PENSANDO A LEITURA
In: Tipos de Textos, modos de leitura
Graça Paulino
HISTÓRIA DE UM CONCEITO
A leitura é um processo e o resultado é a produção de sentido.
Ler vem do latim legere – em sua raiz traz três níveis de leitura:



CONTAR – soletramos, repetimos os fonemas, agrupamos
sílabas, palavras, frases. Ato primeiro da leitura – alfabetização.
COLHER – perceber um significado, um sentido. Algo que está
pronto. Detectar a intenção do autor. Como se fóssemos colher
uma laranja do pé. Interpretação de texto.
ROUBAR – busca no texto de outros sentidos, mesmo o autor
não tendo consciência. Não se rouba algo com o conhecimento do
dono, por isso dizemos que a leitura é construída à revelia do
autor. Produção de sentido do próprio leitor.
“Bem longe de serem escritores, fundadores de um
lugar próprio, herdeiros dos lavradores de antanho –
mas, sobre o solo linguagem, cavadores de poços e
construtores de casas - , os leitores são viajantes; eles
circulam sobre as terras de outrem, caçam furtivamente,
como nômades através de campos que não escreveram,
arrebatam os bens do Egito para com eles se regalar”.
(DE CERTEAU, 1994. p. 11.)
Essa consideração nos permite dizer que
as palavras embora tenham um sentido
fixo, carregam significações que permite
o leitor passar por diversas e sucessivas
sondagens.
A capacidade de transgressão dos
sentidos do texto revela a eficiência e o
poder do leitor.
Algumas teorias norteiam a questão
da leitura, e ela passa, necessária e
simultaneamente, por:

uma teoria do conhecimento – construção
do sentido do texto – autor/leitor. Antes o
autor era considerado dono absoluto do
texto. Cabia ao leitor apenas detectar a
intenção do autor.


uma psicologia/psicanálise – o ato de ler
é motivado pelo desejo, e ao mesmo
tempo pelo inconsciente. O leitor investe
no texto suas angústias, seus medos, suas
fantasias e esperanças.
uma sociologia – cada autor/leitor possui
valores, poderes e expectativas diferentes.
Estão inseridos em culturas distintas,
portanto agem de maneira diferente
dentro da sociedade.

uma pedagogia – o desenvolvimento da
leitura se dá não somente na escola, mas
também no decorrer da vida do cidadão.
Processo incessante de troca.

uma teoria da comunicação – ao pensar
no texto e no leitor, o processo envolve o
processo de comunicação (emissor,
receptor, mensagem, código, referente,
canal). Para quem se escreve, para que
se escreve e como se escreve.

uma análise do discurso – a
organização interna do texto, sua relação
com outros textos, suas dimensões
político-econômicas são elementos
essenciais no ato de ler. O sentido de
uma palavra não existe em si mesma, ela
assume sentidos diferentes dependendo
do contexto em que está inserida ou até
mesmo do autor.

uma teoria literária – quando se
constitui como experiência estética.
Chamando de literária a leitura da
linguagem poética, tanto na escrita
quanto na leitura. Estão definidas
historicamente, dependendo da época e
da sociedade em que são produzidas.
Nesse sentindo é importante considerar a
prática da leitura em tempos e espaços
diferentes.
HISTÓRIA DE UMA PRÁTICA
Idade Média – impossibilidade de acesso
aos livros, objetos raros e indecifráveis
para muitos.
A leitura era feita em grupos por um lector
ou “ledor”. Tal prática era restrita ao clero
e à nobreza. Havia necessidade de controle
da leitura e seu poder subversivo.
Controle da leitura da bíblia e de
outros textos, sobretudo pela Igreja
Católica. Por divergência de leitura
é que ocorreu a Reforma proposta
por Lutero.
“Assim, nem todos os poderes do leitor são
iluminadores. O mesmo ato que que pode dar vida
ao texto, extrair suas revelações, multiplicar seus
significados, espelhar nele o passado, o presente e
as possibilidades do futuro pode também destruir a
página da viva. Todo leitor inventa leituras, o que
não é a mesma coisa que mentir; mas todo leitor
também pode mentir, declarando obstinadamente
que o texto serve como doutrina, a uma lei
arbitrária, a uma vantagem particular, aos direitos
donos de escravos ou à autoridades de tiranos.”
(MANGUEL, 1997. p. 322-323).
A Leitura pode ser utilizada em favor de
uma causa, para atender objetivos e
interesses pessoais, atender uma ideologia.
Antes da reforma e também depois, não só
a igreja, mas também o Estado
continuavam controlando a vida doméstica,
na escola e na sociedade. Muitos autores
foram vítimas de censuras dos seus
escritos, fossem por motivos religiosos,
fossem por possuirem ideias contrárias ao
Estado.
Recentemente, na ditadura militar, livros
considerados subversivos ainda eram queimados.
A figura do lector também está presente em
outros momentos e em outros países, onde as
pessoas utilizavam dessa prática não
necessariamente para controlar ou censurar.
 Recitação em praça pública;
 Salões de leituras e academias aconteciam
rituais coletivos de leituras;
 Intelectuais se reuniam para discutir os textos
em salões organizados para isso.
A democratização da leitura ocorre com o advento da
sociedade burguesa (por volta de 1930).
Grande parte da população foi alfabetizada e pôde ter
acesso a livros, jornais e outros impressos. Havia
necessidade de ampliação do mercado e para isso
tinha que se formar mais leitores.
Mesmos nessa sociedade a figura do lector não
desapareceu. Ritual que perdurou ainda por muito
tempo no Brasil. É o caso no século XIX, nos serões
domésticos, em que uma pessoa da família lia para as
outras, sobretudo para as mulheres.
No Brasil o hábito de ler romance surge
durante o romantismo, com divulgação nos
jornais de narrativas, publicadas em
folhetins. Foram divulgados os romances:
“O Guarani” de José de Alencar,
“Mémorias de um sargento de milícias” de
Manoel Antônio de Almeida.
O público feminino teve um destaque nas
obras dessa época.
Pouco a pouco, a leitura coletiva cede lugar à
leitura individual, solitária. Essa solidão do
leitor acompanhado apenas do seu livro,
permite um desenvolvimento moderno não
somente da leitura, mas também da escrita.
“A leitura mesmo vista como ato individual ,
mantém uma dimensão socializada/socializante,
já que constitui uma inserção do sujeito numa
prática presidida pelas relações interativas”.
(Íntimo para o coletivo)
Torna-se público o que é aparentemente
privado.
Indiscreta era a interferência de alguém
na leitura do outro. A produção de
sentido imposta pelo outro.
Um exemplo dessa interferência
indiscreta seria a condução da leitura por
professores, que tornada hábito, inibe as
iniciativas de leituras dos alunos.
O caráter de ler individualmente em nossa
sociedade é um processo fundamental. Essa
pessoalidade abrange objetivos pessoais e
psíquicos. O trabalho mental, emocional e
físico da leitura.
“Ao ler o indivíduo ativa seu lugar social,
suas vivências, sua biblioteca interna, suas
relações com o outro, os valores da sua
comunidade.”
“A leitura tornou-se, depois de três séculos, um gesto do
olho. Ela não é mais acompanhada como antes, pelo
rumor de uma articulação vocal, nem pelo movimento
de manducação muscular. Ler sem pronunciar em voz
alta ou à meia-voz é uma experiência “moderna”,
desconhecida durante milênios. Antigamente, o leitor
interiorizava o texto e fazia de sua voz o corpo do outro;
ele era, ao mesmo tempo, autor. Hoje o texto não
impõe o seu ritmo ao indivíduo, ele não manifesta mais
pela voz do leitor. Essa suspensão do emprego do corpo,
condição de sua autonomia, equivale a um
distanciamento do texto. Ela é o habeas-corpus do
leitor.” (PAULINO, p.23)
Além de prazer, a leitura envolve
outras importantes questões, que é o
status .
Ler passa a ter relevante importância
dentro da sociedade (posição social).
Magda Soares comenta sobre a diferença
entre o sentido de leitura para as classes
economicamente desfavorecidas e aquelas
privilegiadas. Para os primeiros significava
ascensão social. Alcançar melhores
condições de vida. Já para os outros é uma
forma de expressão, comunicação e nunca
uma exigência do e para o mundo do
trabalho.
Essa leitura feita como “exigência do e para o
mundo do trabalho” é denominada funcional.
Objetivo de obter informações básicas na vida
cotidiana. Leitura prática (cartazes, avisos,
manuais, propagandas, jornais).
E não leitura intelectual. Quando se pensa em
livro, não se pensa em leitura funcional.
Mas “É nos livros que estão a filosofia, a
literatura e as ciências. Dessa forma, a
maioria dos cidadãos estatisticamente
considerados alfabetizados não é levada ao
universo, dado como mais nobre, o dos
livros.”
Controle ainda exercido pela sociedade
sobre o ato de ler.




Espaço de circulação dos livros;
Altos preços;
Forma como o texto é escrito prevê um
tipo de leitor e exclui outros (vocabulário,
sintaxe, conhecimentos veiculados);
Os textos mais valorizados socialmente
exigem um maior conhecimento prévio
dos leitores. Muitos não têm acesso
devido à educação precária.
UMA ABORDAGEM PEDAGÓGICA
Qual o papel da escola na formação do leitor?
A Escola que se pretende democrática também
exclui. Controla e dirige o leitor. Este coloca sua
leitura aos outros e é obrigado a corrigir de
acordo com o consenso. Conhecimento
construído sem imaginação e sem investimento
pessoal do leitor.
A escola, aparentemente, espaço de incentivo
para a leitura de livros ao impedir que os
objetivos, as iniciativas e as estratégias sejam
dos próprios leitores/alunos, pode afastá-los do
processo de produção de sentindo e assim dos
livros.
Livros que são escolhidos aleatoriamente, sem
objetivos, com testes automatizados como forma
de controle, empobrece a interação Livro/Leitor.
Não é a escola que mata a leitura, mas o excesso
de didatismo e a burocracia do ensino, as normas
rígidas e castradoras.
A Escola contribui para este tipo de leitor?
Aquele leitor que interage, dialoga, produz
sentido, dentro de um contexto, e não um leitor
obediente que responde às fichas de livros.
Apesar disso não podemos descartar que na escola
descobrimos outros caminhos e alimentamos o gosto
pela leitura.
Em nossa formação de leitores ouvimos estórias lidas
pelos professores, declamamos poemas,
apresentamos pequenas peças, lemos textos sem se
quer fazer uma prova de verificação, nas primeiras
séries do ensino fundamental. Havia métodos, mas
circulava a paixão pelo ato de ler.
Muitas vezes a escola é o único espaço de
oportunidade de acesso aos livros e aos textos
literários para as crianças.
DE TEXTOS E LEITURAS
PACTOS DE LEITURA
Não basta apenas circular na escola os diversos
tipos de gêneros textuais existentes na sociedade,
mas é preciso preparar os alunos para a recepção
destes textos. Apresentar como se dá a
composição dos diversos gêneros textuais.
É necessário saber que ler um poema não
demanda as mesmas habilidades, os mesmo
procedimentos quando se lê uma crônica ou um
texto científico, um problema matemático.
Trata-se de mito dizer que só é leitor quem lê
livros.
“Mas não podemos esquecer que, em livros,
estão os textos filosóficos, literários, científicos e
religiosos.”
A interação com texto/livro muda pelo seu
contato proximal, íntimo com o leitor. Portanto,
não é a mesma coisa a leitura feita na tela de um
computador . Não causa o mesmo efeito, devido
a postura corporal.
Ao aprendermos a ler entramos no mundo da
escrita e acabamos por fazer um pacto com a
leitura e somos cobrados por ela. Somos
cobrados pelas leituras pertinentes.
Eco (1994) em seu estudo sobre o leitor-modelo
diz que:
“Todo texto é uma máquina preguiçosa pedindo
ao leitor que faça uma parte de seu trabalho.”
O texto exige do leitor várias competências
como a ligadas ao conhecimento prévio (da
língua e do mundo).
“(...) um bosque é um jardim de caminhos que
se bifurcam. Mesmo quando não existem
trilhas bem definidas, todos podem traçar
sua própria trilha, decidindo ir para a
esquerda ou para a direita de determinada
árvore e, a cada árvore que encontrar,
optando por esta ou aquela direção”.
(BORGES apud ECO, 1994)
Devemos criar nossa própria trilha, mas
isso não quer dizer deixar as marcas
geográficas de lado. Não podemos e nem
devemos deixar as pistas textuais que o
texto nos apresenta. Em um texto temos
possibilidades diversas de leituras, porém
não qualquer leitura.
Assim como escrevemos com objetivo e para um
certo público, também lemos com algum
objetivo. Há pactos de leitura que respeita o que
o texto propõe, outros utilizam da trangressão
para produzir o sentido de acordo com a sua
intenção.
O conhecimento dessas variantes amplia as
possibilidades do processo ensino/aprendizagem
da leitura.
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