A Rosa do Povo
Carlos Drummond de Andrade
“Já não tenho medo de escravizar-me à vida”
I. O Movimento
• Fase de “consolidação”
• Estabilização das conquistas novas
• Recuo quanto às propostas mais radicais
• Equilíbrio no uso do material lingüístico, em termos de normas
de linguagem.
• Generalização e aprofundamento da mistura de estilos.
• Preocupação existencial de pretensões universalistas.
• Imagens arrojadas ou oníricas.
• Envolvimento do escritor na problemática social.
• Reflexão da poesia sobre a própria poesia.
II. O Autor
• “eu maior que o mundo”
• marcada pela ironia \ vê conflitos de longe e sem envolvimento
• texto objetivo, seco, versos curtos e descarnados
• Alguma Poesia e Brejo das Almas
• “eu menor que o mundo”
• poesia social , tem com temas a política, a guerra e o sofrimento
do homem
• desabrocha o sentimento de solidão, marcado pela impotência
do homem, diante de um mundo frio e mecânico, que o reduz a
objeto.
• Sentimento do Mundo e Rosa do Povo
• “eu igual ao mundo”
• poesia metafísica
• interrogações e negações que conduzem o homem ao vazio e
ao desencanto
• Claro Enigma
“Rapazes, se querem que a literatura tenha algum préstimo
no mundo de amanhã (o mundo melhor que, como todas as
utopias, avança inexoravelmente), reformem o conceito de
literatura. Já não é possível viver no clima das obras-primas
fulgurantes e... podres, e legar ao futuro apenas esse saldo
dos séculos. Reformem a própria capacidade de admirar e de
imitar, inventem olhos novos ou novas maneiras de olhar,
para merecerem o espetáculo novo de que estão
participando.”
“Poesia é participação na vida, identificação com os ideais do
tempo (e esses dias existem sempre, mesmo sob as mais
sórdidas aparências de decomposição), curiosidade e
interesse pelos outros homens, apetite sempre renovado em
face das coisas, desconfiança da própria e excessiva riqueza
interior, eis aí algumas indicações que permitirão talvez ao
poeta deixar de ser um bicho esquisito para voltar a ser
simplesmente homem.”
Drummond
“No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.”
 A imagem da “pedra no meio do caminho” constituiu-se em
seu símbolo mais marcante, pois o cerne da poesia de
Drummond contém, insistente, a expressão do impasse, da
dificuldade, do obstáculo, da frustração, de nãotranscendência.
 Todos esses sentidos estão presentes na indiferença da
pedra.
III. A Obra (1945)
• Possui 55 poemas
• Entre as diversas vertentes do livro, privilegiamos o poeta de
ação, o realismo social e a metalinguagem, alternando a
solidariedade da palavra poética para com o homem do povo
e seu fechamento, e a consciência da “crise da poesia”.
“A poesia é a linguagem de certos instantes, e sem dúvida os
mais densos e importantes da existência.”
“... obra que, de certa maneira, reflete um “tempo”, não só
individual mas coletivo no país e no mundo.
• A rosa do povo representa, na poesia de Drummond, uma
tensão entre a participação política e adesão às utopias
esquerdistas, de um lado, e a visão cética e desencantada,
de outro lado.
• Não devemos entender esta duplicidade (esperança versus
pessimismo) como contraditória.
• Toda a obra do autor (incluindo-se aí a amplitude de assuntos
da mesma) é marcada por uma visão caleidoscópica,
polissêmica.
• Embora os temas se entrelacem e o embaralhamento seja
inevitável, é possível identificar os seguintes conjuntos:
• O choque social, o engajamento “na praça dos convites”: os
de números 5, 7, 25, 30, 31, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49 e 50,
num total de 13 poemas.
• O indivíduo, o “eu todo retorcido”: os de números 3, 6, 8, 9,
10, 12, 23, 28, 33, 40, 41, 51 e 53, num total de 13 poemas.
• Fechamento do discurso, levando em conta certas
afinidades formais, o poema geralmente curto, anti-retórico,
marcado por certa negatividade, certa “aporia”, e pela
freqüente tematização do tempo: os de números 13, 14, 15,
16, 17, 18, 19, 20, 21, 22 e 26, num total de 11 poemas.
.
• Memórias, reunindo o que, na demarcação do poeta,
correspondente a “terra natal” (“uma província: esta”) e a
família (“a família que me dei”): os de números 11, 24, 34, 35,
36, 37, 38, 39, 42 e 52, num total de 10 poemas.
• A própria poesia, “poesia contemplada”, o questionamento
da poesia, a metalinguagem: os de números 1, 2 e 4.
• Amigos, “cantar de amigos”, a poesia de homenagem e de
reconhecimento: os de número 54 e 55.
• Amor, “amar-amaro”, “o conhecimento amoroso”: os de
números 27 29.
• Dramático, a cena poético-teatral, o “ato”: o de número 32.
1. A época – apresenta a postura engajada, socialista e mais humana
do mundo: Cidade prevista; Carta a Stalingrado; Com o Russo em
Berlim.
Nosso Tempo
“Este é tempo de partido,
tempo de homens partidos.
Em vão percorremos volumes,
viajamos e nos colorimos.
A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua.
Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos.
As leis não bastam. Os lírios não nascem
da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se
na pedra. (...)”
“(...) O poeta
Declina de toda responsabilidade
Na marcha do mundo capitalista
E com suas palavras, instituições; símbolos e outras armas
Promete ajudar
A destruí-lo
Como uma pedreira, uma floresta,
Um verme.”
• “Nosso tempo” é um longo poema composto de oito blocos, e
constitui um amplo painel da alienação contemporânea, do
homem da rua oprimido pelo capitalismo e pela sociedade de
massa.
• O despojamento verbal, reiterando a mistura de homens e
objetos, nivelados e indistintos, serve aqui à descrição
dinâmica da hora do rush e reforça a imagem da alienação
dos “escravos modernos”, prisioneiros de uma identidade
materializada em roupas e objetos pessoais.
• A descrição do rebaixamento do homem, de sua degradação
no mundo dos bancos, dos cartórios, dos usurários, passa
pela advertência acerca da falsificação da linguagem, na
imprensa diária, na poesia e no romance, diluidores e
comprometidos com o sistema opressor, que corrói todo o
prazer e toda a beleza.
2. Otimismo – é a obra mais otimista do poeta: Passagem da
noite; Áporo; O Elefante, Cidade prevista.
A Flor e a Naúsea
“Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.(...)
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.”
• O poema promove uma intersecção entre o indivíduo, o eu lírico e o choque social.
• O gauche defronta-se com a ‘vida besta’.
• A ‘flor’ é metáfora da poesia (rosa do povo), nascida da
revolta, do ódio, desse tempo de ‘fezes’.
• É uma flor feia, revolucionária, mas é uma flor.
• A ‘náusea’, no sentido que lhe empresta o existencialismo de
Jean-Paul Sartre, é a manifestação violenta da angústia, da
sensação de impotência diante do mundo e da vida.
3. Pessimismo – aparece a visão amargurada e desencantada:
Anoitecer; Passagem do Ano; Morte do Leiteiro.
O Medo
“Em verdade temos medo.
Nascemos escuro.
As existências são poucas:
Carteiro, ditador, soldado.
Nosso destino, incompleto.
E fomos educados para o medo.
Cheiramos flores de medo.
Vestimos panos de medo.
De medo, vermelhos rios
vadeamos.
Adeus: vamos para a frente,
recuando de olhos acesos.
Nossos filhos tão felizes...
Fiéis herdeiros do medo,
eles povoam a cidade.
Depois da cidade, o mundo.
Depois do mundo, as estrelas,
dançando o baile do medo.”
4. Metalinguagem - O poeta sente que sua poesia-rosa deve abrir suas
pétalas para o povo, para o compromisso social
“Não rimarei a palavra sono
com a incorrespondente palavra outono.
Rimarei com a palavra carne
ou qualquer outra, que todas me convêm.
As palavras não nascem amarradas,
elas saltam, se beijam, se dissolvem,
no céu livre por vezes um desenho,
são puras, largas, autênticas, indevassáveis.
Uma pedra no meio do caminho / ou apenas um rastro, não importa.
Estes poetas são meus. De todo o orgulho,
de toda a precisão se incorporavam
ao fatal meu lado esquerdo. Furto a Vinícius
sua mais límpida elegia. Bebo em Murilo.
Que Neruda me dê sua gravata / chamejante. Me perco em Apollinaire.
Adeus, Maiakovski.
São todos meus irmãos, não são jornais
nem deslizar de lancha entre camélias:
é toda a minha vida que joguei.(...)” (Consideração do poema)
 A poesia é um canto pessoal, mas também coletivo.
 A inquietação de Drummond é a oscilação do poeta entre esses
dois lugares.
 Mas a poesia é sempre um canto.
 Um canto de amor, de guerra, de lamúria, mas um canto que ecoa e
sensibiliza.
 Seu poder é imenso: ele penetra todas as esferas da vida, cotidiana
e espiritual.
 Observemos o último verso:
“Tal uma lâmina, o povo, meu poema, te atravessa”.
 Poderíamos inverter a ordem das palavras nos últimos versos:
“Tal uma lâmina, o poema, meu povo, te atravessa”.
 É a crença na redenção do poeta, do homem, do mundo pela
palavra.
 Procura da poesia - O poeta apregoa o primado da
linguagem e das palavras.
“Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão
lírica.
Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro são
indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.
Não cantes tua cidade, deixe-a em paz .
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem; rumor do mar nas ruas junto à linha
de espuma.(...)
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
Há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Aceita-o como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada no
espaço.(...)
Chega mais perto e contempla as palavras.
cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?”
 O poema apresenta um falante que se dirige, em tom professoral,
próprio de quem já refletiu muito sobre o assunto, a um hipotético
interlocutor, que escreve (ou pretende escrever) poesia sem refletir
sobre o "fazer poético".
 O falante se dirige ao interlocutor sempre empregando verbos no
imperativo, na segunda pessoa do singular ("não faças", "não cantes",
"penetra", "convive", "espera", "não forces", "não colhas").
 O interlocutor, no entanto, não tem voz, não contra-argumenta nem
aceita. Apenas ouve!
 O poeta nos ensina que não se faz literatura apenas falando sobre
acontecimentos ou resgatando subjetivamente a infância ou idealizando.
 Literatura não se faz só com idéias e sentimentos: "O que pensas e
sentes, isso ainda não é poesia". "Ainda não é poesia", mas pode vir a
ser.
 Para isso, é preciso penetrar "surdamente no reino das palavras", "lá
estão os poemas que esperam ser escritos".
 Ainda não são poemas, porque "estão paralisados", "sós e mudos, em
estado de dicionário".
 Pensemos: as palavras em estado de dicionário, ou seja, fora de
contexto, têm apenas o sentido denotativo, frio e impessoal.
 Se contemplarmos as palavras atentamente, de perto, perceberemos
que cada uma tem mil faces secretas (conotação) sob a face neutra
(denotação).
 Ora, se juntarmos as duas idéias, entenderemos que poesia não é
apenas falar sobre algo, muito menos colocar palavra ao lado de
palavra.
 Sem melodia e conceito as palavras se refugiam na noite.
 Só há canto, só há poesia, quando as palavras estão carregadas de
melodia e conceito.
 "Não faça versos sobre acontecimentos" - esse primeiro verso, tomado
isoladamente, permite interpretações equivocadas.
 Drummond não está propondo uma poesia alheia aos fatos; ele apenas
reitera o trabalho com a palavra, matéria-prima do poeta.
 No meio do turbilhão, como avaliar os acontecimentos, o que é efêmero,
o que é permanente?
 A poesia pode (e deve) falar de qualquer coisa, mas o que a
sustenta, o que a perpetua é o trabalho com a linguagem.
5. O Amigo –Mário de Andrade desce aos infernos
 Elegia- “Canto fúnebre com acompanhamento de flauta”
 modernamente, poema que homenageia alguém que morreu.
I“Daqui a vinte anos farei teu poema
e te cantarei com tal suspiro
que as flores pasmarão, e as abelhas,
confundidas, esvairão seu mel.
Daqui a vinte anos: poderei
tanto esperar o preço da poesia?
É preciso tirar da boca urgente
o canto rápido, ziguezagueante, rouco,
feito da impureza do minuto
e de vozes em febre, que golpeiam
esta viola desatinada
no chão, no chão.”
 Poucas vezes o sofrimento pela perda de alguém encontrou uma
expressão tão forte como a que se segue:
“No chão me deito à maneira dos desesperados.
Estou escuro, estou rigorosamente noturno, estou vazio, [...]”
 O poeta chega a pôr em dúvida a possibilidade de continuar a sua
poética engajada, agora que está só:
“A rosa do povo despetala-se,
ou ainda conserva o pudor da alva?”
 Depois de registrar o inconformismo com o destino do amigo e a
sensação de orfandade que o acomete, CDA passa a exaltar a figura
múltipla de Mário de Andrade, sua paixão pelo país, sua coleção de
pinturas e obras de arte popular, sua fraternidade, a sua célebre casa
na Rua Lopes Chaves, onde ele, Drummond, jamais esteve:
“Súbito a barba deixou de crescer. Telegramas
irrompem. Telefones
retinem. Silêncio
em Lopes Chaves.”
6. A Homenagem - Canto ao homem do povo Charlie Chaplin.
“(....) Não é saudação dos devotos nem dos partidários que te ofereço,
eles não existem, mas a de homens comuns, numa cidade comum,
nem faço muita questão da matéria de meu canto ora em torno de ti
como um ramo de flores absurdas mandando por via postal ao inventor
dos jardins.
Falam por mim os que estavam sujos de tristeza e feroz desgosto de
tudo,
que entraram no cinema com a aflição de ratos fugindo da vida,
são duras horas de anestesia, ouçamos um pouco de música,
visitemos no escuro as imagens –
e te descobriram e salvaram-se.”
 Mais do que uma simples ode, o texto torna-se reflexão sobre o fazer
artístico.
 A arte de Chaplin cumpre uma função purificadora.
 A arte responde à opressão da realidade, libertando os indivíduos:
“E já não sentimos a noite, / e a morte nos evita, e diminuímos / como se
ao contato de tua bengala mágica voltássemos / ao país secreto onde
dormem meninos.”
 Depois de inúmeras referências a episódios dos filmes de Chaplin – que
precisariam ser contextualizadas para quem não os assistiu – o poeta
invoca (em tom exaltado e sublime, ou seja, ao contrário do estilo do
cineasta) o poder de indignação e a onipresente esperança de sua arte:
“Poder da voz humana inventando novos vocábulos e dando sopro aos
exaustos.
Dignidade da boca, aberta em ira justa e amor profundo,
Crispação do ser humano, árvore irritada, contra a miséria e a fúria dos
ditadores,
Ó Carlito, meu e nosso amigo, teus sapatos e teu bigode caminham numa
estrada de pó e esperança. “
• Drummond, o “gauche” de Itabira, se sentia próximo de
Carlitos, no patético, no sentimento agudo de um desajeito
existencial incontornável e, mais do que isso, irmanados por
uma estética: a do lirismo gerado “ na poética e essencial
atmosfera dos sonhos lúcidos.”
7. Paródia - Drummond traduziu o poema para uma linguagem mais seca,
mais objetiva e moderna.
O poema foi despido de sua excessiva sentimentalidade.
Nova canção do exílio
“Um sabiá
na palmeira, longe.
Estas aves cantam
um outro canto.
O céu cintila
sobre flores úmidas.
Vozes na mata,
e o maior amor.
Só, na noite,
seria feliz:
um sabiá,
na palmeira, longe.
Onde é tudo belo
e fantástico,
só, na noite,
seria feliz.
(Um sabiá,
na palmeira, longe.)
Ainda um grito de vida e
voltar
para onde é tudo belo
e fantástico:
a palmeira, o sabiá,
o longe.”
8. A família - referência a fazenda e ao pai.
No país dos Andrades
“No país dos Andrades, onde o chão
é forrado pelo cobertor vermelho de meu pai,
indago um objeto desaparecido há trinta anos,
que não sei se furtaram, mas só acho formigas.(...)
Será outro país? O governo o pilhou? O tempo o corrompeu?
No país dos Andrades, secreto latifúndio,
a tudo pergunto e invoco; mas o escuro soprou; e ninguém me secunda.
Adeus, vermelho / (viajarei) cobertor de meu pai.”
“(...) a poesia da família e a poesia social, muito importantes na sua
obra, decorreriam de um mecanismo tão individual quanto a poesia
de confissão e auto-análise, enrolando-se tanto quanto elas num eu
absorvente. (...) o eu é uma espécie de pecado poético inevitável, em
que precisa incorrer para criar, mas que o horroriza à medida que o
atrai.”
(Antônio Cândido)
9. O amor – “amar-amaro’
• Os poemas “O Mito” e “Caso do vestido”, composições longas
configuram a lírica amorosa do livro.
• É um lirismo crítico, realista, oposto à ética da paixão e ao “amor
louco” dos surrealistas.
• Desidealizador, dessacralizador, antipetrarquista, não é a última
palavra de Drummond sobre o amor e o sexo, que reconquistarão,
mais tarde, um espaço muito maior, mais ardente e mais desinibido.
“Sequer conheço Fulana,
Vejo Fulana tão curto,
Fulana jamais me vê,
Mas como eu amo Fulana. //
Amarei mesmo Fulana?
Ou é ilusão de sexo?
Talvez a linha do busto,
Da perna, talvez do ombro. //
Amo Fulana tão forte,
Amo Fulana tão dor,
Que todo me despedaço
E choro, menino, choro. //
Mas fulana vai se rindo...
Vejam fulana dançando.
No esporte ela está sozinha.
No bar, quão acompanhada(...)”
 Em “O Mito”, descreve-se uma paixão violenta, patética, de um
apaixonado não – correspondido.
 Em termos prosaicos, vão-se compondo as figuras do amante e da
amada.
 O sorriso estereotipado da musa moderna e vulgar não impede a
cogitação de suicídio passional, até que o apaixonado recobra a
lucidez, destrói o mito do amor petrarquista, reconhece a cegueira
que o impedia de ver na mulher fatal a boneca burguesa, e a sua
deusa se humaniza completamente.
 Em “O Caso do Vestido”, a narradora conta às filhas o terrível
acontecimento passional que primeiro lhe levou o marido e depois
lhe devolveu o marido, transtornado de paixão por uma dona de
longe”.
 O regime patriarcal compõe o cenário em que se esbatem o
estoicismo, a submissão da mulher e a estabilidade do poder
paterno, que retoma, intacto e inconteste, o lugar que abandonara
na sociedade, na família e na rotina.
IV. O aspecto formal
• Maioria dos poemas são constituídos de versos livres e brancos
• Versos redondilhos menores em quadra: “Carrego Comigo”
• Versos redondilhos maiores: “Passagem da noite”
• Versos Heterométricos: apresenta preocupação razoável com a
métrica, mas não com a rigidez e com a regularidade.
• “Anoitecer” – versos de 5,7 e 9 sílabas.
• Soneto: Áporo
• A ruptura com o tom dominante da obra, com a ótica social-realista, se
faz também por meio de abertura para o novo, para o inusitado, para a
invenção como categoria essencial do fazer poético.
• Coexistem e se superpõem várias formas de composição que abrem a
possibilidade de experimentação da vários de vários procedimentos
temáticos e formais.
• O fechamento do discurso poético à comunicação, desviando-se do
sistema dominante, impõe procedimentos poéticos diametralmente
opostos – a síntese, a elipse, a alusão, a ruptura com a linearidade
discursiva, etc – voltados para a direção poética da mensagem.
• É a supremacia da função poética da mensagem sobre as funções
apelativas, expressiva e referencial.
“Um inseto cava
cava sem alarme
perfurando a terra
sem achar escape.
que fazer, exausto
em país bloqueado
enlace de noite,
raiz e minério?
Eis que o labirinto
(oh razão, mistério)
presto se desata:
em verde, sozinha,
antieuclidiana,
uma orquídea forma-se.”
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 O poema permite inúmeras leituras:
Grego (a+porós= sem+saída)
Situação sem saída
Inseto cavador
Planta da família da orquidáceas
O impasse não simboliza apenas o beco sem saída existencial de
vários outros poemas do autor.
seu sentido político, de abertura revolucionária do “país bloqueado”
– Era Vargas
A expressão sem alarme (habitual é sem alarde)
Inevitável o nome do mestre seM ALARME, o mestre da escavação
poética.
Antieuclidiana: destruidora da geometria convencional, fenômeno
que quebra a lógica.
 Essas tensões, características da modernidade que
descende de Poe, de Baudelaire, de Apollinaire, de Mallarmé,
de Valéry, de Maiakovski, traçam seu percurso por meio de
impasses e novas experimentações, de vida: entre o absoluto
e o relativo, o puro e o impuro, a palavra e o mundo, a
contemplação e a ação, a autonomia e a comunicação.
Oscilações essas polarizadas, todavia, pela marca decisiva
da consciência – de uma atitude crítica diante da arte e do
mundo.
• Bibliografia:
1.A Rosa do Povo – Análise da Obra – Prof. Francisco Achcar Sistema de Ensino Objetivo
2. www.portrasdasletras.com.br
3. www.terra.com.br
4. A Rosa do Povo. Carlos Drummond de Andrade.
5. O Fazer Poético em Drummond - Fábio Della Paschoa Rodrigues.
• Observação: as referências acima não seguem o padrão da ABNT
por opção do professor.
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A Rosa do Povo