Anais Eletrônicos do VI ENPOLE VI Encontro de Pós-Graduação em Letras | ISSN: 2176-4956 Universidade Federal de Sergipe, Campus São Cristóvão, 19 e 20 de Janeiro de 2015 A REPRESENTAÇÃO SEXISTA E DISCRIMINATÓRIA DA IDENTIDADE FEMININA EM LETRAS DE CANÇÕES DO GÊNERO PAGODE BAIANO Jailma de Jesus Santos1 1 INTRODUÇÃO Ao longo da história da humanidade, as mulheres vêm buscando melhores condições de vida bem como um tratamento igualitário em relação aos homens. No entanto, apesar de já se estar no século XXI, muitas mulheres ainda são tratadas como objetos sexuais e, em muitos casos, como meros instrumentos de distração dos homens. Esse pensamento reflete-se nas mais diversas formas de manifestações culturais, inclusive na produção artística de diferentes gêneros musicais. Nesse contexto, esta pesquisa parte da necessidade de analisar se letras de músicas, aparentemente inofensivas, servem para propagar discursos sexistas e discriminatórios em relação às mulheres. O gênero musical conhecido como “pagode baiano” merece um enfoque especial, especialmente as composições musicais do grupo denominado “Black Style”, cujo teor sexista faz-se notório. Todavia, será necessário um profundo estudo baseado na análise semântico-discursiva das letras desse grupo musical para descobrir se, efetivamente, tais composições denigrem a imagem feminina e exaltam a masculina. As identidades femininas de conotação pejorativa e de cunho depreciativo contribuem para a perpetuação da discriminação do gênero feminino, visto que naturalizam as representações discriminatórias sobre as mulheres. Por isso, ao analisarmos a construção de tais letras de músicas, buscamos enfatizar que estas contrariam o movimento de luta das mulheres que objetivam a igualdade de gênero, a promoção dos direitos humanos e a negação da imagem da mulher enquanto objeto sexual. É sabido que a prática discursiva não é imutável e os discursos são usados socialmente para legitimar condições sociais. Os usuários da língua, conscientemente, fazem escolhas linguísticas que acabam por estruturar, textualmente, ideologias que já estão enraizadas em práticas culturais cotidianas. Ao mesmo tempo, que a língua Especialização em Língua Portuguesa pela Faculdade Pio Décimo, Especialização em Gestão de Políticas Públicas com Foco em Gênero e Raça, Licenciada em Letras/Português pela Universidade Federal de Sergipe. 1 Apoio FAPITEC/CAPES | POSGRAP | PPGL | CECH 1 representa as experiências, ela também é uma das responsáveis por mudar tais vivências, de construir novas ideologias e, assim, novas identidades para homens e mulheres. Ao usar a linguagem, em suas diversas formas, o homem participa ativamente da construção de significados. É através do discurso que se pode resistir e mudar esses significados, pois, além de representar práticas sociais, a língua é também capaz de criar, influenciar ou modificar uma determinada realidade social. Conforme Fairclough (2001), debater a construção das práticas discursivas e a relação entre elas pode tanto favorecer a reprodução do sujeito social quanto a sua transformação. Por isso, deve-se optar sempre por refletir criticamente sobre os discursos existentes. Ainda de acordo com Fairclough (2001), a linguagem é uma forma de prática social imprescindível nas lutas de poder. Logo, ao se propor uma análise crítica do discurso transmitido por essa indústria de entretenimento, especificamente, do supracitado grupo musical, visa-se mostrar quais são os discursos enraizados na mentalidade popular sobre a figura feminina, e alertar para a contribuição negativa que esse tipo de juízo de valor acarreta para a gradual depreciação da mulher. Optou-se pela utilização da Análise Crítica do Discurso (ACD) como conduta teórica e prática para desencadeamento desta pesquisa, por proporcionar tanto uma teoria quanto um método de análise das práticas sociais. Conforme Fairclough (2003): A ACD é uma forma de ciência crítica que foi concebida como ciência social destinada a identificar os problemas que as pessoas enfrentam em decorrência de formas particulares da vida social e destinada, igualmente, a desenvolver recursos de que as pessoas podem se valer a fim de abordar e superar esses problemas (tradução nossa). Em síntese, pode-se afirmar que o estudo das relações entre linguagem e poder serve para comprovar cientificamente que os sujeitos sociais são moldados pelas práticas discursivas, mas também são capazes de remodelar e reestruturar essas práticas. 2 O PAPEL SOCIAL DO GÊNERO FEMININO As diferenças de gênero na organização social da vida privada e pública indicam, historicamente, os papéis sociais do homem e da mulher. Às mulheres sempre coube o cuidado com o lar e os filhos, e aos homens o sustento financeiro da família. Ao longo dos séculos esse quadro modificou-se parcialmente, pois a mulher também começou a contribuir para o orçamento doméstico. Porém, ao mesmo tempo em que trabalha fora de casa, ela também é a única responsável pelas tarefas domésticas, visto que a educação moral da prole e os cuidados com a criação, normalmente, ainda se restringem ao gênero feminino, cabendo ao homem apenas ser o provedor financeiro dos filhos. No âmbito da organização social da vida privada, nota-se também que o exercício da sexualidade do gênero feminino é diferenciado do masculino. Apesar de já poder escolher se quer ter filhos ou não (através do uso de métodos contraceptivos), de ser permitida a escolha de seu parceiro para o casamento, as mulheres ainda não possuem a liberdade social de envolver-se com diversos homens e ainda assim manter uma reputação honrada. Por outro lado, para os homens, a diversidade de parceiras é importante para seu prestígio perante a sociedade. A análise da participação social feminina em diversos campos da vida é essencial para que se compreenda a dimensão de desigualdade a que a mulher sempre esteve submetida. Reduzida participação no campo da pesquisa científica, mercado de trabalho normalmente restrito às profissões tidas como femininas, mínima participação na vida política, são exemplos de batalhas enfrentadas pelas mulheres ao longo do tempo. Tais assimetrias de gêneros são reforçadas quando o homem está numa posição dominante e a mulher numa subalterna e, apesar de serem frutos da criação de estereótipos e preconceitos, elas ainda são reproduzidas em nossa sociedade costumeiramente. Para entender as desigualdades existentes entre homens e mulheres buscaram-se diversas explicações, algumas de cunho biológico, outras de caráter psíquico. Porém, a maioria delas demonstra que sozinhas são insuficientes para explicarem as diferenças existentes entre homens e mulheres. Os estudos sociais demonstram que as diferenças são construídas pela própria sociedade, haja vista que são os seres humanos que dita padrões aceitáveis ou não de conduta para gênero feminino ou masculino. Convém ressaltar, no entanto, que: Isto não quer dizer que os fatos biológicos sejam irrelevantes ou que os homens e mulheres não sejam diferentes, mas sim que certos dados e diferenças somente adquirem significado de superior/inferior dentro da estrutura de sistemas de valores culturalmente definidos (ORTNER, 1979). O contexto familiar é responsável pelo primeiro processo de socialização de crianças e jovens. A família, normalmente, diferencia o tratamento dispensado aos meninos e às meninas, bem como as expectativas que são postas sobre eles. Aos meninos, dão-se brinquedos que remetem a uma vida mais livre e independente, ou seja, carrinhos, bolas de futebol, entre outros. Já às meninas, são doados bonecas e utensílios domésticos que fazem alusão a uma vivência doméstica de cuidado com a prole. Rosaldo (1979) corrobora com esta ideia e afirma que há "uma identificação muito geral das mulheres com a vida doméstica e dos homens com a pública". O discurso sobre a sexualidade também é diferenciado, desde a infância, quando se refere a homens e a mulheres. Por exemplo, aos meninos sempre foi permitido que se discutisse abertamente a respeito do sexo, já às meninas ainda é inibida qualquer tentativa neste sentido. A iniciação sexual também é distinta para ambos, visto que, normalmente, os homens iniciam-se mais jovens que as mulheres e mantém uma diversidade maior de parceiras durante a vida. Uma questão social que também é demonstra a desigualdade existente entre homens e mulheres, é a prática constante de atos violentos contra elas dentro de seus próprios lares. Manifestada de diversas formas, a violência doméstica pode ser de caráter físico ou psicológico. Ameaças físicas, atentado ao pudor, estupro, tortura psicológica, entre outros, na maioria das vezes não são denunciadas às autoridades competentes. O receio de não ser atendida de maneira digna e o medo de sofrer retaliações da sociedade e do próprio agressor faz com muitas vítimas continuem caladas. O arcabouço jurídico brasileiro evoluiu bastante no que diz respeito às medidas protetivas a favor mulher. Exemplo disso é a legalização da Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha. Indubitavelmente, esta lei proporcionou maior visibilidade às ações de combate à violência contra a mulher, com intervenções concretas em relação ao agressor como, por exemplo, a sua prisão, a proibição das penas pecuniárias (pagamento de multas ou cestas básicas) e uma maior viabilidade de acessar meios governamentais e jurídicos para resolver questões legais com mais agilidade. No entanto, ainda necessitamos que as unidades de delegacias femininas sejam difundidas para regiões distantes do país e que mais campanhas de conscientização sejam criadas, a fim de que as mulheres possam sentir-se confiantes e seguras para denunciar os maus-tratos que porventura sejam submetidas. Diante dessa abordagem, é notório que para se minimizar a desigualdade de gêneros, será preciso mudar também os discursos que formam a identidade feminina, fazendo com que a mulher seja vista como um ser digno, capaz de fazer suas próprias escolhas, com capacidade intelectual igual à masculina e potencial para desenvolver o trabalho que ela objetivar. Nesse sentido, é importante desvendar os discursos de massa, discutir textos e capacitar pessoas para que possam buscar e construir discursos alternativos que garantam a valorização da mulher. 2.1 O “PAGODE BAIANO” E A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE FEMININA As diversas formas de discriminação contra o gênero feminino são temas constantemente discutidos no âmbito acadêmico. Existe uma ampla gama de textos que versam sobre o assunto e comprovam as situações constrangedoras e desiguais às quais as mulheres são submetidas cotidianamente. Conforme já brevemente abordado, muito disso deve-se aos discursos enraizados ao longo dos tempos a respeito da figura feminina. A música assumiu um importante papel social em nossa sociedade, visto que extrapolou a função de simples manifestação cultural. A música não serve apenas para entreter, ou seja, para simplesmente ouvir e dançar. Ela superou o caráter lúdico de que se revestiu por certo período e ganhou conotações e importância no plano social e político. Por isso, empregamos a Análise Crítica do Discurso para analisar as ideias transmitidas por essa indústria. Já que Pêcheux (1990) diz que não há discurso sem sujeito e nem sujeito sem ideologia, baseamos nossa análise no estudo das relações de poder engendradas nas relações de gênero. A construção da identidade feminina, a partir de alguns gêneros musicais, cria e/ou reforça discursos sexistas e discriminatórios acerca da mulher. O chamado “pagode baiano” é um dos gêneros musicais que contribui para que a mulher seja vista como objeto sexual masculino, sendo inclusive alvo de uma lei estadual do governo baiano, popularmente conhecida como a “Lei Antibaixaria”, que visa a não contratação, através de verbas públicas, de artistas cujo teor das letras discrimine as mulheres e incentive a violência contra elas. Alvo de polêmicas, a “Lei Antibaixaria” foi objeto de análise de alguns estudiosos do assunto que questionam se ela não fere o princípio de liberdade de expressão garantida pela constituição, bem como se tal medida não seria a legalização do preconceito contra as classes menos favorecidas, visto que, são elas, normalmente, as produtoras desse tipo de música. Segundo Pinho (2011): No bojo desse debate não podemos desconsiderar tais questões e impasses, sob pena de reproduzirmos novas opressões e ao defender, com toda razão, a dignidade da mulher, assumamos ponto de vista neocolonial, demonizando o "nativo", bárbaro infrene, presa e predador, de seus imoderados apetites sexuais. Por outro lado, aos que defendem a existência da lei, argumenta-se que se não trata de censura, mas sim de um alerta a toda sociedade de que esse tipo de discurso é extremamente prejudicial à mulher, vítima de todo tipo de violência ao longo de sua história. Confirmando esse pensamento, Sardenberg (2011) nos afirma: Ressalte-se que não se trata aqui de cercear o direito de “livre expressão artística” de ninguém, já devidamente consagrada na Constituição Federal. Não se trata de fazer censura. Longe disso! Mas é necessário que o Estado não seja conivente com mensagens que façam a apologia da violência de gênero contra mulheres, utilizando verbas públicas – o dinheiro nosso e do nosso povo – para aviltar a nossa imagem! Fazê-lo, ou seja, contratar com dinheiro público quem assim procede é legitimar a violência de gênero contra as mulheres. É, pois, atentar contra a nossa carta magna, cabendo, pois, de nossa parte, a impetração de ações cíveis junto ao Ministério Público. A assertiva da professora Sardenberg mostra em sua visão, a respeito do assunto, que determinados tipos de música contribuem bastante para depreciação da imagem feminina e realmente contraria os objetivos dos movimentos feministas que visam à garantia dos direitos conquistados, assim como o respeito da sociedade em relação à mulher. Interpretação parecida por parte das autoridades baianas garantiu a aprovação da Lei 12.573 em 27 de março de 2012, representando assim um avanço no combate à desvalorização do gênero feminino, visto que outros estados da federação também estão seguindo esse exemplo. 2.2 ANÁLISE DAS LETRAS DO GRUPO DE PAGODE “BLACK STYLE” As músicas do grupo baiano “Black Style” se destacam em relação às de mesmo gênero. São as que mais apresentam um teor sexista e discriminatório em relação à mulher. Segundo um estudo quantitativo realizado por Bastos (2011), que analisou o corpus de quatro bandas de pagode: “Black Style”, Raghatoni, Parangolé e Psirico, constatou-se que as descrições jocosas e sexuais da mulher predominam veementemente nas duas primeiras. De acordo com Bastos (2011): O uso de duplo sentido está associado às temáticas 'maliciosas' (jocosas e sexuais) estando presente principalmente nas músicas cantadas pelas bandas “Black Style” (31% das músicas) e Raghatoni (26% das músicas). Baseado na análise do corpus das letras de músicas do grupo “Black Style”, citado logo acima, selecionamos aquelas que se referem especificamente e de forma direta à mulher. A partir disso, foi procedida uma análise semântico-discursiva diante de toda a produção musical do supradito grupo de pagode baiano, nas quais constatamos verdadeiras agressões à moral e à imagem feminina. Inicialmente, percebemos que é recorrente a associação da figura feminina à de uma cadela, com ênfase em seus hábitos promíscuos e conduta amoral. Essa postura discriminatória em relação ao gênero feminino pode ser observada, por exemplo, na canção “Balance o rabinho cachorra”: Procurei por minha cachorra, Ninguém sabe, ninguém viu, Olhei de baixo da mesa, procurei lá no canil Ela saiu de coleira, deve tá no pagodão Balance o rabinho chamando atenção, no assovio do Robsão Balance o rabinho chamando atenção, no assovio do Robsão Balance o rabinho cachorra Balance o rabinho cachorra Balance o rabinho cachorra... É perceptível que a utilização do aumentativo “Robsão” para referir-se ao homem denota a suposta superioridade masculina transmitida pela música “Balance o rabinho cachorra”. No que concerne à opressão chancelada por uma visão machista acerca da mulher, aliada ainda à comparação de sua conduta a de uma cadela, também são perceptíveis em outras músicas, como em “Me dá a patinha” na qual a figura feminina é ainda taxada como transmissora de doenças sexualmente transmissíveis: Robsão já pegou O Galvão pegou também O Jean engravidou, Tá esperando o seu neném Netinho pegou de quatro Vitinho fez frango assado Fabinho sem camisinha Pegou uma coceirinha O nome dela é Marcela Eu vou te dizer quem é ela Eu disse Ela, ela, ela é uma cadela Ela, ela mais ela é prima de Isabela Joga a patinha pra cima One, Two, Three Me dá, me dá patinha Me dá, me dá patinha Me dá, me dá patinha Me dá sua cahorrinha Eu disse ela, ela, ela é uma cadela... Me dá sua cahorrinha. Outra imagem recorrente em relação à mulher é a de alguém interesseira, que se envolve sexualmente com o outro em troca de favores financeiros. Isso é explicitado em músicas diversas do grupo “Black Style”, a exemplo da música “Dinheiro é Bom”, cujo conteúdo deixa claro essa visão: A mulherada sempre diz que te ama Que está apaixonada e quer dar o coração Tome cuidado com a mulher bandida Já quer engravidar já de olho na pensão... A expressão “mulher bandida” e o termo “pensão” aludem ao caráter interesseiro feminino e demonstram o tratamento dispensado às mulheres em grande parte das letras analisadas. Vejamos mais um desses casos na explicitado na canção “Nóis é patrão” em que o sexo feminino é taxado como oportunista: Corrente de ouro, Relógio importado no braço Com a grana na mão, lá vem o patrão Uma barca pra dar um rolé, Abre o teto solar, ê,ê,ê,ê Só vai dar eu e ela Ela quer blusa da Armani e blusa da Louis Vuitton Ela dá pra nóis que nóis é patrão, Ela dá pra nóis que nóis é patrão, Ela dá pra nóis que nóis é patrão, Olha a contravenção Não, pro secretário não Não, ela só dá pro patrão. A falta de caráter feminino também é ressaltada em outra música denominada “Não te quero mais”, na qual se acrescenta a expressão “piriguetona”, variação de “piriguete”, termo pejorativo que remete segundo Nascimento (2008): “às representações da mulher fácil, disponível, a ninfomaníaca dominada pelos desejos desenfreados, a bacante, a mulher poderosa pelos seus atributos sedutores etc.”. A ideia de mulher aproveitadora também é reforçada na passagem que a apresenta interessada no “carrão” do homem. Andava de buzú Você nunca me olhou Louco por você Você me rejeitou Comprei o meu carrão Você abriu o sorrisão E agora pra você Eu canto essa canção Eu não te quero mais Sai daqui periguetona Eu não te quero mais Sai daqui periguetona... Numa total afronta ao seu perfil moral, tem-se ainda nesse contexto a infidelidade feminina que também é posta em relevo nas letras de canções do grupo em questão. As mulheres são retratadas como traidoras e responsáveis pela sedução do sexo oposto, que se vê encurralado e torna-se cúmplice do ato feminino. Assim é o caso da canção “Vaco Vuco”: Você marcou comigo pra sair Mas já pensou se o outro descobrir Ele tem uma fama de ser valentão Mas não sabe que a gente se pega Todo dia, toda hora nega você escorrega Caia por cima de mim me deixa sem defesa Quando o gato não tá o que é que tem? O rato passeia na mesa Não perde tempo amor Vamos fazer... Vaco, vuco Vaco, vuco Vaco, vuco Nega me deixa maluco Nega me deixa maluco Nega me deixa maluco Pro lance não acabar vou te pedir: Abafe, abafe, abafe o caso Então abafe, abafe o caso. Seja pelas suas vestimentas ou por seus hábitos, a mulher é constantemente caracterizada como a sedutora irresistível, é sempre a responsável pelo despertar do desejo sexual masculino, questão notória em diversas músicas, como em “Flexionando”, por exemplo: Vai pra academia Com o seu shortinho Toda apertadinha Os homens ficam maluquinhos... A mesma descrição de mulher sexualizada e vestida irresistivelmente para seduzir os olhos masculinos pode ser observada também nesta outra canção, intitulada “Perereca”: Ela bota uma calça Apertadinha O bagulho tá sério Tá toda enxadinha Além de todas as características agressivas já aludidas, há ainda que se ressaltar o poder argumentativo feminino que, segundo as canções do grupo “Black Style”, figura como uma arma em um jogo de sedução. Tal poder é explicitado na música “Tome, todinha”, na qual a força de manipulação feminina, perante os homens, mostra-se irresistível: Que mulher gulosa Ela entra na roda e não quer mais sair Sabe que é gostosa Muito boa de papo e quer me iludir Tá pensando que eu não tô caindo? Desse jeito você vai me amarrar Se pedir eu vou te dar... É importante salientar que em grande parte das músicas analisadas, o homem frequentemente usa a forma imperativa e ocupa a posição de sujeito das orações, o que lhe garante o controle do discurso. Esse poder dominador do homem pode ser observado na seguinte canção “Esfrega a xana no asfalto”: Então esfrega a xana no asfalto Esfrega a xana no asfalto Esfrega a xana no asfalto Esfrega a xana no asfalto Esfrega a xana no asfalto Xana no asfalto Esfrega! Esfrega! Esfrega! O uso de verbos no modo imperativo (esfregar) demonstra o poder de comando masculino para com a mulher. Na canção “No suave”, novamente esse poder é ressaltado através de tal modo verbal (relaxa, sinta): Novinha tu quer se envolver Então, sinta-se à vontade (sinta-se, sinta-se à vontade) Antes de eu botar com raiva (bota com raiva) Relaxa mulher! Em sua grande maioria, as letras de música do grupo “Black Style” representam o homem como aquele que pode mandar, enquanto a mulher é representada como aquela que age para o homem, atende e cede a seus pedidos e comandos. Desta maneira, a representação final é claramente sexista, retratando a mulher como um objeto de prazer e uso masculino, alocando-lhe um lugar social abertamente inferior ao masculino. A suposta superioridade masculina é posta em evidência novamente na música “É de cima para baixo”: É de cima para baixo Que eu tô no comando A galera não vai se dá Bota a mão na cabeça Molha o dedinho, que a orgia vai começar É de cima para baixo É de cima para baixo Relaxa. Fique quieta. Calma, calma. Que eu encaixo. A música “O índio virou canibal” corrobora com a visão machista de que os homens possuem o direito à liberdade sexual e as mulheres são tidas como objetos sexuais deles: De acordo com Rosaldo (1979) “pureza e a profanação são ideias aplicadas principalmente às mulheres...”. Os homens, dificilmente, são passíveis de tais julgamentos. A Patrícia já comi, Débora já comi A Luciana já comi, A Fernanda já comi A Cristiana já comi, Juliana já comi A Paula já comi Carla já comi Adriana Já comi Yasmin já comi A Patty já comi Daniela já comi Valesca já comi Verusca já comi... Entende-se aqui pelo verbo “comer” acepção distinta da usual que designa o hábito de alimentar-se. “Comer” significa, nesse caso, manter relações sexuais. A enumeração de parceiras que o indivíduo manteve relações constitui-se no ato de enaltecimento de sua virilidade, diferentemente da mulher, que quando possui uma vida sexual ativa e com parceiros distintos é taxada pejorativamente pelas composições em estudadas. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise do corpus conclui que as hipóteses iniciais levantadas por esta pesquisa condizem com a realidade estudada, ou seja, as letras de músicas do grupo musical “Black Style” denigrem a imagem feminina, criando estereótipos que contribuem para que discursos machistas sejam propagados e enraizados na mentalidade de alguns. A mulher é caracterizada em grande parte das músicas como promíscua, interesseira, manipuladora, sedutora, infiel, entre outros adjetivos socialmente negativos. Sua vida sexual é alvo de julgamentos constantes, e o termo “piriguete” é usado para ressaltar sua insatisfação com um único parceiro, bem como o seu caráter volúvel. Os atos sexuais são descritos por um “eu” masculino que, normalmente, enumera as posições sexuais praticadas por ambos. A quantidade de parceiros sexuais da mulher também é alvo de julgamento e o seu caráter é sempre posto em questionamento por conta de sua liberdade sexual. Por outro lado, o homem é descrito como a vítima, o seduzido que é incapaz de resistir às artimanhas femininas. Segundo o perfil traçado a partir da análise das músicas, a mulher, ao se vestir e dançar maliciosamente, é quem induz o homem a pensar em sexo, a ser infiel, entre outras práticas moralmente questionáveis. Portanto, faz-se necessário que todos reflitam criticamente acerca dos discursos que ouvem diariamente para que não sejam promotores ou coniventes da opressão feminina. No caso específico das mulheres a fim de que não contribuam para a perpetuação da imagem negativa a seu respeito. Caberá também aos homens a compreensão de que as mulheres possuem direitos igualitários, inclusive os sexuais, e, por isso, não devem ser julgadas e desvalorizadas socialmente por fazerem uso desses direitos. Apesar dos discursos do senso comum ainda construírem a identidade feminina como de segunda classe, a conscientização crítica pode nos fazer ver que existem outras formas de representar e de ser mulher. É urgente a necessidade de transformar o discurso masculino de opressão em discurso de respeito à mulher. Diante disso, é preciso refletir sobre como os textos mostram as práticas sociais femininas e que somente outros textos, produzidos por outros discursos, poderão modificar as relações assimétricas de poder e de gênero e, sobretudo, modificar as representações sexistas e discriminatórias da mulher ao longo da história. REFERÊNCIAS BIBIOGRÁFICAS BASTOS, Mateus Rodamilans. Análise do pagode baiano contemporâneo e suas relações com a Lei Antibaixaria. 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