PODER JUDICIÁRIO
T R I B U N A L DE J U S T I Ç A DO E S T A D O DE S À O
PAULO
A / * A n n à A
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRATICA
ACÓRDÃO
REGISTRADO(A) SOB N°
*0221í
REVOGAÇÃO DO REGIME DE VISITAS - Provas dos autos
indicativas de conduta imprópria do pai - Minucioso laudo
psicológico que desaconselhou a retomada das visitas Depoimento concludente de menor com doze anos de idade,
confirmando abuso sexual, embora sem consumação de coito
- Dúvida fundada sobre os fatos que não permitem normal
convivência entre pai e filha - Comportamento do pai, somado
à agressividade e consumo exagerado de álcool, que não
recomendam a restauração do regime de visitas - Menor
profundamente traumatizada, que não deseja visitar o pai em
nenhuma hipótese - Melhor interesse da criança a ser tomado
como fator primordial na decisão judicial - Visitas que
poderiam agravar o sofrimento e os traumas da adolescente
Ação de revogação, ou melhor, suspensão de visitas
procedente - Pedido reconvencional de alteração de guarda
improcedente - Recurso não provido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de
Apelação Cível n2 613.472.4/2-00, da Comarca de SÃO PAULO FORO REGIONAL DA LAPA, onde figuram como apelante J.C.Q.C.F.
e apelada L.C.J.:
ACORDAM, em Quarta Câmara de Direito Privado
do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime,
negar provimento ao recurso, de conformidade com o relatório e voto
do Relator, que ficam fazendo parte do acórdão.
Apelação Cível n-613 472 4/2-00 - SÃO PAULO - FORO REGIONAL LAPA -Voto n 2 6 610 - E - Fl 1
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Cuida-se de recurso de apelação tirado contra a r.
sentença de fls. 797/804, que julgou procedente ação de revogação de
regime de visitas proposta por L.C.J. contra J.C.Q.C.F., visando a
supressão de tal direito do pai à filha, C.J.Q.F., menor impúbere, bem
como julgou improcedente o pedido reconvencional
de mudança de
guarda formulado pelo requerido.
Fê-lo a sentença atacada, forte no argumento de
que o direito de visitas do pai, não é absoluto, e tem por função
fortalecer os laços afetivos e emocionais entre ambos. Entretanto,
quando as visitas se tornam motivo de dor e sofrimento para a criança,
em razão de conduta imprópria do pai, conforme retratado no laudo
psicológico e na prova coligida aos autos, o melhor interesse da
criança prevalece sobre outros valores.
Recorre o pai e réu/reconvinte, alegando, em sede
preliminar, o agravo retido interposto às fls.236/238, contra a decisão
que repeliu as preliminares de litispendência e carência da ação.
Ainda
processo
por
irregularidades
em preliminar,
cerceamento
procedimentais
de
sustenta
defesa,
a nulidade do
discorrendo
que teriam ocorrido
sobre
no curso da
instrução.
No mérito, aduz, em breve síntese, que o resultado
prático da procedência da ação é a extinção do poder familiar,
inadmissível sem ação própria e o devido processo legal.
Insurge-se, no mais, quanto à valoração da prova,
que não levou em conta as críticas de sua assistente técnica. Nega de
modo terminante a prática de atos impróprios contra a filha menor.
Apelação Cível n^613 472 4/2-00 - SÃO PAULO - FORO REGIONAL LAPA -Voto n s 6 610 - E - Fl 2
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Afirma que o fato de dormir nu e dar banho na própria filha nunca teve
conotação sexual. Atribui ao modo da guardiã educar a menor a causa
dos possíveis problemas emocionais apresentados pela infante.
Foi o recurso contrariado, com reiteração do
agravo retido interposto às fls.718, contra a decisão que
indeferiu a
contradita da testemunha M.W.Y. (fls.853/883).
A Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se no
sentido do improvimento do recurso (fls.891/894).
É o relatório.
1. Conheço o agravo retido interposto pelo réu
recorrente, mas lhe nego provimento.
Acertada foi a decisão que indeferiu as preliminares
de litispendência e carência da ação, suscitadas pelo requerido.
Nos termos do artigo 301, §§1Q e 2- do Código de
Processo Civil, ocorre litispendência quando uma ação reproduz outra
em curso, anteriormente ajuizada, havendo entre elas identidade de
partes, de pedido e causa de pedir.
Óbvia a ausência de tais requisitos entre ação de
execução de obrigação de fazer, para compelir a mãe a cumprir regime
de visitas, e ação de suspensão das visitas, fundada em graves fatos
supervenientes.
Também não há que se falar em carência da ação,
eis que notoriamente o pedido deduzido nesta ação é possível, há
interesse de agir e as partes são legitimas.
Apelação Cível n^613 472 4/2-00 - SÃO PAULO - FORO REGIONAL LAPA -Voto n s 6 610 - E - Fl 3
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2. Julgo prejudicado o agravo retido interposto pela
autora contra a decisão que indeferiu a contradita da testemunha
M.W.Y., uma vez que, como adiante se demonstrará, o depoimento por
ela prestado não foi determinante para o desfecho da ação, sendo
inócua a discussão sobre a existência, ou não, de amizade intima entre
a testemunha e o requerido.
3. Rejeito, por fim, a preliminar de nulidade da
sentença, porquanto não vislumbro a hipótese de cerceamento de
defesa.
A decisão que indeferiu o pedido de oitiva da
testemunha M.R.C. DE S. está coberta pela preclusão, porquanto não
foi objeto de agravo no momento oportuno.
Ao contrário do que sustenta o recorrente e
conforme se infere dos autos, tal decisão foi publicada em audiência,
na qual tanto o réu, quanto seu defensor, foram devidamente
intimados.
Já no que diz respeito à falta de intimação para
acompanhar a oitiva da testemunha de M.V.T, realizada por Carta
Precatória (fls.718/719), ainda que se reconheça a irregularidade
processual, não há que se falar em nulidade, porquanto não
demonstrado efetivo prejuízo à defesa (art. 249,§1Q do C.P.C.).
Ressalta-se que o depoimento
prestado
pela
testemunha M.V.T., não foi, nem poderia ter sido, decisivo para o
desfecho da demanda, diante do conhecimento limitado e superficial
dos fatos que ensejaram a suspensão do direito de visitas.
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is£L
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4. No mérito, o recurso não comporta provimento, e
a bem lançada sentença proferida pela MM.Juíza Dirce Alves Benedito,
se mantém por seus próprios e sensatos fundamentos.
Sabido que tanto a guarda como o regime de
visitas dos pais aos filhos menores têm como norte o melhor interesse
da criança.
Nas palavras de Rolf Madadeno,
"a visita deve
atender ao interesse do menor, podendo ser limitado e até suspenso
esse direito e dever, quando a conduta do genitor
visitante
desaconselhe o seu exercício." (Curso de Direito de Família, Editora
Forense, p.279).
O direito do pai visitar a filha menor é respeitável e
digno de tutela, desde que não cause danos e prejuízos à criança,
cujos interesses prevalecem sobre os demais.
A prova dos autos á manifestamente desfavorável
aos interesses do pai. O caprichado o laudo psicológico, elaborado por
perita judicial (fls. 277/326), instruído com dezenas de entrevistas com
os
pais,
a
menor,
familiares
e
educadores,
concluiu
ser
desaconselhável a retomada das visitas.
Concluiu o laudo que para a menor Cecília a figura
paterna é carregada de sentimentos negativos de raiva, rancor e medo,
com profundos traumas e forte rejeição à retomada de qualquer
contato pessoal. Os vínculos afetivos entre pai e filha se encontram
comprometidos de modo severo, sem possibilidade de reatamento em
curto prazo.
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Pende dúvida fundada sobre a ocorrência de
conduta imprópria do pai, com a prática de atos libidinosos em relação
à filha menor, sem conjunção carnal.
O pai recorrente nega de modo categórico tal
comportamento. Evidente, porém, que eventuais abusos contra a filha
menor jamais ocorreriam em público, ou na presença de testemunhas,
mas sempre às ocultas e dentro de quatro paredes, durante a
visitação.
Ganha especial importância, em tal situação, o
relato fidedigno
da
própria
vítima.
Impressionou-me
o seguro
depoimento judicial de Cecília, menina de treze anos, do qual
transcrevo a seguinte passagem:
"Diz que sente medo do comportamento do genitor
por várias coisas que ele fez contra a depoente quando passou oito
dias de férias na residência dele. Em Valinhos. Tinha sete ou oito anos
na ocasião e por duas vezes o pai pediu que a depoente dormisse com
ele, na mesma cama. Afirma que não gostava de dormir com ele pois o
pai dormia sem roupas, enquanto a depoente dormia de camisola.
Também não gostava de ver o pai que xingava a depoente de
mentirosa, a mandava calar a boca, às vezes a agredia fisicamente".
Prossegue o depoimento com grave e direta
imputação ao pai:
"Ainda por conta das últimas férias que passou na
companhia do pai, informa que numa das noites dormia no quarto com
os irmãos e o pai foi até lá, a pegou no colo e a levou para o quarto
dele. Lá, ele tirou as roupas de depoente e começou a beijar todo o
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seu corpo, enquanto ele tirou as próprias roupas. Afirma que gritou
para que o genitor parasse, mas ele tampava a boca da depoente;
além disso, ele manipulou as partes íntimas da depoente. Não se
recorda ao certo de como a noite terminou, mas pode dizer que os
irmãos não perceberam o que aconteceu, porque a porta do quarto do
pai estava fechada e além disso ele impedia que a depoente gritasse"
O episódio coincide com radical alteração do
comportamento da menor, que a partir de certo momento passou a ter
completa aversão ao pai, profundamente traumatizada, com sintomas
de descontrole das funções fecais, ansiedade e temor, indicativos de
que fato muito sério ocorrera.
O laudo pericial, elaborado por perita que se
debruçou em diversas entrevistas e traçou o perfil das partes, não
descarta a real ocorrência da prática de atos libidinosos do pai em
relação à filha menor.
Diga-se, de resto, que outros hábitos do pai
recorrente, abstraído eventual abuso sexual, foram bem retratados no
laudo e não o recomendam. O uso imoderado de bebida alcoólica
durante as visitas, a direção sob o efeito de álcool em alta velocidade,
a insistência em tomar banho juntamente com a filha de oito anos,
causando-lhe constrangimento, foram fatores determinantes para o
rompimento do vínculo paterno.
Não se podem acolher as críticas da assistente do
autor, no sentido de que a aversão paterna decorre de possível
síndrome de alienação parental. Difícil crer que o relato objetivo da
adolescente seja fruto exclusivo de suas fantasias, ou decorrência de
influência materna. Diga-se, aliás, que a prova dos autos revela que
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não obstante o histórico de certo tumulto nas visitas, num primeiro
momento, a genitora incentivava os encontros entre pai e filha, até
tomar conhecimento da imputação de abuso, e notar o profundo
trauma vivido pela criança.
Em termos diversos, a farta prova coligida aos
autos, em especial o laudo psicológico e o depoimento da menor,
indicam o acerto da suspensão do regime de visitas, como medida
protetiva que melhor atende aos interesses da criança.
Diga-se que as visitas se encontram suspensas
desde do ano 2003, por força do Acórdão de fls. 211/213, Relator o
Desembargador Jacobina Rabello. O quadro apontado naquele julgado
não somente persiste, como se robusteceu com a prova superveniente,
especialmente o laudo e o depoimento da criança.
5. Débil o argumento de que a suspensão das
visitas eqüivale à extinção do poder familiar.
A visitação integra, mas não esgota o poder
familiar, recheado de outros direitos e deveres, como o de respeito e o
de socorro.
O art. 1.586 do Código Civil dispõe que havendo
motivos graves, poderá juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos,
estabelecer regime de guarda e de visitas sem contemplar os pais.
Na
lição
da
melhor
doutrina, tais
situações
especiais, anormais, são aquelas que podem comprometer a saúde, a
segurança ou a moralidade dos filhos, por comprovada negligência,
incapacidade, abuso de poder, maus exemplos, perversidade ou
crimes dos pais (Washington de Barros Monteiro, Curso, Saraiva,
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vol. II; no mesmo sentido, Luiz Edson Fachin, Código Civil
Comentado, São Paulo, Atlas, vol. XV).
É com certeza o caso dos autos. Não se pode
permitir a retomada do regime de visitas diante das graves imputaçoes
feitas ao pai, colocando em risco a incolumidade física e emocional da
filha adolescente.
A improcedência -
ou melhor, prejuízo -
da
reconvenção, diante do quadro acima traçado, era medida de rigor,
sendo certo, ademais, que sobre tal ponto não se insurge o recorrente.
Em suma, correta
a sentença
ao dar
pela
procedência da ação e improcedência da reconvenção.
As verbas de sucumbência foram bem fixadas na
sentença.
Diante do exposto, dou nego provimento ao
recurso.
Participaram
do
julgamento,
os
Desembargadores Ênio Zuliani (Presidente, sem voto), Maia da Cunha
(Revisor) e Teixeira Leite (3- Juiz).
São Paulo^o de
009.
ÍANCISCO LOUREIRO
Relator
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2010_02_11_15_12_19_5 TJSP Ap 613.472.4 2-00