Estratégias e
Identidades
MIDIÁTICAS
Matizes da Comunicação
Contemporânea
Chanceler
Dom Dadeus Grings
Reitor
Joaquim Clotet
Vice-Reitor
Evilázio Teixeira
Conselho Editorial
Ana Maria Lisboa de Mello
Elaine Turk Faria
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Jerônimo Carlos Santos Braga
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Jorge Luis Nicolas Audy – Presidente
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Jurandir Malerba
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EDIPUCRS
Jerônimo Carlos Santos Braga – Diretor
Jorge Campos da Costa – Editor-Chefe
Organização
Daiana STASIAK
Vilso Junior SANTI
Estratégias e
Identidades
MIDIÁTICAS
Matizes da Comunicação
Contemporânea
Porto Alegre, 2011
© EDIPUCRS, 2011
Vivian C. de Miranda
Julia Roca dos Santos
Rodrigo Valls
E82
Estratégias e identidades midiáticas : matizez da
comunicação contemporânea [recurso eletrônico] /
org. Daiana Stasiak, Vilso Junior Santi. – Dados
eletrônicos. – Porto Alegre : EDIPUCRS,
2011.
156 p.
Modo de acesso: World Wide Web
<HTTP://www.pucrs.br/orgaos/edipucrs>
ISBN 978-85-397-0082-0
1. Comunicação Social. 2. Meios de Comunicação.
3. Mídia. 4. Identidade Cultural. I. Stasiak, Daiana.
II. Santi, Vilso Junior.
CDD 301.161
Colaboradores
Ada C. M. da SILVEIRA
Orientadora. Pós-Doutora pela La Nouvelle (Sorbonne III), Doutora em Jornalismo pela Universidad Autónoma de Barcelona (UAB) e Docente dos Programas
de Pós-Graduação em Comunicação Midiática e Extensão Rural da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail: [email protected]
Adair PERUZZOLO
Orientador. Pós-Doutor pela Universidad Autónoma de Barcelona (UAB), Doutor
em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Midiática da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail: [email protected]
Daiana STASIAK
Relações Públicas. Mestre em Comunicação Midiática pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Doutoranda em Comunicação Social pela Universidade de Brasília (UNB) e Professora Assistente da Faculdade de Comunicação
e Biblioteconomia (FACOMB) da Universidade Federal de Goiás (UFG). E-mail:
[email protected]
Eugenia M. M. da R. BARICHELLO
Orientadora. Doutora em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ) e Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Midiática da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail: [email protected]
Laura E. de O. FABRICIO
Jornalista. Mestre em Comunicação Midiática pela Universidade Federal de
Santa Maria (UFSM) e Professora do Curso de Jornalismo e Publicidade & Propaganda do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). E-mail: laurafabricio@
gmail.com
Luciana MIELNICZUCK
Orientadora. Pós-Doutora pela Universidade de Santiago de Compostela (USC),
Doutora em Comunicação e Cultura Contemporânea pela Universidade Federal
da Bahia (UFBA) e Docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação
Midiática da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail: luciana.
[email protected]
Márcia F. AMARAL
Orientadora. Doutora em Comunicação e Informação pela Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Docente do Programa de Pós-Graduação
em Comunicação Midiática da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
E-mail: [email protected]
Mônica PIENIZ
Relações Públicas. Mestre em Comunicação Midiática pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Doutoranda em Comunicação e Informação
e Professora substituta na Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação
(FABICO) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail:
[email protected].
Pauline N. FRAGA
Publicitária. Mestre em Comunicação Midiática pela Universidade Federal de
Santa Maria (UFSM) e Professora do Curso de Publicidade & Propaganda do
Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). E-mail: [email protected]
Vivian BELOCHIO
Jornalista. Mestre em Comunicação Midiática pela Universidade Federal de
Santa Maria (UFSM) e Doutoranda em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: [email protected]
Vivian C. de MIRANDA
Bacharel em Desenho Industrial - Programação Visual. Especialista em Arte e
Visualidade e Mestre em Comunicação Midiática pela Universidade Federal de
Santa Maria (UFSM). E-mail: [email protected]
Vilso Junior SANTI
Jornalista. Mestre em Comunicação Midiática pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e Doutorando em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). E-mail: [email protected]
Agradecimentos
Ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria (POSCOM-UFSM).
Aos professores do POSCOM-UFSM: Ada Cristina M. Silveira;
Adair Peruzzolo; Antonio Fausto Neto; Elizabeth Bastos Duarte; Eugenia
M. M. R. Barichello; Luciana Mielniczuck; Márcia Franz Amaral; Maria
Ivete Trevisan Fossá; Maria Lilia Dias de Castro; Rogério Ferrer Koff; e
Veneza Mayora Ronsini.
À EDIPUCRS.
SUMÁRIO
Prefácio .................................................................................................9
Apresentação ......................................................................................13
Parte I
Mídia e Estratégias Comunicacionais
1. Estratégias comunicacionais em portais institucionais: apontamentos
sobre as práticas de Relações Públicas na internet brasileira ...........15
Daiana STASIAK & Eugenia M. da R. BARICHELLO
2. Representações do feminino em fotografias jornalísticas: Yeda
Crusius em Zero Hora ........................................................................37
Laura E. de O. FABRICIO & Adair PERUZZOLO
3. O jornalismo digital e as estratégias de colaboração: sinais da desre-territorialização .................................................................................56
Vivian BELOCHIO & Luciana MIELNICZUCK
4. O grotesco midiático: estratégias de imagem nas charges
de imprensa ...................................................................................76
Vivian C. de MIRANDA & Adair PERUZZOLO
Parte II
Mídia e Identidades Contemporâneas
5. Mídia e reconhecimento identitário: o território em site de
relacionamento .........................................................................102
Mônica PIENIZ & Ada C. M. da SILVEIRA
6. O gaúcho na mídia: as representações da identidade regional no
discurso publicitário contemporâneo ...................................................116
Pauline N. FRAGA & Ada C. M. da SILVEIRA
7. As representações no “Circuito das Notícias”: o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem-terra no Jornal ZH ...................................136
Vilso Junior SANTI & Márcia F. AMARAL
UM PREFÁCIO SOBRE SETE OLHARES QUE
PRIVILEGIAM A COMUNICAÇÃO MIDIÁTICA
O campo de estudos da Comunicação, especialmente as regras
que regem as pesquisas e a organização disciplinar da Pós-Graduação,
tem, por parte de alguns grupos, focado o olhar nas interações sóciotecnicas presentes e inerentes aos processos de comunicação, sem perder
de vista a constituição histórica do campo como encruzilhada de saberes.
Em 2005, foi criado o Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), que optou por
compreender o estudo da ação midiática implicada na estruturação do
espaço público, na visibilidade e legitimação das instituições e na configuração das identidades contemporâneas. A área de concentração do
Programa ocupa-se prioritariamente em estudar as formas que permitem
à Comunicação Midiática incidir na associação, configuração e solidificação das relações sociais no tempo e no espaço. A explicitação dessa área de concentração congrega dois conjuntos de estudos definidos
como linhas de pesquisa: Mídia e Estratégias Comunicacionais; e Mídia
e Identidades Contemporâneas.
A linha de pesquisa “Mídia e Estratégias Comunicacionais” investiga as estratégias que agem como promotoras de articulação e de
organização entre a esfera midiática e os demais campos sociais. Agrega pesquisas que investigam as relações do campo das mídias com os
demais campos, especialmente as estratégias que este campo aciona,
ou dele são tomadas por empréstimo para construir o espaço público
contemporâneo, para assegurar a presença das instituições no espaço
público, ou instituir algumas formas de vínculo social entre as instituições
e os usuários de suas ofertas.
A linha de pesquisa “Mídia e Identidades Contemporâneas” reúne projetos que possuem em comum o estudo da incidência da esfera
midiática na conformação das identidades com ênfase na construção de
representações e significados. Agrega as pesquisas que envolvem estudos interpretativos sobre o papel da Comunicação Midiática na construção de dinâmicas sociais, matrizes identitárias, experiências de interação e processos de consumo/apropriação que passam pela mediação
do discurso das linguagens midiáticas.
É com satisfação que apresentamos aqui sete trabalhos resultantes de dissertações defendidas pelos alunos da segunda turma de egressos do Mestrado em Comunicação Midiática da Universidade Federal de
Santa Maria (UFSM). São quatro pesquisas da Linha Mídia e Estratégias
Comunicacionais e três da Linha Mídia e Identidades Contemporâneas.
O primeiro, “Estratégias comunicacionais em portais institucionais: apontamentos sobre as práticas de Relações Públicas na internet
brasileira”, de autoria de Daiana STASIAK orientada pela professora Eugenia Mariano da Rocha BARICHELLO, apresenta os resultados da pesquisa que teve como objetivo classificar as diferentes fases da práxis de
Relações Públicas na web (WebRP) ao longo dos últimos catorze anos.
A metodologia utilizada foi o estudo de casos múltiplos (YIN, 2005), o
corpus foi formado por doze portais analisados em três momentos: anos
1990, início dos anos 2000 e atualidade (2008/2009). Ao final das análises encontramos as estratégias pertinentes a cada época que permitiram a tipificação de três fases da WebRP.
O segundo, “Representações do feminino em fotografias jornalísticas: Yeda Crusius em Zero Hora”, de autoria de Laura Elise de
Oliveira FABRICIO orientada pelo professor Adair PERUZZOLO, parte
do pressuposto que o campo jornalístico, através de seus regramentos,
constrói representações dos atores que compõem os demais campos
por meio de seus dispositivos, como a fotografia. Histórica e culturalmente, o campo da política gaúcha sempre foi predominado por atores
masculinos. Porém, na contemporaneidade este cenário vem mudando: as mulheres se projetam como candidatas e, na última eleição ao
Governo do Rio Grande do Sul, no ano de 2006, elegeu-se a primeira
governadora mulher. Neste contexto, o trabalho propõe analisar como
foram construídas as representações do feminino nas fotografias jornalísticas de Zero Hora, no período desta campanha eleitoral, utilizando-se a candidata Yeda Crusius como objeto de análise. A partir de
análises de orientação semiótica, constatou-se que há apropriações de
diversificadas representações do feminino, como estratégias de construção simbólica da figura da mulher candidata.
O terceiro, “O jornalismo digital e as estratégias de colaboração:
sinais da des-re-territorialização”, de Vivian BELOCHIO orientada pela
professora Luciana MIELNICZUCK, define o território jornalístico institucionalizado e discute a sua transformação nas redes digitais. O texto
10
define a cauda longa da informação, o Pro-Am e destaca as estratégias
comunicacionais do jornalismo nesse contexto. Em seguida, expõe aspectos apurados num estudo de caso de Zero Hora.com, interpretados
como sinais da des-re-territorialização no jornal digital.
O quarto, “O grotesco midiático: estratégias de imagem nas charges de imprensa”, de Vivian Castro de MIRANDA orientada pelo professor Adair PERUZZOLO, apresenta os resultados de pesquisa que buscou compreender o grotesco, através do desenho de humor de mídia
jornalística impressa. Diante da possibilidade de compreender melhor
o fenômeno pela engrenagem dos textos humorísticos, a partir de uma
abordagem semiológica, procurou-se demonstrar que o grotesco é uma
significação que opera como princípio para a comicidade nos jornais. O
enfoque na imagem, no que se refere ao processo analítico, apontou
para estratégias discursivas utilizadas na construção dos sentidos que
operam, enquanto estratégias textualizadoras, manifestas, sobretudo,
através do componente visual da expressão.
O quinto, “Mídia e reconhecimento identitário: o território em site
de relacionamento”, de Mônica PIENIZ orientada pela professora Ada
Cristina Machado da SILVEIRA, aborda a relação das tecnologias favorecedoras da globalização e sua incidência sobre a cultura local. A
dualidade da categoria espaço, aplicável à dimensão virtual e à cultura local, se faz fundamental. A indagação referente a sua importância
remete especialmente à noção de território geográfico no que tange a
sua articulação entre a condição de espaço físico e espaço virtualizado.
Exemplifica-se com um estudo empírico das representações identitárias
propostas por donos de comunidades no site de relacionamento Orkut,
analisando-se o pertencimento territorial como fonte histórica de condicionamento de uma identidade cultural em particular.
O sexto, “O gaúcho na mídia – As representações da identidade regional no discurso publicitário contemporâneo”, de Pauline
Neutzling FRAGA orientada pela professora Ada Cristina Machado da
SILVEIRA, ocupa-se da reflexão acerca do reconhecimento identitário
regional proposto no apelo publicitário. O estudo qualitativo empreendeu
alguns conceitos e procedimentos da Análise do Discurso enunciativa a
fim de localizar as produções de sentido que respondessem a seguinte
problemática: que gaúcho é esse, afinal, representado pela publicidade
contemporânea? Quais as principais características de sua identidade
11
midiatizada, tendo por parâmetro o cânone identitário criado, sustentado e popularizado (em termos de ampla divulgação) pelo MTG (Movimento Tradicionalista Gaúcho)? O corpus foi formado por dez anúncios,
veiculados de 2005 a 2007. Pôde-se compreender que, convertida em
mercadoria, tal identidade encontrar-se-ia ao alcance dos mais diferentes públicos-alvo, para o nível de apropriação individual, sendo ofertada
conforme as necessidades de cada anunciante.
O sétimo texto, “As Representações no “Circuito das Notícias”: o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra no Jornal Zero Hora”,
de Vilso Junior SANTI orientado pela professora Márcia Franz AMARAL,
estuda a representação do Movimento dos Trabalhadores Rurais SemTerra (MST) e de suas ações no jornal Zero Hora (ZH), tendo como panorama o “Circuito das Notícias” e suas distintas fases. Para tanto, mapeia o movimento das representações e suas transformações ao longo
da cadeia produção, texto e leitura sem esquecer de suas intersecções
e inter-relações nos diferentes momentos. O estudo propõe uma aproximação analítica entre o “Circuito da Cultura” de Johnson (1999) e o
“Circuito das Notícias” – uma tentativa de abordagem integral e integradora, que reivindica uma visão global sobre os processos jornalísticos.
Tal aproximação parte das contribuições teórico-metodológicas dos Estudos Culturais Britânicos e busca entender e/ou explicar a dinâmica da
cultura, dos produtos culturais, e suas intersecções com o jornalismo,
principalmente no que se refere às representações.
São sete olhares que privilegiam a Comunicação Midiática por
meio de dois eixos: as estratégias comunicacionais e a configuração das
identidades contemporâneas. Apostamos nesses olhares e recomendamos a sua leitura.
Eugenia Mariano da Rocha Barichello
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em
Comunicação da UFSM.
12
APRESENTAÇÃO
Obter o grau de Mestre em Comunicação Midiática representou
para nós uma enorme realização, da qual somos imensamente gratos ao
Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal
de Santa Maria (POSCOM-UFSM). Criado em outubro de 2005, o Programa já diplomou 28 Mestres, dentre os quais nós, os colaboradores
desta publicação – integrantes da segunda turma de acadêmicos, titulada em março de 2009.
Caminhamos com o POSCOM-UFSM os seus primeiros passos e
cremos que nesse caminhar contribuímos para sua consolidação junto a
CAPES, COMPÓS, INTERCOM, SBPJOR, ABRACORP, etc. – também entre os demais Programas de Pós-Graduação em Comunicação do Brasil. A
descentralização dos pólos de ensino foi, desde sua criação, um dos objetivos primordiais da UFSM, transposto também para a Pós-Graduação, e foi
este “espírito transpositor” que nos permitiu ultrapassar os diversos obstáculos rumo à inserção nacional nas Pesquisas em Comunicação lá realizadas.
Os dois anos de convivência no POSCOM-UFSM nos trazem
uma série de lembranças relacionadas aos momentos de aprendizagem
e interação entre nós acadêmicos e os nossos mestres. A necessidade
de produções e publicações sempre fez parte do nosso dia-a-dia, pois,
era preciso colaborar efetivamente na sedimentação das pesquisas da
área e do próprio Programa. Por isso, nossas discussões giravam invariavelmente em torno de temas convergentes. Seguiam a órbita das
duas grandes linhas de pesquisa do Programa (Estratégias Comunicacionais e Identidades Contemporâneas), mas sempre compartilhavam
um centro comum: a Comunicação Midiática.
Nesses termos, a proposição dessa publicação, mais do que reconhecer a importância de todos aqueles que compartilharam conosco
suas experiências no período do curso, pretende expressar um sentimento de dever cumprido. Através desta obra, que apresenta textos produzidos a partir das dissertações que defendemos no POSCOM-UFSM,
acreditamos poder demonstrar parte do aprendizado adquirido. Sinceramente sabemos que ganhamos muito mais do que está aqui registrado
e por isso reiteramos nossa gratidão e nosso orgulho por fazer da caminhada do POSCOM-UFSM rumo à consolidação.
Daiana Stasiak e Vilso Junior Santi (Orgs.)
Parte I
Mídia e estratégias
Comunicacionais
Estratégias comunicacionais em portais institucionais
ESTRATÉGIAS COMUNICACIONAIS EM PORTAIS
INSTITUCIONAIS: APONTAMENTOS SOBRE AS PRÁTICAS
DE RELAÇÕES PÚBLICAS NA INTERNET BRASILEIRA1
Daiana STASIAK2
Eugenia M. M. da R. BARICHELLO3
Resumo
O trabalho apresenta os resultados da pesquisa de dissertação de
mestrado que teve como objetivo classificar as diferentes fases da
práxis de Relações Públicas na web (WebRP) ao longo dos últimos
catorze anos. A metodologia utilizada foi o estudo de casos múltiplos
(YIN, 2005), o corpus foi formado por doze portais analisados em três
momentos: anos 90, início dos anos 2000 e atualidade (2008/2009). Ao
final das análises encontramos as estratégias pertinentes a cada época
que permitiram a tipificação de três fases da WebRP.
Palavras-chave
Relações Públicas; estratégias de comunicação; portais; legitimação
institucional; midiatização.
Communication strategies in institutional sites: notes about
the practices of Public Relations in the Brazilian Internet
Abstract
This work presents research results that had as objective to classify different phases of Public Relations’ praxis on the web (WebRP) throughout
the last fourteen years. The methodology used was the study of multiple
cases (YIN, 2005), the corpus was formed by twelve sites studied at three
moments: the 90’s, beginning of 2000 and present time (2008/2009). At
Trabalho resultante da dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Área de Concentração: Comunicação
Midiática. Linha de Pesquisa: Estratégias de Comunicação.
2 Relações Públicas. Mestre em Comunicação Midiática pela Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM), Doutoranda em Comunicação Social pela Universidade de Brasília (UNB) e Professora
Assistente da Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia (FACOMB) da Universidade Federal
de Goiás (UFG). E-mail: [email protected]
3 Orientadora. Doutora em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Midiática da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail: [email protected]
1 Daiana Stasiak e Eugenia M. da R. Barichello
the end of the analysis we find appropriate strategies for each season
that allowed the characterization of three phases of WebRP.
Keywords
Public Relations; communication strategies; sites; institutional legitimation; mediatization.
Na contemporaneidade, a práxis comunicacional nas organizações tem sido pautada pelo processo de midiatização advindo, sobretudo, por meio do desenvolvimento das tecnologias de comunicação e
informação, que tendem a reconfigurar os modos de produção de sentido e trazer novas lógicas aos regimes de visibilidade pública (SODRÉ,
2002). Esses fatos colocam-nos diante de transformações no modo de
pensar e executar as práticas de Relações Públicas, principalmente no
que diz respeito à utilização de estratégias de comunicação adequadas
a gama de possibilidades disponibilizadas pelos suportes digitais e suas
ambiências. Instala-se uma demanda que exige das organizações e instituições um diagnóstico de comunicação que contemple as possibilidades midiáticas disponíveis na elaboração de um planejamento de comunicação com estratégias comunicacionais inovadoras, que possibilitem a
promoção da visibilidade e a legitimação frente à opinião dos públicos.
Nessas circunstâncias de maturação tecnológica, a internet configura-se como a mídia de convergência, que oferece recursos fundamentais para a aplicação de estratégias de comunicação institucional.
No atual contexto os meios de comunicação assumiram um papel que
ultrapassa a condição de meros veículos das mensagens e dos conteúdos, pois além de veicularem informações aos diferentes públicos,
eles possuem papel relevante na produção dos sentidos que circulam
na sociedade. Assim, ocorre um deslocamento da concepção dos meios
de comunicação como canais para o entendimento dos meios como ambiência, pois, acontece uma metamorfose no universo de transmissão e
vive-se um tempo em que emissor e receptor deixam de ser compreendidos como pólos estáticos e hibridizam-se em suas funções.
A questão do rompimento das barreiras espaço-temporais e o
acesso a múltiplas fontes de informação fizeram com que os jornais fossem os primeiros meios de comunicação a adaptarem suas estruturas às
transformações advindas com a web. Atualmente existem vários estudos
16
Estratégias comunicacionais em portais institucionais
sobre as práticas de jornalismo na web (MIENICZUCK, 2003; BARBOSA,
2007), dos quais uma importante representação é o Grupo de Jornalismo
On-line (GJOL)4 que desenvolve pesquisa neste campo desde 1995. No
contexto organizacional, as Relações Públicas também exerceram papel
fundamental no ajuste e criação de estratégias para esta conjuntura, que
emergiu em meados dos anos 90. Os expoentes dessas adaptações são
os portais, onde a estrutura e as informações institucionais passaram a
ocupar um espaço representacional independente das mídias tradicionais.
O termo WebRP significa, neste trabalho, as práticas de Relações
Públicas efetuadas na interface da web e é entendido a partir das teorias
do webjornalismo, as quais serviram também como subsídio teórico para
elaborarmos as três fases da WebRP. A presença das organizações na
internet torna-se, a cada dia, mais necessária. Através da análise dos portais buscou-se evidenciar e discutir a materialidade de um novo tipo de estratégia de comunicação institucional, que se manifesta nas teias da rede
e está presente nas práticas cotidianas da atividade de Relações Públicas.
O presente texto aborda conceitos sobre Relações Públicas e o
sistema web como subsídios para demonstrar o percurso metodológico
e os resultados da pesquisa que objetivou classificar as diferentes fases das práticas de Relações Públicas na web (WebRP) ao longo dos
últimos catorze anos. Para tanto, o trabalho é dividido nas seguintes
partes: a primeira oferece um panorama da internet, considerada sob a
perspectiva de ambiência, suas gerações e a característica da interatividade, a segunda apresenta conceitos de Relações Públicas relacionados ao contexto da web com vistas a demonstrar que a interdependência entre estas áreas é fundamental no cenário da midiatização em
que atuamos hoje, a terceira parte aborda a metodologia do estudo de
casos múltiplos (YIN, 2005) e a análise das estratégias mais pertinentes nos portais institucionais de cada período; as considerações finais
apontam os resultados da pesquisa com as transformações das práticas de Relações Públicas evidenciadas nos portais da web ao longo
dos anos e a caracterização das três fases da WebRP.
O sistema Web: características e gerações
A internet é uma grande rede composta por diversos sistemas,
um deles, a World Wide Web (www), caracterizada por ser um sistema
4 http://www.facom.ufba.br/jol
17
Daiana Stasiak e Eugenia M. da R. Barichello
de servidores que suportam documentos formatados na linguagem conhecida como HTML (HyperText Markup Language) a qual suporta links
para outros documentos, bem como gráficos, áudio e arquivos de vídeo,
o que traz a possibilidade do usuário passar de um documento para outro simplesmente clicando nesses links. Porém, nem todos os servidores
de internet fazem parte da World Wide Web. Há várias aplicações chamadas web browsers que tornam mais fácil seu acesso; dois dos mais
populares são o Netscape Navigator e o Microsoft Internet Explorer5.
Por ser essencialmente um sistema aberto, a web possibilita a
busca de informações em toda a rede, num fluxo constante, fato que
aumenta a força de uma comunicação interativa, individualizada e, ao
mesmo tempo, coletiva. Saad (2003) acredita que os diferenciais da
World Wide Web são características como: interatividade, conectividade, flexibilidade, formação de comunidades e arquitetura informacional.
A autora propõe que a web é uma mídia de duas mãos responsável por
transmitir mensagens de muitos para muitos e estabelecer relações de
comunicação não lineares.
A web torna-se, cada vez mais, uma realidade em nossas vidas,
esta ideia confirma-se principalmente pelo aumento constante do número de usuários, de registros de portais e da quantidade de dados disponíveis para acesso. De acordo com a última pesquisa6 realizada pelo
Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) e a NetRatings, líder mundial em medição de audiência de internet, divulgada em
15 de dezembro de 2008, nos últimos dois anos o número de brasileiros
que possuem acesso à internet em casa cresceu em 73%. No mês de
novembro os brasileiros passaram, em média, 23 horas e 47 minutos
conectados à internet, o que os mantém em primeiro lugar em relação
aos dez países pesquisados.
As gerações da web
É importante abordarmos as gerações da web com vistas a compreendermos as possibilidades de cada época para as futuras inferências sobre as práticas e estratégias de comunicação nesse contexto.
Para Primo (2007) as características principais da primeira geração,
a web 1.0, são: as páginas estáticas de HTML, a linguagem digital limitada
5 6 Com base no glossário de termos da internet. Disponível em www.fis.ufba.br/labcomp
Notícia publicada em http://ultimosegundo.ig.com.br/economia. Acesso 15 dez 2008.
18
Estratégias comunicacionais em portais institucionais
e os portais com interação reativa. Já a segunda geração, ou “web 2.0 é
caracteriza-se por potencializar as formas de publicação, compartilhamento e organização de informações, além de ampliar os espaços para a interação entre os participantes do processo” (PRIMO, 2007, p.2). O autor
considera as redes sociais online, o webjornalismo participativo e as possibilidades de interação mútua como componentes relevantes desta fase.
A web 3.0 é um sistema que inclui desde redes sociais, serviços
empresariais online até sistemas GPS e televisão móvel, assim como o
aumento das etiquetas inteligentes, que permitem lidar com a informação
de uma forma mais simples. Ao pesquisarmos informações sobre a evolução da web, nos deparamos com o autor Gary Hayes, responsável pelos
desenvolvimentos de produtos para a internet da BBC Londres, em palestra na Universidade do Minho (Uminho) em Portugal, o autor trata dos
ambientes virtuais de multiusuários (Muve) e da mudança de paradigmas
a partir da comunicação em tempo real. Hayes (2006) define a evolução
da web de forma simples, para ele a web 1.0 é caracterizada por ser unidirecional com informações “empurradas” aos usuários. Já a web 2.0 tem
caráter mais bidirecional, com informações partilhadas entre os usuários.
Enquanto que a web 3.0, que está em processo de construção é definida
por possibilitar a comunicação colaborativa em tempo real. As características da web 3.0 estariam mais ligadas à questão da convivência online
como acontece com os avatares em jogos virtuais, por exemplo.
Interatividade na web
A rede disponibiliza inúmeras possibilidades interativas e suas
características convergentes proporcionam o acesso a informações que
utilizam simultaneamente sons, imagens e textos que trazem a facilidade
de fixação dos conteúdos propostos. Ao mesmo tempo, a web demanda
cuidados como: atualização das informações, facilidade ao acesso e uso
real das possibilidades interativas. Se estes não forem levados em conta, podem contribuir negativamente para o processo de construção da
legitimidade institucional.
A questão da interação mediada por computador é tratada por
Primo (2007), ele propõe que o estudo da interação deve privilegiar o processo da interação em si e não enfatizar apenas a máquina ou somente
os seres humanos. O ideal é a valorização dos acontecimentos entre os
19
Daiana Stasiak e Eugenia M. da R. Barichello
interagentes e da qualidade da relação que emerge da ação entre eles.
Nesse contexto o autor classifica a interação como mútua e reativa.
Na interação mútua, a atuação dos interagentes é dialógica
e emergente, ou seja, ela vai sendo definida durante o processo de
comunicação. É pela característica da reciprocidade que a interação
mútua se diferencia da interação reativa. Nela os participantes reagem a partir de suas percepções e podem confirmar, rejeitar ou modificar a opinião dos demais. Dentro dessa perspectiva proporcionam
que o processo de comunicação modifique-se e não siga um caminho
linear e pré-determinado.
As interações mútuas apresentam uma processualidade que se caracteriza pela interconexão dos subsistemas envolvidos. [...] Uma interação mútua não
pode ser vista como uma soma de ações individuais.
Entende-se pelo princípio sistêmico de não-somatividade que esse tipo de interação é diferente de mera
soma das ações ou das características individuais de
cada interagente (PRIMO, 2007, p.101).
O desequilíbrio constante do processo comunicativo se complexifica e as interações mútuas funcionam como força propulsora de
novas atualizações, pois a relação vai se construindo sem uma previsibilidade. Assim,
as interações mútuas distanciam-se da lógica de
causa e efeito – onde a condição antecedente A é
suficiente para causar a condição conseqüente B,
isto é, ‘se A, então B’ – presente em sistemas reativos e que sublinha as perspectivas transmissionistas e a behaviorista (estímulo – resposta) (PRIMO,
2007, p.106).
Já na interação reativa, ocorre uma ação e reação entre indivíduo e máquina, na qual a máquina já possui uma proposta elaborada
e as condições de troca são predeterminadas. As interações se estabelecem segundo determinam as condições iniciais, ou seja, são relações potenciais de estímulo-resposta impostas por pelo menos um
dos usuários. As interações reativas “dependem de uma delimitação
20
Estratégias comunicacionais em portais institucionais
prévia das trocas possíveis e da disposição antecipada das alternativas viáveis”, Primo (2007, p.121).
A previsibilidade, ao contrário da interatividade, é a característica principal da interação reativa, nela “a pessoa terá de adaptar-se à
formatação exigida, manifestando-se dentro das condições e dos limites
previstos” (PRIMO, 2007, p.135).
Relações Públicas e Internet: estratégias contemporâneas
É importante ressaltar que consideramos a busca da legitimidade como o princípio norteador da atividade de Relações Públicas, pois
através desse processo as organizações e instituições conquistam a
integralidade que colabora para sua permanência ao longo do tempo
(BARICHELLO, 2004).
Porém o processo de midiatização da sociedade evidencia que
na atualidade, ocorre um deslocamento da busca da legitimação institucional, e, se antes era necessário que as instituições recorressem às mídias lineares para serem representadas e estarem visíveis na sociedade
midiatizada as instituições, os atores sociais e a mídia afetam-se continuamente. Desse modo, parece-nos pertinente o estudo da apropriação
das tecnologias digitais de comunicação pelas instituições com vistas a
melhorar a comunicação com os públicos em busca da legitimação.
Assim, planejar, executar e avaliar ações de comunicação institucional, práticas atribuídas às Relações Públicas, tornam-se mais complexas devido à midiatização das relações sociais e às novas formas de
relacionamento proporcionadas pelas tecnologias digitais, que permitem
a interação direta com os públicos. Conforme Silva e Barichello,
o estabelecimento e a manutenção de relações, acontecimento possibilitado pela comunicação dirigida, é
atualmente facilitado pelas redes digitais e Internet.
Essas materialidades vão além das tradicionais matérias jornalísticas impressas, releases, malas-direta,
folders, anúncios e campanhas publicitárias, chegam
a interações, reciprocidades e apropriações, possibilitadas pelos suportes tecnológicos e digitais, nos quais
os sujeitos destinatários são atuantes e determinantes
da qualidade da comunicação, contribuindo para os
processos de representação e reconhecimento da or21
Daiana Stasiak e Eugenia M. da R. Barichello
ganização nos diferentes campos da sociedade contemporânea. (SILVA; BARICHELLO, 2006, p.10).
A internet traz alternativas de construção da visibilidade diante
dos públicos como o portal institucional, por exemplo, um dispositivo no
qual a instituição expõe-se com suas próprias palavras e que proporciona o acesso direto às estruturas, valores e propósitos construídos ao
longo de sua trajetória.
Até pouco tempo atrás era necessário que as informações institucionais fossem submetidas ao filtro das mídias lineares (televisão, rádio e mídia impressa) para alcançarem a visibilidade pública. É importante ressaltar
que essas mídias continuam a ter sua importância, mas têm as estruturas
reorganizadas pelas tecnologias, fato que repercute, por exemplo, na apresentação de seus layouts, na disponibilização e atualização de informações
em portais e na reestruturação dos modos de produção das notícias. A multiplicidade de acesso às informações amplia espaços de interação e traz
novas configurações às práticas comunicacionais das organizações;
Nesse cenário, a gestão da comunicação nas organizações pautada no paradigma clássico/informacional, centrado na emissão e recepção de informações, torna-se
insuficiente para administrar a abundância dos fluxos e
demandas informacionais e a crescente rede de relacionamentos que se estabelece entre organização e atores
sociais (OLIVEIRA; DE PAULA, 2007, p. 6).
A internet, conforme Pinho (2003a), é um canal ideal para esta
disposição ilimitada de informações. O autor postula que os veículos de
mídia impressa e eletrônica têm severas restrições de espaço e tempo,
além de uma linha editorial que determina o que será ou não publicado.
Assim, a mídia digital, em especial o portal, firma-se como uma alternativa de comunicação midiática gerenciada pela própria organização.
Para Castells (1999) as modificações trazidas pelo advento da
rede não ocorrem isoladamente, elas desenvolvem uma reação em cadeia que influencia todos os setores, tanto de uma organização quanto
de toda a sociedade.
O paradigma da tecnologia da informação é baseado
na flexibilidade. Não apenas os processos são rever22
Estratégias comunicacionais em portais institucionais
síveis, mas organizações e instituições podem ser
modificadas, e até mesmo fundamentalmente alteradas, pela reorganização de seus componentes. (CASTELLS, 1999, p.108 -109)
A reorganização pode gerar consequências como a prevalência
de relacionamentos virtuais com os públicos, seja através do portal,
blogs, comunidades virtuais, chats, fotologs. Essa constatação torna
imprescindível que as organizações estejam preparadas para atuar
neste novo cenário e utilizar os recursos disponíveis de uma forma
estratégica. Para Bueno,
o relacionamento com os públicos de interesse deve
pautar-se, agora, por agilidade e interatividade, e os comunicadores organizacionais devem ter a capacidade
de estabelecer estratégias que levem em conta a potencialidade da Internet. As organizações ainda encontram
dificuldades para se adaptar às novas mídias, com formatos e linguagens ainda insuficientemente explorados,
mas, paulatinamente, vão descobrindo formas de conviver com elas (BUENO, 2003, p. 60).
Conforme Scroferneker (2001), na contemporaneidade, onde a
tecnologia se faz sempre presente, o acesso às informações via internet é fator que possibilita contato, aproximação e até mesmo a identificação das organizações com seus públicos, sendo seu uso um importante meio de comunicação que deve considerar conteúdo e forma
para atender o usuário.
Em investigação sobre técnicas de pesquisa na internet, Moura
(2007) concluiu que este é um processo incipiente na área das Relações
Públicas. Para a autora, a pesquisa é um elemento estratégico e poderia
ter um uso muito mais efetivo considerando-se as possibilidades da rede
que estão à disposição das organizações:
Há ocorrência de enquetes e questionários sobre assuntos atuais, cujos instrumentos estão normalmente disponibilizados no próprio site da organização, de forma online para seus usuários. Esta é uma iniciativa para consolidar o relacionamento com seus públicos, mediante
23
Daiana Stasiak e Eugenia M. da R. Barichello
um contato efetivo e o conhecimento de suas opiniões.
Os resultados das pesquisas realizadas nos espaços digitais contribuem para a solução de problemas na organização. (MOURA, 2007, p.137)
Esse panorama trazido pelos desenvolvimentos sociotécnicos
afeta as práticas profissionais, pois torna disponível novos espaços para
o uso de ações estratégicas. Os portais organizacionais da internet são
um dos principais expoentes de relacionamento com os públicos na contemporaneidade, mas estamos ainda diante de uma realidade que está
disponível e que não é utilizada e nem estudada em todo o seu potencial. A partir destes pressupostos, o trabalho segue com uma proposta
metodológica aplicada aos portais institucionais e os resultados obtidos.
A metodologia: Estudo de Casos Múltiplos
A metodologia utilizou o Estudo de Casos Múltiplos com base
em Yin (2005), caracterizado por ser uma pesquisa que envolve duas
ou mais pessoas ou organizações, numa lógica da replicação e não de
amostragem, com isto os critérios típicos adotados em relação ao tamanho da amostra se tornam irrelevantes.
De acordo com o autor, o estudo de caso investiga um fenômeno contemporâneo dentro de um contexto da vida real, em situações
nas quais as fronteiras entre o fenômeno e o contexto não são claramente estabelecidas e utiliza múltiplas fontes de evidências. O caráter
do estudo de caso pode ser: exploratório; descritivo ou explanatório
(causal). Este estudo caracteriza-se como descritivo e exploratório,
pois descreve os elementos estratégicos de comunicação presentes
nos portais das organizações, explora e analisa suas modificações
ao longo dos anos.
O corpus da pesquisa foi construído em duas etapas. Na primeira foram selecionados dois (2) portais de cada um dos vinte e cinco
(25) domínios registrados para pessoas jurídicas no órgão Registro.
br, responsável por manter e distribuir todos os endereços de portais
disponíveis no Brasil. Os domínios foram digitados em ferramentas de
busca da internet e a seleção de dois portais por domínio levou a um
total de cinquenta portais.
24
Estratégias comunicacionais em portais institucionais
A segunda etapa considerou os catorze anos de uso da internet
no Brasil e foi estabelecido que os portais selecionados para o estudo
de casos múltiplos deveriam estar presentes na rede, em média, há
pelo menos nove anos, ou seja, antes do ano 2000. Para que este critério fosse atendido foi utilizada uma ferramenta denominada “Internet
Archive Wayback Machine (IAWM)”, um serviço que se dedica a recolher e arquivar versões de páginas web e permite que os usuários considerem versões arquivadas das web pages do passado. Os cinquenta
(50) portais selecionados inicialmente foram digitados na ferramenta
Wayback Machine e destes apenas oito (8) portais apresentaram registros anteriores ao ano 2000.
Devido ao pequeno número de casos encontrados optou-se
por adicionar ao corpus de pesquisa o domínio COM.BR que é caracterizado como um domínio genérico utilizado tanto para registrar
portais para pessoas físicas quanto para pessoas jurídicas. Através
do mesmo processo foram selecionados mais quatro (4) portais que
se enquadraram no protocolo de estudos pré-estabelecido.
Concluídas as duas etapas chegou-se a um total de doze (12)
portais, que formaram o corpus final de estudo, são eles: Banco do
Estado de Santa Catarina (http://www.besc.com.br), Banco do Estado do Rio Grande do Sul (http://www.banrisul.com.br), Universidade Federal de Santa Maria (http://www.ufsm.br), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (http://www.pucrs.br), Colégio
Anchieta (http://www.colegioanchieta.g12.br), Senado Federal do
Brasil (http://www.senado.gov.br), Força Aérea Brasileira (http://
www.fab.mil.br), Partido dos Trabalhadores (http://www.pt.org.br),
Gerdau (http://www.gerdau.com.br), Avon (http://www.avon.com.
br), Sadia (http://www.sadia.com.br) e Todeschini (http://www.todeschinisa.com.br)
Os objetivos da pesquisa exigiram a análise dos portais em três momentos: anos 90, composto por portais de 1995 a 1999, anos 2000, com
portais de 2001 a 2005, e anos atuais, com portais de 2008 e 2009. A divisão
cronológica foi realizada a partir das constatações da análise que evidenciaram características capazes de serem agrupadas nesses três momentos.
O quadro a seguir visa esclarecer aos leitores os aspectos metodológicos do estudo em questão.
25
Daiana Stasiak e Eugenia M. da R. Barichello
Método
Estudo de casos
múltiplos Yin
(2005)
A pesquisa envolve portais de diversas organizações, com objetivo
de elaborar uma explanação geral
que sirva a todos os casos.
Caráter
Exploratório-descritivo
Descreve os elementos estratégicos
de comunicação presentes nos portais, explora e avalia suas modificações ao longo dos anos (1995-2009).
Coleta de
dados
Técnica de documentação
Utiliza recortes virtuais de portais
considerados neste estudo, documentos organizacionais.
Análise de
evidências
1) Estratégia:
baseando-se
em proposições
teóricas
2) Técnica:
análise de séries
temporais
1) As teorias que levaram ao estudo geraram um conjunto de questões que deram forma ao plano de
coleta de dados e estabeleceram
prioridades entre as estratégias
analíticas relevantes.
2) Os portais são analisadosem três
momentos ao longo de catorze anos.
1) A pesquisa foi operacionalizada
através do uso de múltiplas evidências encadeadas.
1) Validade de
constructo
Teste lógico
2) Validade interna
3) Validade externa
4) Confiabilidade
2) As condições de desenvolvimento sociotécnico levam a adaptações
nas práticas de Relações Públicas.
3) A lógica da replicação foi utilizada para formar um conjunto convincente de proposições.
4) O estudo foi guiado por um protocolo de orientação na coleta e
análise dos dados.
Quadro 1-: Quadro metodológico explicativo. ESTRATÉGIAS COMUNICACIONAIS
E PRÁTICAS DE WEBRP: o processo de legitimação na sociedade midiatizada.
26
Estratégias comunicacionais em portais institucionais
A análise: as estratégias de comunicação de cada tempo7
A partir da reflexão sobre as funções atribuídas às Relações
Públicas: pesquisar, diagnosticar, prognosticar, assessorar, implementar programas, avaliar e controlar. Foi elaborada uma lista de
estratégias de comunicação consideradas norteadoras das práticas
de Relações Públicas. Muitas destas estratégias se aplicam fora do
contexto da web, mas aqui representaram links presentes nos portais
institucionais. São elas:
1. Apresentação da organização: fundação e história: informações
básicas que situam os públicos sobre a origem organizacional.
2. Pontos de identidade visual: presença de cores, marcas, logotipos
que colaboram para a identificação institucional.
3. Missão e visão: elementos característicos que explicam os princípios
e o que a organização pretende alcançar.
4. Sinalização virtual: indica a setorização organizacional, característica também presente fora da web.
5. Hierarquia organizacional: geralmente expressa através de organogramas apresenta a estrutura de cargos dentro da organização.
6. Normas e regimento organizacional: documentos que explicam as
regras e códigos que devem ser seguidos na organização.
7. Agenda de eventos: divulgação de promoções institucionais com objetivo de informar, entreter, integrar os públicos.
8. Publicações institucionais: materiais que contém caráter institucional da organização: newsletters, boletins informativos, house-organs,
jornais e revistas, relatórios, sugestões de pauta, balanços sociais.
9. Acesso em língua estrangeira: estratégia para facilitar o acesso às
informações organizacionais, característica da web pela questão da quebra de barreiras geográficas.
10. Sistema de busca interna de informações: característica da web
2.0 que colabora para o acesso a informações específicas em meio às
demais disponíveis.
11. Mapa do portal: estratégia de acessibilidade que apresenta aos públicos todas as opções disponíveis no portal.
A pesquisa possui oitenta imagens do mapeamento das estratégias de todos os portais, desde
1995 a 2009.
7 27
Daiana Stasiak e Eugenia M. da R. Barichello
12. Contato, fale conosco, ouvidoria: permite que os públicos enviem
suas dúvidas e sugestões para a organização, o ideal é que se estabeleça um processo de comunicação entre as partes.
13. Pesquisa e enquete online: ferramentas para colher informações
sobre determinados assuntos que podem ser utilizadas em benefício
da organização.
14. Presença de notícias institucionais: o portal oferece espaço para
a disponibilização de notícias sobre a organização e assuntos afins, é
um local estratégico para informar os públicos.
15. Projetos institucionais: os projetos relativos às preocupações sociais, culturais e ambientais obtêm maior visibilidade através do portal.
16. Visita Virtual: promove e apresenta o espaço organizacional no ambiente da web.
17. Serviços online: utilização das possibilidades tecnológicas para a
prestação ou facilitação de serviços para os públicos.
18. Clipping virtual: mostra a visibilidade das ações organizacionais
nos meios de comunicação tradicionais e na internet.
19. Comunicação dirigida: a rede aumenta as possibilidades de se dirigir
para cada público específico; a comunicação dirigida é feita através da
criação de páginas dentro do portal, por exemplo: páginas para fornecedores, acionistas, colaboradores, público adolescente.
20. Espaço para imprensa: releases e galeria de imagens: Disponibilização de mais informações para o uso nas mídias tradicionais e
também para os públicos.
21. Uso do hipertexto (texto+som+imagem): presença do texto escrito acompanhado por som e imagem, ou disponibilização de mensagens em vídeo.
22. Personagens virtuais: com o avanço das possibilidades do uso de
multimídias na web, as organizações passam a colocar na rede seus
personagens representativos.
23. Presença TV e Rádio online: a facilidade no acesso a arquivos de
áudio e vídeo também torna possível a abertura de canais de rádio e
TV institucionais.
24. Transmissão de eventos ao vivo: uma possibilidade estratégica
que pode fazer com que a organização ultrapasse barreiras espaço-temporais através da transmissão e troca de informações online.
28
Estratégias comunicacionais em portais institucionais
25. Disponibilização de “Fale conosco” interativo: prevê um nível de
comunicação mais participativa, na qual os públicos interagem com a
organização através do sistema de troca de mensagens instantâneas.
26. Presença de chats: realização de conversas online com pessoas da
organização, ou especialistas em assuntos ligados a ela.
27. Link de blog organizacional: a web torna possível a elaboração
de blogs sobre a organização nos quais a característica principal é a
participação dos públicos que encontram um espaço mais alternativo e
informal para expressar suas opiniões.
A dinâmica da pesquisa consistiu em constatar e analisar a presença de cada uma das vinte e sete (27) estratégias propostas. Como
resultado constatou-se que, no primeiro período (1995-1999) os portais
apresentaram em média apenas um terço das vinte e sete estratégias norteadoras do estudo. Os serviços que poderiam ser realizados totalmente
online ainda eram restritos, e dentre as estratégias de contato predominavam os telefones e os endereços físicos da organização. A presença de
instruções aos usuários e explicações dos modos de acesso às informações foram estratégias marcantes nos portais deste momento.
As notícias institucionais foram disponibilizadas apenas na metade dos portais analisados, o que pode indicar a falta de equipes responsáveis pela atualização de informações. A presença de links de acesso
em língua estrangeira em alguns portais já evidenciava a preocupação
com as questões da quebra de barreiras geográficas. Já as publicações,
os projetos e as visitas virtuais foram estratégias pouco utilizadas, o que
pode denotar o pouco aproveitamento institucional de um espaço emergente como eram considerados os portais.
A quantidade de informações disponibilizadas não era homogênea, enquanto alguns portais apresentaram poucas informações outros
exploraram mais o espaço e as possibilidades da internet. O uso de figuras e desenhos foi predominante com relação ao uso de imagens fotográficas. A presença de links longos e autoexplicativos e dos ícones “novo”
e “new” também foram constantes nos portais. A grande maioria apresentou contadores de acesso, característica que mostrou o portal como
um espaço que estava sendo acessado para a informação dos públicos.
29
Daiana Stasiak e Eugenia M. da R. Barichello
Figura 1: Portal da Sadia em 02 de dez de 1998
No segundo período (2001-2005), o número de informações e
estratégias disponíveis cresceu consideravelmente e visualizamos portais que exploravam melhor as imagens. As estratégias de publicações
institucionais, mais restritas anteriormente, já estavam em quase todos
os portais em forma de: relatórios, editais, revistas, livros, diários e textos
e iniciou-se o uso de comunicação dirigida aos diferentes públicos.
Com relação às formas de contato ainda estavam presentes indicadores de contatos telefônicos, mas já apareceram endereços de emails e alguns formulários eletrônicos para envio de dúvidas e sugestões. A agenda de eventos também aumentou sua presença estratégica
nos portais bem como o sistema de busca interna de informações.
As notícias passaram a ocupar local de destaque nas colunas
centrais e a importância dada a esta estratégia parece demonstrar o reconhecimento do portal como um espaço de informação aos públicos. As
estratégias de aproximação com a imprensa também são intensificadas
e trazem, além das notícias, galerias de fotos, clipping virtual, cadastros
e eventos para informar os jornalistas.
Os serviços online aumentaram sua presença, o que pode denotar a confiança no portal e na praticidade do espaço oferecido aos clientes. Alguns destaques desta etapa foram o uso de algumas possibilidades interativas entre os públicos como links de fóruns e o crescimento
das estratégias de áudio e vídeo.
30
Estratégias comunicacionais em portais institucionais
Figura 2: Portal da Avon em 29 de maio de 2002.
No terceiro período (2008-2009) constatamos um aumento do número de estratégias, entre as quais se destacam as páginas de comunicação dirigida e os espaços multimídia. A presença de vídeos também predomina, a grande maioria dos portais apresenta algum tipo de imagem móvel.
Os personagens virtuais, meios de aproximação entre organização e públicos, já ocupam maiores espaços nos portais. A estratégia de
projetos institucionais foi a mais incrementada e ocupara muitos espaços em links nomeados como: responsabilidade social, responsabilidade
ambiental, projetos culturais, de apoio, educacionais, sustentabilidade,
preservação e reciclagem.
Os sistemas de busca estão presentes na maioria dos portais
neste período. Com relação ao mapa do portal quase todos apresentaram esta estratégia, fato que se justifica pelo grande número de informações disponíveis e a dificuldade de encontrá-las. Os serviços online
são estratégias muito presentes e possibilitam quase todos os tipos de
serviço da organização por meio do portal.
As notícias institucionais e o espaço para a imprensa predominam nos portais desta etapa, onde as galerias de imagens, press kits
online, releases, clippings virtuais e cadastros de jornalistas para o recebimento de informações foram alguns links de aproximação com este
público estratégico.
O acesso em língua estrangeira predominou apenas nos portais de organizações com maior número de negócios internacionais e
31
Daiana Stasiak e Eugenia M. da R. Barichello
um dos portais apresentou a inovação do tradutor para a linguagem
de libras, demonstrando a preocupação com os públicos que possuem
necessidades especiais.
Os eventos estiveram presentes em muitos portais, nas organizações comerciais predominaram eventos patrocinados e promoções e nas
instituições de ensino, eventos e calendários acadêmicos. Nas estratégias
de contato com os públicos os formulários eletrônicos firmaram sua presença e o contato por e-mail predominou nos espaços de fale conosco.
As emissoras de TV e rádio das organizações que as possuem
são apresentadas em links inseridos nos portais, já as demais possuem
vídeos de publicidade, institucionais, spots de rádio, propagandas da TV,
ou vídeos sobre a organização no Youtube. O blog organizacional, a
transmissão de eventos ao vivo e a teleconferência foram estratégias
encontradas apenas em portais deste período e parecem indicar a busca
por interatividade e a utilização do espaço da web para unir os públicos
através de eventos virtuais.
Figura 3: Layout do link “Senado Multimídia”. Portal do Senado
Federal em 06 de jan de 2009.
A análise nos apresenta uma situação de aumento progressivo
do uso de espaços institucionais nos portais através da disponibilização
de projetos, notícias, eventos e publicidade, feitos especialmente para a
rede, além da consolidação dos serviços online e da aplicação de recursos de multimídia como vídeos, imagens e sons. Por outro lado, encontramos no mapeamento portais sem uma capacidade interativa coerente
32
Estratégias comunicacionais em portais institucionais
com as possibilidades técnicas disponíveis atualmente, como, por exemplo, a falta de estratégias de interação mútua com os públicos.
O mapeamento possibilitou concluir que as organizações estudadas, em sua maioria, estão apenas visíveis nos portais institucionais ou
utilizam propostas de interação reativa.
Considerações finais
A análise empírica dos portais e a tipificação das estratégias de comunicação na web nos levam a entender o uso do portal como uma adequação das organizações ao bios virtual proposto por Sodré (2002). Pois,
estamos diante de acontecimentos apresentados em tempo real, característica principal deste novo ambiente que também pode ser considerado como
um marco da passagem da comunicação de massa centralizada, vertical
e unidirecional para o espaço de possibilidades em rede. O que nos leva a
compreender as práticas de Relações Públicas sob o prisma das novas tecnologias e das formas de representação e sociabilidade a elas imbricadas.
Num primeiro momento, as práticas de Relações Públicas caracterizaram-se pela busca e conhecimento de um novo espaço (portal) e pelo
crédito a uma mídia em ascensão (internet), que ainda não tinha seus
resultados de visibilidade comprovados. Mas, ao mesmo tempo, essa
nova mídia possuía um forte apelo de modernização e transformação dos
modos de se dispor informações aos públicos, que não dependia mais
exclusivamente das mídias tradicionais. E que quebrava, de certo modo, a
lógica de emissor-canal-receptor, pois oferecia aos públicos mais possibilidades de interagir diante de um contexto.
O passar dos anos demonstra que os portais fixam suas raízes
e ganham maior credibilidade. Assim, o segundo momento das práticas
de Relações Públicas passa a ser de exploração de um espaço que
exige conteúdos diferenciados das mídias clássicas. Em linhas gerais,
esta constatação resultou num aumento da oferta de serviços online,
no melhor aproveitamento das seções de notícias e publicações institucionais, maior abertura para as formas de contato virtual com os
públicos, estratégias de comunicação dirigida e uso de perguntas em
enquetes feitas através do portal.
Já o momento atual evidencia a evolução do sistema web e
sua presença cada vez maior no cotidiano da vida das pessoas. Nas
33
Daiana Stasiak e Eugenia M. da R. Barichello
práticas de Relações Públicas isso se reflete em estratégias da internet conectadas as estratégias para as demais mídias; no contato mais
dirigido a cada público e no aproveitamento das possibilidades do uso
de estratégias multimídia.
Finalmente, com base nas ações acima referenciadas, foi possível classificar as diferentes fases das práticas de Relações Públicas
na web (WebRP) ao longo dos últimos catorze anos, objetivo geral do
presente trabalho.
A primeira fase da WebRP caracteriza-se por demonstrar a ocupação de um novo espaço de caráter informativo, com a transposição de
pontos de identidade visual, dados históricos e poucas notícias.
A segunda fase da WebRP apresenta um número extremamente
maior de informações e a ampliação de serviços virtuais, das formas de
contato com os públicos e dos espaços de notícias.
A terceira fase da WebRP tem como traços marcantes o predomínio de informações dirigidas a cada público, a presença de projetos
institucionais e a utilização de recursos em multimídia.
Em todas as fases estiveram presentes estratégias interativas,
como o chat na primeira, os fóruns para troca de mensagens na segunda
e o blog organizacional na terceira. Porém, é importante ressaltar que
foram estratégias isoladas e não se repetiram na maioria dos casos. Se
associarmos essas constatações aos conceitos de interação propostos
por Primo (2007) podemos afirmar que a interação reativa esteve presente em todos os portais e, no entanto, a interação mútua foi quase
inexistente ao longo das fases estudadas.
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Estratégias comunicacionais em portais institucionais
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Daiana Stasiak e Eugenia M. da R. Barichello
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36
REPRESENTAÇÕES DO FEMININO EM FOTOGRAFIAS
JORNALÍSTICAS: YEDA CRUSIUS EM ZERO HORA1
Laura E. de O. FABRICIO 2
Adair PERUZZOLO3
Resumo
O campo jornalístico, através de seus regramentos, constrói representações
dos atores que compõem os demais campos por meio de seus dispositivos,
como a fotografia. Histórica e culturalmente, o campo da política gaúcha
sempre foi predominado por atores masculinos. Porém, na contemporaneidade, este cenário vem mudando: as mulheres se projetam como candidatas e, na última eleição ao Governo do Rio Grande do Sul, no ano de 2006,
elegeu-se a primeira governadora mulher. Neste contexto, o presente texto
propõe-se a analisar como foram construídas as representações do feminino nas fotografias jornalísticas de Zero Hora, no período desta campanha
eleitoral, utilizando-se a candidata Yeda Crusius como objeto de análise. A
partir de análises de orientação semiótica, constatou-se que há apropriações de diversificadas representações do feminino, como estratégias de
construção simbólica da figura da mulher candidata.
Palavras-chave
Fotografia jornalística; Representações; Feminino.
Representations of the female in journalistic photographies:
Yeda Crusius in Zero Hora
Abstract
The journalistic field, through its discursive strategies, such as photography, builds representations of the actors that compose the other fields.
Trabalho resultante da dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Área de Concentração: Comunicação
Midiática. Linha de Pesquisa: Estratégias de Comunicação.
2 Jornalista. Mestre em Comunicação Midiática pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
e Professora do Curso de Jornalismo e Publicidade & Propaganda do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). E-mail: laurafabricio@ gmail.com
3 Orientador. Pós-Doutor pela Universidad Autónoma de Barcelona (UAB), Doutor em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Midiática da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail: [email protected]
1 Laura E. de O. Fabricio & Adair Peruzzolo
Historically and culturally, the field of gaucho politics has always been
predominating by male actors. The women, in turn, were mere supporting
actors in politics, playing the roles of vice-governors or first-ladies. However, nowadays, this scenario is changing: women project themselves
as candidates and, in the last election for the Rio Grande do Sul government, the first female governor was elected. In this context, this article
proposes the analysis of the representations of the female in the journalistic pictures of Zero Hora during the 2006 Rio Grande do Sul government electoral campaign, using the figure of the candidate Yeda Crusius
as the object of the analysis.
Keywords
Journalistic Photography; Representations; Female.
Este texto deriva da dissertação intitulada “Representações do
feminino na campanha eleitoral de 2006: Yeda Crusius em fotografias
jornalísticas de Zero Hora”, onde o estudo partiu da observação do contexto eleitoral daquele período, em especial no Rio Grande do Sul.
O pleito eleitoral brasileiro do ano de 2006 foi marcado pela presença expressiva de mulheres candidatas concorrendo a cargos eletivos
em diversas instâncias (Senado, Câmara Federal, Assembleias Estaduais
e Governos de Estados). Conforme dados quantitativos do Tribunal Superior Eleitoral4 (TSE), 2.498 mulheres candidataram-se a cargos eletivos
em todo o Brasil no ano de 2006. Desse número, duas foram candidatas
à Presidência da República, 26 aos Governos Estaduais, 35 ao Senado,
652 à Câmara Federal e 1.784 às Assembleias e Câmara Legislativas.
O Rio Grande do Sul, com seu campo político de característica histórica e culturalmente predominado pela presença masculina5,
também teve parcela na representatividade e nos números totais contabilizados sobre a participação das mulheres nessa campanha eleitoral: os índices de inserção das mulheres como candidatas aumentaram cerca de três pontos no percentual.
Embora os dados apresentados neste texto sejam oficias do TSE, o mesmo retira do site após
determinado tempo. Contudo, o Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA – www.cfemea.
org.br) compila todas as estatísticas do órgão oficial das eleições – as quais são apresentadas aqui.
5 O campo político ocidental seguiu por muito tempo o modelo grego que prevaleceu por séculos:
era uma democracia excludente, pois as mulheres, os estrangeiros e os escravos não eram considerados cidadãos. Somente os homens livres nascidos na cidade-estado tinham representatividade
social e política (RUBIM, 2000). No Brasil, as mulheres tiveram acesso ao voto em 1932 e adquiriram equiparidade nas candidaturas em 1995.
4 38
Representações do feminino em fotografias jornalísticas
Desde a implantação da política de cotas, foi o período eleitoral
com o maior número de mulheres candidatas no Rio Grande do Sul: 64
mulheres concorrendo a uma cadeira na Assembleia Legislativa do Estado, três disputando o Senado, 33 candidatas a Deputadas Federais
e uma pleiteando o Governo Estadual. No total, foram 101 mulheres
candidatas em 2006 no Estado (concorrendo com 708 homens).
Embora os números e os percentuais demonstrem dados relevantes no que tange a participação feminina em candidaturas, o mais
emblemático das eleições 2006 foi a projeção da candidata Yeda Crusius (Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB) ao Governo do
Estado. Foi, de fato, a primeira mulher6 que teve proeminência nas
pesquisas eleitorais com grande chance de ser escolhida a primeira
governadora mulher do Rio Grande do Sul.
As primeiras pesquisas apontavam como fortes concorrentes Germano Rigotto (Partido do Movimento Democrático Brasileiro –
PMDB) e Olívio Dutra (Partido dos Trabalhadores – PT). Mas o resultado
do primeiro turno surpreendeu: Yeda Crusius atingiu número de votos
superior ao que as pesquisas computavam. Foi, então, para o segundo
turno disputar o cargo com o candidato petista.
Com 53,94 % dos votos (o concorrente recebeu 46,06% dos votos) computados nas urnas gaúchas, elegeu-se a primeira mulher governadora7 do Rio Grande do Sul em 29 de outubro de 2006. “Lula e Yeda.
Duas vitórias para a história”, anunciava Zero Hora na manchete da edição da segunda-feira seguinte. E, na abertura da matéria na página 8,
Zero Hora dizia: “Uma mulher no Piratini”.
Para Zero Hora, jornal de referência8 no Rio Grande do Sul, a campanha eleitoral de 2006 foi singular em função dessa nova condição imEm 1998, Emília Fernandes candidatou-se pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), mas não
ascendeu nas eleições. Nas pesquisas, aparecia apenas com 6% das intenções de voto e, no resultado final, ficou com 6,9% dos votos gaúchos.
7 No pleito de 2006 foi a primeira vez que o PSDB teve candidato próprio ao Governo do Estado.
Em 2002, O PSDB elegeu entre os gaúchos apenas um candidato para a Câmara dos Deputados:
a própria Yeda, que recebeu 170.744 votos e terminou a eleição como a quarta mais votada no Rio
do Grande do Sul. A tucana já foi duas vezes candidata à prefeitura de Porto Alegre (1996 e 2000).
Perdeu ambas as disputas. Em 1996, foi a segunda mais votada, com 167.397 votos (22,34% dos
válidos), atrás de Raul Pont (PT), que se elegeu. Quatro anos depois, Yeda obteve 121.598 votos
(15,54% dos válidos) e não passou para o segundo turno, já que terminou atrás dos candidatos do
PT (Tarso Genro) e PDT (Alceu Colares).
8 Zero Hora pertence ao Grupo RBS. Foi fundado em 1964 e tem o maior índice de circulação no
Rio Grande do Sul e ocupa o sétimo lugar no ranking dos dez maiores jornais brasileiros, conforme
a Associação Nacional dos Jornais (ANJ).
6 39
Laura E. de O. Fabricio & Adair Peruzzolo
posta pelo campo político. Nas palavras de Iara Lemos9: “Nós [Zero Hora]
não conhecíamos uma campanha desse jeito. A gente não sabia como
seria uma Governadora, a primeira mulher Governadora do Rio Grande do
Sul. É histórico isso. Então nós não sabíamos tratar com isso”.
Foi neste contexto que Zero Hora mudou a forma de cobrir pautas relacionadas à campanha de Yeda Crusius, pois o impresso teve
que “passar a dar uma atenção especial para aquela que tendia ser a
primeira Governadora do Estado. A gente tinha que olhá-la com outros
olhos, literalmente”10
Embora o modo de tratar jornalisticamente a possível Governadora
do Estado fosse um novo desafio lançado ao impresso, a equipe de redação
passou a olhar Yeda como dois sujeitos: o sujeito político e o sujeito mulher.
A gente tinha que contar a Yeda mulher, coisas que
a mulher costuma fazer: a mulher tem que arrumar a
casa, a mulher tem que ir ao supermercado. O que a
gente procurava fazer? Tirar a Yeda do meio político
e mostrar a Yeda mulher; que é uma coisa que nós
jamais faríamos com os homens. Porque eles já estão
tão tarimbados no mercado que a gente não consegue fazer isso. A gente acompanhou a Yeda no supermercado, fazendo compras, escolhendo a carne que
ela ia levar para casa para o marido comer quando ela
voltasse da campanha. A gente acompanhou a Yeda
arrumando a casa porque os netos iam chegar. A gente mostrou que, quando ela estava fora de casa, ela
era a mulher política Yeda e, dentro de casa, ela era a
dona de casa Yeda.11
A partir de tais questões acerca da figura da mulher na política,
este texto apresenta alguns fragmentos da dissertação, que versou sobre a seguinte questão: como o jornal Zero Hora constrói representações
do feminino em fotografias jornalísticas durante a campanha eleitoral de
2006 através da figura da candidata Yeda Crusius?
Dessa forma, num primeiro momento, faz-se uma reflexão sobre
o feminino no âmbito social para que, num segundo momento, se possa
Iara Roberta Bairros Lemos, em entrevista concedida à autora em 05 de fevereiro de 2009. Iara é
jornalista graduada pela UFSM (2002) e jornalista do Grupo RBS desde 2003. Desde junho de 2009
é repórter de Zero Hora na sucursal de Brasília. Durante a campanha eleitoral de 2006, Iara foi uma
das jornalistas responsáveis pela cobertura da agenda de Yeda Crusius em Zero Hora.
10 Idem.
11 Idem.
9 40
Representações do feminino em fotografias jornalísticas
compreender como a fotografia jornalística, enquanto um dispositivo representacional do campo jornalístico, retrata o feminino de Yeda Crusius
durante a cobertura das eleições de 2006.
Sobre o feminino
O feminino12 é um conceito complexo por si só e, além disso, é difícil de ser extraído de obras dos mais diversificados autores que abordam
o tema. Isso porque, ao longo da história da humanidade, tem uma trajetória complexificada pela definição de papéis construídos sob a perspectiva
do seu oposto: o masculino, onde o mesmo sempre foi construído com
certa inferioridade se comparado ao seu contraposto. Também, porque só
existe o feminino pela relação ambivalente do masculino, condição que
determina a busca por sua subjetividade, particularidades e pluralidades
de representação. Por isso, como aponta Colling (2004, p.16), “escrever
um texto sobre mulheres é lidar com sombras, com desejos masculinos
sobre as mulheres, com o imaginário masculino, com representações”.
Também, cercam o conceito do feminino deslocamentos e transgressões que se destacaram – e se destacam – a partir de figuras e movimentos históricos que transcenderam – e transcendem – os “lugares”
estabelecidos às mulheres na cultura, buscando a este grupo autonomia
enquanto sujeitos que são. Ao mesmo tempo, ainda tem-se na contemporaneidade uma visibilização da mulher e do feminino no contexto social partindo de padrões e de ideais construídos ao longo da história e
considerados próprios a este gênero, fato que se dá, muitas vezes, pelos
vieses da estereotipia13.
Nesse complexo processo de definição do conceito de feminino,
é importante lembrar que tais atributos, identidades, designações desses
“lugares” e papéis são constructos sociais que se dão por processos de
representação, a partir da linguagem e do sistema de valores empregados nela e reconhecidos em um contexto específico. Também, marcam
os sujeitos do gênero feminino e suas especificidades, as correlações necessárias para diferenciá-los. Como afirma Santos (2004, p. 89) “[...] se
Feminino e masculino são tomados nesse texto respectivamente como designação de gênero,
onde o feminino é um conceito atribuído ao campo da mulher, em oposição ao masculino, e este, por
sua vez, em oposição ao feminino, é um conceito atribuído ao campo do homem.
13 Conforme Santos (2004, p. 99) “o estereótipo pode ser definido como uma tendência à padronização, com a eliminação das qualidades e diferenças individuais, mediante uma generalização
abusiva e uma simplificação extremada que implicam a distorção da realidade”.
12 41
Laura E. de O. Fabricio & Adair Peruzzolo
as representações de gênero são posições sociais que trazem consigo
significados diferenciais, então o fato de alguém ser representado ou se
representar como masculino ou feminino subentende a totalidade daqueles atributos sociais”.
Considerando-se que os papéis e os lugares sociais destinados
aos homens e às mulheres nas culturas são um produto de processos
de representação, que se dão a partir de linguagens e, portanto, de formas simbólicas que organizam os modos de dizer sobre os sujeitos e os
gêneros que compõem um determinado contexto, como são construídas
as diferenças entre o masculino e o feminino nos discursos sociais? E
como, principalmente, a partir das perspectivas das funções sociais e as
atuações profissionais do feminino e das mulheres, são colocadas as
representações sociais e culturais?
A partir do modelo cultural patriarcal, a diferença histórica na representação dos papéis exercidos pelo gênero masculino e pelo feminino no âmbito social e, consequentemente, a forma como são reconhecidos diante dessas culturas e sociedades, pode ser observada a partir do
que afirma Colling (2004, p. 15):
As representações da mulher atravessaram os tempos
estabeleceram o pensamento simbólico da diferença
entre os sexos: a mãe, a esposa dedicada, a “rainha
do lar”, digna de ser louvada e santificada, uma mulher sublimada; seu contraponto, a Eva, debochada,
sensual, constituindo a vergonha da sociedade. Corruptora, foi a responsável pela queda da humanidade
do paraíso. Aos homens o espaço público, político,
onde centraliza-se o poder; à mulher, o privado e seu
coração, o santuário do lar.
Com relação a este exemplo de divisão social dos papéis masculinos e femininos, as condições do exercício do poder é que devem ser
observadas como distintas. Em ambas as funções sociais, há o exercício
do poder. Entretanto, conforme a ótica da autora, aquelas funções realizadas pelas mulheres em determinadas sociedades e a partir do modelo
cultural patriarcal aparece, se comparado ao que os homens realizam,
como atividades sociais secundarizadas ou mesmo vexatórias, relegadas à reclusão do âmbito social e público.
42
Representações do feminino em fotografias jornalísticas
No entanto, conforme Santos (2004, p. 92),
[...] não só as atividades masculinas e femininas que variam de uma sociedade para outra, mas também as concepções do que seja homem e do que seja mulher, da
maternidade e da paternidade, bem como do que seja
público e privado e da relação que se estabelece entre
essas duas instâncias e o valor que lhes é conferido.
O que se quer demonstrar com essa colocação de Santos (2004)
é que nem todas as sociedades e culturas representam o papel social do
feminino e do masculino sob a estrutura do sistema patriarcal. A própria
autora pontua que “há sociedades e culturas em que a família e o lar não
são concebidos como instâncias da esfera privada, não estando contrapostas à esfera pública (o trabalho e a política), como nas sociedades
Ocidentais” (SANTOS, 2004, p. 92).
A mudança no cenário das funções estabelecidas como femininas
pelas sociedades de sistema patriarcal se deu, mesmo que de forma parcial, especialmente em função da entrada das mulheres no mercado de
trabalho, com a revolução industrial, como afirma Bourdieu (1997, p. 37),
O ingresso das mulheres no mercado de trabalho permitiu, porém, que os princípios de visão e de divisão
tradicionais fossem permanentemente submetidos à
contestação, levando a questionamentos e a revisões
parciais da “distribuição entre atributos e atribuições.
Inegavelmente, se percebe a atuação das mulheres em vários
seguimentos sociais, especialmente onde ao campo do feminino era
negada a participação, principalmente a liderança, o lugar de chefia, a
condição do exercício de um poder antes só exercido por homens. Vêse, por exemplo, maior participação das mulheres na política, circulando
ativamente em cargos que até então eram coordenados somente pelo
sujeito pertencente ao campo masculino.
No entanto, como demonstra Santos (2004, p. 95),
Constatando a incrível resistência e o grau profundo
de penetração dos modelos culturais patriarcais relativos à regulamentação do sexo e das relações de
gêneros, parece-nos que tais modelos foram elabo43
Laura E. de O. Fabricio & Adair Peruzzolo
rados como justificativa para situações estruturais e
condições econômicas e políticas bastante diversas
das atuais. Cabe-nos, então, perguntar, como esse
modelos destacaram-se de suas condições históricoestruturais, permanecendo – apesar de levemente alterados – adequados a estruturas sociais e momentos
sociais tão diversos? Que instâncias conservadoras,
por excelência, conseguiram “guardar” e repassar
esses modelos ideológicos através dos tempos com
tanta eficácia? Isso nos leva a considerar o papel socializador das diversas instituições sociais e dos especialistas da produção simbólica, definindo e redefinindo os modelos e papéis de gênero.
O campo midiático como um todo, nessa perspectiva, é uma das
instâncias sociais que podem configurar o questionamento da autora.
Este, por sua vez, produz discursos por meio de distintas linguagens,
construindo com formas simbólicas e, a partir das mesmas, elabora representações dos sujeitos no contexto cultural em que ambos estão inseridos - sujeito e campo midiático.
O feminino, enquanto uma construção simbólica, é perpassado
pela mídia em muitas das ações sociais realizadas pela atuação das
mulheres em diversificados papéis. Os modos como são apresentados,
no entanto, é que cabe serem investigados, para que se identifique se há
remanejo de modelos culturais patriarcais ou, em função das mudanças
ocorridas nos cenários sociais, reapropriações, ou mesmo novos modos
de representação dos sujeitos desse campo.
Sobre o dispositivo fotojornalístico
O jornal, enquanto um dispositivo, é composto por vários outros
dispositivos que, articulados entre si, constroem mensagens e, assim,
proferem um discurso acerca dos acontecimentos provenientes de outros
campos (tendo em vista que o campo jornalístico alimenta-se de fatos
ocorridos nos demais campos sociais). Mouillaud (2002, p.32) complementa que “os dispositivos são encaixados uns nos outros”, e ainda segue:
Os dispositivos são os lugares materiais ou imateriais nos quais se inscrevem (necessariamente) os
textos (despachos de agências, jornal, livro, rádio,
44
Representações do feminino em fotografias jornalísticas
televisão etc...); [...] O jornal se inscreve no dispositivo geral da informação e contém, ele próprio, dispositivos que lhe são subordinados (o sistema dos
títulos, por exemplo);
Isto remete a questão de que a fotografia jornalística é um formato dentro de outro formato, ou seja, uma organização discursiva moldada e regrada a partir de outro formato que a engloba, no nosso caso,
o jornal impresso. Portanto, pode-se entender o conceito de dispositivo
aplicado ao campo jornalístico como um “formato” que organiza os sentidos e modos de receber esses sentidos (MOIULLAUD, 2002). Ou ainda
como afirma Aumont (1995, p. 192), ao tratar a fotografia nomeia-a como
um dispositivo “que regula a relação entre o espectador e suas imagens
em um determinado contexto simbólico”.
A partir dessas colocações, observa-se que a fotografia jornalística é um meio discursivo repleto de sentidos que estão materializados
nas mensagens que carrega em si. Os sentidos14 produzidos nas mensagens jornalísticas e que podemos entender como os valores empregados tanto pelas ações de quem as constroem quanto pelos receptores
das mesmas, podem ser muitos e os mais variados, já que dependem
do modo como são organizados e colocados em circulação, bem como
serão consumidos, como coloca Peruzzolo (1998, p. 58) sobre a questão
do acionamento dos sentidos por parte de quem recebe as mensagens:
No caso da leitura da imagem, é o leitor, portanto, que
atualiza tanto a problemática da “verdade” no discurso
visual quanto a coerência textual, decidindo por onde
começar a ver, por onde correr o olhar, que traços e
que combinações de espaço e cores salientar, quais
deixar na sombra, etc.
Portanto, os sentidos começam a se instaurar na fotografia jornalística a partir da estrutura de onde ela, enquanto mensagem, é emanada
e organizada, ou seja, o dispositivo ao qual pertence e aos especialistas
capacitados a operacionalizarem os dispositivos e os meios discursivos
jornalísticos em que circulam as mensagens desse campo, como a fotografia. Barthes (1990, p. 11) contribui com essa ideia quando afirma que
Conforme Peruzzolo (2004, p. 17-18) sentido entende-se como “[...] o conjunto daqueles valores
que fundam a atividade humana”.
14 45
Laura E. de O. Fabricio & Adair Peruzzolo
A fotografia jornalística é uma mensagem e, como
tal, é constituída por uma fonte emissora, um canal
de transmissão e um meio receptor. A fonte emissora
é a redação do jornal, seu grupo de técnicos, dos
quais alguns fazem a foto, outros a selecionam, a
compõem e retocam e outros, enfim, a intitulam, a
legendam, a comentam.
Todavia, é para além dos agentes que trabalham na produção
da mensagem jornalística que se deve entender a fotografia jornalística. Esta deve ser compreendida como uma entidade que tem autonomia, como o próprio Barthes (1990, p. 11) define “[...] a fotografia não
é apenas um produto ou um caminho, é também um objeto, dotado de
autonomia estrutural; sem pretender absolutamente separar este objeto de sua finalidade [...]”. Vilches (1987, p. 77) complementa essa ideia
ao afirmar que,
La foto de prensa no es ni uma ilustración del texto
escrito ni tampouco uma sustitución del lenguaje escrito. �������������������������������������������
Tiene uma autonomia propia y puede considerarse como un texto informativo. Sin embargo, no es
indiferente al contexto espacial del periódico.
Portanto, o que potencializa esse meio, o tornando uma estrutura
repleta de valores e níveis que geram inúmeros entendimentos e sentidos é a fotografia15, em primeiro lugar, como linguagem, enquanto organização semiótica, e, em segundo lugar, com uma linguagem própria que
a estrutura16, precedente ao ato fotojornalístico. Como afirma Peruzzolo
(2004, p. 100) “[...] de modo simplificado podemos dizer que LINGUAGEM é todo conjunto de sinais que tem regras de valor e de composição
e que serve para deslanchar um processo de comunicação” [grifo do
autor]. É através da linguagem fotojornalística, pautada pela semiótica
barthesiana, que as fotografias escolhidas serão analisadas.
A fotografia jornalística enquanto um dispositivo desse campo opera-se a partir do mesmo, mas
antes disso, parte de sua estrutura primordial, a própria fotografia enquanto linguagem que lhe permite dizer do modo como se enuncia. As histórias desses meios também se confundem em alguns
pontos dos percursos, pois a fotografia jornalística tem toda a sua evolução marcada pelo desenvolvimento técnico de sua precursora, e dela, até hoje, depende seu funcionamento assim como suas
mudanças, afetando tanto a técnica quanto, até mesmo, as questões conceituais.
16 Os outros elementos que compõem a linguagem fotográfica serão aprofundados no texto sobre
a metodologia de análise do corpus de nossa pesquisa, por serem subsídios importantes na construção e na interpretação da fotografia.
15 46
Representações do feminino em fotografias jornalísticas
Sobre o feminino de Yeda Crusius: análises das fotografias de
Zero Hora
Análise Figura 1
A fotografia jornalística correspondente a figura 1, registra uma
cena em preto e branco – o que é uma questão de edição, pois atualmente todas as fotografias digitais captam em cores as imagens –,
ou seja, há ausência de cores. Ou seja, dá a ideia de opacidade ao
objeto fotografado, já que as cores significam vivacidade.
Figura 1: Fotografia publicada na página 20 da edição de 1º de
setembro de 2006 de ZH.
Em um plano de conjunto, a imagem fotográfica contextualiza o
ambiente em que a candidata está inserida. Conforme Sousa (2004, p. 68)
“planos de conjunto são planos gerais mais fechados, onde se distinguem
os intervenientes da ação e a própria ação com facilidade e por inteiro”.
Assim, o conjunto de elementos sígnicos apresentado na fotografia jornalística em questão dão a ver que Yeda está em um supermercado.
No terço direito da fotografia está posicionada, formando uma
linha vertical (que começa na linha inferior e termina na linha superior do
quadro fotográfico), a figura da candidata Yeda Crusius, empurrando o
carrinho – signo que indica recipiente de depósito de produtos a serem
47
Laura E. de O. Fabricio & Adair Peruzzolo
adquiridos em supermercados. No assento para crianças do carrinho,
sua bolsa – objeto de uso feminino como utilitário e adereço – está sob
o casaco e, ainda ao lado da bolsa, há um vaso de flores. Dentro do carrinho, há objetos (como garrafas, caixa de cereal, frutas) que denotam
produtos selecionados para compra. Ou seja, os objetos são indícios
que reforçam que o ambiente se trata de um supermercado e, assim, a
imagem denota uma mulher fazendo compras.
As mulheres, portanto, são responsáveis por administrar todos os
setores que dizem respeito ao lar: fazer compras para abastecer de alimentos a cozinha da família (e consequentemente cozinhar), cuidados
com os filhos, organizar a arrumação e a limpeza da casa, entre outras atividades social e culturalmente atribuídas às mulheres. Como nota Colling
(2004), nos tempos atuais, a mulher continua sendo “a cabeça do lar”.
Na fotografia, outros significados afloram nesse contexto: em primeiro plano, Yeda conduz com firmeza, seriedade e cabeça erguida o
carrinho de compras. Tal postura registrada na fotografia conota o sentido de comando que o Governo Estadual exige e, também, vem de uma
figura que realiza atividades profissionais de economista. Ou seja, as
contas da casa são administradas por ela, incluindo as compras triviais
de manutenção do lar.
O olhar direcionado à frente e para fora do quadro fotográfico conota o sentido de que a candidata olha produtos em prateleiras que estão
adiante do que a cena selecionada registra através da fotografia. Ou seja,
há indícios, pelo contexto, de que Yeda está atenta às compras, pondo-se
natural diante do dispositivo midiático que a registra: a câmera fotográfica.
A perna esquerda levemente flexionada dá a ver o movimento
de caminhada da candidata, o que seria contraditório com o posicionamento do seu corpo, pois, conforme Sousa (2004, p. 74) “[...] as linhas
horizontais e verticais tendem a dar a sensação de estatismo [...]”. O que
denota esta ocorrência é o fato da imagem estar levemente borrada em
torno da perna flexionada, o que evidencia a sensação de movimento já
que, para causar tal efeito, o fotógrafo utilizou o recurso técnico da baixa
velocidade do obturador17.
Yeda, portanto, caminha diante de prateleiras de supermercado
que, em linhas perpendiculares a sua posição, formam uma profundidaO obturador é um dispositivo técnico que se encontra dentro das câmeras fotográficas e que
serve para controlar a velocidade e o tempo com que a luz atinge a película ou os pixels que
registram as imagens.
17 48
Representações do feminino em fotografias jornalísticas
de de campo18. A prateleira esquerda fecha lateralmente o quadro fotográfico no fundo da imagem, desfocando o comprimento das gôndolas e
os respectivos produtos nelas localizados. A zona de foco da fotografia
está na ponta da frente da mesma prateleira, onde estão dispostos cosméticos – xampus e tintura para cabelos.
Histórica e culturalmente, os cosméticos foram criados para suprir a vaidade feminina. Do grego Kosmetikós, significa aquilo que serve
para ornamentar. Foi do Egito antigo (3.000 a.C.) que arqueólogos registraram os primeiros usos de produtos de beleza por parte das mulheres
(e não dos homens). É egípcia, também, a figura feminina – Cleópatra
– que incorporou o símbolo da beleza eterna em decorrência de seus
rituais de embelezamento que incluíam cosméticos de extrato vegetal
(como henna) e de minério (como rouge).
Na Grécia antiga, muitas mulheres morriam porque usavam máscaras faciais que continham chumbo. Em 180 d.C. o médico grego Claudius Galen foi o pioneiro nas pesquisas sobre a manipulação de cosméticos. Os resultados de seus inventos foram registrados em um livro que,
já no título, dirigia-se a um gênero específico: “Os produtos de beleza
para o rosto da mulher”.
Interpreta-se, com isso, que os frascos de cosméticos nas prateleiras do supermercado conotam a vaidade e os cuidados estéticos associados à figura feminina. Ou seja, a colocação desses objetos em específico
logo atrás da candidata no quadro fotográfico adquire uma significação
simbólica do lugar ocupado pelo feminino no âmbito social: cuidados da
beleza. As próprias embalagens de tinturas capilares que aparecem na
fotografia mostram imagens de mulheres, o que reforça o sentido de que
tais produtos são ofertados (e consumidos) ao público feminino.
Assim, há duas significações principais nessa fotografia: a mulher fazendo compras e a figura do feminino diante de uma prateleira
de cosméticos que, simbolicamente, condicionam à mulher tais representações no âmbito social. A candidata, portanto, conjuga seu papel
político às atividades desempenhadas por ela como figura feminina que
atua socialmente. Ou seja, nessa fotografia jornalística, Yeda é representada por ZH na forma simbólica histórica e culturalmente instituíA profundidade de campo é a distância entre os pontos nítidos mais próximos e mais afastados da zona de foco, podendo causar os efeitos de longitude ou de proximidade de acordo
com a intenção do fotojornalista. Uma grande profundidade de campo, por exemplo, serve para
mostrar o cenário, evidenciando elementos presentes nele ou, ainda, para causar efeitos estéticos (SOUSA, 2004).
18 49
Laura E. de O. Fabricio & Adair Peruzzolo
da ao gênero feminino: cuidar dos afazeres domésticos (representado
aqui pelas compras realizadas pela candidata) e da beleza (representada pelos cosméticos).
Análise Figura 2
A fotografia jornalística correspondente à figura 2 foi captada em
contra-plongé, o que significa que “a tomada fotográfica se faz de baixo
para cima, tendendo a valorizar o motivo fotografado” (SOUSA, 2004,
p.68). Ou seja, o ângulo projeta a candidata para cima, o que dando o
sentido de engrandecimento e de superioridade. No contexto da política,
a conotação é a de ascensão ao poder.
Ao lado de Yeda, dois homens e uma mulher. Os homens vestem
roupas em azul marinho, com listras amarelas no punho das mangas
dos casacos e broches da aviação no lado esquerdo do blazer: indícios
de vestimenta de pilotos de avião. Yeda usa o quepe (objeto significante
– BARTHES, 1990) de um dos pilotos, o que reforça o sentido de poder
já atribuído pelo ângulo de captação da fotografia. O quepe simboliza
comando, atribuindo à figura da candidata a conotação de autoridade.
Figura 2: Fotografia publicada na edição de 24 de outubro
de 2006, página 12 de ZH
50
Representações do feminino em fotografias jornalísticas
Posicionada atrás de uma mesa (que fecha o quadro no canto inferior esquerdo da fotografia), Yeda ocupa o lugar central e, com os braços abertos, sua figura causa efeito de simetria na imagem fotográfica.
Uma pessoa de pé, colocada na linha vertical central
de uma fotografia com fundo neutro e com ambos os
lados do corpo em posições iguais é exemplo de um
motivo simétrico numa fotografia simétrica e, portanto,
equilibrada. Aliás, a colocação de objetos/sujeitos no
centro de uma fotografia resulta bem quando eles são
simétricos (SOUSA, 2004, p. 72).
A simetria é cristalizada pela posição dos braços abertos de Yeda.
À sua direita, há uma mulher, que é coberta por sua mão na fotografia.
Ou seja, o sentido é de apagamento e de exclusão da outra figura feminina na imagem e, assim, a candidata é a única mulher focalizada na
fotografia. As figuras masculinas olham e sorriem para ela, aplaudindo
seu gesto, o que corrobora o sentido de centralidade que ela tem na fotografia jornalística em questão.
Os braços abertos e o respectivo posicionamento das mãos conotam acolhimento a quem está diante dela (fora do quadro fotográfico).
Sua posição remete à figura maternal de Nossa Senhora, que resguarda
todos em seus braços sem distinção. As figuras icônicas que representam Nossa Senhora têm os braços nessa posição ou, então, as mãos
postas sobre o coração.
Simbolicamente, então, há relação com a figura icônica feminina
da religião cristã. O semblante de Yeda tem expressões que lembram as
representações de Nossa Senhora: olhar direcionado ao infinito e sorriso
suave no rosto. O ângulo de tomada fotográfica (a partir do plano contraplongé) dá o efeito de elevação do objeto, conferindo, portanto, o sentido
de colocação de Yeda em um pedestal. O banner azul atrás da candidata
dá a ver o manto que cobre Nossa Senhora com sua cor celestial.
O quepe ganha, nesse contexto, alusão à coroa de Nossa Senhora,
o que reforça a expressividade e a força emblemática da figura feminina de
Yeda na fotografia de ZH. Os homens, ao olharem para Yeda na fotografia,
conotam o sentido de adoração à sua figura, bem como as pessoas se colocam diante de Nossa Senhora – figura poderosa para a religião.
51
Laura E. de O. Fabricio & Adair Peruzzolo
Considerações Finais
Este texto propôs-se a apresentar alguns aspectos do texto
dissertativo sobre as representações do feminino em fotografias jornalísticas de Zero Hora, no período da campanha eleitoral de 2006,
a partir da figura da candidata Yeda Crusius. Traz, como modo de
finalização deste texto, alguns aspectos considerados de mais valia
como resultado da pesquisa.
Considerando o objeto de pesquisa, observou-se que o feminino
representado pelas fotografias de Zero Hora é afetado diretamente pelos
modos de construção e organização discursivos desse jornal. Tais afetações resultaram, como foi visto também no processo das análises das
fotografias jornalísticas, em construções simbólicas que conotavam certos
lugares atribuídos à figura do feminino e da mulher no campo jornalístico.
Observou-se, também, a partir das análises, que o feminino representado nas fotografias evidenciou-se num jogo de sentidos construídos pelo jornal Zero Hora em que ora colocava a mulher candidata no
lugar de poder, ora evidenciava uma relação histórica da condição das
mesmas sob o domínio do modelo patriarcal, onde atividades de poder,
liderança e comando eram lugares e funções sociais que não cabiam às
mesmas, nem ao feminino.
Como evidenciado nas reflexões sobre o feminino, entende-se
que ele é uma categoria de gênero que representa a mulher, e nele estão imbuídas inúmeras características que identificam os modos de ser
e de vivenciar a condição de sujeito mulher e a posição do feminino no
âmbito social. Estas características foram construídas ao longo da trajetória histórica da humanidade, das culturas e das sociedades indo desde
aspectos físico-biológicos, passando por modos e comportamentos socioculturais, até a designação dos lugares e funções sociais atribuídas
às mulheres e ao feminino. Entretanto, observou-se a partir dos apontamentos dos autores trazidos às reflexões sobre o feminino, que ainda,
em pleno século XXI, onde a mulher conquistou seu lugar de sujeito
atuante nas sociedades, suas representações e condições diante dessas atuações, estão bastante ligadas ao modelo patriarcal que muitas
sociedades ocidentais vivenciaram e ainda, de alguma forma, vivenciam.
Conforme o que se pode abstrair das referências utilizadas para
o tensionamento das ideias dessa pesquisa, as mulheres e o feminino,
52
Representações do feminino em fotografias jornalísticas
dentro de determinadas culturas, ainda estão subjugados aos valores
do modelo patriarcal. Tais valores, como se constatou a partir dos autores pesquisados, são também construídos de forma simbólica por produtores com o poder de visibilidade e legitimação, como o campo jornalístico, e repassados e (re)significados ao contexto cultural comum em
seus dispositivos, como a fotografia jornalística.
A fotografia jornalística, por carregar traços do real, potencializa
a visibilidade e a representação dos sujeitos através da mensagem imagética embutida nela. No jornal, é um dispositivo que materializa determinada cena que, fragmentada do espaço e do tempo, dá a ver alguns
aspectos do acontecimento que registra. Assim, vale como indício do
que aconteceu, mas carrega elementos simbólicos em sua tessitura que
carregam outros sentidos à fotografia e o que nela está representado.
Zero Hora, portanto, representa a candidata Yeda nas fotografias jornalísticas através de um jogo (como dado anteriormente) simbólico que a coloca no lugar de mulher (instituído pelo sistema patriarcal que prevalece até hoje) e no lugar de um poder antes só exercido
por homens, pelo campo masculino. A análise fotográfica evidencia tal
questão: ora ela aparece fazendo compras, sendo conduzida pela mão
masculina na descida do carro e ora ela aparece liderando figuras masculinas em caminhadas, ao mesmo tempo em que é cercada por essas
figuras como se estivesse sendo legitimada por este campo e capacitada a estar nesse lugar de liderança.
Pondera-se que o jogo constitui uma estratégia do jornal na
tentativa de legitimar a figura feminina na política, inserindo-a aos
poucos no lugar de comando através de representações de poder,
mas, ao mesmo tempo, não desvinculando a figura da candidata de
um lugar histórico do modelo patriarcal de representação do feminino.
Para Zero Hora, o poder é historicamente ocupado pelos homens e,
então, Yeda é representada como dois sujeitos no jornal: o sujeito
mulher e o sujeito político.
Contudo, as análises fotográficas demonstraram que o jornal
Zero Hora, ao representar a candidata, organizando os modos de apresentação e circulação no âmbito social de sua imagem, o fez não a
partir de uma separação da figura da mulher e da figura da candidata,
conforme a instância da produção relatou na entrevista concedida. O
que se observou, a partir das representações construídas nas fotogra53
Laura E. de O. Fabricio & Adair Peruzzolo
fias jornalísticas, entretanto, foi que, simbolicamente, o lugar do feminino designado pelo jornal e o lugar de poder concentrado na função
de liderança, da ordem do campo político e suas características, congregaram-se em quase todos os quadros. Isso significa uma postura
do jornal que se vale do modelo patriarcal no modo de construção da
figura feminina no poder (relativo ao campo político) no contexto cultural em que se inserem Zero Hora, a campanha eleitoral ao governo do
Estado e os atores sociais políticos.
Referências
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VILCHES, L. Teoria de la imagen periodística. 1ª ed. Barcelona, Espanha: Editorial Paidós, 1987.
55
O JORNALISMO DIGITAL E AS ESTRATÉGIAS DE
COLABORAÇÃO: SINAIS DA DES-RE-TERRITORIALIZAÇÃO1
Vivian BELOCHIO2
Luciana MIELNICZUCK3
Resumo
Este texto define o território jornalístico institucionalizado e discute a sua
transformação nas redes digitais. O texto define a cauda longa da informação, o Pro-Am e destaca as estratégias comunicacionais do jornalismo nesse contexto. Em seguida, expõe aspectos apurados num estudo
de caso de Zero Hora.com, interpretados como sinais da des-re-territorialização no jornal digital.
Palavras-chave
Jornalismo digital; Des-re-territorialização; Pro-Am; Cauda Longa;
Zero Hora.com
Digital Journalism and collaboration: signs of
unterritorialization
Abstract
This article defines the institutionalized journalistic territory and discusses its processing in digital networks. The text defines the long tail of information, the Pro-Am and highlights the communications strategies of
journalism in this context. Then exposes clearance aspects of a case
study of Zero Hora.com interpreted as signs of unterritorialization in the
digital newspaper.
Texto apresentado no 7º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo, em São Paulo,
no mês de novembro de 2009. O material discute pontos abordados na dissertação de mestrado
“Jornalismo Colaborativo em Redes Digitais: Estratégia Comunicacional no Ciberespaço. O caso
de Zero Hora.com”. O trabalho foi defendido em março de 2009, na Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM), município de Santa Maria - RS.
2 Jornalista. Mestre em Comunicação Midiática pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
e Doutoranda em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS). E-mail: [email protected].
3 Orientadora. Pós-Doutora pela Universidade de Santiago de Compostela (USC), Doutora em
Comunicação e Cultura Contemporânea pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Docente do
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Midiática da Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM). E-mail: [email protected]
1 O jornalismo digital e as estratégias de colaboração
Keywords: Digital journalism; unterritorialization; Pro-Am, long tail,
Zero Hora.com
O alargamento do território4 do jornalismo no ciberespaço é fato
notório na contemporaneidade. O surgimento de diferentes modalidades comunicativas nas redes digitais e a apropriação destas pelas mídias de referência resultaram na renovação das suas possibilidades de
ação. O processo parte de remediações (BOLTER; GRUSIN, 2000) e
rupturas. Acredita-se que tais transformações marcam a des-re-territorialização (LEMOS, 2006) do jornalismo na ambiência digital, que será
discutida no tópico 2.
A incorporação dos sistemas colaborativos nos sites dos jornais
de referência5 é compreendida como um sinal do fenômeno. Sua inclusão no jornalismo digital vem acontecendo desde a popularização dos
meios colaborativos, que acabaram sendo vistos como concorrentes
pelas mídias de referência. A rede amadora de informações forma um
circuito noticioso diferente do convencional, definido aqui como a cauda
longa da informação (ANDERSON, 2006; BELOCHIO, 2008; 2009).
Em adaptação ao cenário descrito, os meios jornalísticos começaram a implantar seções colaborativas nos seus produtos digitais. Com
isso, abriram espaço para a produção cooperativa entre profissionais
e amadores, isto é, para o movimento Pro-Am. Este último é uma das
características da cauda longa, segundo Anderson (2006). O movimento
Pro-Am pode estar acontecendo no contexto controlado dos jornais digitais, justamente no interior das suas seções colaborativas. Representa
uma alteração interessante da relação entre os jornalistas e as suas fontes, distinta dos padrões vigentes até pouco tempo atrás.
Este texto define as características do território jornalístico institucionalizado e discute a sua complexificação no ciberespaço. Com
Tal característica remete ao pensamento de Bourdieu (1997) sobre o capital que cada campo da
vida social detém. Em uma de suas análises, o autor define campo como “um espaço social estruturado, um campo de forças - há dominantes e dominados, há relações constantes, permanentes,
de desigualdade, que se exercem no interior desse espaço - que é também um campo de lutas para
transformar ou conservar este campo de forças”. (BOURDIEU, 1997, p. 57). No interior do espaço
descrito por Bourdieu (1997), existe um capital simbólico, a partir do qual os atores sociais definem
normas, assumem papéis e funções e organizam as suas relações, estruturas e atividades (KLEIN,
2008; BERGER, 1996; MIRANDA, 2005). Assim, são criados limites e vinculações simbólicas que
reforçam as fronteiras do campo, aqui relacionado ao território.
5 De acordo com Berger (1996, p.1), “o jornal de referência pretende testemunhar o mundo, produzindo um discurso universal e objetivável”. Ele é vinculado à chamada imprensa tradicional. Neste
trabalho, utilizamos o termo mídias de referência seguindo a linha de pensamento da autora.
4 57
Vivian Belochio & Luciana Mielniczuck
este intuito, contextualiza a cauda longa da informação, o Pro-Am, e
destaca as estratégias comunicacionais do jornalismo nesse contexto.
Parte-se do pressuposto de que as seções colaborativas e o Pro-Am
representam linhas de fuga das práticas jornalísticas tradicionais. Nesse sentido, elas são capazes de provocar rupturas6.
Por fim, são expostos os resultados de uma pesquisa que buscou identificar sinais da des-re-territorialização num meio jornalístico
tradicional, a partir da apropriação do modelo da produção colaborativa
de notícias. O texto expõe os principais achados do estudo de caso7
do jornal digital gaúcho Zero Hora.com, administrado pelo Grupo RBS,
enfatizando especificamente os dados apurados a partir da observação
estruturada da sua capa.
A crise do território jornalístico nas redes digitais
O conceito de território tem definição que ultrapassa a mera
consciência sobre localização geográfica e divisão de fronteiras. Análises de Berger e Luckmann (1985), Lemos (2006) e Ortiz (1999) remetem, de maneiras distintas, ao entendimento de que o homem cria relações simbólicas com a realidade, de certa forma moldando o mundo
para sua vivência. Assim, o território nacional, por exemplo, não é entendido apenas como geográfico. É visto como um conjunto de valores,
normas e características que estabelecem um referencial de seu todo.
Neste trabalho, o território é compreendido como um espaço simbólico institucionalizado8, que possui o seu conjunto de regras, costumes
e ética. Trata-se de um ambiente marcado pelo compartilhamento de
interesses, de costumes e de condutas reconhecidas e adotadas como
padrões de comportamento.
Para Mielniczuk (2003, p.156), a ruptura “estaria na quebra de certo padrão, a qual é proporcionada por um grau elevado da potencialização do uso de determinada característica que acaba
acarretando em uma mudança de funções ou criação de novas possibilidades”.
7 O estudo de caso integra a dissertação de mestrado “Jornalismo Colaborativo em Redes Digitais:
Estratégia Comunicacional no Ciberespaço. O caso de Zero Hora.com”, defendida na UFSM, em
março de 2009.
8 Berger e Luckmann (1985) definem os territórios simbólicos como a representação da realidade social objetivada, definida como um universo simbólico criado pelos humanos, que se torna um sistema
com regras e normas reconhecidas pelos cidadãos. Tal universo passa a dominar a sociedade dentro
de sua lógica. Já o processo de institucionalização, segundo os autores, “ocorre sempre que há uma
tipificação recíproca de ações habituais por tipos de atores”, isto é, sempre que certas ações se transformam em hábitos cotidianos, que se tornam automáticos, quase como regras de comportamento
(BERGER; LUCKMANN, 1985, p.79).
6 58
O jornalismo digital e as estratégias de colaboração
Nesse sentido, o jornalismo também tem um território. Este se
formou historicamente baseado em métodos de produção e transmissão
de informações que evoluíram conforme o desenvolvimento tecnológico. Desde os manuscritos noticiosos (BURKES; BRIGGS, 2004) e do
chamado “protoperiodismo” (GOMEZ MOMPART; MARIN OTTO, 1999)
foram criados modelos de produção e distribuição de informações que
se transformaram em marcas dos meios informativos. Assim, o jornalismo se estruturou e cristalizou as suas bases produtivas no sistema da
comunicação de massa, institucionalizando o seu território de ação.
Acredita-se que o surgimento de fatores de crise, tais como as
tecnologias da informação e comunicação (TICs), pode acabar desestabilizando o equilíbrio deste território. A presença e a disseminação de
distintas tecnologias na sociedade evidenciam a transformação das formas de representação social (CASTELLS, 1999; ECHEVERRÍA, 1999;
LÉVY, 2000). Criam-se, neste ponto, diferentes possibilidades de atuação das instituições e dos indivíduos.
Quando a situação descrita se estabelece, começam a ser repensadas as práticas, os conceitos e as funções delimitadas em cada
território ou campo de ação. Em suma, a necessidade da renovação, que
emerge com os referidos fatores de crise, provoca tensões na execução
das ações e no cumprimento das funções correspondentes ao ambiente
real das instituições. Ou seja, os elementos novos podem modificar a
vida cotidiana das instituições. O ciberespaço tem essa característica
e possibilita/provoca mutações interessantes nos sistemas jornalísticos.
Tais aspectos são marcas do processo de desterritorialização
(LEMOS, 2006). Segundo Lemos (2006), ele sucede quando uma nova
tecnologia impulsiona a renovação de processos, hábitos e práticas dentro de contextos estabelecidos, podendo desencadear rupturas capazes
de alterar a atuação, função e objetivos de determinados campos. A
adaptação acaba tendo reflexos nas características dos produtos jornalísticos, já que, a partir do domínio da tecnologia, criam-se diferentes
possibilidades para a sua configuração e ocorrem transformações.
Consolidadas as rupturas, posteriormente à desterritorialização,
ocorre a reterritorialização, compreendida como a reorganização de um
sistema, que mescla características de sua identidade tradicional com
distintos parâmetros de funcionamento. Ela acontece após o processo
de familiarização de certos campos com as diferentes tecnologias que
59
Vivian Belochio & Luciana Mielniczuck
surgem e são apropriadas por eles. Assim, a reterritorialização sucede
depois que ocorre uma adaptação, que as pessoas passam a dominar
os elementos propulsores da mudança e que os produtos e formas de
trabalho derivados dessa alteração tornam-se cotidianos.
Quando os processos de desterritorialização e reterritorialização
se repetem, após um novo ciclo de renovações, ocorre o que Lemos
(2006) explica ser o fenômeno de des-re-territorialização. Enfatizando o
ciberespaço como elemento chave desse processo, Lemos (2006, p.7)
destaca sua potência para “a criação de linhas de fuga em um espaço
de controle informacional”. O pesquisador salienta, ainda, que essa mudança de rotas impõe uma dinâmica de readaptações. A modificação das
perspectivas de produção e de consumo, além dos fluxos globais informativos, evidencia a necessidade de uma nova adaptação dos produtos
e práticas tradicionais à lógica destacada.
Relacionando-se as observações anteriores com o desenvolvimento do jornalismo digital, percebe-se que, atualmente, as tecnologias
inseridas no circuito da informação em rede estão provocando novamente
a necessidade de adaptações. O surgimento de sistemas que facilitam
a produção e publicação de conteúdos, aliado à abertura dos pólos de
emissão, culminou no aparecimento de espaços como blogs e de páginas
colaborativas. As tecnologias móveis também abriram diferentes opções
de atuação para os indivíduos e para os meios informativos. Assim, foi
iniciado novamente um processo de apropriação no jornalismo, que vem
experimentando tais recursos.
O ciclo de mudanças pode indicar o início da des-re-territorialização
no jornalismo, devido à abertura da possibilidade de transformações nos
produtos e nas formas de pensar o fazer jornalístico. As mudanças partem
da absorção de tecnologias e modalidades informativas que apareceram na
ambiência digital e vem mostrando a sua força. Acredita-se que a sua inclusão no jornalismo digital, com o passar do tempo, pode acabar ocasionando
alterações radicais no seu território, desencadeando rupturas.
A cauda longa da informação, o Pro-Am e as estratégias comunicacionais no jornalismo digital
Aspectos como a popularização e a miniaturização das ferramentas de produção e de publicação são impulsos ao crescimento do pro60
O jornalismo digital e as estratégias de colaboração
cesso de participação nas redes. O contato dos cidadãos com as mídias
locativas9 e com os territórios informacionais10 (LEMOS, 2007) também são
fatores capazes de estimular a inserção de indivíduos e organizações no
ciberespaço, intensificando as iniciativas de colaboração. A conexão generalizada, que segundo Lemos (2006) é o resultado da vulgarização do
acesso ao ciberespaço, contribui para a transformação.
Assim, forma-se um diferente circuito de trocas entre os jornalistas
e os leitores nas redes digitais. O processo é potencializado pela disponibilização de produtos jornalísticos em bases de dados (BDs) (BARBOSA,
2007) e pela apropriação dos recursos da Web 2.0, que tem como base o
aproveitamento da inteligência coletiva (ROMANÍ; KUKLINSKI, 2007).
Acredita-se que os benefícios das BDs e da Web 2.0, das tecnologias móveis, das mídias locativas e do território informacional
(LEMOS, 2007; SILVA, 2008) na produção e difusão de dados por
cidadãos e organizações impulsionam uma mudança no padrão do
jornalismo digital. A marca mais evidente da fase descrita é a abertura
à interferência do público nos materiais noticiosos, que está sendo
experimentada nas mídias de referência.
A intensificação das manifestações dos cidadãos no ciberespaço
cria um circuito da informação que pode ser relacionado ao que Anderson (2006) define como “cauda longa”. Segundo o autor, ela possibilita a valorização dos chamados nichos, “numa era sem as limitações
do espaço físico e de outros pontos de estrangulamento da distribuição” (ANDERSON, 2006, p.23). Assim, na era da comunicação digital, é
possível atender a necessidades e desejos de públicos específicos por
meio das redes, que possuem espaço ilimitado, abrigando, assim, tanto
a preferência das massas quanto a das minorias. Com a notícia ocorre a
mesma coisa: o que antes era publicado com exclusividade pelas mídias
de referência agora divide espaço com as iniciativas dos amadores. O
quadro atual pode configurar uma cauda longa da informação.
A caracterização da cauda longa da informação é considerada necessária, para que se entenda como se reformula o mercado informativo
nas redes e de que maneira ele pode acabar afetando o território instituSegundo Lemos (2007, p.1), “as mídias locativas são dispositivos informacionais digitais cujo
conteúdo da informação está diretamente ligado a uma localidade. Isso implica uma relação entre
lugares e dispositivos móveis digitais até então inédita”.
10 Instituições e sujeitos podem se fazer presentes no ciberespaço a partir do que Lemos (2007)
chama de “território informacional”. Este último é definido como “o espaço movente, híbrido, formado pela relação entre o espaço eletrônico e o espaço físico” (LEMOS, 2007, p.12).
9 61
Vivian Belochio & Luciana Mielniczuck
cionalizado do jornalismo. Entre os pesquisadores que analisam o jornalismo colaborativo, é perceptível a existência de questionamentos sobre
a inserção da prática da colaboração no campo jornalístico (FONSECA;
LINDEMANN, 2007; GILLMOR, 2005; HEWITT, 2007; PALACIOS; MUNHOZ, 2005; GARCÍA; LÓPEZ, 2007; BARBOSA, 2007; STORCH, 2008;
LÓPEZ, 2008; NOCI; SALAVERRÍA, 2003; MEYER, 2007). Entretanto,
eles ainda não chegaram a um consenso sobre quais fatores impulsionam a inclusão dos conteúdos colaborativos nos jornais digitais. A figura
mostrada a seguir ilustra a cauda longa adaptada ao cenário informativo:
Figura 1: Na cauda longa da informação, as mídias de referência são os
hits e os sistemas colaborativos estão entre as mídias de nicho.
Para entender melhor como se forma a cauda longa da informação, é pertinente observar a sua estrutura no circuito informativo digital,
conforme a figura 1. Seguindo o conceito de Anderson (2006), no topo
da curva da demanda ficam os chamados hits, ou seja, os produtos mais
consumidos, preferidos pela maioria do público. No modelo da cauda
longa da informação, esse seria o caso das mídias de referência, que
conquistaram credibilidade no decorrer da sua história, tais como jornais,
emissoras de TV e rádio e outras marcas mais conhecidas e também
atuantes fora do universo digital. Sua presença no ciberespaço é mais
uma forma de projeção de seus conteúdos massivos.
Na cauda, conforme descreve o autor, encontram-se os nichos, aqui
entendidos como as variadas mídias que atendem demandas específicas e
até personalizadas do público, podendo ter ligação direta com organizações
62
O jornalismo digital e as estratégias de colaboração
e indivíduos específicos e mantendo o seu foco em assuntos determinados.
Aí estão incluídos os meios informativos sustentados por amadores, que
não possuem ligação direta com as mídias de referência. Nesse contexto
estão os sistemas conhecidos como jornalismo colaborativo, incluindo-se
as páginas colaborativas, que são espaços sustentados por amadores, com
ou sem controle editorial. Estas coexistem com a mídia tradicional, isto é,
convivem com os hits num mesmo espaço. Assim, a variedade de iniciativas
que atende aos nichos constitui certa concorrência com os hits.
O cenário constituído na cauda longa da informação obriga os meios
jornalísticos de referência a repensarem as suas práticas, com o objetivo de
manter a sua popularidade no ciberespaço. O processo é marcado pela
apropriação dos sistemas colaborativos na mídia tradicional. A ação se configura como estratégia comunicacional, que visa à inclusão dos meios jornalísticos na cauda longa da informação. Tal estratégia se dá, inicialmente, por
ações de remediação (BOLTER; GRUSIN, 2000), isto é, de adaptação das
mídias mais antigas às novidades tecnológicas, a partir da sua incorporação
aos produtos tradicionais. A adaptação, contudo, pode chegar a modificar
certos procedimentos e normas até então vigentes como padrões dominantes, possibilitando, dessa forma, a des-re-territorialização.
Com o processo de remediação, surgiram as seções colaborativas,
que foram desenvolvidas com base nos formatos das páginas colaborativas, definidas anteriormente. É o caso de espaços como o Eu Repórter, de
O Globo11, do Foto Repórter12, pertencente ao Estadão.com, do Yo Periodista13, vinculado ao jornal espanhol El País, e da seção Leitor-Repórter14,
de Zero Hora.com. O diferencial destas seções é a sua regulamentação
interna. As normas adaptam o modelo colaborativo aos critérios de ação
das mídias de referência, na tentativa de garantir o controle da situação
comunicativa, isto é, de manter seu território equilibrado.
Vale lembrar que os meios de referência tem se apropriado, também, dos modelos do que Primo (2008) define como micromídias digitais. O
pesquisador expande a descrição das micromídias analógicas de Thornton
(1996), entendendo que, no contexto digital, elas são um “sub-tipo” que “diferencia-se substancialmente da micromídia analógica no que toca o alcance”. As micromídias digitais têm maior abrangência porque estão nas redes,
11 12 13 14 http://oglobo.globo.com/participe
http://www.estadao.com.br/ext/fotoreporter/foto_imagens.htm
http://www.elpais.com/participacion
http://www.clicrbs.com.br
63
Vivian Belochio & Luciana Mielniczuck
ou seja, permanecem disponíveis em escala global. Já é possível visualizar
algumas páginas jornalísticas que se apropriaram dos sistemas citados. Em
alguns casos, estes aparecem como espaços semelhantes aos modelos
comunicacionais propostos em microblogs como o Twitter.
Outro fenômeno da cauda longa que pode estar acontecendo no
jornalismo e sendo intensificado nas seções colaborativas é o movimento
Pro-Am. Citando experiências da astronomia realizadas com o auxílio de
voluntários, Anderson (2006, p.58) define o movimento como o sistema
“em que profissionais e amadores trabalham lado a lado”. O jornalismo
colaborativo e suas configurações no ciberespaço, em formatos de blogs, sites como Wikipedia, Wikinews e OhmyNews, além de outros canais
abertos por jornais digitais da grande mídia, evidencia a incorporação da
era Pro-Am nos sistemas informativos em rede.
O movimento Pro-Am é considerado uma linha de fuga, ou seja,
um fator des-re-territorializante, em relação aos parâmetros tradicionais do
jornalismo, mais especificamente no que diz respeito à relação estabelecida entre os profissionais da informação e as suas fontes. É reconhecida
a possibilidade de uma alteração nesta relação (PINTO, 2000; MACHADO, 2003; PRIMO; TRÄSEL, 2006). Entende-se que, no ciberespaço, a
mudança é impulsionada pelos sistemas colaborativos, que possibilitam,
entre outros processos, a ampliação da resolução semântica das informações publicadas na Web (FIDALGO, 2004) e o desenvolvimento do
crowdsourcing15 (BRIGGS, 2007).
No jornal digital Zero Hora.com, foram encontradas marcas dos
processos descritos nos parágrafos anteriores. O próximo tópico descreve aspectos relevantes da pesquisa.
Estudo de caso de Zero Hora.com: observação da capa
Até aqui foram identificadas mudanças que vem ocorrendo no
jornalismo a partir da apropriação das TICs e dos modelos das páginas colaborativas no cotidiano dos meios digitais. Para visualizar sinais
destas alterações, foi realizado o estudo de caso do site Zero Hora.
com. A observação da capa do jornal digital, que integrou a primeira
parte do estudo de caso, será priorizada neste texto. Isso porque trouSegundo Briggs (2007), crowdsourcing significa o “público como fonte de notícias ou conteúdos
produzidos por usuários”. O termo é compreendido como “quase um sinônimo de investigação ou reportagem compartilhada, colaborativa, distribuída ou em código aberto”. Beneficia, então, ao Pro-Am.
15 64
O jornalismo digital e as estratégias de colaboração
xe resultados importantes, que demonstram o Pro-Am, ou seja, linhas
de fuga que podem indicar a des-re-territorialização.
A observação estruturada foi aplicada numa amostra de 96 capas, captadas no período de 32 dias, entre 16/12/2008 e 16/01/2009. O
que se buscou na amostra foi a frequência da utilização de conteúdos
colaborativos e da apropriação do modelo das micromídias digitais. Com
esse intuito, foram contabilizadas as chamadas e as manchetes16 para
as notícias da seção Leitor-Repórter e para os murais17. A imagem a seguir mostra o formato das manchetes num quadro verde e o formato das
chamadas num quadro de cor laranja:
Figura 2: A manchete (quadro verde) aparece com destaque no topo da
página e as chamadas (quadro laranja) são mais discretas e
aparecem em espaços menos privilegiados da capa18.
As chamadas remetem a atenção dos leitores para todas as matérias e links exibidos na capa.
Servem como referências sobre os conteúdos gerais do jornal digital, enquanto as manchetes remetem aos conteúdos jornalísticos de destaque na capa. Em alguns casos, estas últimas são acompanhadas por fotografias e infografias, sempre localizadas na parte superior da capa.
17 Espaços semelhantes aos fóruns de discussão, caracterizados pelo debate de um assunto específico e pela limitação de caracteres.
18 Capa do dia 8/01/2009. Acesso via http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default.jsp?uf=1&local=
1&section =capa_online.
16 65
Vivian Belochio & Luciana Mielniczuck
A pesquisa também notificou as chamadas que convidam os
interagentes para o envio de fotografias e o número de chamadas para
os blogs. A tabela a seguir mostra os resultados gerais da observação:
Tabela 1 – Número de chamadas gerais e de chamadas entre as
manchetes.
CHAMADAS
NÚMERO DE
CHAMADAS GERAIS
NÚMERO DE CHAMADAS
ENTRE AS MANCHETES
Leitor-Repórter
09
06
Murais
90
23
Fotografias
61
07
Blogs
82
01
Conforme a tabela 1, em nove capas foram identificadas chamadas para o Leitor-Repórter. Destas, seis apareceram entre as manchetes jornalísticas. Ao todo, quatro são manchetes que remetem aos
conteúdos da seção colaborativa. Duas chamadas foram localizadas
na parte inferior da capa, recebendo menor destaque na publicação.
Já os convites complementares às manchetes principais, expostas no
topo da página, apareceram em duas ocasiões, solicitando o envio de
notícias e de fotos e vídeos.
Um total de 90 chamadas para os murais foi identificado nas capas, sendo que 67 estavam localizadas na parte inferior da interface, ou
na coluna da direita do jornal digital, que é destinada aos espaços de variedades. As chamadas conduziam os interagentes à participação em debates e discussões. Todas as vezes em que os murais foram associados
às manchetes jornalísticas, coletavam depoimentos dos interagentes sobre os assuntos das notícias. Assim, o jornal digital consegue expandir a
abrangência da sua cobertura jornalística, isto é, o veículo amplia a quantidade de informações a respeito dos fatos transformados em notícia.
Com relação aos canais de publicação de fotografias, foram verificados sete casos de chamadas-convite relacionadas às pautas jorna66
O jornalismo digital e as estratégias de colaboração
lísticas. A maioria remete à seção Leitor-Repórter, onde as imagens são
publicadas. As demais chamadas para o envio de fotografias tem como
tema o cotidiano dos interagentes.
Foram encontradas 82 chamadas para a leitura dos blogs. A maioria apresenta conteúdos dos profissionais do Grupo RBS. Portanto, tais
espaços não privilegiam a publicação de conteúdos colaborativos. Apenas
um blog amador foi destacado entre as manchetes das 96 capas.
Conforme o exposto, percebe-se que os conteúdos da seção
Leitor-Repórter e os murais apareceram com considerável frequência
na amostra observada, complementando os dados jornalísticos. Neste
texto, serão descritos dois casos que demonstram tal utilização.
A imagem a seguir mostra um exemplo da utilização dos murais:
Figura 3: No dia 3 de janeiro, Zero Hora.com pediu que o público enviasse
relatos sobre o trânsito na volta do litoral pela freeway 19.
19 http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default.jsp?uf=1&local=1&section=capa_online.
67
Vivian Belochio & Luciana Mielniczuck
Na figura 3 a flecha vermelha indica o link “Deixe seu relato sobre transtornos nas estradas na volta do feriadão”, postado junto com
a manchete principal da página, intitulada como “Tráfego deve seguir
intenso por pelo menos duas horas na freeway”. Percebe-se que, entre
as intervenções da redação e os recursos de interação com as fontes,
é estimulada a troca de informações entre jornalistas e interagentes. O
retorno da chamada evidencia ainda mais o processo, como pode ser
observado na capa do dia 4/01/2009:
Figura 4: Em 4 de janeiro, foram publicados os retornos dos interagentes
para as chamadas da capa de 3 de janeiro20.
A flecha de número um aponta para o depoimento de uma motorista que teve problemas no trânsito do litoral catarinense até Porto Alegre. Junto com o relato da colaboradora está a frase “E você? Enfrentou
problemas na estrada? Mande seu relato”. A flecha de número dois mostra uma fotografia enviada por uma colaboradora e postada na manchete
“Ilhados, gaúchos se alimentam de sobras do feriado e doações”. A chamada é referente a uma matéria construída pela redação. O uso da fotografia captada por uma amadora foi informado no corpo da notícia.
20 http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default.jsp?uf=1&local=1&section=capa_online.
68
O jornalismo digital e as estratégias de colaboração
Os dados destacados indicam que os jornalistas de Zero Hora.
com utilizam o que é enviado pelos interagentes na complementação das
suas coberturas. No caso descrito agora, percebeu-se a tentativa de dar
mais credibilidade à notícia, na capa, a partir do relato da colaboradora.
Os conteúdos captados a partir dos convites feitos aos colaboradores
são reunidos por determinado período, até que a redação formule novas
matérias utilizando tais informações. Assim, criam-se expectativas sobre
a publicação do que é encaminhado pelo público, ao mesmo tempo em
que o veículo faz uma cobertura mais completa dos fatos.
A utilização dos materiais enviados à seção Leitor-Repórter também demonstra a valorização dos conteúdos amadores em Zero Hora.
com. A imagem que segue traz um exemplo:
Figura 5: A capa do dia 8 de janeiro de 2009 teve várias manchetes para os
conteúdos publicados na seção Leitor-Repórter21.
Na figura 5, a flecha de número um aponta para uma das fotografias coletadas por interagentes que presenciaram o acidente com o ônibus
do transporte coletivo urbano de Porto Alegre, registrado na manhã do dia
8/01/2009. A imagem mostra o momento em que o veículo foi tomado pe21 http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default.jsp?uf=1&local=1&section=capa_online.
69
Vivian Belochio & Luciana Mielniczuck
las chamas em pleno centro da capital gaúcha. Trata-se de uma situação
inesperada, que representou perigo aos moradores e transeuntes.
O quadro verde destaca a legenda “Leitor Renan Backi Leonardo registrou as chamas no coletivo. Veja outras fotos”. Clicando no
link, os interagentes conferiam um slide show com diversas fotos tiradas por colaboradores e enviadas à redação de Zero Hora.com. No
caso relatado, o jornal digital realizou uma ação parecida com o que
foi feito no episódio do trânsito lento na freeway. Postou convites na
capa do jornal digital solicitando que o público enviasse fotos, vídeos
e textos (a flecha de número dois indica um desses links). O resultado foram 13 textos enviados ao Leitor-Repórter, alguns com vídeos
e outros com fotografias. Assim, Zero Hora.com teve condições de
mostrar vários ângulos do acidente com a ajuda dos interagentes. A
flecha de número três mostra a chamada para um vídeo do incêndio,
registrado por um colaborador.
Considerações finais
Os dados expostos reforçam a ideia de que os conteúdos colaborativos utilizados na página Zero Hora.com são misturados aos conteúdos jornalísticos quando oportuno. O jornal digital dá destaque para os
conteúdos amadores entre as suas manchetes. A abertura acontece de
forma moderada, porém confirma que o meio se apropria dos materiais
dos leitores para enriquecer o seu produto. Marca disso são os convites
para a colaboração em discussões temáticas, com assuntos pré-definidos pela equipe do jornal digital. Em alguns momentos, o retorno destes
convites é surpreendente, como constatado no caso do ônibus urbano
que incendiou em Porto Alegre.
Percebeu-se a realização regular de convites para a participação
do público. O processo não serve apenas à discussão de assuntos sem
relevância jornalística: os leitores são estimulados a colaborar sempre
que ocorre algum evento que transcende a capacidade de cobertura de
Zero Hora.com. Assim, a utilidade da seção Leitor-Repórter e dos murais evolui de estratégia comunicacional que visa ampliar os acessos da
página para uma parceria com os colaboradores. Eis um sinal de que o
Pro-Am acontece no jornal digital, alargando as fronteiras do seu território. A inclusão de conteúdos colaborativos na capa de Zero Hora.com
70
O jornalismo digital e as estratégias de colaboração
é considerada uma das linhas de fuga características da des-re-territorialização, já que se mescla, no jornal digital, a atuação de jornalistas e
amadores, e ambos acabam trabalhando em parceria.
Cabe ressaltar que a des-re-territorialização não acontece de forma plena no caso de Zero Hora.com. Ocorre, no meio, a abertura moderada à participação do público, fator que demonstra uma transformação
conservadora. Tal aspecto foi identificado nas capas observadas, já que
as colaborações exibidas com destaque no espaço abordam temas referentes às pautas definidas previamente por sua equipe de jornalistas. Isso
mostra que os profissionais continuam buscando o controle da situação
comunicativa. Também é notório o destaque conferido às informações que
atendem aos critérios de importância pertinentes ao jornalismo tradicional.
A partir dos dados expostos, constatou-se que ainda não é possível afirmar que a des-re-territorialização, ou a ruptura, está acontecendo.
Contudo, as suas marcas são visíveis. O campo está em crise, a partir
do surgimento de diferentes possibilidades de ação no ciberespaço, que
provocam o alargamento das suas fronteiras. Assim, destaca-se a importância de verificar a possibilidade do Pro-Am em outros jornais de
referência e, também, nos demais sites informativos.
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75
O GROTESCO MIDIÁTICO: ESTRATÉGIAS DE IMAGEM
NAS CHARGES DE IMPRENSA1
Vivian C. de MIRANDA2
Adair PERUZZOLO3
Resumo
Propõe-se, neste texto, apresentar os resultados de pesquisa na qual o
objetivo geral buscou compreender o grotesco, através do desenho de
humor de mídia jornalística impressa. Diante da possibilidade de compreender melhor o fenômeno pela engrenagem dos textos humorísticos,
a partir de uma abordagem semiológica, procurou-se demonstrar que o
grotesco é uma significação que opera como princípio para a comicidade
nos jornais. O enfoque na imagem, no que se refere ao processo analítico, apontou para estratégias discursivas utilizadas na construção dos
sentidos que operam, enquanto estratégias textualizadoras, manifestas,
sobretudo, através do componente visual da expressão.
Palavras-chave
Grotesco; Comicidade; Estratégia de imagem; Imprensa; Sentido.
The grotesque media:
image strategies in charges in the press
Abstract
It is proposed in this article to present the results of a research in
which the general objective was to understand the grotesque through
the humor cartoons in the newspaper printed media. In face of the
possibility to best understand the phenomenon through the gear of the
humorous texts, parting from a semiological approach, it was attempted to demonstrate that the grotesque is a signification that operates as
a start for the comical aspect in the newspapers. The focus on image,
Trabalho resultante da dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria. Área de Concentração: Comunicação Midiática. Linha
de Pesquisa: Estratégias Comunicacionais.
2 Bacharel em Desenho Industrial – Programação Visual. Especialista em Arte e Visualidade e
Mestre em Comunicação Midiática pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail: [email protected]
3 Orientador. Pós-Doutor pela Universidad Autónoma de Barcelona (UAB), Doutor em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Docente do Programa de PósGraduação em Comunicação Midiática da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail:
[email protected]
1 O grotesco midiático
in what is referred to the analytical process, points to discursive strategies used in the construction of senses, which operate while textual
strategies are demonstrated, above all, through the visual component
of the expression.
Keywords
Grotesque; Comic aspect; Image strategy; Press; Sense.
O grotesco diz respeito a um fenômeno que se dá em meio a
outras significações, como o feio, o obsceno e o cômico. Como uma
questão de mídia (grotesco midiático), vem sendo observado há algum
tempo nos mais variados meios, sobretudo no audiovisual, o que impulsionou o interesse deste trabalho para as manifestações da imprensa.
Segundo as contribuições de Muniz Sodré (1973; 2002), muitas das
produções culturais midiáticas se inserem nesta que o autor considera
como uma categoria “estética”4.
Nesse contexto, a pesquisa em questão debruçou-se sobre a
possibilidade de tratar da temática do grotesco pelo viés da abordagem
semiológica. O que se percebeu foi a relevância da discussão sobre o
papel da imagem nesta temática, pois ela expressa muito do que discute
como a manifestação do grotesco em matérias significantes. Contudo,
antes de analisar as matérias, é preciso atentar para a noção do que se
considerou como “grotesco” neste trabalho, que se constituiu enquanto
uma significação que retoma representações associadas a tudo o que
foge às normas vigentes – deformações físicas, hábitos obscenos, expressões grosseiras, e assim por diante (BAKHTIN, 1996; ECO, 2007).
A discussão do grotesco na aproximação com o humor, aqui vigente, advém de constatações de Muniz Sodré (2002) para quem o grotesco é uma “tensão risível”. Para Eco (2007), a violação do senso de
pudor e o comportamento ou uso de expressões obscenas quase sempre
fazem rir. Sendo assim, o corpus analisado, o “desenho de humor”, inserese como textos que também recorrem à construção de certos sentidos,
como o grotesco. São também manifestações visuais que se constituem
em verdadeiras narrativas, em parte permitidas pelo seu caráter icônico,
que faz com que a imagem seja capaz de “contar”.
Trata-se de uma aproximação com a vertente de estudos estéticos, que consideram a existência de uma série de outras categorias, tais como o trágico, o dramático, o cômico, o poético,
gracioso, sublime, etc.
4 77
Vivian C. de Miranda & Adair Peruzzolo
O estudo acadêmico do fenômeno junto ao riso e o entretenimento ganha relevância no corpus midiático. Hoje, sobretudo marcadas, enquanto recurso comunicacional, pelo exagero, hipérboles e
distorções, as formas assumidas pelo grotesco na mídia guardam forte
relação com a caricatura, tipo de texto que Muniz Sodré (1973, 2002)
insere na categoria do grotesco, no sentido de decorrente do recurso
ao disforme, à quebra das regras estéticas correntes, àquilo que não
corresponde à realidade, etc. Estas reflexões levaram a problematizar,
no caso das produções midiáticas, a relação entre o grotesco na imprensa e a comicidade. Esta referência ao âmbito cômico não é uma
questão nova, e o referencial teórico chama atenção que o grotesco
vem sendo estudado na aproximação com outras questões, por onde
se desenvolveu esta pesquisa. Recorte este que leva a uma série de
questionamentos sobre como se dão estas inter-relações, inclusive
porque estes sentidos não têm sido estudados de modo isolado.
E, embora reconhecendo o trabalho com mensagens multimodais, o conteúdo da imagem apresenta pistas relevantes para a análise
com grande riqueza, o que vem a respaldar a ênfase no visual. Desde
os estudos de Bakhtin (1996) e na atualidade das mídias, o grotesco
vem associado à comicidade visual, sobretudo, e isso se explica por
uma tradição anterior às classes populares da Idade Média, segundo
a existência de uma arte grotesca arcaica que influenciou todas as demais manifestações posteriores.
Acredita-se também que compreender o que é o grotesco hoje
passe pela reflexão do fenômeno junto aos dispositivos midiáticos aos
quais está aderido, e assim, delineia-se uma pesquisa que envolve a
relação grotesco/imagem/mídia, que se desenvolve junto ao dispositivo
impresso, através da observação empírica da Revista da Semana.
Grotesco: da cultura ao texto
Ao percorrer noções sobre o grotesco, encontram-se inicialmente
os estudos de Bakhtin (1996), que discorre sobre as manifestações de
uma cultura cômica popular, em que são correntes as grosserias blasfematórias, expressões verbais eliminadas da comunicação oficial, bem
como imagens “exageradas e hipertrofiadas”. Ocorre que estas formas
de expressão, marcadas pela proibição pelos cânones atuais, na Idade
78
O grotesco midiático
Média e no Renascimento eram parte de uma visão carnavalesca da
vida, que tomou lugar na vida cotidiana, sem a observação das regras e
tabus. No que concerne ao tempo do “realismo grotesco”, todo exagero
tem um aspecto positivo e afirmativo, alegre, festivo, e por isso a paródia5 medieval guarda diferenças com as da época moderna.
No contexto dos sentidos sociais, é possível apontar como “grotesco” a compreensão que se tem de algo que nos causa efeito de estranhamento, ou ainda quando nos parece ridículo, por desrespeitar ou
violar aquilo que se tem como norma ou senso. Conforme Eco (2007), a
sociedade ocidental se incomoda diante da transgressão de certas regras, frente às quais o homem se coloca como constrangido. Tudo aquilo
que “ultrapassa” as normas do pudor, principalmente o que é ligado ao
sexo, aos excrementos do corpo, das necessidades naturais, também é
considerado grotesco. Estas questões variam conforme cultura e época,
mas de modo geral, nossa sociedade acostumou-se com certo mal-estar
diante da violação do senso de pudor, do que é politicamente correto,
trazendo o conceito de obscenidade, uma das formas do grotesco.
A respeito das representações, segundo Peruzzolo (2006, p.
34), trata-se do “investimento qualitativo no dado percebido. É um processo avaliativo pelo qual os estímulos percebidos recebem valorações, porque passam a significar algo para o organismo. Sua função
é adequar as reações do organismo à sua relação com o mundo”. A
interpretação ou ato de representar, no quadro da teoria da significação, remete a processos que envolvem cognição, mas as discussões
não se fecham somente nas teorias cognitivas, pois estes processos
apontam, numa perspectiva humana, para fatores como experiências
e memórias, crenças e desejos, que repercutem na representação dos
fenômenos. Nesse contexto, ao que tudo indica, o que é grotesco para
uns não o é para outros, questão que encontra ressonância no papel
da cultura como “lugar” simbólico de organização comunitária dos significados e/ou sentidos, fundamental para o processo da semiose, ou
seja, o processo de significação (significantes e conceitos que se ligam
constituindo signos, que constituem textos) tem, então, dimensões culturais, o que coloca o texto dentre os fenômenos de natureza cultural,
A paródia (para = ao lado de; ode = canto) pode se manifestar sob várias formas. No âmbito
cômico, sobretudo através do exagero, pode convergir tanto para um sentido crítico (contracanto),
pelo recurso à ironia e sátira, ou como um elogio (canto conjunto), pelas conotações positivas,
como o que se encontra em Propp (1992).
5 79
Vivian C. de Miranda & Adair Peruzzolo
como “objeto de relação”. Assim, muitas discussões sobre o grotesco
se encaminham na direção dos textos, das representações da cultura.
No caso das imagens, por exemplo, que retomam certas significações, na perspectiva semiológica não podem ser tomadas como algo
dado e passam, portanto, por um processo de significação, característico do processo sígnico. Como aponta Bakhtin (1996), no “realismo grotesco”, as contradições são parte integrante dessa cultura, e não carregavam consigo o sentido de algo pejorativo, que só foram mais tarde
firmadas com esse viés. Apontamentos concernentes à cultura erudita
chamam a atenção para o sentido que para ela têm as manifestações da
cultura popular, em que as representações visuais, por exemplo, “parecem disformes, monstruosas e horrendas”, se consideradas do seu ponto de vista (estética clássica), ou seja – trata-se de “imagens grotescas”.
Usando da possibilidade de pensar o que uma imagem representa pela descrição, é possível compreender os significados vigentes
- principalmente em termos de referencialidade6. A imagem, seja pelo
seu aspecto icônico ou plástico, opera num jogo, sendo capaz de denotar ou conotar, articulando determinados sentidos, através de procedimentos de natureza semântica ou sintático-visuais. Segundo os estudos
da linguagem, a significação semântica é um modo de composição do
significado que não se detém nos constituintes plásticos (sintáticos), interessando a dimensão figurativa ou icônica, e neste nível, as situações
grotescas estão vinculadas à escatologia (partes baixas do corpo), à teratologia (monstros), aos excessos corporais e às atitudes ridículas. Estas imagens retomam representações que são da ordem de excreções,
órgãos corporais e cheiros associados a estas matérias significantes.
Conforme Villafañe (2000), a significação semântica é o modo de dar
significado a uma imagem ou denominá-la, operando por uma espécie
de redução a sentido.
O grotesco como gênero textual
Pensar o grotesco como categoria de texto é considerar a existência de um gênero que o compreende, nesse caso o gênero literário.
Para Bakhtin (2003, p. 262), cada campo da comunicação ou de utilizaConforme Peruzzolo (2004, p. 82), a questão do referente, que designa na semiótica Peirceana
“objeto nomeado pelo signo”, deve ser compreendida como o faz Eco, enquanto referente cultural
ao qual o falante se refere, porque movimenta, sobretudo, um conteúdo cultural que é semiotizado.
6 80
O grotesco midiático
ção da língua elabora tipos mais ou menos estáveis de enunciados, os
quais o autor denomina de “gêneros do discurso”. Conforme o autor, um
enunciado (oral, escrito), em termos de emprego da língua, reflete as
condições de cada campo, e de tal modo, se caracteriza por seu conteúdo (temático) e estilo da linguagem (recursos lexicais, fraseológicos e
gramaticais). São determinados modos de enunciação, devido à apresentação de recorrências, que permitem classificações diferenciadas de
gêneros discursivos/textuais.
Em geral, estudam-se os gêneros de acordo com a literatura, que
guarda relação com a história da ciência Estética (por isso chamados
artístico-literários). De tal modo, segundo Souriau (1973), as categorias
tornaram-se reivindicadas por uma série de ciências, como a Linguística,
a Sociologia, a Psicologia, uma vez que fracionados o belo e o feio não
são mais objetos específicos da Estética. Nesse contexto, em busca de
uma terminologia que possa encontrar terreno para discussão no campo
da comunicação, acredita-se que um ponto de partida possível é a adoção do termo “gênero” para discutir os tipos de textos característicos, em
lugar de “categorias estéticas”.
No grotesco, encontram-se manifestações que muito assinalam a
vulgaridade, o grosseiro, e até a crueldade, por meio da referência (iconicidade). Por outro lado, no interior do texto ocorre um jogo pelo qual as
significações ocorrem, sob a forma de uma engrenagem. Esta questão,
que é própria da semiótica, pode ser observada explorando os aspectos
vigentes nos estudos sobre o texto e a construção dos sentidos. Para
a construção das significações, acredita-se também que o texto seja o
lugar das estratégias, implicando um processo que compreende estratégias de significação através de artifícios linguísticos. Por exemplo, as
manifestações de caráter cômico, por serem grotescas, nem sempre exibem o que é puramente grosseiro, o que ocorre na mídia. Muitas manifestações se apresentam por modos mais refinados em termos de sua
constituição, causando efeitos risíveis segundo as variadas estratégias
utilizadas, as quais explicam o processo de significação, para os estudiosos do humor (BERGSON, 2001).
Este panorama se constitui no ramo de teorias que abrangem,
por assim dizer, o estudo dos fenômenos e construções que trazem as
significações na linguagem, de modo que é possível buscar os procedimentos de fabricação, pois se trata da semiótica dos jogos significantes
81
Vivian C. de Miranda & Adair Peruzzolo
ou conjuntos significantes. As matérias, expressas em linguagem, designam signos que as construções sociais associam a certos significados (substância). Sob a perspectiva semiológica, os signos são tomados
como construções, ao ponto de se questionar onde é possível “lê-los”
nos estímulos materiais. Conforme esclarece Peruzzolo (2004, p. 96),
observando a organização textual, uma vez que não são os signos o
objeto de análise semiológica, e sim o texto, existe um “esforço para
relacionar blocos de signos”, por parte do analista.
Em termos de estratégias textualizadoras, Koch (1998) trata dos
recursos que dizem respeito às construções linguísticas que constroem
determinados sentidos no texto, as quais se tomam aqui enquanto estratégias discursivas, uma vez que o termo discurso pode ser admitido,
na semiótica discursiva, como sendo o próprio texto, a própria matéria.
As estratégias textuais, por seu turno – que, obviamente não deixam de ser também interacionais e cognitivas
em sentido lato – dizem respeito às escolhas textuais
que os interlocutores realizam, desempenhando diferentes funções e tendo em vista a produção de determinados sentidos. (KOCH, 1998, p. 31)
Nesse contexto, têm-se buscado compreender como estas construções verbais, visuais, se materializam nos textos. Em se tratando de
mensagens multimodais7, ao trabalhar com o aspecto também do verbal
e sob a noção de estratégias textuais, Koch (1998) aponta recursos que
são interessantes para a discussão sobre a significação, tais como estratégias de organização da informação, de formulação, de referenciação
e de balanceamento do implícito/explícito, etc. Nessa discussão, Koch
(1998) ocupa-se dos estudos do verbal para discutir os recursos que
se valem de elementos linguísticos, convergindo para a construção do
sentido. Isto não quer dizer que as estratégias se reduzem a estabelecer
somente estes procedimentos, nem que a imagem é tomada da mesma
forma como se toma o signo linguístico, pois está definitivamente reconhecida naquilo que lhe é próprio, em termos de apreensão ou leitura.
Conforme Lévy (1999), a noção de multimodalidade (a partir da qual o autor discute questões
referentes à multimídia) se refere à união de várias linguagens para compor uma mensagem, existe
uma co-relação entre linguagens em termos de significação. No audiovisual isto toma maiores proporções, pois se trata de mensagens compostas por linguagens visuais, inclusive com a adição do
movimento, linguagens verbais e sonoras. Assim, é possível decompor o texto e se expressar em
termos das linguagens constituintes, dizendo texto icônico, texto linguístico, etc.
7 82
O grotesco midiático
Contudo, é porque os textos podem se colocar enquanto mensagens
multimodais, que subsumem questões relativas a uma correlação com
outras linguagens, em termos de significação. Esta questão encontra
ressonância em ideias barthesianas sobre a complementaridade entre o
verbal e o não-verbal, insistindo numa dinâmica complementar, pois as
duas linguagens se complementam: uma diz o que a outra não diz. Joly
(1996), citando Barthes, lembra sua proposta de interação sob a forma
de ancoragem do texto, que daria indicações para a leitura da imagem.
Acredita-se que a leitura da imagem, em sua especificidade, por seus
próprios operadores ou elementos linguísticos não impede a análise de
sua correlação com o verbal, ao contrário, possivelmente minimiza certo
mal-estar, em termos puramente estético-formais da análise.
O grotesco midiático
Conforme Sodré (1973), cada época e cada meio de comunicação têm como marca uma das categorias estéticas, sendo que desde a
década de setenta tem se mostrado como traço fundamental a categoria
do grotesco. Tendo em vista estas proposições, o fenômeno aparece
também como “um olhar acusador”, necessário para desvelar o que está
encoberto, ajudando-nos a revelar realidades mitificadas8.
O grotesco é um olhar acusador que penetra as estruturas até um ponto em que se descobre a sua fealdade, a sua aspereza. A essa altura, o real antes tido
como belo pode começar a fazer caretas, o pesadelo
pode tomar o lugar do sonho. Uma máscara negra, um
monstro gótico, obras de profunda inspiração artística,
podem situar-se na categoria do grotesco. Às vezes
ele nos ajuda a desvelar uma realidade mitificada: é
o caso, por exemplo, do grotesco utilizado por muitos
cartunistas modernos. (SODRÉ, 1973, p. 73).
Isto ocorre porque na mídia o grotesco pode ser lido na descontextualização de significantes que pertencem a outros sistemas,
Segundo Nöth (1996, p. 137), Barthes abandona a teoria de uma camada de denotação primária,
inocente em relação a uma secundária. Ele redefine a denotação “como o resultado final de um
processo conotativo”, onde a denotação apenas aparenta ser a primeira significação. Trata-se de
uma nova relação entre signos denotativos e conotativos, onde já não são os mitos (significações
secundárias) que devem ser desmascarados, mas os próprios signos (semioclastia).
8 83
Vivian C. de Miranda & Adair Peruzzolo
como nos programas de televisão que oferecem o aberrante, o estranho, como signos de outra coisa (o exótico) que não são da nossa sociedade. Pode ser lido também nas intenções sensacionalistas para
chocar, como no chocante na televisão e no cinema, aparecendo também na imprensa para desvelar problemas de caráter dos retratados.
Em termos empíricos, as manifestações do grotesco se ligam aos
variados meios, tanto audiovisuais quanto impressos, em que surgem
algumas classificações. O Grotesco chocante é uma das manifestações recorrentes na televisão e no cinema, e Sodré (1973, 2002) não
deixa de apontar a predisposição às intenções sensacionalistas e à
exacerbação, compreendendo a teratologia (monstro) e a escatologia. Em termos de seus efeitos, na mídia são na maioria risíveis. É
principalmente a partir destas considerações, de que o grotesco na
mídia é uma tensão risível, que esta pesquisa apontou para uma discussão em paralelo com a comicidade.
A escatologia e a teratologia atinente às manifestações midiáticas é o “mau-gosto” extremo, ou seja, é algo muito representativo
dos programas de auditório, em que aparece a exploração de alguns
“significantes” como o feio, o portador de aberração, o marginal. A exploração da escatologia e da teratologia possui grande influência na
imaginação coletiva segundo Sodré (1973), tendo em vista que gerou
uma espécie de mitologia brasileira, em que o portador de deformação
física passa a ser reconhecido como infração da ordem natural. Como
“signo do outro”, em um contexto que não é o seu, o horrível torna-se
sensacional, inconsistente, e principalmente desligado daquilo que é,
na estrutura de nossa sociedade, que explica possivelmente o motivo
para o riso, pois a fealdade experimentada não causa nenhuma espécie de reflexão. Curiosamente, o que poderia evidenciar a aproximação maior com o feio, o irreal, como é de esperar das recorrências do
grotesco, manifesta-se, por exemplo, nas pegadinhas dos programas
televisivos que expõem as pessoas às mais variadas situações embaraçosas, como o que ocorre em “O Pânico na TV” e no “Programa do
Ratinho” que se aproximam a uma estética do trash, proporcionando
um grotesco risível.
Apesar de este trabalho possuir um tratamento que se aproxima de uma análise dos textos considerados literários, convergindo
preocupações sobre a obra em si mesma (estética), é preciso apontar
84
O grotesco midiático
que uma questão que vem sendo observada é a de um evento comunicativo. Estudos recentes têm atentado para o reconhecimento de
que o estatuto genérico do texto tem como orientação o horizonte de
expectativas do receptor, não estando somente ancorado no querer
dizer do produtor, devido a existência de contratos entre produção e recepção. Isso ocorre porque, segundo Pinheiro (2002, p. 287), embora
um enunciado esteja sempre “se utilizando de um gênero discursivo,
de uma forma padrão”, na mídia esses gêneros representam práticas
que envolvem produtores e receptores, e de tal modo, existem contratos que vinculam as duas pontas do processo, “numa incessante tarefa
de produção de sentido a partir do querer dizer do produtor e do que é
interpretado pelo receptor”.
Estando mais ancorada “na forma de como é dito” é que se compreende ser a questão do grotesco uma questão mais de forma que de
conteúdo. Ainda que atingindo um grau de tratamento que extrapola os
limites do exagero, programas como o do “Ratinho”, mostrando a crua
realidade popular, dirigindo-se ao choque, na verdade como diz Sodré
(2002), permanece “na superfície irrisória dos efeitos” – é o grotescamente risível, situado muitas vezes no riso cruel9, mas ainda assim
vinculado ao entretenimento divertido. Nesse contexto, muitas são as
discussões sobre os textos que se colocam frente à distração, como
modo de privar dos problemas sociais, o que Sodré acusa de uma marca do grotesco na mídia - a diversão e a evasão, ou o “preenchimento
dos tempos mortos” das pessoas.
No caso de Chacrinha, a evidência da forma também fica evidente,
apesar de que há uma diferenciação dos demais programas, por exercer
uma função social, que para Sodré (1973) se associa à devolução da figura do palhaço, há muito perdida pelo espectador brasileiro. Seus trajes, caracterizados por uma vestimenta que resulta em uma mistura não
propriamente harmônica, remetendo ao palhaço como solução visual no
encontro dos vários elementos em questão: minissaia feminina, botinas,
chapéu de pirata. Utilizam também recursos retóricos, como os famosos
chavões “roda-roda” ou gestos que os acompanham como desenhar círPropp ([1976] 1992), em sua teoria da comicidade, propõe diferentes tipos de riso, e o mais frequente
é o que encerra em si, declarada ou veladamente, a zombaria (com elementos de sarcasmo e prazer
maldoso) daquilo ou de quem se ri. A derrisão é uma das marcas mais recorrentes do puramente cômico,
e diz respeito ao riso de zombaria, sinônimo de ridicularização e escárnio, como ocorre no vasto campo
da sátira, e às vezes na paródia. Houve uma tentativa de classificação, conforme a natureza do riso, que
vai desde o riso bom, até o riso alegre, o riso ritual, o imoderado, o maldoso e o cínico.
9 85
Vivian C. de Miranda & Adair Peruzzolo
culos no ar. As marcas expressivas atuam como força de expansão do
contraste, do contrassenso e do exagero hiperbólico que se evidenciam,
na caracterização do personagem, colocando em relevância a importância
da comunicação visual do grotesco. É também a utilização habilidosa de
suas características físicas, empurrando com a barriga, sorrindo maliciosamente, colocando o dedo para frente e para trás, construindo o que o
autor chama de “significantes paralelos”, ao seu dizer.
Bastante comum, também como modo de enunciação do grotesco midiático, está a manifestação do kitsch10, quase sempre vinculado a uma questão de classe, como se acredita estabelecer em “A
Grande Família”. O cômico e grotesco dos personagens se manifesta
no recurso ao caricato, exagerado, representando-os de tal modo como
quase irreais. Sobretudo pelo recurso ao brega, o Plano da Expressão
evidencia a caracterização das personagens - Marilda, de vestimenta
esteticamente barroca (exagerada), cores contrastantes, acessórios tipicamente de uma moda ultrapassada. Nenê, em geral, também usa
roupas igualmente ultrapassadas para a época, com referência à moda
dos anos 50, 60. Em termos de Conteúdo, a família é o estereótipo
exagerado da realidade familiar brasileira, focalizando a banalidade do
cotidiano familiar, os bairros urbanos, de segmento popular.
É preciso reconhecer que um dos traços marcantes do grotesco
na mídia é o entretenimento, enquanto especificidade deste gênero, muito
embora na imprensa essa discussão se junte à questão da informação, de
modo que se justifique falar de uma interface informação/entretenimento. O Grotesco crítico é um traço marcante da imprensa. Segundo Sodré
(2002, p. 69), aqui “não propicia apenas uma privada percepção sensorial
do fenômeno, mas principalmente o desvelamento público e re-educativo
do que nele se tenta ocultar”. Para o autor, trata-se de um “recurso estético” para denunciar convenções, e principalmente, no caso brasileiro,
rebaixar os poderosos e pretensiosos, expostos de modo risível ou tragicômico. O autor propõe também que neste setor da mídia, o grotesco assume, enquanto recurso, as formas da paródia e da caricatura, operando
pela surpresa e exposição ridicularizante, que através da charge ocupa
O kitsch é uma terminologia bastante conhecida no campo estético, principalmente quando permeia as referências populares. Sobre a eruditação do popular, os artistas brasileiros acompanharam
o processo que se deu também em países latino-americanos ao buscarem tais referências para as
suas obras, entre as décadas de 60, 70, e 80, período que coincide com o projeto de fomentação
nacionalista brasileira (comentada por Muniz Sodré, 1973), mas isso tudo validado por uma autoestima nacionalista, por onde tomam fôlego essas referências (KNAAK, 1997).
10 86
O grotesco midiático
lugar bastante importante na história da imprensa. Em geral, associa-se à
crítica feroz, e foi importante aliado no período militar no Brasil, justamente por driblar a repressão, pois uma imagem grotesca poderia conseguir
resultados muito satisfatórios. Para o autor, exemplo disso está o trabalho
de cartunistas e chargistas, no sentido de notáveis “efeitos de grotesco”.
“Lúcida, cruel e risível – aqui estão os elementos da chave para o entendimento da crítica exercida pelo grotesco” (2002, p. 72).
O grotesco na imprensa
Percorrendo as observações sobre o grotesco na mídia, em
que, sobretudo, são caras as reflexões de Sodré (1973, 2002) que
propõe como marca do grotesco midiático sua especificidade risível,
acredita-se na necessidade de compreender as enunciações da imprensa na fronteira com outro gênero – o cômico. Ao examinar os textos de imprensa, o grotesco, nestas manifestações, tem se mostrado
princípio para a comicidade, pois a presença de um objeto ridículo se
torna força de expansão para efeitos cômicos. O componente ridículo (“grotesco”, engraçado, risível) é na verdade um componente das
cenas cômicas, e ganha corpo em tudo o que é relativo ao homem:
“É possível rir do homem em quase todas as situações” diz Propp
(1992). Acredita-se, assim, que seja possível falar em um grotesco/
cômico, ao compreender os defeitos físicos, as atitudes ridículas e as
situações embaraçosas em que os personagens se envolvem e que
são grotescos para as pessoas. O riso pode se ligar a algo risível por
ser ridículo acidentalmente, como ocorre nas situações reais, ou pode
resultar do trato com linguagem, estruturada nas formas dos textos,
com o ridículo “intencional”, como lembra Riani (2002), e é o que fundamenta a noção de comicidade.
O grotesco, no âmbito cômico, é aquele que está relacionado
a um exagero, e depende em alguns casos da existência de aspectos
escondidos, dizendo de outro modo, conotativos. De qualquer maneira,
o exagero cômico (das recorrências de comicidade) produz formulações
que em termos de efeito, não causam sofrimento - apelando para a pura
consciência, o que deveria nos chocar, torna-se objeto do riso, simplesmente ridículo, afastando-se da seriedade, e, como tudo o que é cômico,
revela a inconsistência, os defeitos.
87
Vivian C. de Miranda & Adair Peruzzolo
Alguns autores inserem a caricatura no grotesco, como o faz Muniz Sodré – possivelmente porque entendem que o caricatural, embora
não seja propriamente a afirmação máxima dos excessos corporais, ligados às partes baixas do corpo (escatologia), aproxima-se do grotesco, principalmente em termos da predileção pela feiúra, uma forma de
exagero. O grotesco/cômico está relacionado ao exagero cômico, um
recurso descrito por Propp (1992) que está presente, por exemplo, na
comicidade de caráter (ao representar as pessoas muitas vezes piores
do que são). Este exagero de aspectos fisionômicos, na verdade esconde defeitos que precisam ser desvelados, condição para produção da
comicidade, dos quais esta se ocupa.
Tomando as considerações de Sodré (1973; 2002) sobre o grotesco na imprensa, sua proposta coloca em questão o grotesco caricatural, o que empiricamente trata-se, conforme Riani (2002) do desenho de
humor ou “humor gráfico”, que se desdobra entre a caricatura, a charge,
o cartum e a tira (quadrinhos). O período de observação compreende os
meses de maio até julho de 2008, totalizando o número de 13 revistas e
67 manifestações, denominadas pela Revista da Semana de “charges”.
A escolha do dispositivo encontra respaldo numa questão que tem se insurgido sobre esta pesquisa, na medida em que a presença do humor na
imprensa possa indicar uma interface entretenimento/informação. Muito
embora o jornal também traga este tipo de textos, a periodicidade semanal desse corpus garante do mesmo modo um conjunto significativo,
além da facilidade de obter a um só tempo uma série de pelo menos 4
“charges” a cada edição da revista. A opção pela revista também pesa
no sentido de ser o veículo tradicionalmente vinculado mais ao divertimento, embora a “Semana” se coloque como constituinte do núcleo de
informação da Editora Abril.
O critério para a seleção da amostra está pautado na observação,
pois a noção de texto humorístico ou desenho de humor, ao recobrir uma
série de manifestações, na verdade esconde uma problemática - segundo
Propp (1992), a comicidade se relaciona aos temas, entre os quais muitos
não permitem tratamento cômico, o que aproxima determinados textos ao
domínio do trágico, sem conotações humorísticas. Apesar de o senso comum associá-las à comicidade como tal, muitas charges na verdade não
o são, e evidenciam uma espécie de crônica ilustrada11.
Um dos exemplares encontrados trata da violência e outros dois, na mesma linha, abordaram a
questão do assassinato de rapazes entregues a traficantes.
11 88
O grotesco midiático
Em termos analíticos do texto e dos seus sentidos, acredita-se
que seja relevante discernir os procedimentos que estão sendo propostos12, ou seja, os recursos vigentes no texto que dão boa ideia dos significados construídos, pois o componente ridículo tem como produção de
sentido conotações que vão desde o engraçado, o simpático, até o feio,
o mau, etc. Sabendo-se da existência de certos tipos de enunciados,
mais ou menos estáveis, propõe-se a subdivisão destes recursos em
modalidades expressivas e estratégicas, para melhor sistematização do
processo analítico.
A caricatura13, enquanto um texto humorístico, um enunciado,
compreende a especificidade de um (sub)gênero - o caricatural. Neste
âmbito, se desdobra a discussão sobre algumas modalidades expressivas14 (paródia, caricatura) características e seus recursos atinentes
(estratégias discursivas: hipérbole, ironia, paradoxo, alogismos, etc.).
Também, enquanto paródia, traz à tona, através das distorções físicas,
aspectos de personalidade, estando em questão não os defeitos biológicos, que não são risíveis. No Plano da Expressão, quando é “amigável”, evidencia apenas os aspectos bons (aquela em que o defeito não
chega a ser um grande defeito, condenável) – é em geral a forma mais
recorrente. A paródia inserida na caricatura tem mais o sentido de humorismo, inofensivo e atenuado, muitas vezes cordial e afetuoso, porque o
defeito não chega a pedir condenação, e sim, reforçar um sentimento de
simpatia, como diz Propp (1992). No domínio do cômico/caricatural se
encontra a hipérbole, em que o exagero torna-se global. A paródia consiste na imitação, em que são citados ou repetidos traços exteriores do
fenômeno, e o componente ridículo, como princípio para a comicidade
se manifesta de diferentes formas: na caricatura, através do exagero das
distorções e desproporções da forma, na hipérbole do exagero global, ou
seja, de excessos de todos os tipos.
O humor é um estado pertinente ao humano. O humor foi estudado por Freud como “senso de
humor” em “Os chistes” (piada, fala feita para ser engraçada), em que é portador do humor aquele
que capaz de elaborar um chiste, apreciar o que é cômico (humor na literatura). A ironia em geral
coloca o sujeito como objeto do riso, como aparece em Bergson ([1924] 2001). O sarcasmo é mais
agressivo, e a sátira mais ligada à “crítica de costumes”, como aparece no cartum atualmente. A
sátira é mais frontal, a ironia não destrói o retratado, e a paródia pode oferecer conotações diversas.
13 Nome genérico que designa todo segmento do humor. Na mídia jornalística, é a charge o termo
que tem denominado o segmento.
14 Utiliza-se o termo modalidade expressiva apenas para marcar o trato com a questão do enunciado, porque aqui tem o mesmo sentido de modalidade de enunciação, já que para alguns autores
esta última delimita o ato de produção do dizer.
12 89
Vivian C. de Miranda & Adair Peruzzolo
Figura 1: Caricatura. Fonte:
Clayton (O Povo)
Figura 2: Caricatura. Fonte:
Sinovaldo (Jornal NH)
A modalidade paródica na caricatura em geral se estabelece com
um sentido amigável. O humor nesse tipo de modalidade se constrói,
mas é de uma qualidade diferenciada do satírico, pois constrói sentidos
positivos, como o herói, o que está demonstrado na caricatura (1) e que
aqui se tem chamado de Heroização. Por outro lado, estas expressões
figurativas podem carregar valores outros que não o estético, pois o
tratamento caricatural apresenta graus variáveis, que vão desde reações
que se verificam no cômico, como na ironia e também na sátira, e por isso,
em geral, torna-se um valor de crítica, quando são os defeitos morais,
do caráter que estão escondidos na Expressão, apontando para o que
Bergson (2001) chama de comicidade de caráter. A inserção das charges
no gênero grotesco, em termos de coordenadas, traz conotações de feio,
estranho, odioso, etc. Isto se manifesta em alguns desenhos de humor, pois
os sentidos construídos no texto apontam basicamente para significações
negativas, como o que ocorre na caricatura (2), inserindo-a em uma
paródia satírica, o que se tem aqui chamado de Grotesco Depreciativo.
A significação da comicidade é bastante fecunda em modalidades expressivas que se valem do recurso a certas construções linguísticas responsáveis por efeitos cômicos incontáveis, como os citados por
Propp (1992) e Bergson (2001), enquanto comicidade de palavras. Os
trocadilhos, os jogos de palavras de semelhança formal (fônica), mas
diferentes em significado, a ironia (quando se expressa um conceito,
mas se subentende outro), os paradoxos (conceitos que se excluem reunidos, apesar da incompatibilidade), os paradoxos cuja comicidade também está em alogismos implícitos, entre outros. O exemplo (2) retrata,
de um modo bastante singular, a significação da comicidade por estes
90
O grotesco midiático
artifícios de linguagem. Este texto constrói uma série de significações
pelos paradoxos vigentes na imagem, em que a reunião dos elementos
icônicos não produz coerência no jogo da linguagem.
Figura 3: Charge. Fonte:
Ivan (Diário de Natal)
Figura 4: Charge. Fonte:
Ivan (Diário de Natal)
Observando as duas matérias significantes, a significação da comicidade parece estar centrada na função referencial da imagem, explorando seu aspecto analógico, ou seja, de representação. O efeito cômico
se estabelece em função das situações, que retomam representações
vinculadas ao absurdo, às atitudes incoerentes, enfim, ao que a teoria da
comicidade chama de “comicidade das situações”, que evidencia o uso do
alogismo em (4) (juízo inconsistente de quem age dizendo coisas absurdas, realizando ações insensatas), enquanto estratégia de construção de
sentido no texto. A cena (3) vem caracterizada pela oposição (um pintor
retrata um modelo, mas distorce sua aparência – as distorções são tão
exageradas que a modelo torna-se feia, horrível, grotesca) - “o que deveria ser no lugar do que é” explica Bergson (2001), estratégia discursiva do
humor, oposição marcada no texto pela movimentação de significações
opostas, criando as oposições entre belo e feio (possivelmente para chamar a atenção sobre o fato de “pintar algo mais bonito do que realmente
é”, trazendo significações outras, como “mentira, enganação”, em termos
conotativos). A comicidade se faz por modos de enunciação que se voltam
para a comicidade das situações e ações, constituindo por serem ridículas, “cenas” burlescas do tipo vaudeville15. Fazendo uma releitura das proVaudeville é um espetáculo de entretenimento surgido na França em meados do século XIII.
Trata-se da comédia teatral, em cujo desenvolvimento os personagens envolvem-se em situações
equívocas, sem aprofundamento, que transcorre em evolução de tensão cômica.
15 91
Vivian C. de Miranda & Adair Peruzzolo
postas de Bergson (2001), compreende estratégias discursivas tais como
a repetição periódica (de palavras, gestos, etc.), a inversão (do que é no
lugar do que deveria ser), o quiproquó (interferência das séries de duas ordens de acontecimentos), os arranjos mecânicos que reduzem o homem
à coisa, e assim por diante. Os dois textos parecem guardar aspectos escondidos, o que se evidencia numa espécie de ironia ou metáfora por trás
do jogo com os elementos icônicos e verbais, quando se diz alguma coisa
para dizer outra, obrigando a uma substituição, o que aponta para a não
correspondência com um discurso denotativo.
Outra questão está relacionada à discussão sobre as imagens
midiáticas, que não podem ser analisadas tendo em vista somente seu
aspecto referencial. Na verdade, as charges, enquanto mensagens
eminentemente visuais, também se colocam em diálogo com os demais
elementos, e no caso da imprensa, elementos noticiosos. Isto acarreta
uma discussão sobre a questão da imagem se relacionar com o contexto em que está inserida, em termos dos sentidos – apontando que o
sentido da charge deve ser compreendido no dispositivo em questão,
no caso, o jornalístico. Observando o dispositivo Revista da Semana,
tais textos de humor se encontram na última página e o percurso que
o leitor faz, ao que tudo indica, se dá no contato com a informação,
apresentada nas páginas anteriores, apontando para questões como
o sentido que se constrói entre o fora e o dentro (intertextualidade),
não estando na charge em si, muito embora nela se construa algum
significado. Este gênero textual (texto humorístico), inserido na mídia,
ao tematizar o que foi noticiado, guarda relações de intertextualidade
em sentido estrito com os conteúdos veiculados no dispositivo, naquele
período de tempo, no caso observado, no período de uma semana.
Recuperando o exemplo (4) com o personagem que queima dinheiro, quem o faz se parece com um dragão – signo que tem aparecido
com recorrência nos textos da revista para designar “inflação”. Reside aí
uma estratégia de organização da informação16, pois a informação nova
só é inserida, com base em outra dada. Fazendo uma relação com o
sentido da notícia, que focaliza a queda da bolsa americana na atualidade, que nos anos 80 um escritor chamara de “Fogueira das vaidades”, no
sentido de que o capitalismo hoje está muito pior. Investimentos mal fei“[...] a informação nova, que tem por função ‘introduzir nele (texto) novas predicações a respeito
de determinados referentes, com o objetivo de ampliar e/ou reformular os conceitos já estocados a
respeito dele’” (KOCH, 1998, p. 31).
16 92
O grotesco midiático
tos podem significar perda de bilhões de dólares. A reportagem ao lado,
na coluna “Dinheiro”, comenta a volta da inflação no Brasil, fenômeno de
repercussão local, mas de fundamentação mundial.
No exemplo (3), recorrendo a uma estratégia de referenciação, o
pintor é Lula, recuperado na intertextualidade da revista, e ao que tudo
indica, é uma crítica ao governo expressa em sua paródia e no recurso à
citação (CPMF e CSS – sinalização textual, que pressupõe estratégia de
balanceamento de implícito17), como indica a reportagem de economia
da página 34: “O fantasma da CPMF voltou. Câmara aprova volta do
tributo, agora com nome de CSS (contribuição social para a saúde)”.
Figura 5: Charge.
Fonte: Frank
(A Notícia)
Figura 6: Charge.
Fonte: Tiago Recchia
(Gazeta do Povo)
Figura 7: Charge.
Fonte: Tiago Recchia
(Gazeta do Povo)
O exemplo (5) constrói o sentido de grotesco, sobretudo, pelo recurso de referenciação visual e citação verbal (enunciações de Lula e Ronaldo tal como foram expressas). A Leitura Conotativa revela aspectos escondidos na comicidade da situação representada, que apontam, na verdade, para defeitos de inconsistência moral. Só ri quem pode rir, e neste
caso, nenhum pode julgar nenhum, aliás, determinando uma crítica feroz,
que reduz ao ridículo. Apesar de em (6) se observar a tendência da charge
em apresentar situações grotescas, os recursos utilizados servem como
pista ou sinalização para que o leitor, recorrendo à inferência, compreenda
o sentido da charge, ao recuperar fatos ocorridos recentemente no cenário
Conforme Koch (1998), às estratégias de balanceamento do implícito/explícito estão vinculados
procedimentos de sinalização textual, por meio dos quais se pressupõem do interlocutor relacionar
conhecimentos prévios e informação textualmente expressa.
17 93
Vivian C. de Miranda & Adair Peruzzolo
político, em que Lula afirmava “não saber” nada sobre o mensalão, motivo
de piada ainda hoje. Na intertextualidade de conteúdo, a charge ao mesmo tempo relata outro fato semelhante – na página 24, uma reportagem
traz o caso Ronaldo, sob a chamada “Escândalo dos travestis”.
A feiúra icônica levanta a questão do trabalho exercido sobre
tais “significantes”, em que é necessário fazer aparecer tal significação,
e aponta para o valor de crítica, e não somente estético (feio/belo).
Além do que, a mídia tem colocado em evidência discursos que representam o campo político, em geral, sob o aspecto crítico, referendando os discursos sociais sobre tal campo, que vem sofrendo abalos de
credibilidade das suas enunciações. Traz a questão do embate entre
os campos sociais, em geral focalizando o campo político, sob o olhar
midiático, e de tal modo, como os mídia já têm reconhecido seu papel
não somente de representar (no sentido de reconhecida a linguagem
técnica, na ordem da complexidade da linguagem) como também de
produzir inteligibilidades, enquadra, mostra o que ver, procura através
de estratégias dar os contornos sobre os quais os demais discursos devem se assentar, inclusive em termos éticos. Daí certos posicionamentos da mídia, que vêm pressupostos nos textos humorísticos a respeito
de certas condutas de políticos, influenciando na formação de opinião,
conforme o espaço que recebem.
Na charge (7), os sentidos conotativos são construídos por um
jogo que articula o sentido do texto verbal na correlação com o texto
visual. A comicidade se produz através do recurso aos trocadilhos, por
meio do qual um jogo de palavras monta uma significação. A Leitura
Conotativa revela, na verdade, aspectos escondidos, em que o medo da
picada é procedente, já que é feita uma comparação entre a contribuição e a injeção, e o significado da picada é justamente “a contribuição”,
obrigando a uma releitura, o que é próprio da metáfora por trás da cena.
O componente ridículo se manifesta na própria situação exagerada, se
olhada do ponto de vista denotativo, que ilustra um homem com medo
de injeção; em destaque uma vez mais a distorção na linguagem visual.
Neste exemplo, fica a difícil tarefa de distinguir entre cartum e
charge, muitas vezes numa diferença muito tênue, pois a análise mais
profunda demonstra a crítica severa ao campo político, tema recorrente da charge. A semelhança entre o cartum e a charge é bastante
grande, principalmente pelas características visuais, no entanto, no
94
O grotesco midiático
cartum fala-se em sátira da sociedade em geral. Conhecido como
“crítica de costumes” e não se voltando especificamente para nenhum
fato específico, relata cenas do cotidiano e seus personagens não
remetem a nenhuma personalidade a ser reconhecida, tratando de
questões mais gerais e é onde residem as diferenças, no sentido das
suas relações com os fatos cotidianos noticiados.
Figura 8: Cartum.
Fonte: Erasmo
(Jornal de Piracicaba)
Figura 9: Cartum.
Fonte: Iotti
(Zero Hora)
O recurso ao exagero nas situações apresentadas esconde certos costumes da atualidade, que ao que tudo indica é a contratação de
jogadores ruins pelo técnico Dunga, ou por outro lado, aspectos escondidos revelam um “costume grotesco” e atual: prender ladrão de galinha.
Em (8), a associação entre seleção e circo decorre do procedimento de
paradoxo, ao reunir no nível denotativo ideias que aparentemente se
excluem, numa construção linguística entre o verbal e o não-verbal. A
expressão “joga na seleção do Dunga” exprime uma estratégia de formulação, na medida em que sinaliza para o processamento textual, no
sentido de que aquilo que não é dito pelo verbal é dito pela imagem,
numa correlação, em termos de construção do sentido. O efeito cômico,
sobretudo pelo componente visual, alude ao jogador, e ao mesmo tempo
o ridiculariza. Uma leitura conotativa das significações em (9) poderia
iniciar na expressão visual, em que se encontra um conjunto de elementos de linguagem na representação fisionômica do retratado: formas
distorcidas, olhos esbugalhados. O recurso ao exagero leva ao ridículo a
situação, ao focalizar o motivo da prisão.
95
Vivian C. de Miranda & Adair Peruzzolo
Figura 10: Tira. Fonte: Lute (Hoje em Dia)
Contudo, nem sempre a construção do sentido de ridículo, grotesco, é motivação para a comicidade. Nos quadrinhos (também conhecido
como tira), presentes mais comumente nos jornais que nas revistas e em
narrativa de quadros, hierarquizadas na vertical geralmente, depende
de uma leitura quadro a quadro para que o sentido se construa, por isso
sua similaridade com o cinema, por seu espaço/tempo, enquadramento
visual, presença ou não da linearidade. Os quadrinhos também têm uma
formulação muito próxima do cartum, pois não referenciam propriamente
um personagem real ou relatam uma situação específica. Sua característica principal é a sequência das cenas, muito embora essa suposta sequencialidade, em termos de leitura, possa ser entrecruzada por
“voltas ao passado”, “saltos”, conforme explica Riani (2002). Observa-se
neste exemplo que nem sempre o texto se coloca como humorístico, no
entanto, em geral, o último quadro apresenta uma novidade - a novidade
está por trás da cena, encontrando ressonância no que propõe Bergson (2001) sobre o evento surpresa que traz o riso: “O riso é então
explicado pela surpresa, pelo contraste, pelo trabalho com a forma,
96
O grotesco midiático
definições que se aplicariam também a uma infinidade de casos, diante
dos quais não temos nenhuma vontade de rir”.
Considerações finais
A amostra selecionada, sob o número de dez charges, ofereceu
a possibilidade de analisar um bom número de textos humorísticos de
imprensa, sob dois aspectos da significação da comicidade: alguns estão assentados sob o aspecto do humor que a linguagem é capaz de
exprimir, denotar ou conotar, e por outro lado, o humor que a linguagem
cria. No primeiro caso, se faz presente a significação da comicidade via
referencialidade (denotação), em que são apresentados signos do que
é grotesco, engraçado, sobretudo através de cenas cômicas (9), bem
como a significação da comicidade via processos conotativos, revelando
aspectos escondidos, sem os quais o humor não se produz, como por
exemplo os defeitos de caráter do personagem. Por outro lado, a linguagem também é capaz de produzir efeitos cômicos através do recurso
ao grotesco por estratégias de linguagem, de significação, constituintes
do texto, e no caso dos objetos comunicacionais, inclusive através de
processos de significação intertextual. Cabe ressaltar a infinidade de recursos utilizados, estratégias tais como o paradoxo (3) com a oposição,
(6) a inversão, a hipérbole (2), o alogismo em (4), os trocadilhos (7), vigentes em modalidades expressivas concernentes à constituição de um
texto humorístico, como a paródia, a caricatura, a crítica de costumes
(vaudeville), que na imprensa se manifestam através das charges, caricaturas, cartuns e tiras.
Também, na imprensa, os recursos constituintes dos sentidos
no texto apresentam uma espécie de atualização, pois, ao produzirem
significações apoiadas na intertextualidade com a notícia, apontam
para a necessidade de estratégias de referenciação (5), de formulação
(8), de balanceamento de implícito (3), de organização da informação
(4). Existe também imbricação das charges com a conjuntura jornalística, sendo as charges representativas de um humor jornalístico, que
explora suas constantes temáticas18.
Embora em alguns casos aborde temas mais gerais, as charges, em termos de ocorrência, geralmente tonificam aspectos da conjuntura jornalística, o que remete aqui às constantes temáticas
da Revista da Semana: Notícias (notícias, opinião, etc.), Lazer e Cultura (cinema, televisão, livros),
Sociedade (esportes, gente, comportamento, etc.), Economia (economia, dinheiro, política), Seções
(Reportagem da semana, Palavra da semana, Charges).
18 97
Vivian C. de Miranda & Adair Peruzzolo
As manifestações analisadas apontam para algumas recorrências, principalmente para o uso da linguagem visual e do conteúdo da
imagem para construir ou movimentar sentidos. Nas charges, as estratégias de imagem dizem respeito à riqueza do componente visual da
Expressão, que evidencia estratégias textuais, discursivas responsáveis
em grande parte pelo efeito cômico (comicidade visual). É nesse contexto que se articula a existência destas estratégias, pois são recursos
que, segundo as análises, jogam com sua manifestação em imagens,
sobretudo pelo seu aspecto referencial. Naquilo que a imagem é capaz
de conotar, as estratégias dos signos visuais também estão vinculadas a
estratégias retóricas, que parecem penetrar também nas imagens, como
a hipérbole em (2). Quanto às estratégias semiológicas dos signos plásticos, muitos sentidos podem ser atribuídos a este nível de significação.
Em geral, isto ocorre pelo recurso ao disforme, expresso pela deformidade e pelo desproporcional, ao nível da sintaxe que se dá com elementos
de linguagem visual tais como a linha e a forma (formato). Mostra que,
supostamente, segundo Joly (1996), podem ser mais os significados dos
signos plásticos que os icônicos que fundam os conceitos da análise19.
Segundo Dondis (1999), o trabalho de análise do significado
de uma imagem se dá por sintaxe, ao nível dos elementos plásticos
que são o ponto, a linha, a forma, a direção, o tom, a cor, a textura,
a dimensão, a escala e o movimento, encontrados na composição visual. O grotesco das formas ou disforme, característico do desenho
de humor, ao se manifestar em nível icônico, através do exagero que
tem origem no nível plástico no sistema de representação do desenho,
torna-se força de expansão de uma série de sentidos, somente para
recuperar alguns aqui exemplificados, o feio, o ridículo, o bobalhão,
mentiroso, que evidenciam o traço marcante do grotesco midiático, que
é seu avizinhamento com o cômico.
As categorias de análise por enunciação – caricatura, charge,
cartum e tira demonstram diferentes modos de discursivização do humor
na mídia impressa, como também remontam à modalidades do âmbito
cômico, porque empiricamente apontam para a imitação, a crítica paródica ou a comicidade de caráter, e a comicidade das situações. Nos
Aqui utiliza-se o termo “supostamente” porque alguns autores acreditam que a plasticidade da
imagem não engendra sentido fora do conjunto da imagem, como o faz Aumont (1993). Para Joly
(1996) a análise plástica permite fazer considerações sobre significados que não são expressos
nem pelo icônico (figurativo), nem pelo verbal.
19 98
O grotesco midiático
quadrinhos (10), o componente ridículo nem sempre se faz presente,
de tal modo que o texto constrói o humor ancorado em outras causas,
como a utilização de uma técnica para trazer um efeito de surpresa,
enquanto estratégia.
Em algumas modalidades como a charge e a caricatura, existe
uma vinculação mais notória com a realidade, uma vez que o sentido
também se dá pela reativação de referentes da realidade noticiosa. Acredita-se, contudo, que o ramo das charges de imprensa, de modo geral,
evidencia uma interface entre informação e entretenimento. A análise do
grotesco, junto aos dispositivos ao qual se liga, chama a atenção para a
análise das imagens midiáticas, que dialogam com os demais elementos
onde se inserem - não são somente imagens para entreter, são também
imagens ruidosas que não estão desligadas da matriz jornalística.
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100
Parte II
Mídia e Identidades
Contemporâneas
MÍDIA E RECONHECIMENTO IDENTITÁRIO:
O TERRITÓRIO EM SITE DE RELACIONAMENTO1
Mônica PIENIZ2
Ada C. M. da SILVEIRA3
Resumo
Este texto aborda a relação das tecnologias favorecedoras da globalização e sua incidência sobre a cultura local. A dualidade da categoria
espaço, aplicável à dimensão virtual e à cultura local, se faz fundamental. A indagação referente a sua importância remete especialmente à
noção de território geográfico no que tange a sua articulação entre a
condição de espaço físico e espaço virtualizado. Exemplifica-se com
um estudo empírico das representações identitárias propostas por donos de comunidades no site de relacionamento Orkut, analisando-se o
pertencimento territorial como fonte histórica de condicionamento de
uma identidade cultural em particular.
Palavras-Chave
Identidade; Território; Cultura local; Mídia; Globalização.
Media and identity recognition:
territory in the social networking site
Abstract
This article discusses the relationship favoring the technologies of globalization and its impact on the local culture. The duality of the category
space, applicable to the virtual dimension and the local culture, it is funTrabalho resultante da dissertação “A apropriação do global para fins locais: as representações
de identidade gaúcha em comunidades virtuais do Orkut”, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria. Área de Concentração: Comunicação Midiática. Linha de Pesquisa: Mídia e identidades contemporâneas.
2 Relações Públicas. Mestre em Comunicação Midiática pela Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM), Doutoranda em Comunicação e Informação e Professora substituta na Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (FABICO) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
E-mail: [email protected].
3 Orientadora. Pós-Doutora pela La Nouvelle (Sorbonne III), Doutora em Jornalismo pela Universidad Autónoma de Barcelona (UAB) e Docente dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Midiática e Extensão Rural da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail: ada.
[email protected]
1 Mídia e reconhecimento identitário
damental. The inquiry concerning its importance especially refers to the
notion of geographical territory with respect to its relationship between
the condition of space and space virtual. For example, with an empirical
study of representations of identity offered by community owners in the
social networking site Orkut, analyzing the territorial belonging as a historical source of conditioning of a cultural identity in particular.
Keywords
Identity; Territory; Local culture; Media; Globalization.
A indagação referente à importância da espacialidade no desenvolvimento das mídias nem sempre remete à noção de território geográfico. Nos últimos anos, a articulação entre espaço físico e espaço virtual
vem merecendo atenção. Ela está pressuposta quando se coloca em
questão a relação da cultura local com o ciberespaço nos processos de
transmissão e transformação cultural.
Se cada nova forma de comunicação interfere no ambiente em que
é utilizada e cada nova tecnologia aparece como consequência de um ambiente anterior que lhe deu suporte, há importantes desdobramentos no
que tange à relação espacialidade e mídia. Acredita-se que o livro, os periódicos, o rádio, a fonografia, a televisão e o cinema, para citar as mídias
socialmente consagradas, causaram transformações sociais. Foram, por
certo tempo, de uso elitizado, conforme se pensa com relação à internet, e
por isso houve infoexcluídos em toda a história humana. No entanto, nas
últimas décadas criou-se certo desprezo por questões afetas à articulação
entre o espaço local e os sistemas midiáticos. As atenções dirigiram-se
aos potentes sistemas multimídia e sua extensão planetária. As questões
locais conheceram um apelo de sabor alternativo.
Este texto aborda a relação das tecnologias favorecedoras da
globalização e sua incidência sobre a cultura local. Exemplifica-se com
um estudo empírico das representações identitárias propostas por donos
de comunidades no site de relacionamento Orkut4, analisando-se o pertencimento territorial como fonte histórica de condicionamento de uma
identidade cultural em particular.
O texto divide-se em quatro partes, responsáveis pela breve exposição de aspectos referentes à comunicação, tecnologia e identidade;
à compreensão do Orkut e da cibercultura; às comunidades virtuais e
4 Ver <http://www.orkut.com.br>.
103
Mônica Pieniz & Ada C. M. da Silveira
representações de uma cultura local; e, por fim, à reflexão sobre a possibilidade de representação do território no ciberespaço.
Comunicação, tecnologia e identidade
Sherry Turkle preocupa-se com os usos da internet, com a sua
influencia nos sistemas psíquicos dos sujeitos e com a forma que ela é
apropriada em suas relações. Ao falar da máquina podemos entender
todas as suas possibilidades de interação disponíveis hoje:
Nuestras mentes, por supuesto, son muy diferentes
unas de outra, de manera que no es sorprendente que
gente diferente se apropie del ordenador de formas
diferentes. La gente elige cómo personalizar y utilizar
los ordenadores e interpretar su significado. Em este
aspecto, el ordenador se parece al test psicológico
Rorschach, cuyas manchas de tinta sugieren muchas
formas pero no se comprometen com ninguna. Depende de los indivíduos descubrir qué lês provoca ver
el legado de la personalidad, la historya y la cultura.
De la misma manera que personas diferentes lo adoptan de formas diferentes. Es más, desde el principio
de su desarrollo em masa, la tecnologia informática
animó a 20 diversas culturas em las que tenían expresión um amplio abanico de valores sociales, artísticos
y políticos (TURKLE, 1997, p.42).
Na cibercultura, a vida social midiatizada pela tecnologia hodierna da internet torna-se constitutiva do homem e, mesmo em sua
fase embrionária, - e excluída de muitos cidadãos - ela é uma realidade
social planetária. Ao ser um dos fatores fundamentais nos modos de
relacionamentos contemporâneos, a cibercultura passa a agir na reafirmação das identidades.
As identidades, por sua vez, apresentam-se transformadas pela
singularização de suas representações, facilitadas pela viabilidade técnica de sua difusão imediata para quem tenha suporte técnico e habilidade intelectual para conectar-se. Os interessados no novo fenômeno
– seus usuários, espectadores, atores ou consumidores – podem ser
particularizados ou tomados como coletivos; eles atuam por interesses
pessoais, grupais ou corporativos, próprios ou delegados por terceiros e
104
Mídia e reconhecimento identitário
constituem a nova esfera ciberespacial, sucedânea do declínio da esfera
pública burguesa. Sua unidade de condição é o desejo de compartilhar
formas novas de intervenção na realidade, acesso à informação, entretenimento, ferramentas de trabalho, e outras (SILVEIRA, 2002, p. 108).
A estreita relação entre sociedade e contemporaneidade tem na
cibercultura um produto da digitalização das mídias, do advento de um
fluxo bidirecional e multimodal de mensagens, onde o receptor tornase também emissor. Assim, a internet tem que ser tomada como muito
mais do que uma tecnologia; trata-se de um conjunto de mídias operando na forma organizativa da sociedade.
As comunidades virtuais do Orkut que tratam da cultura local
gaúcha, por exemplo, são decorrentes do espaço concreto e, a partir
disso, são também atuantes e influentes neste espaço. Saber conduzir
estas novas configurações identitárias influenciará na mediação que as
novas tecnologias proporcionam nas sociedades em que se inserem.
Os pertencentes a estas comunidades são unidos por laços que podem
ter correspondências no concreto e, de suas relações virtualizadas podem surgir benefícios nos vínculos e na interação de grupos sociais situados no território geográfico correspondente à cultura representada.
Culturas consistem em processos de comunicação.
E todas as formas de comunicação, como Roland
Barthes e Jean Baudrillard nos ensinaram há muitos anos, são baseadas na produção e consumo de
sinais. Portanto não há separação entre realidade e
representação simbólica [...] o que é historicamente
específico ao novo sistema de comunicação organizado pela integração eletrônica de todos os modos
de comunicação, do tipográfico ao sensorial, não é
a indução à realidade virtual, mas a construção da
realidade virtual [...]. Todas as realidades são comunicadas por intermédios de símbolos (CASTELLS,
2005, p.459).
Pensa-se que a aproximação das pessoas no ambiente virtual
se dá por meio da existência de traços identitários partilhados e pelo
interesse em determinados assuntos, tanto que o participante escolhe
qual grupo quer se inserir, podendo ainda fazer parte de quantas comunidades desejar, pelo tempo que quiser.
105
Mônica Pieniz & Ada C. M. da Silveira
Ao questionar a aplicação do conceito de comunidade tradicional
para chegar às comunidades virtuais, justifica-se a analogia na medida em
que no virtual os agrupamentos buscam a união por meio de um assunto
comum e de um espaço compartilhado, mesmo que não seja a territorialidade geográfica. Manuel Castells (2005) esclarece a questão das comunidades virtuais tomando por base os estudos de Barry Wellman, reconhecido pesquisador empírico em sociologia, o qual analisa o surgimento das
comunidades virtuais na Internet. Wellman salienta que as comunidades
virtuais não precisam opor-se às comunidades físicas, pois são formas
diferentes de comunidades, com leis e dinâmicas próprias.
Entretanto, diz-se que no ciberespaço o conceito de comunidade
adquire uma nova configuração. Rheingold (1993) definiu as comunidades virtuais como agregações sociais que emergem na internet quando
um número de pessoas conduz discussões públicas, em um determinado
tempo, com uma intensidade emocional que forma uma teia de relações
neste ambiente. A emergência deste tipo de agregação seria decorrente
da diminuição dos encontros pessoais em grandes cidades. E que as pessoas se utilizariam de palavras na tela do monitor para trocar experiências,
levando ou não ao vício, podendo ou não ter contatos offline.
Dessa forma haveria um novo formato de comunidade, de
acordo com as possibilidades ofertadas pela mídia, encaminhando
para o argumento de Bauman (2003) de que a contemporaneidade
sustenta apenas laços efêmeros e superficiais entre os sujeitos. A
modernidade estaria fundamentada na liquidez, no utilitarismo, na lógica do consumo e da liberdade e por isso a segurança ofertada pela
noção tradicional de comunidade estaria em risco. Este posicionamento é questionado por muitos autores que contestam a pretensa
ausência de solidariedade entre as pessoas e a ideia de que os relacionamentos não são profícuos.5
Em 1887, o sociólogo alemão Ferdinand Tönnies cunhou duas classificações quanto às junções
humanas e as apresentou na obra Comunidade e Sociedade. A primeira seria a de comunidade –
gemeinschaft – e a segunda seria referente a associações ou à sociedade – gesellschaft. Seu conceito de comunidade descreve uma sociedade tradicional baseada em relacionamentos interpessoais, com laços de sangue, amizade, sentimentos partilhados e crenças comuns. Já as associações
seriam construções artificiais que teriam uma base de relação utilitarista e impessoal, onde os indivíduos estão isolados e pensando primeiramente em si (TÖTO, 1995). A diferença fundamental entre
estes conceitos é calcada na natureza das relações humanas que se estabelecem. O que sustenta
a Gemeinschaft é a tradição e o afeto, como ocorre numa família. Enquanto que a Gesellschaft é
sustentada na busca de objetivos e são as relações funcionais que mantém o grupo. A comunidade
seria uma forma de vida mais primitiva e as associações seriam típicas de um ambiente urbanizado
como após a industrialização.
5 106
Mídia e reconhecimento identitário
Tanto as comunidades tradicionais quanto as virtuais conhecem
diferenças em seu sentido e conceito. A liquidez dos acontecimentos e a
efemeridade dos laços diante da gama de possibilidades de escolhas propiciados pela sociedade de consumo e pelas potencialidades da comunicação virtual encaminham para o que Bauman expôs com o termo “comunidades cabide”. Elas seriam baseadas em identidades móveis, amparadas em objetos identificadores de um modo de vida com prazo de validade
que acompanha o ritmo frenético das mudanças no mundo globalizado:
Identidade significa aparecer: ser diferente e, por essa
diferença, singular – e assim a procura da identidade
não pode deixar de dividir e separar. E, no entanto a
vulnerabilidade das identidades individuais e a precariedade da solitária construção da identidade levam os
construtores da identidade a procurar cabides em que
possam, em conjunto, pendurar seus medos e ansiedades individualmente experimentados e depois disso,
realizar ritos de exorcismo em companhia de outros indivíduos também assustados e ansiosos. É discutível se
essas ‘comunidades-cabide’ oferecem o que se espera
que ofereçam – um seguro coletivo contra incertezas
individualmente enfrentadas; mas sem dúvida marchar
ombro a ombro [...] pode fornecer um momento de alívio
da solidão (BAUMAN, 2003, p.21).
As identidades tendem a ser fluídas (BAUMAN, 2003), porém fixar raízes não pode ser um costume totalmente superado já que dependemos do território para a concretude da vida humana. Os processos
de desterritorialização são fenômenos contemporâneos necessários que
decorrem, em grande parte, da ascensão do ciberespaço. A humanidade
está tateando nesta nova forma de se comunicar e daí a importância da
cautela e da reflexão diante de fenômenos complexos que devem ser
gerenciados pelos aldeões globais.
O Orkut e a cibercultura
Dominique Wolton (2006) acredita que quanto mais há comunicação no mundo contemporâneo mais as identidades fortalecem-se para
defender seus territórios e seus valores. Com o advento da globalização, da internet e da comunicação em rede, a velocidade dos fluxos
107
Mônica Pieniz & Ada C. M. da Silveira
aumentou e a internet torna-se âmbito para a manifestação de diversas
identidades que alcançam a todos os conectados na rede. Conforme o
mesmo autor tem-se hoje uma dominação do tempo, porém as tecnologias cibernéticas não conseguem dominar o espaço geográfico. Dessa
forma as culturas locais, originariamente construídas acerca de um território físico, manifestam-se na internet e demarcam suas especificidades.
O primeiro aspecto expressivo do corpus analisado é que dentre
milhões de comunidades virtuais há aquelas que têm assuntos semelhantes ligados ao território físico de determinado agrupamento humano.
Utilizando-se das vantagens da comunicação planetarizada é possível
manter a propagação de um discurso regionalista – emitido por pessoas
comuns – que, no caso dos gaúchos, é centrado em um território. Assim, esse público, aderido às comunidades do Orkut, busca utilizar-se de
seus recursos para demarcar suas representações sociais, seu modo de
vida, suas convicções mais profundas.
A escolha do Orkut como delimitação no âmbito da internet observou argumentos como os dados divulgados pela revista Ciência Hoje.
Tais dados são percentuais e mostram que, em 2006, 75,71% dos usuários do Orkut foram brasileiros, seguidos pelos Estados Unidos que
têm 5,74% de participantes.6 A diferença é considerável. Quanto à faixa
etária, a maioria dos membros do Orkut situava-se entre 18 e 25 anos
com 53,90%, seguidos pelos de 26 a 30 anos com 15%. Mas a principal
referência que se tem no tema é que a presença da língua portuguesa
no ciberespaço atingiu níveis muito superiores aos de anos anteriores
à expansão das comunidades entre os brasileiros.7 Hoje, o percentual
presente nos dados demográficos expostos pelo próprio Orkut mostra
que 51,9% dos usuários do Orkut são brasileiros. 8
Focando nas comunidades virtuais do Orkut, percebe-se que os
indivíduos se apropriam de representações do espaço através da tecnologia, trazendo uma versão própria de sua identidade pessoal. Verificase, assim, que as comunidades que tratam da cultura local o fazem num
meio que é ícone da globalização. Dessa forma as articulações entre o
Criado pelo engenheiro turco Orkut Buyukkokten, funcionário da empresa norteamericana Google, o site de relacionamentos Orkut completou cinco anos de existência em 24 de janeiro de 2009.
Qualquer usuário deste específico ciberespaço pode interagir sem custos com os demais por meio
de convite para “ser amigo” ou também como criador ou membro de comunidades virtuais que tratam dos mais diversos assuntos.
7 Publicação de divulgação científica da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), de
maio de 2006, na matéria “A invasão brasileira do Orkut”, de autoria de José Eisenberg e Diogo Lyra.
8 Disponível em http://www.orkut.com.br/Main#MembersAll. Acesso em 10/01/2010.
6 108
Mídia e reconhecimento identitário
global e o local na internet se mostram como reafirmadores de culturas
locais que, muitas vezes, já apresentaram suas resistências à homogeneização, porém nem sempre se propondo, necessariamente, enquanto
uma cultura de resistência.
Comunidades e representações de uma cultura local
A resistência cultural diante da tendência à homogeneização dos
hábitos no mundo todo mostra que os indivíduos necessitam da segurança do local, mantida por laços e vínculos fortes - mesmo que em
comunidades virtuais que unem pessoas ligadas a uma cultura que tem
origem e é delimitada por um espaço concreto e demarcado. Como é
que um sujeito se apropria do ciberespaço para postar um discurso acerca de um território geográfico?
Tomando-se como referência principal as representações identitárias que os sul-brasileiros adscritos culturalmente à identidade do gauchismo, pode-se analisar como ela se torna extramuros, reterritorializada virtualmente e carregada de significação. Seria ela reafirmada pelas
mensagens trocadas entre os seus membros na esfera da comunicação
virtual? Que importância tem o território geográfico neste aspecto? Teria
a cultura do gauchismo o poder de afirmar-se no ciberespaço?
As representações de identidade do gaúcho propostas no discurso de sujeitos filiados ao Orkut são engendradas por este complexo
processo de enunciação nas mídias, onde estes, mesmo não sendo
detentores de um grande veículo de comunicação, têm acesso a um
espaço de visibilidade. 9
A seleção do corpus de pesquisa foi efetuada por meio da busca
a dez palavras-chave, escolhidas intencionalmente, referentes à cultura do Rio Grande do Sul: “gaúcho”, “gaúchos”, “gaúcha”, “gaúchas”,
“MTG” (Movimento Tradicionalista Gaúcho), “CTG” (Centro de Tradições Gaúchas), “Rio Grande do Sul”, “Porto Alegre”, “Revolução Farroupilha” e “Galpão Crioulo”.
Na etapa quantitativa a busca por palavras-chave exibiu mais
de 7 mil comunidades referentes à cultura gaúcha. Destas, as 120
mais populosas – 12 de cada uma das buscas por palavras-chave
– foram levadas em consideração no filtro para o corpus qualitativo.
Conforme o estudo de Pieniz (2009) o território como foco é a base da ancoragem de todas as categorias e representações, sendo que as instituições como MTG e CTGs nelas se ancoram especialmente.
9 109
Mônica Pieniz & Ada C. M. da Silveira
Como um dado de curiosidade na pesquisa, somando o número de
membros de apenas 24 destas comunidades, chega-se a um universo
de mais de 1,6 milhões de membros.
A partir disso, delimitou-se um corpus qualitativo, o qual foi composto por dez comunidades10, citadas a seguir, o qual reúne mais de 270
mil pessoas. Elas são elencadas a seguir já com a classificação feita
na pesquisa. Tivemos a maioria das comunidades voltadas para o tradicionalismo, algumas inovadoras em relação a estas e outras ainda que
pregam o separatismo e por isso são denominadas radicais.
Aquelas comunidades que têm um discurso tradicionalista embasado nas instituições legitimadoras e disseminadores do gauchismo constituem a maioria no corpus. São elas: “Eu me orgulho em
ser gaúcho” (com 86.220 membros), “Gaúchos de verdade” (3.944),
“A Verdadeira Tradição Gaúcha” (6.347), “MTG” (5.525), “Viciados
em CTG” (1.276) e “Comunidade Galpão Crioulo” (2.187). As que,
ao contrário das anteriores, são minoria no corpus e não abordam a
cultura gaúcha de forma tradicionalista, mas livre de normas estabelecidas pelo MTG e propagadas pelos CTGs, abrigam a maioria dos
membros deste corpus de dez comunidades. Estas são denominadas:
“Gaúchas Incomodam & Comandam” (20.896), “Eu amo o Rio Grande
do Sul” (14.916), e “Porto Alegre” (137.778). Têm-se ainda duas comunidades que pregam o separatismo: “Neo-Revolução Farroupilha”
(28) e “Gaúchos de verdade” (3.944), sendo que esta última também
foi considerada tradicionalista.
Nestas três categorias em que as dez comunidades do corpus
qualitativo foram classificadas, percebe-se que 62% dos membros concentram-se em comunidades inovadoras, as quais constituem 30% do
corpus. Os sujeitos optam por uma representação periférica que dá espaço à inovação, sem preferir posturas radicais separatistas ou rígidas
ligadas ao MTG. A classificação foi efetuada levando em conta o texto descritivo destas dez comunidades principais e as suas relações com outras
comunidades estabelecidas pelos seus donos. Cada dono de comunidade
pode relacionar outras comunidades que têm relação com a sua e, no seu
perfil pessoal, se filiar àquelas com temáticas de seu interesse.
O território geográfico que delimita o Estado gaúcho é o espaço
que predomina no discurso verbal das comunidades. Este espaço está
10 Estas comunidades foram coletadas em 18 de julho de 2008 no site Orkut.
110
Mídia e reconhecimento identitário
representado por meio de várias expressões, dentre elas: “lugar”, “campo”, “Pátria”, “rio”, “Rio Grande Selvagem” “estado”, “querido rio grande”,
“melhor lugar do mundo”, “teu lugar”, “nossa Terra Gaúcha”, “no sul”,
“CTG”, Endereço geográfico do MTG, link que remete ao site do MTG,
“Sul”, “Brasil”, “imenso Rio Grande”, “terra abençoada”, “nosso pago”,
“meu Rio Grande do Sul”, “trincheira aberta”, “vitrine autêntica e democrática” e o link que remete ao site do programa televisivo11.
A diferença do local frente ao global é a busca de muitos sujeitos, mas não está necessariamente calcada num discurso já legitimado
por instituições. Neste âmbito, a veneração da cultura gaúcha é intensa, visto a quantidade de adeptos, mas parte de outros princípios que
não os do MTG e CTGs.12
As comunidades relativas ao CTG, ao MTG e ao Galpão Crioulo
são focadas no Estado como um todo e na preservação cultural, porém o
fazem enaltecendo a si mesmo enquanto entidades ligadas ao local. São
autopromocionais. Já as comunidades “Porto Alegre” e “Neo-revolução
Farroupilha” não têm o Estado como centro, já que uma abrange somente a capital e a outra cita os Estados vizinhos. Ambas têm sua relevância
já que uma foca no potencial e nas qualidades da capital e, a outra, é a
única que retoma a epopeia farroupilha.
A forma de expressão do espaço no discurso produz o sentido de
território como ancoragem, como definidor de tudo que diz respeito aos
gaúchos. É a partir do território que os nascidos no Estado incorporariam
diversas qualidades e a ele pertencer é motivo de orgulho. A relevância
conferida ao âmbito geográfico tem o sentido isotópicos tanto no texto
verbal como no icônico, cujas afirmações se fazem predominante, já que
é no ambiente físico que se definem os limites territoriais do Estado e é
a principal demarcação que dá razão às demais.
Expressões como “pago”, “selvagem”, “terra abençoada”, “campo” retomam sentido de vivência
rural no texto verbal. No icônico também ocorre, no entanto, de maneira um pouco mais enfática e
explícita. O cavalo aparece em quatro situações. Uma no símbolo do MTG, a outra em meio a um
campo, outra em meio às cores da bandeira e ainda num cenário de batalha. A paisagem rural e
ligada à natureza aparece, além do caso do campo com o cavalo, na foto de cachoeira, e com um
homem pilchado de costas para o cenário.
12 Não se pode deixar de registrar que, do ponto de vista midiático, foi por conta destas instituições
que as músicas, o churrasco, o chimarrão e inclusive a veneração do território foram amplamente difundidos e tomados como costume e por isso o institucional ancora as origens mais profundas desta
representação periférica destituída de normas que busca seu espaço no virtual por meio da veneração do território e dos costumes. A narrativa da cultura regional foi tomada pelo MTG e unificada,
formalizada e expandida para além do território. As instituições formaram as bases de propagação
da cultura e propiciaram a primeira fase da desterritorialização da cultura do gauchismo.
11 111
Mônica Pieniz & Ada C. M. da Silveira
Como típico dessa nova dimensão virtual apresenta-se a situação de uma comunidade remeter a outras. O dono da comunidade
“Eu me orgulho em ser gaúcho” é membro da comunidade “MTG” do
corpus; O líder de “Gaúchos de verdade” é filiado na “A verdadeira
tradição gaúcha”. Já o autor de “Neo-revolução Farroupilha” faz parte
de duas comunidades do corpus: “Gaúchos de Verdade” e “Eu me
orgulho em ser gaúcho”. Estes dados mostram que os donos estão
reafirmando seus interesses, por coincidência, entre si. São simpatizantes com as temáticas semelhantes as que eles mesmos defendem
e, nestes casos não se contradizem. Cada um desses donos é membro de comunidade que é coerente com a categoria da comunidade
em que exerce a liderança.
Isso também exemplifica que no ciberespaço há a intercalação
de papéis e a inter-relação entre emissão e recepção, ao mesmo tempo
em que a circulação de informações é constante e depende somente
da vontade de seus protagonistas de se apropriarem da tecnologia.
As comunidades funcionam como hiperlinks, onde uma dá acesso a
muitas outras, ancorando temáticas e fazendo referência a assuntos
do interesse dos enunciadores. Esta é a capacidade de midiatizar os
assuntos de sua localidade e, junto disso, representar uma identidade.
A relação da cultura local com o Brasil, o mundo e os demais
estados e cidades está direta ou indiretamente em várias situações. De
maneira explícita, o Brasil é citado duas vezes, uma na comunidade
“Neo-revolução Farroupilha” e outra na “Porto Alegre”. Conotativamente esta relação aparece quando se mostra que o Rio Grande do Sul é
o melhor lugar e que as gaúchas são as mulheres mais bonitas. Neste
caso, a comparação é em relação ao país. O local está situado com o
que está em seu redor.
A relação dos gaúchos com o resto do mundo está implicitamente representada em diversas citações como nas comunidades “Eu me
orgulho em ser gaúcho”, com a expressão “quem não é gaúcho”; na
“Gaúchos de verdade”, com “gente de outros estados”; na “Gaúchas incomodam e comandam”, todo o texto verbal traz a conotação de superioridade em relação a outras mulheres de outros lugares. A xenofobia
pressuposta no orgulho exacerbado é verificada de modo agressivo em
duas comunidades, naquela que aborda a beleza feminina e na que quer
o separatismo do Estado. Na outra comunidade que propõe o separatis112
Mídia e reconhecimento identitário
mo não só do Rio Grande, apesar do discurso radical, não há indícios de
desrespeito explícito ao diferente. Portanto, oito comunidades veneram
o gauchismo, mas de forma educada.
Enquanto a temporalidade no icônico é presentificada, o espaço
já é passível de exemplificação conforme elementos imagéticos do corpus. O rural é evidenciado junto de uma valorização territorial. O verde
das imagens conota natureza, vida, esperança, paisagem idílica num
estado que tem sua população na maioria urbana, mas que preserva em
seu imaginário estes aspectos rurais.
As imagens no perfil das comunidades são coloridas, produzindo um sentido de vivacidade e dificilmente alguma denota antiguidade na forma sépia ou preta e branca. O sentido do icônico é
isotópico ao sentido do texto verbal que é predominantemente escrito
no presente, por uma geração de enunciadores que não só venera o
passado, mas pensa no futuro de sua cultura pela união de esforços
no presente. O que permite ver uma cultura dinâmica que é adequada
às mídias, ao novo meio virtual de comunicação, no convívio com a
diferença e afirmação de localidades pela apropriação. E a tendência
que se mostra é o orgulho de pertencimento ligado ao território de
forma mais livre e dinâmica, por meio de associações coletivas não
bitoladas por normas.
O território representado no ciberespaço
Na pesquisa de Pieniz (2009), portanto, o corpus analisado
pode ser interpretado contendo a representação nuclear baseada em
valores tradicionalistas, ancorados em instituições legitimadores e formalizadoras da cultura gaúcha e no culto ao território. E, mostrando
também, representações periféricas que conferem às temáticas não
explicitamente calcadas no tradicionalismo o status de maior popularidade e conquista de membros, ancoradas nos cultos ao território e hábitos do gaúcho. O sistema de ancoragem mais profundo destas representações periféricas, no entanto, é baseado em valores formalizados
pelo MTG e pelo CTG ao longo dos anos, porém cristaliza-se de outra
forma no discurso dessas comunidades. Ambas as esferas representacionais, centrais e periféricas, permitem uma ancoragem mais profunda amparada pelo culto ao território e aos valores rurais, repercutindo
113
Mônica Pieniz & Ada C. M. da Silveira
sua principal fonte de dotação de sentido, o espírito da cavalaria remanescente da colonização pelos povos europeus (cf. SILVEIRA, 2003).
Pelas características de tempo e espaço do meio, novas possibilidades se abrem aos enunciadores, ou talvez as mesmas que definiram
a sua posição, a sua adscrição ao site. A dualidade da categoria espaço
– virtualizado e da cultura local concreta – se faz fundamental para a indagação referente à importância do espaço e especialmente do território
geográfico no que tange a sua articulação.
É notório que as relações sociais já existentes e fixadas num território estão sendo reterritorializadas nas comunidades virtuais do Orkut.
Conforme Stuart Hall (2000), isso seria a resistência frente à tendência
homogeneizante proposta pela globalização, onde a comunicação entre os membros seria simplesmente mediada por computador sem este
discurso ser alterado devido às características do meio que está sendo
apropriado para facilitar a comunicação.
É certo que o pertencimento ou não a uma comunidade virtual
implica apenas o desejo de clicar e se tornar membro, ou, da mesma
forma, clicar e deixar de participar. Porém, a evidência de culturas locais
representadas no ciberespaço demonstra que traços identitários ligados
a um território persistem, e é preciso dar atenção a este fato que parece
de relevância ao falarmos de política de identidade no mundo contemporâneo que é permeado por novas tecnologias que constituem redes de
relacionamento que antes se pensavam globalizantes.
Nestas comunidades virtuais a cultura do gauchismo enfrenta a
condição de um descentramento exemplar, muito superior à cisão dos
vínculos platinos enfrentada pela institucionalização dos estados-nação
do Cone Sul. No entanto, não é exatamente o tipo de reterritorialização proposta por sites de relacionamento que vem a superar diferenças
do passado. A experiência de desintegração cultural já assentou suas
bases através de uma cultura midiática hegemonicamente afirmada em
dois idiomas distintos, desprezando idiossincrasias locais. Sistemas
tecnológicos de veiculação diferida, distribuição fragmentada e outros
recursos recalcaram diferenças que há pouco mais de cinquenta anos
eram bastante amenas. E ainda que se venha a conhecer muitos projetos integracionistas, a globalização está propondo uma nova lógica, na
qual vizinhos antigos continuam desconhecendo-se mutuamente.
114
Mídia e reconhecimento identitário
Referências
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de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
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�������������������������������������������������������������
1993. HarperPerennial Paperback in USA, Manuscrito eletrônico: Disponível em: <http://www.well.com/user/hlr/vcbook/
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SILVEIRA, A. C. M. . Representações identitárias e o giro da virtualidade:
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WOLTON, D. Pensar a comunicação. Brasília, UnB, 2006.
115
O GAÚCHO NA MÍDIA: AS REPRESENTAÇÕES DA IDENTIDADE
REGIONAL NO DISCURSO PUBLICITÁRIO CONTEMPORÂNEO1
Pauline N. FRAGA2
Ada C. M. da SILVEIRA3
Resumo
O texto ocupa-se da reflexão acerca do reconhecimento identitário regional proposto no apelo publicitário. O estudo qualitativo empreendeu alguns
conceitos e procedimentos da Análise do Discurso enunciativa a fim de localizar as produções de sentido que respondessem a seguinte problemática:
que gaúcho é esse, afinal, representado pela publicidade contemporânea?
Quais as principais características de sua identidade midiatizada, tendo por
parâmetro o cânone identitário criado, sustentado e popularizado (em termos de ampla divulgação) pelo MTG (Movimento Tradicionalista Gaúcho)?
O corpus foi formado por dez anúncios, veiculados de 2005 a 2007. Pôde-se
compreender que, convertida em mercadoria, tal identidade encontrar-se-ia
ao alcance dos mais diferentes públicos-alvo, para o nível de apropriação
individual, sendo ofertada conforme as necessidades de cada anunciante.
Palavras-chave
Mídia; Identidade contemporânea; Publicidade regional; Reificação;
Análise do discurso
The gaucho in the media: representations of regional identity
in the advertising discourse
Abstract
The article deals with the reflection on the recognition of identity in the
proposed regional advertising appeal. This qualitative study explored a
Trabalho resultante de dissertação intitulada “As representações da identidade regional no discurso publicitário contemporâneo” (2009), apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Área de Concentração: Comunicação
Midiática. Linha de Pesquisa: Mídia e Identidades Contemporâneas.
2 Publicitária. Mestre em Comunicação Midiática pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
e Professora do Curso de Publicidade & Propaganda do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). E-mail: [email protected]
3 Orientadora. Pós-Doutora pela La Nouvelle (Sorbonne III), Doutora em Jornalismo pela Universidad
Autónoma de Barcelona (UAB) e Docente dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Midiática e Extensão Rural da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail: [email protected]
1 O gaúcho na mídia
few concepts and procedures from the enunciative Discourse Analysis
in order to locate the meaning production which could answer to the following questions: What ‘gaucho’ has been portrayed by contemporary
advertising? What are the main features of its mediatised identity? What
are the main features of their identity mediated, with the parameter canon
identity created, sustained and popularized (in terms of wide dissemination) by MTG (Gaucho Traditionalist Movement)? The corpus was formed
by ten ads, served from 2005 to 2007. One could understand that, converted into a commodity, such identity found would be reached by different audiences, to the level of individual ownership, being offered to the
needs of each advertiser.
Keywords
Media; Contemporary identity; Regional advertising; Reification; Discourse analysis
A delimitação do estudo encontra-se na análise discursiva de
peças de diferentes anunciantes, veiculadas no meio jornal, que se utilizaram de representações da identidade regional no contexto da Semana Farroupilha. Com esse objetivo, o desenvolvimento dessa pesquisa
guarda sua referência inicial no, a representação cânone do habitante
sulino, mito moderno construído, mantido e extremamente popularizado – em termos de ampla divulgação na esfera social e midiática – pelo
Movimento Tradicionalista Gaúcho, o MTG.
A questão problema ocupou-se em identificar que gaúcho é o gaúcho representado no discurso publicitário contemporâneo como o gentílico
próprio dos habitantes do Rio Grande do Sul – tendo-se por parâmetro o
cânone identitário criado, sustentado e popularizado (em termos de ampla
divulgação) pelo Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG).
O corpus foi formado por dez anúncios veiculados em diferentes
edições do jornal Zero Hora, pertencente ao Grupo RBS – Rede Brasil
Sul, a mais antiga afiliada da Rede Globo. O período de coleta do ficou
delimitado em três anos (2005, 2006 e 2007), restringindo-se ao mês de
setembro e em especial à Semana Farroupilha e ao feriado estadual de
20 de setembro, Dia do Gaúcho. A amostra constituiu-se como intencional, sendo que os anúncios foram selecionados de maneira a contemplar produtos e serviços de diferentes naturezas, contribuindo assim à
117
Pauline N. Fraga & Ada C. M. da Silveira
diversificação das representações promovidas pelos anunciantes. Para
fins ilustrativos da metodologia e da aplicação das categorias de análise,
será apresentado apenas um dos anúncios constituintes do corpus, o da
loja Pompéia, datado de 2007.
Representações identitárias e o discurso publicitário
Os modelos culturais são ajustamentos realizados pelos diferentes grupos humanos e que regram as suas condutas, passando de
efeito à causa – originando assim os ritos, as crenças, as tradições,
os valores, os símbolos. Estes, ainda que de tempos em tempos sejam atualizados, uma vez estabelecidos, passam a influir no comportamento de todos aqueles que compartilham uma cultura e sua gama
de representações. Como lembrou Delgado (1997, p.184), “la cultura
es uma especie de sistema o forma de organizar y explicar la realidad (normas, rituales, símbolos, concuctas, etc.) construída por hombres”. Assim, por detrás de cada ato humano, cada ação comunicacional, existe uma cultura permeante, responsável por organizar “uma
cadeia significante, que restrinja, amplie, distorça e recomponha os
seus diferentes sentidos no jogo das elaborações representacionais”
(PERUZZOLO, 1998, p.16).
A questão identitária permeia ativamente a vivência humana, seja
em nível subjetivo, seja nas trocas sociais.
La identidad no es puramente uma construcción
pasiva constituída por las expectativas de lo otros,
es um proceso de interacción por médio del cual la
identidad del sujeto es construída no solo como uma
expresión del reconocimiento libre de los otros, sino
también como resultado de una lucha por ser reconocido por los otros (LARRAIN, 2003, p.34).
A identidade constitui a expressão de um eu frente a uma dada
coletividade, e também a expressão de cada um dos integrantes de
uma coletividade. Nesse sentido, Silva (2000) compreende sua constituição como relacional (depende de outra identidade para existir)
e, portanto, marcada pela diferença (a diferença é estabelecida pela
marcação simbólica relativa a outras identidades). A identidade, nesse
sentido, não é o oposto da diferença, mas sim dependente necessa118
O gaúcho na mídia
riamente da diferença (seja ela social ou simbólica). É pela marcação
simbólica, afinal, que se dá sentido às práticas e relações sociais.
Em se tratando do processo de apropriação das identidades regionais pela indústria cultural, para Ortiz (1995, p.166) esta concorre
com as imagens produzidas pela consciência regional: “dizer que a indústria cultural se apropria dos valores locais é, na verdade, considerar
que na luta pela definição do que é legitimamente regional temos agora a entrada de uma nova força”. E é justamente esta representação
de identidade coletiva o abrigo de indivíduos e de suas subjetividades
sob interesses comuns – a comunidade, que se encontra em constante
processo de atualização de seus valores consagrados, pelas diferentes
formas comunicacionais, entre elas a publicidade.
Complementarmente, Hall (1997; 2000) enfatiza a fluidez da
identidade, definindo-a como um tornar-se. O indivíduo que reivindicaria
a identidade não se limitaria a ser posicionado por esta, mas sim seria
capaz de posicionar a si próprio e inclusive a reconstruir e transformar
as identidades históricas, herdadas de um suposto passado comum. Ainda referente às representações, vale ressaltar que essas se constituem
como investimentos qualitativos, avaliativos e valorativos responsáveis
por organizar as concepções mentais e as ações/reações físicas – o
comportamento de alguém diante dos outros e do meio social e simbólico. Portanto, “a categoria conceptual da ‘representação’ é também muito
importante para a compreensão da lógica das culturas, pois que as diferenças culturais se explicam por diferentes dinâmicas representacionais”
(PERUZZOLO, 1998, p.83).
Na produção textual da indústria cultural as identidades são
concretizadas “basicamente a partir de um reconhecimento modelado ou estereotipado, com base na observação das grandes tradições”
(SILVEIRA, 2001, p.36) – como, por exemplo, a tradição gaúcha – isto
é, através de mitos, dogmas, símbolos, valores e tradições – os quais
são utilizados pela publicidade como apelos comerciais. Em concordância a esse respeito, Esteves (2000, p.24) relata que a produção dos
meios resultaria em “identidades socialmente úteis, perfeitamente codificáveis e estereotipadas, que nos chegam através da publicidade, da
moda, das diversas narrativas mediáticas e das próprias personagens
dos media [mídias, meios]”. E é justamente neste sentido que a atuação da indústria cultural, especialmente a publicidade, há tempos vem
119
Pauline N. Fraga & Ada C. M. da Silveira
optando por “estratégias verbais e iconográficas que respondem pelo
branqueamento e masculinização, visando dar conta da complexidade
de seu mercado de bens simbólicos, elaborando o que chamamos de
palimpsesto do gaúcho midiático” (SILVEIRA, 2003, p.229).
Não é à toa que gauchidade é uma das culturas regionais de
maior força dentro da composição da identidade nacional brasileira.
Desde o século XIX ocorreram no RS movimentos culturais de origem
urbana que objetivavam a afirmação desta identidade – contribuindo
definitivamente para a formação do mito do gaúcho bravo herói, viril,
destemido, com passado guerreiro de grandiosas vitórias e feitos, enfim, o centauro dos pampas, o monarca das coxilhas (JACKS, 1998). As
indústrias culturais, por sua vez, souberam fazer uso desse arquétipo
regional, produzindo discursos que se estruturam na busca da identificação dos leitores-consumidores: “a [própria] publicidade é uma forma
de criar mitos – uma forma historiada de comunicação. [...] Os produtos
são mais sedutores quando chegam envolvidos em mundos míticos e
encarnados por personagens heróicos” (RANDAZZO, 1996, p.11).
Segundo Dacanal (1998), o mítico gaúcho e seus elementos básicos – a miscigenação, a democracia racial, a igualdade, o heroísmo,
o amor à liberdade, etc – correspondem a uma construção ideológica
da oligarquia rural sul-rio-grandense que objetivava diferenciar-se externamente (em relação à classe dirigente do sudoeste cafeeiro e escravista) e também justificar internamente seu poder, obtendo simpatia
dos dominados – estratos sociais médios e inferiores, urbanos e rurais.
Assim, coube à mitologia autojustificadora gaúcha, conforme Dacanal
(1998), não somente diferenciar o Rio Grande perante o país – especialmente do Sudoeste brasileiro, mas sobreviver por mais de um século à liquidação da oligarquia rural sul-rio-grandense, processo que a
homogeneização do Brasil, a partir dos anos 50, é sinal mais evidente.
Ainda nos anos 70, também sobre a influência dos nativistas, o mito reinou soberano, quando o Estado já se encontrava integrado não apenas
à moderna sociedade urbano-industrial brasileira, mas também ao macrossistema capitalista internacional. O gaúcho inventado foi elevado
ao posto de novo tipo concreto, justificado inclusive academicamente
como o gaúcho histórico. Foi-lhe atribuído, a esta figura ficcional, de
construção midiática, uma presença histórica permanente.
120
O gaúcho na mídia
Reificação: do conceito-chave à hipótese de pesquisa
A fim de contextualizar a relação que se visou estabelecer entre
identidade e reificação social, torna-se pertinente a apresentação deste
conceito. Conforme Jameson (1995), a teoria da reificação, ancorada
na Escola de Frankfurt e sob o enfoque da racionalização, apresenta
uma proposta de apreensão crítica dos processos e produtos dentro
da indústria cultural. Isso porque se propõe a explicar a transformação
das narrativas em mercadorias, ou seja, compreender a maneira pelas
quais as formas “mais antigas da atividade humana são instrumentalmente reorganizadas ou ‘taylorizadas’, analiticamente fragmentadas e
reconstruídas segundo vários modelos racionais de eficiência, e essencialmente reestruturados com base em uma diferenciação entre meios
e fins” (JAMESON, 1995, p.10).
Segundo Jameson (2008), a reificação seria possível devido à
dissolução dos vínculos e relações que compõe uma comunidade dita
tradicional, de maneira tal que o interesse econômico passa a prevalecer – ou melhor, se existe alguma relação, essa é determinada pelo
capital. Assim, passa-se de uma condição de dependência social direta
das pessoas a quem se conhece para uma situação em que se depende
simplesmente de relações impessoais e objetivas com outras pessoas.
Ou seja, referente à modernização capitalista, edifica-se uma realidade
de total indiferença aos significados sociais subjacentes: é possível que
um indivíduo torne-se objetivamente dependente de outros cujas vidas
e aspirações lhe permaneçam totalmente opacas. Interessa à teoria da
reificação compreender o porquê ou como os sujeitos adotam o comportamento reificante individualista – visto que este ocasiona a extinção da
consciência de engajamento – provocado pelo esquecimento do reconhecimento precedente que lhes permitiu a socialização.
Pensando o processo de reificação como servindo à lógica do
capital, as representações discursivas da identidade regional seriam estruturadas e organizadas em sentidos adequados aos interesses comerciais de cada anunciante e, dessa maneira, tornadas mercadorias altamente atrativas, em muito similares às próprias mercadorias que ajudam
a promover e vender (os produtos e ou serviços anunciados). A respeito
da disponibilização dessas representações identitárias “prontas para o
consumo”, como verdadeiros kits, afirmou Bauman (2007):
121
Pauline N. Fraga & Ada C. M. da Silveira
Por fraudulenta y em definitiva frustante que esa
oferta pueda parecer a veces, ocuparce permanentemente de la construcción y reconstrucción de
la proparia identidad com la ayuda de los kits de
identidad disponibles em el mercado seguirá siendo
la única estratégia creíble o “razonable” a seguir,
dentro de um entorno caleidoscópio inestable em
cual los “proyectos integrales de vida” y la planificación a largo plazo no son propuestas realistas y
resultan insensatas y desaconsejables. (BAUMAN,
2007, p.74).
A gauchidade, tornada mercadoria pelo processo de reificação
social, atrairia a atenção do público-alvo para o anunciante, e consequentemente para a mercadoria anunciada (produto/serviço), possibilitando a adesão do primeiro à identidade regional. Tratar-se-ia de uma
adesão de caráter individual, que em momento algum leva em conta
os demais indivíduos abrigados nessa mesma identidade. A propósito
disso, comentou Honneth (2003, p. 266) que na reificação a “pessoa é
capaz de se conceber de modo irrestrito como um ser autônomo e individuado e de se identificar com seus objetivos e seus desejos”.
A identidade reificada pelo discurso publicitário seria um acesso
descomplicado dos indivíduos à identidade social da gauchidade. Assim, se no contexto das trocas políticas, sociais e culturais a adesão
integralmente comprometida à identidade regional, tal como proposta
pelo MTG, em todas as suas implicações (adesão aos valores, símbolos, modos de agir, de portar-se, de manifestar e celebrar a adesão
à identidade naturalizada, tais como o uso de pilchas institucionalizadas pelo MTG, a participação em desfiles farroupilhas ou em eventos
promovidos pelos Centros de Tradição Gaúcha – CTG, etc.) torna-se
fardo demasiado, sua incorporação pelo viés da publicidade, no âmbito
das relações comercias, por sua vez, é suavizado a ponto de tornar-se
quase irresistível.
Quando a representação da identidade regional é coisificada
para ser consumida, o que há de humano nela também o pode ser.
Em última análise, os próprios sujeitos que se beneficiam do abrigo da
identidade coisificada também estarão passíveis de serem coisificados.
Eles também poderão ser tornados produtos à medida que sirvam de
referência à conquista, sedução, persuasão de outros novos consu122
O gaúcho na mídia
midores. Bauman (2007) reflete sobre esse quase “círculo vicioso” da
mercantilização, em que os próprios sujeitos nela envolvidos podem
ser tornados produtos:
El propósito crucial y decisivo del consumo em uma
sociedad de consumidores (aunque poças veces se
diga com todas las letras y casi nunca se debata públicamente) no es satisfacer necesidades, deseos o
apetitos, sino convertir y reconvertir al consumidor
em protucto, elevar el estatus de los consumidores
al de bienes de cambio vendibles. [...] Los miembros
de una sociedad de consumidores son ellos mismos
bienes de consumo, y esa condición los convierte em
miembros de buena fe de la sociedad. (BAUMAN,
2007, p.83).
O usufruto da identidade gaúcha – em uma apropriação conveniente, por vezes até temporária – refletiria uma validação determinada
pelos interesses individuais, da ordem da subjetividade. Não importa espaço, tempo ou forma de apropriação, o que importa é a satisfação pessoal, o conforto de sentir-se abrigado por uma identidade já há tempos
legitimada no Rio Grande do Sul.
Categorias de análise e sua aplicabilidade: o exemplo do anúncio
de Pompéia
A matriz criada pela dissertação à análise do corpus constituiuse por seis categorias. Tais categorias fizeram variar sua capacidade de
gerar conteúdo analítico conforme os textos verbais e não-verbais constituintes de cada anúncio. A saber, foram as categorias criadas e aplicadas:
1. Ícones da tradição gaúcha – objetos e cenários comumente associados à cultura regional. Com base em Saborit (2000) e sua proposta
para análise de registros visuais, também foi considerado em relação
aos objetos seu contexto de aparição (usual e não-usual), a quantidade
(grau de acessibilidade, seu caráter elitista ou massivo, por exemplo) e
os planos (podem apresentar detalhes significativos, perspectivas generalizantes, conferir ao objeto anunciado diferentes graus de visibilidade);
123
Pauline N. Fraga & Ada C. M. da Silveira
2. Valores sócio-culturais – caracterizações estereotipadas associadas aos gaúchos;
3. Iconografias – fotografias e/ou ilustrações, como a presença
de personagens e sua performance. Também segundo a proposta de
Saborit (2000), foram analisadas conforme a quantidade (nenhum, um,
um grupo, uma multiplicidade – em agrupamentos mais ou menos institucionalizados, como pares, família, equipe e outros) e tipos (humanos e
não-humanos, idade aproximada, classe social, sexo, aparência física,
fenótipos e outros), além de outras caracterizações, como o figurino, a
ação e a tensão psicológica em cena representada;
4. Cores dos textos verbal e não verbal – associações materiais
e/ou não materiais;
5. Campo semântico e relações verbais – o conceito criativo pelo
texto verbal;
6. Presença e conteúdo do slogan – em geral, assina o anúncio
retomando sua ideia-chave.
Exemplificando a aplicação de tais categorias de análise a corpus, apresenta-se aqui o caso do anúncio da loja Pompéia, veiculado no
Jornal Zero Hora em 2007, conforme indicado abaixo (Figura 1):
Figura 1: Anúncio da loja Pompéia
Fonte: Zero Hora, 20 de setembro de 2007, p.33.
124
O gaúcho na mídia
Chamada: A Revolução Farroupilha serviu de inspiração para fazermos
a nossa: levar a moda para todos.
Texto de apoio: A Revolução Farroupilha aconteceu há mais de 150
anos. E seu espírito sempre acompanhou os gaúchos. Essa vontade
de lutar por um ideal foi o ponto de partida para a Pompéia iniciar uma
revolução alegre, bonita e que vem unindo os gaúchos com o lema “É
fácil ser fashion” nas 48 lojas localizadas em 46 cidades do Estado. Os
Farrapos lutaram pela independência. A revolução agora é para levar a
moda para todos.
Texto de assinatura: Uma homenagem da Pompéia à Revolução
Farroupilha.
Slogan: É fácil ser fashion.
Agência: GlobalComm
Segundo informações do seu sítio eletrônico4, as lojas Pompéia
estão presentes em 49 municípios gaúchos, somando até então 51 filiais. Trata-se assim de um anunciante bastante conhecido entre os gaúchos, devido à sua extensa rede. A fundação da primeira loja, nessa
época denominada “A principal”, é datada de 1953, empreendida pelos
empresários Lins e Valdemar Ferrão, no município de Camaquã/RS. A
empresa se manteve com administração familiar, sendo que a segunda
geração da família Ferrão chegou à direção da rede nos anos 80 e a
terceira no ano 2000.
Também conforme o histórico disponível no sítio, entre as décadas de 60 e 70 foi que a rede passou a focar no público feminino.
Ou seja, mesmo os seus produtos de vestuário, calçados e acessórios
(além dos artigos de cama, mesa e banho) sendo destinados a adultos e
crianças de ambos os sexos, ou a toda a família, a Pompéia, assim como
muitas lojas de departamento, compreende as mulheres como públicoalvo primário (principal) de sua comunicação publicitária, devido à sua
característica de decisoras de compra dentro do núcleo familiar.
A Pompéia constitui-se, então, como um anunciante conhecido
em praticamente todo o Estado, devido às suas muitas lojas (umas das
maiores redes gaúchas do seu segmento5), aos mais de cinquenta anos
Disponível em: <http://www.lojaspompeia.com.br/culture/default.aspx>. Acesso em: 05 nov. 08
“A DCS já começa a pensar na primeira campanha de uma das maiores redes de lojas de departamento do RS. Presente em 49 municípios gaúchos através de 51 unidades, a Pompéia completou
55 anos. A rede, que anunciou recentemente que vai continuar investindo forte no Estado, emprega
2.500 funcionários e adota conceitos atualizados de vitrinismo, iluminação, fachadas e equipamen4 5 125
Pauline N. Fraga & Ada C. M. da Silveira
de existência e, claro, por tratar-se de uma empresa que se anuncia com
certa frequência e quase sempre a praticamente todo o Estado (através
de jornais impressos de circulação estadual e das suas publicidades em
televisão, também em espaços veiculados estadualmente).
Com base nessas observações, pode-se inferir que a Pompéia é
uma rede de lojas de posicionamento tradicional, como grande parte das
empresas familiares. Pelo constante crescimento da rede, acredita-se
que a marca Pompéia já tenha imprimido considerável confiabilidade a
sua imagem institucional, tendo atingido maturidade e expressivo reconhecimento público. Tal conformação, após tantas décadas de existência, justificaria o incremento de posicionamento de marca, como pode
ser percebido no trabalho que vem sendo desenvolvido no seu mais recente slogan “É fácil ser fashion”. Tal conceito visa associar a rede a
produtos que estão em conformidade com a moda contemporânea, ou
seja, na Pompéia os consumidores encontrariam produtos modernos,
que seguiriam as últimas tendências de cada nova estação, oportunizando a todos os gaúchos o “andar na moda”, mesmo àqueles que não
entendam muito do assunto.
Quanto à categoria de ícones da tradição gaúcha, o elemento
comumente associado à cultura regional presente nesta peça é o lenço
vermelho, que conforme os manuais do MTG é umas das peças integrantes da indumentária típica sul-rio-grandense. O lenço destaca-se
como referência à gauchidade não apenas pela cor (outras cores de
lenço permitidas pelo MTG, além da vermelha, são o branco, azul, verde,
amarelo ou carijó em marrom ou cinza6), mas também porque é usado
no pescoço (outra opção de uso recomendada pelo MTG é o lenço ajustado na cabeça, amarrado na nuca7).
O local de uso do lenço não é inusitado, o pescoço da modelo. Já
se considerando a possibilidade de referência ou equiparação ao lenço
farroupilha (visto que a chamada e o texto de apoio falam em Revolução
Farroupilha), o contexto de uso, por sua vez, pode ser considerado inusitado. Isso porque mesmo os manuais do MTG permitindo o uso do lentos de ponto-de-venda. Sua linha de produtos atende todos os segmentos de confecções feminina,
masculina, infantil, calçados, cama, mesa e banho. A nova agência da Pompéia festeja sua boa
performance em 2008 com incremento nos negócios também nos escritórios de Brasília e Santa
Catarina”. Disponível em: <http://www.portaldapropaganda.com.br/portal/index.php?option=com_co
ntent&task=view&id=7800&Itemid=50>. Acesso em: 05 jan. 09.
6 Disponível em: <http://www.mtg.org.br/folclore/INDUM_diretrizesPILCHASeENCILHAS.pdf>.
Acesso em: 05 jan 09.
7 Idem a nota anterior.
126
O gaúcho na mídia
ço pelas mulheres, esse deve ser acompanhado pelo conjunto do traje
feminino recomendado8, que inclui, por exemplo, a bombacha feminina
(mais estreita que a masculina), botas ou alpargatas e camisa estilo social, com mangas longas ou curtas, colarinho, botões e em cores sóbrias
(sendo vedado o uso de camiseta e camisa gola pólo).
Única peça do corpus protagonizada por uma mulher, desacompanhada de personagens masculinos, esse anúncio explora a feminilidade e a beleza comumente referenciada às gaúchas. O olhar determinado
da modelo, seu rosto levemente erguido e sua postura ereta conotam
uma personalidade forte. Seu posicionamento corporal, com uma das
mãos levada à cintura, é de autoconfiança. Associada esta composição
fotográfica ao apelo verbal expresso na chamada, que fala da inspiração
evocada pela memória da Revolução Farroupilha, tem-se uma figura feminina representativa da força da mulher gaúcha. Mulher essa que luta
pelos seus ideais, como indica certo trecho do texto de apoio, “Essa
vontade de lutar por um ideal”, que a Revolução inspira no povo gaúcho.
Referente à iconografia, o texto não-verbal resume-se à fotografia de uma mulher branca e jovem, num plano que a mostra até a
altura pouco abaixo dos joelhos. Ele é magra, loira, de olhos claros,
pele branca, cabelo liso e preso, usa maquiagem discreta nos olhos e
nos lábios. O ângulo da fotografia é plano americano, ficando seu corpo visível até a altura dos joelhos. Ela usa um vestido de malha cinza,
com comprimento pouco acima dos joelhos, bem acinturado, de alças,
decotado em “V” no busto.
Trata-se de uma modelo jovem e bonita, em atitude provocativa,
aparentemente desinibida. Suas pernas encontram-se à mostra devido
ao vestido de comprimento acima dos joelhos cujo decote deixa seu colo
à mostra e cujo tecido de malha evidencia seu contorno corporal. No pescoço apresenta um lenço amarrado com um nó, ajustado lateralmente.
Também usa um discreto brinco, pequeno, e um anel no dedo médio da
mão direita, ambos em metal prateado. As unhas são curtas e pintadas
com esmalte incolor. Tanto sua roupa quanto seus acessórios são discretos e de cores neutras e claras, fazendo contrastar o lenço vermelho.
A jovem encontra-se de pé, com o braço esquerdo estendido para
baixo, relaxado, e o direito posto pouco abaixo da cintura, no quadril. Seu
queixo e seu rosto estão levemente erguidos e seu olhar direciona-se para
o lado de fora do anúncio, à esquerda. Sua pose é confiante, charmosa,
8 Idem a nota anterior.
127
Pauline N. Fraga & Ada C. M. da Silveira
elegante, sensual sem ser apelativa, mantendo a discrição. O cabelo preso
em coque na base da cabeça e seu colo desnudo realçam o lenço vermelho
no pescoço, conferindo-lhe bastante visibilidade. Seus lábios são talvez a
parte mais sensual do corpo, pois, volumosos e entreabertos, resultam num
delicado sorriso, que deixa à vista parte dos dentes superiores.
Destacam-se na peça especialmente as cores laranja (na tonalidade que compõe a marca Pompéia), vermelha (do lenço) e as tonalidades de cinza do vestido e a que recobre o plano de fundo do anúncio.
A Pompéia há muitos anos enfatiza em sua comunicação a cor laranja,
seja na identidade visual das suas campanhas publicitárias ou na dos
próprios pontos de venda (fachadas externas das lojas da rede, decoração e sinalização internas, sacolas, papéis de presente onde são embrulhados as mercadorias, uniforme dos vendedores, etc.).
Já a cor vermelha do lenço, além de fazer referência à cultura
gaúcha, é uma cor quente que atrai o olhar do público-alvo à modelo,
além de conotar a ela poder de sedução e sensualidade. Também o fato
de a fotografia ser colorida (impressão a quatro cores) confere efeito de
realidade e mesmo humanização à modelo, num resultado visual muito
diferente do que se o anúncio fosse em preto e branco.
Quanto aos textos verbais, a chamada, a frase de assinatura, o
logotipo e o slogan são todos aplicados na única cor da marca Pompéia,
o laranja. Entretanto, devido à tonalidade de cinza do fundo do anúncio
e as reduzidas dimensões da tipografia, esses textos em laranja ficaram
praticamente ilegíveis, ao contrário do texto de apoio, aplicado em tipografia preta, que possibilitou bom contraste sobre o fundo cinza.
O campo semântico explorado no anúncio refere-se à ação de
revolucionar, ao tema revolução. Através deste acontece a equiparação entre a Revolução Farroupilha e o que o anúncio propõe como uma
certa revolução empreendida pela moda de Pompéia, através do slogan “É fácil ser fashion”. São exemplos de palavras-chave exploradas
pelo campo semântico do anúncio: inspiração, vontade de lutar, ideal,
união, lema, entre outras.
A chamada “A Revolução Farroupilha serviu de inspiração para
fazermos a nossa: levar a moda para todos” não representa exatamente uma homenagem institucional da Pompéia à Semana Farroupilha.
Isso porque se trata de um anúncio de oportunidade, onde o anunciante realizou a adequação da data comemorativa a um conceito publici128
O gaúcho na mídia
tário que já vinha sendo trabalhado em suas práticas de comunicação.
O slogan “É fácil ser fashion” já havia sido usado em outras datas comemorativas, tais como o dia das mães, dos namorados e dos pais.
Apesar desse fato, no texto de apoio o anunciante dá a entender que
se inspirou no ideal dos revolucionários, em seu espírito de luta, para
criar “uma revolução alegre” e “bonita”. Entretanto, a revolução sustentada no slogan “É fácil ser fashion” não foi lançada nesse anúncio, sua
veiculação já existia anteriormente.
No texto de apoio o anunciante lembra o público-alvo de que
o espírito da Revolução Farroupilha, mesmo ocorrida há mais de 150
anos, “sempre acompanhou os gaúchos”. Logo, indicando esse espírito como o motivador da revolução fashion de Pompéia, sugere que
os gaúchos também poderiam escolhê-la como a loja que acompanha
as suas vidas, que esteja presente na sua história. É nesse sentido
também, de aproximação do seu público-alvo, que o anunciante posiciona-se como democratizador da moda, especialmente quando afirma que a revolução do “É fácil ser fashion” “vem unindo os gaúchos”,
na intenção de “levar a moda para todos”, por meio de uma “revolução
alegre” e “bonita”.
Outro detalhe interessante referente ao texto de apoio é que o
substantivo farrapos é escrito com letra maiúscula, apesar de não se
tratar de um nome próprio. Finalizando o texto de apoio, o trecho “Os
Farrapos lutaram pela independência. A revolução agora é para levar a
moda para todos” conclui que com a democratização da moda proposta
pela Pompéia é garantido a todos os gaúchos o direito de se vestirem
com qualidade e dentro das últimas novidades do universo fashion.
Quanto à frase de assinatura da peça, “Uma homenagem da
Pompéia à Revolução Farroupilha”, essa busca reafirmar o porquê do
anúncio, a lembrança de Pompéia à data comemorativa mais importante
da cultura regional. Por fim, o slogan “É fácil ser fashion” (usado pelo
anunciante, na época da veiculação, e não criado especialmente para a
peça em questão) funciona literalmente como um grito de guerra da revolução proposta por Pompéia. O anúncio propõe que tal lema deva ser
adotado pelo público-alvo porque representa uma luta a favor da moda
democrática, que permanece ao alcance de todos os gaúchos. O slogan
em questão, como já foi dito, já existia anteriormente à iniciativa desse
anúncio, não tendo sido criado especialmente a ele.
129
Pauline N. Fraga & Ada C. M. da Silveira
A representação predominante no corpus: considerações finais
O estereótipo obtido a partir da interpretação da amostra dos dez
diferentes discursos revelou uma representação pela publicidade contemporânea marcada especialmente pelas seguintes caracterizações:
foco, em termos não-verbais, na plasticidade humana anônima; recorrência a um fenótipo bastante demarcado; orientação a ambos os sexos
(enquanto públicos-alvo), mas com masculinização dos personagens
dominantes; compreensão da Revolução Farroupilha como o mais importante referencial histórico e marco zero dos valores sócio-culturais; e
apropriação não fiel do gaúcho empreendido pelo Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG). Segue-se a compreensão de cada uma dessas
seis caracterizações pelo estudo:
1. A representação do gaúcho pela publicidade, em termos nãoverbais, é focada na plasticidade humana anônima. A principal atratividade
visual, os principais destaques iconográficos nos discursos do corpus não
foram os feitos de personalidades gaúchas (seja do esporte, da ciência,
das letras, das artes, etc.) ou as propriedades intelectuais associadas aos
gaúchos, as riquezas econômicas do Estado, os seus símbolos oficiais, as
características geográficas e as paisagens naturais, a gastronomia, o vestuário, enfim. A presença visual de personagens humanos foi destaque em
praticamente todos os anúncios (nove deles). Ou seja, os elementos ou
valores associados à cultura regional não foram tomados em isolado, sendo suas aparições associadas a fotografias ou ilustrações de personagens
humanos em estratégia de aproximação dos discursos com os públicos.
2. A representação do gaúcho pela publicidade tem fenótipo demarcado. Os personagens do corpus eram em sua grande maioria da
raça branca, enfatizando a colonização europeia. Além disso, eram joviais em suas atitudes, em suas performances, e não apenas na idade
que aparentavam nas representações. Personagens crianças ou pertencentes a terceira foram secundários ou inexistentes no corpus.
3. A representação do gaúcho pela publicidade volta-se a ambos
os sexos, mas com masculinização dominante. A temática regional foi
recorrente em anúncios de produtos/serviços: refrigerante, telefonia celular, colchão, supermercado, roupas, cerveja [...], voltados a públicos-alvos de ambos os sexos. Não foi utilizada por anunciantes cujos produtos
eram voltados especificamente só a homens ou só a mulheres. Entretan130
O gaúcho na mídia
to, a figura feminina, quando apareceu representada, foi acompanhada
da masculina ou impregnada de referências masculinizantes, tais como
a força física e a coragem.
4. A representação do gaúcho pela publicidade é individualizante.
Prova disso é que os núcleos familiares nas representações do corpus
foram praticamente inexistentes. E embora alguns textos verbais falassem muitas vezes em nome de uma coletividade (“nós, os gaúchos”, “a
nossa herança”, “a nossa terra”, “os nossos bravos homens”), os discursos visaram atingir seus públicos-alvo enquanto indivíduos repletos de
particularidades, vontades, sonhos e desejos subjetivos.
5. A representação do gaúcho pela publicidade compreende a
Revolução Farroupilha como o mais importante referencial histórico e
marco zero dos valores sócio-culturais. É como se fosse impossível
a constituição pelos sul-rio-grandenses de uma identidade regional e
a representação desta pela publicidade independentemente do episódio farroupilha. A Revolução Farroupilha só foi lembrada como aspecto positivo, jamais como a mais duradoura guerra civil brasileira, cuja
finalização ocorreu não pela vitória das tropas farroupilhas, mas sim
por rendição destas. Desse modo, contemporaneamente, pode ser um
tema evocável a qualquer circunstância, sobre qualquer pretexto, por
anunciantes de produtos/serviços de qualquer natureza, pois se trata
de um tema totalmente despido de suas agruras fundantes. Atribui-se
aos farroupilhas a herança quase genética, a todo sul-rio-grandense,
dos mais dignificantes valores do homem gaúcho: a coragem, a bravura, o espírito de liberdade, o amor ao pago. A representação do gaúcho
contemporâneo pela publicidade é originada, pois, de uma representação idealizada dos soldados farroupilhas;
6. A representação do gaúcho pela publicidade apropria-se da
representação do gaúcho empreendida pelo MTG (MTG), mas não é
fiel a ela. O discurso publicitário só é incondicionalmente fiel aos seus
próprios interesses mercadológicos: os anunciantes sobrevivem porque discursam e discursam para sobreviver. Logo, sendo conveniente,
adotam certos elementos e aspectos difundidos pela representação
identitária regional do MTG – afinal, muitos desses já atingiram visibilidade e aprovação pública, bem como, inclusive, apoio do poder público. Entretanto, sendo conveniente adaptá-los, ignorá-los, criticá-los ou
rebaixá-los a significância alguma, também o faz.
131
Pauline N. Fraga & Ada C. M. da Silveira
Como se pode perceber, o gaúcho elaborado, difundido e popularizado pelo MTG hoje se confunde com a representação estereotipada do sul-rio-grandense circulante nos espaços públicos, sendo quase
indissociáveis. Seja com uma organização discursiva mais afim à representação moderna ou à representação pós-moderna da identidade
regional, o fato é que, obedecendo aos seus próprios interesses, o discurso publicitário contemporâneo se coloca como uma solução – ainda
que temporária – às inseguranças, às incertezas, aos temores daqueles
que embora desejem exteriorizar sua individualidade, mais cedo ou mais
tarde carecem da acolhida do abrigo identitário coletivo.
Torna-se importante relembrar aqui uma das importantes questões levantadas por Bauman (2007) a respeito do processo de reificação
identitária, a qual reflete o “círculo vicioso” da mercantilização: adotando
a representação identitária reificada promovida nos discursos publicitários, os indivíduos passam também a colaborar à divulgação da mesma,
servindo como vitrine aos valores e elementos estereotipados eleitos por
esta como demarcadores da identidade regional.
Outro aspecto pertinente à temática em questão lembra que a
adesão à identidade coletiva regional pelo sedutor viés do discurso publicitário não ajuda a preservá-la ou fortalecê-la, pois não implica em
engajamento dos indivíduos a seu favor, a favor do grupo. A este respeito, conforme lembrou Jameson (2008), a reificação seria possível justamente devido à dissolução dos vínculos que compõe uma comunidade,
fazendo prevalecer assim o interesse econômico dos indivíduos.
Como ficou evidenciado, o reconhecimento identitário regional
proposto no apelo publicitário contemporâneo serve-se de fontes diversas. Por vezes vale-se de narrativas de verdades reconhecidas e comprovadas historicamente, por outras recorre a narrativas inventadas ou
convenientemente adaptadas. O fato é que, na construção de suas próprias representações, a publicidade concorrerá sempre com àquelas estereotipadas pela consciência regional (ORTIZ, 1995).
A identidade reificada nessa óptica é tão comercial quanto os
próprios produtos/serviços e marcas os quais ajuda a vender. Ela,
a identidade-produto, a mercadoria simbólica, seria responsável por
atrair a atenção, despertar o interesse, estimular o desejo e provocar
a compra e/ou o consumo dos bens materiais, os objetos ao qual é
ligada através do discurso de orientação regional. Ela, a identidade
132
O gaúcho na mídia
gaúcha reificada, atuaria contemporaneamente como a porta-voz comercial do discurso publicitário regionalista.
A representação reificada, desse modo, chegaria ao públicoalvo como um kit identitário pronto para o consumo (BAUMAN, 2007).
Por esta lógica forja-se a questão da concepção de identidade pósmoderna. Por ela a multiplicidade de identidades e identificações é claramente possível, pertinente e mesmo necessária à sobrevivência dos
indivíduos e suas relações sociais na contemporaneidade. Elas convivem simultaneamente, por períodos de tempo não necessariamente de mesma durabilidade ou contínuos, aliás, muitas vezes bastante
ocasionais e convenientemente oportunos. Além disso, apresentam-se
com intensidades de envolvimento subjetivo e comprometimentos de
adesão variáveis. Em consequência a esta situação, os anúncios que
fazem uso da temática identitária regional pela concepção pós-moderna – ainda que não o saibam, por sua vez, estão muito mais aptos a
construir discursos em que a identidade gaúcha seja reificada e, consequentemente, atrativa aos públicos-alvos reificados.
Se a indústria cultural tem por lema estabelecer cada indivíduo em uma posição bem definida na sociedade (ESTEVES, 2000),
a publicidade, por sua vez, sempre procurou estabelecer todos os indivíduos uma única posição social: a de consumidor. Neste sentido, o
verdadeiro complexo industrial da produção de discursos publicitários
de orientação identitária reificada se constitui num mercado crescentemente promissor, atraindo cada vez mais públicos-alvo pelas suas
promessas de integração desses ao confortável abrigo da identidade
coletiva. E esses públicos são convidados a integrarem-se à identidade
adentrando ao seu universo de significações pela porta da frente, pelo
tapete vermelho. O público-alvo, e consequentemente todo o seu potencial enquanto consumidor, em nível individualizado, é atraído pelos
discursos que prometem essa integração de maneira convidativamente
descomplicada, confortável, leve e até, porque não dizer, divertida –
também como uma opção de entretenimento.
133
Pauline N. Fraga & Ada C. M. da Silveira
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134
O gaúcho na mídia
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135
AS REPRESENTAÇÕES NO “CIRCUITO DAS NOTÍCIAS”:
O MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS
SEM-TERRA NO JORNAL ZH1
Vilso Junior SANTI2
Márcia F. AMARAL3
Resumo
Estudar a representação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra
(MST) e de suas ações no jornal Zero Hora (ZH), tendo como panorama
o “Circuito das Notícias” e suas distintas fases, é nosso objetivo central.
Para tanto, procuramos mapear o movimento das representações e suas
transformações ao longo da cadeia produção, texto e leitura sem esquecer
de suas intersecções e interrelações nos diferentes momentos. O estudo
propõe uma aproximação analítica entre o “Circuito da Cultura” de Johnson
(1999) e o que qualificamos como o “Circuito das Notícias” – uma tentativa
de abordagem integral e integradora, que reivindica uma visão global sobre
os processos jornalísticos. Tal aproximação parte das contribuições teóricometodológicas dos Estudos Culturais Britânicos e busca entender e/ou
explicar a dinâmica da cultura, dos produtos culturais, e suas intersecções
com o jornalismo, principalmente no que se refere às representações.
Palavras-chave
Jornalismo impresso; Circuito das notícias; Representações; MST.
The representations in the “Circuit of News”: the Landless
Rural Workers’ Movement (Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem-terra) in the newspaper ZH
Abstract
The main aim of this paper is to study the representations of the Landless Rural Workers’ Movement (Movimento dos Trabalhadores Rurais
Trabalho resultante de dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria. Área de Concentração: Comunicação Midiática. Linha de Pesquisa: Mídia e Identidades Contemporâneas.
1 Jornalista. Mestre em Comunicação Midiática pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
e Doutorando em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS). E-mail: [email protected]
3 Orientadora. Doutora em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS) e Docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Midiática da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) E-mail: [email protected]
2 As representações no “Circuito das Notícias”
Sem-terra) and its actions – reported by the newspaper Zero Hora (ZH)
– by analyzing the Circuit of News and its distinctive periods. In order to
achieve this objective the research presents the movements of the representations and its transformations considering production, text and
reading issues. This study also proposes an analytical approach to the
“The Circuit of Culture” given by Johnson (1999) which is addressed here
as “Circuit of News”. The theoretical approach is based on the British
Cultural Studies and the subject matter is concerned with the dynamics of
culture and the relations to the journalism practices, particularly regarding to the representations.
Keywords
Press journalism; Circuit of news; Representation; MST.
O texto trata da aproximação teórico-metodológica entre o “Circuito da Cultura” proposto por Johnson (1999) e o que convencionamos
chamar de “Circuito das Notícias” na ótica dos estudos de comunicação
e/ou do jornalismo. Tal aproximação busca uma abordagem integral/integradora dos fenômenos comunicacionais e se assenta tanto na necessidade quanto na possibilidade de integração ente os universos da
produção, dos textos e das leituras que marcam a globalidade complexa
e multifacetada do processo comunicativo.
Objetivando estudar o tipo de representação do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem-terra (MST) e de suas ações no jornal Zero
Hora (ZH), bem como mapear ao longo do “Circuito das Notícias” o movimento dessas representações, junto com os seus sentidos mobilizados
ao enunciar a “questão agrária”, detemo-nos a clarear como se dá e em
que base se assenta tal “movimento representacional” nos diferentes
momentos do “Circuito” noticioso.
Para tanto, selecionamos como corpus de trabalho os acontecimentos e/ou os fatos relacionados ao MST e noticiados por ZH no período de 12/04/2008 a 21/05/2008. Tais fatos estão todos vinculados à
“Jornada Nacional de Lutas”, promovida anualmente pelo MST – o “Abril
Vermelho” como prefere designar o próprio ZH, e referem-se diretamente à repercussão e às ações de entrada e saída do Movimento na Estância do Céu – área de 13 mil hectares, localizada no município de São
Gabriel, na região central do Rio Grande do Sul.
137
Vilso Junior Santi & Márcia F. Amaral
Na materialização do estudo, optamos por operar num ambiente
teórico-metodológico formalmente não acabado, tomamos as práticas
jornalísticas como um “Circuito” e procuramos conjugar o estudo da
produção, dos textos e das leituras numa mesma mirada seguindo uma
abordagem menos vertical e mais horizontal ou panorâmica.
Do “Circuito da Cultura” ao “Circuito das Notícias”
Falar do ponto de vista dos Estudos Culturais é, para García
Canclini (1995), falar a partir de intersecções e/ou discorrer acerca de
uma tradição intelectual e política e das conexões entre cultura, história e sociedade (JOHNSON, 1999). Já o “Circuito da Cultura”, conforme Johnson (1999) e Hall (2003), pode ser tomado um modelo de
análise4 estratificado e não acabado (ver Figura 1) que tem na base
os diferentes momentos dos processos culturais e que deriva de uma
leitura que Marx faz do “Circuito de Capital” e suas metamorfoses. O
“Circuito das Notícias”, por sua vez, sinaliza a possibilidade de um
estudo integrador entre produção, textos e leituras além de permitir
pensar cada momento do processo comunicativo à luz dos outros.
Nele, o jornalismo pode ser visto como uma prática sociocultural e as
notícias como um produto da cultura que, junto com as representações que carregam, podem ser transformadas em seu uso.
O diagrama do “Circuito da Cultura”, para Johnson (1999, p.33), tem por objetivo representar o
circuito da produção, circulação e consumo dos produtos culturais. Nele, cada quadro representa
um “momento” e cada “momento” depende dos outros e é indispensável para o todo. Cada um
deles, entretanto, é distinto e envolve mudanças características de forma. Segundo o autor, se estamos colocados em um ponto do circuito, não vemos, necessariamente, o que está acontecendo
nos outros, já que as formas que tem mais importância para nós, em um determinado “momento”,
podem parecer bastante diferentes para outras pessoas, localizadas em outro ponto. Tal percepção lastreia a proposta analógica de incursão relacional pelos distintos momentos do “Circuito das
Notícias” na presente pesquisa.
4 138
As representações no “Circuito das Notícias”
Figura 1: Diagrama da produção, circulação e consumo
dos produtos culturais (JOHNSON, 1999, p.35).
No “Circuito”, diferentes instâncias podem ser tomadas como
determinantes na circulação das representações e dos valores simbólicos, e, esses últimos, como os regentes do processo de significação tão
caro à comunicação. Para os Estudos Culturais, conforme Hall (2003),
representar é atribuir sentido, classificar e/ou lutar pela imposição de
significados, e a representação pode ser vista como uma prática social
que produz cultura. Nessa lógica, as representações midiáticas podem
ser tomadas como encenações que possuem caráter construído e, ao
mesmo tempo em que são modos de exposição que naturalizam certos
vieses, podem instaurar padrões normais e modelos que influenciam
as percepções sobre as coisas do mundo.
Porém, como lembra Schmeil (1999), somos influenciados por
um sistema de representações que ultrapassa o contexto presente.
Nesse sentido, ao resgatarmos a historicidade da “questão agrária”
139
Vilso Junior Santi & Márcia F. Amaral
no Brasil, mediante uma intensa pesquisa do “estado da arte” sobre
o tema, podemos mencionar uma “estrutura tendencial dominante de
interpretação” (HALL, 2003) e/ou uma “matriz representacional hegemônica” da problemática (ROMÃO, 2002) que, no trabalho, serviu de
parâmetro para classificação das representações relacionadas ao MST
como favoráveis, desfavoráveis e/ou tensionadas, seja na produção,
no texto ou nas leituras.
Essa matriz demonstra a perspectiva de enunciação da “questão agrária” e clareia os sentidos hegemônicos que são historicamente
mobilizados em torno da luta pela terra no País. Em relação ao MST,
tais sentidos dão conta de uma imagem de “baderneiro ilegal” onde a
formação discursiva dominante está vinculada ao “direito sagrado à propriedade” (ROMÃO, 2002). Nesses termos o conjunto hegemônico de
representações imprime um movimento de sentido orquestrado que, ao
longo do tempo, trabalha para a circulação de dizeres através do congelamento de um sentido oficial relacionável a questão fundiária.
Ter presente a matriz de representação hegemônica da “questão
agrária”, bem como o próprio conceito de representação, junto com as
considerações teórico-metodológicas até aqui apresentadas nos permite
olhar para os diferentes momentos do “Circuito das Notícias”, a fim de
operacionalizar a estratégia de investigação que propomos. Tal estratégia
compreende a análise integrada da produção, dos textos e das leituras,
junto com seus reflexos nas culturas vividas e nas relações sociais. Porém, para fins de sistematização, propomos a verificação em separado
das diferentes etapas, a partir do momento da produção, já que é nesse
ponto que as mensagens jornalísticas são discursivamente constituídas.
Da produção e da publicação das notícias
Na análise do momento da produção, trabalhamos com os jornalistas vinculados ao jornal Diário de Santa Maria, responsáveis diretos pela cobertura dos acontecimentos em torno da Estância do Céu
e porta de entrada dos fatos na rede de jornais do Grupo RBS (Rede
Brasil Sul) da qual ZH é a célula mãe5.
O jornal Zero Hora é um agente produtor de peso no Rio Grande do Sul. Ele pertence à maior
organização de mídia da indústria cultural gaúcha, o Grupo RBS, e por isso desfruta de uma série
de vantagens que o colocam como o periódico de referência no Estado. ZH é um dos veículos mais
antigos do Grupo RBS. Ele foi fundado em 04/05/1964 e é líder de circulação em solo gaúcho – com
média diária de 176.961 exemplares – conforme o Instituto Verificador de Circulação (IVC).
5 140
As representações no “Circuito das Notícias”
A produção na lógica do “Circuito das Notícias” é um processo
social e histórico e, segundo Hall (2003), o lugar onde se “constrói” a
mensagem, por isso a análise pode se iniciar aí. Nela, podemos abarcar
as distintas narrativas associadas à construção dos produtos noticiosos
e culturais. Nesse momento, prestar atenção ao lugar da produção dos
acontecimentos e não somente o lugar da produção das notícias parecenos fundamental, pois, conforme Johnson (1999), não podemos perpetuamente discutir as condições sem nunca discutir os atos produtivos.
Nessa fase tratamos, portanto, da construção da notícia e do produto jornalístico em si. Procuramos observar as rotinas de produção e
sua relação com as culturas vividas dos profissionais envolvidos, assim
como os elementos concretos da produção e da organização da própria
instituição produtora. Inspirados nos aportes do Newsmaking6 usamos
como ferramentas a observação das rotinas produtivas, a pesquisa participante, e as entrevistas individuais com jornalistas. Optamos por atuar
no calor dos acontecimentos acompanhando todos os procedimentos
desenvolvidos desde a chegada da pauta à redação até a publicação da
notícia nas páginas de ZH.
Os resultados dão conta da relevante experiência dos envolvidos
na cobertura – mínimo de três e máximo de 15 anos de mercado. Todos,
ao mesmo tempo em que desconsideram as experiências profissionais
anteriores, apontam a pertinência de uma verdadeira “reformação” ocorrida dentro do Grupo RBS, necessária à conversão de estudantes de jornalismo em profissionais da imprensa. Em contraponto, as informações
coletadas em relação ao que chamamos de “experiência social”, mostram que nenhum dos profissionais teve ou tem participação ativa em organizações da sociedade civil. A maioria deles por falta de oportunidade,
de tempo e até mesmo por desinteresse. Isso talvez explique primeiro
a estranheza de alguns jornalistas em relação às mobilizações do MST,
e depois a própria curiosidade relacionada a essas ações – todos os
repórteres entrevistados expressaram a seus editores a disponibilidade
em cobrir os acontecimentos.
Conforme Wolf (2001) e Hohlfeldt, Martino & França (2001), este enfoque teórico-metodológico
diz respeito a um tipo de estudo ligado à sociologia do jornalismo e está relacionado com a observação da rotina produtiva cotidiana da cobertura jornalística. O Newsmaking pretende, dentre outros
aspectos, analisar o conjunto de critérios que definem a noticiabilidade de um acontecimento, isto
é, a sua relevância para ser transformado em notícia. O olhar dessa hipótese está centrado no
emissor, visto como intermediário entre o acontecimento e a notícia. Ele dá atenção especial ao
relacionamento entre jornalistas e fontes, assim como às diferentes etapas de produção: captação,
tratamento, edição e distribuição da informação.
6 141
Vilso Junior Santi & Márcia F. Amaral
Quando abordam sua prática profissional, em geral, os profissionais observados e depois entrevistados invocam valores “tradicionais” como isenção ou tentativa de isenção no seu fazer jornalístico
cotidiano. “Nossa obrigação é colocar o fato na roda”, diz a Jornalista
1. “Botar as vozes falando cada uma a sua versão e deixar o leitor tirar
as suas próprias conclusões”, aponta o Jornalista 2. “Ouvir as partes
envolvidas e usar o bom senso” (Jornalista 3) e “[...] buscar o que atinge o maior número de leitores”, considera o Jornalista 4.
Em ZH, conforme os profissionais entrevistados, o MST e/ou
suas ações são notícia/noticiados por diversos motivos: pelo “potencial
conflitivo da questão agrária”; pela “tensão que envolve a disputa”; pelo
Movimento ter “grandes proporções em nível nacional”; por “defender
uma bandeira histórica”; porque “suas ações estão localizadas na área
de cobertura do veículo”; e também porque “os leitores gostam desse
tipo de pauta”. Porém, segundo a Jornalista 1, “quando o MST se mexe
ele é pauta com certeza, quando ele não se mexe a gente pensa”. Ela
pondera ainda que o Movimento vai ser “sempre” notícia porque “os
concorrentes também cobrem”. O Jornalista 2, nesse sentido, considera que “o MST usa a mídia para fazer notícia, para se promover e promover a questão dele”. O Movimento é um “fato grande”, e como “fato
grande” merece ser noticiado, já que suas ações afetam um grande
número de pessoas e “os efeitos colaterais das ações do MST mexem
com a vida de todo mundo”, diz a Jornalista 5. Porém, ela lembra que
isso depende muito do dia do jornal e da pauta que o veículo tem para
cobrir naquele dia.
Questionados sobre o enquadramento dado pelo jornal às notícias relacionadas à “questão agrária” e ao MST, os profissionais concordam unanimemente que a pauta seja tratada pela editoria de Geral.
Segundo eles, na lógica organizativa do periódico, o MST não cabe noutro lugar. “A Geral é uma grande cozinha. Tudo que não tem perfil específico vai para a Geral”, diz a Jornalista 1. “Não se tem outra opção de
enquadramento. Faz parte do cotidiano que é a cara da Geral”, pondera
o Jornalista 2. Para a Jornalista 3, a Geral é um grande caldeirão, por
isso o MST deve ser apresentado nela. “Qual seria o outro espaço?”,
pergunta-se. “Sempre foi assim. É uma convenção histórica”, completa
o Jornalista 4. Porém a Jornalista 5 faz questão de lembrar que: “[...] a
geral é o coração da redação”.
142
As representações no “Circuito das Notícias”
No detalhamento do processo de manufatura das notícias relacionadas à “questão agrária” podemos claramente identificar a existência e/ou a ocorrência de três níveis de fluxos produtivos. Cabe ressaltar,
no entanto, que tais níveis de fluxo são complementares e ao mesmo
tempo indispensáveis para o entendimento do processo produtivo das
notícias sobre o MST no jornal.
No primeiro deles temos os “fluxos produtivos externos”, ou seja,
aqueles atos que acontecem fora do ambiente da redação e estão relacionados intimamente às ferramentas utilizadas pelo jornalista na apuração dos fatos no local onde eles ocorrem. No recorte utilizado na pesquisa, sinteticamente esse nível pode ser caracterizado, a partir do relato
sequencial da Jornalista 1: cobertura conjunta com os demais veículos
do Grupo RBS (TV + jornal); uso pronunciado de contatos por telefone
principalmente devido às barreiras policiais que impediam o acesso direto aos acontecimentos; solicitação do jornal ZH para envio urgente de
material a ser aproveitado na edição on-line; pressão do deadline para
o retorno à redação; conversa com editor de Geral sobre a construção
ideal de texto; mais apuração por telefone e internet; e, finalmente, a
composição do texto da notícia a ser veiculada.
No segundo nível, temos os “fluxos produtivos internos”, ou seja,
aqueles que ocorrem no interior do ambiente redacional e que estão vinculados tanto aos processos de construção e produção da pauta, papel compartilhado pelos diversos editores do periódico, quanto aos processos de
construção e produção textual, tarefa do jornalista escalado para cobertura. Baseados nos dados coletados na pesquisa e nos relatos dos Jornalistas 1 e 2 podemos assim caracterizá-lo: o repórter consulta seu editor;
depois constrói seu texto; repassa-o novamente ao seu editor que, por sua
vez, remete-o após as suas observações ao editor chefe. O editor chefe
revisa e envia o material com suas sugestões de volta ao editor da seção
que sugere ao repórter as devidas correções. Só depois de efetuados esses ajustes e do editor chefe dar seu parecer final é que o texto vai para
a diagramação da página e depois para impressão e futura distribuição.
No terceiro nível dos fluxos produtivos de ZH, temos a “produção
em rede” que está assentada basicamente sobre um sistema eletrônico
de compartilhamento de conteúdos chamado Note. O Note pode ser caracterizado como uma ferramenta híbrida que incorpora características
específicas do correio eletrônico (E-mail) e do sistema instantâneo de
143
Vilso Junior Santi & Márcia F. Amaral
troca de mensagens (MSN). Através dele os jornalistas e os jornais do
Grupo RBS compartilham previamente as suas pautas; recebem os pedidos de material sobre temas específicos; e trocam informações preliminares sobre os acontecimentos que depois serão aproveitados nas edições online e impressa dos veículos. No Note, o repórter, após compor
seu texto, deve arquivá-lo numa pasta chamada “Editoria 2”, essa pasta
está acessível ao seu editor que reedita o material e transfere-o para
“Editoria 5”. Ao disponibilizar o texto na pasta “Editoria 5”, o profissional
torna o conteúdo acessível à equipe de arte e diagramação e ao mesmo
tempo à todos os jornais do Grupo RBS.
Indagados sobre os constrangimentos vinculados a sua prática
profissional e/ou relacionados aos processos produtivos, os jornalistas
entrevistados também afirmam em uníssono que nos veículos do Grupo
RBS existe plena liberdade de produção, que tais constrangimentos não
existem e que as orientações a todos os profissionais apenas têm caráter técnico ou jurídico, são públicas e estão contidas no manual de ética,
redação e estilo do jornal.
Na sequência, tratamos especificamente das representações tomadas pelos profissionais entrevistados para falar do MST e de suas
ações. Ressaltamos de antemão que, nas entrevistas e no material coletado via observação, encontramos uma série de contradições às quais,
pela necessidade de agrupamento para fins de categorização e pelo esforço de síntese para apresentação dos resultados, podem ter sido minimizadas em nome daquilo tomado como mais relevante.
Nesses termos a Jornalista 1, por exemplo, movimenta sentidos
muito próximos daqueles da matriz representacional hegemônica da
“questão agrária”. Diz ela: “[...] então é assim: tudo bem, querem reivindicar, reivindiquem, mas também não sejam baderneiros a fim de justificar
as críticas”. Para o Jornalista 2, “[...] no MST tem muita gente que precisa,
mas tem gente que se aproveita da organização para fins escusos”. Ele,
embora parta de sentidos tensionados em relação à matriz, acaba por se
filiar a ela também de modo favorável. “O Movimento é bem assessorado, ninguém é ingênuo nem santo no MST, ele é o reflexo do mundo que
nós vivemos”, diz a Jornalista 3, que mais uma vez movimenta sentidos
alinhados à matriz hegemônica de representação. O Jornalista 4, no entanto, no seu dizer e fazer movimenta sentidos nitidamente tensionados
em relação à matriz ao apontar que “[...] o MST é um grupo organizado,
144
As representações no “Circuito das Notícias”
que tem representatividade e muitos integrantes. Eles também fazem
parte da sociedade que a gente quer contemplar para o leitor”.
Porém, fica claro que de forma geral, mesmo partindo de sentidos por vezes tensionados, os profissionais vinculados ao Grupo RBS
se filiam à matriz hegemônica de representação num sentido predominantemente favorável. Eles não conseguem libertar o seu dizer da noção
de ilegalidade que historicamente envolve os questionamentos em torno
da posse da terra. Por vezes, até movimentam dizeres diferentes, mas
todos derivados da matriz de representação hegemônica da “questão
agrária” que historicamente desfavorece os Sem-terra e o MST. Isso,
sem dúvidas, se reflete na construção textual das notícias conforme
abordamos na sequência da análise do “Circuito das Notícias”.
Do texto e seu descentramento
O estudo das representações do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem-terra (MST) no momento texto do “Circuito das Notícias”
leva em conta as mesmas 18 edições do jornal ZH, que reproduziram
as notícias referentes à cobertura das ações do Movimento acerca da
Estância do Céu7. Nessa etapa, buscamos elucidar as formas como ZH
representa o MST em suas páginas, além de traçar um mapa de sentidos
que o veículo faz circular sobre o Movimento, relacionando-os posteriormente à matriz de representacional hegemônica da “questão agrária”.
Aqui também encontramos uma série de contradições às quais, pela necessidade de agrupamento para fins de categorização e pelo esforço de
síntese para apresentação dos resultados, podem ter sido minimizadas.
O texto, conforme Orlandi (1988), é o lugar, o centro comum de
encontro entre autor e leitor, porém, descentrá-lo, ou seja, estudá-lo
através das formas culturais que ele efetiva e torna disponível parece-nos fundamental na lógica do “Circuito das Notícias”, já que esse
contato se dá também em outras instâncias, fora do texto e dentro de
determinado contexto (JOHNSON, 1999). No trabalho com o texto, utilizamos como ferramenta primordial os preceitos da Análise do Discurso
Numa descrição generalista podemos assim caracterizar o jornal Zero Hora: ele segue o formato tablóide, tamanho de impresso que ajudou a consolidar no Rio Grande do Sul; dispõe de um bloco principal, que ocupa aproximadamente cinquenta páginas; e, é dividido em cadernos, que vão de diários
a mensais, segmentados por público e temática. No corpo principal ele traz as editorias tradicionais
dos impressos diários: Opinião, Política, Economia, Mundo, Geral, e Esportes, que se mantêm nas
sete edições semanais e garantem a fidelidade a um formato mais clássico de jornalismo impresso.
7 145
Vilso Junior Santi & Márcia F. Amaral
(AD) que levam em conta o homem na sua história e que procuram
entender como um texto significa, prestando especial atenção ao movimento de instauração de sentidos.
Nessa linha, como para Orlandi (2001), tomamos o Discurso
como efeito de sentido entre locutores e como fornecedor de representações da realidade baseadas em ideias preconcebidas; Formações Imaginárias (FIs) como projeções que permitem passar de situações empíricas para posições dos sujeitos no discurso; Formações Discursivas
(FDs) como aquelas que autorizam o que deve e o que não deve ser dito
em determinada configuração sócio-histórica compondo uma “região de
sentidos”. E, Sequências Discursivas (SDs) como o trecho do texto que
suporta a Formação Discursiva, arbitrariamente recortado para análise.
Partimos da materialidade do discurso presente no texto das
notícias com a finalidade de identificar as FDs, relacionando-as com
as FIs, para chegar às representações predominantes nos enunciados.
Depois, pela aproximação e/ou distanciamento com um sentido principal hegemônico buscamos categorizar tais representações como favoráveis, desfavoráveis ou tensionadas aos moldes de Jacks, Machado
& Muller (2004). Para tanto, primeiro identificamos no texto as SDs,
apontamos o sentido nuclear de cada uma e agrupamos as SDs, em
cada texto, conforme o seu sentido nuclear. Depois, evidenciamos a
que FD elas pertenciam e relacionamos as FDs à Formação Imaginária
(FI) e/ou à matriz de representação hegemônica da “questão agrária”.
Por último, categorizamos as Sequências como favoráveis, desfavoráveis ou tensionadas em relação a essa matriz. “No método de análise
fazemos o caminho inverso do discurso: partimos do texto para o que
lhe é exterior”, esclarece Benetti (2007).
Assim, constatamos que ZH trata a pauta MST na editoria de
Geral, longe do universo do Rural, no qual o Movimento luta para se inserir. O veículo classifica invariavelmente os acontecimentos envolvendo
o MST com a cartola “questão agrária” vinculando-a de maneira reducionista à questão dos Sem-terra. Para o ZH, “questão agrária” é diferente
da “questão agrícola” e, portanto, não tem relação com o mundo rural do
seu caderno especial Campo & Lavoura.
Para exemplificar a nossa análise, extraímos da edição de
18/05/2008 um conjunto de textos agrupados sob a expressão “Diários
secretos do MST” – manchete principal de capa no dia. São três notícias
146
As representações no “Circuito das Notícias”
identificadas pelas Formações Discursivas “Cadernos de luta do MST”,
“Vandalismo na fazenda invadida” e “Polícia investiga a ação de milícias”, todas elas relacionáveis à Formação Imaginária de “baderneiros
ilegais” e inegavelmente mobilizadoras de sentidos favoráveis à matriz
representacional hegemônica da questão agrária.
No primeiro dos três textos, a SD83 aponta que os cadernos
apreendidos pela Brigada Militar em São Gabriel revelam uma “rotina
militarizada dos Sem-terra”. Esse parece ser o referencial que atravessa
diagonalmente os três textos do conjunto. As SDs 84 e 85 resgatam o
“saldo” da operação realizada pela Brigada Militar. Mesmo que tenham
sido apreendidos diversos “utensílios” na ação, conforme a SD86, o que
mais chama atenção são os “quatro cadernos” do MST. “Preenchidos a
caneta, eles se dividem entre diários e atas que relatam o cotidiano dos
acampados. São um misto de orientação dos líderes aos militantes e
resumo das discussões internas”.
Segundo a SD87, foi a leitura desses cadernos que embasou as
considerações impressas nas notícias do conjunto. A SD88 aponta a utilização de termos e rotinas militares para o gerenciamento dos acampamentos
como a “organização de rondas de vigilância”. Na SD90 são descritas “noções de como os acampados podem resistir à desocupação das terras” e
de “como podem driblar a fiscalização”. As SDs posteriores apresentam os
principais trechos dos cadernos: SD91 “Como arregimentar apoio”; SD92
“Respostas padrão”; SD93 “Quem tira guarda”; SD94 “Controle do insólito”; SD95 “Pedras, trincheiras e bombas”; SD96 “Desavenças e punições”;
SD97 “Divisão de classes”; SD98 “Lucro com bebidas”; SD99 “Uma invasão”. SD100 “Escolha de alvos”; e SD101 “Medo de flagrante”.
Nesse texto, chama atenção a rede de significação encadeada pelos indícios “clandestinamente” e “segredo”, numa referência ao
Movimento como uma sociedade secreta, restrita a poucos e sem finalidade coletiva, o que contribui para a consolidação de uma imagem representacional negativa do MST. Além disso, o texto reedifica a
noção de marginalidade (e até mesmo ilegalidade), posto que muitas
organizações secretas tenham seus objetivos e integrantes agindo de
maneira escusa em atentados à “ordem democrática”.
No segundo texto do conjunto, identificamos mais uma acusação:
na Estância do Céu, o Movimento – “que reclama de exageros da polícia”
– teria deixado “um rastro de depredação”. Também nesse caso as SDs
147
Vilso Junior Santi & Márcia F. Amaral
iniciais procuram resgatar o contexto e os fatos transcorridos dias atrás
– já havia se passado um mês da saída dos Sem-terra da fazenda – mas
acabam por recontar e ressignificar os acontecimentos lá transcorridos.
As SDs102 e 103 relembram que a “desocupação” foi pacífica, mas as
“marcas de vandalismo e atrocidades, difíceis de esquecer”. As SDs104
e 105 falam das “atrocidades” cometidas: “animais mortos”; “fezes espalhadas”; “janelas quebradas”; “paredes pichadas”; “estacas de madeira
cravadas no solo”; “uma versão gigante do coquetel molotov” etc. Numa
análise remissiva, causa estranheza o fato desses elementos não terem
sido explorados no contexto original das ações; e também o emprego do
termo “desocupação” para se referir a saída dos Sem-terra da Estância
do Céu – quando eles entram “invadem” e quando saem “desocupam”.
O último texto do conjunto trata de supostas denúncias da “existência de uma milícia ligada ao MST”. Para tanto, a notícia resgata episódios pretéritos que não possuem relação direta uns com os outros,
a não ser pela citação do Movimento nos inquéritos que investigam as
ações. Na SD109 é citado um caso de 2003 ocorrido em Júlio de Castilhos; na SD110, um caso de São Jerônimo em 2002; e na SD111 um
caso de Jóia em 2001. As SDs 112, 113, 114 e 115, por sua vez, introduzem um novo assunto que, aparentemente, não tem relação com os
demais. Somente nesse momento a voz dos Sem-terra e de alguns de
seus apoiadores é detectada no texto.
Nesses termos, os resultados dão conta de que ZH retrata o MST
predominantemente de modo desfavorável, ou seja, de modo favorável à
matriz representacional hegemônica. Nas notícias e/ou nos textos do jornal o discurso sobre os Sem-terra e o MST deriva de valores históricos e
culturais, que parecem alimentar a rivalidade e a divergência em relação
à posse da terra. Sobre esses discursos se recompõe o sentido de “invasores” enfatizando uma espécie de violência simbólica que converte os
Sem-terra em perigosos antagonistas.
Dessa forma, é inegável que o jornalismo de ZH oferece um grande marco segundo o qual devemos ler os fatos relacionados à posse da
terra e que o seu discurso contribui para reafirmar a matriz representacional hegemônica da “questão agrária”. Ele traz consigo ideias preconcebidas que circulam num sentido comum e que, junto com o ideal de
objetividade, lhes confere um status de verdade. Nesse sentido, o discurso jornalístico de ZH organiza algumas direções de leitura, fazendo
148
As representações no “Circuito das Notícias”
circular alguns sentidos e desviando outros. Como se dão essas leituras,
junto aos próprios agricultores Sem-terra vinculados ao MST, é o que
procuramos verificar no momento seguinte do “Circuito das Notícias”.
Da leitura como ato de produção
Na lógica do “Circuito das Notícias” a leitura não pode ser tomada como um momento isolado do processo comunicacional, já que ela
integra a dinâmica do “Circuito”. Leitura nessa ótica não é simplesmente assimilação, mas, conforme Johnson (1999), ela própria é um ato
de produção. Nesse momento, buscamos mapear as representações
movimentadas pelos Sem-terra na posição de leitores quando a pauta
do jornal é o próprio MST8, com a finalidade de relacionar tais leituras
à matriz representacional hegemônica que historicamente envolve a
“questão agrária” categorizando-as como de oposição, preferenciais e/
ou negociadas (HALL, 2003). Ressaltamos de antemão que no material recolhido encontramos uma série de contradições às quais, pela
necessidade de agrupamento para fins de categorização e pelo esforço
de síntese para apresentação dos resultados, também podem ter sido
minimizadas em nome daquilo tomado como mais relevante.
É importante observar dessa forma que as leituras são também
interdiscursivas, pois nenhuma forma subjetiva atua por conta própria
e que, devido a essa particularidade, as formas de transformações culturais sempre acontecem nesse momento do “Circuito”. A leitura diz
respeito, portanto, a uma atividade, um tipo de prática na qual o indivíduo percebe e trabalha o material simbólico que recebe (THOMPSON,
2005). Se na produção ocorre a fixação do conteúdo simbólico, na leitura o processo, mesmo que complementar, é inverso, por isso no “Circuito das Notícias” é importante atentar às práticas sociais de recepção
entendidas como espaço de produção de sentido.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra (MST) surgiu no Brasil em meio aos conturbados processos sociais do início dos anos 1980, mais especificamente em 1984 com a realização do
primeiro “Encontro Nacional dos Sem-terra”. No evento, foi formalizada a criação de uma organização
de camponeses Sem-terra, em nível nacional, com o objetivo de lutar pela reforma agrária. Assim,
apenas como fator de referência, podemos dizer que o MST nasceu entre os dias 21 e 24 de janeiro de
1984, agregando 80 representantes de 13 Estados brasileiros. No ano seguinte durante o I Congresso
Nacional dos Trabalhadores Sem-terra, realizado em Curitiba/ PR, o Movimento é oficializado. Desse
modo fica claro que os leitores-alvo de Zero Hora estritamente não são os integrantes do MST, mas,
optamos por pesquisá-los no momento leiutra do “Circuito das Notícias”a fim de observar o percurso
das representações também entre o segmento diretamente interessado pelo tema.
8 149
Vilso Junior Santi & Márcia F. Amaral
É na leitura então que os textos em circulação adquirem valor
social e efetividade simbólica. Nela, segundo Escosteguy (2007), é possível identificar algumas “posições-tipo” de decodificação que são postos
hipotéticos a partir das quais as retaduções de um discurso e as representações que ele movimenta podem ser tomadas. Essas “posições-tipo”
são, conforme Hall (2003), classificadas em: “hegemônicas ou dominantes”, onde o leitor opera dentro do que foi proposto pelo produtor; “código
negociado” no qual o leitor reconhece as definições hegemônicas, mas
se permite adaptá-las; e “código de oposição” segundo o qual o leitor se
posiciona de modo contrário ao produtor.
Como ferramenta de trabalho nesta fase de análise do “Circuito das Notícias” utilizamos o grupo focal, uma entrevista coletiva que
busca identificar tendências. Indagamos coletivamente dez agricultores
vinculados ao MST, os quais foram protagonistas das ações reportadas
por ZH entre os dias 12/04/2008 e 21/05/2008. Todos eles são, portanto,
leitores interessados e integravam no momento do trabalho o chamado
“Acampamento em Luta de São Gabriel/ RS”.
As reuniões com o grupo focal foram realizadas entre os dias
21/05/2008 e 23/05/2008, e os textos das notícias publicadas por ZH
no período selecionado foram retomados como substrato para as discussões. Informações complementares relacionadas às rotinas de leitura também foram utilizadas na composição de um diário simplificado
posteriormente empregado nas análises. O trabalho de campo com o
grupo focal envolveu três momentos distintos: o primeiro deles esteve relacionado ao relato da história de vida dos integrantes do grupo
engajados na pesquisa; o segundo no detalhamento da relação com
a mídia antes e depois do ingresso no MST; e o terceiro vinculado ao
mapeamento e classificação das representações movimentadas pelos
Sem-terra no ato da leitura.
Na história de vida dos participantes, a marca registrada é a diversidade de perfis. No entanto, podemos afirmar que todos passaram
por situações limite e experimentaram de algum modo o processo de
exclusão social até ingressar nas fileiras do MST. Entrar para o Movimento, na maioria dos casos, não foi uma escolha política, antes representou a chance de um novo começo na vida. “Minha família trabalhava
na agricultura e acabou quebrando [...] por conselho dos amigos vim
acampar”, conta a Sem-terra 4. “Entrei para a Brigada Militar sonhando
150
As representações no “Circuito das Notícias”
com dias melhores em plena Ditadura [...] o MST significa tentar garantir uma vida melhor para meus filhos”, diz o Sem-terra 7. Já a Sem-terra
9 relata que reorganizou sua vida e seus estudos para ingressar no
Movimento: “Estou no acampamento, no MST primeiro pela militância
e depois para contribuir na luta pela terra”.
A mídia e/ou o jornalismo são definidos pelos Sem-terra do grupo
focal como a principal responsável pela formatação de uma representação errônea do Movimento. Uma representação configurada basicamente de “fora para dentro” do MST e muito distinta da autorrepresentação
do Movimento construída de “dentro para fora”. A imprensa é vista tanto
como “uma ameaça” quanto como “uma ferramenta necessária”, porém
o sentido mais forte que parece transpassar as contribuições é o da mídia/jornalismo como instrumentos de manipulação.
“O jornalismo não presta para nada. A mídia representa uma
grande ameaça, pois ela prefere correr atrás de troféus a mostrar a
verdade”, enfatiza o Sem-terra 2. “A mídia é uma ferramenta muito necessária para nós comunicar. Ela não representa o povo, no sentido
da verdadeira sociedade que a gente vive, mas a imprensa pode ser
uma grande arma de avanço da sociedade”, contrapõe o Sem-terra 5.
“A mídia emburrece o povo, ela aliena. Os meios de comunicação, que
seriam meios para informar a população brasileira de ambos os lados,
não conseguem fazer isso”, sentencia a Sem-terra 9.
Quando tratam especificamente do Grupo RBS e do jornal ZH, os
integrantes do grupo focal são taxativos em classificá-los como “instrumento de manipulação da classe dominante”, reproduzem um bordão,
um grito de guerra, já tradicional nas mobilizações do MST “A gente não
esquece, abaixo a RBS!” e chegam até a cogitar uma ação específica
para atingir quem eles qualificam como os “latifundiários da informação”.
De acordo com a Sem-terra 9, o jornal ZH só reproduz o que os
“grandes” do Estado do Rio Grande do Sul desejam. “Eles distorcem os
fatos como eles bem querem, sempre para nos mostrar como as piores
pessoas desse Estado. Para mim a pior raça que tem é essa empresa”.
Para o Sem-terra 5 o que mais revolta em ZH e na RBS é a falta de
transparência “[...] a falta de vergonha de um veículo de comunicação
tão grandioso como esse”. Porém, segundo ele, quando a sociedade
realmente “abrir os olhos e ver quem é a RBS, quem é o Zero Hora,
eles vão ficar em maus lençóis”.
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Vilso Junior Santi & Márcia F. Amaral
Fica claro, no entanto, quando tratamos da forma de relacionamento
com a mídia antes e depois do ingresso no MST que para a maioria dos participantes do grupo focal houve uma mudança – primeiro de entendimento,
depois na própria forma de acessar as informações junto aos órgãos de imprensa. Na maioria dos casos, eles se moveram da indiferença em relação
ao sistema de mídia para uma postura crítica em relação às produções e
aos textos midiáticos. Podemos dizer sem exageros que passaram de uma
leitura tendencial dominante, para uma leitura negociada com matizes de
oposição. É evidente que nesse caso a mediação “Movimento Social” atua
fortemente na mudança de postura em relação à mídia regendo a nova forma de se relacionar com os produtos informativos midiáticos.
“Do lugar de onde eu vim, da vila, não tinha muito esse contato
com a mídia, a não ser com a novela. Antes informação para mim era
muito pouco pela realidade que eu vivia mesmo”, esclarece a Sem-terra
3. “Quando eu estava lá fora gostava muito de televisão, de olhar novela. Depois, no Movimento comecei a acompanhar mais as notícias, mas
ainda é muito pouco”, conta a Sem-terra 6. “No acampamento estou reaprendendo a viver sem a televisão, a internet e o jornal. Estou aprendendo
a escutar rádio, mas é bem complicado porque eu não tinha o hábito do
rádio”, relata a Sem-terra 9.
Já as representações movimentadas em torno do MST pelos integrantes do Movimento no momento da leitura parecem muito distintas
daquelas acionadas pelos jornalistas ao falar da organização na produção e também daquelas apresentadas nos textos do jornal. O Movimento
é visto pelo Sem-terra 2 da seguinte forma: “[...] o MST para mim representa muito porque aqui eu arrumei uma nova vida, uma mudança de
vida muito grande”. “O Movimento, além de uma nova chance de viver,
também serve para o auto-reconhecimento das pessoas. Eu não tinha
nem noção que eu podia voltar a sonhar em ter um futuro diferente, em
ter um futuro melhor”, conta a Sem-terra 3. Para a Sem-terra 4, “[...] o
MST é uma grande família onde se compreende que a luta é por uma sociedade igualitária e mais justa. Onde tu encontras amigos, tu encontras
companheiros”. “Para mim o MST foi como uma luz no fundo do túnel”,
diz a Sem-terra 6. “A mídia vende aquela imagem que aqui é o inferno,
pelo contrário aqui é o paraíso”, rebate o Sem-terra 7.
Assim, a diferença entre o MST representado de dentro para fora
(visto pelos Sem-terra) e o MST representado de fora para dentro (pelos
152
As representações no “Circuito das Notícias”
jornalistas e nos textos de suas notícias) parece notável ao menos para
os Sem-terra. Nesse sentido, os integrantes do grupo focal acabam por
movimentar sentidos de oposição em relação à matriz representacional
hegemônica ao promoverem uma leitura negociada de tendência resistente em relação aos textos veiculados por ZH em suas páginas. Dessa
forma, apesar de essa matriz de representação hegemônica também ser
formatada pelos discursos da mídia e do jornalismo, ela é composta de
“fora para dentro” e, de acordo com os dizeres dos Sem-terra, não dá
conta da representação adequada do Movimento.
Das considerações finais
No trabalho importou fundamentalmente observar o movimento de representações na produção, no texto, e na leitura – momentos
onde, no “Circuito das Notícias”, todos são produtores e consumidores
de discursos e onde todos operam com representações. Tais indivíduos
elaboram representações para dar sentido à realidade social e os textos,
inclusive aqueles produzidos pelo jornal ZH sobre a “questão agrária”,
somente vão adquirir sentido mediante uma representação que lhes atribua um determinado significado sociocultural e histórico. Isso empresta
a abordagem um caráter bastante discursivo, porém, constatamos nesse
estudo que, estrategicamente, é o discurso quem indica o melhor caminho, a melhor forma de percorrer os meandros do “Circuito das Notícias”
em suas diferentes fases.
No entanto, parece claro que esse tipo de análise só é possível,
como procuramos apontar, quando as práticas socioculturais como o
jornalismo, são tomadas e relacionadas conforme um esquema capaz
de conjugar as instâncias de produção, do texto, e da leitura. Exatamente porque é o somatório delas, junto com seus diferentes elementos constituintes (produtores, textos e receptores), que determina a circulação dos valores simbólicos regentes da atividade de significação,
configurando e/ou desenhando o processo comunicativo de maneira
conveniente e em sua totalidade.
De tal modo, constatamos que trabalhar com as representações
no “Circuito das Notícias” exige fôlego e tempo, mas pode apontar para
resultados satisfatórios já que permite compreender a dinâmica dos processos jornalísticos, a interferência de agentes internos e externos no seu
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Vilso Junior Santi & Márcia F. Amaral
fazer e o diálogo que se dá entre produção, textos e leituras. Acreditamos
que neste olhar global reside a principal contribuição dessa perspectiva.
O “Circuito das Notícias”, nessa estratégia, é vivo, multifacetado
e rico em possibilidades, porém, inegavelmente, apresenta fragilidades.
Como procuramos analisar os distintos momentos do processo comunicativo em integração, temos somados aqui os limitadores encontrados
pelos pesquisadores que se dedicam a cada uma delas, mais os obstáculos que se impõem por considerarmos o todo. No entanto, esse novo
ponto de vista implica também em reelaborar velhas formulações e elevar os estudos do jornalismo, quem sabe, para um novo patamar, dentro
do campo da cultura e do universo de produção simbólica, sem nunca
esquecer daquilo que realmente lhe dá vida – os seus processos.
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Estratégias e identidades midiáticas