados cotidianamente.
Segundo o Programa de Prevenção, Assistência e Combate à Violência Contra Mulher
(2003: 21), “A noção de autocuidado, em geral, é substituída por uma postura
destrutiva e autodestrutiva. Essa noção se desenvolve de diferentes maneiras e em
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diferentes lugares: nas brincadeiras infantis [...] ruas, bares, casa [...] na guerra...”. Não
importa o local, o que importam são os mecanismos de brutalidade que levarão os
homens a tornarem-se homens, tendo em vista que a violência é, em sua maioria, uma
manifestação característica do sexo masculino para resolução de conflitos. A
associação da masculinidade ao poder e à violência se constrói e se reproduz nas
relações sociais no trabalho, na família, no cotidiano, etc.
A violência contra as mulheres pelo simples fato de serem mulheres – a
violência de gênero – marcou a história das mulheres. Usar da violência para
submeter o feminino (matar em defesa da honra; estuprar; agredir
fisicamente, etc.) é algo que tem sido permitido ao longo de nossa história
legal. (STREY et al, 2004:71)
Entretanto, para Mioto (2003:102), para o agir profissional no âmbito da violência
doméstica não basta saber da existência dos elementos que constroem este
fenômeno, nem as teorias explicativas que lhes dão sustentação. “É necessário um
conhecimento profundo do objeto sobre o qual se trabalha, para que se possa captar
todas as inter-relações possíveis entre as diferentes dimensões e a forma como elas se
articulam”. Desta forma se estabelecerão condições para o desenvolvimento de ações
profissionais numa perspectiva crítica, visando o fim deste tipo de violência.
Lei Maria da Penha sob a perspectiva dos princípios da justiça restaurativa
Neste contexto de violência contra mulher, conflitos de gênero e justiça, se insere o
sistema judiciário. Nas legislações pretéritas, especificamente no Código Civil, uma das
omissões mais protuberante é relativa à violência doméstica: “o Legislador deixou de
cumprir o comando Constitucional que impõe a criação de mecanismos para coibir a
violência no âmbito das relações familiares” (DIAS, 2007:103). Como forma de
preencher esta lacuna, foi promulgada a Lei Nº 11.340, de 07 de agosto de 2006,
também denominada Lei Maria da Penha, criando mecanismos para coibir a violência
doméstica e familiar contra a mulher, conforme previsto na Constituição Federal em
seu artigo 226, parágrafo 8º: “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de
cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de
suas relações”.
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A Lei 11.340/2006, em seu artigo 6º, pontua a violência doméstica e familiar contra a
mulher como uma das formas de violação dos direitos humanos, classificando-a em:
- Violência Física: agressões físicas cometidas através de socos, chutes, murros,
queimaduras e até mesmo com o uso de armas de fogo e facas;
- Violência Patrimonial: prejuízos ao patrimônio por meio da destruição do patrimônio,
de objetos e até mesmo documentos;
- Violência Sexual: através do uso da força, o agressor obriga a vítima a manter
relações sexuais contra sua vontade;
- Violência Moral: aquela que causa à vítima constrangimento, como calúnias,
difamação ou insulto;
- Violência Psicológica ou Emocional: é toda forma de insulto aos valores morais,
muitas das vezes apresentada de forma silenciosa e que pode deixar marcas
profundas, tendo, ainda, a característica de ser acumulativa e constante.
Em seu artigo 8°, a Lei Maria da Penha determina que a assistência à mulher em
situação de violência doméstica e familiar se dará por medidas integradas de
prevenção, ou seja, políticas públicas visando coibir este tipo de violência, mediante
articulação entre União, Estado, Distrito Federal, municípios e ações não
governamentais. A implementação de atendimento policial especializado para
mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher, na qual se insere o
objeto desta pesquisa, é uma das diretrizes constituída a partir das medidas integradas
de prevenção descrita acima. Prevê expressamente a necessidade de prestação de
atendimento multidisciplinar voltado para a ofendida, o agressor e os familiares, assim
como, a implementação de programas de enfrentamento da violência doméstica e
familiar, conforme seus artigos 30 e 35, inciso IV.
Art. 30. Compete à equipe de atendimento multidisciplinar, entre outras
atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer
subsídios por escrito ao juiz, ao Ministério Público e à Defensoria Pública,
mediante laudos ou verbalmente em audiência, e desenvolver trabalhos de
orientação, encaminhamento, prevenção e outras medidas, voltados para a
ofendida, o agressor e os familiares, com especial atenção às crianças e aos
adolescentes.
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Art. 35. A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios poderão
criar e promover, no limite das respectivas competências:
IV - programas e campanhas de enfrentamento da violência doméstica e
familiar.
A fim de dar o devido atendimento às mulheres vítimas da violência doméstica e
familiar, observa-se, por este estudo, que uma possibilidade de atuação se dá por meio
dos princípios da Justiça Restaurativa. A busca de diálogo entre vítima e ofensor é,
segundo Vasconcelos (2008: 126), uma das formas de expressões mais antigas da
Justiça Restaurativa, sendo um resgate de práticas imemoriais da Nova Zelândia, da
Austrália, de regiões do Canadá e de outras tradições, ao contrário do Brasil, onde são
recentes as experiências.
Ainda de acordo com Vasconcelos (2008: 127), o Relatório do Instituto Latino
Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do
Delinquente, traz a definição mais consensual de Justiça Restaurativa, sendo aquela
constante da Resolução 2002/12, emitida pelo Conselho Econômico e Social (ECOSOC),
da Organização das Nações Unidas (ONU), na qual foram descritos os princípios básicos
para o desenvolvimento de programas de Justiça Restaurativa em matéria criminal.
Assim, Justiça Restaurativa é todo o programa que se vale de “processos restaurativos
para atingir resultados restaurativos”. Processos restaurativos – a exemplo da
mediação, da conciliação, das conferências em grupos familiares, dos círculos de
sentença e das aulas de relacionamento para ofensores compreenderem as vítimas –
seriam aqueles nos quais as vítimas e os ofensores afetados pelo crime, participam
juntos na resolução das questões provocadas pelo crime, com a ajuda de um
facilitador, que seria uma terceira pessoa, independente e imparcial, cuja tarefa é
fomentar uma via de comunicação entre as partes em conflito.
A Justiça Restaurativa, segundo Umbreit (2007: 67), se apresenta como inovação de
pensamento a respeito do crime e a vitimização. Ressalta a importância em se
conceber a participação das vítimas do crime e mesmo da comunidade, culpando os
criminosos frente às pessoas que eles lesaram, restaurando as perdas emocionais e
materiais da vítima, permitindo que os ofensores assumam a responsabilidade por
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seus atos, assistindo-se às vítimas no caminho para a superação da sensação de
vulnerabilidade e para se atingir um desfecho do conflito. Nota-se que na Justiça
Restaurativa utiliza-se mais as forças das vítimas e dos ofensores e menos as suas
fraquezas, o que se observa ser extremamente importante para o tratamento de
vítimas de violência doméstica e os seus ofensores que, em última análise, dificilmente
deixarão de fazer parte da vida e da convivência familiar.
Assim, o projeto que passaremos a analisar, apresenta-se como uma incipiente
experiência na área da Justiça Restaurativa e como frutífero campo de atuação do
profissional em Serviço Social. Trata-se do Projeto Dialogar, o qual se segue.
Projeto Dialogar3 e a Instrumentalidade do Serviço Social
Partindo do pressuposto da Justiça Restaurativa, a Polícia Civil de Minas Gerais, na
cidade de Belo Horizonte, especificamente, na Delegacia Especializada de Atendimento
à Mulher (DEAM), iniciou, em 2011, o Projeto piloto Dialogar, executando medidas que
oferecem respaldo social através de manifestações intersetoriais, tendo como objetivo
central o término do ciclo de violência doméstica e familiar, através da acolhida
humanizada à vítima e ao seu ofensor, tendo como mecanismos de atuação os
recursos de oitiva e comunicação interpessoal. Através da construção do diálogo entre
todos os envolvidos nas desordens familiares, oferecendo-lhes a possibilidade de criar
novas histórias, longe de situações conflitantes, busca-se a pacificação social e a
reincidência.
Percebe-se que o Projeto Dialogar (2011), acolhendo os direcionamentos da Lei
11.340/2006, reconhece a importância do trabalho multidisciplinar, pois conta com a
participação de vários atores, dentre eles o profissional em Serviço Social, que utiliza
sua instrumentalidade, sua dimensão teórico-metodológica na adoção do diálogo
entre vítima e ofensor. O referido Projeto adotou a seguinte frase: “Dialogar para
prevenir, aproximar para construir”, ou seja, denota-se a finalidade de facilitar a
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As informações referentes ao Projeto Dialogar foram obtidas diretamente da direção do
Projeto junto Divisão Especializada ao Atendimento à Mulher, ao Idoso e ao Deficiente, da
Policia Civil do Estado de Minas Gerais.
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comunicação fazendo com que os próprios envolvidos reflitam sobre a questão da
violência.
Ao abordar o tema instrumentalidade no exercício profissional do Assistente Social, a
primeira percepção que se tem é de que este assunto limita-se a algo relativo aos
instrumentos necessários para uma ação profissional, através dos quais, o profissional
atinge suas finalidades. Entretanto, ao averiguar o termo instrumentalidade, verifica-se
que este se refere à capacidade, qualidade ou propriedade adquirida pelo profissional
no interior das relações sociais:
[...] uma reflexão mais apurada sobre o termo instrumentalidade nos faria
perceber que o sufixo “idade” tem a ver com a capacidade, qualidade ou
propriedade de algo. Com isso podemos afirmar que a instrumentalidade no
exercício profissional, refere-se, não ao conjunto de instrumentos e técnicas
(neste caso, a instrumentação técnica), mas a uma determinada capacidade
ou propriedade constitutiva da profissão, construída e reconstruída no
processo sócio-histórico (GUERRA, 2000: 01).
No Projeto Dialogar (2011), a capacidade adquirida pelo profissional transforma as
relações sociais do cotidiano das partes envolvidas na violência doméstica, ou seja, “a
instrumentalidade é a condição do reconhecimento social profissional” (GUERRA,
2000: 02). Questões que demandam a intervenção do Assistente Social, tal qual a
violência doméstica, consistem em um conjunto de elementos alteráveis,
imprevisíveis, pleitos que exigem operacionalizações flexíveis e individualizadas, assim
sendo, demandam um profissional qualificado e capacitado para intervir junto a estas
necessidades:
O desenvolvimento das forças produtivas e as relações sociais engendradas
nesse processo determinam novas necessidades sociais e novos impasses
que passam a exigir profissionais especialmente qualificados para o seu
atendimento, segundo os parâmetros da racionalidade e eficiência inerentes
à sociedade capitalista (IAMAMOTO; CARVALHO, 2012: 83).
O Serviço social emergiu na história como profissão fundamentada na intervenção,
tendo em vista, que a mesma, visa proporcionar modificações no cotidiano da vida
social dos indivíduos atendidos. A ação profissional dos Assistentes Sociais em
demandas familiares, inclusive na questão da violência, se apresenta desafiadora aos
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profissionais do Serviço Social, entretanto, estes vêm avançando com muita acuidade e
competência.
Análise de Resultados
As considerações a seguir são resultados da pesquisa oriunda do Projeto
Interdisciplinar, realizada por alunas do Curso de Serviço Social da Faculdade Novos
Horizontes, em Belo Horizonte, sob a orientação da Professora, Adriana Maria da
Costa4, durante as aulas da disciplina Desenvolvimento Capitalista e a Questão Social,
resultando, também na orientação deste artigo. O estudo foi realizado junto ao
Projeto Dialogar, na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, composta por
uma equipe multidisciplinar no atendimento às mulheres em situação de violência
doméstica.
Os mentores do Projeto Dialogar, servidores da DEAM/PCMG, vinham realizando
análise a respeito da violência doméstica e intrafamiliar, e constataram que mulheres
vítimas de agressões são constantemente revitimizadas por seus agressores. Assim, ao
ofertar os serviços através do Projeto Dialogar que se utiliza de ações de amparo
humanizado à vítima e ao seu agressor, utilizando-se de técnicas como a escuta ativa, a
comunicação interpessoal e a facilitação do diálogo, acreditam ser esta a única saída
para que as pessoas envolvidas possam irromper com os ciclos de violência doméstica
e intrafamiliar, devido à carência de atenção na Rede de Violência contra a Mulher.
Na prática, o atendimento realizado no Dialogar é incidental à instauração do Inquérito
Policial, de modo a identificar as subversões, as razões das mesmas, os interesses em
jogo, assim como as alternativas de resolução pacífica, com o intuito de se prevenir
ocasional reincidência. Uma vez efetuada a queixa na Delegacia de Mulheres, em Belo
Horizonte, a mulher é encaminhada ao Centro Integrado de Atendimento à Mulher CIAM, para o acolhimento, a assistência jurídica, psicológica e social, de forma a
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A Professora Adriana Maria da Costa é docente do Curso Serviço Social da Faculdade Novos
Horizontes, Doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais na área de
Mediação de Conflitos e Desigualdade Social. É Coordenadora Metodológica do Projeto
Dialogar da Polícia Civil de Minas Gerais. Lattes: http://lattes.cnpq.br/6005396475135819.
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satisfazer-se o ciclo de atendimento multidisciplinar, segundo diretrizes da Lei
11.1340/2006.
A percepção da Assistente Social que atua no Dialogar é de que a violência atinge
todas as classes, raças e etnias, sendo o alcoolismo e as drogas os desencadeadores da
violência. Entretanto, para ela, o desemprego, a situação financeira, e, em especial, a
pobreza e a falta de informação, são agravantes do ciclo de violência que os seus
atendidos vivenciam. Enquanto servidora da Polícia Civil e profissional operadora do
Direito, tem o papel de, nos seus atendimentos, orientar e informar à mulher sobre
seus direitos, esclarecendo sobre cada tipo de violência, a exemplo da ameaça, calúnia,
agressão e, enquanto Assistente Social, busca encorajar a mulher a denunciar, pois a
denúncia é o corte nas diferenças, é um princípio de busca de igualdade entre homens
e mulheres. O Assistente Social lida com a questão da violência doméstica
diferentemente do Policial, por não ter a mesma visão do crime. Ela diz que, ao realizar
os atendimentos, procura ser parceira na resolução de cada caso que lhe é
encaminhado. De qualquer modo, entende que o trabalho do Assistente Social e do
Policial no Dialogar, está intimamente interligado no propósito, qual seja o de resgatar
a dignidade humana.
Já o Psicólogo e Policial Civil que também atua no Dialogar diz que a lei não impedi
uma mulher de sofrer agressões, visto que a dominação masculina é uma coisa cultural
e social, apesar de demonstrar o quão é machista este tipo de comportamento. O
Dialogar busca fortalecer as mulheres, mostrando-lhes que, se elas se sujeitarem a
todo tipo de discriminação, humilhação e violência, não sairão desta situação em que
se encontram, pois o medo apenas corrobora com a dominação e o chauvinismo.
Os dois servidores percebem que a Justiça Restaurativa tem sido um método inovador,
preocupada mais com a reparação das emoções da vítima e da sociedade, do que com
a guarda do ofensor, atuando para que este perceba o delito e o mal que ocasionou a
outras pessoas e, quando possível, procura corrigir situações muito mais do que
valorizar a punição. É como constatado na entrevista com a Assistente Social:
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[...] a justiça restaurativa é educativa e repressiva no combate a violência no
sentindo de romper as barreiras do silêncio e da cumplicidade. [...] a
Delegacia de Atendimento à Mulher constitui um mecanismo importante no
momento atual brasileiro [...] como instância educativa através do diálogo,
buscando acertos, que serão apreendidos através dos erros cometidos. (E
em entrevistada 3).
Algumas mulheres atendidas no Dialogar foram entrevistadas com o propósito de se
verificar como se dá a intervenção do Assistente Social no Projeto Dialogar.
Primeiro, observou-se que o Assistente Social, por meio da escuta ativa nas
entrevistas, busca entender a dinâmica da violência sofrida pela mulher atendida, a
sua origem, as causas, os tipos de violência implícitos ou explícitos, os sentimentos e as
pessoas envolvidos além do perfil do agressor. A maioria dos atendimentos se refere
às mulheres agredidas pelos próprios maridos ou ex-companheiros:
[...] no começo do casamento, tudo era ótimo, sabe, ele era atencioso,
preocupado, depois foi mudando [...] começaram a brigas, às vezes eu não
sabia o motivo, então veio o primeiro tapa, chute, e meu mundo veio ao
chão. (P. em entrevista 1).
[...] no início a violência era verbal [...] depois ele me bateu [...] batia a
minha cabeça contra a parede [...] foram quatro anos de tormento... no dia
que ele me bateu minhas filhas viram então pedi a separação...não eu não
denunciei...o homem que eu amava é pai das minhas filhas, eu não posso
colocar na cadeia[...]. (A. em entrevista 6).
Constatou-se que o agressor se sente arredio em ingressar no projeto, sua participação
é mais discreta e com certa resistência; a maioria se diz inocente no fato ocorrido. Não
foi possível realizar entrevista com eles.
[...] meu marido também vem nas reuniões, mas ele não gosta muito [...]
está tentando. (P. em entrevista 1).
Observou-se, ainda, que é bem recebida pelas atendidas a intervenção feita pela
Assistente Social em fomentar modificações no cotidiano da vida social dos indivíduos
atendidos, conforme se depreende da entrevista abaixo:
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[...] aqui me sinto mais protegida, minha vida mudou muito [...] agora tenho
esperança de que minha vida vai ser diferente, antes não pensava assim,
agora converso muito com a assistente e o psicólogo, gosto daquela frase
dialogar para prevenir... (P. em entrevista 1).
A ação profissional dos Assistentes Sociais em demandas familiares, inclusive na
questão da violência, apesar de se apresentar desafiadora, tem demonstrado bons
resultados devido à acuidade e competência com que tratam as mulheres e as
questões que lhes são confiadas:
[...] esse projeto é realizado com muito carinho [...] é um novo campo de
autuação para o profissional em serviço social [...] uma oportunidade de se
adquirir novas experiências [...] o Dialogar é uma estratégia no sentindo de
conscientizar a mulher a interromper o ciclo de violência... [...]. (E em
entrevista 3.)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A violência doméstica não é um problema recente, esteve presente em todos os
períodos de nossa história, estando atrelada à questão cultural relativa ao gênero e
seus conflitos. Uma das medidas propostas pela Lei Maria da Penha, para coibir este
tipo de violência, é a implementação de atendimento policial especializado para
mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher, na qual se insere o
objeto desta pesquisa. Observa-se que são poucas e insipientes as iniciativas
governamentais a fim de lidar com a situação agravante em que se deparam as
mulheres no Brasil, consideradas como grupo socialmente vulnerável. O Projeto
Dialogar (2011), se utiliza de ações de amparo humanizado não só à vítima, como
também ao seu agressor, tendo como técnicas a escuta ativa, a comunicação
interpessoal e a facilitação do diálogo. Através do Projeto Dialogar (2011), percebeu-se
notoriamente a importância da prática profissional do Assistente Social junto a esta
nova demanda, pois tal profissional está qualificado e capacitado a intervir em
situação
de
conflitos
afetivos,
fomentando
modificações
no
cotidiano
e
transformações na realidade social dos usuários da Delegacia de Atendimento à
Mulher.
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O profissional em Serviço Social insere-se no Projeto Dialogar, atuando junto aos
conflitos relativos à violência doméstica e familiar, tendo em vista, sua
capacidade instrumental e metodológica em lidar com questões interpessoais. Tal
profissional é encarado como “utilizador das técnicas de base científica, nos problemas
do ajustamento do homem à coletividade e de integração do mesmo em si próprio”
(IAMAMOTO; CARVALHO, 2012: 351).
Portanto, verificou-se que o Projeto Dialogar valida e justifica as práticas sociais
desenvolvidas pelos Assistentes Sociais em sua intervenção junto às Delegacias de
Atendimento à Mulher, no que diz respeito tanto ao acolhimento da mulher em
situação de violência doméstica, quanto ao agressor, concomitante com programas
alternativos voltados para a ofendida, o agressor e os familiares, visando o
enfrentamento a este tipo de violência e todo o contexto social e, assim, promovendo
justiça. Por ser um Projeto ainda piloto, espera-se que possa ser consolidado e
expandido para as demais Delegacias de Atendimento à Mulher no Estado de Minas
Gerais e, por que não, a outros Estados da Federação.
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REFERÊNCIAS
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juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher e dá outras providências.
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violência doméstica e de gênero : construindo políticas públicas / Secretaria Especial
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Violência doméstica: novo espaço de experiência - cress-mg