Anais Eletrônicos do VI ENPOLE
VI Encontro de Pós-Graduação em Letras | ISSN: 2176-4956
Universidade Federal de Sergipe, Campus São Cristóvão, 19 e 20 de Janeiro de 2015
A REPRESENTAÇÃO SEXISTA E DISCRIMINATÓRIA DA IDENTIDADE
FEMININA EM LETRAS DE CANÇÕES DO GÊNERO PAGODE BAIANO
Jailma de Jesus Santos1
1 INTRODUÇÃO
Ao longo da história da humanidade, as mulheres vêm buscando melhores
condições de vida bem como um tratamento igualitário em relação aos homens. No
entanto, apesar de já se estar no século XXI, muitas mulheres ainda são tratadas como
objetos sexuais e, em muitos casos, como meros instrumentos de distração dos homens.
Esse pensamento reflete-se nas mais diversas formas de manifestações culturais,
inclusive na produção artística de diferentes gêneros musicais.
Nesse contexto, esta pesquisa parte da necessidade de analisar se letras de
músicas, aparentemente inofensivas, servem para propagar discursos sexistas e
discriminatórios em relação às mulheres. O gênero musical conhecido como “pagode
baiano” merece um enfoque especial, especialmente as composições musicais do grupo
denominado “Black Style”, cujo teor sexista faz-se notório. Todavia, será necessário um
profundo estudo baseado na análise semântico-discursiva das letras desse grupo musical
para descobrir se, efetivamente, tais composições denigrem a imagem feminina e
exaltam a masculina.
As identidades femininas de conotação pejorativa e de cunho depreciativo
contribuem para a perpetuação da discriminação do gênero feminino, visto que
naturalizam as representações discriminatórias sobre as mulheres. Por isso, ao
analisarmos a construção de tais letras de músicas, buscamos enfatizar que estas
contrariam o movimento de luta das mulheres que objetivam a igualdade de gênero, a
promoção dos direitos humanos e a negação da imagem da mulher enquanto objeto
sexual.
É sabido que a prática discursiva não é imutável e os discursos são usados
socialmente para legitimar condições sociais. Os usuários da língua, conscientemente,
fazem escolhas linguísticas que acabam por estruturar, textualmente, ideologias que já
estão enraizadas em práticas culturais cotidianas. Ao mesmo tempo, que a língua
Especialização em Língua Portuguesa pela Faculdade Pio Décimo, Especialização em Gestão de Políticas Públicas
com Foco em Gênero e Raça, Licenciada em Letras/Português pela Universidade Federal de Sergipe.
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Apoio
FAPITEC/CAPES | POSGRAP | PPGL | CECH
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representa as experiências, ela também é uma das responsáveis por mudar tais
vivências, de construir novas ideologias e, assim, novas identidades para homens e
mulheres.
Ao usar a linguagem, em suas diversas formas, o homem participa
ativamente da construção de significados. É através do discurso que se pode resistir e
mudar esses significados, pois, além de representar práticas sociais, a língua é também
capaz de criar, influenciar ou modificar uma determinada realidade social. Conforme
Fairclough (2001), debater a construção das práticas discursivas e a relação entre elas
pode tanto favorecer a reprodução do sujeito social quanto a sua transformação. Por
isso, deve-se optar sempre por refletir criticamente sobre os discursos existentes.
Ainda de acordo com Fairclough (2001), a linguagem é uma forma de
prática social imprescindível nas lutas de poder. Logo, ao se propor uma análise crítica
do discurso transmitido por essa indústria de entretenimento, especificamente, do
supracitado grupo musical, visa-se mostrar quais são os discursos enraizados na
mentalidade popular sobre a figura feminina, e alertar para a contribuição negativa que
esse tipo de juízo de valor acarreta para a gradual depreciação da mulher.
Optou-se pela utilização da Análise Crítica do Discurso (ACD) como
conduta teórica e prática para desencadeamento desta pesquisa, por proporcionar tanto
uma teoria quanto um método de análise das práticas sociais. Conforme Fairclough
(2003):
A ACD é uma forma de ciência crítica que foi concebida como ciência
social destinada a identificar os problemas que as pessoas enfrentam
em decorrência de formas particulares da vida social e destinada,
igualmente, a desenvolver recursos de que as pessoas podem se valer a
fim de abordar e superar esses problemas (tradução nossa).
Em síntese, pode-se afirmar que o estudo das relações entre linguagem e
poder serve para comprovar cientificamente que os sujeitos sociais são moldados pelas
práticas discursivas, mas também são capazes de remodelar e reestruturar essas práticas.
2 O PAPEL SOCIAL DO GÊNERO FEMININO
As diferenças de gênero na organização social da vida privada e pública
indicam, historicamente, os papéis sociais do homem e da mulher. Às mulheres sempre
coube o cuidado com o lar e os filhos, e aos homens o sustento financeiro da família. Ao
longo dos séculos esse quadro modificou-se parcialmente, pois a mulher também
começou a contribuir para o orçamento doméstico. Porém, ao mesmo tempo em que
trabalha fora de casa, ela também é a única responsável pelas tarefas domésticas, visto
que a educação moral da prole e os cuidados com a criação, normalmente, ainda se
restringem ao gênero feminino, cabendo ao homem apenas ser o provedor financeiro
dos filhos.
No âmbito da organização social da vida privada, nota-se também que o
exercício da sexualidade do gênero feminino é diferenciado do masculino. Apesar de já
poder escolher se quer ter filhos ou não (através do uso de métodos contraceptivos), de
ser permitida a escolha de seu parceiro para o casamento, as mulheres ainda não
possuem a liberdade social de envolver-se com diversos homens e ainda assim manter
uma reputação honrada. Por outro lado, para os homens, a diversidade de parceiras é
importante para seu prestígio perante a sociedade.
A análise da participação social feminina em diversos campos da vida é
essencial para que se compreenda a dimensão de desigualdade a que a mulher sempre
esteve submetida. Reduzida participação no campo da pesquisa científica, mercado de
trabalho normalmente restrito às profissões tidas como femininas, mínima participação
na vida política, são exemplos de batalhas enfrentadas pelas mulheres ao longo do
tempo. Tais assimetrias de gêneros são reforçadas quando o homem está numa posição
dominante e a mulher numa subalterna e, apesar de serem frutos da criação de
estereótipos e preconceitos, elas ainda são reproduzidas em nossa sociedade
costumeiramente.
Para entender as desigualdades existentes entre homens e mulheres
buscaram-se diversas explicações, algumas de cunho biológico, outras de caráter
psíquico. Porém, a maioria delas demonstra que sozinhas são insuficientes para
explicarem as diferenças existentes entre homens e mulheres. Os estudos sociais
demonstram que as diferenças são construídas pela própria sociedade, haja vista que são
os seres humanos que dita padrões aceitáveis ou não de conduta para gênero feminino
ou masculino. Convém ressaltar, no entanto, que:
Isto não quer dizer que os fatos biológicos sejam irrelevantes ou que
os homens e mulheres não sejam diferentes, mas sim que certos dados
e diferenças somente adquirem significado de superior/inferior dentro
da
estrutura
de
sistemas
de
valores
culturalmente
definidos (ORTNER, 1979).
O contexto familiar é responsável pelo primeiro processo de socialização de
crianças e jovens. A família, normalmente, diferencia o tratamento dispensado aos
meninos e às meninas, bem como as expectativas que são postas sobre eles. Aos
meninos, dão-se brinquedos que remetem a uma vida mais livre e independente, ou seja,
carrinhos, bolas de futebol, entre outros. Já às meninas, são doados bonecas e utensílios
domésticos que fazem alusão a uma vivência doméstica de cuidado com a prole.
Rosaldo (1979) corrobora com esta ideia e afirma que há "uma identificação muito geral
das mulheres com a vida doméstica e dos homens com a pública".
O discurso sobre a sexualidade também é diferenciado, desde a infância,
quando se refere a homens e a mulheres. Por exemplo, aos meninos sempre foi
permitido que se discutisse abertamente a respeito do sexo, já às meninas ainda é inibida
qualquer tentativa neste sentido. A iniciação sexual também é distinta para ambos, visto
que, normalmente, os homens iniciam-se mais jovens que as mulheres e mantém uma
diversidade maior de parceiras durante a vida.
Uma questão social que também é demonstra a desigualdade existente entre
homens e mulheres, é a prática constante de atos violentos contra elas dentro de seus
próprios lares. Manifestada de diversas formas, a violência doméstica pode ser de
caráter físico ou psicológico. Ameaças físicas, atentado ao pudor, estupro, tortura
psicológica, entre outros, na maioria das vezes não são denunciadas às autoridades
competentes. O receio de não ser atendida de maneira digna e o medo de sofrer
retaliações da sociedade e do próprio agressor faz com muitas vítimas continuem
caladas.
O arcabouço jurídico brasileiro evoluiu bastante no que diz respeito
às medidas protetivas a favor mulher. Exemplo disso é a legalização da Lei
11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha. Indubitavelmente, esta lei
proporcionou maior visibilidade às ações de combate à violência contra a mulher, com
intervenções concretas em relação ao agressor como, por exemplo, a sua prisão, a
proibição das penas pecuniárias (pagamento de multas ou cestas básicas) e uma maior
viabilidade de acessar meios governamentais e jurídicos para resolver questões legais
com mais agilidade.
No entanto, ainda necessitamos que as unidades de delegacias femininas
sejam difundidas para regiões distantes do país e que mais campanhas de
conscientização sejam criadas, a fim de que as mulheres possam sentir-se confiantes e
seguras para denunciar os maus-tratos que porventura sejam submetidas.
Diante dessa abordagem, é notório que para se minimizar a desigualdade de
gêneros, será preciso mudar também os discursos que formam a identidade feminina,
fazendo com que a mulher seja vista como um ser digno, capaz de fazer suas próprias
escolhas, com capacidade intelectual igual à masculina e potencial para desenvolver o
trabalho que ela objetivar. Nesse sentido, é importante desvendar os discursos de massa,
discutir textos e capacitar pessoas para que possam buscar e construir discursos
alternativos que garantam a valorização da mulher.
2.1 O “PAGODE BAIANO” E A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE FEMININA
As diversas formas de discriminação contra o gênero feminino são temas
constantemente discutidos no âmbito acadêmico. Existe uma ampla gama de textos que
versam sobre o assunto e comprovam as situações constrangedoras e desiguais às quais
as mulheres são submetidas cotidianamente. Conforme já brevemente abordado, muito
disso deve-se aos discursos enraizados ao longo dos tempos a respeito da figura
feminina.
A música assumiu um importante papel social em nossa sociedade, visto
que extrapolou a função de simples manifestação cultural. A música não serve apenas
para entreter, ou seja, para simplesmente ouvir e dançar. Ela superou o caráter lúdico de
que se revestiu por certo período e ganhou conotações e importância no plano social e
político. Por isso, empregamos a Análise Crítica do Discurso para analisar as ideias
transmitidas por essa indústria. Já que Pêcheux (1990) diz que não há discurso sem
sujeito e nem sujeito sem ideologia, baseamos nossa análise no estudo das relações de
poder engendradas nas relações de gênero.
A construção da identidade feminina, a partir de alguns gêneros musicais,
cria e/ou reforça discursos sexistas e discriminatórios acerca da mulher. O chamado
“pagode baiano” é um dos gêneros musicais que contribui para que a mulher seja vista
como objeto sexual masculino, sendo inclusive alvo de uma lei estadual do governo
baiano, popularmente conhecida como a “Lei Antibaixaria”, que visa a não contratação,
através de verbas públicas, de artistas cujo teor das letras discrimine as mulheres e
incentive a violência contra elas.
Alvo de polêmicas, a “Lei Antibaixaria” foi objeto de análise de alguns
estudiosos do assunto que questionam se ela não fere o princípio de liberdade de
expressão garantida pela constituição, bem como se tal medida não seria a legalização
do preconceito contra as classes menos favorecidas, visto que, são elas, normalmente, as
produtoras desse tipo de música.
Segundo Pinho (2011):
No bojo desse debate não podemos desconsiderar tais questões e
impasses, sob pena de reproduzirmos novas opressões e ao defender,
com toda razão, a dignidade da mulher, assumamos ponto de vista
neocolonial, demonizando o "nativo", bárbaro infrene, presa e
predador, de seus imoderados apetites sexuais.
Por outro lado, aos que defendem a existência da lei, argumenta-se que se
não trata de censura, mas sim de um alerta a toda sociedade de que esse tipo de discurso
é extremamente prejudicial à mulher, vítima de todo tipo de violência ao longo de sua
história. Confirmando esse pensamento, Sardenberg (2011) nos afirma:
Ressalte-se que não se trata aqui de cercear o direito de “livre
expressão artística” de ninguém, já devidamente consagrada na
Constituição Federal. Não se trata de fazer censura. Longe
disso! Mas é necessário que o Estado não seja conivente com
mensagens que façam a apologia da violência de gênero contra
mulheres, utilizando verbas públicas – o dinheiro nosso e do nosso
povo – para aviltar a nossa imagem! Fazê-lo, ou seja, contratar com
dinheiro público quem assim procede é legitimar a violência de gênero
contra as mulheres. É, pois, atentar contra a nossa carta magna,
cabendo, pois, de nossa parte, a impetração de ações cíveis junto ao
Ministério Público.
A assertiva da professora Sardenberg mostra em sua visão, a respeito do
assunto, que determinados tipos de música contribuem bastante para depreciação da
imagem feminina e realmente contraria os objetivos dos movimentos feministas que
visam à garantia dos direitos conquistados, assim como o respeito da sociedade em
relação à mulher.
Interpretação parecida por parte das autoridades baianas garantiu a
aprovação da Lei 12.573 em 27 de março de 2012, representando assim um avanço no
combate à desvalorização do gênero feminino, visto que outros estados da federação
também estão seguindo esse exemplo.
2.2 ANÁLISE DAS LETRAS DO GRUPO DE PAGODE “BLACK STYLE”
As músicas do grupo baiano “Black Style” se destacam em relação às de
mesmo gênero. São as que mais apresentam um teor sexista e discriminatório em
relação à mulher. Segundo um estudo quantitativo realizado por Bastos (2011), que
analisou o corpus de quatro bandas de pagode: “Black Style”, Raghatoni, Parangolé e
Psirico, constatou-se que as descrições jocosas e sexuais da mulher predominam
veementemente nas duas primeiras.
De acordo com Bastos (2011):
O uso de duplo sentido está associado às temáticas 'maliciosas'
(jocosas e sexuais) estando presente principalmente nas músicas
cantadas pelas bandas “Black Style” (31% das músicas) e Raghatoni
(26% das músicas).
Baseado na análise do corpus das letras de músicas do grupo “Black Style”,
citado logo acima, selecionamos aquelas que se referem especificamente e de forma
direta à mulher. A partir disso, foi procedida uma análise semântico-discursiva diante de
toda a produção musical do supradito grupo de pagode baiano, nas quais constatamos
verdadeiras agressões à moral e à imagem feminina.
Inicialmente, percebemos que é recorrente a associação da figura feminina à
de uma cadela, com ênfase em seus hábitos promíscuos e conduta amoral. Essa postura
discriminatória em relação ao gênero feminino pode ser observada, por exemplo, na
canção “Balance o rabinho cachorra”:
Procurei por minha cachorra,
Ninguém sabe, ninguém viu,
Olhei de baixo da mesa, procurei lá no canil
Ela saiu de coleira, deve tá no pagodão
Balance o rabinho chamando atenção, no assovio do Robsão
Balance o rabinho chamando atenção, no assovio do Robsão
Balance o rabinho cachorra
Balance o rabinho cachorra
Balance o rabinho cachorra...
É perceptível que a utilização do aumentativo “Robsão” para referir-se ao
homem denota a suposta superioridade masculina transmitida pela música “Balance o
rabinho cachorra”. No que concerne à opressão chancelada por uma visão machista
acerca da mulher, aliada ainda à comparação de sua conduta a de uma cadela, também
são perceptíveis em outras músicas, como em “Me dá a patinha” na qual a figura
feminina é ainda taxada como transmissora de doenças sexualmente transmissíveis:
Robsão já pegou
O Galvão pegou também
O Jean engravidou,
Tá esperando o seu neném
Netinho pegou de quatro
Vitinho fez frango assado
Fabinho sem camisinha
Pegou uma coceirinha
O nome dela é Marcela
Eu vou te dizer quem é ela
Eu disse
Ela, ela, ela é uma cadela
Ela, ela mais ela é prima de Isabela
Joga a patinha pra cima
One, Two, Three
Me dá, me dá patinha
Me dá, me dá patinha
Me dá, me dá patinha
Me dá sua cahorrinha
Eu disse ela, ela, ela é uma cadela...
Me dá sua cahorrinha.
Outra imagem recorrente em relação à mulher é a de alguém interesseira,
que se envolve sexualmente com o outro em troca de favores financeiros. Isso é
explicitado em músicas diversas do grupo “Black Style”, a exemplo da música
“Dinheiro é Bom”, cujo conteúdo deixa claro essa visão:
A mulherada sempre diz que te ama
Que está apaixonada e quer dar o coração
Tome cuidado com a mulher bandida
Já quer engravidar já de olho na pensão...
A expressão “mulher bandida” e o termo “pensão” aludem ao caráter
interesseiro feminino e demonstram o tratamento dispensado às mulheres em grande
parte das letras analisadas. Vejamos mais um desses casos na explicitado na canção
“Nóis é patrão” em que o sexo feminino é taxado como oportunista:
Corrente de ouro,
Relógio importado no braço
Com a grana na mão, lá vem o patrão
Uma barca pra dar um rolé,
Abre o teto solar, ê,ê,ê,ê
Só vai dar eu e ela
Ela quer blusa da Armani e blusa da Louis Vuitton
Ela dá pra nóis que nóis é patrão,
Ela dá pra nóis que nóis é patrão,
Ela dá pra nóis que nóis é patrão,
Olha a contravenção
Não, pro secretário não
Não, ela só dá pro patrão.
A falta de caráter feminino também é ressaltada em outra música
denominada “Não te quero mais”, na qual se acrescenta a expressão “piriguetona”,
variação de “piriguete”, termo pejorativo que remete segundo Nascimento (2008): “às
representações da mulher fácil, disponível, a ninfomaníaca dominada pelos desejos
desenfreados, a bacante, a mulher poderosa pelos seus atributos sedutores etc.”. A ideia
de mulher aproveitadora também é reforçada na passagem que a apresenta interessada
no “carrão” do homem.
Andava de buzú
Você nunca me olhou
Louco por você
Você me rejeitou
Comprei o meu carrão
Você abriu o sorrisão
E agora pra você
Eu canto essa canção
Eu não te quero mais
Sai daqui periguetona
Eu não te quero mais
Sai daqui periguetona...
Numa total afronta ao seu perfil moral, tem-se ainda nesse contexto a
infidelidade feminina que também é posta em relevo nas letras de canções do grupo em
questão. As mulheres são retratadas como traidoras e responsáveis pela sedução do sexo
oposto, que se vê encurralado e torna-se cúmplice do ato feminino. Assim é o caso da
canção “Vaco Vuco”:
Você marcou comigo pra sair
Mas já pensou se o outro descobrir
Ele tem uma fama de ser valentão
Mas não sabe que a gente se pega
Todo dia, toda hora nega você escorrega
Caia por cima de mim me deixa sem defesa
Quando o gato não tá o que é que tem?
O rato passeia na mesa
Não perde tempo amor
Vamos fazer...
Vaco, vuco
Vaco, vuco
Vaco, vuco
Nega me deixa maluco
Nega me deixa maluco
Nega me deixa maluco
Pro lance não acabar vou te pedir:
Abafe, abafe, abafe o caso
Então abafe, abafe o caso.
Seja pelas suas vestimentas ou por seus hábitos, a mulher é constantemente
caracterizada como a sedutora irresistível, é sempre a responsável pelo despertar do
desejo sexual masculino, questão notória em diversas músicas, como em “Flexionando”,
por exemplo:
Vai pra academia
Com o seu shortinho
Toda apertadinha
Os homens ficam maluquinhos...
A mesma descrição de mulher sexualizada e vestida irresistivelmente para
seduzir os olhos masculinos pode ser observada também nesta outra canção, intitulada
“Perereca”:
Ela bota uma calça
Apertadinha
O bagulho tá sério
Tá toda enxadinha
Além de todas as características agressivas já aludidas, há ainda que se
ressaltar o poder argumentativo feminino que, segundo as canções do grupo “Black
Style”, figura como uma arma em um jogo de sedução. Tal poder é explicitado na
música “Tome, todinha”, na qual a força de manipulação feminina, perante os homens,
mostra-se irresistível:
Que mulher gulosa
Ela entra na roda e não quer mais sair
Sabe que é gostosa
Muito boa de papo e quer me iludir
Tá pensando que eu não tô caindo?
Desse jeito você vai me amarrar
Se pedir eu vou te dar...
É importante salientar que em grande parte das músicas analisadas, o
homem frequentemente usa a forma imperativa e ocupa a posição de sujeito das
orações, o que lhe garante o controle do discurso. Esse poder dominador do homem
pode ser observado na seguinte canção “Esfrega a xana no asfalto”:
Então esfrega a xana no asfalto
Esfrega a xana no asfalto
Esfrega a xana no asfalto
Esfrega a xana no asfalto
Esfrega a xana no asfalto
Xana no asfalto
Esfrega!
Esfrega!
Esfrega!
O uso de verbos no modo imperativo (esfregar) demonstra o poder de
comando masculino para com a mulher. Na canção “No suave”, novamente esse poder é
ressaltado através de tal modo verbal (relaxa, sinta):
Novinha tu quer se envolver
Então, sinta-se à vontade
(sinta-se, sinta-se à vontade)
Antes de eu botar com raiva
(bota com raiva)
Relaxa mulher!
Em sua grande maioria, as letras de música do grupo “Black Style”
representam o homem como aquele que pode mandar, enquanto a mulher é representada
como aquela que age para o homem, atende e cede a seus pedidos e comandos. Desta
maneira, a representação final é claramente sexista, retratando a mulher como um objeto
de prazer e uso masculino, alocando-lhe um lugar social abertamente inferior ao
masculino.
A suposta superioridade masculina é posta em evidência novamente na
música “É de cima para baixo”:
É de cima para baixo
Que eu tô no comando
A galera não vai se dá
Bota a mão na cabeça
Molha o dedinho, que a orgia vai começar
É de cima para baixo
É de cima para baixo
Relaxa. Fique quieta.
Calma, calma.
Que eu encaixo.
A música “O índio virou canibal” corrobora com a visão machista de que os
homens possuem o direito à liberdade sexual e as mulheres são tidas como objetos
sexuais deles: De acordo com Rosaldo (1979) “pureza e a profanação são ideias
aplicadas principalmente às mulheres...”. Os homens, dificilmente, são passíveis de tais
julgamentos.
A Patrícia já comi,
Débora já comi
A Luciana já comi,
A Fernanda já comi
A Cristiana já comi,
Juliana já comi
A Paula já comi
Carla já comi
Adriana Já comi
Yasmin já comi
A Patty já comi
Daniela já comi
Valesca já comi
Verusca já comi...
Entende-se aqui pelo verbo “comer” acepção distinta da usual que designa o
hábito de alimentar-se. “Comer” significa, nesse caso, manter relações sexuais. A
enumeração de parceiras que o indivíduo manteve relações constitui-se no ato de
enaltecimento de sua virilidade, diferentemente da mulher, que quando possui uma vida
sexual ativa e com parceiros distintos é taxada pejorativamente pelas composições em
estudadas.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise do corpus conclui que as hipóteses iniciais levantadas por esta
pesquisa condizem com a realidade estudada, ou seja, as letras de músicas do grupo
musical “Black Style” denigrem a imagem feminina, criando estereótipos que
contribuem para que discursos machistas sejam propagados e enraizados na mentalidade
de alguns.
A mulher é caracterizada em grande parte das músicas como promíscua,
interesseira, manipuladora, sedutora, infiel, entre outros adjetivos socialmente
negativos. Sua vida sexual é alvo de julgamentos constantes, e o termo “piriguete” é
usado para ressaltar sua insatisfação com um único parceiro, bem como o seu caráter
volúvel.
Os atos sexuais são descritos por um “eu” masculino que, normalmente,
enumera as posições sexuais praticadas por ambos. A quantidade de parceiros sexuais
da mulher também é alvo de julgamento e o seu caráter é sempre posto em
questionamento por conta de sua liberdade sexual.
Por outro lado, o homem é descrito como a vítima, o seduzido que é incapaz
de resistir às artimanhas femininas. Segundo o perfil traçado a partir da análise das
músicas, a mulher, ao se vestir e dançar maliciosamente, é quem induz o homem a
pensar em sexo, a ser infiel, entre outras práticas moralmente questionáveis.
Portanto, faz-se necessário que todos reflitam criticamente acerca dos
discursos que ouvem diariamente para que não sejam promotores ou coniventes da
opressão feminina. No caso específico das mulheres a fim de que não contribuam para a
perpetuação da imagem negativa a seu respeito. Caberá também aos homens a
compreensão de que as mulheres possuem direitos igualitários, inclusive os sexuais, e,
por isso, não devem ser julgadas e desvalorizadas socialmente por fazerem uso desses
direitos.
Apesar dos discursos do senso comum ainda construírem a identidade
feminina como de segunda classe, a conscientização crítica pode nos fazer ver que
existem outras formas de representar e de ser mulher. É urgente a necessidade de
transformar o discurso masculino de opressão em discurso de respeito à mulher. Diante
disso, é preciso refletir sobre como os textos mostram as práticas sociais femininas e
que somente outros textos, produzidos por outros discursos, poderão modificar as
relações assimétricas de poder e de gênero e, sobretudo, modificar as representações
sexistas e discriminatórias da mulher ao longo da história.
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<http://xa.yimg.com/kq/groups/14465203/61151995/name/Artigo+Mateus+antibaixaria.
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d=4022&Itemid=64>acessado em 01/06/2012.
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