Excelentíssima Doutora Juíza de Direito da Vara de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher
O Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul, por
seu Promotor de Justiça subscritor, vem à presença de V.Ex.ª interpor RECURSO
DE APELAÇÃO da r. sentença.
Apresenta, desde logo, as suas razões recursais que seguem
anexas, dirigidas ao e. Tribunal de Justiça deste Estado.
Campo Grande/MS, 25 de fevereiro de 2011.
ANA LARA CAMARGO DE CASTRO
PROMOTORA DE JUSTIÇA
SILVIO AMARAL NOGUEIRA DE LIMA
PROMOTOR DE JUSTIÇA
EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
COLENDA TURMA CRIMINAL
EMÉRITOS JULGADORES
O Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul, por
seu Promotor de Justiça, no uso de suas atribuições legais, vem, à presença de
Vossas Excelências, apresentar suas RAZÕES EM RECURSO DE APELAÇÃO,
interposto nos autos da ação penal XXX.XX.XXXXXX-X, nos termos que se
seguem:
J.A.M.N. foi condenado à pena de 03 (três) meses de
detenção, em regime aberto, pela prática do fato típico previsto no artigo 129, § 9º,
do Código Penal, substituída por restritiva de direitos consistente em prestação de
serviços à comunidade por 08 horas semanais, durante o período da condenação.
É inafastável que, em se tratando de lesão corporal, está-se
diante de delito praticado com violência.
Ocorre que não é aplicável aos delitos praticados com
violência ou grave ameaça à pessoa a substituição da pena privativa de liberdade
por pena restritiva de direitos, conforme se vê da redação do artigo 44 do Código
Penal:
Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e
substituem as privativas de liberdade, quando: (Redação dada
pela Lei nº 9.714, de 1998)
I - aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos
e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à
pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for
culposo; (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)
II - o réu não for reincidente em crime doloso; (Redação dada pela
Lei nº 9.714, de 1998)
III - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a
personalidade do condenado, bem como os motivos e as
circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.
(Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)
Explica Guilherme Nucci:
“Não cabe ao juiz estabelecer exceção não criada pela lei, de forma
que estão excluídos todos os delitos violentos ou com grave
ameaça, ainda que comportem penas de pouca duração. No caso
da lesão corporal dolosa – leve, grave ou gravíssima (pouco
importando se de ‘menor potencial ofensivo’ ou não) – para efeito
de aplicação da substituição da pena, não mais tem cabimento a
restritiva de direitos. O juiz, em caso de condenação, poderá
conceder o sursis ou fixar o regime aberto para cumprimento.” 1
“Há posição contrária, sustentando que, nas hipóteses de infração
de menor potencial ofensivo, se cabe transação por certo seria
aplicável a substituição por pena restritiva de direitos. Pensamos
de modo diverso. Se o autor desse tipo de infração merecer a
transação, está será aplicada. Não sendo o caso, é processado
regularmente, vedada a substituição por restrição de direitos,
restando outras medidas alternativas de política criminal.” 2
1
2
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 7 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 342.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 395.
Ademais, importa observar que após a edição da Lei
9.714/1998, que alterou o caput do artigo 46 do Código Penal, não é mais possível
a substituição por prestação de serviços à comunidade em condenações inferiores
a 6 (seis) meses de privação de liberdade.
Art. 46. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades
públicas é aplicável às condenações superiores a seis meses de
privação da liberdade.
Explica NUCCI:
“[...] somente após a edição da Lei 9.714/98 estabeleceu-se um piso
mínimo para a aplicação da pena de prestação de serviços à
comunidade, provavelmente para incentivar o magistrado a
aplicar outras modalidades de restrição de direitos, como a
prestação pecuniária ou a perda de bens e valores, bem como para
facilitar a fiscalização e o cumprimento – afinal, é dificultosa a
mobilização para cumprir apenas um ou dois meses de prestação
de serviços, escolhendo o local, intimando-se o condenado e
obtendo-se resposta da entidade a tempo de, se for o caso,
reconverter a pena em caso de desatendimento.” 3
Importa asseverar, conforme se viu do ensinamento antes
exposto de NUCCI, que é possível ao réu a concessão do sursis da pena, previsto
no artigo 77 do Código Penal, no qual conforme se vê das condições estabelecidas
no artigo 78, deve ser imposta a prestação de serviços à comunidade:
Art. 78 - Durante o prazo da suspensão, o condenado ficará sujeito
à observação e ao cumprimento das condições estabelecidas pelo
juiz. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 1º - No primeiro ano do prazo, deverá o condenado prestar
serviços à comunidade (art. 46) ou submeter-se à limitação de fim
de semana (art. 48). (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 7 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2007, p. 351.
3
A jurisprudência sobre a matéria não se encontra
consolidada, entretanto, o Parquet filia-se ao entendimento de que a substituição
por restritiva de direitos não é admissível, podendo ser concedida a suspensão
condicional da pena.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
HC 139.358/MS
RELATOR: MINISTRO JORGE MUSSI. QUINTA TURMA.
JULGADO EM 15/04/2010
HABEAS
CORPUS.
LESÃO
CORPORAL.
VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA. DOSIMETRIA. PENA-BASE. FIXAÇÃO ACIMA
DO MÍNIMO LEGAL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO
CONCRETA E COM BASE EM ELEMENTARES DO TIPO.
INADMISSIBILIDADE.
PERSONALIDADE.
DESFAVORABILIDADE.
AGRESSIVIDADE.
ARGUMENTO
IDÔNEO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO EM
PARTE. 1. Não tendo o juiz sentenciante demonstrado, de forma
concreta, as razões pelas quais considerou desfavoráveis ao
paciente as circunstâncias judiciais da culpabilidade, dos
antecedentes e dos motivos do crime, e tendo se utilizado de
elementares do tipo para elevar a sanção, de rigor a redução da
reprimenda na primeira etapa da dosimetria. 2. Demonstrado que
o paciente é pessoa violenta e agressiva, não há como se acoimar
de ilegal a sentença condenatória no ponto em que procedeu ao
aumento da sanção em razão da sua personalidade, concretamente
valorada como negativa. REPRIMENDA. SUBSTITUIÇÃO DA
SANÇÃO RECLUSIVA POR PENAS RESTRITIVAS DE
DIREITOS. BENEFÍCIO NEGADO. NÃO PREENCHIMENTO
DO REQUISITO PREVISTO NO INCISO I DO ART. 44 DO CP.
CRIME COMETIDO COM VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA
À PESSOA. COAÇÃO ILEGAL NÃO DEMONSTRADA. 1.
Inviável proceder-se a substituição da pena privativa de liberdade
por restritivas de direitos, tendo em vista que o paciente não
preenche o requisito previsto no art. 44, inciso I, do CP, pois, não
obstante a pena imposta tenha sido inferior a 4 (quatro) anos,
verifica-se que se trata de delito cometido com violência ou grave
ameaça à pessoa. 2. Ordem parcialmente concedida, tão somente a
fim de reduzir para 8 (oito) meses de detenção a pena imposta ao
paciente, mantidos, no mais, a sentença condenatória e o acórdão
objurgado.
TJMS – Apelação Criminal n. 2010.033286-7
1ª Turma Criminal. J. 11/01/2011
Relator Exmo. Sr. Des. Dorival Moreira dos Santos
E M E N T A – APELAÇÃO CRIMINAL – SENTENÇA
CONDENATÓRIA – VIAS DE FATO – MARIA DA PENHA –
APELO DO RÉU – SUSPENSÃO DO PROCESSO –
IMPOSSIBILIDADE – VEDAÇÃO NA LEI E PRECLUSÃO – NÃO
PROVIDO. APELO DA VÍTIMA E ÓRGÃO MINISTERIAL –
AFASTAR SUBSTITUIÇÃO DA PENA E APLICAR SURSI –
POSSIBILIDADE – APELO PROVIDO.
A Lei Maria da Penha veda a suspensão condicional do processo,
além de ter precluído o momento de tal alegação, já com os autos
sentenciados. Incabível absolvição quando há provas da autoria.O
órgão ministerial e a vítima pedem afastamento da substituição.
Apelo provido, porquanto contravenção cometida com violência.
Possível, porém, aplicação de sursi.
TJMS – Apelação Criminal n. 2010.034978-3 Erro: Origem da
referência não encontrada
1ª Turma Criminal. J. 13/12/2010
Relator Exmo. Sr. Des. João Carlos Brandes Garcia
E M E N T A–
APELAÇÃO
CRIMINAL
–
RECURSO
MINISTERIAL – LEI MARIA DA PENHA – DESCONSTITUIÇÃO
DA SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
POR RESTRITIVA DE DIREITOS – VEDAÇÃO EXPRESSA NO
ART. 44, I, DO CP, E ART. 41, DA LEI 11.343/06 – SUSPENSÃO
CONDICIONAL DA PENA – ART. 77 DO CP – CONCESSÃO –
RECURSOS PROVIDOS.
É incabível a substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos quando o crime é praticado com
violência ou grave ameaça à pessoa, por expressa disposição
do art. 44, I, do Código Penal, bem como do art. 41, da Lei
11.343/06, que veda a incidência da Lei 9.099/95, nos crimes
cometidos no âmbito doméstico e familiar contra a mulher.
O sentenciado que preenche os requisitos do artigo 77, I a III,
do Código Penal, sendo primário, com circunstâncias
judiciais favoráveis e condenação inferior a 02 (dois) anos,
faz jus à suspensão condicional da pena.
TJMS – Apelação Criminal n. 2010.024184-1
1ª Turma Criminal. J. 10/02/2011
Relator Exmo. Sr. Juiz Francisco Gerardo de Sousa
EM E N T A –
APELAÇÃO CRIMINAL – CRIME DE
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – PRELIMINAR OBJETIVANDO A
SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO – REJEITADA –
VEDAÇÃO DO ART. 41 DA LEI MARIA DA PENHA –
ABSOLVIÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – PROVAS ROBUSTAS –
CULPABILIDADE COMPROVADA – RECURSO IMPROVIDO.
A preliminar objetivando a suspensão condicional do processo
deve ser rejeitada, vez que a Lei Maria da Penha proíbe
expressamente os benefícios da Lei n. 9.099/95, os quais são
destinados para os crimes de menor potencial ofensivo.
Quanto ao mérito, mesmo com a negativa de autoria, pode o
agente ser condenado por crime de violência doméstica, quando as
provas em contrário demonstram que ele agrediu sua
companheira de habitação, cuja violência vem demonstrada pelo
elenco probatório.
APELAÇÃO CRIMINAL – CRIME DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA – INSURGIMENTO CONTRA A APLICAÇÃO
DE PENA RESTRITIVA – PROCEDÊNCIA – CRIME
COMETIDO COM VIOLÊNCIA – VEDAÇÃO DO ART. 44, I,
DO CP – PRETENDIDA APLICAÇÃO DO SURSIS –
POSSIBILIDADE – RECURSO PROVIDO.
I - Nos crimes de violência doméstica, por sua própria natureza,
não cabe a aplicação de penas restritivas de direito face o óbice
contido no inc. I do artigo 44 do Código Penal.
II - Preenchidos os requisitos legais, deve ser aplicado o sursis aos
condenados por crimes decorrentes de violência doméstica, nos
termos do artigo 77 do Código Penal.
PREQUESTIONAMENTO
O Ministério Público expressamente prequestiona a matéria
legal em torno da presente causa, a fim de repelir juízo de admissibilidade
negativo, com fundamento na ausência de prequestionamento em instância
inferior.
Verifica-se que eventual confirmação pelo e. Tribunal de
Justiça da substituição da pena privativa por restritiva de direitos importa em
negar vigência ao artigo 44, inciso I e ao artigo 46, caput, ambos do Código Penal.
Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as
privativas de liberdade, quando: (Redação dada pela Lei nº 9.714, de
1998)
I - aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o
crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou,
qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; (Redação dada
pela Lei nº 9.714, de 1998)
II - o réu não for reincidente em crime doloso; (Redação dada pela Lei nº
9.714, de 1998)
III - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade
do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que
essa substituição seja suficiente. (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)
Art. 46. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é
aplicável às condenações superiores a seis meses de privação da
liberdade. (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)
PEDIDO
Assim sendo, pugna o Ministério Público pela reforma da
sentença na parte em que substituiu a pena privativa de liberdade por restritiva de
direitos, concedendo-se o sentenciado à suspensão condicional da pena (sursis)
pelo prazo de dois anos, com prestação de serviços à comunidade no primeiro ano
do benefício, na forma do artigo 77 c/c 78 e seu parágrafo 1º, do Código Penal,
porque há nos autos elementos para a sua apreciação.
Como pedido subsidiário, requer o Ministério Público, não
sendo o entendimento dessa egrégia Corte de que possa, desde logo, conceder o
referido benefício, a devolução dos autos ao juízo a quo para a aplicação do sursis.
E, ainda, uma vez formulado prequestionamento explícito
para eventual exercício da via recursal ao Superior Tribunal de Justiça, pugna o
Parquet pelo ostensivo enfrentamento da negativa de vigência aos supracitados
dispositivos legais pelo e. Tribunal de Justiça.
Campo Grande/MS, 25 de fevereiro de 2011.
ANA LARA CAMARGO DE CASTRO
PROMOTORA DE JUSTIÇA
SILVIO AMARAL NOGUEIRA DE LIMA
PROMOTOR DE JUSTIÇA
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Excelentíssima Doutora Juíza de Direito da Vara de Violência