Veículo: Agência Fapesp Data: 20/12/2011 Pág: Online
Em busca de novos diamantes
Melhor amigo das mulheres – como imortalizado na célebre canção de Marilyn
Monroe em Os homens preferem as loiras –, os diamantes são formados em
camadas profundas do planeta, em ambientes de alta pressão e temperatura elevada.
Mas para uso industrial os mais acessíveis diamantes artificiais são os escolhidos.
Desenvolvidos a partir de pesquisas em laboratório, eles têm muitas aplicações, de
ferramentas de corte a perfuração de rochas para extração de petróleo no pré-sal.
Investigar potenciais de aplicação e avançar no conhecimento básico sobre
diamantes produzidos artificialmente – além de outro derivado de carbono, os
nanotubos – são os objetivos principais do Projeto Temático “Novos materiais,
estudos e aplicações inovadoras em diamante-CVD, diamond-like-carbon (DLC) e
carbono nanoestruturado obtidos por deposição química a partir da fase vapor”,
apoiado pela FAPESP.
Coordenado por Evaldo José Corat, pesquisador do Laboratório Associado de
Sensores e Materiais do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o projeto
envolve três áreas diferentes, mas com um ponto em comum: são materiais de
carbono produzidos por meio de técnicas de deposição química a partir da fase de
vapor.
Trata-se de um processo conhecido internacionalmente pela sigla CVD, de Chemical
Vapor Deposition. O processo envolve a ativação de um gás, o que pode ser feito ao
se alterar a temperatura, fazer um plasma ou, no caso de diamante, pelo uso de
filamento aquecido.
A partir de reação desse gás reativo é feita a deposição de materiais sobre
superfícies, processo conhecido como “crescimento” e usado para produzir o
diamante CVD (sigla que o distingue do diamante usado para as jóias), o DLC
(diamond-like carbon) e os nanotubos de carbono.
O CVD é conhecido dos pesquisadores desde os anos 1950. No caso dos estudos do
Inpe, ele é crescido a partir de uma mistura de gases que contém uma pequena
concentração de metano. A mistura é colocada em reatores de filamento quente – o
equipamento usado para a pesquisa usa filamentos de tungstênio –, com
temperaturas acima de 2.300 ºC. A partir da ativação desse gás, é feito o depósito
desse diamante em um substrato, formando o filme de diamante.
Apesar de a descrição ser simples, produzir diamante em laboratório requer tempo. “A
taxa de crescimento é de 2 a 4 mícrons por hora. Podemos crescer diamantes bem
finos até relativamente espessos”, disse Corat.
Em um projeto desenvolvido anteriormente, envolvendo o uso de diamante CVD em
brocas de perfuração de solo, os pesquisadores cresceram diamantes com 2
milímetros de diâmetro, em processo que levou mais de um mês.
O diamante é conhecido por ser o material mais duro existente na natureza e os
exemplares produzidos em laboratórios mantêm essa característica. Também são
excelentes condutores térmicos e transparentes na faixa do espectro que vai do raio X
até o infravermelho longínquo.
Essas características podem ser exploradas na proteção de superfícies de
equipamentos espaciais, em dispositivos microeletrônicos, em ferramentas de corte,
como camada antiatrito em motores automotivos e aeronáuticos, para proteção de
superfícies para ambientes agressivos e no processamento de vidros e materiais
cerâmicos.
O diamante CVD também pode ser usado nas áreas médico-odontológica, como
material para brocas rotativas usadas por dentistas, ou em aparelhos de ultrassom,
em dispositivos para implantes e como eletrodos para sistemas de tratamento de
efluentes e de água.
Corat e os pesquisadores a ele associados enfrentam o desafio de ampliar o
crescimento de tubos de diamante CVD sobre fios finos de tungstênio. “Estamos
fazendo o escalonamento da produção para obter volumes relativamente grandes.
Queremos obter ferramentas abrasivas, incluindo brocas de alta durabilidade para
perfuração de rochas, com perspectivas de aplicação na perfuração de poços de
petróleo. O desafio é tornar a produção economicamente viável”, explicou.
O desenvolvimento de interfaces para deposição de diamante CVD sobre aços e
materiais de ferramenta é outro importante objetivo do projeto. Os estudos
identificaram que a interface de carboneto de vanádio e de boretos de ferro, obtidos
por processo de termodifusão (difusão produzida por calor), tem capacidade de
promover o crescimento de diamante de alta qualidade. Outra aplicação em estudo é
a do diamante como eletrodo para eletroquímica, a ser usado, por exemplo, em
tratamento de água.
O grupo coordenado por Corat também está pesquisando o processo de crescimento
do nanodiamante, com potencial uso em um novo conceito de células solares que
convertem calor diretamente em eletricidade e promete energia solar a custos
menores que com as células de silício. Essa é uma linha de pesquisa básica do grupo
coordenado pelo Inpe, que envolve o estudo de cálculos do processo e a identificação
do material, procurando entender como e por que o nanodiamante cresce.
Nanotubos
No Projeto Temático, os pesquisadores estudam o crescimento de nanotubos de
carbono de forma alinhada sobre a superfície – geralmente, os nanotubos são
apresentados na forma de pó. A principal aplicação foi em compósitos estruturais, ou
seja, fazer o depósito de nanotubos alinhados sobre fibra de carbono.
“Estamos fazendo os estudos para o escalonamento desse processo, ainda na escala
do laboratório e para uso próprio”, explicou Corat. Os pesquisadores querem fazer o
processo de forma mais rápida e ágil, obtendo amostras maiores de compósito para
avançar suas pesquisas.
Outra área de trabalho é o desenvolvimento de técnicas para dar características de
hidrofobicidade (capacidade de uma superfície repelir a água) e hidrofilicidade
(afinidade de uma superfície com a água) a superfícies de nanotubos alinhados.
Com a técnica de plasma de oxigênio, os pesquisadores transformam a superfície de
nanotubos alinhados em material super-hidrofílico; e com o tratamento a laser, que
evapora parte dos nanotubos, tornam a superfície super-hidrofóbica. Uma aplicação
possível é a filtragem de água e óleo, ou seja, pode ser usado em filtros para
plataformas de petróleo.
Mas a pesquisa que Corat destaca com mais ênfase envolvendo os nanotubos de
carbono é a que investigou a interação dos nanotubos alinhados com células.
“Crescemos células e hidroxiapatita em nanotubos, com melhoria do processo de
crescimento celular. É uma linha que temos intenção de continuar investindo”, disse.
A hidroxiapatita é um mineral importante para ossos e dentes, por exemplo.
DLC
Outro subprojeto do grupo envolve parceria com o Laboratório Nacional de Luz
Síncrotron (LNLS), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCT) e
localizado em Campinas (SP).
Os pesquisadores estudam o uso do diamante CVD em janelas de raio X, foco de alta
energia. As janelas são uma interface entre o meio ambiente e o ambiente interno do
anel, onde corre a linha de luz.
“São poucos os materiais que podem ser usados como janela. Geralmente usam
berílio, um material caro e perigoso. Estamos em processo de estudo para
substituição dessas janelas pelas de diamante”, explicou Corat.
O outro material que está no Temático coordenado pelo pesquisador é o DLC. Apesar
de serem materiais formados por carbono, o diamante e o DLC são muito diferentes.
O primeiro tem a estrutura cristalina e o outro é amorfo, e, por isso, não é considerado
propriamente um diamante.
“Imagine extrair da natureza um diamante de 30 milímetros de diâmetro, que é o
tamanho do material que estamos aplicando em um dos nossos projetos? Estaríamos
ricos”, ri o pesquisador. O valor do diamante artificial está justamente nas suas
possibilidades de aplicação. “A tecnologia permite fazer coisas que, com o diamante
natural, não é possível.”
O DLC surgiu de uma tecnologia derivada do processo de tentativa de crescimento de
diamantes em laboratório. Em algumas circunstâncias nesse processo foram obtidos
materiais com características semelhantes às do diamante, mas que não tinham as
estruturas cristalinas que o caracterizam.
“O DLC tem aplicabilidade industrial muito maior do que o diamante porque podemos
fazer sua deposição em temperaturas mais baixas, praticamente em temperatura
ambiente, e sobre materiais convencionais, como aço, alumínio, latão, plástico e
vidro, que são mais importantes para a indústria. Isso é algo que não conseguimos
fazer com diamantes, que precisam de temperaturas muito altas, em torno de 800 ºC,
e não podem ser depositados sobre qualquer tipo de material”, acrescenta.
Apesar de ser muito duro, o DLC tem 30% a 40% da dureza do diamante, seu
coeficiente de atrito é extremamente baixo. “Graças a essa característica, usamos o
DLC no Inpe como lubrificantes sólidos, utilizados em satélites”, contou Corat.
Até pouco tempo atrás, o lubrificante era importado. “Hoje, temos uma empresa
nacional, a Fibraforte, que desenvolveu conosco o processo de deposição de DLC
sobre as partes móveis do satélite, o que permitiu substituir a importação”, disse.
Os esforços da equipe do Projeto Temático estão centrados também no estudo da
adesão do DLC em aço e titânio. No caso do primeiro material, o interesse é
desenvolver uma tecnologia que possa ser transferida para a indústria.
No caso do titânio, são para aplicações de interesse do Inpe, necessárias para o
funcionamento de satélites. Em um dos estudos, os pesquisadores introduziram
nanopartículas de diamante no DLC, melhorando propriedades desse material, como
o coeficiente de atrito e resistência ao desgaste.
PIPE
A partir de pesquisas anteriores ao Temático em andamento, realizadas no âmbito do
programa Diamantes e Materiais Relacionados (Dimare) do Inpe, Corat e outros cinco
pesquisadores mais um técnico em eletrônica criaram a empresa Clorovale Diamante,
em São José dos Campos, em 1997.
A empresa foi apoiada pelo Programa FAPESP Pesquisa Inovativa em Pequenas
Empresas (PIPE), nos projetos “Desenvolvimento de dispositivos em diamante CVD
para aplicações de curto prazo”, de 1998 a 2002, “Filmes de DLC para aplicações em
superfícies antibacteriana, antiatrito, espaciais, industriais e para tubos de perfuração
de poços de petróleo”, de 2007 a 2010, e “Diamante CVD para um novo conceito de
ferramentas de alto desempenho para perfuração e corte”, de 2008 a 2010.
Um dos pesquisadores principais do Temático atual, Vladimir Jesus Trava Airoldi,
também do Inpe, foi o ganhador em 2011 do Prêmio Finep de Inovação, na categoria
Inventor Inovador.
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