Visão e visibilidade na pólis democrática José Antonio Dabdab Trabulsi Professor Titular de História Antiga Universidade Federal de Minas Gerais Gostaria de propor neste pequeno trabalho algumas reflexões sobre as fontes no que se refere a certos aspectos da vivência política na cidade grega, e sobretudo na pólis democrática, principalmente os efeitos do « ver-se juntos » nas reuniões coletivas, a « visibilidade » das decisões públicas e o « dar a ver » na publicidade das decisões. Este trabalho se insere numa pesquisa individual de longa duração, que se encontra em curso, sobre a cultura política da participação direta. Sentimento de força coletiva nas reuniões com grande público Nesta cultura da participação, há uma grande confiança no poder da ação coletiva para mudar o estados das coisas. Num momento em que a situação do démos ateniense é crítica : « A maioria (pleísthoi) e os mais fortes, tendo-se reunido, excitaram-se uns aos outros para não mais tolerar a situação, mas que escolhessem por chefe um homem de confiança, que liberassem os que não puderam pagar na data prevista, que provocassem uma nova partilha das terras e que mudassem completamente o regime político (tèn gên anadasasthai kai holos metastêsai tèn politeian) » (Plutarco, Solon, 13, 6). Esse sentimento de « ser forte juntos » é aplicável, é claro, ao domínio militar. Quando vai começar uma nova batalha contra os Persas, un chefe lembra que : « Nós temos as mesmas armas e os mesmos corpos com uma confiança aumentada pelas nossas vitórias, e nós não lutamos apenas, como os outros, pelo nosso país e pela nossa cidade, mas por nossos troféus de Maratona e de Salamina, para que eles não apareçam como a obra de Milcíades e da Fortuna, mas como a dos Atenienses » (Plutarco, Aristides, 16, 5). A força da solidariedade e a confiança coletiva no combate cidadão são da mesma ordem que no domínio político. Para um exército como para uma cidade –mas o que é um exército, do ponto de vista conceitual, senão uma cidade em armas ?- o bom entendimento e a coesão são as chaves do sucesso. Assim, por exemplo, num momento decisivo da aventura dos Dez mil : « Quanto a mim, se eu os visse em dificuldade, eu buscaria saber como vocês poderiam tomar uma cidade, de onde partiria imediatamente aquele que assim o desejasse, e, aquele que não o desejasse, apenas quando tivesse adquirido o suficiente para vir em auxílio dos seus » (Xenofonte, Anabase, 5, 6, 30). Segue-se, então, o conselho de que retornem, agora com barcos e dinheiro : « ‘Eis, com efeito, a minha convicção : em qualquer lugar onde vocês estiverem unidos como hoje, eu tenho certeza que serão respeitados e que terão víveres à disposição : ser os mais fortes, é também poder tomar os bens do mais fraco. Se vocês se desunirem, se sua força diminuir, vocês não poderão mais encontrar sua subsistência, e vocês não vão conseguir o sucesso, com o sorriso nos lábios. Minha opinião é, portanto, como a de vocês, que devemos retornar à Grécia. Mais ainda, se alguém for descoberto desertando o exército antes que ele esteja inteiramente num lugar seguro, eu proponho que ele seja julgado, como um criminoso. E ele acrescentou : quem é dessa opinião, que levante a mão’. Todos a levantaram (àpantes) » (Xenofonte, Anabase, 5, 6, 32-33). O sentimento do « poder fazer juntos » pode também ser visto na comédia. Lisístrata pensa que : « (...) se as mulheres se reunirem aqui, como as da Beócia, as do Peloponeso, e nós mesmas, juntas salvaremos a Hélade » (Aristófanes, Lisístrata, 39-41). Tal é a crença no poder da participação numerosa. O apelo ao sentimento de « poder fazer juntos », derivado da cultura da participação direta, se aplica com toda a sua força na retórica de tribunal : « O veredito que vocês darão, Atenienses, concerne o país inteiro, os santuários que nele se encontram, as tradições ancestrais (hierôn kaì tôn arcahaíon nomímon), a constituição que lhes legaram seus ancestrais, e não apenas o caso de Filócles » (Dinarco, Contra Filócles, 21). Trata-se, por um lado, de uma evidente estratégia de adulação dos membros do júri, reconhecendo o seu poder, e muitas vezes o exagerando ; mas esta « estratégia » só é possível e eficaz porque ela corresponde muito precisamente às concepções mais largamente partilhadas. É verdade que este sentimento tinha falhas, ele podia perder eficácia em certas circunstâncias dramáticas : « Teramenes se levanta : ele vos convida a entregar a cidade nas mãos de trinta cidadãos, e a adotar o projeto de constituição exposto por Dracôntides. Apesar da dificuldade de vossa situação, vocês declaram, em meio ao tumulto, que vocês não farão isso. Vocês compreendiam, com efeito, que era vossa escravidão ou vossa liberdade que, neste dia, estava em deliberação (perì douleías kaì eleutherías en ekeine tê heméra ekklesiázete) » (Lísias, Contra Eratóstenes, 73). Em tais momentos dramáticos, o « poder » de escolher entre a escravidão e a liberdade não era realmente total para o povo ateniense, mas a retórica do « poder fazer juntos » continuava funcionando. Aristóteles, no seu jogo de quebra-cabeças constitucional verdadeiramente completo e exaustivo, expõe um meio de controlar a democracia dita « radical » : « Um remédio para impedir este mal ou torná-lo menos nocivo, é fazer eleger os magistrados pelas tribos e não pelo povo inteiro (mè pánta tòn dêmon) » (Aristóteles, Política, 5, 5, 11). A idéia aqui vigente é a de que o povo inteiro reunido é mais poderoso e mais ameaçador para os ricos, como se o fato de estar juntos e em grande número liberasse o démos das limitações e obrigações da vida social, onde as relações sociais, as solidariedades locais, exerciam um freio nas tomadas de consciência e nas tomadas de decisão. O « poder fazer juntos » é capaz de vencer as maiores dificuldades, também na comédia. Praxágora diz : « Vá, você também, vá se sentar ali. Eu mesma estou decidida a falar para a sua defesa, depois de ter pegado esta coroa. –Aos deuses eu dirijo uma prece : Que eles tragam sucesso aos nossos projetos. Eu tenho deste país uma parte igual à de vocês : o que me aflige e me é penoso, é ver podres os negócios públicos. Pois eu vejo a cidade sempre empregar maus chefes ; se há um que é bom durante um dia, ele se torna mau durante dez. Se se recorre a um outro, ele fará pior ainda » (Aristófanes, Assembléia das mulheres, 169-179). O apelo ao « poder ser juntos », ao « poder fazer juntos », é um dos pilares do regime de participação direta. O papel de sua reafirmação constante era sem qualquer dúvida, em parte, o de compensar o medo e o enorme desafio psicológico colocado aos indivíduos neste tipo de cultura política. Jamais até então, e, sem dúvida, muito raramente desde então, a desproporção entre as possibilidades de um indivíduo e o papel que lhe era destinado pelo sistema foi tão enorme. A única maneira de se tranquilizar, em parte, era de se sentir junto com muitos outros. E para que este sentimento fosse real, eficaz, o melhor era fazê-lo aparecer visualmente ; a visão de muitos indivíduos, seus semelhantes, juntos num mesmo lugar, reforça o sentimento de constituir um grupo. Nós constatamos este efeito « visual » do pertencimento coletivo várias vezes nas fontes gregas. Assim, por exemplo, no diálogo entre Atenienses e Mélios : « Os Atenienses se retiraram então do debate e os Mélios, ficando entre eles, tomaram uma decisão (...) (Tucídides, 5, 112). Neste exemplo, se, de fato, eles se sentiram mais fortes juntos, foi para sua própria desgraça, pois a decisão de resistir aos Atenienses os conduziu à morte. Este efeito visual do grupo pode se aplicar ao conjunto da comunidade, mas também, no seu interior, pode servir para mostrar quem é o mais forte. Tucídides nos dá um bom exemplo disso entre os Lacedemônios : « Após ter, em substância, sustentado este discurso, ele próprio colocou, na sua qualidade de éforo, a questão em votação na assembléia lacedemônia. Em seguida, o voto sendo feito por aclamações e não com boletins, ele declarou não distinguir de que lado as aclamações eram mais fortes ; e, desejando que eles mostrassem abertamente sua opinião, para melhor incitá-los à guerra, ele lhes disse : ‘Aqueles dentre vocês, Lacedemônios, que julgam o tratado rompido e os Atenienses culpados só precisam se levantar e vir se colocar deste lado’ (e lhes mostrava um lugar) ‘e os que são de opinião contrária, do lado oposto ». Eles se levantaram e formaram dois grupos : os mais numerosos, de longe, foram os que julgavam o tratado rompido » (Tucídides, 1, 87, 1-3). O efeito visual é considerado mais eficaz que qualquer outro para criar a certeza quanto à força e à determinação da coletividade. Este efeito pode também ser utilizado por uma comunidade contra outra. Durante o cerco de Flious : « Muitos Lacedemônios diziam que por causa de um pequeno grupo de homens enfrentávamos o ódio de uma cidade de mais de cinco mil cidadãos – e, de fato, para tornar a coisa sensível, a gente de Flíous realizava suas assembléias num lugar visível aos sitiantes » (Xenofonte, Helênicas, 5, 3, 16). Eles chegam, neste episódio, ao ponto de se deslocar para dar a ver aos inimigos a cidade enquanto comunidade de cidadãos (e soldados). Em suma, o fato, por exemplo na Atenas clássica, de se ver reunidos num mesmo local aos milhares, na Assembléia, no Tribunal popular, no teatro igualmente, várias vezes por mês, e em posição de poder, em situação de decidir como bem lhes parecia, era sem dúvida um dos hábitos, uma das práticas que, no fim das contas, tornava possível esta cultura política, pois juntos eles se sentiam à altura dos desafios que lhes eram apresentados, eles se encorajavam mutuamente, eles se davam força uns aos outros, eles venciam ou pelo menos esqueciam provisoriamente o medo de enfrentar tais obstáculos ; isso reforçava ou produzia amor próprio para cada um e para todos. Isso eventualmente os conduziu ao desastre ; o mais das vezes, isso foi para eles uma fonte poderosa de realização e de satisfação. Visibilidade e publicidade das decisões A cidade grega, sobretudo em democracia, é um sistema de governo aberto, coletivo, que não pode funcionar sem uma discussão de grande amplitude e uma vasta circulação da informação em geral. Eles eram conscientes disso, e sabiam perfeitamente que este sistema tinha vantagens e inconvenientes. Era preciso dizer tudo, mas dizer tudo nem sempre era desejável. Diceópolis o diz da seguinte forma : « Ora, eu só direi, mesmo correndo o risco de ser desagradável, coisas justas. Desta vez eu não preciso temer as calúnias de Cleon ; ele não dirá que eu falei mal da cidade na presença de estrangeiros. Nós estamos entre nós, é o concurso das Lenéias, os estrangeiros ainda não estão aqui : nem os tributos foram ainda trazidos, nem os aliados chegaram de suas cidades ; nós estamos sozinhos hoje, só o puro trigo da cidade, os metecos sendo o mau farelo, por assim dizer » (Aristófanes, Acarnenses, 500-508). Ele indica o caráter problemático da discussão aberta de certas questões delicadas ; neste momento eles estão sós, entre eles, e não há problemas. Mas a questão é que « entre eles » pode significar milhares de pessoas, o que recoloca a questão que se esperava evitar. O campo em que esta discussão entre publicidade e segredo se colocava de forma mais aguda era o campo militar, tanto mais que a guerra era, na Grécia, uma atribuição das assembléias, já que soldados e cidadãos eram as mesmas pessoas. Um general ateniense (Demóstenes), em certo momento, quer levantar o cerco de Siracusa, durante a funesta expedição da Sicília, e pretende fazê-lo votar pelos soldados. Nícias a isso se opõe, nos seguintes termos : « Nícias, também, mesmo estimando que seus negócios iam mal, não queria desvendar em voz alta as fraquezas, nem, também, votando a partida abertamente numa reunião numerosa, colocando assim o inimigo a par da situação : teria-se, então, com efeito, muito maior dificuldade em dissimular a coisa, quando se quisesse aplicá-la » (Tucídides, 7, 48). Os inconvenientes militares das decisões coletivas públicas às vezes assumiam uma grande força. No caso em questão, eles acabarão não procedendo desta forma. Vemos, com freqüência, dificuldades análogas, como no caso dos Dez mil : « Como eles sentiam que se aproximavam da Grécia, mais do que nunca a questão se lhes colocava, de como eles poderíam voltar para casa sem que fosse de mãos vazias. Eles pensaram então que se eles se dessem um só chefe, que este chefe único poderia tirar um melhor rendimento do exército, de noite como de dia, mais do que se o comando ficasse dividido ; que quando fosse preciso surpreender o inimigo, a coisa ficaria mais escondida ; que se, por outro lado, fosse preciso prevení-lo, haveria menor atraso : não seria necessário, com efeito, ficar discutindo uns diante dos outros ; o que decidisse o chefe único, isso seria executado. Até então, ao contrário, os generais só agiam com a maioria dos votos » (Xenofonte, Anabase, 6, 1, 17-18). Além do segredo, a questão é a rapidez e a eficácia da decisão. Mas os gregos ficam divididos entre as vantagens do segredo e a exigência de transparência. Continuemos com os Dez mil : « Entretanto Xenofonte mantinha o silêncio. Filésios se levantou em seguida, e depois Lícon, ambos da Acaia. Eles disseram que era fora do normal, em especial, que Xenofonte se esforçasse em persuadir o exército em permanecer, e que ele fizesse sacrifícios com essa intenção, enquanto que em público ele não dizia uma palavra sobre a coisa. Assim forçado, Xenofonte se levantou e falou da seguinte maneira : ‘Sim, soldados, eu promovo sacrifício, como vocês vêem, com todas as vítimas que posso, tanto no vosso interesse quanto no meu, afim de ter sucesso pelas minhas palavras, pelos meus projetos, pelas minhas ações, em contribuir para o vosso renome e em vosso proveito, vosso e também meu. Precisamente, eu fiz imolar vítimas para saber se valia a pena começar a falar-lhes desses projetos e tratar deles com vocês, ou então nem mesmo dizer uma só palavra. Ora, Silanos, o adivinho, respondeu-me, o que é da maior importância, que as vítimas eram favoráveis : ele sabia muito bem que nesses casos eu não sou desprovido de experiência, já que eu assisto sempre os sacrifícios. Ele acrescentou também que nas entranhas ele discernia os sinais de dolo e de maquinação contra mim, tendo aparentemente consciência que ele meditava ser o primeiro a me caluniar junto a vocês. Foi ele, com efeito, que espalhou o rumor que eu tinha o objetivo de realizar tais projetos, sem vossa aprovação’ » (Xenofonte, Anabase, 5, 6, 27). Nos assuntos importantes, há primazia dos « cidadãos »-soldados sobre os chefes, e a exigência de transparência é absoluta. A forma democrática de governo acrescentará a questão da visibilidade das decisões a outras « desvantagens » que, para alguns, poderiam levar ao comprometimento da sobrevivência da cidade : « Tal era, portanto, a situação inicial de nosso país, e ninguém podia dizer nada contra isso. A situação de Felipe, contra quem nós lutávamos, examinem-na : para começar, ele comandava sozinho, como senhor absoluto, aos que o seguiam (o que é o mais importante na condução da guerra) ; em seguida, as pessoas tinham sempre armas na mão ; em seguida, ele tinha dinheiro em abundância e ele fazia o que queria, sem anunciar nos decretos, sem deliberar publicamente, sem ser arrastado à Justiça pelos sicofantes, sem ser ameaçado por acusações de ilegalidade, sem prestar contas a quem quer que seja, absolutamente senhor único, chefe, soberano de tudo (oudè graphàs pheúgon paranómon, oud’hupeúthunos òn oudeni, all’haplôs autòs despótes, hegemòn, kúrios pánton) (Demóstenes, Sobre a coroa, 235). Felipe é o inverso da democracia, e quase temos vontade de chorar de pena dos líderes políticos de Atenas, limitados por tantas obrigações às quais não está ligado o déspota cuja ação ameaça Atenas. O problema é que suprimir todas estas limitações corresponde a por fim à democracia, e até à pólis ; e, nesse caso, em nome do que lutar ? Vemos o choque de dois sistemas, e Felipe acabará vencendo ; mas nada estava decidido antecipadamente ; quase dois séculos antes disso, eles venceram dificuldades similares, contra os déspotas persas, apesar das limitações do seu sistema político, limitações é verdade menos intensas naquela época. Conscientes da necessidade de visibilidade das decisões, e de seus inconvenientes, eles imaginaram salvaguardas, que podiam funcionar muito bem em certos casos : « O que eu fiz por vocês até aqui, nenhum de vocês o ignora ; mas o que eu espero fazer, e o que eu já estou fazendo, há entre vocês quinhentos cidadãos aos quais eu informei em sessão secreta » (Andócides, Sobre o retorno, 19). Vemos que, num sistema em geral aberto, o segredo pode ter um espaço ; segredo muito relativo, é verdade, pois partilhado pelos 500 buleutas (conselheiros)... A questão principal, para além da eficácia do segredo, é a do controle maior ou menor sobre o andamento dos assuntos públicos. É o que vemos no diálogo de Mélos : « Mas os Mélios não os colocaram em presença do povo : eles solicitaram que expusessem o objeto de sua vinda às autoridades e aos notáveis » (Tucídides, 5, 84). Fica claro que havia um risco em colocar os enviados de Atenas diante do povo. A participação direta é menos controlável do que as decisões em reunião restrita. Apesar dos inconvenientes do sistema, os Atenienses eram orgulhosos da visibilidade das decisões na sua cidade, sabendo muito bem que ali residia a maior garantia do poder dos cidadãos sobre a política da cidade. Esta convicção se afirma com uma calma e orgulhosa segurança na Atenas ideal da oração fúnebre de Péricles : « Nossa cidade, com efeito, é aberta a todos, e nunca acontece que, através da expulsão de estrangeiros, nós proibamos a alguém um estudo ou um espetáculo que, não sendo escondido, possa ser visto por um inimigo e ser-lhe útil : pois nossa confiança se baseia pouco nos preparativos e nos estratagemas e mais no valor que buscamos em nós mesmos no momento de agir » (Tucídides, 2, 39). Nada de segredos, nem na guerra, nem, a fortiori, em política. Sabendo bem o que defendemos (a nossa própria liberdade), no momento certo, sempre saberemos enfrentar o desafio... Por vezes, há dupla visibilidade e publicidade, com a prática da leitura pública dos textos que fixam a publicidade : « Todas as outras leis de que se terá necessidade, os nomotetas escolhidos pelo Conselho as escreverão nas tabuletas, farão sua exposição diante das estátuas dos Epônimos, para que elas sejam lidas por quem quiser, e as entregarão aos magistrados no corrente mês. As ditas leis serão examinadas inicialmente pelo Conselho e pelos 500 nomotetas escolhidos pelos demos, depois de terem prestado juramento. Todo indivíduo terá o direito de entrar no Conselho e dar, quanto a essas leis, qualquer opinião útil. Quando as leis tiverem sido votadas, o Conselho do Areópago terá por função observar que os magistrados só façam uso das leis estabelecidas ; quanto às leis confirmadas, elas serão exibidas na mesma parede onde elas eram exibidas antes, para que todos que assim o desejem possam tomar conhecimento » (Andócides, Sobre os Mistérios, 83-84). Este decreto da restauração democrática de 403 é lido, reafirmando o caráter aberto do processo legislativo então instaurado, processo um pouco mais controlado do que no período anterior, através do papel novo dos nomotetas. Mas isso não muda em nada os procedimentos de base do sistema democrático, ou seja, a divulgação de tudo pela voz e pelo meio da exibição do texto escrito nos lugares públicos mais acessíveis aos cidadãos. E, como os gregos liam em voz alta com maior freqüência do que nós, os leitores individuais diante dos textos exibidos deviam funcionar como uma forma de « altofalante », reatualizando a mensagem por meio de repetidas performances de leitura, muitas vezes estando ao lado de indivíduos, cidadãos ou não, que não sabiam ler, ou liam mal. Não é inútil lembrar aqui que esta importância da publicidade pelo escrito, e do papel do escrito nos mecanismos políticos, é uma das razões que explicam que Atenas tenha sido uma das comunidades humanas com a mais elevada taxa de alfabetização de toda a história, talvez a taxa mais elevada de todas antes da Europa ocidental do século XIX. Essa necessidade de publicidade das decisões, dos textos de lei, das listas de magistrados, das convocações das reuniões, entre outras coisas, era « evidente » neste sistema. Diceópolis faz apenas algo de banal quando diz : « Eu vou buscar a estela onde está inscrito o tratado que eu concluí, afim de colocá-lo bem à vista no mercado (phaneràn en tagorâ) » (Aristófanes, Acarnenses, 727-728). Ele dá a ver, no local mais visível da cidade, e o faz como um reflexo banal. Esta prática se aplica aos negócios coletivos no sentido mais amplo, e não apenas às decisões da Assembléia e do Conselho : « Eu posso lhes mostrar até os locais onde se encontrará, se se quiser, os intrigantes e os que merecem muito bem as acusações endereçadas pelos adversários aos sofistas. É nas tábuas afixadas pelos magistrados que eles necessariamente figuram » (Isócrates, Sobre a troca, 237). Os grupos de magistrados (os Tesmotetas, os Onze, os Quarenta) faziam expor quadros com os processos judiciais. Esta publicidade da justiça, já assegurada em parte pelo seu próprio exercício por grupos numerosos de cidadãos, tinha repercussões políticas em termos de reputação, para os cidadãos cujo nome aparecia com freqüência nesses quadros. Em relação a isso, é significativo que, muitas vezes, as dicisões coletivas fossem acompanhadas por sua modalidade de divulgação, como se esta questão fosse tão importante quanto a própria decisão ; e vemos muitas vezes detalhes até sobre o financiamento do próprio ato de publicidade. Assim, por exemplo, nesta inscrição de apoio de Atenas ao rei Aríbalo (em 342) : « (...) que qualquer cidadão ateniense que possa vir a se ocupar dele, que ele tenha acesso ao Conselho e à Assembléia, quando isso for necessário, que os prítanos em exercício cuidem que ele obtenha este acesso (...) que o secretário do Conselho faça gravar este decreto numa estela de pedra e faça exibí-la na Acrópole » (Bertrand, Inscriptions, 64). Lentidão, visibilidade, caráter coletivo das decisões Um ponto que colocava problemas aos próprios Antigos, e que era por vezes visto como um defeito do sistema, já que se referia à sua eficácia, e especialmente nos momentos de perigo, era a lentidão – associada à visibilidade- das decisões : « Eis tudo o que disse Arquidamos. Após tê-lo ouvido, os embaixadores plateenses voltaram à cidade e relataram ao povo (es tèn pólin, kaì tô pléthei) os termos do encontro ; em seguida, eles deram ao rei a seguinte resposta(...) » (Tucídides, 2, 72). É uma passagem como encontramos muitas vezes, onde há sempre um passo a mais até que se possa chegar a uma decisão ; a política de participação direta é mais lenta na tomada de decisão. No mesmo episódio, a dificuldade se prolonga, e nem é percebida enquanto tal : « Eles, entretanto, depois de terem ouvido, voltaram de novo à cidade e, depois de terem deliberado com o povo (kaì bouleusámenoi metà toû pléthous) (...) » (Tucídides, 2, 73). A rapidez e o segredo das decisões estão em relação com a oposição entre comando único ou voto por maioria. Na aventura dos Dez mil, a questão se coloca, no texto já citado (Xenofonte, 6, 1, 17-18). No referido texto, é preciso contar, é claro, com a posição política do historiador, que estava longe de ter uma opinião favorável à democracia, mas isso não quer dizer que os democratas convictos não vissem as dificuldades do sistema, e especialmente sua lentidão. A mesma dificuldade é exprimida, como sabemos, por Demóstenes : « Nesses regimes, creio eu, tudo se faz por ordens, rapidamente. Mas, entre vocês, é preciso primeiro que o Conselho ouça uma explanação completa e redija seu relatório, com a condição ainda que a ordem do dia comporte os negócios envolvendo arautos e embaixadas, e não a qualquer momento ; em seguida, que ele convoque a Assembléia ; e ainda quando isso é previsto pelas leis ; em seguida, que os autores das melhores propostas vençam seus contraditores movidos pela ignorância ou pela má-fé. Além de tudo isso, quando a coisa está decidida e já aparece como útil, é preciso conceder à indigência da maioria das pessoas (tôn pollôn adunamía) um prazo para obter tudo o que precisam, para que possam executar as decisões. Portanto, aquele que priva um regime tal como o nosso deste tempo necessário, este não nos retira apenas tempo, mas nos suprime pura e simplesmente as ações » (Demóstenes, Sobre a embaixada, 185-186). É verdade que o orador tem interesse em dizer isso neste momento preciso, mas pouco importa ; para um tal regime, « tempo » é igual a « ação », e é preciso gastar o tempo necessário à decisão segundo todas as normas, ou então se muda de regime. Os prazos longos da tomada de decisão, agravados pela repugnãncia em delegar o poder, podem provocar impaciências difíceis de acalmar : « Mas alguns dentre vós têm uma estranha impaciência em ver a paz concluída o mais rápido possível. Eles dizem que os quarenta dias que nós vos deixamos para deliberar são um prazo supérfluo, e que ao concedê-lo, nós não temos razão. Pois se vós nos enviastes a Lacedemônia com plenos poderes para este tratado, isso tinha o objetivo de nos dispensar de voltar mais uma vez à Assembléia. O que é, a meus olhos, prudência, é, para eles, pulsilanimidade. Eles afirmam que jamais alguém salvou o povo ateniense persuadindo-o à luz do dia, e que é sem o seu consentimento ou o enganando que se lhe presta bons serviços. Eu não aprovo este discurso. Eu reconheço, Atenienses, que, em guerra, um general dedicado à cidade e sabendo o que deve ser feito, deve esconder seus objetivos à multidão dos combatentes e enganá-los para levá-los em direção ao perigo ; mas quando se vai negociar uma paz comum a todos os gregos, em relação à qual se vai prestar juramentos e se erguerá estelas gravadas, isso não comporta nem disfarce nem engano, e nós merecemos antes o elogio do que a crítica se, apesar dos plenos poderes que nos deram para ir negociar, nós propomos outra vez o assunto ao vosso exame » (Andócides, Sobre a paz, 33-34). Nós vemos aqui toda a dificuldade que existe em assumir uma decisão em nome de todos sem se submeter uma última vez ao corpo político soberano. Às vezes, nem um voto final colocava os negociadores completamente ao abrigo, então era muito mais seguro obter todas as garantias possíveis, o que obviamente provocava mais e mais atrasos. Esta dificuldade ligada à lentidão, à publicidade, às incertezas do voto majoritário, será sentida de forma prioritária pelos dirigentes envolvidos com adversários livres desses obstáculos, como no caso de Demóstenes às voltas com Felipe (Demóstenes, Sobre a coroa, 235), como vimos. Mas eles tinham consciência que estas desvantagens eram compensadas pelas contrapartidas do sistema, às quais eles eram apegados demais para aceitar o abandono ; era, em resumo, o preço a pagar para se viver em democracia. Eis aqui algumas reflexões acerca desta importante questão da visão e da visibilidade na cidade grega antiga. Bibliografia: F. ADRADOS, La democracia ateniense. Madri, Alianza, 1975. C. AMPOLO (org), La città antica. Guida storica e critica. Roma-Bari, Laterza, 1980. D. ASHERI, Distribuzioni di terre nell’antica Grecia. Turim, Accademia delle Scienze, 1966. M.-F. BASLEZ, L’étranger dans la Grèce antique. Paris, Les Belles Lettres, 1984. A. 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