Revista TREINAMENTO DESPORTIVO
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TREINADOR
Jiu jitsu: educação ou adestramento?
Odair A. Borges
Mestrado em Educação Física pela Universidade de São Paulo,
Professor da Faculdade de Educação Física da PUCCAMP – SP
O
Jiu Jitsu, Ju Jitsu ou Ju Jutsu é uma moda
lidade de luta relativamente nova entre nós,
apesar de ser conhecida e praticada em boa
parte do mundo. Sua origem vem de várias formas
de lutas orientais com características de ataque e defesa que foram cultivadas e desenvolvidas pelos guerreiros japoneses (o Samurai), seus mais diretos e perfeitos cultores. Sendo eles exímios lutadores, vieram
a ser os que mais contribuíram na formação desta
luta que tomou o nome de Ju Jutsu (transcrição original da grafia japonesa), por volta do ano 1600 no
Japão. Conforme entendemos pela pronúncia em japonês, adotou-se aqui no Brasil a grafia e pronúncia
como sendo Jiu Jitsu.
Podemos defini-lo literalmente por “Técnica Suave”, uma vez que “JU” significa suave, flexível ou
maleável. “JUTSU” quer dizer técnica, habilidade ou
estratégia.
Entendo o termo Ju Jutsu como meio de, através
do domínio técnico, atingir o domínio de si mesmo,
buscando uma plenitude harmoniosa entre corpo e
espírito, e destes com o mundo.
O professor Jigoro Kano (1898), que idealizou o
Judô e que antes era praticante de um dos antigos
estilos de Jiu Jitsu, afirmou: “Estudei o Ju Jutsu (Jiu
Jitsu) não somente porque era um método interessante de luta, mas porque compreendi que poderia
vir a ser um meio eficaz para a educação do corpo e
do espírito” (JUDÔ MAGAZINE-France, 1998).
TREINAMENTO
DESPORTIVO
Volume 4 – Número 1 – 1999
Artigo Treinador: págs. 67 a 71
Nos primórdios de sua idealização, os vários estilos de Jiu Jitsu eram praticados com o objetivo de
defesa pessoal de importância vital para o guerreiro
Samurai. Fundamentados em seu código de ética, o
“Bushido” (caminho do guerreiro), os conceitos de
honra, coragem, disciplina e respeito eram a essência e objetivo, que buscavam para a formação integral do homem.
Lamentavelmente, não é esta a mensagem que
vem sendo passada por muitos “instrutores” sem formação acadêmica e, às vezes, até sem nenhuma qualificação profissional, que de uma hora para outra se
tornaram instrutores de Jiu Jitsu.
O grande público têm lido e visto pelos meios de
comunicação, brigas, agressões, gangues de lutadores
e inclusive alguns “entendidos” comentando verdadeiras barbaridades e idéias exageradas a respeito do
Jiu Jitsu, confundindo-o principalmente com o ValeTudo, que nada mais é que o retorno aos combates
sangrentos da Roma Antiga, demonstrando a supremacia da nova afirmação da fera sobre o homem.
Influenciados e orientados por “professores” afeitos a desafios e à incitação para confrontos contra
praticantes de outras modalidades de luta, jovens são
adestrados para demonstrações narcisistas em busca
de afirmação através da agressão física.
Fazendo uma revisão da literatura científica existente, encontramos um artigo sobre violência no esporte, entitulado “The Determinants and Control of
Violence in Spot”, cujo conteúdo vem confirmar e enriquecer nossa argumentação. Segundo os autores Terry,
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P. e Jackson, J. (1985), a agressão no esporte pode
ser analisada como: instinto, frustação ou comportamento social aprendido. Dos três enfoques, os
que mais chamam a atenção para o nosso caso específico são a frustação e o comportamento social
aprendido.
FRUSTRAÇÃO / AGRESSÃO
Na hipótese frustração/agressão formulada por
Dollard et all (1939), afirma-se que a ocorrência
de agressão sempre pressupõe a existência de alguma forma de frustação e, inversamente, a existência de frustração sempre coduz à uma forma de
agressão.
Bandura e Walters (1963) reforçaram o conceito
de agressão imitativa, por meio do qual crianças expostas a um adulto agressivo, o imitam, especialmente
quando o modelo adulto é observado buscando ser
recompensado ao invés de punido.
Lefebvre, Leith e Bredemeier (1980) propõem
muitos fatores em situações dentro do esporte que
contribuem para o comportamento agressivo em função do aumento da frustração. Um, é a consequência
da disputa. Leith (1977), por exemplo, achou que os
perdedores exibem significativamente mais agressão
do que os ganhadores. É razoável assumir que os
perdedores experimentam maior frustração que os
ganhadores. Notadamente uma relação diferente tem
sido relevada, onde os vencedores exibiram comportamento mais violento que os perdedores (Cullen,
1975), sugerindo que a intimidação pode ser empregada como um meio para conseguir sucesso.
A AGRESSÃO COMO COMPORTAMENTO
SOCIAL APRENDIDO
Em adição às influências psicológicas e
situacionais, os atletas são submetidos a um processo de socialização poderoso, através do qual aprendem comportamentos apropriados e inapropriados.
De acordo com a teoria de aprendizagem social
(Bandura, 1963), a base da socialização repousa nos
processos de Reforço e Modelo.
Reforço
É bem estabelecido na literatura que o reforço
influencia fortemente o comportamento futuro
(Skinner, 1953). O reforço pode ser positivo na forma de aprovação explícita ou implícita e/ou recompensa material ou aversivo na forma de desaprovação crítica ou punição. No esporte, os reforços para
atos de violência emanam de uma variedade de fontes que podem ser convenientemente agrupadas em
três fontes principais:
a) o grupo de referência imediato do atleta, especialmente professores treinadores, companheiros
de equipe e família;
b) a estrutura do esporte principalmente no que
diz respeito às regras e atuação dos árbitros;
c) a atitude dos fãs, mídia e sociedade em geral.
Referências Importantes
Professores e Treinadores, com sua posição
estabelecida de controle sobre as equipes, exercem
uma forte influência nos atletas, no que diz respeito
aos tipos de comportamento agressivo, considerados
apropriados no contexto esportivo. Um estudo de
Smith (1979) indicou que 52% dos jogadores de
hochey entre 18 e 21 anos percebem seus técnicos
como grandes aprovadores do comportamento violento e que, quanto mais técnicos aprovam a violência, mais seus jogadores cometerão atos violentos.
A influência dos companheiros é talvez maior.
As descobertas de Smith (1979ª) que mesmo entre
jogadores de 12 a 13 anos, 54% perceberam seus
companheiros como grandes incentivadores da violência no hochey. Isto aumenta para 78% entre grupos de jogadores de 18 a 21 anos.
A agressividade como um estereótipo masculino
desejável é talvez uma causa enraigada significativa
do reforço positivo que atletas masculinos recebem
para agirem agressivamente. Os pais têm um importante papel quanto a isso, comunicando modelos apropriados de comportamento a sua descendência desde
tenra idade. A pesquisa sugere que, especialmente
entre os ambientes sócio-econômicos mais baixos, a
agressão física é incentivada pelos pais como uma
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característica masculina desejável (Dietz, 1978). Na
base das entrevistas citadas por Smith (1979ª), alguns
pais encaravam aparentemente esportes altamente
agressivos como uma preparação apropriada para rigores de uma sociedade altamente agressiva que seus
filhos enfrenteriam um dia.
Estrutura do Esporte
Muitos relatos sobre a violência no esporte
(McMurtry, 1974) têm pressionado certos fatores estruturais dentro dos esportes em si que contribuem para
a violência. Primeiro eles mencionam a intensa competição e a ênfase resultante na vitória. Eles mencionam também as estruturas regulamentares (regras) que
não previnem efetivamente a violência. Muitos livros
de regras contêm penalidades que não são suficientemente convincentes para deter os transgressores. À luz
da Teoria da Permuta Social (Homans, 1974), este é
um fator extremamente aparente.
A teoria da permuta social é baseada na suposição de que cada indivíduo tem um calculador interno que pesa as vantagens e desvantagens de
qualquer ação. O indivíduo tentará naturalmente
maximizar a recompensa minimizando ao mesmo
tempo os custos. Em outras palavras, o atleta pesará a punição associada com a violação da regra
contra os benefícios potenciais a serem ganhos pela
quebra das regras. Cometendo agressão e recebendo apenas uma penalidade leve como punição, então é claro que a recompensa supera a punição.
Nesta situação, as únicas forças que podem deter
o indivíduo e desestimulá-lo a agir violentamente
é o repúdio de seu treinador e companheiros ou a
influência de fortes convicções pessoais que o indivíduo possa ter.
É uma desgraça quando o mal comportamento
contribui para a vitória. É ainda maior a infelicidade
quando o uso da intimidação física é superior à punição, e a violência acaba se tornando um meio tático
para conseguir a vitória.
Um outro fator que agrava o problema das regras brandas é a participação ineficiente dos árbi-
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tros. Se eles falham em penalizar a agressão, então
ela é reforçada aumentando a probabilidade de nova
ocorrência. Embora ultimamente a responsabilidade pela violência repouse sobre os próprios atletas,
os dirigentes esportivos tem um papel muito influente na determinação do comportamento aceitável
porque estabelecem as regras e normas e, muitas
vezes aprovam os transgressores. Temos visto no
Jiu Jitsu Brasileiro uma notável tolerância para a
violência, onde os dirigentes e árbitros têm demonstrado inacreditável brandura ao lidar com
transgressores violentos.
Modelo
O modelo envolve a imitação do comportamento, especialmente aquela bem sucedida. Porque no
esporte, é normal para jovens atletas imitarem o comportamento de seus heróis. Russel (1978) sugere que
o comportamento imitativo inclui a emulação da violência. Conclui que os jogadores de hockey das escolas cujos jogadores favoritos eram violentos, receberam eles próprios mais penalidades de agressão que
os jovens jogadores que escolheram modelos menos
violentos. Posteriores evidências foram colhidas por
Smith (1979) que descobriu que 56% dos jogadores
juniores de hockey entrevistados, alegavam que
aprenderam técnicas de agressão assistindo o hockey
profissional e incorporaram-nas subseqüentemente
em seu próprio estilo de jogo.
O processo de modelação dota o esporte profissional com uma responsabilidade especial de estabelecer exemplos desejáveis de comportamento como
os atletas de alto nível de hoje que tem o poder de
influenciar a próxima geração. Assim, como o comportamento dos atletas profissionais é por sua vez
influenciada por reforços e pressão a eles dirigidos
por treinadores, companheiros, fãs, mídia, promotores de esportes e dirigentes; então, a responsabilidade pela criação de modelos saudáveis deve vir de todas estas fontes. Entretanto, a identificação dos
determinantes da agressão resolve apenas parte do
problema. A maior tarefa é delinear estratégias para
reduzir a violência.
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Assumindo-se que o instinto para o comportamento
agressivo de um indivíduo é uma constante, e que os
valores morais permanecem satisfatoriamente estáveis,
então a forma mais efetiva para reduzir sua propensão
para a agressão é através da aprendizagem social. Um
fator muito importante do modelo é que as
consequências da agressão funcionam numa capacidade de aprendizagem social que por seu turno influencia a propensão do indivíduo para futuro comportamento agressivo. Isso sugere que um sistema de reforço de recompensas/punições tangíveis pode reduzir a
probabilidade de comportamento agressivo. Em termos práticos, isto envolve punir severamente a
agressividade o bastante para deter posterior comportamento agressivo, combinando com substanciais recompensas para o fair play (jogo limpo).
Como o modelo indica, um meio alternativo para
o controle do comportamento agressivo é modificar
a situação, reduzindo dessa forma a quantidade de
frustação presente. Isto pode envolver mudanças nas
regras fundamentais ou banir certas práticas de alto
risco que, embora ilegais por si mesmas, frequentemente agem como o catalizador que provoca a resposta violenta.
Alternativamente, os níveis de frustação poderiam ser reduzidos desenfatizando a vitória em
competições que não condizem com a realidade
dos esportes federados e reconhecidos internacionalmente. É reconhecido, entretanto que o aspecto
competitivo está tão profundamente arraigado no
Jiu Jitsu Brasileiro que este remédio pode não ser
o desejável.
A causa primária da violência, consequentemente
pode não ser nenhum dos fatores acima apontados,
mas sim a natureza de nossa sociedade. Para usar um
paralelo histórico, assim como do declínio do império Romano foi acompanhado por banhos de sangue
“esportivos” no Coliseu, também pode ser que a corrente ascendente de violência reflita a decadência de
nossa própria civilização. Entretanto, este assunto está
fora do objetivo deste artigo, e é mencionado apenas
para alimentar pensamentos.
CONCLUSÃO
Este artigo tentou identificar fatores que contribuem para a agressividade e a violência no esporte.
Pode-se concluir que fatores psicológicos, morais e
situacionais têm um papel significativo na violência
esportiva. Pode-se também concluir que as forças da
socialização, particularmente o reforço, são as mais
prontamente manipuladas. A fim de manter um controle da agressão, a estrutura de reforço de um esporte deveria ser tal que as violações das regras resultassem em punições que teriam valor coibitivo maior do que quaisquer vantagens.
Tem-se argumentado que a responsabilidade de
prover reforços apropriados baseia-se em muitas fontes independentes, mas inter-relacionadas. Aquelas
que circumdam imediatamente os atletas, são particularmente influentes e portanto têm uma responsabilidade especial. O treinador e os companheiros formam o núcleo do ambiente esportivo de um atleta e
exercem sobre ele forte influência para mantê-lo aos
padrões normais.
Um dos principais fatores para conter a violência
dentro do Jiu Jitsu Brasileiro é a preocupação que
deve ter o verdadeiro Professor/Educador em orientar e educar; atendendo adequadamente as necessidades biológicas, psicológicas, sociais e culturais de
seus alunos. Nunca se pode deixar de lado a tradição, os aspectos culturais e filosóficos do Ju Jutsu
(Jiu Jitsu) e do Judô, que tem como principal objetivo contribuir para formação do ser humano em benefício da sociedade.
Um passo de fundamental importância já foi dado
para que se discipline a orientação técnica/pedagógica dos esportes e das lutas em geral, através da Lei
Federal no. 9696 de 01/09/1998 que diz em seu artigo 1º “O exercício das atividades de Educação Física
é prerrogativa dos possuidores de diploma em Curso
de Educação Física oficialmente autorizado e reconhecido”.
Esta lei a muito requestada por nós, professores
de Educação Física, vem contribuir grandemente para
que tenhamos profissionais competentes e
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quantificados, com fundamentação prática, teórica e
científica.
Enfim, a responsabilidade final de erradicação da
violência no Brazilian Jiu Jitsu deve permanecer na
consciência de cada professor e atleta.
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O “Ju” do Ju Jutsu e o “Ju” do Judô são ideogramas
idênticos, simbolizam a manifestação de racionalidade
e não um mero feito de força física, idealizados que
foram, para modificar e educar a agressividade primitiva do ser humano, canalizando-a para seu próprio
enriquecimento físico, psíquico e social.
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