Oficina de Leitura
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Dados
De 10 a 15 alunos, com 12 a 13 anos.
Duração de 2 dias, 2h diárias.
Justificativa
Aristóteles afirmara ser o homem um animal
gregário. Esse pressuposto corrobora o
fato de a vida em sociedade ser condição
sine qua non para a realização das
potencialidades das pessoas.
A construção do homem enquanto ser social
perpassa, portanto, pelo contato com o
próximo. E, num mundo desigual, são as
relações
igualmente
díspares
que
proporcionam a aparição de hierarquias,
com todos os construtos dela decorrentes.
Um apólogo, de Machado de
Assis
Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:
— Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda
enrolada, para fingir que vale alguma cousa neste mundo?
— Deixe-me, senhora.
— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está
com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que
me der na cabeça.
— Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha.
Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual
tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe
a dos outros.
— Mas você é orgulhosa.
— Decerto que sou.
— Mas por quê?
— É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa
ama, quem é que os cose, senão eu?
— Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você
ignora que quem os cose sou eu e muito eu?
— Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um
pedaço ao outro, dou feição aos babados...
— Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante,
puxando por você, que vem atrás obedecendo ao que eu faço
e mando...
— Também os batedores vão adiante do imperador.
— Você é imperador?
— Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel
subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai
fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo,
ajunto...
Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa.
Não sei se disse que isto se passava em casa de uma
baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar
atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da
agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a
coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano
adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da
costureira, ágeis como os galgos de Diana — para dar a isto
uma cor poética. E dizia a agulha:
— Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco?
Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo;
eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles,
furando abaixo e acima...
A linha não respondia; ia andando. Buraco aberto pela agulha
era logo enchido por ela, silenciosa e ativa, como quem sabe
o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha,
vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi
andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se
ouvia mais que o plic-plic-plic-plic da agulha no pano. Caindo
o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte.
Continuou ainda nessa e no outro, até que no quarto acabou a
obra, e ficou esperando o baile.
Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a
ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho,
para dar algum ponto necessário. E enquanto compunha o
vestido da bela dama, e puxava de um lado ou outro,
arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando,
a linha para mofar da agulha, perguntou-lhe:
— Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da
baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é
que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você
volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio
das mucamas? Vamos, diga lá.
Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de
cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre
agulha:
— Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e
ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de
costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém.
Onde me espetam, fico.
Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse,
abanando a cabeça:
Confúcio e o menino sem
nome, de Dong Sizhang
adaptação de Gilmar Luís
Confúcio se cansara de ensinar ao povo e decidiu então ir ao
monte Jing. Encilhou uns búfalos e se pôs a trotear para seu
descanso.
A subida por uma estrada estreita e tortuosa ofertava-lhe uma
visão da beleza primaveril. Flores em profusão
desabrochavam como se acordassem de um sono longo. O
cimo da montanha, coberto de neblina, infundia nele a paz
que tanto almejava.
Absorto na contemplação, não reparou num menino que
brincava no meio do caminho. O garoto remexia na terra e,
lentamente, tentava edificar uma muralha de barro.
Confúcio serenou o galope, emitindo um chiado, a plenos
pulmões, até para chamar a atenção do rapazote. O menino
divisou a carroça e, sem pestanejar, colocou-se atrás da
pequena muralha.
- Menino, estou passando. Não estás vendo?
- É o carro que deve contornar a muralha e não o contrário.
Confúcio, primeiramente, ficou enraivecido. Ora essa, os jovens
de hoje não mais reverenciavam os mais velhos. Em seguida,
riu-se, achando perspicaz a resposta do guri.
- Quantos anos tens?
- Sete.
- Apesar de ter somente sete anos, deste a mim uma boa
resposta. Qual teu nome?
- Não tenho nome algum.
Confúcio adorava brincar com as palavras e com as ideias.
Desceu da carroça. E cogitou testar a perspicácia do jovem.
- Sem Nome, dize-me uma coisa. Você conhece montanha sem
pedra? Pé sem dedo? Céu sem passarinho? Água sem
peixe?
Saboreando cada pergunta, Confúcio sorria. O menino,
incontinenti, abriu mais os pequenos olhos quando o outro
cessara a saraivada de perguntas e disparou em tom quase
melancólico:
- Uma montanha de terra não tem pedras. Pé de mesa não tem
dedo nem unha. No céu da boca, pássaro não voa. A água do
poço não tem peixe.
O sorriso de Confúcio sumiu. O menino desmontara a arapuca.
- Você tem resposta pra tudo. Vamos sair mundo afora para ver
se todas as coisas são iguais?
- O mundo não pode ser igualado. No alto, erguem-se as
montanhas; embaixo, correm os rios. De um lado, uns
mandam; outros obedecem. Poderia o mundo ser mais igual,
isso sim!
- Se aplainássemos as montanhas, teríamos rocha e terra para
cobrir mar e rios. Poderíamos expulsar também os ricos e
libertar os escravos. Nesse caso, o mundo seria igualado.
- Se aplainássemos as montanhas, onde os animais se refugiariam? Se
enchêssemos o mar e os rios, onde nadariam os peixes? Se
expulsássemos os que tudo tem, quem lhes daria emprego? E, se
todos os escravos fossem libertos, por que continuariam a lhe pedir
conselhos?
Confúcio percebeu a sabedoria do menino e tratou de miná-la em
embate mais simples.
- O que é esquerda e direita?
- O Leste e o Oeste – respondeu o jovem.
- O que é interior e exterior?
- O Sul e o Norte.
- Bom!, disse Confúcio. – Você não perde uma! Mas será que um
menino de sete anos sabe se a mulher está mais perto do seu marido
do que uma mãe de um filho?
- A mãe está mais perto de seu filho do que uma mulher do seu marido
– riu o rapaz.
- Ah, essa não! A mulher está mais perto do marido do que a mãe do
filho. Durante a vida, a mulher e o marido dormem juntos, na mesma
cama. Quando morrem, são enterrados lado a lado no túmulo.
- O senhor está enganado. A mãe está mais perto do filho do que
uma mulher de seu marido. E provo o que estou dizendo. A
mãe é para o filho como as raízes para as árvores. Uma
mulher é para o marido como as rodas para o carro. Quando a
mãe morre, é como se árvore ficasse sem raízes e fenecesse.
Quando um marido fica viúvo, pode arrumar outra esposa,
como um carro pode ter outras rodas.
Confúcio parecia atordoado. O menino levantou-se do chão e
disse:
- Respondi a tudo, agora são as minhas perguntas.
- Sim, podes fazê-las.
- Como os marrecos e os patos podem nadar?
- Ora, porque eles têm as patas espalmadas!
- Não, palma existe na mão. As tartarugas também nadam e não
possuem patas espalmadas.
Confúcio tossiu e esperou a outra pergunta.
- Como os grous e os gansos conseguem gritar?
- Porque eles têm o pescoço comprido.
- Não, as rãs gritam e nem pescoço têm.
Confúcio sacudiu a cabeça. Não mais sorria. Cruzou os braços e
aguardou mais um petardo.
- Quantas estrelas há no céu?
- Vamos falar de coisas que podemos ver. Tudo bem?
- Sim. Então quantos cílios o senhor tem nas pálpebras?
- Desisto, não consigo ganhar. Agora eu temo uma criança.
Queres ser meu mestre?
O menino voltou ao barro e não respondeu.
Atividades de interpretação
01. O texto de Machado de Assis se chama
apólogo. A palavra, de origem grega,
significa fábula. Toda história assim tem
como objetivo a transmissão de uma
moral. Qual o principal propósito da
fábula?
02. O segundo texto também pode ser
enquadrado na mesma categoria do
primeiro (fábula ou não)?
03. O primeiro texto remete a qual época da
história do Brasil? Que elementos
corroboram a sua resposta?
04. No segundo texto, há um claro embate
(discussão, rixa, discórdia) entre Confúcio
e um garoto. Através do conhecimento
acerca de quem é Confúcio, tu achas isso
um elemento intensificador na trama?
05. Confúcio muda o tom das perguntas
quando percebe a argúcia (esperteza) do
garoto?
06. A palavra babados, no primeiro texto,
possui qual sentido? Este se mantém hoje
em dia? Há acepções novas atualmente?
07. Por que o menino, no segundo texto, não
respondeu à última pergunta de Confúcio?
08. No dicionário Houaiss, arapuca é
armadilha para caçar pequenos pássaros;
geralmente uma pirâmide feita com
pauzinhos ou talas de bambu. É este o
sentido utilizado no segundo texto?
09. Há semelhanças entre os dois textos?
10. No texto dois, a expressão sem nome
aparece em maiúscula. Nomes próprios
aparecerem em minúscula, como na frase
“Ele é o judas da turma”. É um processo
muito usado, principalmente em produtos
industrializados.
Tu
lembras
outro
exemplo?
11. Do verbo temer originou-se o adjetivo
temente, usual em textos bíblicos. Há
relação similar em temer no segundo
texto?
Atividade
De posse de histórias que valorizam a
suposta supremacia (superioridade) de um
sobre o outro por meio da retórica (arte de
falar), convidamos os alunos a se reunir
em dois grandes grupos e bolarem um
texto, a ser lido oralmente, que defenda
um possível candidato ao grêmio
estudantil. Mas não com propostas ou
promessas: a fala terá de convencer por
meio de propaganda pessoal, ou seja, o
que o candidato fez e/ou sabe que o
credencie a ser o vencedor.
O texto argumentativo
O texto dos grupos deve-se enquadrar na
tipologia argumentativo. Eis os elementos:
a) uso de palavras que nomeiam ideias e
conceitos
(trabalho,
dever,
direito,
solidariedade etc). Os textos narrativos e
descritivos tratam de seres em particular; o
argumentativo aborda conceitos genéricos.
b) ausência de temporalidade: verbos no
presente do indicativo com valor
atemporal.
O texto argumentativo
c) encadeamento de ideias: as frases se
relacionam progressivamente com
relações de causa, efeito, consequência,
conclusão, oposição. Portanto, faz-se
necessário o uso harmonioso das
conjunções.
Os autores
Elzira Schott, Gilmar Luís e Marianne Borges
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