“A falta de alternativas é má para o sector”
2009.07.24 (00:00) Portugal
Depois de há um ano ter alertado para os graves problemas que o sector leiteiro
atravessava, o presidente da Leicar diz que “está tudo na mesma”. José Campos Oliveira,
em entrevista revela que o sector vive uma crise cada vez mais acentuada,
nomeadamente a “guerra dos preços”, que baixam no produtor, mas que se mantêm no
consumidor
Para alterar a situação, a Leicarcoop quer ser uma alternativa, mas precisa do apoio do
Proder para pôr em funcionamento a unidade de S. Pedro de Rates, inaugurada o ano passado. É que, diz o
presidente da Leicar, “a falta de alternativas é mau para o sector”. Sobre o fim das quotas, aprovado em
Bruxelas, José Campos Oliveira diz que “não respeitam os interesses nacionais”.
Gazeta Rural (GR): Que perspectiva tem do sector leiteiro neste último ano?
José Campos Oliveira (JCO): O sector está, infelizmente, pior do que estava há um ano atrás. O Conselho de
Ministros da Agricultura que decidiu aumentar a quota a todos os países em um por cento ao ano, e abriu uma
excepção de 5 por cento para a França [??? O aumento foi atribuído à Itália], relativamente à área, veio agravar
a crise. Já nessa altura havia um excesso de leite. Com este aumento de quota a situação agravou-se e o que é
lamentável é que o nosso Ministro da Agricultura tenha tomado uma posição totalmente contrária àquela que as
organizações produtoras nacionais defendem, ou seja, a manutenção das quotas.
Jaime Silva votou a favor do fim das quotas em 2014/2015 e também votou a favor do aumento de 1 por cento.
Nós entendemos que foi uma decisão totalmente errada e que não respeitou os interesses nacionais.
Neste momento, com o sistema de quotas em vigor, assistimos a um excesso enorme de produção de leite da
união europeia. Se vier a verificar-se o fim das quotas em 2014/2015, a produção de leite em Portugal, e em
algumas regiões de outros países, vai desaparecer completamente.
É por isso que, neste momento, já não é só Portugal que está contra o fim das quotas leiteiras. A Espanha já
está, a França também e há vários países que estão contra porque perceberam que poderia levar a uma situação
de grande dificuldade.
GR: Neste momento vive-se numa situação caricata. Há excesso de leite, mas os preços não
baixaram?
JCO: Pois. Já o ano passado denunciei essa situação. Na altura não fui muito bem compreendido por alguns
sectores da agro-indústria, mas a prova é que tinha razão e, infelizmente, neste momento essa situação ainda se
mantém.
Ainda há um desequilíbrio muito grande entre os preços pagos ao produtor e os preços que nos aparecem nas
prateleiras da grande distribuição. Não faz qualquer sentido e leva a que a grande distribuição recorra à
importação de leite para ter preços mais baixos. É o que está a fazer neste momento e acho que isso é uma
política errada do nosso sector agro-industrial na área do leite.
No meu entender, não é assim que se defende a produção e pode levar a situações bastante complicadas, que
não vão ao encontro dos interesses nacionais.
GR: Um ano depois da apresentação como é que está o projecto da Leicarcoop?
JCO: Neste momento temos o projecto do Centro de Recolha totalmente concluído. Vamos apresentar uma
candidatura ao Proder, para a segunda fase do investimento. Entendo que este projecto só tem viabilidade
económica se der o segundo passo: avançar para a industrialização do leite que recolhemos. Penso que hoje,
mais do que nunca, esta unidade industrial é fundamental para o País e para os produtores de leite.
Como é sabido, em Portugal não há alternativa à Lactogal, o que considero mau para o sector. Se o governo quer
defender a produção nacional, deve ter todo o empenho em apoiar uma fábrica de industrialização de leite que
possa ser uma alternativa. É de todo o interesse para o sector a nível nacional.
GR: Temos vivido um ano de alguma contestação. Como vê hoje a vida dos agricultores,
nomeadamente os produtores de leite?
JCO: Vejo com grande preocupação e com grande ansiedade aquilo que se está a passar no sector. Estou à
vontade para o afirmar, pois já tinha dito, há dois anos atrás, que as políticas que estavam a ser seguidas para o
sector eram erradas e que poderiam levar à falência muitos produtores de leite.
Desde 2005 até Abril de 2009, dos cerca de sete mil produtores do continente, cinco mil já abandonaram [???].
Foi um abandono muito significativo e, hoje, aquilo que assisto é uma situação quase de desespero duma grande
maioria de produtores de leite, que não conseguem cumprir com os encargos que têm. Há uma quantidade
enorme de produtores que estão constantemente a receber penhoras, arrestos sobre a produção, sobre os seus
bens, porque já estão em incumprimento com a banca e com os seus fornecedores.
Defendo esta medida já há algum tempo. A única maneira de salvar o sector é o Governo, rapidamente,
implementar uma linha de desendividamento de médio a longo prazo. Considero que serão necessários dez anos,
mais dois de carência com juro bonificado, para que os produtores de leite possam beneficiar os seus
financiamentos que têm com a banca, pagar aos seus fornecedores e aliviar as prestações que, neste momento,
não conseguem cumprir.
A queda de preços que se verificou na produção resultou em situações em que os custos são superiores àquilo
que recebem sobre o leite que vendem. Alguns já estão a recorrer às economias que foram amealhando ao longo
dos anos. É essa a mensagem que eu tenho recebido de muitos produtores. Não estamos a exigir nada do outro
mundo, apenas a pedir um tratamento igual àquele que já foi implementado com outros sectores de actividade,
como a indústria automóvel ou nos têxteis. O governo lançou programas de apoio a essas empresas para manter
os postos de trabalho e considero que, neste momento, também se justifica uma medida idêntica para os
agricultores.
GR: Nos últimos anos tem tido alguma preocupação com a questão dos licenciamentos das
explorações. Como está nesta altura?
JCO: Está igual ao ano passado. Foi uma exigência nossa (da Leicar e da CAP) de que a fileira do leite devia ser
uma referência estratégica. Finalmente foi considerada, mas já não teve qualquer impacto porque o Proder não
funciona. Não há, ainda hoje, um único projecto aprovado e assinado, o que continua a fazer com que a situação
se mantenha tal e qual como estava o ano passado.
Mais de 95 por cento das explorações leiteiras não estão licenciadas, não cumprem com as normas do ambiente
e do bem-estar animal e isso significa investimentos elevados que os produtores de leite não conseguem
suportar, tendo em conta a situação de grande dificuldade económica em que vivem. Terão que fazer mais
investimentos para poder licenciar as suas explorações. Só com projectos de investimento aprovados pelo Proder
e, mesmo assim, vão ter grandes dificuldades. Há quatro anos que não há um projecto de investimento aprovado
e isso tem colocado o sector numa dificuldade tremenda.
FONTE: Gazeta Rural
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