A educação necessária para o século XXI
Eliodete Coelho BEZERRA1
Resumo: O texto faz uma análise do sistema educacional diante das demandas
contemporâneas, apresentando a posição de vários autores acerca de como se
encontra a escola bem como as perspectivas de mudança para esse século,
principalmente a visão do educador argentino Juan Carlos Tedesco, integrante da
UNESCO que considera a crise da educação, que ainda perdura, como um
momento de repensar a sociedade, a educação e a escola.
Pontos de partida
Há muito tempo que se fala na crise do sistema educacional, entretanto, ela já
não é a mesma. A novidade é que hoje não se conhecem as finalidades da
educação, nem para onde ela deve orientar suas ações.
Dessa forma, a crise na educação nos impõe limites, mas também nos
permite possibilidades. Os limites estão no sistema educativo, que ainda é autoritário
e "capenga", por não conseguir acompanhar as transformações sociais na
velocidade em que operam e, como conseqüência, a escola fica numa situação
delicada, posto que diante das novas exigências do mundo capitalista, ela deverá
assumir uma outra postura, para qual não está preparada e, além disso, precisará
redefinir o seu papel e o dos educadores.
Por outro lado, as mudanças permitem-nos ver possibilidades para enfrentar a
crise, tais como: conhecer e utilizar a tecnologia da comunicação e da informação
para melhorar a prática educativa e as condições de trabalho dos profissionais da
educação, estabelecendo uma política séria de formação continuada para esses
profissionais, no sentido de reverter, finalmente, a crise do quadro educacional.
Atualmente, a crise apresenta-se sob uma nova ordem mundial, identificada
com a passagem de uma soberania moderna típica do Estado-nação para uma
soberania chamada de pós-moderna - uma forma política de globalização capitalista
chamada de "Império" (Negri & Hardt, 2000, apud SINGER, 2000). Essa forma
1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar Faculdade de Ciências e LetrasUNESP -14800-901-Araraquara/SP
política não substitui a outra na sua essência, pois ela continua excludente e
discriminatória. De acordo com Antônio Nunes (2000), essa nova ordem mundial,
que inclui uma nova economia e a tecnologia da informação centradas na
informática, na internet e nos recursos que ela propicia, continuará provocando mais
exclusão social. Nos próprios termos do autor:
Sabemos que a maior parte do mundo é analfabeta, é uma
ínfima minoria da população mundial que tem acesso a uma
tecnologia tão sofisticada como é a informática. Se se defende
que a economia deve assentar-se nesses meios, então é
preciso fazer muita coisa antes, senão estamos a condenar à
exclusão social não só milhões de pessoas, mesmo nos países
ricos, como a maior parte dos países do mundo (p.8 ).
Nesse contexto, quais serão nossas reais chances de mudar? As
perspectivas de mudança assumirão caráter permanente frente às demandas
contemporâneas, caso venham carregadas de otimismo que nos mantenha ativos e
atentos porque "o desafio de uma luta efetiva contra as políticas neoliberais é
enorme e complexo" (GENTILI, 1996, p.41). Logicamente que para isso é
imprescindível conscientização e compromisso político, tanto dos educadores quanto
dos governantes, na implementação e políticas públicas, ou seja, de uma política
educacional brasileira séria.
Desse modo, faz-se necessário um grande esforço de articulação de todas as
esferas, pois as transformações sociais provocadas pelas tecnologias de
comunicação e informação poderão vir a ser um elemento fundamental atuando
"numa perspectiva de efetiva cidadania" (PRETTO, 1999, p. 84).
Neste trabalho, serão comentados alguns tópicos da crise na educação e sua
relação com as demandas contemporâneas: nova economia baseada na tecnologia
de comunicação e informação, a crescente exclusão social e o papel da escola
nesse contexto, tendo como parâmetro a visão de Juan Carlos Tedesco.
A escola total
O mundo capitalista é excludente por natureza. Desse modo, à educação, que
sempre foi vista como instrumento de manipulação e marco central das relações de
poder e dominação, coube a tarefa de preparar o homem para que se adequasse às
exigências do modo de produção globalizado. Hoje se exige um cidadão polivalente,
de tal forma que a educação precisa assumir uma posição diferente da imposta pela
sociedade capitalista.
Com as mudanças nas esferas da sociedade ocorreram, como conseqüência,
mudanças
no
âmbito
educativo.
A
escola,
nesse
contexto,
assumirá
a
responsabilidade, não apenas pelo desenvolvimento cognitivo, como também pela
personalidade dos jovens e futuros profissionais a tendência é a de que ela possua
características de uma "instituição total". Essa é a tese fundamental de Juan Carlos
Tedesco (1998), segundo o qual, tanto a escola quanto a família, passam por uma
ausência de sentido, que é ocasionada pelas transformações sociais, as quais
provocaram um déficit de socialização que, por sua vez, as impossibilitam de
transmitir valores e normas culturais com eficácia, por conseguinte, surge um novo
agente socializador, as tecnologias de comunicação e informação, que não foi
projetado para cobrir esse déficit.
Diante desse quadro, deverá existir uma relação estreita entre a produção, a
organização da sociedade e a vida pessoal. Onde o processo de modernização atua
com dois componentes básicos: racionalidade e subjetividade. O primeiro refere-se à
organização da vida social e das atividades produtivas através da incorporação da
ciência e da tecnologia, enquanto o segundo está relacionado ao desenvolvimento
integral da personalidade, libertada das limitações impostas pelos determinantes
sociais ou culturais. "O drama de nossa modernidade foi que ela se desenvolveu
lutando contra a metade de si mesma, contra o indivíduo e sua liberdade" Touraine
(apud TEDESCO, ibidem, p.89).
A educação constitui-se como um dos locais da luta entre racionalidade e
subjetividade, sendo que esta última ficou alijada na organização do processo
educativo, cuja principal finalidade é preparar o indivíduo para a integração racional
à sociedade. Por isso, o fundamental é dar ênfase à aprendizagem dos aspectos
universais, acima dos particularismos e dos sentimentos.
A crise atual é justamente a crise das concepções unidimensionais da
modernidade. Há uma forte tensão entre racionalidade e subjetividade. Portanto, o
desafio da sociedade e da educação é encontrar a articulação entre esses dois
componentes no plano de uma ação social, isto é, de atores sociais e não
meramente de indivíduos isolados.
Os docentes
No contexto, em que a escola assume a qualidade de uma "instituição total", é
imprescindível a capacitação permanente dos profissionais da educação, cujo papel
será muito mais árduo do que se possa imaginar. Além de educadores, técnicos e
militantes deverão estar comprometidos com a educação de indivíduos excluídos
socialmente, apontando-lhes perspectivas de vida e proporcionando-lhes o
desenvolvimento de suas potencialidades.
Segundo Rosa Maria Torres (1999), nesse novo modelo educacional exige-se
um rol de competências para o docente:
Ele é desenhado para ser eficiente e eficaz, sendo
caracterizado como sujeito polivalente, profissional competente,
agente de mudança, praticante reflexivo, professor
investigador, intelectual crítico e transformador (p.101).
Para a autora, entretanto, esta lista de competências, por si só, não permite a
este docente desempenhar seu trabalho com a eficácia exigida, dado que sua real
condição de exercício profissional não condiz com esta exigência.
Em termos gerais, as substanciais mudanças na economia mundial provocam
mudanças diretas no campo educativo e as novas tecnologias de comunicação e
informação, por seu turno, estão provocando exigências para o profissional da
educação. Para tanto, deverá atualizar-se continuamente para melhorar suas
capacidades de atuações, apesar de a situação sócio-econômica e as condições
objetivas de trabalho dificultarem tal melhoria. A política educacional do Governo
Federal e dos estaduais e municipais, na sua maioria, não contribui para amenizar
esta situação, visto que não há uma política de incentivo, de tal forma que reverta,
positivamente para os docentes, o quadro que está posto. Paradoxalmente, a
educação continua a ser invocada como "tábua de salvação" para resolver os
problemas sociais.
A reforma educacional
A reforma educativa sempre surge como forma de reverter o quadro que ora
se nos apresenta. Entretanto, na maioria das vezes não consegue contornar a
situação, pois historicamente os profissionais da educação vêm sendo excluídos na
elaboração e concepção das leis e reformas educacionais. À medida que eles não
participam desse processo não se sentem co-responsáveis. O professor deveria ser,
no mínimo, consultado porque é ele quem vai estar na sala de aula para trabalhar
com as demandas advindas da sociedade. A nossa história educacional até registra
a participação dos profissionais da educação na elaboração de leis educacionais,
como exemplo o caso da Lei 9394/96, entretanto foram golpeados pelo substitutivo
"Darcy Ribeiro". Por este motivo, dentre outros, que a reforma não provoca o efeito
desejado pelo conjunto da sociedade.
Desse modo, não se pode esperar que as coisas aconteçam como um passe
de mágica. A reforma educativa é um processo complexo, que requer uma estratégia
de interesses ligados aos diversos setores da sociedade. Sendo assim, deverá partir
do interesse dos educadores, porque deles não se deve esperar que sejam meros
executores dessa reforma, pois são os que vão lhe dar corpo e sentido. Afinal, as
experiências têm demonstrado resultados que não corresponderam às suas
expectativas e esforços e, desta forma, têm-lhes sido provocado um forte ceticismo
em relação às contínuas reformas.
Desta feita, há exigências para que, efetivamente, a mudança educacional
aconteça de forma favorável para os profissionais da educação. Portanto, faz-se
necessário um acordo comum entre os diversos agentes sociais e que este
signifique uma oportunidade, para ambos, de avançar profissional, individual e
coletivamente.
Considerações finais
Diante
dos
avanços
tecnológicos
característicos
das
demandas
contemporâneas, a escola continua não sabendo quais são as medidas necessárias
para que ela possa, pelo menos, acompanhar as transformações que estão
acontecendo. Vimos que o desafio é grande e que nossas escolas necessitam muito
mais do que equipamentos. Portanto, urge a necessidade de profissionais da
educação capazes de enxergar longe, enfocando uma escola que não seja apenas
idealizada, a escola do futuro distante, mas a escola do agora, a escola do futuro
possível.
Referências
GENTILI, Pablo. Neoliberalismo e educação: manual do usuário. In: SILVA, Tomaz
Tadeu da; GENTILI, Pablo (Org.). Escola S.A: quem ganha e quem perde no
mercado educacional do neoliberalismo. Brasília: CNTE, 1996, p. 9-49.
NUNES, Antônio José Avelãs. O mundo em desequilíbrio. Jornal Liberal,.4.2000,
p.8.
PRETTO, Nelson. Educação e inovação tecnológica: um olhar sobre as políticas
públicas brasileiras. Revista Brasileira de Educação, n.11, maio/jun./jul./ago.,
1999, pp.75-85.
SINGER, André. O contra-Império ataca: sistema imperial adapta-se ao modelo
político dos EUA, hegemônico a partir de 1991. Folha de São Paulo, ano 80, n.
26.107, p.11, set. 2000. Caderno Mais.
TEDESCO, Juan Carlos. O novo pacto educativo: educação, competitividade e
cidadania na sociedade moderna. São Paulo: Ática, 1998.
TORRES, Rosa Maria. B. Nuevo rol docente: ? Qué modelo de formación, para qué
modelo educativo? In: Fundacion Santillana: Aprender para el futuro nuevo marco de
la troca docente. UBRA, 1999, pp 99-111.
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