ROBERTO RANGEL MARCONDES
A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO POPULAR
NA DEFINIÇÃO DO INTERESSE PÚBLICO A SER
TUTELADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO
TRABALHO
Tese de Doutorado apresentada à Banca Examinadora da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, como
exigência parcial para a obtenção do título de Doutor em
Direito, sob orientação do Prof. Dr. Estêvão Mallet
FACULDADE DE DIREITO DA USP
SÃO PAULO
2010
RESUMO
A presente tese trata da importância da participação popular na definição do
interesse público a ser tutelado pelo Ministério Público do Trabalho, utilizando-se os novos
instrumentos tecnológicos de comunicação.
O trabalho aborda, inicialmente, os primórdios do Ministério Público brasileiro e
sua crescente desvinculação do Poder Executivo (ou Moderador, antes da instalação da
República), até ser elevado constitucionalmente como função essencial à justiça. Nesse
período, o parquet passou da defesa do interesse público secundário, ou seja, dos interesses da
Coroa ou da União, para a defesa do interesse público primário. Da mesma forma, o Ministério
Público do Trabalho transformou-se de arrecadador de multas e penalidades pecuniárias
destinadas à União e repressor da liberdade sindical por interesse do poder executivo para
defensor dos interesses coletivos lato sensu e dos direitos fundamentais decorrentes das
relações de trabalho.
Entretanto, paralelamente a essas transformações do Ministério Público, conclui-se
que a distinção estática entre o interesse do indivíduo (interesse privado) e o interesse da
administração (interesse público) foi se modificando a partir da segunda metade do século
passado, quando a separação entre Estado e sociedade perdeu nitidez em razão do
enfraquecimento daquele e do surgimento dos corpos intermediários (corporações, Igreja,
associações, sindicatos, etc.) e do reconhecimento jurídico dos interesses transindividuais.
A seguir, verifica-se também que, diante da complexidade das relações sociais, o
legislador abandona o processo de positivação do interesse público, segundo o qual esse
interesse seria exata e unicamente aquele que a lei definisse como tal, e passa a deixar o
conceito do que é interesse público em aberto, cabendo ao aplicador e intérprete do direito
definir esse interesse que está em crescente generalidade e abstração conceitual (heterogêneo
ao invés de homogêneo), o que irá comprometer a racionalidade formal do Direito Positivo,
deixando ao intérprete enorme poder discricionário para decidir quando há o interesse público
a justificar determinada ação do estado (inclusive Ministério Público).
Assim, para resolver os problemas existentes na definição do interesse público
apenas por membros do Ministério Público ou por agentes burocráticos do Estado, e diante da
progressiva aproximação da sociedade civil, verifica-se a importância de que os grupos sociais
passem a colaborar na definição do interesse público que antigamente era definido
exclusivamente pelo Estado. Ocorre, desta forma, a efetivação da quarta geração de direitos
fundamentais (direito à democracia, à informação e ao pluralismo) através dos novos meios de
comunicação existentes com os avanços da tecnologia (internet, blog, twitter, TV digital, etc.),
que permitem a consulta imediata, constante e permanente do verdadeiro detentor da
soberania.
Palavras-chave: Ministério Público do Trabalho, interesse público, democracia direta, novas
tecnologias da informação e comunicação.
ABSTRACT
This thesis addresses the importance of popular participation in the definition of public
interest to be tutored by the Public Labor Prosecutor’s Office, using the new technological
tools of communication.
The paper discusses, first, the beginning pape of the brazilian Office of the Prosecutors
for the Public Interest (or Attorney General of Department of Justice) and its growing
disengagement from the Executive Power (called Moderator before the start of the Republic),
until being constitutionally promoted as an essential function of the justice. At that time, the
parquet went from the defense of the secondary public interest, that is, from the Crown or
Union interests, to the defense of the primary public interest. Likewise, the Public Labor
Prosecutor’s Office became a collector of fines and financial penalties for the Union and a
repressor of union entities freedom for the Executive interests to advocate collective interest
lato sensu and the fundamental rights deriving from labor relations.
However, in parallel with these changes of the brazilian Office of the Prosecutors for the
Public Interest, follows that the static distinction between individual interest (private interest)
and the administration interest (public interest) has been changing since the second half of last
century, when the separation between state and society has lost its distinctness due to the
weakening of the first and the rise of intermediary bodies (corporations, the Church,
associations, union trade entities, etc.) and the legal recognition of trans-individual interests.
Next, it also examines that, before the complexity of the social relations, the legislator
abandons the process of positive public interest, according to which the interest would be only
and exactly that the law defines as such, and starts to leave the concept of what is public
interest in open, leaving the interpreter and enforcer of the law to define such interest which is
growing in generality and abstract concept (heterogeneous rather than homogeneous), which
will compromise the formal rationality of positive law, thus leaving the interpreter huge
discretional power to decide whether or not there is public interest to justify a particular action
of the state (including that of the Office of the Prosecutors for the Public Interest).
Therefore, to solve the existing problems in defining the public interest only by the
members of the Office of the Prosecutors for the Public Interest or by agents of the
bureaucratic state, and given the progressive approach of the civil society, it verifies the
importance of social groups start to collaborate in the definition of public interest, which was
formerly defined exclusively by the state. In this manner, it is put into effect a fourth
generation of fundamental rights (right to democracy, information and pluralism), through the
new means of communication emerging with the advances in technology (internet, blog,
twitter, digital TV, etc.), which permits an instant search, constant and permanent, by the true
holder of the sovereignty.
Key words: Public Labor Prosecutor’s Office (or Attorney General of Department of Justice),
public interest, direct democracy, new information and communication
technologies.
RIASSUNTO
La presente tesi tratta dell’importanza della partecipazione popolare nella definizione
dell’interesse pubblico da essere tutelato dal Pubblico Ministero (sezione Lavoro)Nota,
utilizzando i nuovi strumenti tecnologici di comunicazione.
Il documento illustra, in primo luogo, i primordi del Pubblico Ministero Brasiliano e il
suo crescente disimpegno dal Potere Esecutivo (o Moderatore, così chiamato prima della
Repubblica), fino a essere elevato costituzionalmente come funzione essenziale della giustizia.
In questo periodo, il parquet passò dalla difesa dell’interesse pubblico secondario, ovvero,
degli interessi della Corona o dell’Unione, per la difesa dell’interesse pubblico primario. Allo
stesso modo il Pubblico Ministero (sezione Lavoro) si trasformó da un collettore di multe e
pene pecuniarie dell’Unione e repressore delle libertà sindacali per l’interesse del potere
esecutivo a difensore degli interessi collettivi lato sensu e dei diritti fondamentali derivati dai
rapporti di lavoro.
Tuttavia in parallelo con queste trasformazioni del Pubblico Ministero, si puó concludere
che la distinzione statica fra l’interesse dell’individuo (interesse privato) e l’interesse
dell’amministrazione (interesse pubblico) ha iniziato a cambiare a partire dalla seconda metà
del secolo scorso, quando la separazione fra Stato e società ha perso la nitidezza a causa
dell’indebolimento dei primi e dall’apparizione dei corpi intermediari (aziende, Chiesa,
associazioni, sindacati, etc.) e dal riconoscimento giuridico degli interessi transindividuali.
In seguito verificasi anche che, perante la complessità delle relazioni sociali, il
legislatore abbandoni il processo di positivazione dell’interesse pubblico, secondo il quale tale
interesse sarebbe solo e esattamente ciò che la legge definisce come tale, e passi a lasciare il
concetto di ciò che é di interesse pubblico in aperto, competendo all’applicatore e all’interprete
della legge definire questo interesse che sta in crescente generalità e astrazione concettuale
(eterogenea piuttosto che omogenea), che comprometterà la razionalità formale del Diritto
Positivo, lasciando all’interprete enorme potere di discrezione per decidere quando é presente
l’interesse pubblico per giustificare una particolare azione dello Stato (compreso il Pubblico
Ministero).
Così, per risolvere i problemi esistenti nella definizione dell’interesse pubblico soltanto
da parte dei membri del Pubblico Ministero o degli agenti burocratici dello Stato, e di fronte
all’approccio progressivo della società civile, verificasi l’importanza che i gruppi sociali
inizino a collaborare nella definizione dell’interesse pubblico, che prima furano definiti
esclusivamente dallo Stato. Succede così, l’effetivazione della quarta generazione dei diritti
fondamentali (diritti alla democrazia, all’informazione e al pluralismo) attraverso i nuovi
mezzi di comunicazioni esistenti con il progresso della tecnologia ( internet, blog, twitter, TV
digitale, etc.), che consentano la consultazione immediata, costante e permanente del vero
titolare della sovranità.
Parole-chiave: Pubblico Ministero, l’interesse pubblico, democrazia diretta, nuove tecnologie
dell’informazione e della comunicazione.
Nota
in Brasile esiste un Pubblico Ministero che tratta esclusivamente degli assunti relazionati al lavoro.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................. 7
CAPÍTULO I. OS DESAFIOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO ............... 11
1. Introdução................................................................................................................. 11
2. As origens e o desenvolvimento do Ministério Público no Brasil ........................... 12
3. Ministério Público do Trabalho: origens e transformações ..................................... 36
4. A crescente demanda dos conflitos trabalhistas e da despesa da Justiça do
Trabalho e do Ministério Público do Trabalho – limites intransponíveis ............... 46
5. O limite imposto pela lei de responsabilidade fiscal ................................................ 55
6. O Ministério Público do Trabalho e seus desafios ................................................... 59
CAPÍTULO II. CONFLITOS DE INTERESSES E O INTERESSE PÚBLICO ................. 62
1. Conceito de interesses .............................................................................................. 62
2. Espécies de interesses............................................................................................... 67
2.1. Interesse individual e coletivo ........................................................................ 67
2.2. Interesse privado e interesse público .............................................................. 68
2.3. Interesse público primário e secundário ......................................................... 73
2.4. Os interesses transindividuais ........................................................................ 76
2.4.1. Interesses difusos .................................................................................... 76
2.4.2. Interesses coletivos “stricto sensu” ........................................................ 80
2.4.3. Interesses individuais homogêneos ........................................................ 83
3. A subjetividade do interesse público e da relevância social .................................... 87
CAPÍTULO III. A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO POPULAR NA
DEFINIÇÃO DO INTERESSE PÚBLICO ............................................................. 92
1. Introdução................................................................................................................. 92
2. Ampliação da participação popular na Administração Pública moderna ................ 95
3. Políticas públicas lato sensu: políticas de Estado, de governo e sociais civis ......... 99
4. Quem define o que é interesse público? ................................................................. 105
5. As barreiras para a efetividade das políticas públicas e da participação
popular ................................................................................................................... 108
CAPÍTULO IV. A SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE A
INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL DO MEMBRO DO MINISTÉRIO
PÚBLICO DO TRABALHO ................................................................................... 113
1. Princípios institucionais do Ministério Público ..................................................... 113
2. Garantias constitucionais do Ministério Público .................................................... 115
2.1. Garantias institucionais ................................................................................ 115
2.2. Garantias dos membros do Ministério Público ............................................ 116
3. Prerrogativas........................................................................................................... 120
4. As vedações, as limitações na defesa dos interesses metaindividuais e a
responsabilidade do membro do MPT ................................................................... 122
5. Uma releitura do princípio da independência funcional e a supremacia do
interesse público .................................................................................................... 127
6. A vinculação do MPT com o interesse público definido pela sociedade: a
defesa da democracia direta................................................................................... 133
7. Os novos instrumentos tecnológicos para a ampliação da participação popular
na definição do interesse público........................................................................... 139
CAPÍTULO V. A EFETIVAÇÃO DO INTERESSE PÚBLICO PELO MINISTÉRIO
PÚBLICO DO TRABALHO ................................................................................... 160
1. O momento de transformação do Ministério Público do Trabalho ........................ 160
2. Quem define o objeto de atuação do Ministério Público do Trabalho? ................. 165
3. Defesa das categorias de trabalhadores: Sindicato ou Ministério Público do
Trabalho? ............................................................................................................... 168
4. O Ministério Público do Trabalho e a execução de políticas sociais ..................... 172
5. A necessária reformulação do Ministério Público do Trabalho para a
efetivação do interesse público .............................................................................. 174
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................... 178
ANEXO
EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA DO MPT .......................................................................... 188
7
INTRODUÇÃO
As instituições nascem, desenvolvem-se e, quando não são mais úteis,
desaparecem1. E com o Ministério Público não é diferente. Por isso, seus integrantes
devem buscar o aperfeiçoamento constante e novos instrumentos de atuação para que a
Instituição continue a ser importante para a sociedade, sob pena de extinção. E a história
tem inúmeros exemplos de instituições que foram fortes, mas que acabaram por se
extinguir completamente ou foram substituídas por não serem mais úteis.
O presente trabalho, portanto, objetiva fazer uma análise crítica sobre o atual
modo de atuação do Ministério Público e a forma como se define o interesse público
tutelado pela Instituição, a fim de repensar em novas propostas de agir para melhor atender
aos anseios da sociedade. Baseando-se nos limites humanos e materiais e nas constantes
transformações pelas quais passa o parquet brasileiro, será possível concluir que é
imprescindível uma reorientação na definição e defesa do interesse público para que o
Ministério Público, em especial o ramo especializado do trabalho, possa realmente cumprir
com seu mister constitucional de defensor do regime democrático e dos interesses sociais e
indisponíveis de toda sociedade, e não apenas de parcela organizada dela.
Desta forma, o estudo se propõe a analisar as origens da Instituição no Brasil e
a ascensão do Ministério Público do Trabalho como verdadeiro ramo do Ministério Público
após a promulgação da Constituição de 1988, para entender as transformações pelas quais
passou, e ainda passa, e projetar um futuro que atenda a seus efetivos objetivos e continue
a ser importante para a sociedade que legitima sua existência.
Assim, de modo bem sucinto, iremos tratar dos primórdios do Ministério
Público na França e em Portugal, para depois estudar sua evolução nas Constituições do
Brasil. Com relação à evolução do parquet em solo nacional, verifica-se a crescente
desvinculação com o Poder Executivo (ou Moderador, antes da instalação da República),
até ser elevado constitucionalmente como função essencial à justiça. Nesse período, o
parquet passou da defesa do interesse público secundário, ou seja, dos interesses da Coroa
1
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito da participação política: legislativa, administrativa,
judicial (fundamentos e técnicas constitucionais da legitimidade). Rio de Janeiro: Renovar, 1992. p. XVII.
8
ou da União, para a defesa do interesse público primário. A atuação do Ministério Público
na defesa dos clássicos direitos de natureza individual (direitos civis e políticos) se
ampliou para uma atuação na tutela dos direitos supraindividuais ou sociais, inclusive na
defesa do regime democrático e, portanto, a tutela da soberania popular. Se na sua origem
o Ministério Público deveria servir ao Rei ou ao poder central, hoje o soberano a quem o
Ministério Público deve servir é o povo.
Da mesma forma, o Ministério Público do Trabalho transformou-se de
arrecadador de multas e penalidades pecuniárias destinadas à União e repressor da
liberdade sindical por interesse do poder executivo (interesse público secundário) para
promotor dos interesses coletivos lato sensu e dos direitos fundamentais decorrentes das
relações de trabalho (interesse público primário); de órgão inerte na atribuição de exarar
pareceres nos processos em que figuram entes da administração pública para órgão agente
implementador de políticas públicas. De um perfil inerte, o Ministério Público do Trabalho
passou para ação na defesa dos interesses coletivos lato sensu, na busca do interesse
público e pela efetivação dos direitos fundamentais.
Entretanto, paralelamente a essas transformações do Ministério Público, iremos
verificar também que a distinção estática entre o interesse do indivíduo (interesse privado)
e o interesse da administração (interesse público) foi se modificando a partir da segunda
metade do século passado, quando a separação entre Estado e sociedade perdeu nitidez em
razão do enfraquecimento daquele e do surgimento dos corpos intermediários
(corporações, Igreja, associações, sindicatos, etc.) e do reconhecimento jurídico dos
interesses transindividuais. Com essa progressiva aproximação da sociedade civil, os
grupos sociais passaram a colaborar com a identificação do interesse público. Quando o Estado
era autoritário e centralizador, cabia a ele exclusivamente definir o interesse público; hoje, no
Estado regulador, menos presente, cabe à sociedade também definir o interesse público. Assim,
atualmente, interesse público não é relativo apenas ao interesse da Administração Pública e
nem esta é mais a detentora do monopólio do interesse público. A fragmentação social
legitimou a multiplicidade de interesses públicos, que são mutáveis no tempo e espaço. Isto é,
o interesse público não é mais singular e estático, mas plural e aberto.
Desta forma, diante da complexidade das relações sociais, o legislador
abandonou o processo de positivação do interesse público, segundo o qual esse interesse
9
seria exata e unicamente aquele que a lei definisse como tal, e passou a deixar o conceito
do que é interesse público em aberto, cabendo ao aplicador e intérprete do direito definir
esse interesse que está em crescente generalidade e abstração conceitual (heterogêneo ao
invés de homogêneo), o que irá comprometer a racionalidade formal do Direito Positivo,
deixando ao intérprete enorme poder discricionário para decidir quando há o interesse
público a justificar determinada ação do estado (inclusive Ministério Público).
E esse poder discricionário de decidir se existe ou não interesse público em
determinado caso concreto pelo agente burocrático é extremamente perigoso, pois na
grande maioria das vezes ele irá definir o interesse público segundo seu critério pessoal.
Situação agravada ainda mais se considerarmos que a sociedade é heterogênea e possui
diversas definições de interesse público, enquanto o agente definidor de interesse público é
homogêneo, como ocorre com os membros do Ministério Público do Trabalho, segundo
pesquisa realizada pela Secretaria da Justiça, que concluiu que a grande maioria dos seus
membros possui o mesmo perfil sócio-psicológico: brancos, de classe média alta, meia
idade, residentes em regiões urbanas e com perfil conservador.
Não podem os seus agentes por si só definir o interesse público, mas ouvir a
sociedade, porque o interesse público primário se confunde com a vontade popular. Todos
os indivíduos da sociedade que, em última análise, acaba por ser defendida pelo Ministério
Público, têm o dever de exercerem influência e de serem ouvidos para a tomada de
decisões de interesse comum. Não pode um pequeno grupo de procuradores definir o
interesse público e a população passivamente concordar com sua atuação, sem que haja
definição, fiscalização e cobrança. O Ministério Público é uma instituição fundamental
para o sistema de justiça e, por isso, corresponsável pelas políticas públicas lato sensu e
agente de inclusão social e transformação da realidade, mas a serviço da sociedade.
Assim, para resolver os problemas existentes na definição do interesse público
apenas por membros do Ministério Público ou por agentes burocráticos do Estado, e diante
da progressiva aproximação da sociedade civil, verifica-se a importância de que os grupos
sociais passem a colaborar na definição do interesse público que antigamente era definido
exclusivamente pelo poder central. Apenas desta forma, com a participação popular na
identificação do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá tutelar os mais
relevantes interesses sociais e individuais indisponíveis, e o Estado poderá implementar
10
políticas públicas mais eficazes na erradicação da pobreza e da marginalidade, na busca de
uma sociedade justa e solidária, e na redução das desigualdades sociais e regionais.
E essa participação do cidadão na criação normativa e na gerência da coisa
pública está vinculada ao regime democrático porque proporciona a participação do povo
na organização e exercício do poder político, além de estar relacionada diretamente aos
direitos de quarta geração (direito à democracia, à informação e ao pluralismo).
Com a participação popular direta ocorre a efetivação da quarta geração de
direitos fundamentais, através dos novos meios de comunicação existentes com os avanços
da tecnologia (internet, blog, twitter, TV digital interativa, etc.), que permitem a consulta
imediata, constante e permanente do verdadeiro detentor da soberania, aliada à pluralidade
de informações à disposição dos cidadãos. O ciberespaço, agrupado com a inteligência coletiva,
possibilitará tornar os integrantes da sociedade mais conscientes daquilo que fazem em conjunto
e dará mecanismos práticos para se coordenarem e resolver os seus problemas. Os novos
instrumentos de comunicação e participação popular irão permitir uma maior interferência do
cidadão na definição de interesse público e na atuação do Estado, inclusive no Ministério
Público, e um obstáculo (não intransponível) à interferência do poder econômico e da
concentração da fonte de informação. Cria-se a heterogeneidade de opiniões da sociedade em
detrimento da homogeneização dos grupos de interesses privados.
Entretanto, para que isto seja possível, é necessário que o acesso aos
instrumentos de comunicação e informação seja o mais universal possível, além de
implementar esforços na redução das desigualdades sociais, econômicas e educacionais.
Caso contrário, ocorrerá como na “democracia ateniense”, em que uma elite pequena e de
bom nível educacional terá acesso a essa extraordinária ferramenta de informação e
participação política, capaz de implementar o exercício da cidadania participativa, em
detrimento da grande parcela de excluídos que ficarão à margem dessa nova ordem
democrática, como ocorria com os escravos e bárbaros da Grécia Antiga e como ocorre até
hoje, em que pequenos grupos controlam o poder. Conclui-se, portanto, que a participação
popular na definição do interesse público é viável, através da utilização dos novos
instrumentos tecnológicos de comunicação. Contudo, é imprescindível que exista vontade
política para a sua implementação no âmbito do Ministério Público do Trabalho.
11
CAPÍTULO I. OS DESAFIOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO
TRABALHO
1. Introdução
Não existe povo sem história e nem Instituição forte e independente sem um
passado. E para compreender o Ministério Público, e projetar o seu futuro e conhecer os
seus desafios, é imprescindível estudar suas origens e evolução histórica. Assim, neste
capítulo, busca-se elaborar estudo doutrinário a respeito das origens e desenvolvimento do
Ministério Público no Brasil, para depois fazer uma remissão histórica do Ministério
Público do Trabalho através dos diplomas legais e de acontecimentos recentes de
conhecimento do autor, com a finalidade de pensar nas transformações pelas quais o
parquet laboral deverá, necessariamente, passar, para melhor atender aos anseios da
sociedade. No mesmo sentido de que é importante conhecer a história para projetar o
futuro, Wagner Giglio, ao realizar as perspectivas da Justiça do Trabalho, se manifestou
que “o futuro não é tão aleatório quanto poderia parecer, à primeira vista, se considerarmos
que somos, hoje, o produto histórico das condições e circunstâncias de ontem” e que, sem
dúvida, amanhã, seremos “o resultado das premissas fáticas hoje vigorantes ou o produto
da equação social montada nos dias vividos na atualidade”2.
Mas, da mesma forma, como bem apontado por Aurelino Leal, não há história
de um povo independente, em absoluto, da história de outros povos:
As necessidades da troca, as injuncções da vida, com o seu formidavel
potencial de actividade; o desdobramento das aspirações humanas, a
manifestação polyforme da intemperança dos homens, das ambições
politicas e economicas, estabelecem uma dependencia inconfundivel
entre as sociedades, de tal modo que, em um dado momento, um capitulo
da historia de um povo, ou de uma nação, se torna commum ao do outro,
3
ou outros, nos quaes o estado, a condição do primeiro reflectiu .
2
GIGLIO, Wagner D. Perspectivas da Justiça do Trabalho. LTr: revista legislação do trabalho. São Paulo, v.
56, n. 6, p. 656, jun. 1992.
3
LEAL, Aurelino de Araújo. História constitucional do Brasil. Ed. fac-similar. Brasília: Senado Federal,
2002. (Coleção história constitucional brasileira).
12
Por isso, e diante da enorme influência do direito europeu na formação e
organização das instituições brasileiras, o trabalho não pode deixar de abordar, ainda que
de forma superficial, as figuras e institutos provenientes da Idade Média e as origens do
Ministério Público na França e Portugal, mesmo porque será verificado que o Ministério
Público de defensor da Coroa e do interesse público secundário se transforma no defensor
do interesse público primário.
Entretanto, para atingir o objetivo do presente trabalho é fundamental
delimitarmos algumas características presentes no Ministério Público para que possamos
identificar as suas origens e evolução histórica, pois, a busca das origens remotas pode ser
influenciada pela visão que se tem atualmente da instituição. Certamente esta instituição
organizada, independente, defensora dos interesses sociais e indisponíveis, como a
conhecemos nos dias atuais, cujos membros possuem garantias e prerrogativas, não a
encontraremos antes do Século XX.
Para tanto, identifica-se instituições no decorrer da história que exerciam uma
ou algumas das funções típicas do Ministério Público moderno, tais como a defesa da
sociedade (ainda que parcela desta, como nos casos dos marginalizados), o fiel cumprimento
das normas (costumes, editos, leis, etc.), a persecução penal ou a promoção do exercício da
função jurisdicional no interesse público, como conceituou Giuseppe Chiovenda:
Il P.M. (com questo nome la legge indica l’ufficio: com altri nomi gli
organi che ne sono rivestiti) é ufficio attivo che ha per compito
fondamentale di promuovere l’esercizio della funzione giurisdizionale,
nell’interesse pubblico, e concludere sul modo del suo esercizio.4
Assim, de forma genérica e para definir algumas características importantes
para o presente estudo, o Ministério Público é uma instituição distinta do julgador, que
promove a defesa dos interesses mais relevantes da sociedade, incluindo a persecução
penal e os interesses públicos.
2. As origens e o desenvolvimento do Ministério Público no Brasil
Podemos identificar na Antiguidade algumas instituições que possuíam
algumas características remotas com o Ministério Público, como persecução penal ou
4
CHIOVENDA, Giuseppe. Principii di diritto processuale civile. 3. ed. riv. e notevolmente aumen. Napoli:
Jovene, 1923.
13
assistência aos idosos ou crianças, contudo, sem uma evolução histórica relacionada com o
Ministério Público moderno. Eram figuras históricas isoladas que apenas justificavam a
importância de instituições que buscavam proteger parcela marginalizada da sociedade ou
no combate aos delitos penais. Estas figuras ou instituições afins não possuem nenhuma
relação direta com o Ministério Público como o conhecemos hoje.
Na antiga Pérsia, a exemplo do Egito, foi banida a vingança privada, ficando a
cargo da autoridade pública a repressão criminal. Essa função era desempenhada pelos chefes
das tribos, havendo ainda funcionários reais encarregados de fiscalizar os magistrados e ouvir
as queixas dos súditos, sendo conhecidos como os “olhos e ouvidos do príncipe” 5. Entre os
hebreus, a justiça era desempenhada por intermédio do sopherim, que tinha autoridade sobre
funcionários conhecidos por sotherim, encarregados da execução dos julgados.
Na democracia da cidade-estado grega, onde reinava a soberania popular, os
cidadãos participavam ativamente das funções públicas e tinham assento e voto nos
conselhos, assembleias e nos tribunais. A Boulé, ou Conselho dos Quinhentos, era
composta por cinquenta cidadãos escolhidos por sorte em cada tribo e tinha como
atribuições questões religiosas, financeiras, diplomáticas, militares e controle sobre as
atividades dos magistrados. Já a Eclésia, ou assembleia popular, reunia todos os cidadãos
maiores de dezoito anos no pleno exercício de seus direitos políticos e tinha como
finalidade discutir e votar tratados e alianças com outras cidades, declarar guerra, confiscar
bens, majorar ou reduzir tributos e decidir sobre o exílio de um cidadão a bem do interesse
público (ostracismo)6. Por sua vez, o Elieu ou Tribunal dos Heliastas era composto por até
6.000 cidadãos escolhidos entre aqueles que tivessem mais de 30 anos e que se
dispusessem a julgar as questões trazidas ao tribunal por qualquer um do povo. Estes
magistrados não necessariamente possuíam conhecimentos especializados, mas as suas
decisões, justamente por constituírem a expressão da vontade e soberania popular, eram
definitivas e não admitiam qualquer recurso7. Por outro lado, não podemos esquecer que a
5
AYARRAGARAY, Carlos Alberto. El ministerio público: su historia, organización y funcionamiento en la
legislación comparada y en la República Argentina, seguido de las bases para una próxima organización en
la legislación nacional. Buenos Aires: J. Lajouane, 1928. p. 13; MARUM, Jorge Alberto de Oliveira.
Ministério Público e direitos humanos: um estudo sobre o papel do Ministério Público na defesa e na
promoção dos direitos humanos. Campinas: Bookseller, 2005. p. 31.
6
AZEVEDO, Luiz Carlos de. Introdução à história do direito. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, 2007. p. 44-45. JAGUARIBE, Hélio. Introdução. In: ______ (Org.). A democracia grega.
Brasília/DF: Ed. Universidade de Brasília, 1981. p. 6.
7
AZEVEDO, Luiz Carlos de. Introdução à história do direito, cit., p. 45-46.
14
parcela da população que era considerada cidadã e que, portanto, podia participar
ativamente da sociedade nas decisões públicas era muito pequena, sendo excluídos os
estrangeiros (metecos), escravos e mulheres.
Em razão destas características de representatividade do povo grego, Carlos
Roberto Jatahy conclui ser improvável que
numa democracia direta como aquela cultivada pelos gregos, pudesse
vicejar a instituição ministerial. A amplitude do exercício da cidadania, o
respeito aos ideais democráticos, a prática da democracia direta e a
consciência dos direitos, escrupulosamente garantidos aos considerados
cidadãos, prescindiam da existência de uma instituição para cumprir as
atividades hoje confiadas ao Ministério Público 8.
A acusação dos criminosos era praticada por qualquer cidadão grego, prática
também adotada no início da civilização romana, característica apontada por Ayarragaray
como demonstrativo de que não existia ministério público nestas duas civilizações9.
Todavia, apesar de o Ministério Público não ter origens na Grécia Antiga,
temos que reconhecer que o legado da civilização grega, em particular a ideia de repartição
de poderes entre pessoas diferentes, alternância no poder, o ideal democrático, participação
popular, relação da liberdade com a igualdade e o senso de justiça10, teve uma influência
enorme para todos os povos da Antiguidade, em especial em Roma. Por sua vez, a
influência do Direito Romano sobre a cultura jurídica europeia e, consequentemente, para
os países latinos americanos, é também marcante11. Não podemos deixar de considerar que
a herança grega e romana para o direito contemporâneo foi fundamental e as características
8
JATAHY, Carlos Roberto de C. O Ministério Público e o Estado democrático de direito: perspectivas
constitucionais de atuação institucional. Curitiba: Lumen Juris, 2007. p. 9.
9
AYARRAGARAY, Carlos Alberto. El ministerio público: su historia, organización y funcionamiento en la
legislación comparada y en la República Argentina, seguido de las bases para una próxima organización en
la legislación nacional, cit., p. 13-21. Posição também acompanhada por Antônio Cláudio da Costa
Machado que, após enumerar várias figuras que existiram em Roma, tais como, o praefectus urbis, os
praesides, os judices pedanei e os procuratores caesaris, conclui não haver qualquer resquício embrionário
com o Ministério Público que há séculos conhecemos (MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A
intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1998.
p. 10-12).
10
Características encontradas em A Política, de Aristóteles, em especial, nos Capítulos XIII do Livro IV; XI
do Livro VI; e I do Livro VII. ARISTÓTELES. A política. Tradução de Roberto Leal Ferreira. São Paulo:
Martins Fontes, 1991.
11
AZEVEDO, Luiz Carlos de. Introdução à história do direito, cit., p. 47; GILISSEN, John. Introdução
histórica ao direito. 3. ed. Tradução de António Manuel Hespanha e L. Manuel Macaísta Malheiros.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001. p. 513.
15
do ministério público atual, como a defesa do regime democrático e a defesa da legalidade,
têm muito a ver com essas civilizações. Daí poder-se afirmar que o Corpus Juris Civilis de
Justiniano exerceu uma influência extraordinariamente grande sobre toda a formação do
direito, tanto que a partir do Século XI ele se tornou a base de estudo na Europa, inclusive
na Inglaterra (que adotou o “common law”). O próprio Código Napoleônico do Século
XIX, obra base da legislação dos estados modernos, inclusive da América Latina, tem
muitas regras das Institutas de Justiniano12. Entretanto, apesar de o legado grego e romano
influenciar na formação do direito, não podemos afirmar que as origens do Ministério
Público são daquele período da Antiguidade, como concluiu Roberto Lyra que “os gregos e
os romanos não conheceram, propriamente, a instituição do Ministerio Publico”13.
Origens francesas
Se existem muitas divergências em relação às origens do Ministério Público
no período da Antiguidade, o mesmo não se pode falar em relação às suas origens na
França. A doutrina aponta a origem remota do Ministério Público ao “advogado do rei” e
“procurador do rei” (avocats et procureur du roi), que tiveram as duas funções unificadas
no século XIV. Os procuradores do Rei, por sua vez, tiveram origem remota nos oficiais do
Estado chamados de saïon ou graffion14 existentes no século VII em cada cantão,
exercendo várias atribuições administrativas. Eles controlavam as mudanças da população,
exploravam os bens do reino, controlavam os postos do correio e exerciam atribuições
fiscais. Em decorrência destas atribuições fiscais, acabaram por exercer também funções
criminais, pois uma grande parte dos delitos era punida com penas pecuniárias, o que
constituía enorme parcela dos recursos do tesouro real15. O saïon, além de oferecer a
12
BURNS, Edward McNall; LERNER, Robert E.; MEACHEM, Standish. História da civilização ocidental:
do homem das cavernas às naves espaciais. Tradução Donaldson M. Garshagen. 44. ed. São Paulo: Globo,
2005. v. 1, p. 196-197.
13
LYRA, Roberto. Theoria e prática da promotoria pública. Rio de Janeiro: Livr. Ed. Jacintho, 1937. p. 910. No mesmo sentido COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno.
São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 669.
14
AYARRAGARAY, Carlos Alberto. El ministerio público: su historia, organización y funcionamiento en la
legislación comparada y en la República Argentina, seguido de las bases para una próxima organización en
la legislación nacional, cit., p. 10-11. SALLES, Carlos Alberto de. Entre a razão e a utopia: a formação
histórica do Ministério Público. In: VIGLIAR, José Marcelo Menezes; MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto
(Coord.). Ministério Público II: democracia. São Paulo: Atlas, 1999. p. 18.
15
SALLES, Carlos Alberto de. Entre a razão e a utopia: a formação histórica do Ministério Público, cit., p. 18.
16
denúncia contra quem violasse a lei criminal, também executava a multa prevista na
sentença para aumentar a arrecadação real.
No entanto, as funções exercidas por estes oficiais do Estado foram
substituídas pelos “soberanos” locais no século X, quando o poder real praticamente
desapareceu e houve o desmembramento em feudos. Apenas com a restauração da
autoridade real a partir do século XIII e com a junção das funções de advogado do rei
(avocat du roi) e de procurador do rei (procureur du roi), é que nós iremos encontrar a
criação do Ministério Público: “o avocat e o procureur, embora exercendo papéis
diferentes, no cível e no crime, na verdade têm sua atividade dirigida para um único
objetivo, ou seja, a defesa do poder e dos interesses do soberano, personificando o poder
do Estado. Em razão dessa semelhança, posteriormente ocorreu a fusão dessas duas
funções em uma mesma entidade, o Ministério Público”16.
Nesta mesma época, na jurisdição eclesiástica, que inspirou a atual organização
judiciária, encontravam-se agentes que desempenhavam questões penais, atribuições
equivalentes ao do ministério público atual, segundo John Gilissen:
No século XII, os bispos procuraram retirar a função judiciária aos
arcedíagos17 que escapavam muitas vezes à sua autoridade. Por acção dos
papas, os bispos reencontraram plenitude de competência; mas,
sobrecarregados, delegaram as suas funções judiciárias num oficial de
justiça, o ‘official’ (juiz eclesiástico), nomeado entre os clérigos pelos
bispos e também por eles exonerado.
(...)
A organização dos tribunais eclesiásticos aperfeiçoa-se nos séculos XIII e
XIV: junto de cada juiz eclesiástico, têm assento desde então funcionários
eclesiásticos, tais como o recepto actorum (que recebia os actos passados
perante o juiz), o registrator (escrivão que fazia o registro da audiência),
o promotor que desempenhava em questões penais um papel equivalente
ao do ministério público actual. Havia, além disso, procuradores,
advogados, notários. Assim, inúmeros elementos da organização
judiciária actual têm origem na organização dos tribunais eclesiásticos
medievais18.
16
SALLES, Carlos Alberto de. Entre a razão e a utopia: a formação histórica do Ministério Público, cit., p. 19.
Arcedíagos eram paroquianos convocados pelo Bispo para participarem das assembleias onde se julgavam
os autores de crimina ecclesiastica, tais como a libertinagem, o adultério, a usura, a blasfêmia, o sacrilégio,
etc. (GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito, cit., p. 383).
18
GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito, cit., p. 384.
17
17
Apenas em 1302, com a “Ordonnance” de Felipe IV, na França, ocorre a
unificação do advogado do rei e do procurador do rei em uma mesma instituição: “advocat
et procureur du roi”, cujas principais funções eram de persecução penal e de tutela dos
interesses do Estado e do soberano junto ao Poder Judiciário19. Felipe IV cria um corpo de
funcionários, organizado por lei, a quem competia a tutela dos interesses do Estado,
separados da pessoa e dos bens do rei, e, com a finalidade de fiscalizar de perto as
atividades dos magistrados, outorga-lhes as mesmas prerrogativas destes, impondo-lhes,
inclusive, a vedação do patrocínio de quaisquer outras causas. Apesar de atuar tão somente
na defesa dos interesses do Estado (função exercida pelo Ministério Público brasileiro até a
promulgação da Constituição de 1988), nascia aí o Ministério Público20.
Antônio Cláudio da Costa Machado ressalta que outras ordenações vieram a
regulamentar o Ministério Público, “tais como a de Carlos VIII, de julho de 1493, a de
Luís VII, de 1498, e as de agosto de 1522, novembro de 1553 e maio de 1586 e, por fim, a
‘Ordonnance Criminalle’ de Luís XIV, de agosto de 1670 – grande codificação do
processo criminal francês – que veio a ampliar o campo de atuação do Ministério
Público”21.
Essas são as origens do atual Ministério Público, que acabou por sofrer
tremenda transformação após a Revolução Francesa de 1789, quando foi instituído que as
suas funções eram distintas daquelas atribuídas aos órgãos administrativos, judiciários e
19
MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 38; JATAHY,
Carlos Roberto de Castro. O Ministério Público e o estado democrático de direito: perspectivas
constitucionais de atuação institucional, cit., p. 12-13; ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR,
Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 324;
MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro,
cit., p. 13; BRAGA, Pedro. O Ministério Público na Constituição de 1988. Revista de Informação
Legislativa, Brasília, ano 45 n. 179, p. 57, jul./set. 2008; DINIZ, José Janguiê Bezerra. Ministério Público
do Trabalho: ação civil pública, ação anulatória, ação de cumprimento. Brasília: Ed. Consulex, 2004. p. 69;
MARUM, Jorge Alberto de Oliveira. Ministério Público e direitos humanos: um estudo sobre o papel do
Ministério Público na defesa e na promoção dos direitos humanos, cit., p. 39. Para José Janguiê B. Diniz, a
Ordonnance foi editada em 25 de março de 1303, e para Jorge Alberto de Oliveira Marum, a data é 23 de
março de 1303. Para os demais autores citados, a Ordonnance é de 25 de março de 1302).
20
JATAHY, Carlos Roberto de Castro. O Ministério Público e o estado democrático de direito: perspectivas
constitucionais de atuação institucional, cit., p. 13; MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção
do Ministério Público no processo civil brasileiro, cit., p. 13; DINIZ, José Janguiê Bezerra. Ministério
Público do Trabalho: ação civil pública, ação anulatória, ação de cumprimento, cit., p. 69.
21
MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro,
cit., p. 14.
18
legislativos; que ele não representava mais tão somente os interesses do rei ou da coroa,
mas os da sociedade22.
Mas, apesar de reconhecer as grandes transformações ocorridas logo após a
Revolução Francesa, Hugo Nigro Mazzilli conclui que “foram, porém, os textos
napoleônicos que instituíram o Ministério Público que a França veio a conhecer na
atualidade”.23
O Ministério Público criado e desenvolvido na França passa a influenciar as
demais nações europeias, inclusive a portuguesa, que por sua vez insere esta importante
instituição no nosso direito pátrio.
Origens portuguesas
Com a ascensão de D. João I ao trono de Portugal, e diante de sua aspiração em
codificar os textos legais, pois “desejoso de haver distribuição na justiça melhor certeza e
segurança”, começam a aparecer referências aos procuradores e advogados do rei, que se
preocupavam com os interesses do fisco e da coroa, inspirados na “Ordonnance” de Felipe
IV, o Belo. Mas, segundo Carlos Roberto Jatahy24, antes mesmo das Ordenações de 1302,
já havia em Portugal a figura do procurador do rei, o que muitos anos depois daria origem
à figura do Procurador de Justiça:
No país ibérico, a primeira menção existente acerca do assunto é um
diploma legal de 14 de janeiro de 1289, em que se criava a figura do
Procurador do Rei, cargo de natureza pública e permanente, sem
entretanto constituir ainda uma magistratura, o que só ocorreria mais
tarde, com a criação dos tribunais regulares e a publicação de leis que
viriam a substituir o primitivo direito dos forais de cada região.
(...)
Evidenciada no reino de Portugal a necessidade de se estabelecer uma
instituição que apoiasse os vassalos que reclamassem por Justiça, bem
como defendesse o interesse geral, surge, nas Ordenações Afonsinas,
22
MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro,
cit., p. 14-15.
23
MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público, cit., p. 38.
24
JATAHY, Carlos Roberto de Castro. O Ministério Público e o estado democrático de direito: perspectivas
constitucionais de atuação institucional, cit., p. 15. Opinião compartilhada por Pedro Braga (O Ministério
Público na Constituição de 1988, cit., p. 57).
19
publicadas entre 1446 e 1447 (Título VIII, Livro I), a figura do
Procurador da Justiça, nestes termos ‘...E veja, e procure bem todos os
feitos da justiça, e das viúvas, e dos órfãos, e miseráveis pessoas que à
nossa Corte vierem’.
Em seguida, em 1521, as Ordenações Manuelinas, no Título XII do Livro I,
estabeleceram as atribuições “Do Promotor da Justiça da Casa de Suplicação”25. Uma das
funções do promotor de justiça era formar o libelo contra os “seguros”26 ou presos que por
parte da justiça tenham sido acusados (Título XII). Ainda, as Ordenações Manuelinas
“defendiam e mandavam” que nenhuma cidade, vila ou lugar “de nossos reinos e
senhorios” não tenha promotor da justiça, “salvo nas nossas casas de suplicação e do
cível”. O promotor deveria “ser letrado e bem entendido” e mandava “que com grande
cuidado e diligência requeira todas as coisas que pertençam à justiça: em tal quisa
(maneira) que por sua culpa e negligência não pereça”.
Com as Ordenações Filipinas de 1603, a instituição do Ministério Público
aparece de forma mais estruturada, onde em diversas passagens faz referência ao
“Procurador dos Feitos da Coroa”, “Procurador dos Feitos da Fazenda”, “Promotor da
Justiça da Casa da Suplicação” e “Promotor da Justiça da Casa do Porto”. Em linhas
gerais, muitas das regras tratadas acima nas Ordenações Manuelinas são novamente
repetidas, sendo que as funções que eram exercidas pelos “Procuradores dos Feitos da
Coroa e dos Feitos da Fazenda” viriam a ser desempenhadas mais tarde pelo Ministério
Público27.
O Ministério Público português foi se estruturando cada vez mais com a
evolução dos órgãos judiciais e com as transformações políticas ocorridas nos séculos
25
Ordenações Manuelinas, consultadas no endereço eletrônico UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO.
Biblioteca Digital de Obras Raras e Especiais. Disponível em: <www.obrasraras.usp.br>.
26
Segundo Luiz Carlos de Azevedo, em sua obra Introdução à história do direito, cit., a Carta de Seguro era
autêntica garantia de liberdade; constituía uma proteção do rei a seus súditos perante as justiças, para,
mediante certas condições, os eximir da prisão processual. Ainda o Professor Titular da FDUSP, “fixado o
enorme alcance das Cartas de Seguro, quanto à proteção dos direitos e garantias individuais, em especial no
que diz respeito à liberdade de ir e vir; relevada a circunstância de que, à época, eram sobremaneira parcas
as concessões em tal sentido; apontada sua longeva origem, talvez correlata, inclusive, a do hábeas corpus,
se formos procurar as raízes de ambas as entidades jurídicas nas remotas usanças saxo-germânicas;
comprovada sua persistente presença nas leis portuguesas, mesmo nas mais antigas ordenações dos reis
primeiros, até a derradeira compilação, a qual chegou a vigir, por longo tempo, cá no Brasil” (p. 151-152).
27
MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro,
cit., p. 16.
20
seguintes. A criação da instituição denominada “Ministério Público” somente surgiu com a
edição dos Decretos nº 24 e 27, conforme síntese histórica feita pelo Procurador-Geral
Adjunto no Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), Eduardo Maia Costa, e que merece ser
transcrita em razão da grande similitude com o desenvolvimento do Ministério Público no
Brasil e que veremos a seguir:
O Ministério Público português foi instituído, ainda no decurso da guerra
civil que opôs liberais e absolutistas, pelos Decretos nº 24 e 27, de 16 e
19 de maio de 1832, respectivamente, emitidos pelo Governo do Regente
D. Pedro, instalado na ilha Terceira, nos Açores.
Só após a vitória das forças liberais, em 1834, foi possível dar corpo ao
novo edifício judiciário, nele incluído o Ministério Público, que recebeu o
seu primeiro estatuto logo no ano seguinte (Regulamento de 15 de
Dezembro de 1835).
Seguindo de perto o modelo napoleônico, o Ministério Público foi
concebido como órgão do Poder Executivo junto dos tribunais e
estruturado como corpo hierarquizado, na dependência do Ministro da
Justiça.
Como “braço” do Executivo, o Ministério Público viu-se investido, a par
do exercício da ação penal, de funções de tipo não judicial, como a
consultoria jurídica do Governo e ainda do encargo de representar junto
dos tribunais os interesses privados do Estado e dos institutos públicos.
Em contrapartida, o legislador liberal português estabeleceu algumas
diferenças significativas em relação ao modelo francês. Por um lado,
instituiu a figura do Procurador-Geral da Coroa como vértice da
hierarquia, ficando assim os Procuradores Régios a ele submetidos, e não
ao Ministro da Justiça, que apenas podia dar instruções ao próprio
Procurador-Geral. Por outro lado, desde logo se estabeleceu o princípio
da imparcialidade e objetividade no exercício das funções28.
Conclui-se, portanto, que, apesar de figuras com alguns aspectos similares ao
Ministério Público terem surgido na Antiguidade, a origem do parquet remonta apenas em
1302, com a “Ordonnance” de Felipe IV, na França, e em seguida com Ordenações
Afonsinas, publicadas entre 1446 e 1447, em Portugal. Entretanto, as atribuições principais
do Ministério Público eram a defesa do erário público e a persecução penal muitas vezes
voltada para a condenação dos súditos que não recolhiam impostos. Em suma, o Ministério
Público era um defensor dos interesses da Coroa.
28
COSTA, Eduardo Maia. Ministério Público em Portugal. In: VIGLIAR, José Marcelo Menezes; MACEDO
JÚNIOR, Ronaldo Porto (Coord.). Ministério Público II: democracia. São Paulo: Atlas, 1999. p. 44.
21
Constituição de 1824
E, no Brasil, a situação não foi diferente. Durante o período colonial, a
instituição similar ao Ministério Público no Brasil seguia as diretrizes do direito português,
em especial as Ordenações Filipinas. Em 7 de março de 1609, com a instalação do
Tribunal da Relação do Estado do Brasil, na Bahia, passou a oficiar o Procurador dos feitos
da Coroa, Fazenda e Fisco, figura que exercia algumas atribuições que viriam a ser do
Ministério Público, porém, sem qualquer independência ou garantia, já que eles eram
meros agentes do Poder Executivo e estavam a serviço e subordinados à Coroa Portuguesa.
Segundo o Regimento, de 9 de janeiro de 1609
29
, que instituiu o Tribunal da Relação do
Estado do Brasil, o papel do procurador era o de “saber particularmente de todas as coisas
que tocarem à Coroa e Fazenda, para requerer nelas tudo o que fizer a bem de minha
justiça”.
Após a proclamação da Independência, em 1822, e enquanto não se editassem
novas leis, continuou a vigorar, no Brasil, a legislação portuguesa, em especial as
Ordenações Filipinas30. Era mantida a figura do promotor de justiça das ordenações.
Porém, e ainda sob forte influência do sistema português, D Pedro I, em 25 de
março de 1824, e após ter dissolvido a Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do
Império, em 12 de novembro de 1823, com os argumentos de que apresentaria um projeto
de Constituição “duplicamente mais liberal, do que o que a extinta Assembleia acabou de
fazer” e que os deputados das Províncias “perjuraram”31 o juramento de defender a
integridade do Império, sua independência e a dinastia do imperador32,
outorgou a
Constituição Política do Império do Brazil, muito parecida em princípios com o projeto
29
Art. 54. O Procurador dos Feitos da Coroa e Fazenda deve ser muito diligente, e saber particularmente de
todas as coisas que tocarem à Coroa e Fazenda, para requerer nelas tudo o que fizer a bem de minha justiça;
para o que será sempre presente a todas as audiências que fizer dos feitos da coroa e fazenda, por minhas
Ordenações e extravagantes. Art. 55. Servirá, outrossim, o dito Procurador da Coroa e dos feitos da
Fazenda de Procurador do fisco e de Promotor de Justiça; e usará em todo o regimento, que por minhas
Ordenações é dado ao Promotor de Justiça da Casa da Suplicação e ao Procurador do fisco.
30
AZEVEDO, Luiz Carlos de. Introdução à história do direito, cit., p. 228.
31
No dia seguinte ao decreto que dissolveu a Assembleia Geral Constituinte e Legislativa, e ao verificar a
revolta dos deputados com relação ao termo “perjura”, foi publicado o Decreto de 13 de novembro de 1823,
que restringiu o termo apenas aos “facciosos que anelavam vinganças, ainda a custa dos horrores da
anarquia, só estes se compreendem naquela increpação, como motores, por sua preponderância, dos males
que se propunham derramar sobre a Pátria”.
32
In BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes. História constitucional do Brasil. 8. ed. Brasília: OAB Ed.,
2006. p. 557 (anexos).
22
originário elaborado pelos Constituintes de 1823, também historicamente conhecido como
Projeto Antônio Carlos33.
A nova ordem constitucional, por sua vez, não dispunha sobre o Ministério
Público, mas apenas fazia referência à atribuição criminal do Procurador da Coroa: “Art.
48. No Juízo dos crimes, cuja accusação não pertence à Camara dos Deputados, accusará o
Procurador da Corôa, e Soberania Nacional”. Assim, o Procurador da Coroa atuava de
forma ordinariamente em todos os crimes, exceto naqueles de atribuição privativa da
Câmara dos Deputados que tivesse como autor do delito Ministros de Estado e Conselheiros
de Estado (artigo 38). Nestes, cabia ao Senado conhecer e julgar (artigo 47, I).
Apesar de a denominação “Ministério Público” não aparecer na Constituição
de 1824, o que somente seria utilizado pela primeira vez no Decreto nº 5.618, de 2 de maio
de 1874, os Procuradores da Coroa, considerados os chefes do “ministério público”,
atuavam junto aos Tribunais de Relação34. Entretanto, somente a partir de 1828, cada
tribunal de relação, inclusive o da corte e em cada comarca, passou a ter um promotor de
justiça35.
O Código do Processo Criminal de Primeira Instância do Império do Brasil de
1832 foi a primeira norma editada no Brasil que dispôs sobre os requisitos para a
nomeação dos promotores de justiça e suas atribuições (artigos 36 a 38).
Segundo o artigo 36 do Código do Processo Criminal, seriam nomeados
“promotores públicos” aqueles que podiam ser jurados, isto é, “todos os Cidadãos, que
podem ser Eleitores, sendo de reconhecido bom senso, e probidade. Exceptuão-se os
Senadores, Deputados, Conselheiros, e Ministros d’Estado, Bispos, Magistrados, Officiaes
de Justiça, Juizes Ecclesiasticos, Vigarios, Presidentes, Secretarios dos Governos nas
provincias, Commandantes das Armas, e dos Corpos da 1ª Linha” (artigo 23). Entretanto,
segundo ainda o artigo 36, “entre estes serão preferidos os que forem instruidos nas Leis, e
serão nomeados pelo Governo na Côrte, e pelo Presidente nas Provincias, por tempo de
33
BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes. História constitucional do Brasil, cit., p. 83-91.
DINIZ, José Janguiê Bezerra. Ministério Público do Trabalho: ação civil pública, ação anulatória, ação de
cumprimento, cit., p. 112.
35
JATAHY, Carlos Roberto de Castro. O Ministério Público e o estado democrático de direito: perspectivas
constitucionais de atuação institucional, cit., p. 17; DINIZ, José Janguiê Bezerra. Ministério Público do
Trabalho: ação civil pública, ação anulatória, ação de cumprimento, cit., p. 104.
34
23
tres annos, sobre proposta triplice das Camaras Municipaes”. Por sua vez, o artigo 37
enumerava algumas atribuições do promotor de justiça: denunciar os crimes públicos e
policiais; acusar os delinquentes perante os Jurados, assim como os crimes de reduzir à
escravidão pessoas livres, cárcere privado, homicídio ou a sua tentativa; roubos, calúnias e
injúrias contra o Imperador e Membros da Família Imperial, contra a Regência e cada um
dos seus Membros, contra a Assembleia Geral, e contra cada uma das Câmaras (§ 1º);
solicitar a prisão e punição dos criminosos, e promover a execução das sentenças e dos
mandados judiciais (§2º); dar parte às autoridades competentes das negligências, omissões
e prevaricações dos empregados na administração da Justiça (§ 3º). Posteriormente, a lei de
12 de novembro de 1833, dispôs que competia-lhe “accusar os Empregados Publicos36
ommissos, e negligentes no desempenho de suas obrigações” (nota de rodapé 30, da
Secção III do Código do Processo Criminal do Império. Na mesma nota, consta que a lei
de 21 de julho de 1834 determinava que todos estavam obrigados a entregar gratuitamente
quaisquer documentos exigidos pelo promotor de justiça, desde que no fiel desempenho de
suas atribuições). No impedimento, ou falta do promotor de justiça, os Juízes Municipais
deveriam nomear outra pessoa para exercer as suas funções interinamente (artigo 38).
No mesmo Código de 1832, interessante a atribuição do promotor de justiça
disciplinada no artigo 73: “Sendo o offendido pessoa miseravel que, pelas circunstancias
em que se achar, não possa perseguir o offensor, o Promotor Publico deve, ou qualquer do
Povo pode intentar a queixa, e proseguir nos termos ulteriores do processo”. A denúncia
não apenas competia ao promotor de justiça, mas também a qualquer um do povo, nos
seguintes crimes enumerados no artigo 74: “nos crimes que não admitem fiança37” (§ 1º);
“nos crimes de peculato, peita, concussão, suborno, ou qualquer outro de responsabilidade”
(§ 2º); “nos crimes contra o Imperador, Imperatriz, ou algum dos Príncipes, ou Princesas
da Imperial Família, Regente ou Regência” (§ 3º); “em todos os crimes públicos” (§ 4º);
“nos crimes de resistência às Autoridades, e seus oficiais no exercício de suas funções” (§
5º); “nos crimes em que o delinqüente for preso em flagrante, não havendo parte que o
acuse” (§ 6º).
36
Da denúncia dos crimes de responsabilidade dos Empregados Públicos, e forma do processo respectivo, ver
Capítulo V, Título II, do Código de Processo Criminal de Primeira Instância do Império do Brasil, artigos
150 a 174.
37
Dos crimes que não admitiam fiança, ler artigos 100 e 101 do Código do Processo Criminal de Primeira
Instância do Império do Brasil.
24
A Lei de 3 de dezembro de 1841, que reformou o Código do Processo
Criminal, fez algumas alterações no que dizia respeito à nomeação e atribuições dos
promotores de justiça. Enquanto o artigo 36 do Código dispunha que os “promotores
públicos” eram nomeados pelo “Governo na Corte, e pelo Presidente nas Províncias, por
tempo de três anos” (art. 36), a Lei de 1841 determinava que eles fossem “nomeados e
demitidos pelo Imperador, ou pelos Presidentes das Províncias”, e “servirão pelo tempo
que convier” (artigo 22). Outras novidades desta Lei foram a previsão de que haveria pelo
menos um promotor em cada Comarca para acompanhar o Juiz de Direito38, e a previsão
de ordenado pelas funções exercidas conforme sua produtividade (artigo 23): “Os
Promotores vencerão o ordenado, que lhes fôr arbitrado, o qual, na Côrte, será de hum
conto e duzentos mil réis por anno, além de mil e seiscentos por cada offerecimento de
libello, tres mil e duzentos réis por cada sustentação no Jury, e dois mil e quatrocentos réis
por arrazoados escriptos”.
O Regulamento para a execução da parte policial e criminal da Lei de 3 de
dezembro de 1841 (31 de janeiro de 1842), pormenoriza, entre outras coisas, a forma de
nomeação e exoneração do promotor, e o arbitramento de seu ordenado, cabendo
transcrever os seguintes artigos:
Art. 216. Para exercer o cargo de Promotor serão com preferencia
escolhidos Bacharéis Formados, e quando os não haja idoneos para os
lugares, serão nomeados individuos, que tenhão as qualidades requeridas
pela Lei de 3 de dezembro de 1841 para ser Jurado, a necessaria
intelligencia, instrucção, e bom procedimento, proferindo se aquelles, que
no desempenho dos deveres de outros Cargos publicos já tiverem dado
provas de que possuem essas qualidades;
Art. 219. Haverá no Municipio da Côrte hum só Promotor (em quanto
não for sufficientemente demonstrada a necessidade de mais de hum) e
vencerá o ordenado de hum conto e duzentos mil réis. Os das Comarcas
das Provincias vencerão aquelles ordenados, que, em attenção às
circunstancias dos lugares, e á maior, ou menor somma que possão nelles
produzir os emolumentos, lhes forem arbitrados pelo Governo, sobre
informação dos Presidentes das Provincias, que a darão, ouvido o Juiz de
Direito.
Art. 222. Nos casos, em que ao Promotor incumbe denunciar, incumbe
igualmente promover a accusação, e todos os termos do Processo, nos
quaes, bem como na concessão e arbitramento das fianças, deverá ser
sempre ouvido.
38
Com relação ao critério e forma de se nomear dois promotores por Comarca e divisão de trabalho, ler
artigos 213 a 215 do Regulamento de 31 de janeiro de 1842.
25
Com a chamada “Lei do Ventre Livre” (Lei nº 2.040, de 28.09.1871), cabia ao
Promotor de Justiça a função de “protetor dos fracos e indefesos” (a que posteriormente foi
dada a denominação de hipossuficiente), a quem competia zelar para que os filhos livres de
mulheres escravas fossem devidamente registrados. Função esta que até hoje é
desempenhada pelos Promotores de Infância e Juventude que velam para que todas as
crianças sejam registradas no Cartório de Registros de Pessoas Naturais.
Ainda na vigência da Constituição do Império, mas após a proclamação da
República, foi editado o Decreto nº 848, de 11 de setembro de 1890, que criava e
regulamentava a Justiça Federal, mas que também tratava do Ministério Público Federal. A
Exposição de Motivos do Decreto nº 848 ressalta algumas características do Ministério
Público:
O Ministério Público, instituição necessária em toda organização
democrática e imposta pelas boas normas da justiça, está representada nas
duas esferas da Justiça Federal. Depois do Procurador-Geral da
República, vêm os procuradores seccionais, isso é, um em cada Estado.
Complete-lhe, em geral, velar pela execução das leis, decretos e
regulamentos, que devam ser aplicados pela Justiça Federal e promover a
ação pública onde ela convier. A sua independência foi devidamente
resguardada.
A estrutura funcional do Ministério Público Federal estabelecida pelo Decreto
848 tinha uma enorme influência ainda das Ordenações Filipinas, segundo a qual as suas
funções nas instâncias superiores eram exercidas por membro do Poder Judiciário39. Dentre
as suas atribuições estava “cumprir as ordens do governo da República relativas ao
exercício de suas funções”, bem como a de “promover o bem dos direitos e interesses da
União” (artigo 24, alínea c), tarefa esta que, até a promulgação da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, cabia ao Ministério Público Federal.
39
DINIZ, José Janguiê Bezerra. Ministério Público do Trabalho: ação civil pública, ação anulatória, ação de
cumprimento, cit., p. 113.
26
Constituição de 1891
A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro
de 1891, apesar de ainda não mencionar a instituição do Ministério Público, fazia
referência ao cargo de Procurador-Geral da República: “O Presidente da República
designará, dentre os membros do Supremo Tribunal Federal, o Procurador-Geral da
República, cujas atribuições se definirão em lei” (artigo 58, § 2º). A Constituição também
dava legitimidade ao Procurador-Geral da República para propor revisão criminal a
qualquer tempo, em benefício dos condenados, perante o Supremo Tribunal Federal (artigo
81, caput e § 1º). No dia 03 de março de 1891, tomou posse o primeiro Procurador-Geral
da República, Dr. José Júlio de Albuquerque Barros, conhecido por Barão de Sobral.
Durante a vigência desta Constituição, foi editado o Código Civil de 1916, que
previa diversas atribuições ao Ministério Público, e dentre elas podemos citar as seguintes:
curadoria de fundações (artigo 26), legitimidade para propor ação de nulidade de
casamento (artigo 208, parágrafo único, II), defesa dos interesses de menores (artigo 394,
caput), legitimidade para propor ação de interdição (artigo 447, III) e legitimidade para
promover a nomeação de curador de ausente (artigo 463).
Constituição de 1934
A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de
1934, foi a primeira a constitucionalizar e a tratar especificamente sobre o Ministério
Público, dispondo uma seção sobre sua estrutura e principais atribuições, além de outros
artigos que tratavam sobre o Procurador-Geral da República.
O próprio preâmbulo da Constituição de 1934 já dava mostras do rumo a um
Estado social e democrático. Para isso era imprescindível a presença de uma instituição
independente que buscasse a efetivação dos direitos fundamentais, além de ser integrada
por membros que possuíssem garantias e prerrogativas: “Nós, os representantes do povo
brasileiro, pondo a nossa confiança em Deus, reunidos em Assembléia Nacional
Constituinte para organizar um regime democrático, que assegure à Nação a unidade, a
27
liberdade, a justiça e o bem-estar social e econômico, decretamos e promulgamos a
seguinte Constituição”.
As principais atribuições e garantias do Ministério Público previstas na
Constituição de 1934 eram as seguintes: a) os Estados, ao elaborarem sua Constituição e
leis, deveriam respeitar, dentre outros princípios, as garantias do Poder Judiciário e do
Ministério Público locais (artigo 7º, I, alínea e); b) legitimidade para propor revisão
criminal (artigo 76, 3); c) interpor recurso extraordinário perante a Corte Suprema quando
ocorresse diversidade de interpretação definitiva de lei federal entre Cortes de Apelação,
ou entre um destes Tribunais e a Corte Suprema, ou outro Tribunal federal (artigo 76, §
único); d) o Procurador-Geral da República era o chefe do Ministério Público Federal,
nomeado pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal, porém,
demissível ad nutum (artigo 95, § 1º); e) somente poderia ser nomeado Procurador-Geral
da República brasileiro nato de notável saber jurídico e reputação ilibada alistado eleitor, e
recebia os mesmos vencimentos dos Ministros da Corte Suprema (artigo 95, § 1º c.c. artigo
74); f) a Constituição também previa que lei federal deveria dispor sobre a organização do
Ministério Público na União, no Distrito Federal e nos Territórios, e lei local, o Ministério
Público nos Estados (artigo 95); g) os membros do Ministério Público Federal que
oficiavam nos Juízos comuns deveriam ser nomeados mediante concurso e somente
poderiam ser exonerados por sentença judiciária ou processo administrativo, assegurada
ampla defesa (artigo 95, § 3º); h) os Chefes do Ministério Público na União e nos Estados
não podiam exercer qualquer outra função pública, “salvo o magistério e os casos previstos
na Constituição”, sob pena de perda do cargo (artigo 97); i) previsão do Ministério Público
nas Justiças Militar e Eleitoral (artigo 98); e j) garantia do quinto constitucional do
Ministério Público na composição dos Tribunais da Justiça dos Estados, do Distrito
Federal e dos Territórios (artigo 104, § 6º).
Paulo Bonavides e Paes de Andrade retratam o que se passou na época da
elaboração da Constituição de 1934 e a sua importância no advento do Estado social
brasileiro:
Em 1934 demos o grande salto constitucional que nos conduziria ao
Estado social, já efetivado em parte depois da Revolução de 30 por obra
de algumas medidas tomadas pela ditadura do Governo Provisório. Os
novos governantes fizeram dos princípios políticos e formais do
liberalismo uma bandeira de combate, mas em verdade estavam mais
empenhados em legitimar seu movimento com a concretização de
28
medidas sociais, atendendo assim a um anseio reformista patenteado de
modo inconsciente desde a década de 20, por influxo talvez das pressões
ideológicas sopradas do velho mundo e que traziam para o País o rumor
inquietante da questão social.
A Constituição de 16 de julho de 1934 funda juridicamente no País uma
forma de Estado social que a Alemanha estabelecera com Bismarck há
mais de um século, aperfeiçoara com Preuss (Weimar) e finalmente iria
proclamar com solenidade textual em dois artigos da Lei Fundamental de
Bonn, de 1949, cunhando a célebre fórmula do chamado Estado social de
direito, matéria de tanta controvérsia nas regiões da doutrina, da
jurisprudência e da aplicação hermenêutica40.
Todavia, essas aspirações sociais duraram muito pouco, até a instalação do
Estado Novo em 10 de novembro de 1937.
Constituição de 1937
No dia 10 de novembro de 1937, Getúlio Vargas implanta o “Estado Novo” e
outorga a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, retrocedendo no que diz respeito às
garantias sociais. O próprio preâmbulo da Constituição de 1937 retrata as razões do golpe e
dá a exata dimensão do retrocesso constitucional:
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO
BRASIL
ATENDENDO às legitimas aspirações do povo brasileiro à paz política e
social, profundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem,
resultantes da crescente agravação dos dissídios partidários, que, uma,
notória propaganda demagógica procura desnaturar em luta de classes, e
da extremação, de conflitos ideológicos, tendentes, pelo seu
desenvolvimento natural, resolver-se em termos de violência, colocando a
Nação sob a funesta iminência da guerra civil;
ATENDENDO ao estado de apreensão criado no País pela infiltração
comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo
remédios, de caráter radical e permanente;
40
BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes. História constitucional do Brasil, cit., p. 331.
29
É forçoso admitir, como bem coloca Carlos Roberto Jatahy41, que nos Estados
onde a democracia não floresce e onde não se privilegiam os direitos fundamentais do
homem, o Ministério Público não tem contornos constitucionais fortes.
Por isso, uma Carta autoritária e que previa “remédios, de caráter radical e
permanente” para sustentar um golpe de estado, não poderia disciplinar uma instituição
como o Ministério Público. A Constituição de 1937 destinou apenas alguns artigos ao
Ministério Público, mas sem qualquer destaque: a) o Procurador-Geral da República é o
chefe do Ministério Público Federal, de livre nomeação e exoneração pelo Presidente da
República, dentre brasileiros natos de notável saber jurídico e reputação ilibada, não
devendo ter menos de trinta e cinco, nem mais de cinquenta e oito anos de idade (artigo 98
c.c. 99); b) o Procurador-Geral da República tinha foro privilegiado para apenas ser
processado e julgado, nos crimes comuns e nos de responsabilidade, originariamente pelo
Supremo Tribunal Federal (artigo 101, I, b); c) legitimidade para interpor recurso
extraordinário perante o Supremo Tribunal Federal para questionar sobre a vigência ou
validade da lei federal em face da Constituição, e a decisão do Tribunal local negasse
aplicação à lei impugnada (artigo 101, § único); d) garantia do quinto constitucional para a
composição dos Tribunais superiores (artigo 105); e e) previsão do Ministério Público nos
Estados exercer, mediante autorização legal, a função de representar em Juízo a Fazenda
Federal nas ações para a cobrança da dívida ativa da União (artigo 109, § único).
Contudo, apesar do retrocesso constitucional particularmente ao Ministério
Público, durante a vigência da Constituição de 1937, foram editados os Códigos de
Processo Civil de 1939 e de Processo Penal de 1941, que conferiam diversas hipóteses de
atuação ao parquet.
Neste período também foi editado o Decreto-Lei nº 1.316, de 2 de junho de
1939, que dispunha sobre a organização do Ministério Público da Justiça do Distrito
Federal. Dentre as diversas regras de organização e atribuições, cabe mencionar as mais
relevantes: os órgãos do Ministério Público da Justiça do Distrito Federal eram quatro, a
saber, Procurador-Geral, Sub-Procurador, os Curadores e os Promotores Públicos (art. 2º).
Os cargos eram providos livremente mediante nomeação do Presidente da República,
41
JATAHY, Carlos Roberto de C. O Ministério Público e o estado democrático de direito: perspectivas
constitucionais de atuação institucional, cit., p. 21.
30
desde que a escolha recaísse em bacharel em direito com prática forense de, pelo menos,
oito anos para o cargo de Procurador Geral e de três para os demais cargos (art. 2º, §1º). Os
cargos de Procurador Geral e de Sub-Procurador eram exercidos em comissão e os demais,
em caráter efetivo, sendo que apenas para estes eram asseguradas as mesmas garantias e
vantagens dos funcionários públicos (art. 156 da Constituição de 1937). As principais
atribuições eram promover a ação penal, requerer habeas-corpus, representação no
Conselho Penitenciário e “denunciar à autoridade competente a prevaricação, omissão,
negligência, erros, abusos, ou praxes contrárias à lei ou ao interesse público por parte de
serventuários e funcionários auxiliares da Justiça e, especialmente, dos cartórios dos Juizes
perante os quais funcionarem” (art. 3º).
Constituição de 1946
Com o fim do Estado Novo e da II Guerra Mundial, novos ares democráticos e
de liberdade retornaram. A Constituinte de 1946 foi uma resposta de um movimento
nacional de repúdio ao Estado Novo, regime de arbítrio que paralisara a vida constitucional
do Brasil, “sujeitando a Nação a uma ditadura pessoal de inspiração fascista e totalitária,
inconciliável oito anos depois com a sorte da causa aliada na Segunda Grande Guerra
Mundial”42.
A Constituição, promulgada em 18 de setembro de 1946, reservou um título
próprio para dispor sobre a organização e atribuições do Ministério Público (artigos 125 a
128): a) previsão de que o Ministério Público da União oficiaria junto à Justiça Comum
Federal, a Militar, a Eleitoral e a do Trabalho; b) o Procurador-Geral da República era
nomeado e demissível ad nutum pelo Presidente da República, depois de aprovada a
escolha pelo Senado Federal, dentre cidadãos brasileiros com mais de trinta e cinco anos
de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada (artigo 126 c.c. art. 99); c) os
Procuradores da República representavam a União em juízo, tarefa que somente foi
repassada à Advocacia-Geral da União com o advento da Constituição de 1988
(artigos 126, § único e 201, § 2º); d) ingresso nos cargos iniciais da carreira mediante
aprovação em concurso, garantia da estabilidade e inamovibilidade (artigo 127); e) garantia
42
BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes. História constitucional do Brasil, cit., p. 355.
31
do quinto constitucional na composição dos Tribunais (artigos 103 e 124, V); f) o
Procurador-Geral da República somente poderia ser processado e julgado pelo Senado
Federal nos crimes de responsabilidade (artigo 62, II); e g) o Procurador-Geral da
República tinha foro privilegiado para ser processado e julgado, nos crimes comuns,
originariamente pelo Supremo Tribunal Federal (artigo 101, I, b).
Constituição de 1967
O Golpe Militar de 31 de março de 1964 trouxe um dos períodos mais
violentos aos direitos humanos no Brasil e muitas incertezas à ordem constitucional. O Ato
Institucional de 9 de abril de 1964 manteve a Constituição de 1946 e as Constituições
Estaduais, mas com algumas modificações que foram paulatinamente previstas nos atos
institucionais editados até a entrada em vigor da Constituição de 24 de janeiro de 1967.
Entretanto, a Constituição de 1967 sofreu logo intervenção do Ato Institucional
nº 5, de 13 de dezembro de 1968, que previa a possibilidade de o Presidente da República
decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de
Vereadores, período em que caberia ao Poder Executivo legislar em todas as matérias e
exercer as atribuições dos parlamentos correspondentes. No mesmo dia foi decretado o
recesso do Congresso Nacional pelo Ato Complementar nº 38.
Desta forma, a Junta de Ministros Militares, composta pelos Ministros da
Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar, durante o Estado de Exceção e
“autorizada” pelas modificações impostas pelo Ato Institucional nº 5, outorga, em 17 de
outubro de 1969, a Emenda Constitucional nº 1 que mantém grande parte dos artigos da
Constituição de 1967, mas acrescenta maiores poderes ao Presidente da República (artigos
51 e 66 apenas para exemplificar).
A redação originária da Constituição de 1967, ou seja, antes da EC nº 1,
reservou uma seção específica ao Ministério Público dentro do capítulo do Poder
Judiciário, inserindo-o, portanto, no âmbito deste Poder, dando importante passo na
conquista de sua independência e autonomia. Pela primeira vez, obriga a realização de
concurso público de provas e títulos para ingresso nos cargos iniciais da carreira, e não
32
apenas em “concurso” como previa as Constituições anteriores (artigo 138, § 1º). Nas
demais garantias, prerrogativas e atribuições (estabilidade, inamovibilidade, quinto
constitucional, foro privilegiado do Procurador-Geral da República, forma de escolha,
etc.), não houve significativas inovações com relação à Constituição de 1946.
Todavia, a Emenda Constitucional nº 1, apesar de dispor uma seção específica
para tratar sobre o Ministério Público, recolocou-o no âmbito do Poder Executivo, entre as
seções que tratavam das Forças Armadas e dos Funcionários Públicos.
A Emenda Constitucional nº 7 de 1977 acrescentou parágrafo único ao artigo
96, que autorizava a edição de Lei Complementar, de iniciativa do Presidente da
República, para estabelecer normas gerais a serem adotadas na organização do Ministério
Público Estadual, desde que observados o ingresso na carreira mediante aprovação em
concurso público de provas e títulos, estabilidade e inamovibilidade, exceto mediante
representação do Procurador-Geral de Justiça para atender conveniência de serviço.
Apenas em 1981 foi editada a primeira legislação que organizou os Ministérios Públicos
dos Estados em nível nacional (Lei Complementar nº 40, de 14 de dezembro).
Constituição de 1988
Com a abertura democrática iniciada principalmente em 1984, a ideia de
convocar-se uma Assembleia Constituinte foi se fortalecendo até as eleições gerais
ocorridas no dia 15 de novembro de 1986, para a escolha popular de 487 deputados e 72
senadores. A Assembleia Constituinte foi instalada no dia 1º de fevereiro do ano seguinte,
com discurso de abertura do Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro José Carlos
Moreira Alves.
A Constituição da República Federativa do Brasil foi promulgada no dia 5 de
outubro de 1988 e ficou conhecida como a “Constituição cidadã”, em razão da enorme
participação popular como no destaque dado aos direitos fundamentais. Em seu discurso na
promulgação da Constituição, o Senador Afonso Arinos destacou:
33
Cumpre realçar, finalmente, a colaboração direta do povo no processo
político, não só através de centenas de propostas remetidas à Comissão de
Sistematização, vindas até do exterior, como também pela ação de grupos
variados de brasileiros, que atuavam diretamente: sindicatos,
empresários, militares, professores, mulheres, índios e negros. Era
estimulante e comovente sentir a mobilização direta do povo, desejoso de
colaborar na obra de seus representantes43.
E esta Carta democrática e protetora dos direitos fundamentais não poderia
deixar de dar destaque à Instituição que defende a lei, a ordem democrática e os interesses
sociais e indisponíveis. O Ministério Público é disciplinado na Seção I, dentro do Capítulo
IV – Das funções essenciais à Justiça, nos artigos 127 a 130, cujos princípios institucionais
são a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional, além de assegurar a
autonomia funcional e administrativa, podendo propor ao Poder Legislativo a criação e
extinção de seus cargos e serviços auxiliares.
Para exercer as importantes funções atribuídas ao Ministério Público, o
Constituinte de 1988 manteve a estrutura de Ministério Público da União, cujos ramos são
Ministério Público Federal, do Trabalho, Militar e do Distrito Federal e Territórios, e os
Ministérios Públicos dos Estados (artigo 128). Inovou no sentido de que o ProcuradorGeral da República somente poderá ser destituído pelo Presidente da República, mas desde
que precedida de autorização da maioria absoluta do Senado Federal (artigo 128, § 2º). A
Constituição também assegura aos membros do Ministério Público a vitaliciedade,
inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídio (artigo 128, § 5º, I, a, b e c). Dentre as
principais funções institucionais, cabe mencionar a ação penal pública e a ação civil
pública (artigo 129, I e III).
Entretanto, apesar de o Procurador-Geral da República não poder mais ser
destituído ad nutum pelo Presidente da República, o Ministério Público continua sujeito ao
poder executivo na medida em que a nomeação do chefe da Instituição passa
necessariamente pela escolha do Presidente ou Governador entre indicados de lista tríplice.
Não raras vezes, os interessados em ocupar o cargo máximo do Ministério Público da
União ou dos Estados são “obrigados” a se curvarem diante dos chefes do Poder Executivo
Federal ou dos Estados.
43
BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes. História constitucional do Brasil, cit., p. 920.
34
Fábio Konder Comparato é crítico quanto a esta forma de escolha e defende
que para o fortalecimento do Ministério Público é imprescindível a total desvinculação ao
poder executivo:
Sucedeu, porém, que a superação das monarquias absolutas não
conseguiu apagar os traços genéticos dessa primitiva vinculação do
Ministério Público ao chefe de Estado, ou ao chefe do governo. A
situação é tão absurda, nos sistemas presidenciais de governo, que o chefe
do órgão, nomeado pelo presidente, e portanto a ele pessoalmente
reconhecido, aparece, em geral, como o único agente público competente
para denunciá-lo em processos criminais.
E conclui:
Para que o Ministério Público possa, portanto, defender com absoluta
autonomia o bem comum do povo, é indispensável desvincular
totalmente o órgão do Poder Executivo, retirando-se deste a atribuição de
nomear qualquer dos seus integrantes44.
As alterações mais importantes trazidas pela Constituição Federal com relação
ao Ministério Público foram a sua não vinculação a nenhum dos poderes do Estado, seja o
Judiciário, o Legislativo ou o Executivo, dando-lhe garantia de autonomia funcional e
administrativa, concedendo-lhe os princípios institucionais da unidade e o da
independência funcional, equiparando aos seus membros as mesmas garantias atribuídas
aos magistrados (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios) e a
constitucionalização da ação civil pública e inquérito civil.
Em 2004, o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional nº 24, para
criar o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público
(CNMP), inserindo os artigos 103-B e 130-A, respectivamente, na Constituição Federal.
As principais atribuições do Conselho Nacional do Ministério Público são
controlar a atuação administrativa e financeira do Ministério Público e do cumprimento
44
COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno, cit., p. 679. Hugo Nigro
Mazzilli também critica a forma de nomeação do Procurador-Geral pelo Presidente da República ou pelo
Governador (MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público: análise da Lei Orgânica
Nacional do Ministério Público, aprovada pela Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993. 3. ed. rev. ampl. e
atual. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 182).
35
dos deveres funcionais de seus membros; zelar pela autonomia funcional e administrativa
do Ministério Público; rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares
de membros do Ministério Público da União (MPU) ou dos Estados julgados há menos de
um ano; e elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias sobre a
situação do Ministério Público no país e as atividades do Conselho. O Conselho Nacional
também tem a importante tarefa de unificar os dados estatísticos e coordenar o
planejamento estratégico de todos os ramos do MPU e dos Ministérios Públicos dos
Estados.
Conclusão sobre as origens do Ministério Público brasileiro
Conclui-se, portanto, que, embora tenham existido figuras na Antiguidade e na
Baixa Idade Média com algumas feições similares às desempenhadas pelo Ministério
Público moderno, não podemos afirmar que elas tenham sido as raízes desta importante
instituição porque não houve qualquer relação de continuidade, mas apenas características
isoladas. Mas tampouco podemos deixar de considerar que a evolução histórica das
instituições e os legados das civilizações antigas, como a repartição de poderes e os
princípios democráticos, foram fundamentais para o aparecimento e crescimento do
Ministério Público atual, como preconiza Ayarragaray:
Como todo progreso o cambio de la civilización, esta institución se ha
desarrollado sucesivamente con más o menos extensión, conforme a la
forma de gobierno, al carácter de los pueblos, al estado de las costumbres
o al orden social, según favorecieran o retardaran su crecimiento45.
Apenas com a criação e a crescente complexidade do Estado, os soberanos
começaram a instituir tribunais regulares para dirimir os conflitos existentes, em particular
a cobrança de tributos. Para contrabalançar a progressiva autonomia dos tribunais, que às
vezes contrariavam os interesses da Coroa, os reis passaram a instituir procuradores para
defender os seus interesses46, como as ordenações na França e Portugal.
45
AYARRAGARAY, Carlos Alberto. El ministerio público: su historia, organización y funcionamiento en la
legislación comparada y en la República Argentina, seguido de las bases para una próxima organización en
la legislación nacional, cit., p. 3.
46
MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público, cit., p. 38-39.
36
Por isso, podemos concluir que o Ministério Público no Brasil originou-se dos
advogados e procuradores do Rei, na França, que, por sua vez, inspirou a criação dos
procuradores do rei do direito português. Com relação à evolução do parquet em solo
nacional, verificamos a crescente desvinculação com o Poder Executivo (ou Moderador até
a instalação da República), passando da defesa do interesse público secundário para apenas
defender o interesse público primário. A atuação do Ministério Público na defesa dos
clássicos direitos de natureza individual (direitos civis e políticos) passa para uma atuação
na tutela dos direitos supraindividuais ou sociais, inclusive na defesa do regime
democrático, neste entendido a soberania popular. Se na sua origem, o Ministério Público
deveria servir ao Rei ou ao poder central; hoje, o soberano a quem o Ministério Público
deve servir é o povo: res publica, res populi47. Se antes o Ministério Público defendia tão
somente o interesse público secundário, isto é, o interesse da Coroa ou do Estado, hoje ele
tem o poder-dever de tutelar apenas o interesse público primário.
3. Ministério Público do Trabalho: origens e transformações
A história do Ministério Público do Trabalho está muito vinculada à evolução
histórica da Justiça do Trabalho no Brasil, pois tem como uma das suas principais funções
oficiar perante essa Justiça especializada. Por isso, fundamental é fazermos um paralelo
entre estas duas instituições laborais, para estudarmos as transformações sofridas pelo
parquet trabalhista.
No Brasil, a primeira experiência de instituição de um órgão especializado para
dirimir litígios trabalhistas surgiu no Estado de São Paulo, em 1922, com a constituição de
tribunais rurais compostos pelo Juiz de Direito da Comarca, um representante dos
47
No mesmo sentido, Carlos Alberto de Salles, em sua dissertação de mestrado, conclui: “De início, os
membros do Ministério Público exerciam suas funções em nome do poder real junto aos tribunais, agindo
por delegação e em nome do rei, porque ele era soberano, incorporando em si este atributo do Estado. Com
o advento da revolução francesa e a mudança da concepção de Estado, a soberania se desloca da pessoa do
rei para ser atribuída à nação ou ao povo” (SALLES, Carlos Aberto de. A legitimação do Ministério
Público para defesa de direitos e garantias constitucionais. Dissertação (Mestrado) – Universidade de São
Paulo, São Paulo, 1992. p. 34-35). Por sua vez, Fábio Konder Comparato faz questão de salientar que
“Ministério Público” significa precisamente “Ministério do Povo” (O Ministério Público na defesa dos
direitos econômicos, sociais e culturais. In: CUNHA, Sérgio Sérvulo da; GRAU, Eros Roberto (Orgs.).
Estudos de direito constitucional em homenagem a José Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros Ed., 2003.
p. 254-255).
37
trabalhadores rurais e outro representante dos fazendeiros. Contudo, essa experiência não
produziu resultados satisfatórios.
Com a edição do Decreto nº 16.027/23, foi criado o Conselho Nacional do
Trabalho com as funções de órgão consultivo do Ministério da Agricultura, Indústria e
Comércio em matéria trabalhista, instância recursal em matéria previdenciária e órgão
autorizador da demissão dos empregados públicos que gozavam de estabilidade, através do
inquérito administrativo.
Este Conselho Nacional do Trabalho pode ser apontado como a origem da
Justiça do Trabalho, e nele já oficiava um Procurador-Geral e Procuradores Adjuntos, cuja
função básica consistia em emitir pareceres nos processos em tramitação48.
Foi após a Revolução de 30 e com a assunção do poder por Getúlio Vargas que
foram promulgadas diversas leis trabalhistas e criado o Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio (MTIC), separado do Ministério da Agricultura. Em 1931, dentro deste novo
Ministério, é criado o Departamento Nacional do Trabalho (Decreto Legislativo nº
19.667), onde atuava o Procurador-Geral Deodato da Silva Maia Júnior e procuradoresadjuntos.
Em fins de 1932, no âmbito do Ministério do Trabalho foram criadas as Juntas
de Conciliação e Julgamento e as Comissões Mistas de Conciliação para solução dos
conflitos coletivos de trabalho, como órgãos administrativos. Nestes órgãos, oficiavam
Procuradores do Departamento Nacional do Trabalho com as funções de executar as
sentenças proferidas pelas Juntas de Conciliação e Julgamento na Justiça Comum.
Poucos dias antes de a Constituição de 1934 ser promulgada, foi editado o
Regulamento da Procuradoria do Conselho Nacional do Trabalho (Decreto nº 24.692, de
12 de julho de 1934), que passou a estabelecer sua organização.
A Constituição de 1934, apesar de não incluir a Junta de Conciliação e
Julgamento e os Tribunais do Trabalho entre os órgãos do Poder Judiciário, previa a sua
composição e funções:
48
MARTINS FILHO, Ives Gandra. Um pouco de história do Ministério Público do Trabalho. Revista do
Ministério Público do Trabalho, Brasília, v. 7, n. 13, p. 25, mar. 1997.
38
Art 122. Para dirimir questões entre empregadores e empregados, regidas
pela legislação social, fica instituída a Justiça do Trabalho, à qual não se
aplica o disposto no Capítulo IV do Título I (Do Poder Judiciário).
Parágrafo único. A constituição dos Tribunais do Trabalho e das
Comissões de Conciliação obedecerá sempre ao princípio da eleição de
membros, metade pelas associações representativas dos empregados, e
metade pelas dos empregadores, sendo o presidente de livre nomeação do
Governo, escolhido entre pessoas de experiência e notória capacidade
moral e intelectual.
As Juntas tinham competência para conhecer e dirimir dissídios individuais
relacionados com o trabalho, mas as suas decisões eram executadas na Justiça Comum. As
Juntas e Comissões não tinham independência, os seus juízes eram demissíveis “ad nutum”
e o Ministro do Trabalho poderia avocar para si a função decisória de qualquer processo. A
Justiça do Trabalho, embora com esse nome, não era independente, pois estava vinculada
ao Poder Executivo.
Na Constituição de 1937, a Justiça do Trabalho passou a ter maior autonomia,
mas ela era silente a respeito da sua inserção ou não no Poder Judiciário (art. 139 CF) e
ainda possuía natureza meramente administrativa. Todavia, o Supremo Tribunal Federal
(RE 6310, DJU 30.9.43) reconheceu-lhe a função jurisdicional ao admitir recurso
extraordinário contra decisão do Conselho Nacional do Trabalho.
Nos anos de 1939 e 1940, importantes reformas foram realizadas no âmbito da
Justiça do Trabalho e, consequentemente, no Ministério Público do Trabalho49. O DecretoLei nº 1.237, de 2 de maio de 1939, que dispunha sobre a organização da Justiça do
Trabalho, manteve o Conselho Nacional do Trabalho, com novas atribuições e estrutura,
criaram-se oito Conselhos Regionais do Trabalho, com sede nas grandes capitais (Rio de
Janeiro – Distrito Federal, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Recife,
Fortaleza e Belém), e previu que as Juntas de Conciliação e Julgamento seriam criadas
pelo Presidente da República e distribuídas entre as capitais dos Estados e no Distrito
Federal (artigo 4º), com poderes para julgar e executar suas decisões e sem as chamadas
“avocatórias” (artigos 24 a 27). Em São Paulo, foram instaladas seis Juntas que passaram a
funcionar a partir de 1º de maio de 1941. Cada Junta era composta por um juiz presidente
49
A denominação Ministério Público do Trabalho ainda não existia, mas é utilizada nesta parte apenas como
referência.
39
nomeado pelo governo e dois representantes classistas nomeados também pelo governo,
após serem indicados pelos sindicatos dos empregados e dos empregadores. As regras de
direito processual instituídas por este decreto-lei foram inspiradoras e muitas vezes
repetidas na Consolidação das Leis do Trabalho, editada alguns anos mais tarde. Por sinal,
neste Decreto-Lei havia a previsão de que o Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio
nomearia uma comissão com a incumbência de regulamentar o decreto-lei e de promover a
instalação da Justiça do Trabalho (artigo 108). Dado curioso é que a norma previa que os
menores de 18 anos e as mulheres casadas poderiam pleitear os seus direitos na Justiça do
Trabalho sem assistência de seus pais, tutores ou maridos (artigo 40, § 2º).
O Decreto-Lei nº 1.237/39, em diversos artigos, fazia referência à
“Procuradoria do Trabalho”: reclamação poderia ser encaminhada à Junta pela
Procuradoria do Trabalho (art. 40, § 1º); instauração de dissídios coletivos ex-officio pela
Procuradoria do Trabalho sempre que houver suspensão de trabalho (art. 56); participação
da Procuradoria do Trabalho nas sessões de julgamento dos dissídios coletivos (art. 60, §
1º); legitimidade da Procuradoria do Trabalho para executar e pedir a revisão das decisões
proferidas em sede de dissídios coletivos (artigos 68 e 78, § 1º); e poder requisitório para
que as repartições públicas e as associações sindicais fornecessem à Procuradoria do
Trabalho as informações e os dados necessários à instrução dos feitos submetidos à sua
apreciação (art. 99).
Com a edição do Decreto-Lei nº 1.346, de 15 de junho de 1939, o Conselho
Nacional do Trabalho passou a ser composto por duas Câmaras: a Câmara de Justiça do
Trabalho e a Câmara de Previdência Social (art. 2º). Perante a Câmara trabalhista oficiava
o Procurador-Geral do Trabalho, Dr. Deodato da Silva Maia Júnior, considerado o
primeiro Procurador-Geral do Trabalho. Na Câmara da Previdência Social, oficiava o
Procurador-Geral da Previdência Social Dr. Joaquim Leonel de Resende Alvim50. O artigo
8º tratava sobre a competência da Câmara de Justiça do Trabalho: conciliar e julgar,
originariamente, os dissídios coletivos que excedessem a jurisdição dos Conselhos
Regionais; julgar os conflitos de jurisdição entre Conselhos Regionais e julgar os recursos
das decisões dos Conselhos Regionais em inquéritos administrativos, quando não
proferidas por unanimidade de votos, dentre outras.
50
MARTINS FILHO, Ives Gandra. Um pouco de história do Ministério Público do Trabalho, cit., p. 26-27.
40
O Decreto reservou um capítulo específico para tratar sobre a organização da
Procuradoria do Trabalho. A Procuradoria Geral funcionava junto ao Conselho Nacional
do Trabalho e em cada Conselho Regional do Trabalho deveria funcionar um ProcuradorRegional e Procuradores Adjuntos. Nesta época, ainda, os procuradores que oficiavam
perante a Justiça do Trabalho faziam parte do quadro de pessoal do Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio, como órgão de coordenação entre a Justiça e o Ministério
(Decreto-Lei nº 1.346/39, de 15 de junho, e Decreto-lei nº 1237/39, de 2 de maio). As suas
funções, além de órgão consultivo para o MTIC, eram de oficiar nos processos, funcionar
nas sessões, recorrer, promover a execução das decisões dos tribunais e promover, na
justiça ordinária, a cobrança das multas ou quaisquer penalidades pecuniárias aplicadas
pelos tribunais (artigo 16). Nesta época, seus agentes estavam diretamente vinculados
com o Poder Executivo, promovendo cobrança de multas e outras penalidades
pecuniárias aplicadas pelos tribunais trabalhistas e funcionando como órgão de
controle das entidades sindicais. Existem registros de atuações de seus membros para
inibir os conflitos coletivos e reprimir greves. Em 1940, com a edição do Decreto-Lei nº
2.852, em 10 de dezembro, que alterou diversos artigos do Decreto-Lei nº 1.346/39, a
Procuradoria do Trabalho passa a se chamar Procuradoria de Justiça do Trabalho (art. 2º).
Percebe-se, pois, que nesta época a Procuradoria do Trabalho funcionava como
arrecadador de multas e penalidades pecuniárias destinadas à União e reprimia a
liberdade sindical, isto é, defendia meramente o interesse público secundário.
Em janeiro de 1942, Getúlio Vargas nomeia duas comissões para elaboração da
Consolidação das Leis do Trabalho e das leis da Previdência Social, com cinco membros
para cada uma delas. Na comissão do trabalho foram designados 4 (quatro) Procuradores do
Trabalho: Arnaldo Süssekind, Rego Monteiro, Segadas Vianna e Dorval Lacerda51. Em 1943
entrou em vigor a CLT e, no fim daquele ano, foram criadas as primeiras Juntas em cidades do
interior. Quando da sua publicação, a Procuradoria de Justiça do Trabalho era composta por
Procurador-Geral do Trabalho, Procuradores Regionais e Procuradores Adjuntos. A Procuradoria
ainda era vinculada ao Poder Executivo (Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio), não
havia concurso público para ingresso na carreira e nem as garantias dos magistrados.
51
MARTINS FILHO, Ives Gandra. Um pouco de história do Ministério Público do Trabalho, cit., p. 28.
41
Em 9 de setembro de 1946, alguns dias antes de entrar em vigor a Constituição
de 1946, o Decreto-Lei n. 9.797, que alterava a redação dos artigos 644, 647, 654, 670,
672, 681, 693 e 699 da CLT, estruturou definitivamente a Justiça do Trabalho como um
órgão do Poder Judiciário, organizando a carreira de Juiz do Trabalho, com ingresso
mediante concurso público e assegurando-lhes as garantias inerentes à magistratura
(vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos) (art. 654, § 6º). Nas
sedes da 1ª e 2ª Regiões (Rio de Janeiro e São Paulo), os juízes do trabalho substitutos
eram nomeados pelo Presidente da República, dentre brasileiros natos, bacharéis em direito
que ainda reunissem os requisitos de idoneidade para o exercício das funções, idade maior
de 25 e menor de 45 anos e classificação em concurso organizado de acordo com as
instruções baixadas pelo presidente do Tribunal Superior do Trabalho (art. 654, § 3º, I a
III). Os Conselhos Regionais passaram a ser denominados Tribunais Regionais do
Trabalho e o Conselho Nacional, Tribunal Superior do Trabalho. A Constituição de 1946,
no seu art. 94, V, inseriu os Juízes e Tribunais do trabalho como órgãos do Poder
Judiciário e o artigo 122, por sua vez, definiu os órgãos desta justiça especializada como
sendo o Tribunal Superior do Trabalho, Tribunais Regionais do Trabalho e Juntas ou Juízes de
Conciliação e Julgamento. A Constituição não fazia nenhuma referência à organização da
Procuradoria da Justiça do Trabalho, mas deliberava que a lei organizaria o Ministério Público
da União, junto à Justiça Comum, a Militar, a Eleitoral e a do Trabalho (artigo 125).
Somente em 1951, no Governo do Presidente Dutra, é que o Ministério Público
do Trabalho passou por uma grande transformação. A Lei Orgânica do Ministério Público
da União (Lei nº 1.341, de 30 de janeiro) inseriu o Ministério Público do Trabalho com as
mesmas garantias e vedações, porém, este ainda estava vinculado ao Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio e prestava contas também ao Ministério dos Negócios da
Justiça. Para o ingresso na carreira havia a previsão de aprovação em concurso de provas e
títulos, “entre bacharéis em Direito de comprovada idoneidade moral e que tenham mais de
quatro anos de prática forense e idade máxima de trinta e cinco anos. Se se tratar de
funcionário público, será de quarenta e cinco anos a idade máxima para a inscrição no
concurso” (art. 3º), sendo que o primeiro concurso público somente foi realizado em 1983.
O Ministério Público do Trabalho passava a ter a seguinte estrutura: Procurador-Geral da
Justiça do Trabalho, chefe da instituição, mas sem necessariamente pertencer à carreira;
Procuradores do Trabalho de 1ª Categoria, oficiando na Procuradoria-Geral e perante o
42
Tribunal Superior do Trabalho; Procuradores do Trabalho de 2ª Categoria, atuando nas
Procuradorias Regionais e perante os Tribunais Regionais do Trabalho; e os Procuradores
do Trabalho Adjuntos, oficiando junto aos Tribunais Regionais e Juntas de Conciliação e
Julgamento, em especial naqueles casos em que menores de 18 anos não possuíssem
representante legal (artigo 793 da CLT). Nesta época também existia a substituição de
Procuradores do Trabalho Adjuntos, advogados nomeados sem concurso e que recebiam
remuneração apenas pelo período em que exerciam a substituição (artigo 71 da Lei nº
1.341/51). Curioso que já nessa época existia a previsão de férias de 60 dias e que os
membros do MPU podiam acumular o exercício da advocacia, mas que somente eram
proibidos de “requerer, advogar ou praticar, em juízo ou fora dele, atos que, por qualquer
forma, colidam com as funções de seu cargo” (artigos 13 e 18).
A partir dos primeiros anos da década de 50, foram sendo criadas
paulatinamente diversas Juntas de Conciliação e Julgamento em várias partes do país,
contudo, foram mantidos os mesmos 8 Tribunais Regionais do Trabalho até 1975. A Lei n.
6.241 criou o TRT da 9ª Região, com sede em Curitiba e jurisdição nos estados do Paraná
e Santa Catarina. Depois o TRT da 10ª Região, sediado em Brasília, da 11ª Região, em
Manaus, da 12ª Região, em Florianópolis, etc.
Com o golpe de 1964 e a tomada do poder pelos militares, o Presidente Castelo
Branco nomeia o então Procurador do Trabalho Arnaldo Süssekind, como Ministro do Trabalho.
Vários membros do Ministério Público do Trabalho passam a fazer parte da administração
federal, mais precisamente no Ministério do Trabalho. Os militares instauraram diversos
inquéritos policiais militares nos órgãos da administração pública, com a finalidade de averiguar
a existência de “infiltração comunista”. No inquérito que investigava funcionários do Ministério
do Trabalho, o oficial que o presidia acabou por excluir das investigações o Ministério Público
do Trabalho, por verificar a postura jurídica e não política do órgão52. Nesta época, ainda, o
Ministério Público do Trabalho funcionava como mero agente do Poder Executivo.
A Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional nº 1/69, como já visto
anteriormente, exigia a aprovação em concurso público de provas e títulos como requisito
para a admissão nos cargos iniciais (artigos 138, § 1º e 95, § 1º, respectivamente).
Entretanto, apesar da previsão constitucional, editou-se a Lei nº 6.788/80, que
posteriormente foi questionada, passando todos os substitutos de procuradores adjuntos a
52
MARTINS FILHO, Ives Gandra. Um pouco de história do Ministério Público do Trabalho, cit., p. 33.
43
integrar permanentemente o quadro do Ministério Público do Trabalho. Para agravar o
desconforto gerado nos seios da Instituição com esta medida inconstitucional, em 1983 foi
realizado o I Concurso Público para provimento de Cargos de Procurador do Trabalho.
Muitos dos beneficiados pela Lei nº 6.788/80 não lograram êxito na sua aprovação, o que
provocou resistência aos novos integrantes aprovados no concurso público.
Neste período, o Ministério Público da União oficiava na defesa da ordem
jurídica, da sociedade e principalmente no interesse da União, o que somente foi alterado
com o advento da Constituição de 1988. Esta atuação do Ministério Público gerava
inúmeras contradições, pois ao mesmo tempo a Instituição era obrigada por lei a defender
os interesses públicos primários e secundários, que não raras vezes eram antagônicos.
Com a atual Constituição, todos os ramos do Ministério Público da União e os
Ministérios Públicos Estaduais passaram por uma profunda e intensa modificação,
transformando-os no legítimo defensor dos direitos humanos. Entretanto, o ramo que mais
sofreu estas modificações, sem sombra de dúvida, foi o Ministério Público do Trabalho.
Todos os demais ramos do Ministério Público já eram titulares de ações públicas há muito
mais tempo (ação penal pública e ação civil pública desde 1985) e atuavam na primeira
instância como parte, ao contrário do Ministério Público do Trabalho que possuía a função
eminentemente “parecerista” e de atuação, quase que exclusivamente, nos segundo e
terceiro graus de jurisdição. As primeiras ações civis públicas propostas pelo Ministério
Público do Trabalho só foram acontecer no segundo semestre de 1991, a primeira em
Goiânia e a segunda em Porto Alegre53.
Como veremos ainda neste capítulo, com a edição da Lei da Ação Civil Pública
(Lei nº 7.347/85) e a promulgação da Constituição Federal de 1988, as atuações do
Ministério Público do Trabalho na defesa dos interesses transindividuais têm crescido
vertiginosamente. Muito em razão deste crescimento, foram aprovadas leis para criação de
novos cargos de procurador do trabalho e criadas procuradorias do trabalho nos municípios
do interior do país.
53
Somente em agosto de 1991 foi ajuizada a primeira ação civil pública na Justiça do Trabalho, em Goiânia,
pelo Procurador do Trabalho Dr. Edson Brás, hoje Subprocurador Geral do Trabalho. A segunda ação civil
pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho foi em dezembro de 1991, em Porto Alegre, e
subscrita pelo Procurador do Trabalho Dr. Eduardo Antunes Parmeggiani, atualmente Procurador Regional
do Trabalho. Os autos da primeira ação civil pública encontram-se preservados no Museu do Tribunal
Regional do Trabalho da 18ª Região e os autos do inquérito civil na Procuradoria Regional do Trabalho da
18ª Região.
44
Mecanismos de consulta interna e instrumentos democráticos são efetivados
dentro do Órgão Ministerial, aliados às inovações tecnológicas, como internet ou grupos de
discussão por e-mails. Um novo ciclo se iniciou no Ministério Público do Trabalho, a
participação democrática da classe de procuradores e mecanismos de consulta foram
instituídos ou aprimorados; metas prioritárias de atuação foram definidas pelo Colégio de
Procuradores (órgão integrado por todos os membros da carreira em atividade no
Ministério Público do Trabalho – art. 93 da Lei Complementar n. 75/1993); a
interiorização do MPT foi ampliada e o Orçamento do MPT cresceu muito a partir de
2003. Apenas para se ter uma ideia, o orçamento de 2004 cresceu 44,16% em relação a
2003, e o orçamento de 2005 cresceu 51,67% em relação ao ano anterior.
Esta intensa fiscalização e participação democrática interna realizada por seus
membros, também se refletem para a participação da sociedade nos destinos do MPT,
porém, ainda de uma forma muito tímida. Entretanto, em razão de pressões da sociedade
organizada, em especial entidades de classe, Igreja e imprensa, aliada às pessoas
incomodadas com a atuação investigativa do Ministério Público e rigor nos julgamentos
realizados pelo Poder Judiciário, o Congresso Nacional aprova a Emenda Constitucional n.
45 e cria o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e o Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), com a finalidade de zelar pela probidade, eficiência e legalidade dos atos
administrativos, além de servir como órgão coordenador e de planejamento estratégico do
Poder Judiciário e do Ministério Público. Correntes antagônicas se uniram para instituir os
Conselhos Superiores o que deve ser festejado, e muito tem contribuído para o
aprimoramento e fortalecimento das Instituições.
Mas o incremento da participação interna dos procuradores do trabalho não se
estende aos servidores e aos prestadores de serviços do Ministério Público do Trabalho. À
medida que os instrumentos de participação na escolha do Procurador-Geral do Trabalho,
procuradores-chefes, presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho e
metas institucionais são ampliadas, o mesmo não se concretizou na participação dos
servidores e da sociedade na escolha dos rumos do MPT. A aproximação com a sociedade
não evoluiu da mesma forma.
Se no final do século passado e início deste muito se falava no fim da Justiça
do Trabalho e, consequentemente, na extinção ou incorporação do Ministério Público do
45
Trabalho, com a edição da Emenda Constitucional n. 45 verificamos uma ampliação da
competência desta justiça especializada com reflexos diretos nas atividades institucionais
do parquet trabalhista.
O Ministério Público do Trabalho, com a finalidade de acompanhar estas
transformações trazidas pela Emenda Constitucional n. 45, pela maior cobrança da
sociedade organizada e pelos anseios internos de democracia, agiliza o movimento de
interiorização que se iniciou administrativamente em 2001 e que foi legalmente
reconhecido, ratificado e ampliado com a aprovação da Lei n. 10.771/2003 e passa a eleger
metas prioritárias de atuação, com a finalidade de concentrar esforços e energia na
promoção dos direitos fundamentais escolhidos por seus membros.
Em agosto de 2008 foi dado início ao Planejamento Estratégico, que conta com
quatro grupos de participação: Decisor Estratégico, Grupo de Controle, Comitê de
Planejamento e Peritos. O Planejamento Estratégico é uma importante iniciativa e que atende
às diretrizes do Conselho Nacional do Ministério Público e à recomendação do Tribunal de
Contas da União, exarada no julgamento proferido no Proc. N. 008.380/2007-1:
Acordam os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em
Sessão Plenária, ante as razões expostas pelo Relator, em:
1.1. Recomendar ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ e ao Conselho
Nacional do Ministério Público – CNMP que, nos órgãos integrantes da
estrutura do Poder Judiciário Federal e do Ministério Público da União,
respectivamente:
1.1.1. Promovam ações com o objetivo de disseminar a importância do
planejamento estratégico, procedendo, inclusive mediante orientação
normativa, ações voltadas à implantação e/ou aperfeiçoamento de
planejamento estratégico institucional, planejamento estratégico de TI e
comitê diretivo de TI, com vistas a propiciar a alocação dos recursos
públicos conforme as necessidades e prioridades da organização.
Observa-se, assim, que o Ministério Público do Trabalho passa por uma
mudança estratégica, em que pretende se preparar para o futuro. Entretanto, ainda não
possui mecanismos de participação popular eficiente para definir as suas metas prioritárias
e planejamento estratégico. Este é o momento apropriado para se repensar a forma de
atuação do Ministério Público do Trabalho.
46
4. A crescente demanda dos conflitos trabalhistas e da despesa da Justiça do Trabalho
e do Ministério Público do Trabalho – limites intransponíveis
Nota-se, dessa maneira, que o Ministério Público do Trabalho passa por uma
profunda transformação histórica, de arrecadador de multas e penalidades pecuniárias
destinadas à União e órgão repressor da liberdade sindical para uma Instituição que busca a
defesa dos direitos fundamentais dos trabalhadores; de vinculado diretamente ao Poder
Executivo para uma Instituição essencial à Justiça do Trabalho e que possui autonomia
administrativa e financeira. Contudo, estas transformações, juntamente com a ampliação da
competência da Justiça do Trabalho, vêm gerando um significativo aumento das suas
atribuições.
O Conselho Nacional de Justiça, como órgão de controle da atuação
administrativa e financeira do Poder Judiciário, que tem entre suas atribuições elaborar
relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas nos diferentes órgãos do Poder
Judiciário, além de servir como instituição coordenadora e de planejamento estratégico,
publicou, em maio de 2009, dados que informam que, ao final de 2007, tramitavam 68,2
milhões de processos judiciais em todo o país, dos quais 26 milhões (38%) no Estado de
São Paulo, sendo 21 milhões na Justiça Estadual. Mas o dado mais desalentador informa
que cerca de 60% das ações ajuizadas não são julgadas no mesmo ano, o que gera o
chamado “déficit de julgamento”.
Por outro lado, a coleta de dados realizada pelo Conselho Nacional de Justiça
entre todos os Tribunais, informa que a Justiça do Trabalho é a mais célere no julgamento
dos processos de sua competência: dos processos que foram distribuídos em 2007 em todos
os tribunais trabalhistas, 46,7% ultrapassaram o ano sem qualquer julgamento (isto é, sem
julgamento pelo órgão de competência originária). Enquanto este índice é de 58,1% na
Justiça Federal e 74,1% na Justiça Estadual.
Apesar da realização dos constantes concursos públicos para provimento de
cargos de servidores e juizes, além das aquisições de equipamentos e imóveis, este
crescimento da estrutura física e humana não acompanha o crescimento do número de
ações. Para se ter uma ideia, entre 2004 e 2007, o número de ações distribuídas no Poder
Judiciário brasileiro cresceu 25%, enquanto o número de servidores da Justiça do Trabalho
47
(inclusive estagiários e terceirizados) passou de 35.693, em 2004, para 41.845, em 2007, o
que significa um aumento de 17,24% no número de pessoal contratado, inclusive
estagiários e terceirizados. Já no tocante ao número de magistrados, o crescimento foi de
apenas 15,27% no mesmo período (2004/2007): de 2.613 para 3.012. Em 2008, com
aumento de 3,3% e 4,42% respectivamente, o número de servidores pulou para 43.222 e de
magistrados para 3.14554.
Os dados do CNJ informam que durante os anos 2004 a 2008 o total da força
de trabalho da Justiça do Trabalho cresceu a uma razão média de 5,3% ao ano, enquanto os
servidores do quadro efetivo cresceram em média 3,2% ao ano, números que são
justificados em razão do maior aumento do quadro funcional com servidores não efetivos.
Ou seja, em 2008, 74% do total de servidores eram pertencentes ao quadro efetivo
(32.139), enquanto 11.083 eram trabalhadores contratados por empresas prestadoras de
serviços ou estagiários (26%). Em outras palavras, o próprio Poder, que, no meu entender,
corretamente questiona o crescimento da mão de obra terceirizada e defende a realização
de concurso público para admissão de empregados públicos, possui 26% de terceirizados
ou estagiários (esses que muitas vezes são admitidos sem seleção pública e executam
tarefas não condizentes com o ensino). De 20% em 2004, o número de terceirizados passou
para 26% em apenas 4 anos.
Assim, não é apenas o número de ações e de servidores que cresceu, mas
também a despesa da Justiça do Trabalho e o gasto com pessoal. Em relação à despesa
total de R$ 6,47 bilhões em 2004, o que significava 0,28% do PIB Nacional, pulou para R$
9,26 bilhões em 2008, ou seja, 0,32% do PIB Nacional. Esses dados são mais graves ainda,
pois os últimos dados indicam que a tendência é as despesas com o Poder Judiciário
crescerem ainda mais em relação ao PIB Nacional. O Relatório Justiça em Números já
apresenta essa preocupação ao constatar que a despesa total da Justiça do Trabalho cresceu
a uma média de 10,8% ao ano entre os anos de 2004 e 2008, inflacionada principalmente
pelo crescimento entre 2005 e 2006 (20%), enquanto o PIB teve um crescimento médio de
5,9% ao ano.
54
Em 2006, o MPT apresentou uma média de 0,28 procurador para cada cem mil habitantes, enquanto na
Justiça do Trabalho essa média era de 1,45; e de 19 procuradores para cada grupo de 100 magistrados do
trabalho (Diagnóstico do Ministério Público do Trabalho, p. 41-43).
48
Mas não foi apenas o crescimento do número de servidores e juízes para
atender à crescente demanda que provocou esta explosão no gasto com pessoal. Os
reajustes retroativos, as reestruturações de carreiras e o chamado “efeito cascata” que
provoca para toda a carreira o aumento dos subsídios dos Ministros do STF e a elevação do
teto constitucional, fez com que o Poder Judiciário Trabalhista praticamente dobrasse suas
despesas com pessoal nesse curto período. Dentre a despesa total da Justiça do Trabalho no
valor de R$ 9,26 bilhões, em 2008, 92,9% são relacionados a gastos com recursos humanos
(inclui, além do salário, todos os demais gastos como férias, gratificações, passagens,
verba de gabinete, etc.), que equivale a R$ 8,6 bilhões.
Outra provável causa para o crescente aumento das despesas da Justiça do
Trabalho é a ampliação do acesso à Justiça e a crescente interiorização do poder judiciário
em regiões antes não assistidas por Varas do Trabalho.
Estes números demonstram que o crescimento das demandas não pode gerar
crescimento direto nas despesas, pois é um fator limitado e o PIB não cresce na mesma
proporção.
E esta situação preocupante não é diferente no Ministério Público do Trabalho,
que sofre impacto direto do Poder Judiciário trabalhista, seja em razão do crescimento do
número de demandas provocado pela ampliação da competência, interiorização das varas
do trabalho ou redução da força de trabalho. Principalmente a partir da Constituição
Federal de 1988, quando houve alteração substancial nas atribuições e perfil do parquet
laboral, a demanda não para de crescer. Não apenas novos conflitos surgiram, mas os
instrumentos de atuação aumentaram e o MPT, juntamente com outros ramos do
Ministério Público, passou a ser mais conhecido pela sociedade como indica a pesquisa
realizada pelo IBOPE55, em fevereiro de 2004, em que 43% dos entrevistados disseram
conhecer o Ministério Público, outros 43% disseram conhecer só de ouvir falar e apenas
14% informaram não o conhecer.
O quadro e o gráfico abaixo comprovam que os números de inquéritos civis, ações
civis públicas e termos de ajustamento de conduta cresceram muito nos últimos quatro anos.
55
PESQUISA sobre o Ministério Público no Brasil: pesquisa de opinião realizada pelo Ibope em fevereiro de
2004. Rio de Janeiro: CONAMP – Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, 2004.
49
2003
2004
2005
2006
13.682
16.000
18.581
21.116
22.292
57.269
319 %
TAC (2)
5.683
6.181
6.686
7.223
8.980
12.006
111 %
ACP (3)
777
986
1.129
1.228
1.409
2.041
163 %
IC (1)
2007
2008 (4)
% 2003 /2008
(1) IC – procedimentos preparatórios de inquéritos civis e inquéritos civis.
(2) TAC – termos de compromisso de ajustamento de conduta
(3) ACP – ações civis públicas e ações civis coletivas
(4) Em fevereiro de 2008 entrou em vigor a Resolução nº 69/2007, que regulamenta o trâmite dos inquéritos
civis, e, em maio do mesmo ano foi publicada a Resolução nº 76/2008, que criou o temário unificado dos
procedimentos investigatórios.
60000
50000
40000
IC
30000
TAC
ACP
20000
10000
0
2003
2004
2005
2006
2007
2008
Analisando-se os dados acima, constata-se que houve um enorme crescimento
dos procedimentos investigatórios e ações civis públicas em 2008, principalmente quanto
aos inquéritos civis. O crescimento foi tão desproporcional se comparado aos anos
anteriores, que a única justificativa plausível foi a edição de resoluções do Conselho
Superior do Ministério Público do Trabalho que uniformizaram a atuação e criaram regras
mais rígidas no cadastramento dos feitos. A Resolução nº 69/2007, de 12 de dezembro de
2007, que entrou em vigor apenas com sua publicação no Diário da Justiça de 1º de
fevereiro de 2008 (p. 1405/1406), regulamenta a instauração e tramitação do inquérito
civil, e a Resolução nº 76, de 24 de abril de 2008, publicada no DJ em 14 de maio de 2008,
50
que criou o temário unificado dos procedimentos do MPT, são instrumentos de
uniformização dentro da Instituição e que ocasionaram um melhor controle das atividades
dos seus membros. Antes destas resoluções, as estatísticas das procuradorias regionais não
eram uniformes e muitos procedimentos deixavam de seguir um curso padronizado ou nem
eram registrados. A Resolução nº 69/2007 instituiu um prazo para análise da representação
e para o término do inquérito civil, que pode ser prorrogado desde que comunicada à
Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público do Trabalho. Da mesma forma,
antes da Resolução nº 76/2008, cada procuradoria regional do trabalho adotava uma
nomenclatura diferente e o objeto registrado era diferente apesar de a matéria ser idêntica.
Isto ocasionava uma grande dificuldade na apuração da estatística, e os números não eram
confiáveis. A partir de 2001, os dados estatísticos foram sendo aprimorados
paulatinamente, até que a Resolução nº 76/2008 instituiu a uniformização dos temários
adotados no âmbito do Ministério Público do Trabalho.
Assim, de 2004 a 2007 (período de quatro anos), antes, portanto, da entrada em
vigor da Resolução nº 69/2007, o crescimento no número de inquéritos civis foi de 39,33
%, de termos de compromisso de ajustamento de conduta (TAC) em 45,28 % e ações civis
públicas e coletivas (ACP) cresceu 42,9 %. Após a entrada em vigor da Resolução
69/2007, e fazendo um comparativo com os quatro anos anteriores (de 2005 a 2008), o
crescimento foi de 108 %, 79,6 % e 80,78 %, respectivamente. Verifica-se, assim, que a
normatização na instauração e trâmite dos procedimentos investigatórios, acompanhado
por uma uniformização de nomenclaturas, provocou um aumento considerável na atuação
do MPT, mas provavelmente de demanda existente e que não era computada. Mas, mesmo
desconsiderando os dados de 2008, o crescimento médio de 43% nas atuações do MPT, no
período de quatro anos (2004 a 2007), é muito grande se comparado com o crescimento no
número de processos ajuizados na Justiça do Trabalho que foi de 19,95 % entre 2004 e 2007.
E este crescimento no número de inquéritos, ações e termos de compromissos
de ajustamento de conduta firmados não tem sido acompanhado no mesmo ritmo que o
aumento da força de trabalho. Enquanto em 2004 existiam 1173 servidores do quadro, 164
requisitados de outros órgãos e 79 em função sem vínculo, em 2007 estes números pularam
para 1446 servidores do quadro, 369 requisitados e 105 em função sem vínculo, ou seja,
um crescimento de 35,59 %, em quatro anos. Apenas em 2007 e 2008 o MPT teve
51
considerável aumento na sua força de trabalho, mas muito em razão do aumento de
servidores requisitados de outros órgãos ou do crescimento de funções sem vínculo, isto é,
contratados sem concurso público para preenchimento de cargos de confiança. Para
comparar os dados, sempre com o mesmo período de quatro anos, em 2005, enquanto o
MPT tinha uma força de trabalho de 1.603 servidores e função sem vínculo (1.304 do
quadro, 200 requisitados de outros órgãos e 99 em função sem vínculo), em 2008 esta
força de trabalho pulou para 2.353 (1.614 servidores do quadro, 632 requisitados e 107 em
função sem vínculo), ou seja, um crescimento de 46,79 %.
Quadro sobre a força de trabalho no MPT
2500
2000
1500
Função s/ vínculo
Requisitados
1000
Quadro
500
0
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
Obs: O número de servidores não considera os servidores efetivos do MPT que foram cedidos a outros
órgãos (2002 – 38 cedidos) (2003 – 36 cedidos) (2004 – 38 cedidos) (2005 – 32 cedidos) (2006 – 24
cedidos) (2007 – 27 cedidos) (2008 – 27 cedidos)
Já o gráfico abaixo demonstra a relação percentual da força total do pessoal em
relação aos servidores efetivos do quadro, requisitados de outros órgãos e de contratados
para funções sem vínculo:
52
Este gráfico demonstra claramente que o crescimento da força de trabalho do
MPT (sem contar o número de procuradores, mas tão somente o número de servidores), em
que pese ter aumentado o número de servidores do seu quadro, se deve ao número de
servidores requisitados e das funções sem vínculo. O MPT, que instiga os entes da
administração pública para proceder a investidura dos cargos públicos por intermédio do
concurso público, deixa de aumentar o seu quadro através das nomeações de servidores
aprovados nos certames públicos.
Contudo, este problema não é ocasionado tão somente pelos dirigentes do
MPT. Os seus administradores encontram inúmeras dificuldades em razão da demora na
aprovação de lei que crie cargos de servidores, seja porque o Procurador-Geral da
República não encaminha projeto de lei, seja em razão do trâmite dos projetos de lei no
Congresso Nacional.
Outro problema sério diz respeito aos servidores requisitados de outros órgãos
públicos, tais como municípios, empresas públicas ou da administração direta federal, pois
em alguns casos os órgãos cedentes de servidores são investigados pelo Ministério Público
do Trabalho. Em algumas Procuradorias dos Trabalhos em Municípios, mais de 50% da
força de trabalho são originadas de municípios investigados e sem estes servidores os
andamentos dos procedimentos investigatórios serão seriamente prejudicados, assim, surge
53
uma situação no mínimo incômoda ao MPT, sem contar que estes servidores podem passar
informações privilegiadas para os órgãos denunciados.
E este crescimento da força de trabalho era acompanhado proporcionalmente
pelo aumento no número de membros do MPT até 2005, quando, a partir daquele ano, passouse a admitir muito mais requisitados e funções sem vínculo. O MPT teve que se socorrer deste
expediente a fim de aumentar sua força de trabalho para acompanhar o crescimento das suas
atribuições e representações, além de se socorrer das contratações de serviços terceirizados de
limpeza, segurança, recepção, transporte, reprografia, malote e outros.
2500
2000
1500
Procuradores
Serv. Total
1000
500
0
2002
56
2003
2004
2005
2006
2007
Ano
Proc.
Força
total
56
servidores
2002
443
1341
3,03
2003
453
1334
2,94
2004
448
1416
3,16
2005
516
1603
3,11
2006
553
1703
3,08
2007
597
1920
3,22
2008
626
2326
3,72
2008
de Relação Servidor/Procurador
Servidores do quadro, requisitados de outros órgãos e função sem vínculo, excluídos os servidores do
quadro que foram cedidos a outros órgãos.
54
Mas não foi somente o número de inquéritos e ações que cresceu, assim como a
força de trabalho com os requisitados de outros órgãos, mas também as despesas com gasto
de pessoal e despesas para manter o MPT em funcionamento, tais como compra de papel,
equipamentos de informática, pagamento dos contratos de terceirização de mão de obra
para substituir servidores, aquisição ou locação de imóveis, como indica a execução
orçamentária do MPT entre os anos de 2004 a 2008 (Anexo I – Execução Orçamentária do
MPT).
A análise da execução orçamentária de 2004 a 2008 (Anexo I) demonstra que a
despesa com pessoal e encargos sociais consome aproximadamente 80% do orçamento do
MPT, mesmo considerando que em cinco anos o orçamento total quase que dobrou,
passando de 406 milhões em 2004 para quase 800 milhões em 2008. Mas esta proporção
de 80% se manteve em razão do grande aumento do orçamento do MPT, graças ao
aumento da arrecadação federal e da estratégia de manter pessoal especializado no
Congresso Nacional para acompanhar a votação do orçamento anual, com a criação da
Assessoria Parlamentar em 2002. Se nos próximos anos houver uma redução da
arrecadação federal e uma consequente redução orçamentária, os gastos com as despesas
correntes e investimentos deverão diminuir consideravelmente, já que os gastos com
pessoal e encargos sociais não podem ser diminuídos em razão da irredutibilidade salarial.
A dificuldade na aprovação e liberação de créditos do orçamento gera uma
enorme dependência do Ministério Público em relação ao Poder Executivo e Legislativo,
em que pese a previsão constitucional de autonomia funcional e administrativa do parquet,
além da iniciativa de proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de
diretrizes orçamentárias. É comum o Ministério Público ter que realizar articulações
políticas para convencer os parlamentares a aprovarem as propostas orçamentárias, a
criarem cargos ou a aumentarem seus subsídios. Da mesma forma, deve atuar junto ao
Poder Executivo no período dos contingenciamentos do orçamento, para que estes sejam o
menor possível ou para a sua liberação. A situação é ainda agravada se levarmos em conta
que grande parte das lesões coletivas e que requerem uma atuação do MP são praticadas
pelo Executivo e pelos integrantes do Poder Legislativo (empresários, empregadores rurais,
etc.).
55
Verifica-se, assim, que o número de servidores, magistrados e procuradores,
além do orçamento do Poder Judiciário Trabalhista e Ministério Público do Trabalho, não
acompanham na mesma proporção a demanda de atuação. A situação só não é pior porque
a arrecadação federal dos últimos anos foi melhor do que nos anos anteriores, o que
permitiu o crescimento do orçamento e a contratação de mais servidores e terceirizados.
Mas, como iremos analisar no próximo tópico, existem alguns fatores que limitam o
crescimento desenfreado do Ministério Público do Trabalho.
5. O limite imposto pela lei de responsabilidade fiscal
Constatamos acima que as demandas individuais e coletivas crescem
sistematicamente, porém, para atender a este crescimento, o Ministério Público do
Trabalho deve contar com pessoal e instrumentos materiais, em outras palavras,
procuradores, servidores, imóveis e despesas correntes (papéis, veículos, equipamentos de
informática, etc.). Entretanto, para atender à demanda dos litígios trabalhistas afeitos ao
parquet, o MPT encontra limites de pessoal e orçamento; dificuldades na aprovação de leis
para criação de cargos e na aprovação anual do orçamento, principalmente nos períodos de
crise econômica; dificuldades na ampliação dos grupos orçamentários “outras despesas
correntes” e “investimentos” em razão do limitador da irredutibilidade de subsídios para os
procuradores e de remuneração para os servidores, além dos limites impostos na lei de
responsabilidade fiscal para gastos com pessoal.
A Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF (Lei Complementar nº 101, 4 de maio
de 2000), no seu artigo 20, inciso I, letra “d”, dispõe que a despesa total com pessoal57 do
Ministério Público da União não pode exceder 0,6 % (seis décimos por cento) da receita
corrente líquida.
Com base no artigo 128 da Constituição Federal, poderíamos então interpretar
que o limite imposto pela LRF de 0,6% ao MPU englobaria a despesa total com o pessoal
57
Como despesa total com pessoal, para os efeitos da Lei de Responsabilidade Fiscal, entende-se o somatório
dos gastos do ente com os ativos, os inativos e os pensionistas, relativos a mandatos eletivos, cargos,
funções ou empregos, civis, militares e membros de Poder, com quaisquer espécies remuneratórias, tais
como vencimentos e vantagens, fixas e variáveis, subsídios, proventos da aposentadoria, reformas e
pensões, inclusive adicionais, gratificações, horas extras e vantagens pessoais de qualquer natureza, bem
como encargos sociais e contribuições recolhidas pelo ente às entidades de previdência (artigo 18).
56
do Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal, Ministério Público Militar
e, logicamente, Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Todavia, estes dois
artigos devem ser interpretados em conjunto com o disposto no artigo 21, inciso XIII, da
CF, que dispõe que compete à União organizar e manter o Ministério Público do Distrito
Federal e dos Territórios.
Assim, a interpretação que tem sido dada pelo Tribunal de Contas da União58 é
no sentido de que a despesa total com pessoal do MPDFT não pode exceder o percentual
estipulado no artigo 20, I, “c”, da LRF, que dispõe 40,9% para o Executivo federal, sendo
3% para as despesas com pessoal decorrentes do que dispõem os incisos XIII e XIV do
artigo 21 da Constituição Federal e o artigo 31 da Emenda Constitucional nº 19. Por sua
vez, o Decreto nº 3.917/2001, alterado pelo Decreto nº 6.334/2007, estabelece que os três
por cento para as despesas com pessoal tratados nos incisos XIII e XIV do artigo 21 da CF
e destacado no artigo 20, I, “c” da LRF, ficam repartidos da seguinte forma: 0,275% para o
TJDFT; 0,160% para o ex-Território de Roraima; 0,273% para o ex-Território do Amapá;
2,2% para o DF e 0,092% para o MPDFT.
Desta forma, para efeito de verificação do cumprimento dos limites
estabelecidos na LRF para gastos com pessoal do MPU, realizada ao final de cada
quadrimestre, deve-se considerar o percentual de 0,6% (artigo 20, I, “d” da LC 101/2000)
para gastos dos ramos do MPT, MPF e MPM, e de 0,092% para o MPDFT (artigo 20, I,
“c” da LC 101/2000 c.c. Decretos nº 3.917, de 13 de setembro de 2001, e 6.334, de 28 de
dezembro de 2007).
Com base neste entendimento e para atender ao princípio da publicidade e
transparência dos atos administrativos, a Auditoria Interna do MPU tem publicado, a cada
quadrimestre, relatórios de gestão fiscal das despesas efetuadas, separadamente, com o
pessoal do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e outro com o pessoal dos
demais ramos do MPU (MPT, MPM e MPF), conforme a tabela abaixo.
58
Acórdãos nº 1.674/2005, 2.070/2005 e 722/2006 – TCU – Plen7ário, Ministro Relator Guilherme Palmeira,
TC-013.631/2001-5.
57
Ano
MPT, MPF e MPM
MPDFT
2003
0,3539 %
0,0533%
2004
0,3392%
0,0534%
2005
0,3436%
0,0575%
2006
0,35%
0,0567%
200759
0,36%
0,0554%
2008
0,39%
0,0550%
200960
0,44%
0,0641%
Verifica-se, assim, que as despesas em gastos com pessoal do Ministério
Público da União têm crescido constantemente, principalmente a partir de 2007, e em
particular com os ramos do MPT, MPM e MPF, conforme demonstra o gráfico abaixo.
59
Até 2007, o limite de gasto do MPDFT era de 0,064% (Decreto nº 3.917/2001), que depois passou para
0,092% graças ao Decreto n. 6.334/2007.
60
2º quadrimestre de 2009 e ainda sem considerar o impacto da aprovação da revisão do subsídio do
Procurador-Geral da República e dos demais membros do Ministério Público da União, que concedeu um
aumento de 5%, a partir de 1º de setembro de 2009 (Lei nº 12.042, de 8 de outubro de 2009).
58
Gastos Pessoal MPU
0,50%
0,45%
0,40%
0,35%
0,30%
0,25%
0,20%
0,15%
0,10%
0,05%
0,00%
2.003
2.004
2.005
2.006
Gastos Pessoal MPU
2.007
2.008
2.009
Exponencial (Gastos Pessoal MPU)
Linear (Gastos Pessoal MPU)
Se fizermos uma projeção dos aumentos dos últimos anos, agravada pela
situação de instabilidade econômica pela qual atravessa o país, e levando em consideração
a curva ascendente de crescimento, podemos afirmar que antes de 2015 o limite de gastos
chegará a 0,57%, ou seja, no limite prudencial previsto no parágrafo único do artigo 22 da
Lei de Responsabilidade Fiscal, o que acarretará a não concessão de vantagem, aumento,
reajuste ou adequação de remuneração, a vedação à criação de cargo, emprego ou função, e
o não provimento de cargo público, admissão ou contratação de pessoal a qualquer título.
Assim, se mantida a Lei de Responsabilidade Fiscal, o que esperamos, e se o
cenário de gastos com pessoal continuar neste ritmo, em pouco tempo o crescimento do
Ministério Público da União será seriamente comprometido. O Ministério Público do
Trabalho, e outros órgãos públicos também, devem criar mecanismos de atuação muito
mais eficientes e não sustentar o seu crescimento apenas com o inchaço de servidores e
procuradores, tão comum na administração pública. O Ministério Público do Trabalho
precisa repensar qual o seu verdadeiro papel e fazer uma autocrítica se realmente atinge os
anseios da sociedade que justifique sua existência. A Instituição deve direcionar a sua
atuação com maior eficiência, sem querer crescer desordenadamente, pois, como vimos
acima, existem limites intransponíveis de pessoal e orçamento.
59
6. O Ministério Público do Trabalho e seus desafios
O Ministério Público brasileiro, como tratado anteriormente, era vinculado ao
Poder Executivo (ou Moderador até a instalação da República), e da mesma forma que nos
outros países, defendia os interesses da Coroa ou da União. Paulatinamente, o parquet foi
se desvinculando deste poder e passou da defesa do interesse público secundário para o
interesse público primário, até ser elevado constitucionalmente como função essencial à
Justiça. De uma atuação clássica na defesa dos direitos de natureza individual (direitos
civis e políticos), para uma atuação na tutela dos direitos supraindividuais ou sociais,
inclusive o regime democrático, neste entendido a soberania popular. Se antes o
Ministério Público brasileiro defendia tão somente o interesse público secundário, isto é, o
interesse da Coroa ou do Estado, hoje ele tem o poder-dever de tutelar apenas o interesse
público primário. Na mesma linha, em particular, o Ministério Público do Trabalho: de
arrecadador de multas e penalidades pecuniárias destinadas à União e repressor da
liberdade sindical por interesse do poder executivo (interesse público secundário) para
defensor dos interesses metaindividuais e dos direitos fundamentais decorrentes das
relações de trabalho; de órgão inerte na atribuição de exarar pareceres nos processos em
que figuram entes da administração pública para órgão agente implementador de políticas
públicas.
E este novo papel do Ministério Público foi inserido na Constituição Federal de
1988, ao dispor, em seu artigo 127, que ele é uma instituição permanente, essencial à
função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Deste modo, os seus
integrantes devem proteger o Estado Democrático de Direito, fundamentado na sua
soberania (popular), na cidadania, na dignidade da pessoa humana, nos valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa (artigo 1º e parágrafo único da CF), com os objetivos
fundamentais de contribuir para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária,
garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos (artigo 3º da CF), para que a
sociedade caminhe, sempre que possível, para a paz social. Pois, como bem observa José
Afonso da Silva, ao distinguir a Constituição portuguesa, que instaura o Estado de Direito
Democrático, da Constituição brasileira, ressalta que “o ‘democrático’ qualifica o Estado,
60
o que irradia os valores da democracia sobre todos os elementos constitutivos do Estado e,
pois, também sobre a ordem jurídica”61, para em seguida concluir: “a tarefa fundamental
do Estado Democrático de Direito consiste em superar as desigualdades sociais e regionais
e instaurar um regime democrático que realize a justiça social”62. Portanto, quando
afirmamos que o Ministério Público do Trabalho deve defender e atuar em prol da
democracia, estamos querendo dizer que o parquet deve proteger e ajudar na
implementação de valores como igualdade real, segurança social, respeito à dignidade
humana, sufrágio universal, independência dos Poderes (executivo, legislativo e
judiciário), valorização do trabalho, redução das desigualdades sociais e regionais,
distribuição de rendas, paz social, liberdade de informação e ampliação da educação.
Por sua vez, quando também falamos em democracia, estamos tratando sobre o
sistema político em que toda a parcela da sociedade acima de 16 anos (artigo 14, § 1º da
CF), diretamente ou através de seus representantes eleitos livremente, tem a possibilidade
real de participar da definição e condução da vida social, sendo que estas decisões sejam
tomadas pelo conjunto de seus membros e de forma permanente63. Sobre esta última
característica, Goffredo Telles Júnior ressaltou que o grande desafio dos nossos tempos é o
de descobrir a fórmula constitucional de assegurar a permanente influência do pensamento
e da vontade dos governados nas decisões dos governantes64, que somente será possível,
61
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 19. ed. rev. e atual. nos termos da
Reforma Constitucional (até a E.C. n. 31, de 14.12.2000). São Paulo: Malheiros Ed., 2001. p. 123.
62
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, cit., p. 126.
63
Para Dalmo de Abreu Dallari, “deve-se compreender como povo o conjunto dos indivíduos que, através de
um momento jurídico, se unem para constituir o Estado, estabelecendo com este um vínculo jurídico de
caráter permanente, participando da formação da vontade do Estado e do exercício do poder soberano. Essa
participação e este exercício podem ser subordinados, por motivos de ordem prática, ao atendimento de
certas condições objetivas, que assegurem a plena aptidão do indivíduo. Todos os que se integram no
Estado, através da vinculação jurídica permanente, fixada no momento jurídico da unificação e da
constituição do Estado, adquirem a condição de cidadãos, podendo-se, assim, conceituar o povo como o
conjunto dos cidadãos do Estado. Dessa forma, o indivíduo, que no momento mesmo de seu nascimento
atende aos requisitos fixados pelo Estado para considerar-se integrado nele, é, desde logo, cidadão. Mas,
como já foi assinalado, o Estado pode estabelecer determinadas condições objetivas, cujo atendimento é
pressuposto para que o cidadão adquira o direito de participar da formação da vontade do Estado e do
exercício da soberania. Só os que atendem àqueles requisitos e, consequentemente, adquirem estes direitos,
é que obtêm a condição de cidadãos ativos” (DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do
Estado. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 99-100). Para tanto, nesse trabalho iremos adotar esta definição
de democracia, sociedade e povo, sendo que a sociedade brasileira, que pode participar da definição e
condução da vida social, ou seja, cidadão ativo, é composta por todos os brasileiros e estrangeiros
residentes legalmente no país acima de 16 anos.
64
TELLES JÚNIOR, Goffredo. O povo e o poder: o conselho do planejamento nacional. São Paulo:
Malheiros Ed., 2003. p. 110.
61
em nossa opinião e de Celso Antônio Bandeira de Mello65, se o corpo social tiver plena
consciência de cidadania aliada a um padrão econômico-social acima da mera subsistência,
efetivo acesso à educação, à cultura e à informação, mediante o pluralismo de fontes
diversificadas.
Assim, nesta transformação do Ministério Público do Trabalho de mero agente
do Poder Executivo para uma Instituição independente e fundamental para o sistema de
justiça, corresponsável pelas políticas públicas “lato sensu” e agente de inclusão social e
transformador da sociedade, o parquet laboral deve refletir sobre o seu novo papel e alterar
sua forma de atuação. Todavia, o maior desafio do MPT, na atualidade, é saber de que
forma e onde deve atuar e quais os instrumentos acessíveis para a definição do interesse
público a ser tutelado, levando-se em conta os limites e as finalidades de sua atribuição
constitucional.
65
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Grandes temas de direito administrativo. São Paulo: Malheiros Ed.,
2009. p. 372-376. Posição também defendida em parte por Norberto Bobbio (Estado, governo, sociedade:
para uma teoria geral da política. Tradução Marco Aurélio Nogueira. 9. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2001. p. 157-158).
62
CAPÍTULO II. CONFLITOS DE INTERESSES E O INTERESSE
PÚBLICO
1. Conceito de interesses
A noção de interesse é fundamental para o estudo do direito66, pois ele está
ligado à necessidade do homem como ser pertencente de uma coletividade e detentor de
direitos. Em sentido etimológico, a palavra interesse tem origem latina e liga o verbo
“esse” com a preposição “inter”, significando “estar entre”67; estar entre uma necessidade,
um sujeito e um bem ou uma finalidade que atenda àquela necessidade68, material ou
espiritual69. Na lição de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, “tudo aquilo, corpóreo ou
incorpóreo, que traz uma vantagem, um prazer, um cômodo ao indivíduo. O interesse é,
pois, o liame entre o homem e o bem-da-vida; como que uma projeção da personalidade
sobre um bem”70. Em outras palavras, o interesse estabelece a relação entre uma
necessidade de um ou vários sujeitos e um bem capaz de satisfazer71.
Francesco Carnelutti, no início do século passado, conceituou interesse como
“un rapporto tra un bisogno dell’uomo e un quid atto a soddisfarlo”, isto é, “l’interesse si
definisce come una situazione favorevole al soddisfacimento di un bisogno”72. E para
satisfazer a necessidade, o bem. Portanto, interesse é a relação existente entre o homem e
sua necessidade que é satisfeita através de um bem. Segundo Carnelutti, o sujeito do
interesse é o homem e o objeto é o bem.
No mesmo sentido, Vincenzo Vigoriti sustenta que o conceito de interesse
66
CARNELUTTI, Francesco. Lezioni di diritto processuale civile. Padova: Lalitotipo, 1920. p. 5.
SOUSA, Miguel Teixeira de. A legitimidade popular na tutela dos interesses difusos. Lisboa: LEX, 2003.
p. 20.
68
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Interesse público. Revista da Procuradoria Regional do Trabalho da
2ª Região, ano 1, n. 1, p. 11, dez. 1995.
69
BARROS, Sérgio Resende de. Contribuição dialética para o constitucionalismo. Campinas: Millennium,
2008. p. 5.
70
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e
parte especial. 11. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 7.
71
SOUSA, Miguel Teixeira de. A legitimidade popular na tutela dos interesses difusos, cit., p. 20-21.
72
CARNELUTTI, Francesco. Lezioni di diritto processuale civile, cit., p. 5-6.
67
63
è strettamente legato a quello di necessità, o di bisogno, ed esprime
un’aspirazione dell’uomo verso determinati beni (intesi in senso lato)
capaci di soddisfare un’esigenza individuale: come i bisogni che essi
sono destinati a soddisfare, anche gli interessi sono solo umani. Quasi
mai gli interessi possono essere considerati isolatamente, nella loro
singolarità: più espesso essi sono legati ad altri interessi (dello stesso
soggetto, o di soggetti diversi) e sono fra loro connessi e condizionati da
73
relazioni di tipo e di intensità diversa .
Todavia, o professor italiano faz importante distinção quando trata sobre os
extremos entre os interesses e o conflito de interesses:
da un lato, l’indifferenza fra gli interessi (per cui il soddisfacimento di
una aspirazione non tocca né pregiudica il soddisfacimento dell’altra) e,
dall’altro, il conflitto fra gli interessi (per cui il soddisfacimento di una
aspirazione impedisce e pregiudica il soddisfacimento dell’altra) 74.
Pablo Gutiérrez de Cabiedes e Hidalgo de Caviedes, na mesma linha de
raciocínio dos juristas italianos, define interesse como “el elemento conectivo entre la
necesidad (humana) y el bien (apto para satisfacerla). El bien es el medio para la
satisfacción de la necesidad; es decir, bien es ‘lato sensu’ todo aquello que puede ser –
devenir idóneo – para satisfacer una necesidad”75. Mas, segundo o autor, esse interesse
pode ser juridicamente relevante e, consequentemente, protegido pelo direito. Nestes casos,
como leciona o Professor de Direito da Universidade de Navarro, ele é um interesse
jurídico e digno de tutela jurídica:
El Derecho lleva a cabo, además de esa operación de valoración o juicio
de acuerdo con un criterio de relevancia y adecuación jurídica, otra de
graduación o jerarquización de los intereses jurídicamente protegidos,
determinando qué intereses son más dignos de tal protección, esto es,
estableciendo los que deben prevalecer y los que han de subordinarse en
cada caso76.
73
VIGORITI, Vincenzo. Interessi collettivi e processo: la legittimazione ad agire. Milano: Giuffrè, 1979. p.
17-18.
74
VIGORITI, Vincenzo. Interessi collettivi e processo: la legittimazione ad agire, cit., p. 18.
75
HIDALGO DE CAVIEDES, Pablo Gutiérrez de Cabiedes e. La tutela jurisdicional de los interesses
supraindividuales: colectivos e difusos. Navarra: Aranzadi Ed., 1999. p. 45.
76
HIDALGO DE CAVIEDES, Pablo Gutiérrez de Cabiedes e. La tutela jurisdicional de los interesses
supraindividuales: colectivos e difusos, cit., p. 46.
64
Para Héctor Jorge Escola, interesse é a aspiração legítima de ordem moral ou
material que representa para uma pessoa a existência de uma situação jurídica ou a
realização de uma determinada conduta77.
Rodolfo de Camargo Mancuso, da mesma forma que os autores estrangeiros,
entende que “o interesse interliga uma pessoa a um bem da vida, em virtude de um
determinado valor que esse bem possa representar para aquela pessoa”78. Para o autor
brasileiro, a nota comum entre os interesses no mundo fático como para os interesses no
mundo jurídico é a busca de uma situação de vantagem, contudo, enquanto para aquela o
conteúdo axiológico é amplo e variável conforme o livre arbítrio dos sujeitos, para essa o
conteúdo valorativo é prefixado na norma79.
Pode-se concluir, portanto, que os interesses impulsionam os homens a viver
em sociedade, muitas vezes até de forma egoística, “na medida em que tendem a satisfazer
os desejos de cada um, e muito especialmente os desejos – considerados perfeitamente
naturais – de obter o prazer e evitar a dor”80. E a necessidade de viver em sociedade não é
apenas para atender às necessidades materiais (também chamadas de físicas ou
necessidades primárias81), mas também para atender às necessidades afetivas, psicológicas
e espirituais (também chamadas de sociais ou secundárias82). Afinal de contas, o homem é
um animal que necessita viver em sociedade, como bem observado pelo filósofo grego
Aristóteles quando escreveu que o homem é um animal cívico83. Portanto, a vida em
77
ESCOLA, Héctor Jorge. Legalidad, eficacia y poder judicial. Buenos Aires: Depalma, 1997. p. 61.
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. 6. ed. rev. atual. e
ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2004. p. 19.
79
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir, cit., p. 20.
80
MORA, José Ferrater. Dicionário de filosofia. São Paulo: Edições Loyola, 2001. t. 2, p. 1543.
81
DAVIS, Keith; NEWSTROM, John W. Comportamento humano no trabalho: uma abordagem psicológica.
Tradução de Cecília Whitaker Bergamini e Roberto Coda. 4. reimpr. São Paulo: Pioneira, 2004. v. 1, p. 5053. Os professores americanos citam a hierarquia das necessidades de A. H. Maslow, que estabelece cinco
níveis de necessidades: as necessidades dos níveis 1 (necessidades físicas básicas) e 2 (proteção e
segurança) são tipicamente chamadas de necessidades de ordem mais baixa ou de necessidades primárias,
e os níveis 3 (pertencer ao grupo e necessidades sociais), 4 (autoestima e reconhecimento) e 5
(autorealização e satisfação) são chamados de necessidades de ordem mais alta ou de necessidades
secundárias.
82
DAVIS, Keith; NEWSTROM, John W. Comportamento humano no trabalho: uma abordagem psicológica,
cit., p. 50-53.
83
ARISTÓTELES. A política, cit., p. 4. No mesmo sentido, Holtzendorff, além de afirmar que o homem é um
ser social, entende também que a convivência dos homens em sociedade é uma lei natural
(HOLTZENDORFF, Franz von. Princípios de política. Tradução da 2. ed. alemã por H. de Souza Bandeira.
Rio de Janeiro: Laemmert, 1885. p. 83). Héctor Jorge Escola também afirma que o homem é um ser
eminentemente social, que não pode viver isolado e que tende naturalmente a agrupar-se e a organizar-se
(ESCOLA, Héctor Jorge. Legalidad, eficacia y poder judicial, cit., p. 27-28).
78
65
sociedade é uma necessidade humana, ou, como prefere Sérgio Resende de Barros, a
solidariedade social é a necessidade que o ser humano tem de atender às necessidades
individuais, através de ações concretas de cada um e nas condições desenvolvidas em
comum84.
Por sua vez, todos os indivíduos são naturalmente iguais. Se analisarmos duas
crianças que acabaram de nascer e colocarmos uma ao lado da outra, não veremos qualquer
diferença. Pois bem, elas são iguais, mas é a sociedade que estabelece a diferença com o
passar do tempo, seja de ordem econômica, religiosa ou por sexo. Isto é, a diferença não é
natural, mas artificialmente criada pela sociedade.
Ao mesmo tempo, até numa visão paradoxal, podemos afirmar que todos nós
somos naturalmente diferentes; cada um tem sua individualidade, sua personalidade. E isto
também é facilmente comprovado através da análise entre dois irmãos, criados na mesma
família e com as mesmas normas de conduta, mas totalmente diferentes. E se
transportarmos esta realidade familiar para a sociedade, encontraremos bilhões de pessoas
diferentes, com atributos diferentes, com interesses diferentes, comportamentos diferentes,
características naturais distintas e todas as demais condições fáticas nas quais os indivíduos
se encontram85. Nesta sociedade contemporânea e complexa, com pessoas diferentes, mas
naturalmente iguais, em busca muitas vezes do mesmo bem, certamente irão surgir
conflitos de interesses, cada vez mais complexos, que deverão ser regulados pelo direito.
Assim, podemos concluir que todos os seres humanos necessitam da vida
social e todos valem essencialmente a mesma coisa. Mas cada um tem as características
próprias de sua individualidade e por isso a vida em sociedade, embora necessária, acarreta
sempre a possibilidade de conflitos. E o direito ajuda a regular estas relações sociais para
minimizar os conflitos e também para solucionar as divergências, de modo a respeitar a
individualidade de cada um que pertence a esta sociedade86.
Em outras palavras, os integrantes da sociedade vivem de interesses e os
conflitos sociais são conflitos de interesses, mas isto não quer dizer que os homens só
84
BARROS, Sérgio Resende de. Direitos humanos: paradoxo da civilização. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
p. 403.
85
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva da 5. ed. alemã.
São Paulo: Malheiros Ed., 2008. p. 397.
86
DALLARI, Dalmo de Abreu. O que é participação política. São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 14-21.
66
vivem de interesse para tudo87. Muitas vezes, esses interesses, que podem ser distinguidos
em interesses individuais, privados, públicos, sociais, coletivos, entre outros, se coincidem,
fazendo com que exista a harmonia social. Contudo, em outras inúmeras vezes, esses
interesses se conflitam. Nessas ocasiões, que são de interesse do direito, porquanto ele visa
compor os conflitos de interesses e a permitir, através das relações jurídicas, que o homem
permaneça vivendo em sociedade88. Nas felizes palavras de Francesco Carnelutti, em sua
obra que data o ano de 1920,
se l’interesse collettivo é la forza centripeta, che opera nell’aggregato
sociale, il conflitto di interessi ne é la forza centrifuga; per virtú di esso
gli uomini tendono a lottare tra di loro, cioè a disgregarsi. Poichè però
questa disgregazione é un danno, cioè la lesionè di un interesse, in quanto
la stessa coesistenza in società è un interesse degli uomini, cioè una
situazione favorevole per il soddisfacimento della maggior parte dei loro
bisogni, impedirla diventa a sua volta un bisogno e la situazione che la
impedisce diventa un interesse degli uomini. E poichè la disgregazione
sociale, dovuta al conflitto di interessi, si impedisce mediante la
composizione del conflitto, se presenta – importantissimo, come sarà
dimostrato, per lo studio del diritto processuale – l’interesse alla
composizione del conflitto di interessi 89.
É este conflito de interesses que ajuda a movimentar os fatos integrantes da
história, pois como bem enfatiza Sérgio Resende de Barros, “movimento é contradição em
continuidade”90. É a busca de satisfazer a necessidade que leva o homem a viver em
sociedade, porém, esta mesma necessidade leva o conflito entre os seus integrantes, que
pode ser individual ou coletivo, privado ou público, etc. Estes interesses são variados e
para o presente estudo faz-se necessário uma breve distinção entre as suas categorias, como
veremos a seguir.
87
Tércio Sampaio Ferraz Júnior entende que a sociedade não vive só de interesses, pois nem todos os
problemas jurídicos resultam de conflitos de interesses (FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Interesse
público, cit., p. 11).
88
Emilio Betti in D’AMELIO, Mariano (Org.). Nuovo Digesto Italiano. Torino: Editrice Torinese, 1939. v.
18, p. 838-840. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo: parte
introdutória, parte geral e parte especial, cit., p. 7.
89
CARNELUTTI, Francesco. Lezioni di diritto processuale civile, cit., p. 21.
90
BARROS, Sérgio Resende de. Contribuição dialética para o constitucionalismo, cit., p. 2.
67
2. Espécies de interesses
Os interesses podem ser classificados em individual e coletivo; primário e
secundário; privado e público, entre outros. Para o trabalho, importante analisar de forma
superficial a conceituação entre os diferentes tipos de interesse, mas de forma mais
aprofundada o interesse público primário porque integrante das chamadas políticas
públicas.
2.1. Interesse individual e coletivo
Interesse individual é aquele cujo titular é apenas um indivíduo, ou, nas
palavras de Francesco Carnelutti, “quando la situazione favorevole per il soddisfacimento
di un bisogno puó determinarsi rispetto a un individuo soltanto”91. Contudo, segundo
Rodolfo de Camargo Mancuso, existem interesses individuais “que se restringem à esfera
de atuação de cada pessoa e cujo exercício depende de uma ação voluntária do indivíduo”,
e aqueles interesses individuais que somente podem ser praticados coletivamente, como no
caso do direito de associação ou no direito de greve. Nestes casos, trata-se de interesses
individuais exercitáveis coletivamente, isto é, eles são, na essência, individuais, mas
coletivos na forma em que são exercidos92. Em outras palavras, utilizando-se das lições de
Carnelutti, esses direitos ou interesses podem ser classificados como individuais na
modalidade e coletivos na finalidade, pois é inconcebível a associação de apenas uma
pessoa ou a greve de um indivíduo (“interessi individuali nella modalità e collettivi nella
finalità”93).
Já o interesse coletivo pode ser conceituado como o interesse de uma
pluralidade de pessoas a um bem idôneo a satisfazer uma necessidade comum. Mas essa
pluralidade de pessoas não é a soma de interesses individuais, mas a combinação deles na
busca de um bem indivisível que possa satisfazer a necessidade coletiva94. Em outras
91
CARNELUTTI, Francesco. Lezioni di diritto processuale civile, cit., p. 10.
Rodolfo de Camargo Mancuso classifica esses interesses também em “interesse coletivo como soma de
interesses individuais” (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para
agir, cit., p. 53).
93
CARNELUTTI, Francesco. Lezioni di diritto processuale civile, cit., p. 18.
94
SANTORO-PASSARELLI, Francesco. Nozioni di diritto del lavoro. 6. ed. Napoli: Eugenio Jovene, 1952.
p. 23.
92
68
palavras, o interesse coletivo é uma composição de interesses por um único bem idôneo
e indivisível a satisfazer uma necessidade comum do grupo, e não como “la somma di
interessi individuali”95. O interesse coletivo, por sua vez, pode ser em sentido estrito ou
amplo, dependendo da sua gradação que é essencialmente variável96. Interesse coletivo em
sentido estrito é aquele relativo a um grupo, classe ou categoria de pessoas (também
denominado interesse coletivo “stricto sensu”), ao passo que no sentido amplo é o interesse
de toda coletividade (interesse difuso) 97 98.
No caso, o que diferencia os interesses coletivos dos individuais são os sujeitos
e o objeto. Enquanto no individual o titular do bem é o indivíduo, no coletivo é o grupo,
classe, categoria de pessoas ou a coletividade indeterminada. No tocante ao objeto, a
indivisibilidade é característica do coletivo e a divisibilidade, do individual.
2.2. Interesse privado e interesse público
Célebre ficou a distinção entre direito privado e direito público feita por
Ulpianus: publicum ius est, quod ad statum rei Romanae spectat, privatum, quod ad
singulorum utilitatem pertinet (Digesto 1.1.1.2)99. Desta conceituação, por muito tempo, os
doutrinadores se basearam para distinguir entre o direito público e o direito privado, e para
diferenciar o interesse privado do interesse público100: através do direito público são
prosseguidos os interesses da coletividade e através do direito privado são realizados os
95
SANTORO-PASSARELLI, Francesco. Nozioni di diritto del lavoro, cit., p. 23. Miguel Reale, ao fazer
distinção entre o bem individual e bem social, ressalta que o mínimo indispensável à sociedade nem sempre
representa a satisfação de cada indivíduo, pois “não há possibilidade de pensar-se em uma combinação
harmônica e automática dos egoísmos individuais” (Filosofia do direito. 2. ed. rev. e aumen. São Paulo:
Saraiva, 1957. v. 1, p. 271).
96
CARNELUTTI, Francesco. Lezioni di diritto processuale civile, cit., p.10.
97
WATANABE, Kazuo. Processo civil de interesse público: introdução. In: SALLES, Carlos Alberto de
(Org.). Processo civil e interesse público: o processo como instrumento de defesa social. São Paulo:
Associação Paulista do Ministério Público; Ed. Revista dos Tribunais, 2003. p. 15.
98
Expressão utilizada no termo jurídico e não em sede sociológica, como bem aponta Massimo Severo
Giannini (Diritto amministrativo. 3. ed. Milano: Giuffrè, 1993. v. 1, p. 104).
99
SOUSA, Miguel Teixeira de. A tutela jurisdicional dos interesses difusos no direito português. In:
SEMINARIO INTERNAZIONALE “FORMAZIONE E CARATTERI DEL SISTEMA GIURIDICO
LATINOAMERICANO E PROBLEMI DEL PROCESSO CIVILE”, 7. Roma, maio 2002. p. 2. No mesmo
sentido, BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política, cit., p. 13-15.
100
Segundo Tércio Sampaio Ferraz Júnior, a definição de direito público dada por Ulpiano não faz referência
ao termo “interesse”, pois se trata de expressão moderna (FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Interesse
público, cit., p. 11).
69
interesses dos particulares101. Mauro Cappelletti escreveu que, tradicionalmente, se fazia a
“divisão entre aquilo que é ‘público’ e aquilo que é ‘privado’, onde por público (de
populus) se entende aquilo que é reservado ao povo ou ao Estado (res publica), enquanto
por privado se entende aquilo que pertence à livre disponibilidade do indivíduo que dele é
‘titular’”102.
Assim, com muita propriedade, Odete Medauar, na sua tese para concurso de
professor titular de direito administrativo da Faculdade de Direito da USP, defendeu que a
distinção entre interesse público e interesse privado era reflexo da separação entre Estado e
sociedade, concepção no século XIX e na primeira metade do século XX, e que “como a
Administração apresentava-se na condição de detentora absoluta das escolhas referentes ao
interesse público, este acabou por identificar-se como interesse da Administração”103. Da
mesma forma, Massimo Severo Giannini ensina que, antes do surgimento do Estado plural,
a teoria defendida pelos juristas era muito simples: “da un lato si ponevano gli interessi dei
privati, rimessi al principio di autonomia privata; dall’altro l’interesse pubblico, inteso
come interesse della generalità, dell’intera collettivà statale”. E que, com o advento do
Estado plural, esta teoria se mostrou inadequada diante da crescente heterogeneidade dos
entes representativos dos grupos de interesses (“enti esponenziali di gruppi”), ocasionando
uma pluralidade de interesses públicos104.
Na mesma linha, e após traçar as transformações da função administrativa do
Estado polícia para o Estado de direito, Héctor Jorge Escola define que o interesse público
“es el resultado de los intereses compartidos y coincidentes de un grupo mayoritario de
individuos, que se asigna a toda la comunidad, prevaleciendo sobre los intereses
individuales que se oponen a él o lo afecten, a los que desplaza o sustituye, sin
aniquilarlos”105. Baseando-se provavelmente neste contexto sobre a transformação estatal,
Ricardo de Barros Leonel definiu que
101
SOUSA, Miguel Teixeira de. A legitimidade popular na tutela dos interesses difusos, cit., p. 18.
CAPPELLETTI, Mauro. Formações sociais e interesses coletivos diante da justiça civil. Tradução do
original italiano por Nelson Renato Palaia Ribeiro de Campos. Revista de Processo, São Paulo, ano 2, n. 5,
p. 128-159, jan./mar. 1977. p. 132.
103
MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. 1993. Tese (Titular de Direito
Administrativo) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1993. p. 27. Ver também da
mesma autora O direito administrativo em evolução. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, 2003. p. 115-116.
104
GIANNINI, Massimo Severo. Diritto amministrativo, cit., p. 106-107.
105
ESCOLA, Héctor Jorge. Legalidad, eficacia y poder judicial, cit., p. 18.
102
70
O interesse privado caracteriza-se, assim, por sua disponibilidade e pela
equivalência com outros interesses privados, em razão dos princípios da
autonomia da vontade e da igualdade das partes na relação jurídica. Os
interesses públicos, em virtude do regime jurídico de direito público,
podem ser caracterizados, em princípio, pela sua preeminência em
relação aos privados e pela nota de indisponibilidade, por serem voltados
à consecução dos fins gerais da União, dos Estados, dos Municípios, bem
como das respectivas entidades de administração indireta sujeitas ao
regime jurídico de direito público (autarquias e fundações públicas) 106.
Por sua vez, nos últimos tempos, temos visto uma inter-relação entre os
interesses públicos e privados, decorrentes da passagem do Estado Social para o Estado
regulador, como bem acentua Colaço Antunes: “se a Administração goza do poder de
impor autoritariamente o interesse público, que prevalece sobre o interesse privado,
também é verdade que o particular, para realizar o respectivo interesse, interfere na esfera
jurídica da Administração, podendo até tocar a realização do interesse público
específico”107.
No mesmo sentido, e ao tratar sobre o poder decisório do Estado, Floriano
Peixoto de Azevedo Marques Neto assevera que “enquanto o poder disperso, individual e
fragmentário na sociedade se volta aos interesses individuais dos seus membros, o poder
unificado e centralizado do Estado só se justificaria se orientado para o interesse geral,
pertencente à totalidade social e a nenhum indivíduo em particular”108. Ou seja, o Estado
só se legitima se atuar prioritariamente na defesa do interesse público e não do interesse
privado, pois aquele é a sua própria razão de existência109.
Contudo, essa distinção clássica entre o interesse privado de que é titular o
indivíduo/cidadão, e o interesse público de que é titular a Administração Pública direta e
indireta, é restrita, não abrangendo os interesses coletivos, os interesses difusos, os
interesses sociais e os interesses individuais indisponíveis.
106
LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002. p.
93.
107
ANTUNES, Luis Filipe Colaço. O direito administrativo e a sua justiça no início do século XXI, cit., p. 46.
108
MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Regulação estatal e interesses públicos. São Paulo:
Malheiros Ed., 2002. p. 52-53.
109
No mesmo sentido, Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto (Regulação estatal e interesses públicos,
cit., p. 94) e Luís Filipe Colaço Antunes (O direito administrativo e a sua justiça no início do século XXI.
Coimbra: Almedina, 2001. p. 15).
71
Ora, essa distinção estática entre o interesse do indivíduo (interesse privado) e
o interesse da administração foi se modificando a partir da segunda metade do século
passado, quando a separação entre Estado e sociedade perdeu nitidez em razão do
enfraquecimento daquele e do surgimento dos corpos intermediários110 (corporações,
Igreja, associações, sindicatos, etc.), e, com essa progressiva aproximação da sociedade
civil, os grupos sociais passaram a colaborar com a identificação do interesse público111.
Quando o Estado era autoritário e centralizador, cabia a ele definir o interesse público;
hoje, no Estado regulador, menos presente, cabe à sociedade definir o interesse público112.
Assim, atualmente, interesse público não é relativo apenas ao interesse da
Administração Pública e nem esta é mais a detentora do monopólio do interesse público113.
A fragmentação social legitima a multiplicidade de interesses públicos, entendidos estes,
neste particular, como gênero do interesse difuso e coletivo “stricto sensu”. O interesse
público está associado ao interesse da sociedade; ele é, desta forma, sinônimo de interesse
social, cuja expressão é por diversas vezes mencionada na Constituição Federal, como nos
casos de desapropriação por interesse social (artigo 5º, XXIV) ou nas atribuições do
Ministério Público para a defesa dos interesses sociais (artigo 127, caput). Modernamente,
a Administração Pública (inclusive o Ministério Público) deve compartilhar esta atribuição
com a sociedade. Carlos Henrique Bezerra Leite relaciona o interesse público com o
“interesse geral, social ou interesse público primário, não se confundindo com o interesse
público do Estado, considerado no seu aspecto de poder organizado, o qual, por ser
secundário, pode, num dado momento, conflitar com o interesse público primário”114.
Porém, a definição de interesse público é algo subjetivo e absolutamente
modificável no curso da história115, que depende dos atores sociais e das condições
históricas. Isto é, interesse público é um conceito que não é singular e estático, mas plural e
aberto. Vejamos, por exemplo, a atuação do Ministério Público que, ao lado do cidadão, é
110
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir, cit., p. 37-38.
MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo, cit., p. 27.
112
ANTUNES, Luis Filipe Colaço. O direito administrativo e a sua justiça no início do século XXI, cit., p. 15-18.
113
No mesmo sentido, Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto: “parece-nos não mais possível à
Administração exercer o papel de hermeneuta autoritária do interesse público, ou seja, adotar a posição de
quem, do alto da supremacia e de sua unilateralidade, determina o que seja e o que não seja o interesse
geral da coletividade” (Regulação estatal e interesses públicos, p. 157).
114
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ministério Público do Trabalho: doutrina, jurisprudência e prática. São
Paulo: LTr, 1998. p. 35.
115
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Interesse público, cit., p. 9-20.
111
72
o defensor por excelência do interesse público, ajuíza ação civil pública para obrigar o
Estado de São Paulo a construir penitenciárias de segurança máxima em detrimento de
outras atividades, como a construção de hospital na zona leste da cidade de São Paulo. Ora,
se fizermos uma pesquisa com os paulistas sobre a existência de interesse público nesta
ação do parquet paulista, certamente iríamos encontrar, dentre os moradores da zona leste,
aqueles que entenderiam não haver qualquer interesse nesta ação, mas o interesse público
pela construção do hospital ou, quem sabe, em outras atividades. Da mesma forma, o
interesse público de hoje não é o mesmo de 40 anos atrás, pois se a Constituição Federal de
88 declara que a investidura de emprego público depende de aprovação prévia em
concurso público e se antes da sua promulgação não havia essa exigência, o interesse
modificou-se. A nova ordem constitucional dispõe que o interesse público requer a
igualdade de condições e a impessoalidade na contratação pela administração pública.
Nestes casos, não se trata dos interesses coletivos dos grupos que se
confrontam (ex: interesse coletivo dos metalúrgicos em confronto com o interesse coletivo
das empresas metalúrgicas), mas do interesse público como bem geral da coletividade
como um todo116; ou como prefere Hugo Nigro Mazzilli: “mesmo o interesse coletivo (que
atinge uma categoria determinada ou pelo menos determinável de indivíduos) e até o
interesse individual, se indisponível, estão de certa forma inseridos na noção mais ampla,
que é a do interesse público”117.
Trata-se, portanto, daquilo que Massimo Severo Giannini denominou de
interesses públicos setoriais, em contrapartida aos interesses públicos gerais118. Os
interesses públicos gerais são aqueles em que toda a coletividade tem interesse, como por
exemplo, a segurança externa, a educação pública e a política externa; já os interesses
setoriais são exemplificados por aqueles interesses de determinado setor da sociedade ou
da economia, como dos jovens, idosos, da marinha mercante, da indústria ou do comércio
116
Segundo Rodolfo de Camargo Mancuso, a distinção entre interesses social, geral e público é tão sutil que,
na prática, não há qualquer contribuição relevante para o exame da problemática dos interesses
metaindividuais: “À semelhança do que ocorre entre o ‘interesse social’ e o ‘interesse geral’, também no
que tange ao ‘interesse público’ constata-se uma certa aproximação terminológica, consistente na
assimilação entre os termos ‘interesse público’ e ‘interesse geral’, o que aparece amiúde em doutrina:
‘intérêts généraux de la soiété toute entière, que’il nos paraît préférable, pour éviter toute confusion,
d’appeler des intérêts publics’” (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e
legitimação para agir, cit., p. 27-36).
117
MAZZILLI, Hugo Nigro. Interesses coletivos e difusos. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 668, p. 47,
jun. 1991.
118
GIANNINI, Massimo Severo. Diritto amministrativo, cit., v. 1, p. 110-111.
73
exterior. São nos interesses públicos setoriais que iremos encontrar com maior incidência
os chamados conflitos de massa, isto é, o interesse público dos trabalhadores nem sempre é
o mesmo dos empresários. O interesse público setorial por vezes se confunde com o
interesse difuso; outras, com o coletivo. Ocorre que o setorial se distingue do interesse
coletivo “stricto sensu” em virtude da sua maior generalidade. O interesse pelo
desenvolvimento da marinha mercante pode envolver um grande número de pessoas e
empresas, não se podendo delimitar em apenas um grupo ou categoria de pessoas, isto é, os
sujeitos ligados ao bem não são determináveis (quem pode se beneficiar com o
desenvolvimento da marinha mercante? A indústria naval, os investidores da bolsa de
valores, os trabalhadores, etc.).
2.3. Interesse público primário e secundário
Em regra, o interesse público defendido pelo administrador público deveria ser
idêntico ao interesse da sociedade civil. Ocorre que, na prática, esse interesse nem sempre
corresponde ao interesse geral119. Como o interesse da administração pública ou de seus
governantes nem sempre coincide com o interesse da coletividade, necessária é a distinção
entre o interesse público primário do interesse secundário. Ademais, para o presente estudo
em que se busca tratar sobre os tipos de políticas públicas e a participação popular na sua
implementação, é fundamental distinguir entre interesse público primário e interesse
público secundário120.
O interesse público secundário corresponde ao interesse dos órgãos da
administração pública enquanto pessoas jurídicas ou corporações; é o modo pelo qual
o administrador público interpreta a vontade social, enquanto o interesse primário se
destina ao interesse comum da sociedade enquanto governada e administrada121, isto
é, a manifestação da vontade social; aquilo que a sociedade pretende para si; é o que
muitas vezes se confunde com aquilo que chamamos de interesse difuso. Portanto, quando
o administrador resolve desapropriar um terreno, nem sempre esse ato corresponde ao
interesse da sociedade. Segundo Hugo Nigro Mazzilli, “O interesse público primário é o
119
MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo, cit., p. 27.
BARROS, Sérgio Resende de. A proteção dos direitos pelas políticas. Artigo disponibilizado pelo autor. p. 7.
121
BARROS, Sérgio Resende de. A proteção dos direitos pelas políticas, cit., p. 7.
120
74
interesse social (o interesse da sociedade ou da coletividade como um todo)”122. Assim, o
interesse público primário se identifica com o interesse geral da coletividade, isto é,
aproxima-se do interesse supraindividual.
Renato Alessi, em sua célebre obra Sistema istituzionale del diritto
amministrativo italiano, após tratar sobre o “potere d’impero” e os limites que encontra o
poder da administração pública de impor coativamente a sua vontade aos indivíduos ou à
coletividade, com muita propriedade analisou o conflito existente entre os interesses
primário e secundário, ao afirmar que os limites existentes entre eles
offre certamente già una certa garanzia di tutela dei singoli contro la
possibilità di arbitri ed oppressione da parte dei governanti; ma tale
garanzia è peraltro ancora lungi dall’essere sufficiente, in quanto che
rimane pur sempre la possibilità che l’amministrazione faccia uso della
potestà conferitale (ad es. della potestà di espropriare beni di privata
proprietà, ovvero di imporre pesi, oneri, obblighi, ai privati cittadini ed
alle loro proprietà) per finalità diverse da quelle che è il soddisfacimento
di un pubblico interesse, interesse che solo può giustificare il sacrificio
dell’interesse individuale.
O ilustre jurista italiano então conclui que nem sempre o interesse do
administador público irá coincidir com o interesse público:
Questi interessi pubblici, collettivi, dei quali l’amministrazione deve
curare il soddisfacimento, non sono, si noti bene, semplicemente
l’interesse dell’amministrazione intesa come apparato organizzativo,
sibbene quello che è stato chiamato l’interesse collettivo primario,
formato dal complesso degli interessi individuali prevalenti in una
determinata organizzazione giuridica della collettività, mentre l’interesse
dell’apparato, se può esser concepito un interesse dell’apparato
unitariamente considerato, sarebbe semplicemente uno degli interessi
secondari che si fanno sentire in seno alla collettività, e che possono
essere realizzati soltanto in caso di coincidenza, e nei limiti di siffatta
coincidenza, con l’interesse collettivo primario 123.
Assim, por esta classificação e segundo a definição dada por Renato Alessi, o
interesse público primário é aquele definido pela sociedade e que legitima o poder político
122
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor e outros
interesses difusos e coletivos. 12. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 43.
123
ALESSI, Renato. Sistema istituzionale del diritto amministrativo italiano. 3. ed. Milano: Giuffrè, 1960. p.
197-198.
75
do Estado, e o interesse público secundário é aquele interesse do Estado enquanto esfera
pública; sendo que o interesse público secundário somente poderia ser efetivado pela
Administração Pública se ele fosse realizado nos limites da semelhante coincidência com o
interesse público primário.
Fundamental essa distinção dada por Renato Alessi, pois podemos verificar por
reiteradas vezes que o interesse público defendido pelos órgãos da Administração
Pública nem sempre coincide com o real interesse da coletividade124. E os exemplos
são inúmeros e facilmente identificáveis com uma simples leitura dos diários. Apenas para
citar alguns: Construção de nova hidrelétrica ou de túnel destinado aos veículos
particulares? Construção de hospitais ou escolas públicas? Asfaltar ruas ou construção de
creches? Diversas medidas executadas ou planejadas pelos governos não coincidem com
os verdadeiros anseios da comunidade, tanto que, como bem aponta o jurista Hugo Nigro
Mazzilli, “não raro, os governantes que se sucedem reconsideram decisões, revêem planos,
abandonam projetos encetados; o próprio povo freqüentemente rejeita nas urnas as linhas
de recente atuação governamental”125.
Por outro lado, é de extrema importância que o interesse público primário
esteja fixado na Constituição Federal, pois gera uma correspondente prerrogativa
constitucional indisponível126. Assim, como veremos a seguir, o Administrador não possui
a discricionariedade de decidir sobre a execução deste interesse, mas o dever. Em suma,
quando o interesse público não tem condições de estar delimitado no ordenamento
jurídico, é importante que tenha elementos mínimos definidos pela sociedade.
Outra distinção que podemos fazer em relação a essas duas espécies de
interesse público é quanto à legitimidade para a sua tutela judicial. Enquanto apenas os
órgãos estatais judiciais (advocacia geral da União ou as procuradorias gerais da União,
Estados ou municípios) podem defender o interesse público secundário, o interesse público
primário pode ser defendido pelo cidadão ou pelo Ministério Público, através da ação
popular ou ação civil pública. Entretanto, fundamental que a sociedade civil tenha uma
124
Ver também BARROS, Sérgio Resende de. O Poder Judiciário e as políticas públicas: alguns parâmetros
de atuação. p. 2. Disponível em: <www.srbarros.com.br>.
125
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor e outros
interesses difusos e coletivos, cit., p. 47-48.
126
BARROS, Sérgio Resende de. A proteção dos direitos pelas políticas, cit., p. 6.
76
participação ativa na fiscalização do Estado e defina o interesse público a ser tutelado pelos
governantes ou pelos órgãos representativos (também classificados em corpos
intermediários).
2.4. Os interesses transindividuais
2.4.1. Interesses difusos
Os interesses difusos são, segundo descrito no inciso I, parágrafo único do
artigo 81 do CDC, aqueles que dizem respeito a um número indeterminado de pessoas
titulares (elemento subjetivo) de um objeto indivisível (elemento objetivo) e que podem ou
não estar ligadas por um vínculo fático (elemento comum).
A doutrina dominante identifica, portanto, três características dos interesses
difusos:
a) indeterminação dos lesados – não há como determinar o número e nem
identificar quem são as pessoas que tenham sido, ou que estejam potencialmente sujeitas,
lesadas por um fato. Todavia, não se trata de interesses sem sujeito ou sem titulares, mas
de uma pluralidade de titulares indeterminados127. Por exemplo, não se pode determinar os
lesados pela poluição na cidade de São Paulo ou os frequentadores das praias da cidade de
Bertioga no mês de janeiro de 2009. Como bem aponta o Ministro João Oreste Dalazen, o
vocábulo “difuso” sugere a ideia de algo que “não pertence a ninguém particularmente e
toca a uma generalidade de pessoas, indistintamente”128. Por sua vez, Barbosa Moreira,
com muita propriedade, ressalta que “o conjunto dos interessados apresenta contornos
fluidos, móveis, esbatidos, a tornar impossível, ou quando menos superlativamente difícil,
a individualização exata de todos os componentes”129.
127
SOUSA, Miguel Teixeira de. A legitimidade popular na tutela dos interesses difusos, cit., p. 21 e 51.
DALAZEN, João Oreste. Ação civil pública trabalhista. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, São
Paulo, v. 63, p. 98, 1994.
129
MOREIRA, José Carlos Barbosa. A ação popular do direito brasileiro como instrumento de tutela
jurisdicional dos chamados “interesses difusos”. In: ______. Temas de direito processual – 1ª série. São
Paulo: Saraiva, 1977. p. 112-113.
128
77
b) indivisibilidade do objeto – o bem lesado não pode ser dividido entre os seus
titulares em razão da sua indivisibilidade; não se pode determinar a quota parte de cada
um, isto é, o ar atmosférico, a praia, a mata atlântica ou um prédio tombado como
patrimônio nacional são pertencentes a toda a coletividade e não pode ser dividido entre os
seus titulares.
c) eventual presença de vínculo fático – essa característica nem sempre está
presente nos interesses difusos, mas serve para identificá-la130. Nos exemplos acima
citados, no caso da poluição das praias de Bertioga, o vínculo fático existente entre os
banhistas que frequentaram o local no mês de janeiro de 2009; na situação de propaganda
enganosa, o vínculo fático é que todos estavam assistindo à TV naquele horário e canal.
Exemplo de ausência de vínculo fático: destruição da mata atlântica, não necessariamente
haverá presença de vínculo fático entre o morador de Bananal e o morador de
Gramado/RS; alteração da fachada da Igreja de São Benedito da cidade de Salvador, nem
sempre haverá presença desta característica entre os soteropolitanos e os paulistanos.
Como bem acentua a Desembargadora Federal Consuelo Yoshida, “são meras
circunstâncias fáticas de lugar, tempo e modo o traço de união da coletividade titular de
direitos e interesses difusos, por isso mesmo considera-se que é indeterminado ou mesmo
indeterminável, qualitativa e quantitativamente, o universo de pessoas que a integra”131.
Rodolfo de Camargo Mancuso e Hugo Nigro Mazzilli132 citam uma quarta
característica dos interesses difusos: d) intensa litigiosidade interna – trata-se de um
interesse, difuso ou coletivo, em contraposição ao interesse difuso. Isto é, uma litigiosidade
130
Característica que foi salientada por José Carlos Barbosa Moreira em 1977, influenciado pelos
doutrinadores italianos que participaram do Congresso de 1974, em Pavia, Itália (Dent, Cappelletti, Proto
Pisani e outros): “os interesses para os quais se deseja tutela jurisdicional, comuns a uma coletividade de
pessoas, não repousam necessariamente sobre uma relação-base, sobre um vínculo jurídico bem definido
que as congregue. Tal vínculo pode até inexistir, ou ser extremamente genérico – reduzindo-se,
eventualmente, à pura e simples pertinência à mesma comunidade política – , e o interesse que se quer
tutelar não é função dele, mas antes se prende a dados de fato, muitas vezes acidentais e mutáveis; existirá,
v. g., para todos os habitantes de determinada região, para todos os consumidores de certo produto, para
todos os que vivam sob tais ou quais condições sócio-econômicas, ou se sujeitem às conseqüências deste ou
daquele empreendimento público ou privado, e assim por diante”. (MOREIRA, José Carlos Barbosa. A
ação popular do direito brasileiro como instrumento de tutela jurisdicional dos chamados “interesses
difusos”, cit., p. 112).
131
YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato. Direitos e interesses individuais homogêneos: a “origem
comum” e a complexidade da causa de pedir. Implicações na legitimidade ad causam ativa e no interesse de
agir do Ministério Público. Revista Faculdade de Direito PUC/SP, ano 1, n. 1, p. 94, 1. sem. 2001.
132
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor e outros
interesses difusos e coletivos, cit., p. 44-46.
78
(ou conflituosidade de interesses) ocasionada pela crescente fragmentação social e pela
generalidade nas normas que não definem claramente o interesse público previsto no
comando legislativo133. Para exemplificar, pode-se verificar a existência de uma
contraposição do interesse difuso da coletividade com o interesse dos madeireiros e a
indústria extrativa no caso do desmatamento da mata atlântica, ou de dois interesses
públicos primários: adoção de medidas pela preservação do ecossistema ou pelo
assentamento de trabalhadores rurais. Ou do exemplo trazido por Mancuso:
Suponha-se que venha judicializada a controvérsia da propalada
transposição das águas do Rio São Francisco, contrapondo, de um lado,
os órgãos públicos incumbidos de planejar e executar tal política pública
(e setores empresariais interessados no mega-empreendimento), e de
outro lado os segmentos ambientalistas e a população ribeirinha que
podem ostentar tese oposta, sem falar em possíveis resistências oferecidas
pelos Estados banhados por aquele rio da integração nacional. É bem um
exemplo da massima ou da intrinseca conflittualità, que a doutrina
italiana reconhece nos interesses difusos, e que se deve à circunstância de
a judiciabilidade desses interesses metaindividuais não se fundar no
contraste do fato com uma específica norma de regência, invocada por
quem se afirme titular do direito ou beneficiário da situação, mas sim de
uma avaliação positiva sobre a relevância social do interesse, aliada à
idoneidade do portador judicial 134.
Ou aquilo que Massimo Severo Giannini denominou de interesses públicos
setoriais, em contrapartida aos interesse públicos gerais135. De qualquer forma, o Professor
da Universidade de São Paulo entende que cabe ao legislador uma autêntica posição
política para solucionar este conflito.
Miguel Teixeira de Sousa, professor luso, destaca uma outra característica dos
interesses difusos: a não suscetibilidade da apropriação individual136. Esta característica
denota que para a sua caracterização não importa que a lesão tenha se consumado ou que
atinja um pequeno número de lesados ou “consumidores”, ou que sua violação seja
compatível com a afetação de interesses individuais. Por exemplo, não importa que a
133
Tema que será aprofundado nos capítulos seguintes.
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada. 2005. Tese (Titular) –
Departamento de Direito Processual – área de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005, ou Id. Jurisdição coletiva e coisa julgada: teoria geral das
ações coletivas. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2006. p. 633.
135
GIANNINI, Massimo Severo. Diritto amministrativo, cit., v. 1, p. 113-114.
136
SOUSA, Miguel Teixeira de. A tutela jurisdicional dos interesses difusos no direito português, cit. p. 3.
134
79
propaganda enganosa não tenha prejudicado ninguém, ou que seja inidônea para as
pessoas, basta que tenha sido divulgada; não importa que o remédio prejudicial à saúde só
tenha causado danos a um único indivíduo; ou mesmo sendo exposta à venda ninguém o
tenha comprado. Basta a simples potencialidade do dano, não importa que ele seja
consumado.
Os interesses difusos pertencem, portanto, na expressão de Mauro Cappelletti,
“ao mesmo tempo, a todos e a ninguém”:
Nossa época, já tivemos oportunidade de ver, traz prepotentemente ao
palco novos ‘difusos’, novos direitos e deveres que, sem serem públicos
no senso tradicional da palavra, são, no entanto, coletivos: desses
ninguém é ‘titular’, ao mesmo tempo que todos os membros de um dado
grupo, classe ou categoria, deles são titulares. A quem pertence o ar que
respiro? O antigo ideal da iniciativa processual monopolística
centralizada nas mãos de um único sujeito, a quem o direito subjetivo
‘pertence’, se revela impotente diante de direitos que pertencem, ao
mesmo tempo, a todos e a ninguém 137.
Esses interesses que, ao mesmo tempo, são de “todos”, mas que não pertencem
exclusivamente a nenhuma pessoa e cujo objeto é indivisível, são chamados de difusos. Na
expressão do Professor Miguel Teixeira de Sousa, “os interesses difusos possuem,
simultaneamente, uma dimensão colectiva e individual, não sendo nem apenas colectivos,
nem apenas individuais”138.
O professor português, ao traçar a distinção entre os interesses públicos e os
interesses difusos, sustenta que os interesses públicos correspondem aos interesses gerais
de uma coletividade, mas abstraem dos interesses concretos que são satisfeitos, enquanto
os interesses difusos são “interesses aferidos pelas necessidades efectivas que por eles são
satisfeitas aos membros de uma colectividade”139. Portanto, exemplificando, “o exercício
da função jurisdicional pelos tribunais e a exclusão da autotutela correspondem a um
interesse público, ainda que só uma parcela relativamente restrita da população tenha
necessidade de recorrer aos tribunais para tutelar os seus direitos ou interesses”140.
137
CAPPELLETTI, Mauro. Formações sociais e interesses coletivos diante da justiça civil, cit., p. 135.
SOUSA, Miguel Teixeira de. A tutela jurisdicional dos interesses difusos no direito português, cit. p. 3.
139
SOUSA, Miguel Teixeira de. A tutela jurisdicional dos interesses difusos no direito português, cit. p. 4.
140
SOUSA, Miguel Teixeira de. A tutela jurisdicional dos interesses difusos no direito português, cit. p. 4.
138
80
Mas é importante ressaltar a distinção que Hugo Nigro Mazzilli faz entre o
interesse público e os interesses difusos, pois poderemos verificar que esse doutrinador
classifica em interesse difuso o que Massimo Severo Giannini denominou de “interesse
público setorial” :
Há interesses difusos: a) tão abrangentes que coincidem com o interesse
público, como o meio ambiente; b) menos abrangentes que o interesse
público, por dizerem respeito a um grupo disperso, mas que não se
confundem com o interesse geral da coletividade; c) em conflito com o
interesse da coletividade como um todo; d) em conflito com o interesse
do Estado, enquanto pessoa jurídica; e) atinentes a grupos que mantêm
141
conflitos entre si (interesses difusos conflitantes) .
Assim, nem todo interesse difuso será coincidentemente um interesse público
que legitima a atuação do Ministério Público do Trabalho, como por exemplo o interesse
no desenvolvimento econômico e empregabilidade versus a segurança e saúde dos
trabalhadores.
2.4.2. Interesses coletivos “stricto sensu”
Os interesses coletivos estão conceituados no inciso II do parágrafo único do
artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor, podendo ser descritos como aqueles que
dizem respeito a um número determinável de pessoas – grupos, classes, segmentos ou
categorias (elemento subjetivo) – unidas entre si ou com a parte contrária por uma relação
jurídica (elemento comum) e que são titulares de um direito ou interesse indivisível
(elemento objetivo).
Os interesses coletivos possuem três características:
a) determinação dos sujeitos – há a possibilidade de determinar quem são os
titulares do direito, mesmo quando os sujeitos forem em grande número que possa
dificultar a sua determinação, como no caso de se identificar quem são os consumidores
141
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor e outros
interesses difusos e coletivos, cit., p. 45.
81
que foram lesados por um produto altamente comercializado142. Por isso, o critério para a
caracterização dos interesses coletivos é a possibilidade de determinação dos titulares do
direito. Exemplo: sócios de um clube esportivo; empregados da empresa FORD; etc.;
b) vínculo ou relação jurídica base entre os lesados ou entre estes e a parte
contrária – de regra, este vínculo é contratual, como, por exemplo, o contrato de admissão
dos sócios no clube esportivo ou o contrato de trabalho dos empregados com a empresa
FORD. Os direitos coletivos não se limitam às coletividades organizadas em que se tem
um vínculo jurídico entre seus componentes, mas também ao grupo, categoria ou classe de
pessoas sem organização que tenha uma relação jurídica base com a parte contrária, como
nos casos dos alunos de uma escola particular ou os usuários do Metrô 143;
c) indivisibilidade do objeto – esta característica é idêntica ao do interesse
difuso.
Massimo Severo Giannini, ao tratar sobre as classificações dos interesses e sob
forte influência do direito do trabalho, define interesses coletivos “stricto sensu” como
“quelli delle categorie professionali, e ne sono portatori principalmente gli enti
esponenziali delle categorie medesime (ma anche, seppure con capacita piú ridotte,
comitati di categoria)”. O autor italiano também entende que os interesses coletivos podem
ser gerais ou particulares; como exemplo dos primeiros, os interesses dos agricultores, e
dos segundos, os interesses dos fruticultores, dos cultivadores de grãos, dos produtores de
beterrabas, etc. 144
Entretanto, a definição de Francesco Santoro-Passarelli é mais completa, pois
não se limita às categorias profissionais145 (transcrita no item 2.1 do presente capítulo). Ao
confrontar o conceito de interesse coletivo dado por Santoro-Passarelli com a definição
legal do Código de Defesa do Consumidor, Dalazen identifica que “aquele realça a
comunhão do bem objeto do interesse coletivo, enquanto a lei acentua a preexistência de
142
YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato. Direitos e interesses individuais homogêneos: a “origem
comum” e a complexidade da causa de pedir. Implicações na legitimidade ad causam ativa e no interesse de
agir do Ministério Público, cit., p. 94; SOUSA, Miguel Teixeira de. A legitimidade popular na tutela dos
interesses difusos, cit., p. 50-51.
143
YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato. Direitos e interesses individuais homogêneos: a “origem
comum” e a complexidade da causa de pedir. Implicações na legitimidade ad causam ativa e no interesse de
agir do Ministério Público, cit., p. 97.
144
GIANNINI, Massimo Severo. Diritto amministrativo, cit., v. 1, p. 113.
145
SANTORO-PASSARELLI, Francesco. Nozioni di diritto del lavoro, cit., p. 23.
82
vínculo jurídico, ou relação-base, de modo a permitir que se identifiquem os integrantes do
grupo”146.
Vincenzo Vigoriti aponta mais um requisito identificador dos interesses
coletivos “stricto sensu”, que os diferenciam dos interesses difusos: uma organização entre
os interessados. Segundo o autor italiano,
la differenza essenziale e fondamentale fra gli interessi collettivi e quelli
diffusi sta proprio qui. Entrambe le formule si riferiscono ad una pluralità
di situazioni di vantaggio di carattere individuale, ma nel primo caso
esiste un’organizzazione, espressione della struttura tendenzialmente
unitaria del collettivo, che assicura unicità di trattazione degli interessi
correlati ed uniformità di effetti dell’acertamento giurisdizionale; nel
secondo caso gli interessi vengono ancora atomisticamente considerati e
mancano quindi gli strumenti per una valutazione unitaria.
E acrescentou:
A livello semplicemente diffuso mancano i meccanismi di coordinamento
delle volontà, non si sono saldati quei vincoli che possono dare un
carattere unitario ad un fascio di interessi uguali; a livello collettivo esiste
invece un’organizzazione, nel senso che esistono strumenti di direzione e
di controllo, e la dimensione superindividuale degli interessi acquista una
sua precisa rilevenza giuridica 147.
Entretanto, em que pese a posição de Vigoriti em apontar a organização como
elemento diferenciador entre os interesses coletivos e difusos, partilho do entendimento
sustentado pelo professor português Miguel Teixeira de Sousa, de que esse requisito não
está presente em todos os interesses coletivos e, portanto, não pode ser utilizado para a sua
identificação148. A organização não pode ser imprescindível, pois impediria a tutela do
interesse coletivo pelo cidadão, notadamente para os ordenamentos jurídicos que o
legitimam, além da impossibilidade de atuação daqueles grupos mais desprotegidos que
não possuem condições de organização.
O professor da Faculdade de Direito de Lisboa, por sua vez, elege outro critério
para delimitar os interesses coletivos e para os distinguir dos interesses difusos: enquanto
146
DALAZEN, João Oreste. Ação civil pública trabalhista, cit., p. 99.
VIGORITI, Vincenzo. Interessi collettivi e processo: la legittimazione ad agire, cit., p. 42-44.
148
SOUSA, Miguel Teixeira de. A legitimidade popular na tutela dos interesses difusos, cit., p. 47-49.
147
83
os interesses difusos incidem sobre bens públicos e possuem uma pluralidade de
titulares, os interesses coletivos incidem sobre bens privados de uma pluralidade de
sujeitos. Segundo Teixeira de Sousa,
cada um dos titulares do interesse colectivo é titular de um bem privado
exclusivo (como, por exemplo, o direito a uma indemnização), pelo que é
necessário que todos os seus titulares estejam unidos por um elemento
comum, como, por exemplo, a qualidade de profissional de um mesmo
ramo de actividade ou de utente de um mesmo serviço público. Assim
entendido, o interesse colectivo não se confunde com o interesse comum,
que pode ser definido como aquele que pertence a vários sujeitos que
repartem entre si um mesmo bem. Enquanto o interesse colectivo conjuga
vários titulares de vários bens, não se podendo falar, por isso, de qualquer
contitularidade, o interesse comum – como, por exemplo, aquele que une
os comproprietários de uma coisa – assenta na contitularidade de um
mesmo bem 149.
Concluiu-se, nesta posição defendida pelo professor luso, que a distinção entre
os interesses coletivos e os difusos não pode ficar centrada apenas nos respectivos titulares,
pois ambos podem ser dificilmente determináveis.
2.4.3. Interesses individuais homogêneos
O Código de Defesa do Consumidor foi um avanço ao tutelar e conceituar os
interesses individuais homogêneos, como aqueles que dizem respeito a um número
determinado de pessoas titulares (elemento subjetivo) de interesses divisíveis (elemento
objetivo) decorrentes de origem comum (elemento comum). Esses são os interesses que a
doutrina chama de “acidentalmente coletivos” em contrapartida aos interesses
“essencialmente coletivos”150, que são os interesses difusos e coletivos. Em outras
palavras, os chamados interesses individuais homogêneos são, em sua essência,
individuais, mas, por opção do legislador, podem ser tutelados através da jurisdição
coletiva em razão de a lesão ser de origem comum, uniforme e ter expressiva dispersão dos
lesados. Ou como prefere Rodolfo de Camargo Mancuso, nos individuais homogêneos “os
interesses remanescem individuais na sua essência e é só em modo contingente ou
149
150
SOUSA, Miguel Teixeira de. A legitimidade popular na tutela dos interesses difusos, cit., p. 50.
CAPPELLETTI, Mauro. Formações sociais e interesses coletivos diante da justiça civil, cit., p. 130.
84
episódico que vêm tomados como uma universalidade, como forma de possibilitar seu
manejo pela jurisdição coletiva”151.
Por serem interesses individuais, eles também podem ser tutelados pelos
esquemas clássicos do direito, inclusive através do litisconsórcio. A tutela dos interesses
individuais homogêneos está prevista tanto no Código de Processo Civil, como no Código
de Defesa do Consumidor, mas, diante da sua homogeneidade, ressalta Rodolfo de
Camargo Mancuso, há “extrema conveniência em que o trato jurisdicional da matéria se
faça em modo molecular, assim evitando a atomização do fenômeno coletivo em múltiplas
demandas individuais, ao risco de decisões discrepantes, em processos demorados e
onerosos”152. Mancuso, em outra passagem, também faz questão de enfatizar que
se pode fazer coletivamente o que já antes se poderia fazer a título
individual; todavia, uma simples alteração no modo do exercício não
pode mudar a essência dos interesses agrupados, que permanecem de
natureza individual. É por isso que o CDC, dentro do gênero ‘interesses
transindividuais’ considera individuais homogêneos aqueles ‘decorrentes
de origem comum (art. 81, III, da Lei 8.0787/90) e para tanto
disponibiliza uma modalidade de tutela processual coletiva (arts. 91-100),
sem que, todavia, isso impeça os particulares lesados de ajuizarem seus
pleitos individuais 153.
Podemos identificar três características dos interesses individuais homogêneos:
a) determinação dos sujeitos – por se tratar de interesses individuais, pode-se
identificar quem são os titulares do direito lesado. Exemplo muito citado refere-se aos
veículos de certa marca, modelo e ano que saíram da fábrica com defeito. É possível
determinar os compradores destes automóveis através do certificado de propriedade ou das
notas fiscais de compra;
b) divisibilidade do objeto – o objeto é identificado e divisível, pois pertence
apenas àquele titular. Entretanto, não se trata de uma simples somatória de interesses
151
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada, cit., p. 644.
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir, cit., p. 49. No
mesmo sentido, apenas para citar alguns autores que possuem o mesmo posicionamento, Ricardo de Barros
Leonel (Manual do processo coletivo, cit.); Kazuo Watanabe (Demandas coletivas e os problemas
emergentes da práxis forense. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. As garantias do cidadão na justiça.
São Paulo: Saraiva, 1993. p. 185-196) e Pedro Lenza (Teoria geral da ação civil pública. São Paulo: Ed.
Revista dos Tribunais, 2003).
153
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir, cit., p. 54.
152
85
individuais que pode ser tutelada por ação individual com pluralidade de partes como
ocorre com o litisconsórcio. Como ressalta Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade
Nery, “na ação coletiva há uma lide única com um autor que está legitimado para a defesa
coletiva; no litisconsórcio há tantas ações individuais cumuladas, em cúmulo subjetivo,
quantos forem os litisconsortes 154;
c) origem comum da lesão – a lesão tem uma origem comum a todos os
sujeitos, causada pelo mesmo agente ou pelos mesmos agentes. Todavia, não basta a
origem comum, é imprescindível que ela seja homogênea. No exemplo acima, a compra do
automóvel de determinada marca, modelo e ano que saiu com certo defeito de fabricação.
Nestes casos em que diversos indivíduos sofrem lesões a seus direitos causados
por uma origem comum, a reparação do dano pode se dar de forma coletiva ou individual.
O legislador procurou, através desta tutela acidentalmente coletiva, trazer ao Judiciário
aquelas lides que provavelmente não seriam resolvidas em razão do seu baixo valor e dos
riscos oferecidos por uma demanda judicial ou, no caso de o cidadão lesado pleitear a sua
reparação, a condenação do agente poderia ser considerada insignificante diante dos
prejuízos sofridos pela coletividade e isso até estimularia o infrator a continuar ou reiterar a
prática do ato lesivo155. Todavia, é fundamental que fique caracterizada a prevalência das
questões comuns sobre as questões individuais e a superioridade da tutela coletiva sobre a
individual156. Por outro lado, como sustenta Carlos Henrique Bezerra Leite, a legitimidade
para atuação do Ministério Público do Trabalho, na defesa dos interesses coletivos ou
individuais homogêneos, deve ser verificada diante de cada caso concreto, a fim de apurar
se os mesmos trazem ou podem trazer reflexos negativos para a coletividade157. Assim, a
simples definição de que um interesse é coletivo ou individual homogêneo não justifica a
atuação do MPT, como por exemplo, se um empregador suprimir o pagamento de uma
gratificação semestral, este fato não legitima a investigação por parte do parquet
trabalhista. Entretanto, se o empregador não cumpre com os limites legais da jornada de
154
NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação
processual civil extravagante em vigor: atualizado até 01º.08.1997. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Ed.
Revista dos Tribunais, 1997. p. 372, nota 15 do artigo 82 do CPC.
155
OLIVEIRA JÚNIOR, Waldemar Mariz de. Tutela jurisdicional dos interesses coletivos. In: GRINOVER,
Ada Pellegrini (Coord.). A tutela dos interesses difusos. São Paulo: Max Limonad, 1984. p. 9-28.
156
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas: no direito comparado e nacional. São Paulo: Ed.
Revista dos Tribunais, 2002. p. 267.
157
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ministério Público do Trabalho: doutrina, jurisprudência e prática, cit.,
p. 36.
86
trabalho, o MPT deve investigar a conduta por ofensa à saúde dos trabalhadores que reflete
negativamente para a coletividade, independentemente do pagamento das horas
correspondentes.
De qualquer forma, importante para o enquadramento do interesse o enfoque
que é dado, pois o objeto a ser tutelado pode ser tanto difuso, coletivo ou individual
homogêneo, a depender o que se busca. Assim, o direito à Democracia pode ser difuso
porque pertencente a todo o povo e não a cada cidadão em particular; coletivo se
analisarmos que a categoria de trabalhadores tem o direito em participar livremente na
escolha dos dirigentes do seu Sindicato representativo; e individual homogêneo porque
cada cidadão possui o direito eleitoral de votar e ser votado. A depender do caso em
concreto, em todas estas hipóteses, existe o dever de atuação do Ministério Público (dos
Estados ou ramos do MPU).
Para melhor visualização e compreensão das principais diferenças entre as
espécies de interesses transindividuais, segue abaixo quadro comparativo e simplificado
entre eles:
Quadro comparativo entre os interesses transindividuais:
ELEMENTO
DIFUSOS
COLETIVOS
INDIVIDUAIS
HOMOGÊNEOS
Subjetivo
Nº indeterminado de Possibilidade
de Nº
determinado
titulares
determinar os titulares pessoas titulares
Objetivo
objeto indivisível
objeto indivisível
Comum
eventual presença de relação jurídica base
origem
vínculo fático
homogênea
de
objeto divisível
comum
e
87
3. A subjetividade do interesse público e da relevância social
Para a definição de qualquer das espécies do interesse coletivo, vimos que os
doutrinadores ressaltam a importância de “uma avaliação positiva sobre a relevância social
do interesse”158 e a prevalência das questões comuns sobre as questões individuais e a
superioridade da tutela coletiva sobre a individual159. Vimos também que a definição de
interesse público é mutável, segundo circunstâncias de tempo e lugar; que o interesse
público definido pelos ambientalistas muitas vezes é diferente do interesse público
sustentado pelos industriais; ou que o interesse público de outrora é diferente do interesse
público do Século XXI. Isto se justifica porque a sociedade é formada por cidadãos
heterogêneos, onde encontraremos pensamentos, opiniões e estilos de vida diferentes,
portanto, preferências diferentes e cada vez mais complexa, como bem retratou Goffredo
Telles Júnior:
A imagem do povo uno e homogêneo vem sendo completada por uma
visão realista da sociedade. Aquela imagem tende a ser substituída por
uma noção do povo real, do povo heterogêneo, feito de grupos sociais
diferenciados e de categorias diversas de profissionais160.
Para os mais jovens, poderemos encontrar maior interesse na educação pública
de qualidade, e para os mais velhos, saúde pública integral; para quem vive nos grandes
centros urbanos, maior segurança e transporte público mais amplo, e para aqueles que
vivem no campo, luz e água encanada; os trabalhadores de equipamentos de informática
defendem um maior incentivo do governo na fabricação e venda de máquinas para que haja
maior contratação no setor, já os bancários querem frear a automatização das operações
bancárias para que não haja aumento do desemprego no setor.
Assim, na definição de interesse público, iremos também encontrar a
subjetividade na sua conceituação, pois o agente definidor sempre será influenciado por
sua visão de mundo, pelos problemas pessoais e pela sua experiência de vida, e também, é
lógico, pelo seu interesse particular. E isto não é diferente para os administradores
públicos, inclusive aos membros do Ministério Público do Trabalho. Até quando os fatos
158
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada, cit., p. 633.
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas: no direito comparado e nacional, cit., p. 267.
160
TELLES JÚNIOR, Goffredo. O povo e o poder: o conselho do planejamento nacional, cit., p. 114.
159
88
são os mesmos, iremos encontrar um procurador do trabalho que entende existir interesse
público e outro membro, com base nos mesmos fatos, concluir que não é caso de atuação
por não existir interesse público.
E pior, membros do Ministério Público do Trabalho, trancados em seus
gabinetes e sem contato com a sociedade, definem ao seu bel prazer o que é interesse
público, muitas vezes influenciados por seus interesses particulares e por sua visão de
mundo. E essa contrariedade na definição de interesse público dada pelos membros do
MPT irá gerar uma perplexidade nos cidadãos, pois o mesmo fato terá tratamento
totalmente diferente pela Instituição. E o órgão de coordenação e integração da atuação do
MPT, que por delegação do Conselho Superior do MPT também aprecia as promoções de
arquivamento dos procedimentos investigatórios (artigo 9º e parágrafos da Lei nº
7.347/1985), a CCR, com o intuito de diminuir estes casos contraditórios de atuação, tem
se posicionado pelo critério numérico para decidir se existe relevância social para definir
interesse público: qualquer que seja o segmento de atuação ou atividade econômica da
empresa investigada, o MPT tem que investigar se a parcela lesada for superior a 10.
Pesquisei em todas as decisões da CCR para saber a razão deste número, e nada encontrei.
Poderia ser 10, 20, 30 ou 100 empregados da empresa, não importando se a investigada é
um escritório de contabilidade ou uma montadora de veículos.
Por sua vez, diante da importância de verificar cada caso concreto para definir o
interesse público, Dalmo Dallari ressalta sobre a “impossibilidade de consideração
genérica, prévia e universalmente válida do que seja o interesse público, revelando-se
inevitável a avaliação pragmática do que é interesse público. Em cada situação será
indispensável fazer a verificação, uma vez que não há um interesse público válido
universalmente”161. O que ocorre invariavelmente é que não existe uma definição de
interesse público estanque, quadrada ou moldurada, aplicável a qualquer situação, e sim
como o Supremo Tribunal Federal entendeu no sentido de que “no exame de cada caso
concreto deve o julgador identificar a existência ou não de interesse público” (RE 90.286,
rel. Min. Djaci Falcão, j. 28.09.1979, RTJ 94/902). E diante desta impossibilidade de
definir interesse público a priori por cada administrador, o interesse público tutelado pelo
161
DALLARI, Dalmo de Abreu. Interesse público na contratação das entidades da administração
descentralizada. Suplemento Jurídico da Procuradoria Jurídica do Departamento de Estradas de
Rodagem, São Paulo, v. 126, p. 15, jan./mar. 1987.
89
administrador ficará muito mais próximo do real interesse público se, perante uma situação
concreta, a população tiver possibilidade de ser consultada.
Nesta mesma linha, no sentido de que o interesse público deve ser definido no
caso concreto e de que ele é mutável no tempo e espaço, Héctor Jorge Escola defende:
Está claro que el contenido concreto del interés público puede llegar a
abarcar una gama tan variada y diferente como la que es propia de
cualquier interés privado. Su naturaleza dependerá de las condiciones
políticas, sociales, económicas, morales y, en general, culturales reinantes
en el país. Con lo que queda claro que ese contenido concreto no es
inmutable o invariable sino que lo común será que llegue a modificarse
en el tiempo, parcial o totalmente, al compás de la variación de las
costumbres y condiciones que lo hayan originado.162
E cada vez mais, diante da complexidade das relações sociais, o legislador
deixa o conceito do que é interesse público em aberto, cabendo ao aplicador e intérprete do
direito definir este interesse que está em crescente generalidade e abstração conceitual. E
surge, assim, como se preocupam José Eduardo Faria163 e Floriano Peixoto Marques de
Azevedo Neto, que o conteúdo normativo do Direito vai se flexibilizando por meio de
“cláusulas abertas e indeterminadas”, o que irá comprometer a “racionalidade formal do
Direito Positivo, deixando aos intérpretes enorme poder discricionário” para decidir
quando há o interesse público a justificar determinada ação do estado. Esse poder
discricionário de decidir se existe ou não interesse público em determinado caso concreto
pelo agente burocrático é extremamente perigoso, pois na grande maioria das vezes ele irá
definir o interesse público segundo seu critério pessoal.
E esta situação se agrava ainda mais se considerarmos que a sociedade é
heterogênea e possui diversas definições de interesse público, enquanto o agente definidor
de interesse público no MPT é homogêneo, segundo pesquisa realizada pela Secretaria da
Justiça. Esta pesquisa concluiu que a grande maioria dos membros do MPT possui o
mesmo perfil sócio-psicológico: brancos, casados com pessoas que possuem grau
universitário completo, vivem em regiões urbanas, de pais com nível universitário
completo, católicos, provenientes de escolas privadas no ensino médio e mais favoráveis à
162
163
ESCOLA, Héctor Jorge. Legalidad, eficacia y poder judicial, cit., p. 63.
FARIA, José Eduardo. Retórica política e ideologia democrática. Rio de Janeiro: Graal, 1983. p. 260.
90
prerrogativa de foro para membros da carreira em relação à matéria criminal do que para
outros agentes políticos (80,9% e 66,7%, respectivamente). Em suma, o procurador do
trabalho “padrão” é branco, de classe média alta, meia idade e conservador, o que irá
influenciar diretamente na definição de interesse público, que muitas vezes pode não ser o
verdadeiro interesse público pretendido pela sociedade.
Daí a importância de a definição de interesse público ter parâmetros mínimos
definidos pelos atores sociais, através de consultas populares ou formação de órgãos
sociais, como mais uma vez leciona Dalmo de Abreu Dallari, ao afirmar que
se interesse público é aquilo que o povo quer que seja promovido ou
preservado, então não se pode aferi-lo, não se pode concluir ou afirmar
que determinada orientação é de preferência pública, sem ouvir o povo.
Portanto, a única fonte autêntica do que é interesse público é o próprio
público. Daí a absoluta necessidade de que o administrador considere
sempre, e invariavelmente, a preferência pública, procurando conhecer o
destinatário da decisão, para então poder tomar a decisão 164.
E nunca é demais ressaltar que não existe a homogeneidade do interesse
público, mas unidades orgânicas multifacetadas diante da fragmentação da sociedade,
representada por grupos de interesse. Extremamente pertinente a observação de Massimo
Severo Giannini165 e de Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto166 no sentido de que a
homogeneidade do interesse público dá lugar à heterogeneidade de interesses públicos. Ou,
como assinala Colaço Antunes, após tratar sobre a transformação do Estado de Direito
liberal para o atual Estado mínimo regulador, “uma nova configuração de interesse
público, agora mais concreto e menos abstracto e até plural (interesses públicos)”167.
Assim, resolveremos os problemas na definição do interesse público: a
sociedade é consultada nos casos concretos se existe interesse público a ser tutelado pelo
Estado e, caso seja impossível a consulta sem prejuízo do andamento da administração ou
da atuação do MPT, os cidadãos são previamente consultados para elaboração de
escala de valores e pressupostos mínimos para a definição do interesse público, o que
164
DALLARI, Dalmo de Abreu. Interesse público na contratação das entidades da administração
descentralizada, cit., p. 14.
165
GIANNINI, Massimo Severo. Diritto amministrativo, cit., v. 1, p. 106-112.
166
MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Regulação estatal e interesses públicos, cit., p.151.
167
ANTUNES, Luis Filipe Colaço. O direito administrativo e a sua justiça no início do século XXI, cit., p. 17.
91
não impede mais um mecanismo de controle e consulta para referendar a sua atuação, para
aqueles casos em que o Ministério Público do Trabalho deve ter uma atuação imediata,
como nas situações de emergência ou de grave risco à integridade de pessoas, ou de lesões
a direitos fundamentais168. Como exemplo, hipóteses de interdição de máquinas e
equipamentos que demonstrem grave e iminente risco para o trabalhador, ou greve nos
transportes públicos que impossibilite a livre circulação de pessoas.
Estes mecanismos de consulta prévia são possíveis na atuação do Ministério
Público do Trabalho onde o procurador, ao receber uma representação, realiza apreciação
prévia, realiza produção de provas técnicas e ouve testemunhas, que muitas vezes
demoram mais de nove meses. Neste período, é factível a possibilidade de ouvir os
interessados, seja através de audiências públicas, consultando sindicatos, divulgando em
seu site pesquisas de opinião pública, criando blog ou encaminhando consultas através do
twitter169. Veremos a seguir, portanto, como é importante a participação popular para
definir o interesse público a ser tutelado pelo Ministério Público do Trabalho.
168
Por sua vez, Odete Medauar, mesmo após defender que a Administração deve compartilhar a definição do
interesse público com a sociedade, assevera que aquela “detém a condição de árbitro final e a condição de
propiciadora, pelo quadro institucional e procedimental, dos meios com que a identificação pode ser
buscada” (O direito administrativo em evolução, cit., p. 191).
169
No primeiro semestre de 2009, a Promotoria do Patrimônio Público e Social do Ministério Público de São
Paulo criou um blog para coletar informações e reclamações da população sobre o sistema de transporte
coletivo da cidade de São Paulo, que é prestado por empresas contratadas pela Prefeitura de São Paulo, sob
concessão ou permissão. As opiniões e comentários dos usuários do sistema de transporte público
veiculadas no blog serviram para instruir inquérito civil, que apura a atuação da São Paulo Transportes
(SPTrans), que gerencia o transporte coletivo na cidade, da Secretaria Municipal de Transportes, que
firmou os contratos com as empresas de ônibus, e dos agentes municipais, que têm o dever de fiscalizarem
o serviço. O endereço eletrônico do blog é BLOG do ônibus. Disponível em: <www.onibus.blog.br>.
92
CAPÍTULO III. A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO POPULAR
NA DEFINIÇÃO DO INTERESSE PÚBLICO
1. Introdução
A sociedade contemporânea vem passando por profundas alterações sociais e
econômicas, fazendo com que se reconheçam “novas” necessidades típicas da
modernidade de massa (meio ambiente, consumidor, comunicação, etc.), o que, por sua
vez, acabam gerando conflitos supraindividuais. Um dos frutos mais relevantes do Estado
Social de Direito foi, como tratado por Luis Filipe Colaço Antunes, a intensificação dos
poderes públicos, com a consequente proliferação e massificação de interesses públicos,
gerando inúmeras contradições entre si, e fragmentação do interesse público170 (em
heterogêneos).
Essa sociedade, com seus “novos” valores ou necessidades, foi muito bem
retratada por Mauro Cappelletti, já em 1975:
Não é necessário ser sociólogo de profissão para reconhecer que a
sociedade (poderemos usar a ambiciosa palavra: civilização?) na qual
vivemos é uma sociedade ou civilização de produção em massa, de troca
e de consumo de massa, bem como de conflitos ou conflitualidades de
massa (em matéria de trabalho, de relações entre classes sociais, entre
raças, entre religiões, etc.). Daí deriva que também as situações de vida,
que o Direito deve regular, são tornadas sempre mais complexas,
enquanto, por sua vez, a tutela jurisdicional – a ‘Justiça’ – será invocada
não mais somente contra violações de caráter individual, mas sempre
mais freqüente contra violações de caráter essencialmente coletivo,
enquanto envolvem grupos, classes e coletividades. Trata-se, em outras
171
palavras, de ‘violações de massa’ .
Todavia, nota-se que o Estado e o Direito não vêm acompanhando as
transformações desta sociedade industrial e pós-industrial: velhas leis (estatuto da terra)
para regularem novos conflitos (inúmeros homens do campo sem propriedade rural) ou
novas leis (sumaríssimo na Justiça do Trabalho) para velhos conflitos (morosidade da
170
171
ANTUNES, Luis Filipe Colaço. O direito administrativo e a sua justiça no início do século XXI, cit., p. 18.
CAPPELLETTI, Mauro. Formações sociais e interesses coletivos diante da justiça civil, cit., p. 130.
93
Justiça sem mudar a sua estrutura e seus instrumentos). Isto tudo gera uma grave crise
institucional porque encontramos um sistema judiciário voltado essencialmente para a
solução dos conflitos interindividuais ao invés de resolver as nuanças da coletivização dos
conflitos172, e o Estado, distante das reais necessidades da sociedade civil, não consegue
atender aos seus anseios e a reduzir as desigualdades sociais.
Essas necessidades coletivas que repercutem em um conflito de interesse social
devem ser amenizadas com uma posição ativa do Estado e da sociedade na implementação
de políticas públicas lato sensu. As necessidades dos indivíduos são infinitas e geram
constantes conflitos entre eles, que somente poderão ser minorados com uma atuação
conjunta entre a sociedade e os poderes constituídos do Estado, através das
implementações das políticas públicas. Estas têm um papel fundamental como garantia de
efetividade dos direitos humanos e a sua eficácia na distribuição da paz social.
Entretanto, como assevera Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto, o
Estado Moderno passa por uma crise institucional, pois
a multiplicação de demandas sociais desatendidas leva aqueles
indivíduos, inicialmente organizados socialmente para reivindicar seus
interesses, a fortalecer e ampliar seus mecanismos de organização de
modo a pressionar o Estado para, num contexto de escassez de recursos,
terem suas expectativas seletivamente atendidas 173.
Esta pressão social torna-se cada vez maior para o Estado, inclusive o
Ministério Público, por três fatores: aumento das expectativas sociais; demandas mais
complexas; e impotência do Estado para responder às demandas, quer pelos parcos
recursos, ou pela ausência de instrumentos eficientes diante da sua crescente
complexidade. E esta crise estatal e os conflitos sociais podem ser minorados com a
ampliação das políticas públicas e também com a responsabilização dos atores sociais
(cidadão, grupos sociais, Igreja, associações de bairro, sindicatos, clubes, etc.) por uma
atitude mais ativa, sem querer apenas repassar ao Estado toda a responsabilidade. O
cidadão é o principal ator para a definição, implementação e fiscalização do interesse
172
Aliás, o Poder Judiciário trabalhista, em minha opinião, tem um papel histórico na distribuição de rendas e
na solução dos litígios que envolvem empregador e empregado, evitando, assim, uma convulsão social.
173
MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Regulação estatal e interesses públicos, cit., p. 116117.
94
público a ser tutelado pelo poder estatal, pois a participação e o controle social viabilizam
o crescente aperfeiçoamento da democracia, “cujo fortalecimento permite concretizar uma
nova gestão pública, mais madura, legítima e justa”174. E como bem enfatiza Carlos
Alberto de Salles, “O Estado deve ordenar a alocação de recursos e a realização de ações,
de forma a serem alcançados os vários objetivos sociais, expressos através dos vários
processos decisórios da sociedade e integrados a textos legais. O Estado torna-se um
implementador de políticas sociais”175.
A Constituição Federal - produto do pacto entre forças políticas e sociais da
sociedade plural, complexa e fragmentária - fixa objetivos fundamentais que definem e
orientam os programas de ação do Estado Social de Direito, como expressos no artigo 3º: I
– construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação. Assim, como enfatiza o constitucionalista
português J.J. Gomes Canotilho, a Constituição Federal não pode ser “reduzida a um
simples instrumento de governo, ou seja, um texto constitucional limitado à
individualização dos órgãos e à definição de competências e procedimentos da acção dos
poderes públicos”176, mas, antes de tudo, uma imposição aos órgãos competentes a
realização das metas programáticas nela estabelecidas. E os fundamentos da República
brasileira estão claros na CF, em especial no inciso IV do artigo 3º, ao disciplinar que o
Estado deve promover o bem de todos. Logo, cabe ao Estado (assim como à sociedade
brasileira), não a simples edição de normas, mas, antes de tudo, a efetiva promoção do bem
comum, através do desempenho de atividades programadas em políticas públicas177.
174
FREITAS, Juarez. A democracia como princípio jurídico. In: FERRAZ, Luciano; MOTTA, Fabrício
(Coords.). Direito público moderno: homenagem especial ao Professor Paulo Neves de Carvalho. Belo
Horizonte: Del Rey, 2003. p. 196.
175
SALLES, Carlos Aberto de. Políticas públicas e a legitimidade para defesa de interesses difusos e
coletivos. Revista de Processo, São Paulo, v. 30, n. 121, p. 39, mar. 2005.
176
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra:
Almedina, 2000. p. 217.
177
COMPARATO, Fábio Konder. O Ministério Público na defesa dos direitos econômicos, sociais e
culturais, cit., p. 253.
95
2. Ampliação da participação popular na Administração Pública moderna
Diante do que foi exposto no capítulo anterior, com relação à conceituação do
interesse público primário e sua distinção com o interesse privado e, principalmente, com
relação ao interesse público secundário, fica claro a importância da sociedade civil em
definir as prioridades da Administração Pública178 e exercer a fiscalização do agente
público, pois quem deve determinar o interesse público a ser executado pela Administração
Pública é o cidadão. Não pode mais existir a ideia de que a vontade do administrador deve
se conciliar com a vontade dos administrados apenas na fase da execução, mas também
desde a fase de decisão179.
Dalmo de Abreu Dallari, após relembrar que o artigo 21 da Declaração
Universal dos Direitos Humanos considera a participação política um direito fundamental
de todos os indivíduos e que em razão disto todo ser humano tem o direito de tomar parte
do governo de seu país e que a vontade do povo será a base da autoridade do governo, faz
uma observação simples e óbvia: “se todos os seres humanos são essencialmente iguais, ou
seja, se todos valem a mesma coisa e se, além disso, todos são dotados de inteligência e de
vontade não se justifica que só alguns possam tomar decisões políticas e todos os outros
sejam obrigados a obedecer”180.
Por sua vez, na linha da participação popular nas decisões dos governos, Diogo
de Figueiredo Moreira Neto, citando Massimo Severo Giannini, aponta dois fenômenos de
grande expressão na administração pública moderna: a abertura do processo
administrativo a qualquer portador de interesse e o desenvolvimento dos instrumentos de
administração consensual181.
O primeiro fenômeno está ligado ao conceito de processualidade ampla, no
sentido de que na atividade estatal não basta disciplinar o ato que contém a manifestação
da vontade, mas o processo, que é toda a sequência de atividades que a ela conduz. Ainda
nas palavras de Diogo de Figueiredo Moreira Neto,
178
Administração pública no sentido lato, o que inclui Ministério Público e Judiciário.
No mesmo sentido, Odete Medauar, A processualidade no direito administrativo. Tese para concurso de
professor titular de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São
Paulo, 1993, p. 67.
180
DALLARI, Dalmo de Abreu. O que é participação política, cit., p. 26-27.
181
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito administrativo. 2. ed. atual. e ampl. Rio de
Janeiro: Renovar, 2001. p. 199.
179
96
o processo não é um fenômeno restrito ao âmbito da manifestação da
vontade do Estado no exercício da função jurisdicional, mas se estende,
com idêntica importância, aos âmbitos de manifestação da vontade estatal
no exercício de todas as demais funções: a legislativa, a administrativa,
bem como as das advocacias públicas (que, no sentido amplo, abrangem
182
todas as funções essenciais à justiça) ,
incluindo, portanto, Ministério Público. Nota-se, assim, que a processualidade
ampla está diretamente ligada à manifestação da vontade estatal.
O segundo fenômeno, e que está cada vez mais presente na administração
pública, é a consensualidade na atividade administrativa pública, que consiste numa
administração mais coordenativa e multilateral, em detrimento de uma administração
pública
subordinativa,
unilateral
e
hierarquizada.
Segundo
Moreira
Neto,
a
consensualidade vem crescendo porque “a todo momento são identificadas novas
atividades em que o Estado pode atuar mais eficientemente e com menores custos em
relações de coordenação do que o faria nas clássicas relações de subordinação”.
Na inter-relação destes dois fenômenos, manifestação da vontade estatal e
consensualidade na atividade administrativa pública, situa-se a participação popular,
como um conceito comum às disciplinas da Política e do Direito, e como algo mais que um
direito criado e outorgado pelo Estado: “uma expressão da liberdade fundamental do
homem em sociedade”183.
Moreira Neto conceitua a participação popular como “um fenômeno do
poder, ou seja, uma manifestação de poder que atua sobre outra. Assim, é que existe
participação no sentido juspolítico sempre que seja reconhecida pela ordem jurídica a
possibilidade de atuação, mais ou menos formal, de indivíduos ou de grupos (poder
individual ou grupal), na ação do Estado (poder estatal)”. E acrescenta: “Assoma, assim, a
participação política, como uma espécie de reserva de poder consubstancial à pessoa,
transferível às suas criações personalizadas, que se expressa, basicamente, pela
182
183
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito administrativo, cit., p. 200.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito administrativo, cit., p. 202.
97
possibilidade de manifestação de uma vontade juridicamente eficaz sobre o poder
estatal”184.
Afinal de contas, em um Estado denominado “democrático de direito” e em
que no primeiro artigo de sua constituição preceitua que “todo o poder emana do povo, que
o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”, deve possuir mecanismos
efetivos de atuação da sociedade civil sobre este Estado, nas suas mais diversificadas
funções: legislativa, judiciária, administrativa e, inclusive, nos órgãos que desempenham
funções essenciais à justiça (Ministério Público, Advocacia Pública e Defensoria Pública),
principalmente para a definição e implementação do interesse público primário. E estes
instrumentos de participação popular são imprescindíveis no Estado brasileiro, pois a
Constituição Federal, através do parágrafo único do artigo 1º, definiu a democracia
brasileira como uma democracia semidireta, isto é, ao lado da democracia representativa,
instituiu a democracia participativa, onde o cidadão deve atuar na definição,
implementação e fiscalização dos atos de gestão pública (democracia representativa com
mecanismos de participação direta). Como bem acentua Diogo de Figueiredo Moreira
Neto, se
antes da democracia representativa e, agora, também da participativa se
difundirem como regime político dos povos civilizados, freqüentemente
ocorria que os interesses definidos pelo Estado não coincidissem com os
interesses da sociedade. O aprimoramento do regime democrático e de
seus institutos juspolíticos de canalização dos interesses da sociedade
tende a reduzir esse perigo, tornando cada vez mais satisfatória a
convergência entre o interesse público positivado e o bem comum 185.
E a democracia, seja a representativa ou a participativa186, deve ser efetiva. Isto
é, deve haver a participação da sociedade em todas as fases do ato administrativo (decisão,
184
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito administrativo, cit., p. 202-203.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e
parte especial, cit., p. 9.
186
Democracia representativa (ou indireta) é aquela em que o povo, por não poder comandar o Estado
diretamente, seja em razão da extensão territorial, densidade demográfica ou complexidade dos problemas
sociais, delega estas funções a representantes que elege periodicamente. Democracia participativa, que não
exclui a democracia representativa, é a participação direta do cidadão na tomada de decisões e no controle
do Estado, através de mecanismos como o referendum, o plebiscito, a iniciativa popular, a ação popular e
os debates, audiências e consultas públicas. (FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Participação
democrática: audiências públicas. In: CUNHA, Sérgio Sérvulo da; GRAU, Eros Roberto (Orgs.). Estudos
de direito constitucional em homenagem a José Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros Ed. 2003. p. 328331) (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, cit., p. 140).
185
98
execução e fiscalização), como prevê a Constituição Federal (conforme artigos 10; 14, I a
III; 29, XII e XIII; 31, § 3º; 49, XV; 61, § 2º; 198, III e 204, II). Por sua vez, a democracia
representativa e a participativa se complementam, sem que haja uma supervalorização de
uma em detrimento da outra, como bem aponta Juarez Freitas, ao afirmar que “a
absolutização da dimensão representativa viola o princípio mesmo da democracia. De seu
turno, a absolutização da faceta participativa representa idêntico equívoco. Trata-se, pois,
de fazer complementares os conteúdos de um mesmo princípio fundamental”187. E mais
adiante, no mesmo artigo, o professor gaúcho defende o controle social, através da
participação fiscalizatória, dos atos administrativos como direito fundamental:
Com esse propósito, urge superar o formalismo da legitimação pelo
procedimento, característico da tradicional e antiga democracia
representativa, especialmente tendo em conta a emergência de novos
diplomas, tais como, por exemplo, a pouco compreendida Lei de
Responsabilidade Fiscal e o Estatuto da Cidade, que merecem (a despeito
de dispositivos censuráveis) o reconhecimento de que consagram, em
sintonia com a Constituição, a exigência do controle social indispensável
à hierarquização consistente das prioridades constitucionais e o
fortalecimento da democracia direta. Sem prejuízo de pontuais ajustes
normativos, força acolher a premissa – para além da pueril crença em
sociedade homogêneas – de que a participação fiscalizatória direta
configura direito fundamental, cuja concretização tende a melhor tutelar a
ação do Estado, simultaneamente em termos éticos e de eficiência,
qualificando o espaço público, dominado pela democracia meramente
formal188.
Assim, o povo, que detém o poder no Estado Democrático de Direito, deve
comandar o Estado. Se for impossível todos administrarem o Estado, ao menos devem
direcionar os governantes; definir o interesse público a ser tutelado por ele; vincular os
governantes na aplicação das políticas públicas. E isto somente é possível através de
mecanismos efetivos de participação popular, como audiências públicas; destinação de
impostos incidentes sobre os rendimentos da pessoa física189; conselhos deliberativos e
controladores de políticas públicas, tais como os Conselhos Municipais, Estaduais e
Nacional dos direitos da criança e do adolescente; participação nos Tribunais de Contas;
187
FREITAS, Juarez. A democracia como princípio jurídico, cit., p. 168-170.
FREITAS, Juarez. A democracia como princípio jurídico, cit., p. 171.
189
Como exemplo, pode-se criar mecanismo para que o contribuinte decida onde quer que o imposto devido
seja aplicado, isto é, o cidadão define e vincula o Executivo na aplicação de política pública. O cidadão, ao
preencher sua Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Pessoa Física, opta por destinar parte do imposto
devido para a educação do ensino fundamental, saúde ou transporte metropolitano de sua cidade.
188
99
apresentação de representação no Ministério Público e na Defensoria Pública; pesquisas
oficiais de opinião pública e debates públicos, criação e discussão em blog,
acompanhamento dos governantes pelo twitter190, entre outros.
3. Políticas públicas lato sensu: políticas de Estado, de governo e sociais civis
Sérgio Resende de Barros identifica políticas públicas com diretrizes de
programas e de condutas, e as conceitua como sendo “diretrizes de interesse público
primário determinando programas de ação para os governantes e indicando linhas de
conduta para os governados, com vistas a ordenar e coordenar a realização de fins
econômicos, sociais e culturais relevantes para o Estado Democrático de Direito”191. E
complementa em outro texto de sua autoria:
são diretrizes setorizadas tematicamente – política de educação, política
de saúde, política de transportes, política econômica, política ambiental,
etc. – que respondem a direitos coletivos ou difusos de teor econômico,
social ou cultural, que cumpre ao Estado assegurar à sociedade civil, ora
ao todo social, ora a categorias sociais necessitadas de especial
proteção192.
Fábio Konder Comparato, por sua vez, define política pública como um
programa de ação governamental, que consiste em uma série ordenada de normas e atos,
conjugados para a realização de um objetivo determinado (atividade). Nas suas palavras,
toda política pública implica uma meta a ser alcançada e um conjunto ordenado de meios
ou instrumentos (pessoais, institucionais e financeiros), sujeitos à consecução do seu
objetivo, através da utilização de leis, decretos regulamentares ou normativos, decretos ou
portarias de execução, além de atos ou contratos administrativos. Enfatiza também sobre a
importância da finalidade da política pública, que pode ser eleita pelos Poderes Públicos ou
190
A rádio paulista CBN lançou campanha “adote um vereador” e sugeriu que os ouvintes da emissora
acompanhem os atos e passos dos vereadores através do twitter.
191
BARROS, Sérgio Resende de. A proteção dos direitos pelas políticas, cit., p. 13.
192
BARROS, Sérgio Resende de. As políticas públicas e o Poder Judiciário. Aula ministrada no Curso de
Mestrado da Escola Paulista de Direito – EPD no dia 4 de agosto de 2007.
100
imposta pela Constituição ou pelas leis, para a seguir, afirmar categoricamente que o
objeto dos direitos sociais é sempre uma política pública193.
Maria Paula Dallari Bucci, após sustentar que não existe propriamente um
conceito jurídico de políticas públicas, mas “arranjos complexos típicos da atividade
político-administrativa, que a ciência do direito deve estar apta a descrever, compreender e
analisar, de modo a integrar à atividade política os valores e métodos próprios do universo
jurídico”194, formula a seguinte proposição:
Política pública é o programa de ação governamental que resulta de um
processo ou conjunto de processos juridicamente regulados – processo
eleitoral, processo de planejamento, processo de governo, processo
orçamentário, processo legislativo, processo administrativo, processo
judicial – visando coordenar os meios à disposição do Estado e as
atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes
e politicamente determinados.
Como tipo ideal, a política pública deve visar a realização de objetivos
definidos, expressando a seleção de prioridades, a reserva de meios
necessários à sua consecução e o intervalo de tempo em que se espera o
atingimento dos resultados 195.
Importante que as políticas públicas atendam ao interesse público primário
fixado na Constituição Federal ou por intermédio de mecanismos de participação popular,
como bem observa Sérgio Resende de Barros:
exatamente porque as políticas públicas atendem ao interesse público
primário é que sua fixação não pode ser arbitrária, mas deve principiar na
Constituição, sob pena de falhar o Estado Democrático de Direito, cujo
governo e administração jamais – sob nenhuma alegação – podem
escapar à missão constitucional que se lhes impõe como expressão do
interesse público primário, a saber: promover a efetivação social dos
direitos sociais primários – econômicos, sociais e culturais, bem como
196
coletivos e difusos .
193
COMPARATO, Fábio Konder. O Ministério Público na defesa dos direitos econômicos, sociais e
culturais, cit., p. 248-249.
194
BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito. In: ______ (Org.). Políticas
públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 31.
195
BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito, cit., p. 39.
196
BARROS, Sérgio Resende de. A proteção dos direitos pelas políticas, cit., p. 6.
101
E mais adiante, este autor insiste que “no Brasil as políticas públicas têm suas
premissas materiais fixadas na própria Constituição, na forma de direitos sociais –
categoriais, coletivos, difusos – cuja implementação é imprescindível ao Estado
Democrático de Direito”197
(sem grifo no original) e, acrescento, ilimitadas porque
diretamente relacionadas à dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da
República brasileira. Nunca é demais ressaltar que a enumeração dos direitos sociais do
artigo 6º da CF não é exaustiva, mas deve ser ampliada segundo os princípios e
fundamentos dos artigos 1º e 3º da Constituição Federal, além de outros previstos nos
demais artigos constitucionais.
Mas estas políticas públicas fixadas na Constituição não se dirigem e vinculam
apenas ao Estado, mas também definem diretrizes indicativas de atuação para a própria
sociedade civil, como podemos observar nos títulos dos direitos e garantias fundamentais
(direitos sociais, direitos e deveres individuais e coletivos), da ordem econômica e
financeira (valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, políticas urbana, agrícola
e fundiária), da ordem social (a seguridade social destinada a assegurar os direitos relativos
à saúde, à previdência e à assistência social; políticas sociais e econômicas que visem à
redução do risco de doença e de outros agravos; políticas de educação e cultura; proteção
da família, da criança, do adolescente e do idoso). Assim, o Estado, como agente
normativo e regulador da atividade econômica, exercerá as funções de fiscalização,
incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para
o setor privado (artigo 174, CF).
Ressalta-se, portanto, que mesmo a discricionariedade na execução dos atos
administrativos não é livre, isto é, o Administrador Público só pode fazer aquilo que está
prescrito na norma de regência e deve pautar sua ação pelo critério de excelência198. Ou,
como defende Celso Antonio Bandeira de Mello,
a lei só quer aquele específico ato que venha a calhar à fiveleta para o
atendimento do interesse público. Tanto faz que se trate de vinculação,
quanto de discrição. O comando da norma sempre supõe isto. Se o
comando da norma sempre propõe isto e se uma norma é uma imposição,
o administrador está, então, nos casos de discricionariedade, perante o
197
BARROS, Sérgio Resende de. A proteção dos direitos pelas políticas, cit., p. 12.
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A ação civil pública como instrumento de controle judicial das
chamadas políticas públicas. In: ______ et al. (Coord.). Ação civil pública: Lei 7.347/85 – 15 anos. 2. ed.
rev. e atual. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002. p. 767.
198
102
dever jurídico de praticar, não qualquer ato dentre os comportados pela
regra, mas única e exclusivamente aquele que atenda com absoluta
199
perfeição à finalidade da lei .
O administrador público200 busca, assim, em qualquer ato, discricionário ou
vinculado, o interesse público e, sempre que possível, a identificação plena entre o
interesse público secundário com o primário. Entretanto, o membro do Ministério Público,
enquanto órgão da instituição, deve sempre se pautar para atender ao interesse público
primário.
Da extração do conceito de políticas públicas, podemos classificá-las em
políticas públicas stricto sensu, que podem ser desdobradas em políticas de Estado e
políticas de governo, e as políticas sociais civis. As políticas de Estado não se restringem
apenas aos mandatos governamentais, mas são mantidas e executadas de gestão em gestão.
Por sua vez, as políticas de governo, em regra, são programadas para execução por um
governo. Nestas espécies, o planejamento estatal é determinante, conforme dispõe o artigo
174, caput, da Constituição Federal.
Da mesma forma, o Ministério Público possui políticas públicas de Estado e
políticas públicas de governo, que são traçadas pelo Planejamento Estratégico definido
pelos seus integrantes e planos de gestão implementados pelo administrador eleito pelo
Colégio de Procuradores e nomeado pelo Procurador-Geral da República, que é o
Procurador-Geral do Trabalho.
Já as políticas sociais civis são aquelas políticas elaboradas e executadas pela
sociedade civil para as quais o planejamento estatal é meramente indicativo; são políticas
executadas pela sociedade civil com o intuito de executarem diretrizes previstas na
Constituição e destinadas não apenas ao Estado, mas a todos os cidadãos.
As políticas públicas podem ser impostas pelo Poder Judiciário, mas não
apenas. A utilização do judiciário é a última etapa, devendo a sociedade, através de
mecanismos de participação popular, vincular o Poder Estatal na aplicação das políticas
públicas. É imprescindível a participação da sociedade civil na definição de quais políticas
199
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2. ed. São Paulo:
Malheiros Ed., 2007. p. 33.
200
Inclusive o membro do Ministério Público que executa funções administrativas, como por exemplo, o
Procurador-Geral do Trabalho e o procurador-chefe.
103
públicas devem ser adotadas, principalmente nos chamados Estados Democráticos de
Direito, como também defende Sérgio Resende de Barros que, após indagar quem fixa as
políticas públicas, assim se manifestou:
Dado que elas (políticas públicas) instruem programas governamentais,
quem as fixa é o Governo, ou o Poder Público, entendido por esses
termos o Poder Executivo como gestor maior dos negócios públicos, que
devem ser geridos em função do interesse público. Anote-se que o
interesse do Governo ou da Administração nem sempre corresponde ao
interesse público, cujo norte é o bem comum. Satisfazer a uma plataforma
política do governante, distanciada do bem comum, não é atender ao
interesse público. Por isso, a fixação das políticas públicas não pode ser
arbitrária, sobretudo em um Estado Democrático de Direito, cujo governo
deve ater-se ao que lhe permite ou impõe a Constituição como expressão
superior do interesse público, seja em sentido estrito (interesse da
administração pública), seja em sentido amplo (interesse coletivo ou
social) 201.
Assim, além das diretrizes básicas da Constituição, a sociedade civil, através de
mecanismos de participação, deve definir as políticas públicas, seja através das audiências
públicas, conselhos de direitos, orçamento-participativo, atuação através dos corpos
intermediários ou diretamente, referendo, plebiscito, consulta pública 202 e outros institutos
que assegurem a voz ativa de cada pessoa. O cidadão deve ser um ente partícipe da
administração pública, seja na condição de fiscalizador (contestação), seja na condição de
proponente das políticas traçadas pelos governantes (participação), pois, afinal de contas,
todo o poder deve emanar do povo e em seu nome deverá ser exercido.
Robert Dahl, de forma muito precisa, defendeu que a democracia é formada
por pelo menos duas dimensões: “contestação pública” e “direito de participação”203.
Mas que a efetivação da democracia implica necessariamente a existência das liberdades
políticas e civis de expressão, publicação, reunião e organização necessárias para o debate
e participação política. Ressalta-se a participação efetiva, e não restrita a uma minoria, a
201
BARROS, Sérgio Resende de. O Poder Judiciário e as políticas públicas: alguns parâmetros de atuação,
cit., p. 2.
202
O interessado realiza uma consulta pública sobre determinado tema, onde a parcela interessada da
sociedade participa, seja através da internet, correspondência ou telefonema. Em novembro de 2009, o
Ministério Público Federal, durante o mês de novembro de 2009, realizou uma consulta pública para avaliar
os prejuízos que a oferta da Telefônica pela operadora de telecomunicações GVT poderia causar aos
consumidores.
203
DAHL, Robert A. Poliarquia: participação e oposição. Prefácio Fernando Limongi; tradução Celso Mauro
Paciornik. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1997. p. 29. (Clássicos 9).
104
censura de opinião e outros entraves para uma discussão e fiscalização livre e imparcial.
As duas dimensões não podem andar lado a lado, paralelamente, para caracterizar a
verdadeira democracia, mas de forma umbilical. Não adianta um regime político permitir a
“contestação”, mas restringir a “participação” da sociedade. O inverso também é
verdadeiro.
O cientista político afirma que uma característica-chave da democracia é a
contínua resposta do governo às preferências de seus cidadãos, considerados politicamente
iguais. Segundo Robert Dahl, três são as condições necessárias à democracia e para que um
governo atenda às preferências de seus cidadãos, considerados politicamente iguais: 1)
todos os cidadãos devem ter oportunidades plenas de formular suas preferências; 2) de
expressar suas preferências a seus concidadãos e ao governo através da ação individual e
da coletiva; e 3) de ter suas preferências igualmente consideradas na conduta do
governo204.
Entretanto, segundo o mesmo autor, para que essas três oportunidades existam
para um grande número de pessoas, as instituições da sociedade devem fornecer pelo
menos oito garantias: 1) liberdade de formar e aderir a organizações; 2) liberdade de
expressão; 3) direito de voto; 4) elegibilidade para cargos públicos; 5) direito de líderes
políticos disputarem apoio e votos; 6) fontes alternativas de informação; 7) eleições livres
e idôneas; 8) instituições para fazer com que as políticas governamentais dependam de
eleições e de outras manifestações de preferência. Ao final conclui que os regimes
relativamente democratizados são aqueles fortemente inclusivos (abertos à participação
popular) e amplamente abertos à contestação pública205.
Não se pode mais pensar em políticas públicas sem a consciência e efetivação
de que todos os cidadãos devem participar da sua definição e fiscalização, pois os governos
devem, em última análise, prestar serviços a eles. Afinal, participação é ter a possibilidade
de influenciar nas decisões políticas, não necessariamente definir e decidir exatamente,
pois na grande maioria das vezes os interesses particulares dos indivíduos e dos grupos
podem ser conflitantes, como também podem ser divergentes as concepções do bem
204
205
DAHL, Robert A. Poliarquia: participação e oposição p. 26.
DAHL, Robert A. Poliarquia: participação e oposição p. 27-31.
105
comum206. Por isso, o mais importante é a participação com reais possibilidades de definir,
decidir e fiscalizar as políticas públicas lato sensu.
4. Quem define o que é interesse público?
Para que as políticas públicas sejam realmente implementadas com
efetividade, é importante que elas atendam ao interesse geral da sociedade, isto é,
coincidam com o interesse público primário e não com o interesse da Administração
Pública enquanto pessoas jurídicas ou corporações. Interesse público entendido, segundo
Celso Antônio Bandeira de Mello, como o “interesse resultante do conjunto dos interesses
que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros
da sociedade e pelo simples fatos de o serem”207, ou seja, é a dimensão pública dos
interesses de cada indivíduo enquanto partícipe da sociedade. Por isso, defendemos que
somente com a progressiva aproximação da sociedade civil e com sua colaboração na
identificação do interesse público, o Estado poderá implementar políticas públicas mais
eficazes na erradicação da pobreza e da marginalidade, na busca de uma sociedade justa e
solidária, e na redução das desigualdades sociais e regionais.
Contudo, deve haver uma participação real da sociedade civil, com
instrumentos efetivos e não meros “direitos no papel”, para que exista a legitimidade do
poder. Por meio da participação popular, a sociedade define o interesse público a ser
tutelado pelo Estado, para que não vivamos em um Estado de mera legalidade, mas em um
Estado Democrático de Direito.
E para citar um exemplo de que isto é possível e que o Poder Executivo pode
ajudar a implementar, podemos citar a iniciativa do Governo brasileiro, através do
Ministério da Justiça, que instituiu a primeira consulta pública colaborativa do mundo em
que a sociedade participará na elaboração de um projeto de lei para criar o Marco Civil da
Internet208, que definirá os direitos e deveres da sociedade, empresas e governos na
internet. Durante o lançamento da consulta pública, o Ministro da Justiça, Tarso Genro,
disse que “estamos utilizando uma metodologia de consulta para que seja um marco da
206
DALLARI, Dalmo de Abreu. O que é participação política, cit., p. 89.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Grandes temas de direito administrativo, cit., p. 183.
208
Matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo, São Paulo, 02 nov. 2009. p. L4.
207
106
liberdade de expressão e da democracia. Isso significa ampliar o potencial de debate
através da internet”. O texto-base, elaborado pelo Ministério da Justiça em parceria com o
Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro,
ficará a disposição para discussão por 45 dias. Com base nas sugestões apresentadas pela
sociedade será elaborado um projeto de lei, que ficará novamente em discussão por mais
45 dias, até que o texto final seja aprovado colaborativamente. Esta é uma forma de efetiva
participação popular na elaboração de leis para definição do interesse público e na
efetivação de políticas públicas. Contudo, enquanto a participação popular não ocorre em
todos os setores, é importante que o interesse público primário esteja fixado na
Constituição Federal, pois gera uma correspondente prerrogativa constitucional
indisponível.
Mas não basta definir o interesse público e as políticas públicas; a sociedade
tem que participar da implementação e fiscalização. Como já salientado no tópico
precedente, o cidadão deve ser um ente partícipe da administração pública, seja na
condição de fiscalizador (contestação), seja na condição de proponente das políticas
traçadas pelos governantes (participação). O cidadão deve participar das fases de decisão,
execução e fiscalização. Nunca é demais relembrar as três condições necessárias à
democracia retratadas por Robert Dahl: todos os cidadãos devem ter oportunidades
plenas de formular suas preferências, de expressar suas preferências e de ter suas
preferências igualmente consideradas na conduta do governo209. Com os instrumentos
de participação popular, que está associada à democracia participativa e direta, o cidadão
terá oportunidade plena de formular e expressar suas preferências, além de posteriormente
fiscalizar a implementação das políticas públicas e de exigir que o Ministério Público
realmente defenda o interesse público primário. Pois, como bem observa Regina Maria
Macedo Nery Ferrari, a participação do cidadão na criação normativa e na gerência da
coisa pública estão vinculadas ao processo democrático “porque proporciona a participação
do povo na organização e exercício do poder político, correspondendo ao poder exercido
pelo povo ou pelo seu maior número”210.
209
210
DAHL, Robert A. Poliarquia: participação e oposição p. 26.
FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Participação democrática: audiências públicas, cit., p. 326.
107
A importância da participação popular na fase decisória também é
compartilhada por Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto, como podemos observar
na seguinte passagem:
parece-nos que a tendência será, dentro da perspectiva de um Estado
Democrático de Direito, dotar a sociedade dos meios de participação
plena no processo decisório e permitir que a aferição do interesse público
possa ser fruto de um processo contínuo de cotejamento dos valores ou
princípios que se embatem na situação concreta e no qual o Estado seja, a
um só tempo, mediador de interesses sociais relevantes e colidentes mas
também exerça um papel de implementador de interesses metaindividuais hipossuficientes no jogo social 211.
Daí minha convicção de que somente com a efetiva participação popular
teremos políticas públicas implementadas pela Administração Pública e interesse público
defendido pelo Ministério Público que realmente condizem com os anseios da sociedade.
Pois, atualmente, os mecanismos de consulta popular praticados pelo Ministério Público
são mínimos, para não dizer inexistentes. O interesse público é definido exclusivamente
por seus membros, que se encontram distantes da grande parcela da sociedade e na sua
grande maioria não atendem a população de forma satisfatória, seja em seus gabinetes, nas
empresas ou nos sindicatos. Dalmo Dallari, apesar de não fazer referência direta ao
Ministério Público, se manifestou sobre o perigo do distanciamento entre o poder decisório
e o povo: “É evidente que isso não convém ao povo (desejo de afastar o povo das decisões
políticas), pois o que a história demonstra muito claramente é que todas as vezes que um
grupo decide sozinho acaba pondo em primeiro lugar seus próprios interesses, deixando
em plano secundário ou mesmo ignorando os interesses comuns de todo o povo”212.
Pode-se dizer que hoje existem tantos interesses públicos quantos membros do
Ministério Público ou em interesse público de gabinete. Não podem os seus agentes por si
só definir o interesse público, mas ouvir a sociedade, porque o interesse público primário
se confunde com a vontade popular. Todos os indivíduos da sociedade, que, em última
análise, acaba por ser defendida pelo Ministério Público, têm o dever de exercerem
influência e de serem ouvidos para a tomada de decisões de interesse comum. Não pode
um pequeno grupo de procuradores definir o interesse público e a população passivamente
concordar com sua atuação, sem que haja definição, fiscalização e cobrança. O Ministério
211
212
MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Regulação estatal e interesses públicos, cit., p. 147.
DALLARI, Dalmo de Abreu. O que é participação política, cit., p. 87.
108
Público é uma instituição fundamental para o sistema de justiça, e por isso, corresponsável
pelas políticas públicas lato sensu e agente de inclusão social e transformação da realidade,
mas a serviço da sociedade. O Judiciário, por sua vez, também não pode ficar distante dos
anseios da sociedade. Cada vez mais ocorre a relativização da inércia e o judiciário deve
estar sensível na busca da efetivação do interesse público.
Entretanto, como veremos logo mais, isto não quer dizer que haverá apenas um
interesse público definido pela sociedade, mas vários. Esta multiplicidade de interesses
públicos é decorrente da crescente fragmentação da sociedade, representada muitas vezes
por entes coletivos, tais como associações de classe, sindicatos, comunidades eclesiais de
base, sociedades amigos de bairros, etc.
5. As barreiras para a efetividade das políticas públicas e da participação popular
Em que pese o Brasil ser um Estado Democrático de Direito, ter o cidadão
direito ao voto secreto e universal, e a Constituição Federal prever mecanismos de
participação popular como o referendo, plebiscito, iniciativa popular de projeto de lei, etc.,
a participação popular é muito incipiente e as definições das metas de governo e das
políticas sociais passam muito longe das reais necessidades da sociedade civil. E nunca é
demais ressaltar que o Estado somente será democrático com a efetiva participação dos
cidadãos no exercício do Poder213, já que este é emanado do povo.
Todavia, no tocante às definições e implementações das políticas públicas e sua
aproximação ao interesse público primário, iremos encontrar diversas barreiras que devem
ser minimizadas.
Uma das barreiras que deve ser enfrentada é o distanciamento e o conflito
existente entre a sociedade e o Estado. Há um consenso de que o Estado é ineficiente,
burocrático, de que os órgãos e entidades governamentais são incapazes e os seus serviços
de baixa qualidade. Com isso, criou-se uma concepção de que tudo que é realizado pelo
Estado é negativo para a sociedade civil e acabou-se por criar um distanciamento e até um
213
DALLARI, Dalmo de Abreu. O que é participação política, cit., p. 89-90. PEREZ, Marcos Augusto.
Institutos de participação popular na administração pública. 1999. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de
Direito, Universidade de São Paulo, 1999. p. 3-4.
109
confronto entre esta e o Estado. Este distanciamento também é justificado em razão da
evolução do Estado, caracterizada pela concentração acelerada e indiscriminada do
poder214. E a concentração do poder nas mãos de apenas alguns agentes do Estado é muito
perigoso para a democracia, pois deixa de ser controlado e fiscalizado pelos cidadãos, e o
país passa a ser uma democracia de mera legalidade. O ataque ao Estado e o
distanciamento da sociedade acabam por deslegitimar sua ação e impedem a
implementação de políticas públicas mais eficazes.
Por outro lado, a sociedade insiste em responsabilizar o Estado pelos serviços
de baixa qualidade e aguardar que ele resolva todos os problemas sociais e econômicos.
Contudo, a sociedade deve compreender que o Estado não é mais o detentor do monopólio
do poder decisório, sendo este também repassado às instituições sociais privadas
(sindicatos, associações, entidades, etc.). Nas palavras de Floriano Peixoto de Azevedo
Marques Neto, “assiste-se ao processo de privatização do público por meio da substituição
do Estado enquanto definidor dos interesses gerais por grupos ou corporações”215. Entendo
que a solução passa necessariamente pela participação da sociedade civil nas definições,
fiscalização e implementação das políticas públicas. A partir do momento em que o
cidadão sentir-se como parte integrante do Estado e agente definidor da atuação estatal, o
índice de sucesso das políticas públicas será maior. Como visto no capítulo II, não existe
mais a dicotomia público/privado ou Estado/sociedade civil, mas uma interação entre os
interesses metaindividuais.
A outra barreira para a definição e a efetividade das políticas públicas diz
respeito à “ignorância” do Estado para com a precária situação socioeconômica dos
brasileiros216. O Estado desconhece a realidade social por não possuir mecanismos
confiáveis de consulta popular (ou, mesmo conhecendo, distorce os problemas sociais do
Brasil como forma de fugir de suas responsabilidades). Com os dados distorcidos e com o
afastamento da sociedade, o Estado acaba por levar a graves erros na definição e aplicação
das políticas públicas.
214
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito da participação política: legislativa, administrativa,
judicial: fundamentos e técnicas constitucionais da legitimidade. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. p. 5.
215
MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Regulação estatal e interesses públicos, cit., p. 136.
216
De cada dez crianças, seis estão abaixo da linha de pobreza; apenas um de cada três jovens cursa o ensino
médio; um terço da população não tem acesso à água potável; a taxa de mortalidade materna é cinco vezes
a dos países desenvolvidos e 18% dos partos são realizados sem assistência médica de qualquer tipo
(Bernardo Kliksberg).
110
Daí a importância da participação popular nos programas de inclusão social e
definição das políticas públicas ser cada vez maior. O Estado (aí incluído o Ministério
Público) precisa conhecer melhor os problemas socioeconômicos, culturais e trabalhistas
através de mecanismos de participação popular para melhor definir as suas políticas
públicas lato sensu. Com bem assinala Bernardo Kliksberg: “Os programas sociais fazem
melhor uso dos recursos, conseguem ser bem-sucedidos no alcance de suas metas e criam
auto-sustentabilidade, se as comunidades pobres às quais se deseja favorecer participam
desde o início e ao longo de todo o seu desenvolvimento e compartilham do planejamento,
da gestão, do controle e da avaliação”217. Entretanto, verifica-se que, apesar de o discurso
político ser pela participação popular, existe um distanciamento da sociedade e nenhum
governo incentiva mecanismos de participação efetiva e real. Por isso, é fundamental dar
prioridade e fortalecer as organizações de participação popular. Para o sucesso das
políticas públicas é imprescindível ouvir a sociedade; e, ao ser ouvida, a sociedade terá
maior atuação e legitimidade na fiscalização.
Cumprir com políticas sociais é respeitar os direitos fundamentais, buscar um
dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, que é erradicar a pobreza e
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, como aponta o Informe de
Desenvolvimento Humano 2000, do PNUD: “A erradicação da pobreza constitui uma tarefa
importante dos direitos humanos no século XXI. Um nível decente de vida, nutrição suficiente,
assistência médica, educação, trabalho digno e proteção contra as calamidades não são
simplesmente metas do desenvolvimento, são também direitos humanos”. Investir no social é
respeitar os direitos humanos e ter um alto retorno, pois, assim, teremos melhores índices de
expectativa de vida, baixa desnutrição, estudantes mais preparados, melhores profissionais no
mercado de trabalho, produtos com maior valor agregado, etc. Assim, o Estado, ao conhecer
melhor a realidade social através da consulta popular, poderá implementar políticas públicas
mais eficientes no combate à pobreza, baixo índice de escolaridade e marginalização, que, por
sua vez, alavancará a participação popular na administração pública.
Por outro lado, existe também uma falácia que impede a participação popular:
o pensamento generalizado de que a sociedade civil não tem habilidade para resolver os
problemas sociais e ajudar nos processos de desenvolvimento. Hoje encontramos inúmeras
217
KLIKSBERG, Bernardo. Falácias e mitos do desenvolvimento social. Tradução de Sandra Trabucco
Valenzuela, Silvana Cobucci Leite. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2001. p. 39.
111
organizações nãogovernamentais, muitas ligadas às religiões, que fazem um trabalho
voltado para a área social e de forma voluntária, e que muito tem contribuído para a
“redução das desigualdades sociais, promoção da justiça social e um maior acesso à saúde
e à educação de qualidade” (Discurso da Dra. Zilda Arns proferido no Haiti no dia 12 de
janeiro de 2010). Porém, a participação delas ainda é muito pequena, talvez pela falta de
incentivos fiscais, reduzida cultura em participar de associações e baixa escolaridade da
população. Para a definição e implementação das políticas públicas é fundamental
incentivar a criação e o fortalecimento dos corpos intermediários, incluindo nestes as
associações, sindicatos e chamadas organizações não governamentais (ONGs). Como já
visto anteriormente, a noção única de interesse público cedeu espaço para o interesse
público heterogêneo. Hoje, na atual formação do Estado, e com a subjetivação do interesse
público218, tem ocorrido a crescente substituição do Estado pelos corpos intermediários.
Através destas organizações, a participação popular poderá ser muito mais efetiva, não
para vigorar o princípio de que democracia é a vontade da maioria, mas a composição de
posições plurais para também respeitar os interesses das minorias. Esta observação também
é sentida pelo português Luís Filipe Colaço Antunes, para quem
o Estado continua a desempenhar a função reguladora, segundo
directrizes supranacionais, mas abdicou de prosseguir, pelo menos
directamente, algumas das tarefas que tradicionalmente lhe incumbia
realizar, para passarem a ser definidas e executadas por entidades
privadas, semi-públicas ou mesmo públicas, ainda que não pertencentes
organicamente à Administração 219.
Por outro lado, não se pode substituir simplesmente a visão particular dos membros
do Ministério Público pela visão “particularista” dos grupos de poder ou lobbies das entidades
que visam representar parcelas da sociedade, pois, como adverte Luis Roberto Proença,
nem sempre a visão de uma entidade não governamental, de um órgão
público ou da mídia, trazem posicionamentos de interesse geral, sendo,
no mais das vezes, visões parciais da realidade, as quais demandam um
esforço de síntese, para que se obtenha o exato objetivo a ser perseguido.
Como fazê-lo é questão aberta à prática social e institucional, devendo
apenas ser enfatizada a necessidade de diálogo constante e franco entre as
partes envolvidas 220.
218
Capítulo II, tópico 3.
ANTUNES, Luis Filipe Colaço. O direito administrativo e a sua justiça no início do século XXI, cit., p. 19.
220
PROENÇA, Luis Roberto. Inquérito civil: atuação investigativa do Ministério Público a serviço da
ampliação do acesso à justiça. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2001. p. 151.
219
112
Paralelamente às atuações destes corpos intermediários, nota-se na esfera da
defesa dos direitos trabalhistas uma crescente participação do Ministério Público do
Trabalho, conforme já exposto no capítulo I. Esta intervenção do Ministério Público do
Trabalho nas lides coletivas é importante; porém, não pode “intimidar” a participação
delas. Muitas vezes, a atuação excessiva do Ministério Público fragiliza a atuação de
outros organismos. O Ministério Público deve incentivar a participação das associações e
sindicatos, que inúmeras vezes conhecem muito melhor os seus associados e os problemas
enfrentados do que os procuradores do trabalho. O distanciamento da sociedade com o
Estado e a sua responsabilização por todas as ações, que acabaram de ser tratadas acima
como barreiras para a efetividade das políticas públicas e da participação popular, também
ocorre com o Ministério Público do Trabalho. Os membros do parquet laboral
desconhecem os reais problemas dos trabalhadores e querem definir o seu papel sem ouvir
a sociedade, ao mesmo tempo em que os sindicatos e as associações profissionais ficam a
aguardar a atuação do MPT, sem tomarem conhecimento de que possuem instrumentos de
atuação como a ação civil pública e sem assumirem que conhecem a realidade e os
problemas da sua categoria profissional melhor do que os membros daquela Instituição.
Afinal de contas, como constata Dalmo de Abreu Dallari,
todo ser humano tem o dever de participação política, para que a ordem
social não seja apenas a expressão da vontade e dos interesses de alguns.
Como a história tem demonstrado, sempre que só um pequeno grupo
decide é inevitável que esse grupo se corrompa, perdendo de vista sua
responsabilidade social, e acabe dando preferência aos seus próprios
interesses, gerando uma situação de injustiça, que impede a paz social,
porque sempre existem pelo menos alguns que não aceitam passivamente
as injustiças e lutam contra elas 221.
Aplicável, pois, também ao Ministério Público do Trabalho. Não pode o MPT
definir o interesse público e a forma de implementar as políticas públicas sem ouvir o
maior interessado, que é a sociedade, e nem desestimular a atuação das organizações
representativas dos trabalhadores.
221
DALLARI, Dalmo de Abreu. O que é participação política, cit., p. 38.
113
CAPÍTULO IV. A SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE
A INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL DO MEMBRO DO
MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO
1. Princípios institucionais do Ministério Público
Os princípios institucionais do Ministério Público, nos termos do artigo 127, §
1º da Constituição Federal, são a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.
Em linhas gerais, a unidade significa que os membros do Ministério Público
integram uma única instituição com um único chefe que é o Procurador-Geral, sendo que a
divisão interna existente em cada ramo é meramente funcional. Por outro lado, cabe frisar
que esta divisão interna em diversas atividades, atribuições e funções decorrentes da
previsão constitucional e normas infraconstitucionais não significa a existência de diversos
Ministérios Públicos. Ressalte-se que a unidade se encontra dentro de cada ramo do
Ministério Público, ou seja, não há unidade entre os ramos do Ministério Público da União
e nem entre os Ministérios Públicos estaduais, como bem aponta Carlos Henrique Bezerra
Leite222, ao citar o artigo 185 da Lei Complementar nº 75/93, que veda “a transferência ou
aproveitamento nos cargos do Ministério Público da União, mesmo de um para outro de
seus ramos”. No mesmo sentido, Hugo Nigro Mazzilli, após citar o artigo 128 da CF, que
diz que o Ministério Público abrange o da União e o dos Estados, explica que esta norma
dá ideia de unidade entre eles, mas que esta unidade é apenas conceitual, já que “quer dizer
que o ofício que todos eles exercem é o mesmo ofício de ministério público, a que aludem
as leis”223.
Vale destacar também o entendimento de David Araújo e Nunes Júnior sobre
este princípio:
A unidade, todavia, não quer significar que os membros do Ministério
Público possam desordenadamente cumprir as diversas funções da
entidade, sem a observância das determinações legais que norteiam a
divisão interna de atribuições, mesmo porque as leis definidoras das
222
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ministério Público do Trabalho: doutrina, jurisprudência e prática, cit.,
p. 37.
223
MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público, cit., p. 71-72.
114
atividades de cada membro ou de cada órgão do Ministério Público
cumprem a finalidade de conferir ao ato expedido um de seus requisitos
básicos de validade, qual seja, a existência de autoridade competente para
produzi-lo.224
Com relação ao princípio da indivisibilidade, significa que seus membros
podem ser substituídos uns pelos outros, desde que respeitadas algumas regras
estabelecidas em lei, sem que haja qualquer alteração subjetiva na relação jurídica
processual da qual o Ministério Público atue, seja na qualidade de parte ou fiscal da lei.
Este princípio tem relação lógica com o da unidade, já que um membro pode substituir o
outro, desde que respeitadas regras pré-estabelecidas, pois quem exerce a defesa do
interesse público é o Ministério Público e não a pessoa que ocupa o cargo de procurador do
trabalho ou promotor de justiça. Esse é apenas um agente daquele.
Independência funcional é o princípio pelo qual cada membro do Ministério
Público deve atuar nas suas atividades de forma independente em relação a qualquer órgão
ou poder (Executivo, Judiciário ou Legislativo), aos demais membros e ao chefe do
parquet. Ou seja, no exercício de suas funções legais, o membro do Ministério Público não
está subordinado funcionalmente a qualquer outro membro ou órgão, exceto
administrativamente e disciplinarmente; age e opina segundo sua própria convicção225,
deste que fundamentado226 na lei. A hierarquia existente entre os membros do MP é em
relação apenas às questões administrativas, materializada através do chefe da Instituição ou
a quem este delega poderes, desde que autorizados na legislação própria, como nas
designações legais, na disciplina funcional ou na solução dos conflitos de atribuições entre
os seus integrantes227. Desta forma, o procurador tem independência funcional para
224
ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional, cit., p. 325.
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Trad. da 2. ed. italiana por J. Guimarães
Menegale. São Paulo: Saraiva, 1943. v. 2., p. 127.
226
As manifestações dos integrantes do Ministério Público devem ser fundamentadas, conforme dispõe o
artigo 93, inciso IX c.c art. 129, § 4º da CF, além dos artigos 4º, inciso I; 5º; 6º, § 9º; 9º e 10 da Resolução
nª 23 do Conselho Nacional do Ministério Público, de 17 de setembro de 2007.
227
Outros exemplos: a) notificação do Ministério Público do Trabalho que tiver como destinatário o Ministro
de Estado deve ser encaminhada e levada a efeito pelo Procurador-Geral da República, porém, este pode
delegar ao Procurador-Geral do Trabalho (artigo 8º, § 4º da LC nº 75/93); b) o Procurador-Geral da
República pode delegar atos de gestão administrativa, financeira e de pessoal ao Procurador-Geral do
Trabalho ou ao Diretor-Geral da Secretaria do Ministério Público da União (artigo 26, §§ 1º e 2º da LC nº
75/93); c) o Procurador-Geral do Trabalho pode delegar atos de gestão administrativa, financeira e de
pessoal, além da elaboração do relatório de atividades, aos procuradores-chefes das Procuradorias
Regionais do Trabalho (artigo 92, I c.c. artigo 91, XXI e XXII da LC nº 75/93); d) análise da promoção de
225
115
respeitar a soberania da lei, nos processos e procedimentos que lhe são conferidos diante
da organização interna do Ministério Público. Uma vez atribuído a ele, através de uma
distribuição normatizada, o procurador tem a total liberdade de conduzir e opinar sobre a
matéria, em estrito cumprimento da legislação aplicada. Assim, o princípio da
independência funcional não deve ser utilizado para proteger interesse particular do
procurador, mas uma proteção para que o Ministério Público, através da atuação de um de
seus integrantes, possa atender as suas funções institucionais. É comum encontrarmos, no
dia a dia, membros do MP aduzirem o princípio da independência funcional para deixarem
de exercer suas atribuições institucionais.
2. Garantias constitucionais do Ministério Público
As garantias constitucionais do Ministério Público são divididas em garantias
institucionais e garantias dos membros do Ministério Público:
2.1. Garantias institucionais
As garantias institucionais do Ministério Público são autonomia funcional,
autonomia administrativa e autonomia orçamentária e financeira.
A autonomia funcional está prevista no artigo 127, § 2º da Constituição
Federal, sendo que é uma garantia da Instituição decorrente do princípio da independência
funcional. A autonomia funcional do Ministério Público está atrelada às garantias dos
membros, como veremos a seguir, de modo que a instituição não está subordinada a
nenhum órgão ou Poder (Executivo, Legislativo ou Judiciário). Assim, a autonomia
funcional é destinada à instituição ministerial e a cada um dos seus membros, enquanto
arquivamento de inquérito civil pela Câmara de Coordenação e Revisão do MPT; e e) outras atribuições
elencadas nos artigos 50 e 92 da LC nº 75/93.
No tocante à designação pelo Conselho Superior de membro do Ministério Público para ajuizar ação civil
pública, ou do procurador-geral para propor ação penal (artigo 28 do CPP), Hugo Nigro Mazzilli,
corretamente, entende: “Não se argumente, porém, que haveria quebra da independência funcional quando
o membro do Ministério Público recebe a determinação de propor a ação pública, em decorrência da
revisão de arquivamento do inquérito policial ou do inquérito civil. Nesses casos de revisão de
arquivamento, a ordem de propor a ação não viola o princípio da independência funcional, pois a decisão
última sobre propor ou não a ação passa a ser deferida, por força da lei, ao órgão final que a toma (o
procurador-geral ou o Conselho Superior do Ministério Público). Dessa forma, o órgão que deva cumprir a
deliberação (o novo promotor de Justiça designado) não mais agirá por atribuições próprias, e sim, agora,
por delegação do órgão que tomou a decisão, o qual, este sim, terá decidido com plena independência
funcional” (MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público, cit., p. 73).
116
agentes políticos228. Logo, a autonomia funcional do MP não se confunde com a
independência funcional, pois aquela é uma garantia institucional e significa que cada
Ministério Público brasileiro tem a liberdade de tomar as decisões que lhe cabem pela
Constituição e pelas leis, e independência funcional é a liberdade que cada membro tem
para tomar decisões pautadas na legislação em relação aos demais integrantes da sua
Instituição e quanto a qualquer órgão ou poder.
A autonomia administrativa, também prevista no artigo 127, § 2º da CF,
consiste na garantia da Instituição de dirigir a si própria, sem interferência administrativa
de qualquer órgão ou poder. Esta autonomia Institucional não é, apenas, administrativa,
mas também política, pois cabe a ela, exclusivamente, o poder de iniciativa legislativa para
elaboração de sua Lei Orgânica (artigo 128, § 5º, CF) e para a criação e extinção de seus
cargos e serviços auxiliares (artigo 127, § 2º, CF). Desta forma, o Ministério Público
poderá propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de cargos e serviços auxiliares,
estabelecer planos de carreira, formalizar contratos e convênios, desde que respeitadas as
normas legais. O Ministério Público pode encaminhar projetos de lei ao legislativo para
criar cargos, aumentar os subsídios de seus membros ou para reduzir licença-prêmio, por
exemplo, mas nenhum outro órgão pode querer gerenciar a sua estrutura administrativa.
A autonomia orçamentária e financeira, estabelecida no artigo 127, § 3º da CF,
garante ao Ministério Público a capacidade de elaborar sua proposta orçamentária dentro
dos limites impostos pela lei de diretrizes orçamentárias, e autoriza-o a administrar os
recursos que foram aprovados no orçamento pelo legislativo. Todavia, isto não impede que
o executivo, em razão da queda da arrecadação, determine que o órgão efetue
contingências no seu orçamento.
2.2. Garantias dos membros do Ministério Público
As garantias constitucionais dos membros do Ministério Público são três:
vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios.
228
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ministério Público do Trabalho: doutrina, jurisprudência e prática, cit.,
p. 39.
117
A vitaliciedade do membro do MP é adquirida após o período probatório,
constituído de dois anos de efetivo exercício do cargo (artigo 128, § 5º, I, ‘a’, CF), período
este em que a Corregedoria do MP realiza acompanhamento sistemático de suas atividades
a fim de verificar se preenche os requisitos pessoais e de capacidade técnica para
desenvolver suas atribuições. No término deste período, o Corregedor-Geral submete sua
análise ao Conselho Superior, para que todos os seus integrantes opinem sobre a
homologação da vitaliciedade. Após a vitaliciedade, o procurador somente pode perder o
cargo por sentença judicial transitada em julgado.
Com relação à garantia de inamovibilidade, o procurador não poderá ser
removido, unilateralmente, sem a sua solicitação. Somente para atender o interesse
público, mediante decisão da maioria absoluta dos componentes do Conselho Superior do
Ministério Público, e desde que lhe seja assegurada a ampla defesa, ou de decisão do
Conselho Nacional do MP (art. 130-A, III, CF), poderá o membro ser removido do cargo
ou função (artigo 128, § 5º, I, “b”, CF). Mas nestes casos, não cabe uma definição genérica
por conveniência do serviço, mas a definição estrita e precedida de procedimento que
assegure a ampla defesa dos diretamente interessados 229.
Da mesma forma, em decorrência da garantia da inamovibilidade, o membro
do Ministério Público, que tenha atribuição legal para oficiar em determinado juízo ou
naqueles processos ou procedimentos regularmente distribuídos, não pode ser substituído
por outro de forma arbitrária. Ou seja, não haverá ofensa nos casos de substituição em
razão de férias, licença, remoção, etc., pois a garantia da inamovibilidade visa obstar o
afastamento involuntário do procurador e a designação de outro integrante para atuar em
determinados casos especiais 230. A garantia da inamovibilidade visa, assim, obstar tanto o
afastamento do membro do Ministério Público do seu cargo, como das suas atribuições
229
Registre-se que a designação das unidades de lotação se dá por portaria do Procurador-Geral do Trabalho,
após decisão do Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho. Assim, se amanhã o CSMPT decidir
pela extinção da Procuradoria do Trabalho em Osasco e criação da PTM em Gramado (mudança do órgão
ou extinção do cargo), o CSMPT deverá abrir inscrições para preenchimento dos cargos vagos, respeitandose o critério de antiguidade na carreira para os cargos de mesmo nível e, caso os procuradores lotados em
Osasco, não consigam ou não queiram remover-se, terão os seguintes direitos: a) disponibilidade com
vencimentos e vantagens integrais; b) direito à contagem do tempo como se em exercício estivesse.
230
DINIZ, José Janguiê Bezerra. Ministério Público do Trabalho: ação civil pública, ação anulatória, ação de
cumprimento, cit., p. 130.
118
funcionais, pois, como advertem Hugo Nigro Mazzilli231 e José Jesus Cazetta Júnior232,
seria inútil proteger o cargo sem defender, simultaneamente, a função. Estará violando,
portanto, a garantia da inamovibilidade, o ato que não afasta o procurador do seu cargo,
mas retira-lhe atribuição para oficiar em determinada investigação, remetendo-a a outro
membro. Violam, assim, a garantia da inamovibilidade as designações aleatórias e
discricionárias do Procurador-Geral para que um grupo de procuradores oficie em
determinado caso, como, por exemplo, em força-tarefa para investigar o setor de corte de
cana-de-açúcar em determinada região do país, em detrimento da atuação do procurador
lotado no local. Nestes casos, a fim de não afastar o membro das suas funções, e havendo
necessidade de um maior número de procuradores e/ou mais experientes na investigação,
caberá ao Conselho Superior estabelecer critérios objetivos (antiguidade, lotados nas
regiões mais próximas, comprovada experiência na matéria, etc.) para escolha destes
procuradores que irão auxiliar e sob a presidência do procurador lotado na região. Desta
forma, o procurador natural não será afastado das suas funções e o MP poderá melhor
investigar eventual lesão. O Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho, a fim
de regulamentar estas designações especiais de atuação e não ferir o princípio do promotor
natural, editou a Resolução nº 86/2009, que assim dispõe em seu artigo 28:
Art. 28. Em obediência aos princípios da eficiência administrativa e do
promotor natural, as designações para integrar forças-tarefas, grupos
móveis e projetos nacionais previamente aprovados pelo Conselho
Superior recairão, preferencialmente, sobre os Procuradores lotados na
Unidade com atuação no local da operação, na ordem de antiguidade e
observado o sistema de rodízio.
Parágrafo único – Em não havendo Procuradores suficientes para o
desempenho satisfatório da atividade na Unidade local, serão recrutados
Membros de outras Procuradorias, previamente cadastrados e na ordem
de antiguidade, observado o sistema de rodízio e com a prévia aprovação
do Conselho Superior.
231
MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público: análise da Lei Orgânica Nacional do
Ministério Público, cit., p. 83-84, 153 e 185.
232
CAZETTA JÚNIOR, José Jesus. A independência funcional dos membros do Ministério Público e sua
tríplice garantia constitucional (apontamentos sobre a irredutibilidade de vencimentos, a inamovibilidade e
a vitaliciedade dos Promotores e Procuradores de Justiça). In: ALVES, Airton Buzzo; RUFINO, Almir
Gazquez; SILVA, José Antonio Franco da (Orgs.). Funções institucionais do Ministério Público. São
Paulo: Saraiva, 2001. p. 46-47.
119
Contudo, deixou o CSMPT de especificar o coordenador da força-tarefa, dos
grupos móveis e projetos nacionais, que entendo deva recair sobre o procurador da região
ou, se de âmbito nacional, ao Coordenador da coordenadoria temática específica. Entendo
necessário que sempre seja designado um coordenador ou presidente destes grupos de
atuação.
Por sua vez, a irredutibilidade de subsídios significa, nos termos do artigo 128,
§ 5º, I, “c”, da CF, que os subsídios nominais dos procuradores não podem ser reduzidos,
não se garantindo, portanto, a corrosão inflacionária. Em decorrência desta garantia
constitucional dos Membros da Instituição, não pode haver redução dos subsídios e nem
penas disciplinares de natureza pecuniária, sendo apenas permitida a redução em três
casos: a) consignação em folha de pagamento a favor de terceiro, desde que autorizado
pelo membro (artigo 228, § 1º da LOMPU); b) redução dos vencimentos
proporcionalmente ao tempo de serviço, na hipótese de punição com a disponibilidade; e c)
desconto compulsório dos dias em que haja falta injustificada ou relativa ao período em
que houve suspensão (artigo 240, § 1º da LOMPU).
As garantias dos membros estão diretamente atreladas às garantias
institucionais e aos princípios do Ministério Público. Elas se justificam para que o
Ministério Público, através dos seus membros, possa atuar de forma independente e não
receba qualquer tipo de controle, seja do particular ou do Estado (isenção e autonomia).
Somente com essas garantias atribuídas aos seus integrantes, o Ministério Público pode
cumprir com o seu papel. Não pode o procurador, com base nessas garantias e com base no
princípio da independência funcional, sobrepor o seu interesse particular em relação ao
interesse público, pois este é o elemento justificador de toda a sua atuação. Essas garantias
visam assegurar ao integrante do Ministério Público a necessária tranquilidade para o
desempenho de suas funções em prol do interesse público, mas cabe frisar que são
garantias funcionais para que possam servir aos interesses das leis, que, em última
instância, é o interesse público. Nunca é demais frisar que a Constituição Federal, antes de
assegurar garantias pessoais aos membros do MP, confere garantia funcional para que
possam, em nome da Instituição, atender aos anseios da sociedade.
120
3. Prerrogativas
O fundamento das garantias dadas à Instituição (autonomia funcional,
autonomia administrativa e autonomia orçamentária e financeira) e aos seus membros
(vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios) é tão somente assegurar a
estes agentes, no exercício estrito de suas funções, garantias para que possam melhor
desempenhar o seu papel, que é a defesa do interesse público.
Mas, ao lado das garantias à Instituição e aos membros do MP conferidas pela
Constituição Federal de 1988, a Lei Orgânica do MPU (Lei Complementar nº 75/1993)
confere prerrogativas aos seus membros, “cujo fim é assegurar que o seu destinatário
possa exercer determinada atividade ou função com segurança, independência e
autonomia em prol da própria coletividade”233. As prerrogativas, indicadas nos artigos
18 a 20 da LOMPU, além de outras estabelecidas em outras leis234, complementam as
garantias tratadas acima, como nos casos “do membro do Ministério Público da União que
oficie perante juízos de primeira instância, ser processado e julgado, nos crimes comuns e
de responsabilidade, pelos Tribunais Regionais Federais” (artigo 18, II, “c” da LC nº
75/1993) ou de “ser preso ou detido somente por ordem escrita do tribunal competente ou
em razão de flagrante de crime inafiançável, caso em que a autoridade fará imediata
comunicação àquele tribunal e ao Procurador-Geral da República” (artigo 18, II, “d” da LC
nº 75/1993). Existem outras prerrogativas, como “receber intimação pessoalmente nos
autos em qualquer processo e grau de jurisdição nos feitos em que tiver que oficiar” (artigo
18, II, “h” da LOMPU) e “presença e palavra asseguradas em todas as sessões dos
colegiados em que oficiem” (artigo 20 da LOMPU), que possibilitam uma melhor atuação
do procurador do trabalho na defesa do interesse público, pois garante a palavra e a ciência
em todos os processos em que deva, em princípio, oficiar.
Cabe ressaltar, porém, que prerrogativa da função é bem diferente de
privilégio, pois enquanto aquela busca a melhor proteção da sociedade, este é uma
vantagem individual sem qualquer correlação jurídica e que fere o princípio da igualdade
233
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ministério Público do Trabalho: doutrina, jurisprudência e prática, cit.,
p. 50.
234
Artigo 83, I (vista dos autos depois das partes) e II (juntar documentos e certidões, produzir prova em
audiência e requerer medidas ou diligências necessárias ao descobrimento da verdade) do CPC.
121
esculpida no artigo 5º, caput da Constituição Federal235. Assim, a prerrogativa institucional
dada ao membro do MPU de ter ingresso e trânsito livres, em razão de serviço, em
qualquer recinto público ou privado, tem a finalidade de possibilitar que o procurador
tutele o interesse público. Contudo, as férias de 60 dias dos membros do Ministério Público
são um privilégio sem qualquer razão jurídica plausível e fere o princípio da igualdade.
Robert Alexy, após citar a jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha
sobre igualdade (“O enunciado da igualdade é violado se não é possível encontrar um
fundamento razoável, que decorra da natureza das coisas, ou uma razão objetivamente
evidente para a diferenciação ou para o tratamento igual feitos pela lei; em resumo, se a
disposição examinada tiver que ser classificada como arbitrária”236), comenta que “se não
houver uma razão suficiente para a permissibilidade de um tratamento desigual, então, o
tratamento igual é obrigatório” e complementa que “não existe uma razão suficiente para a
permissibilidade de uma diferenciação quando todas as razões que poderiam ser cogitadas
são consideradas insuficientes”237. Ou seja, podemos nos perguntar se a atividade dos
juízes e promotores é tão diferente e complexa que nos permite diferenciar (discriminar)
das atividades profissionais de outras carreiras públicas ou privadas, a ponto de conceder
certos privilégios como as férias de 60 dias, além do recesso costumeiramente existente
entre os dias 19 de dezembro e 6 de janeiro.
Da mesma forma, existem prerrogativas institucionais que não possuem
qualquer relação lógica com a atuação do membro do MPU na defesa do interesse público:
“sentar-se no mesmo plano e imediatamente à direita dos juízes singulares” e “usar vestes
talares”. O fato de estar sentado à direita e no mesmo plano do magistrado, e usar vestes
talares, não assegura a defesa da coletividade; e o fato de o procurador sentar no local
destinado aos autores da ação e estar vestido com trajes sociais não significa qualquer
ameaça ao interesse público. Importa que o membro do MP possa participar e possua
condições de executar suas funções nas mesmas condições que os demais profissionais do
direito, seja magistrado ou advogado. A questão da altura da cadeira ou do tablado; se usa
235
No mesmo sentido, Carlos Henrique Bezerra Leite (Ministério Público do Trabalho: doutrina,
jurisprudência e prática, cit., p. 50); Hugo Nigro Mazzilli (Introdução ao Ministério Público. 6. ed. rev. e
atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 93).
236
BVerfGE 1, 14 (52) e BVerfGE 60, 101 (108) Cf. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, cit.,
p. 403.
237
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, cit., p. 408.
122
terno ou vestes talares; se está à direita, à esquerda ou à frente do magistrado são questões
meramente simbólicas e não atingem a finalidade das prerrogativas de seus membros.
4. As vedações, as limitações na defesa dos interesses metaindividuais e a
responsabilidade do membro do MPT
A legislação assegura garantias e prerrogativas aos membros do Ministério
Público, porém impõe também algumas vedações e limites na sua atuação. A Constituição
Federal, nos seus artigos 128, §5º, II e § 6º, e 129, dispõe as seguintes vedações: a) receber,
a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais;
b) exercer a advocacia238; c) participar de sociedade comercial239; d) exercer, ainda que em
disponibilidade, qualquer outra função pública240, salvo uma de magistério241; e) exercer
atividade político-partidária; f) receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou
contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas; g) exercer a advocacia no
juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo
por aposentadoria ou exoneração; e h) a representação judicial e a consultoria jurídica de
entidades públicas. Além da Constituição Federal, a Lei Orgânica do MPU impõe as
mesmas vedações enumeradas nas letras “a” a “e”. Comparativamente às vedações
impostas aos magistrados, a partir da Emenda Constitucional nº 45/2004 (Reforma do
Judiciário), o sistema de vedações das duas instituições passou a ser praticamente o
mesmo.
238
O Conselho Nacional do Ministério Público editou a Resolução nº 08/2006, regulamentando o exercício da
advocacia por integrantes do Ministério Público que ingressaram na instituição antes da promulgação da CF
de 1988: “somente poderão exercer a advocacia com respaldo no § 3º do art. 29 do ADCT da Constituição
de 1988, os membros do Ministério Público que integravam a carreira na data da sua promulgação e que,
desde então, permanecem regularmente inscritos na OAB” (artigo 1º); “além dos impedimentos e vedações
previstos na legislação que regula o exercício da advocacia pelos membros do Ministério Público, estes não
poderão fazê-lo nas causas em que, por força de lei ou em face do interesse público, esteja prevista a
atuação do Ministério Público, por qualquer dos seus órgãos e ramos (Ministérios Públicos dos Estados e
da União)” (artigo 2º).
239
Admite-se a participação do membro do MPU em sociedade comercial, na qualidade de cotista ou
acionista, nos termos do artigo 237, III da LC nº 75/1993, porém, não é permitida sua participação na
direção da sociedade comercial.
240
O Conselho Nacional do Ministério Público editou a Resolução nº 05/2006, que veda o afastamento de
membros do Ministério Público para ocuparem cargos, empregos e funções públicas, exceto uma de
magistério.
241
O Conselho Nacional do Ministério Público editou a Resolução nº 03/2005, que autoriza o magistério,
público ou particular, por, no máximo, 20 (vinte) horas-aula semanais, e desde que haja compatibilidade de
horário com o do exercício das funções ministeriais.
123
O Código de Processo Civil, por sua vez, também determina ao membro do
Ministério Público os mesmos motivos de impedimento e de suspeição impostos aos juízes
(artigo 138 c.c. artigos 134 e 135 do CPC), tais como naqueles casos em que for parte; em
que prestou depoimento como testemunha; quando no processo estiver postulando como
advogado da parte, o seu cônjuge; for amigo íntimo de qualquer das partes; ou tiver
interesse no julgamento da causa em favor de uma das partes.
Entretanto, existem outros casos de impedimento em que o promotor (ou
procurador) não é parte do processo ou investigação, mas que não pode oficiar, em razão
de estar diretamente interessado. No caso, por exemplo, do MP ser o titular da investigação
e o procurador ser parte ideológica e ter interesse pessoal com relação ao objeto tutelado.
Logo, nos casos de interesses difusos, o procurador pode sempre atuar, pois a dispersão do
interesse é total. Quanto aos interesses coletivos e individuais homogêneos, o membro do
MP pode oficiar desde que não faça parte do grupo de interessados e nem se for
pessoalmente lesado. Assim, na defesa do meio ambiente natural da mata Atlântica, não
existe impedimento do membro do MP que tenha interesse na sua preservação pelo simples
fato de residir próximo à reserva. Por outro lado, o membro do MPT não pode tutelar
interesse coletivo da categoria de bancários, se seu cônjuge for bancário e potencialmente
possa se beneficiar da investigação ou da ação civil pública.
Por sua vez, ao lado das mesmas garantias e vedações impostas aos
magistrados, o Ministério Público também tem os mesmos poderes e ônus que as partes
(artigo 81 do CPC), seja na condição de parte ou de fiscal da lei, inclusive quanto à ética e
na defesa dos interesses de seus clientes, a sociedade. Não pode o Ministério Público
apenas pleitear as prerrogativas e garantias institucionais, mas não querer assumir os
deveres e ônus destinados a todos os envolvidos na condução do processo. Contudo, devese entender que a extensão do ônus das partes ao Ministério Público não é absoluta, pois o
próprio Código processual e outras leis esparsas estabelecem que esta Instituição não esteja
sujeita ao adiantamento e pagamento das despesas processuais e nem ao pagamento de
honorários advocatícios.
E a lei, ao equiparar as mesmas prerrogativas e vantagens dos juízes aos
membros
do
Ministério
Público,
também
destinou
as
mesmas
vedações
e
responsabilidades, como dispõe o artigo 85 do CPC, que estatuiu que o órgão do Ministério
124
Público será civilmente responsável quando, no exercício de suas funções, proceder com
dolo ou fraude. Ocorre naquelas hipóteses, descritas por Celso Antônio Bandeira de Mello,
de desvio de poder, isto é, em que “o agente administrativo, servindo-se de uma
competência que em abstrato possui, busca uma finalidade alheia a qualquer interesse
público”, muitas vezes para atender um interesse particular, que tanto pode ser de
perseguição ou para favorecer determinada pessoa, inclusive o próprio agente242. Esta
disposição do Código de Processo Civil nos faz concluir que o procurador do trabalho não
poderá ser responsabilizado, direta e pessoalmente, por culpa
243
. A restrição apenas
àqueles dois tipos de conduta impedem a exposição demasiada dos membros do Ministério
Público, assegurando-lhes o princípio institucional da independência funcional para que
não sofram qualquer tipo de pressão.
Neste mesmo sentido, renomados processualistas assim já se manifestaram.
Hélio Tornaghi entende que não seria possível expor os membros do Ministério Público
“ao risco de ter de ressarcir os danos provenientes de erro, ainda que grosseiro, mas
praticado de boa-fé, sem lhes tolher a ação”. E finaliza afirmando que “um órgão do
Ministério Público não pode ser responsabilizado pelo mau uso de seus instrumentos de
trabalho”244. Vicente Greco Filho afirma que “é indispensável que o órgão público tenha
uma relativa imunidade para exercer corretamente suas funções”245. Antônio Cláudio da
Costa Machado é ainda mais enfático ao defender que “a se considerar a culpa como
geradora
de
responsabilidade,
ficariam
os
membros
do
Ministério
Público
psicologicamente tolhidos em sua função ante a insegurança representada pelo não poder
errar, sob pena de serem chamados à indenização por perdas e danos”. E conclui o autor:
“a culpa é excluída para que não se comprometam a liberdade e a independência funcionais
242
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Grandes temas de Direito Administrativo, cit., p. 121.
Celso Antônio Bandeira de Mello faz distinção nas modalidades de desvio de poder, que podem ser dolosa
ou culposa. No caso do desvio de poder por culpa, o autor ensina: “Em outra modalidade (de desvio de
poder), manejando também uma competência que em abstrato possui, busca atender a uma finalidade
pública que, entretanto, não é aquela própria, específica, da competência utilizada. Aí ter-se-á valido de
uma competência inadequada, de direito, para o atingimento da finalidade almejada. Nesta segunda
hipótese poderá suceder que a autoridade não tenha agido de má-fé: isto é, poderá ocorrer que haja
equivocadamente suposto que a competência utilizada fosse prestante, de direito, para alcançar a finalidade
visada, quando, em rigor de verdade, não o era” (Grandes temas de Direito Administrativo, cit., p. 121).
244
TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais,
1974. v. 1, p. 286-287.
245
GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 12. ed. São Paulo: Saraiva 1997. v. 1, p. 158.
243
125
do órgão do parquet pela intimidação nela encarnada, homenageando-se, assim, a
magnitude do interesse que a instituição defende no processo”246.
Entendemos correto o posicionamento de que a ação contra o membro do
Ministério Público para ressarcimento dos prejuízos causados a terceiros, incluindo-se
logicamente as partes envolvidas nos processos ou inquéritos civis, somente poderá ocorrer
se restar configurado que o dano decorreu de fato praticado no exercício da função e desde
que mediante dolo ou fraude, seja por omissão ou comissão. Se, por outro lado, o ato lesivo
for praticado fora do exercício da função, a ação deverá ser ajuizada contra a pessoa física,
e não na qualidade de integrante da Instituição. Ainda o magistério de Vicente Greco Filho
sobre a responsabilidade do órgão do Ministério Público prevista no artigo 85 do CPC:
o dispositivo atribui responsabilidade apenas quando o Ministério Público
atua com dolo ou fraude, isto é, má-fé, consciente e com vontade de
provocar prejuízo a terceiro. Não haveria, a contrario sensu, nenhuma
responsabilidade na atuação ordinária e de boa fé do Ministério Público,
ainda que a parte possa se considerar lesada pelo retardamento que
eventualmente alguma providência requerida pelo Ministério Público
determinar na causa247.
Mesmo nestes casos de dolo ou fraude, a pessoa que se sentir prejudicada
poderá optar em ajuizar a ação em face do membro do Ministério Público ou da
União/Estado, em decorrência do disposto no artigo 37, parágrafo 6º da Constituição
Federal, que dispõe que o Estado responde por atos de seus agentes (responsabilidade
objetiva), tendo ação de regresso contra eles. Eventual ação regressiva da União ou Estado
contra o procurador do trabalho ou promotor de justiça deverá ser pautada na comprovação
da conduta dolosa ou fraudulenta.
Já no caso de culpa, a ação deverá ser em face da União ou Estado, a depender
do ramo do Ministério Público em que o membro atua, pois este órgão Institucional não
tem personalidade jurídica e nem o procurador poderá ser responsabilizado pessoalmente
pelo prejuízo decorrente de sua conduta normal e institucional. Desta forma, agindo o
procurador no exercício regular das suas funções, a responsabilidade de ressarcimento dos
prejuízos porventura suportados pela parte e que foram decorrentes de culpa, caberá ao
246
MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro,
cit., p. 568.
247
GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro, cit., v. 1, p. 158.
126
Estado ou à União, conforme o caso. Apenas no caso de exercício irregular de suas funções
decorrentes de fraude ou dolo (artigo 85 do CPC) é que o próprio membro estará sujeito a
responsabilidade civil, além da penal e correcional. A parte do § 6º do artigo 37 que trata
sobre a responsabilidade por culpa não se aplica aos juízes e membros do Ministério
Público por possuir lei infraconstitucional que protege os princípios constitucionais da
imparcialidade do juiz e da plena independência funcional, sem qualquer tipo de
intimidação na condução regular das suas relevantes funções.
Apenas no caso de o membro do MPT praticar algum ilícito penal, a
responsabilização criminal será do procurador e não do Estado. Como a coisa julgada penal
terá influência sobre o processo de reparação civil, que caberá em primeira análise ao
Estado, este poderá ingressar no processo penal como assistente. É a chamada
responsabilidade objetiva de terceiros, em que a vítima do dano ex delicto pleiteia a
reparação em posterior ação civil. No caso de ato ilícito praticado pelo membro do
parquet, o Estado, apesar de ser considerado terceiro, possui responsabilidade objetiva pela
indenização se o procurador praticou o ato ilícito reconhecido pela sentença penal condenatória
no exercício da sua atribuição institucional (artigo 37, § 6º da CF). O Estado, em razão do
princípio do contraditório e da ampla defesa, poderá questionar a justiça da sentença penal ou
se o ato ilícito foi praticado no exercício regular da atribuição institucional, por ser terceiro
juridicamente prejudicado pela eficácia natural da sentença248.
Por outro lado, se o juiz somente age por provocação, exceto em casos
especificamente previstos na lei que preveem a atuação ex officio, o membro do Ministério
Público deve atuar de ofício, e não esperar ser provocado. E esta obrigação deve ser mais
bem acompanhada pelos órgãos de controle e fiscalização internos do parquet, pois temos
visto que os órgãos têm sido burocráticos e somente agem quando provocados, sem
tomarem medidas proativas, salvo poucas exceções. E as corregedorias devem mudar sua
forma de fiscalização, pois temos visto que elas somente analisam a conduta de seus pares
por quantidade e prazo dos procedimentos ou processos distribuídos, sem ter um controle
da eficiência e do impacto social das atribuições exercidas de ofício. Por outro lado,
havendo mecanismos mais efetivos de participação popular na atuação do Ministério
248
Para aprofundar o tema sobre os efeitos da coisa julgada criminal, remeto o leitor à dissertação de minha
autoria A coisa julgada na ação civil pública trabalhista. 2006. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.
127
Público, ilícitos que hoje não chegam ao conhecimento do parquet, deverão ser
encaminhados com maior frequência. Muitas vezes, os procuradores tomam ciência
informalmente sobre fatos que legitimam uma atuação ministerial ou de conduta ilegal
praticada por empresas do setor, e nada fazem com relação a esses fatos. Por isso,
defendemos um maior controle das corregedorias e da responsabilização por dolo quando
existe também a inércia do procurador ou promotor de justiça na investigação e tutela dos
interesses de sua atribuição. Mas essa mudança de postura dos seus agentes passa
necessariamente por uma reformulação dos critérios objetivos de aferição por merecimento
para que os procuradores ativos sejam premiados em futuras promoções.
E se restar comprovado que o procurador ou promotor de justiça tinha plena
consciência de fatos que ensejariam uma atuação do MP e mesmo assim se omitiu de
forma indevida, ele deverá ser processado pela prática de crime de prevaricação. Este
crime pode ser praticado por funcionário público e consiste na abstenção de praticar,
indevidamente, ato de ofício para satisfazer interesse ou sentimento pessoal249 (artigo 139
do Código Penal). Trata-se de um delito omissivo em que o procurador, no caso, tem o
dever de agir de ofício.
5. Uma releitura do princípio da independência funcional e a supremacia do interesse
público
Vimos que, no exercício de suas funções legais, o membro do Ministério
Público não está subordinado funcionalmente a qualquer outro membro ou órgão, exceto
administrativamente e disciplinarmente, devendo sempre motivar seus atos com base na lei
e nas provas a seu dispor. Por outro lado, o mais importante é que o princípio da
independência funcional é uma proteção para que o Ministério Público, através da atuação
de um de seus integrantes, possa melhor atender às suas funções institucionais a serviço do
povo. Em outras palavras, a independência funcional não visa proteger pessoalmente o
ocupante do cargo, mas atender ao anseio da sociedade, pois essa terá a certeza de que o
Ministério Público não atenderá ao interesse corporativo de qualquer entidade, órgão ou
particular, mas tão somente ao povo. Da mesma forma, o membro do MP não pode, a
249
Para Damásio E. de Jesus, “Interesse pessoal é a vantagem pretendida pelo funcionário, seja moral ou
material. Sentimento diz respeito ao afeto do funcionário para com as pessoas, como simpatia, ódio,
vingança, despeito, dedicação, caridade etc.” (JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte especial. 13. ed.
São Paulo: Saraiva, 2003. v. 4, p. 177).
128
qualquer pretexto, com base na independência funcional, deixar de atender à finalidade de
sua própria existência: a defesa do interesse público primário.
Nunca é demais relembrar que as Instituições Públicas não podem prescindir do
seu escopo fundamental que é o interesse público ou, em outras palavras, é a sua razão de
existir. Héctor Jorge Escola, após defender que de todos os componentes que integram o
ato administrativo o mais importante é a finalidade, com muita propriedade sustenta que a
administração pública não atua com inteira liberdade e nem é ela que elege quais
finalidades se deve executar, pois a Administração deve sempre seguir a lei, conforme os
princípios e as normas de direito público. Entretanto, Escola salienta que a finalidade
última da Administração é a realização do interesse público: “No se debe olvidar que la
administración al actuar lo hace siempre en una situación de deber, pues en todos los casos
tiene que llevar adelante los cometidos que le son asignados, los cuales tienden a satisfacer,
de manera concreta, las exigencias del interés público”250. No mesmo sentido, Celso
Antônio Bandeira de Mello 251, após enfatizar que todo poder emana do povo, leciona que
o agente administrativo tem o dever de dar satisfação ao interesse da coletividade e que o
poder que maneja é colhido na fonte legislativa e só é exercitável para atender “o nosso”
interesse (interesse do povo).
A finalidade, portanto, das Instituições Públicas, inclusive o Ministério Público,
deve estar centrada na supremacia do interesse público e na indisponibilidade do interesse
público. Para Floriano Peixoto de Azevedo Marques, o princípio da supremacia do
interesse público se desdobra em três sub-princípios que sustentam a função
administrativa: 1) o afastamento do atendimento aos interesses particulares, ou, como
exemplifica, “aqueles desprovidos de amplitude coletiva transindividual”; 2) a
obrigatoriedade de ponderação de todos os interesses públicos existentes no caso
específico; e 3) a imprescindibilidade de fundamentar as razões para atendimento de um
interesse público em detrimento dos demais.
Assim, como base nestes sub-princípios, o membro do Ministério Público pode
fundamentar a ressalva do seu posicionamento pessoal na interpretação da lei e a atuar em
determinado caso específico com base na defesa do interesse público expressamente
definido pela coletividade interessada, pois, quando ocorre uma colisão entre princípios
250
251
ESCOLA, Héctor Jorge. Legalidad, eficacia y poder judicial, cit., p. 76.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Grandes temas de direito administrativo, cit., p. 117.
129
como no caso da supremacia do interesse público e da independência funcional, deve ser
aplicado aquele que melhor protege, em cada caso, a dignidade da pessoa humana, “fonte e
razão de ser de todo o universo ético, sem que os demais princípios colidentes sejam, por
isso, eliminados do ordenamento jurídico”252. Da mesma forma, como ressalva Virgílio
Afonso da Silva253, quando ocorre a colisão entre dois princípios deve-se analisar na maior
medida possível diante das condições fáticas e jurídicas existentes, sendo que se naquele
caso concreto prevalece um princípio sobre o outro, pode ser que no outro caso irá ocorrer
o inverso. Nesta linha, o procurador do trabalho, ao analisar o caso concreto, deverá
ponderar entre o interesse público definido pela sociedade e o princípio da independência
funcional na interpretação da lei, e ao optar por um deles (e se necessário),
obrigatoriamente fundamentará as razões que o levaram a decidir desta ou daquela forma
para que sua posição seja revista pela Câmara de Coordenação e Revisão, pelo Judiciário
ou pelas partes interessadas, seja através do arquivamento da investigação, ajuizamento de
medida judicial ou proposta de celebração de termo de ajustamento de conduta.
Por sua vez, com relação ao princípio da indisponibilidade do interesse público,
significa dizer que o agente da Instituição pública não pode renunciar à tutela dos
interesses públicos difusos, ou, nas palavras de Floriano P. de Azevedo Marques Neto, “no
exercício da função administrativa o agente público não pode se esquivar de proteger e
fazer prevalecer os interesses socialmente hipossuficientes”254.
Mais uma vez, plenamente aplicável à atuação ministerial, no sentido de que o
órgão não pode se dispor do interesse público, como, por exemplo, na condenação de
indenização destinada ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), por sentença ou no
termo de ajustamento de conduta. Significa que o procurador, a princípio, não pode
destinar o valor da condenação para outra finalidade a não ser ao FAT, por expressa
previsão legal. Entretanto, se o MP ouvir a sociedade, previamente ou após a condenação,
poderá destinar a indenização para outra finalidade, como, por exemplo, para hospitais ou
entidades sem fins lucrativos que atendem os trabalhadores ou seus familiares. Através de
mecanismos de consulta popular (audiência pública, coleta de opiniões através de blogs ou
252
COMPARATO, Fábio Konder. O Ministério Público na defesa dos direitos econômicos, sociais e
culturais, cit., p. 247.
253
SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo:
Malheiros Ed., 2009. p. 50.
254
MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Regulação estatal e interesses públicos, cit., p. 165.
130
twitter), a sociedade enumera possíveis entidades sem fins lucrativos ou órgãos públicos
que podem receber estas indenizações em espécie ou equipamentos. É a sociedade
prejudicada pela conduta lesiva que irá definir onde poderá melhor ser aplicada a
indenização devida pelo agente causador. Mas, mesmo nestes casos de consulta popular,
até para não haver um desvio de finalidade ou abandono dos interesses públicos, é
imprescindível a edição de regras gerais claras pelo Conselho Superior do Ministério
Público ou pelo Conselho Nacional do Ministério Público, de parâmetros mínimos para se
escolher estas entidades ou órgãos públicos, a par do que já foi objeto de discussão durante
a 10ª Sessão Ordinária no ano de 2008, na votação de projeto de Resolução (Processo
CNMP nº 0.00.000.000199/2006-70), que iria prever a destinação exclusivamente às
entidades sociais e assistenciais, públicas ou privadas, seguindo-se os critérios de
alternância e da prioridade da entidade beneficiada, mas que infelizmente não foi aprovada.
Além destes critérios, a Resolução poderia ainda prever outros, como
proximidade com a parcela da sociedade lesada, relação temática entre a lesão e a
população atingida pelas medidas e o número de pessoas beneficiadas. Entretanto, diante
da não edição de Resolução por parte do CNMP e do CSMPT, a Câmara de Coordenação e
Revisão do Ministério Público do Trabalho, no procedimento PGT/CCR/Nº 8002/2008,
atendendo sugestão por nós apresentada, decidiu orientar ao Colégio de Procuradores que
formem cadastro de possíveis beneficiários a receber verbas decorrentes de multas e
indenizações em termos de ajustamento de condutas ou acordos judiciais celebrados
perante o MPT, sendo que os beneficiários poderão ser escolhidos ou eleitos após a
realização de audiência pública com credenciamento de órgãos e entidades públicas ou
privadas que prestem atendimento de cunho social ou assistencial.
Mais uma vez, com base nas lições de Floriano Peixoto de Azevedo Marques
Neto255 e Odete Medauar256, podemos afirmar que o interesse público possui três papeis
fundamentais para o Ministério Público: instrumento, limite e legitimação do poder.
O interesse público é instrumento de atuação do Ministério Público porque
funciona “como instrumento de efetivação do poder político, pois traduz o caráter absoluto
255
MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Regulação estatal e interesses públicos, cit., p. 77-78.
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 12. ed., rev. atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista
dos Tribunais, 2008. p. 138; O direito administrativo em evolução, cit., p. 185-186.
256
131
e perpétuo da soberania em supremacia do interesse público que molda as prerrogativas da
Administração Pública”257.
O interesse público também tem o papel de limitador da atuação do Ministério
Público, pois se aquele define onde, como e por que da sua atuação, ele vincula sua
atuação estritamente àquelas hipóteses em que existe o interesse público. Impede que o
parquet atue no interesse particular ou onde não existe relevância social.
Por sua vez, o interesse público é um elemento de legitimação do poder, “pois
serve como fundamento (retórico ou efetivo) da existência e da operacionalização do poder
político como um todo e do poder político administrativo em particular”258.
Assim, o papel do interesse público como instrumento e limitador da atuação do
Ministério Público é muito importante para delimitar as hipóteses em que existe a
necessidade de atuação da Instituição, porém, é no último elemento que se legitima o poder
do parquet. Se os membros do Ministério Público não foram eleitos e não possuem a
legitimação popular para o cargo, é através da defesa do “interesse geral da sociedade”259
ou, como está literalmente previsto no artigo 127 da CF, “na defesa dos interesses
individuais e sociais indisponíveis” que ele busca o fundamento do seu poder. Assim, os
poderes atribuídos aos membros do Ministério Público visam sempre ao atendimento do
interesse público. Somente a busca incessante da supremacia absoluta do interesse público
sobre o privado é que irá justificar a atuação do Ministério Público aí incluído, é lógico, o
interesse particular dos promotores ou procuradores do trabalho. Ou, nas palavras de Odete
Medauar, “O interesse público é a meta a ser atingida mediante o ato administrativo.
Elemento típico de ato administrativo, o fim de interesse público vincula a atuação do
agente, impedindo a intenção pessoal”260. Em outras palavras, é o princípio da primazia do
interesse público sobre o particular. O procurador do trabalho, sendo promotor de justiça, é
um órgão de soberania do Estado, e como tal deve ter como norte a vontade popular. Sendo
assim, o membro do MP somente pode exercer sua independência funcional se sua atuação
for ao encontro do interesse público primário definido pelo povo. Caso contrário, estará
257
MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Regulação estatal e interesses públicos, cit., p. 77.
MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Regulação estatal e interesses públicos, cit., p. 78.
259
Odete Medauar recorda que a locução interesse geral é empregada no direito francês com a acepção que no
direito administrativo brasileiro se atribui a interesse público (Direito administrativo moderno, cit., p. 138).
260
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno, cit., p. 138.
258
132
agindo com “desvio de poder”, esse entendido como a utilização de uma competência em
desacordo com a finalidade que lhe preside a Instituição ministerial 261.
Ao sustentar sua atuação no princípio da independência funcional, o membro do
MP deve levar em conta a supremacia do interesse público sobre qualquer outro.
Imprescindível ter sempre em mente que o interesse público deve estar acima do interesse
corporativo do órgão ou, o que é pior, do interesse particular do membro. Como bem
ressalta Fábio Konder Comparato, sacrificar o bem comum do povo ao interesse
corporativo do órgão, ou preteri-lo a serviço de uma posição político-partidária, constitui a
pior forma de criminalidade que possa ser praticada pelos integrantes do Ministério
Público262. Ou, como sustenta Celso Antônio Bandeira de Mello, o princípio da supremacia
do interesse público sobre o de outro particular é princípio geral de direito inerente a
qualquer sociedade, “é a própria condição de sua existência”, sendo que “por exercerem
função, os sujeitos de Administração Pública têm que buscar o atendimento do interesse
alheio, qual seja, o da coletividade, e não o interesse de seu próprio organismo, qua tale
considerado e muito menos o dos agentes estatais”263. E complementa o autor, em outro
estudo de sua autoria264, que nestes casos haverá desvio de poder, inclusive quando o
agente atua com uma falsa concepção do interesse público, pois estará praticando atos que
visam objetivos não coincidentes com a vontade popular.
Desta forma, aquele procurador, que sustenta sua posição no princípio da
independência funcional, estará agindo com desvio de poder (por omissão) se deixar de
atender ao verdadeiro interesse da coletividade: “o agente administrativo pode decidir
abster-se de praticar um ato que deveria expedir para correto atendimento do interesse
público animado por intuitos de perseguição, favoritismo ou, de todo modo, objetivando
finalidade alheia à da regra de competência que o habilitava”265.
Por isso, a Corregedoria-Geral do Ministério Público do Trabalho deve
fiscalizar aqueles casos em que procuradores deixam de atender ao interesse público
261
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Grandes temas de Direito Administrativo, cit., p. 120.
COMPARATO, Fábio Konder. O Ministério Público na defesa dos direitos econômicos, sociais e
culturais, cit., p. 255.
263
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 6. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:
Malheiros Ed., 1995. p. 44 e 47.
264
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Grandes temas de Direito Administrativo, cit., p. 128-129.
265
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Grandes temas de Direito Administrativo, cit., p. 134.
262
133
definido pela sociedade, sob o falso argumento da independência funcional, quando, na
verdade, almejam evitar o cumprimento de suas atribuições. Entretanto, como ressaltado
pelo professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, não é fácil comprovar o
vício de desvio de poder, principalmente quando o agente procede com insídia, por estar
animado dos intuitos de perseguição ou favoritismo, e cercando-se de pretensas
justificativas para não executar suas atribuições266.
6. A vinculação do MPT com o interesse público definido pela sociedade: a defesa da
democracia direta
A atuação do Ministério Público contemporâneo está intimamente ligada às
dimensões dos direitos fundamentais, que seguiram os ideais da Revolução Francesa
(1789): liberdade, igualdade e fraternidade. Resumidamente, os direitos fundamentais de
primeira dimensão (ou geração267) foram os primeiros a serem reconhecidos por uma
Constituição, que tem a finalidade de proteger o cidadão do arbítrio do Estado. São
formados pelos direitos civis e políticos, como, por exemplo, o direito à vida, à intimidade,
à propriedade, etc. (direitos subjetivos públicos puros). Os direitos de primeira dimensão
requerem uma posição de abstenção do Estado, por entender que todos são iguais perante a
lei e devem pleitear os seus direitos individualmente, isto é, privilegia a liberdade negativa
típica do Estado Liberal. Por outro lado, o atual Ministério Público defende a liberdade
individual, a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão, a liberdade de ação, a
liberdade de reunião e a liberdade de associação.
Já os direitos fundamentais de segunda dimensão se preocupam com as
necessidades básicas do cidadão como ser humano integrante de uma sociedade, isto é, “a
satisfação das necessidades mínimas para que se tenha dignidade e sentido na vida
266
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Grandes temas de direito administrativo, cit., p. 134-135.
Alguns autores, como Paulo Bonavides, preferem o termo dimensão ao invés de geração: “o vocábulo
‘dimensão’ substitui, com vantagem lógica e qualitativa, o termo ‘geração’, caso este último venha a
induzir apenas sucessão cronológica e, portanto, suposta caducidade dos direitos das gerações antecedentes,
o que não é verdade. Ao contrário, os direitos da primeira geração, direitos individuais, os da segunda,
direitos sociais, e os da terceira, direitos ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à paz e à fraternidade,
permanecem eficazes, são infra-estruturais, formam a pirâmide cujo ápice é o direito à democracia”
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros Ed., 2006. p. 571-572).
Deve-se entender que essa classificação dos direitos fundamentais se acumula e não elimina os direitos
previstos na geração anterior.
267
134
humana”
268
. Ao contrário dos direitos fundamentais de primeira geração, requerem uma
posição ativa do Estado para fornecer condições necessárias mínimas ao ser humano para
viver com dignidade e igualdade269. Nestes casos, requer-se uma posição ativa do
Ministério Público na defesa da igualdade entre todos e da não discriminação.
Por sua vez, os direitos fundamentais de terceira dimensão se preocupam não
apenas com o indivíduo isoladamente ou integrante de uma coletividade determinada, mas
com o ser humano participante de toda a humanidade. Isto é, a relação do ser humano com
o próximo, “o direito à paz no mundo, ao desenvolvimento econômico dos países, à
preservação do ambiente, do patrimônio comum da humanidade e à comunicação integram
o rol desses novos direitos”
270
, também denominados de direitos da fraternidade. Nesta
dimensão estão incluídos os direitos transindividuais, caracterizados pelos direitos de
solidariedade frente aos novos interesses sociais271, os quais, como tratado no capítulo II,
são tuteláveis pelo Ministério Público.
Fábio Konder Comparato272 aponta os ideais da Revolução Francesa e,
consequentemente, estas três gerações de direitos fundamentais como “os grandes valores
da vida social” porque nada mais são do que um reflexo da dignidade humana. Por sua vez,
J.J. Gomes Canotilho leciona que, além da soberania popular, outra esfera constitutiva da
República Portuguesa é a dignidade da pessoa humana, que, como tal, significa que o
Estado deve servir ao indivíduo integrante da sociedade273. Da mesma forma, se a
dignidade da pessoa humana é fundamento da República brasileira, e se cabe ao MP a
defesa da ordem jurídica, logicamente é dever do parquet tutelar a liberdade, a igualdade e
a solidariedade (direitos fundamentais).
E atualmente, como aponta Paulo Bonavides, existem os direitos de quarta
geração (ou dimensão): o direito à democracia, à informação e ao pluralismo. Direitos
estes que devem ser tutelados também pelo Ministério Público, pois é sua missão
268
ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional, cit., p. 86.
FERRARESI, Eurico. Ação popular, ação civil pública e mandado de segurança coletivo: instrumentos
processuais coletivos. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 46.
270
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Malheiros Ed., 1994. p. 523.
271
FERRARESI, Eurico. Ação popular, ação civil pública e mandado de segurança coletivo: instrumentos
processuais coletivos, cit., p. 46.
272
COMPARATO, Fábio Konder. O Ministério Público na defesa dos direitos econômicos, sociais e
culturais, cit., p. 247.
273
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição, cit., p. 224-225.
269
135
institucional a defesa do regime democrático e a defesa integral dos direitos fundamentais
(constituídos pelos interesses sociais e individuais indisponíveis). Segundo magistério de
J.J. Gomes Canotilho, os direitos fundamentais, como elemento constitutivo do estado de
direito, “são um elemento básico para a realização do princípio democrático”, ou como
também prefere, “os direitos fundamentais têm uma função democrática”274.
Mas hoje em dia a democracia direta somente é possível, como bem ressalta
Paulo Bonavides, com a globalização política, aliada aos avanços da tecnologia de
comunicação:
A globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os
direitos da quarta geração, que, aliás, correspondem à derradeira fase de
institucionalização do Estado social.
São direitos da quarta geração o direito à democracia, o direito à
informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da
sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade,
para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de
convivência.
A democracia positivada enquanto direito da quarta geração há de ser, de
necessidade, uma democracia direta. Materialmente possível graças aos
avanços da tecnologia de comunicação, e legitimamente sustentável
graças à informação correta e às aberturas pluralistas do sistema. Desse
modo, há de ser também uma democracia isenta já das contaminações da
mídia manipuladora, já do hermetismo de exclusão, de índole autocrática
e unitarista, familiar aos monopólios do poder.275
No mesmo sentido, Roberto Amaral prenuncia que a democracia do 3º milênio
será universal, pois todos poderão participar ativa e diretamente, em razão dos avanços
tecnológicos que permitem a consulta imediata, constante e permanente. Com estes novos
instrumentos de participação popular, o autor prevê a dispensa da representação e da
delegação da soberania popular; além de impedir a interveniência do poder econômico ou a
manipulação dos meios de comunicação de massa276. Temos visto ultimamente (para não
dizer há séculos), que a falta de um vínculo permanente entre o povo e seus representantes
(seja o Estado ou os sindicatos) tem gerado um distanciamento entre a vontade destes com
274
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição, cit., p. 288.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, cit., p. 571.
276
AMARAL, Roberto. A democracia representativa está morta; Viva a democracia participativa! In: GRAU,
Eros Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago (Orgs.). Direito constitucional: estudos em homenagem a
Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros Ed., 2001. p. 49.
275
136
os anseios da sociedade277. A ausência de instrumentos eficazes de consulta para definição
e execução da vontade popular acaba por divorciar cada vez mais a representação. Mas
como adverte Norberto Bobbio, após ressaltar que só o direito pode limitar o poder, “O
Estado despótico é o tipo ideal de Estado de quem se coloca do ponto de vista do poder; no
extremo oposto encontra-se o Estado democrático, que é o tipo ideal de Estado de quem se
coloca do ponto de vista do direito”. Por outro lado, não podemos ser hipócritas em não
reconhecer que o ideal de democracia está muito distante da democracia real, porém, é
necessário almejar metas a serem conquistadas.
Não sou tão otimista como Roberto Amaral, porém, entendo que os novos
instrumentos de comunicação e participação popular irão permitir uma maior interferência
do cidadão na atuação do Estado, inclusive no Ministério Público, e um obstáculo (não
intransponível) à interferência do poder econômico e concentração da fonte de informação.
Partilhamos do entendimento que, através da globalização política, é possível que o MP
resolva a crise de legitimidade pela qual passa e o conflito existente entre seus objetos
tutelados com as outras entidades, instituições e com a sociedade. E o Ministério Público
não deve apenas defender a democracia interna existente entre seus membros para definir
as metas prioritárias de atuação, planejamento estratégico ou escolha dos seus dirigentes
(lista tríplice para escolha do Procurador-Geral do Trabalho e eleição do procuradorchefe), mas a democracia em todas as parcelas e entidades da sociedade, inclusive na
defesa da democracia interna dos sindicatos. É o que Norberto Bobbio278 defende como
“democracia social”, em que o indivíduo não participa apenas na esfera política, mas
também na esfera social. Este é um dos direitos da quarta dimensão em que o MPT deve
centralizar esforços, pois afinal de contas a soberania popular é um dos fundamentos da
República Federativa do Brasil. Não existe democracia sem participação do cidadão, pois a
soberania popular é a expressão da vontade popular, produzida por representação ou
diretamente. Como vimos nos capítulos anteriores, a democracia somente será concretizada
se o cidadão participar ativamente e sem entraves na construção e definição da vontade do
Estado e do Ministério Público. Posição, no particular, também compartilhada por Roberto
Amaral, quando afirma que “o regime será tanto mais democrático quanto tenha
desobstruído canais, obstáculos, óbices, à livre e direta manifestação da vontade do
277
278
TELLES JÚNIOR, Goffredo. O povo e o poder: o conselho do planejamento nacional, cit., p. 112.
BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política, cit., p. 155-156.
137
cidadão”279 ou, como sustenta Norberto Bobbio280, quando afirma que o principal
indicador do desenvolvimento democrático de um país não é mais o número de pessoas
que têm o direito de votar, mas o número de instâncias diversas daquelas tradicionalmente
políticas nas quais se exerce o direito de voto.
Ora, cria-se uma segurança jurídica a todos os órgãos, cidadãos, entidades e
empresas, ao saberem de antemão o interesse público definido pela sociedade e que deve
ser tutelada pelo MPT. Da mesma forma, a definição prévia ou balizas mínimas do
interesse público ajudam a sistematizar e a organizar o funcionamento do próprio
Ministério Público do Trabalho.
E essa definição prévia do interesse público definido pela sociedade, se bem
aplicada, não engessa a atuação da Instituição e nem ofende o princípio da independência
funcional do membro do MPT, pois da mesma forma que ele deve atuar no estrito
cumprimento da lei, deve acima de tudo atuar no estrito cumprimento do interesse público
definido pelo próprio cidadão. O órgão do Ministério Público, como defensor do regime
democrático e ordem jurídica, sem dúvida deve respeitar a lei, porém, como defende José
Afonso da Silva, Estado Democrático de Direito
significa dizer: a lei não deve ficar numa esfera puramente normativa,
não pode ser apenas lei de arbitragem, pois precisa influir na realidade
social. E se a Constituição se abre para as transformações políticas,
econômicas e sociais que a sociedade brasileira requer, a lei se elevará de
importância, na medida em que, sendo fundamental expressão do direito
positivo, caracteriza-se como desdobramento necessário do conteúdo da
Constituição e aí exerce função transformadora da sociedade, impondo
mudanças sociais democráticas, ainda que possa continuar a desempenhar
uma função conservadora, garantindo a sobrevivência de valores
socialmente aceitos.
Assim, se o procurador entender que não existe fundamento para atuar naquele
caso concreto, sua decisão será necessariamente reavaliada pela Câmara de Coordenação e
Revisão, atribuição delegada pelo Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho. A
atuação do parquet deve ser disciplinada pelo interesse popular, inclusive porque gera uma
segurança à sociedade. Como aponta Luis Roberto Proença,
279
280
AMARAL, Roberto. A democracia representativa está morta; Viva a democracia participativa!, cit., p. 48.
BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política, cit., p. 157.
138
Uma Instituição que funcione de forma fragmentária e desarticulada
deixa de aproveitar o seu potencial de organização; deixa de colher as
vantagens daquilo que já se denominou de ‘litigante habitual’, isto é, de
uma organização que acumule conhecimentos e experiências na defesa de
determinados interesses, articulando seus recursos de forma profícua e
ordenada. Neste sentido, é benéfico aos interesses da sociedade que cada
um dos membros do Ministério Público atue afinado com os objetivos
fundamentais da Instituição, a fim de que a atuação desta resulte em
alterações perceptíveis da realidade social 281.
Por outro lado, esta regra deve ser aplicada no caso concreto, como, por
exemplo, verificar se no procedimento investigatório em que atua está presente aquele
interesse público definido pela sociedade. Assim, se a sociedade entender que o Ministério
Público do Trabalho deve atuar nos casos de trabalho escravo, o membro do MPT, ao
investigar uma fazenda, irá apurar se aqueles trabalhadores possuem liberdade de ir e vir;
ele não poderá deixar de atuar por entender que não há relevância social, pois a própria
sociedade, através de mecanismos de consulta popular que veremos a seguir, assim definiu
a sua relevância. Da mesma forma, não é o procurador do trabalho ou a Câmara de
Coordenação e Revisão do MPT quem irá definir a partir de quantos lesados há relevância
social, mas a sociedade é quem definirá as matérias, números de pessoas atingidas ou
segmento econômico que enseja uma atuação do Ministério Público do Trabalho.
Conclui-se, portanto, que a partir do momento em que o interesse público é
definido pela sociedade, o membro do MPT não tem o poder de decidir se atuará ou não
naquele caso concreto; apenas tem a faculdade na escolha dos meios a efetivar o interesse
público e sempre fundamentar sua decisão, pois, como defende o jurista italiano Roberto
Scarciglia, a motivação dos atos dos poderes públicos está vinculada ao controle social:
L’affermarsi del principio della motivazione degli atti dei pubblici poteri
rendeva, infatti, possibile da parte dei cittadini un controllo sulla attivita
dell’amministrazione, tenuto fossero inefficaci a garantire la pubblicità
dei suoi atti. Oggi si potrebbe considerare che ove gli atti non
sufficientemente motivati, sarebbero, forse, gli strumenti di conoscenza,
che il legislatore mette a disposizione del cittadino. È inutile, infatti,
conoscere un documento in mano pubblica, ove, poi, non venisse
consentito a coloro che debbano tutelare proprie posizioni soggettive di
comprendere se la scelta dell’amministrazione sia ragionevole o in che
misura si sia pervenuti a una certa decisione amministrativa o ad una
281
PROENÇA, Luis Roberto. Inquérito civil: atuação investigativa do Ministério Público a serviço da
ampliação do acesso à justiça, cit., p. 153-154.
139
ponderazione, che privilegia un interesse, un valore, rispetto ad un
altro.282
7. Os novos instrumentos tecnológicos para a ampliação da participação popular na
definição do interesse público
Entretanto, hoje em dia, em que encontramos a sociedade cada vez mais
fragmentada, com pluralismo de ideologias e surgimento de movimentos sociais, tais como
sindicatos, associações de moradores, associações de defesa dos consumidores,
organizações não governamentais e outros corpos intermediários, além da crescente
separação entre o interesse do Estado e da sociedade, fica mais claro ainda a importância
dos instrumentos de participação popular para definir o interesse público a ser tutelado
pelo Ministério Público e pelo Estado, diante da heterogeneidade da sociedade.
O Estado, pressionado pela sociedade como um todo, e através dos grupos
socialmente organizados, tem encontrado dificuldades para atender às demandas sociais
cada vez maiores. Os recursos são limitados e os anseios sociais ilimitados, fazendo com
que o Estado priorize as demandas sociais mais urgentes, pois, como aponta Floriano
Peixoto de Azevedo Marques Neto
283
, a pressão pelo atendimento das demandas sociais
pelos indivíduos cada vez mais organizados tende a se ampliar e fortalecer, o que se agrava
ainda mais em razão da escassez de recursos: a) as demandas são crescentes, em face do
contínuo aumento das expectativas sociais; b) gradualmente mais complexas e
contraditórias; e c) existe a impotência do Estado em responder às demandas sociais, quer
por exiguidade de recursos, quer por inadequação dos procedimentos utilizados. E diante
do fato de a demanda social ser maior que a possibilidade de atendimento pelo Estado,
ninguém melhor que a sociedade para priorizar os interesses a serem contemplados.
Mais uma vez, como já por diversas vezes tratado, os institutos de participação
popular assumem papel imprescindível, não apenas na fase de execução, mas na fase
decisória do ato administrativo. O cidadão delibera ou determina como a administração
pública deve atuar, mas mesmo assim não substitui a administração pública. Existe, como
282
SCARCIGLIA, Roberto. La motivazione dell’atto amministrativo: profili ricostruttivi e analisi
comparatistica. Milano: Giuffrè, 1999. p. 50.
283
MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Regulação estatal e interesses públicos, cit., p. 117.
140
assevera Marcos Augusto Perez, “uma estruturação aberta do processo de construção da
decisão administrativa, de modo a possibilitar ao cidadão exercitar, como que em
devolução, os poderes que ele próprio delegou constitucionalmente à Administração”284. É
a retomada da democracia direta.
Mas como que a sociedade, cada vez maior e mais heterogênea, pode exercer a
sua soberania, sem precisar se socorrer de seus representantes e melhor exercer a
democracia direta? Através de instrumentos de participação popular direta, como os
definidos na Constituição Federal: plebiscito, referendo, iniciativa popular de projeto de lei
e outros.
Contudo, além destes e em que pese haver, em alguns casos, necessidade de
regulamentação da participação popular (estatuto da cidade, proposta de lei de iniciativa
popular, participação dos trabalhadores na gestão e lucros da empresa, orçamento
participativo, entre outros), partilhamos do entendimento de que existe a aplicabilidade
direta e imediata do princípio da democracia, em seu núcleo essencial285, não havendo
necessidade de previsão constitucional de formas de participação direta na atuação e
definição de interesse público a ser tutelado pela Administração Pública, e,
consequentemente, pelo Ministério Público.
Mas não basta afirmar que no regime democrático defendido pelo MPT e na
definição do interesse público deve haver a participação cidadã, mas de que forma esta
participação é efetivamente realizada, nesta entendida a liberdade e mecanismos préestabelecidos e abertos a todos aqueles legitimados a participar (categoria de trabalhadores,
residentes em determinada cidade, etc.). Democracia entendida como “a forma de governo
na qual o número mais amplo possível de indivíduos adultos da coletividade (os cidadãos)
participa livremente na tomada de decisões coletivas por meio de procedimentos préestabelecidos como a regra da maioria”286. E os instrumentos de participação popular, que
também podemos denominar de canais de comunicação da sociedade, são capazes de
estimular a participação dos cidadãos e a incrementar uma cultura democrática,
284
PEREZ, Marcos Augusto. Institutos de participação popular na administração pública, cit., p. 118.
FREITAS, Juarez. A democracia como princípio jurídico, cit., p. 195-196.
286
UGARTE, Pedro Salazar. Que participação para qual democracia? In: COELHO, Vera Schattan P.;
NOBRE, Marcos (Orgs.). Participação e deliberação: teoria democrática e experiências institucionais no
Brasil contemporâneo. São Paulo: Ed. 34, 2004. p. 96.
285
141
incentivando a troca de ideias e informações entre representantes e representados, entre o
cidadão e as Instituições que defendem o interesse público.
Mas para a democracia participativa é imprescindível que: a) para a tomada de
decisão devem participar todos (ou serem todos convidados) os potenciais destinatários das
decisões ou, na impossibilidade da participação de algum membro, o seu representante; b)
a tomada de decisão deve ser o resultado de um intercâmbio de argumentos entre os
participantes que, durante a discussão, devem respeitar os critérios de imparcialidade e de
racionalidade287.
Conclui-se,
portanto,
que a
sociedade deve passar por um
amadurecimento político, no sentido de melhorar os mecanismos de comunicação,
informação e educação, para possibilitar a participação do maior número possível de
pessoas informadas.
Somente com a educação do povo e com os avanços tecnológicos será possível
um maior intercâmbio de ideias e informações entre as pessoas, fazendo com que parcela
cada vez maior da sociedade possa efetivamente participar das decisões e fiscalização dos
atos das Instituições Públicas, pois, como adverte Pedro Salazar Ugarte,
a capacidade da democracia para produzir verdades morais (decisões
justas e corretas) depende da participação ativa e refletida dos cidadãos
durante o processo deliberativo e na tomada das decisões. A participação
é a fonte de legitimidade e de justificação moral da democracia e, por isso
mesmo, representa o valor político de maior grau288.
Por isso, podemos concluir que, quanto maior a participação, melhor a
democracia; seja a participação popular para a democracia do estado, como a participação
interna do MPT, que reforça a democracia institucional. É colocar as novas ferramentas de
comunicação contemporânea a serviço da democracia direta, como defende Pierre Lévy: “o
uso socialmente mais rico da informática comunicacional consiste, sem dúvida, em
fornecer aos grupos humanos os meios de reunir suas forças mentais para constituir
coletivos inteligentes e dar vida a uma democracia em tempo real”289.
E os novos avanços tecnológicos realizam uma transformação nos principais
instrumentos de participação política que estão ao alcance do Ministério Público e que
287
UGARTE, Pedro Salazar. Que participação para qual democracia?, cit., p. 98.
UGARTE, Pedro Salazar. Que participação para qual democracia?, cit., p. 98-99.
289
LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. Tradução Luiz Paulo
Rouanet. São Paulo: Edições Loyola, 1998. p. 62.
288
142
permitem a definição do interesse público: a audiência pública e o debate e pesquisa de
opinião pública.
Audiência pública
Com relação a audiência pública, não existe nenhuma norma que obrigue a sua
realização pelo Ministério Público, ao contrário da previsão constitucional prevista no
artigo 58, § 2º, e de normas infraconstitucionais que obriguem a realização de audiências
públicas, como nos casos das licitações e contratos (Lei nº 8.666/1993), responsabilidade
fiscal (Lei Complementar nº 101/2000) e o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2000).
Por sua vez, podemos conceituar audiência pública como um instituto de
participação popular à disposição do Ministério Público, que consiste em uma sessão
pública aberta a todos os interessados, podendo ser convocados ou convidados a participar
sobre tema anteriormente definido. Podemos também definir audiência pública como
instrumento de aperfeiçoamento da legitimidade290 e de gestão democrática, por meio da
participação do cidadão e de associações representativas dos vários segmentos da
sociedade na formulação, execução e fiscalização periódica das atribuições do Ministério
Público. A audiência pública tem finalidade de mão dupla: o Ministério Público passa
dados e informações; e o cidadão transmite opiniões, dados e informações para a atuação
do parquet. A audiência pública está vinculada ao princípio pelo qual toda pessoa tem o
direito de ser ouvida sobre matéria na qual esteja em jogo seu interesse291. Verifica-se,
assim, que a audiência pública é um instrumento imprescindível do regime democrático,
pois proporciona “o aperfeiçoamento da legitimidade das decisões da Administração
Pública, decorrente da exposição de tendências, preferências e opções, por parte da
população, que devem conduzir as decisões e a atuação do Poder Público a uma maior
aceitação social”292, em outras palavras, o cidadão toma parte da decisão sobre a coisa
pública ao ter voz e voto durante a audiência pública promovida pelo Ministério Público.
Sobre este último aspecto, é bom frisar que todos os participantes devem ter
pleno conhecimento sobre o tema que será tratado na audiência pública, mesmo que de
290
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito administrativo, cit., p. 205.
FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Participação democrática: audiências públicas, cit., p. 343.
292
FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Participação democrática: audiências públicas, cit., p. 343.
291
143
forma genérica, como, por exemplo, ouvir os presentes sobre a importância do combate ao
trabalho escravo. A divulgação do tema, além de possibilitar que os participantes possam
estudar o assunto com antecedência a fim de se prepararem para realizar as intervenções,
está ligada ao princípio da publicidade que rege a administração pública e o direito da
ampla defesa. Por sua vez, mesmo que não existam procedimentos estipulados por lei,
entendo que a audiência pública deve ter regras previamente divulgadas, a fim de
possibilitar a participação de todos os presentes, tais como possibilidade de formulação de
perguntas, tempo de exposição de cada expositor e se será extraído algum documento ou
celebração de termo de ajustamento de conduta.
A audiência pública deve ser presidida por um membro do MP, que deve
instalar a sessão e encerrá-la, dar a palavra aos interessados e conduzir a audiência nos
termos das regras anteriormente previstas, mesmo que algumas definidas no início da
sessão pública. Esta autoridade, como defende Marcos Augusto Perez, deve respeitar três
princípios básicos: abertura, lealdade e imparcialidade, assim entendidas:
A autoridade deve estar aberta à opinião popular e, por outro lado, abrirse aos participantes, dando-lhes todas as informações necessárias,
sanando todas as suas dúvidas; deve ser leal, preservando as regras do
debate, possibilitando a ampla participação de todos e deve, por fim, ser
imparcial, isto é, deve se portar como o magistrado se portaria no
processo judicial, possibilitando que os debatedores contendam com
igualdade de armas.
A audiência pública pode ser realizada com a presença física das pessoas no
mesmo ambiente ou através das teleconferências, e serve para transmissão de informações
à sociedade sobre temas relevantes e que possam auxiliar o cidadão na definição do
interesse público.
Mas ao lado das audiências públicas, que possuem caráter apenas opinativo e
não vinculante, nada impede que ela seja marcada e estipulado que as decisões nela
tomadas, pela maioria, serão acatadas pelo Ministério Público. Como exemplo, pode-se
realizar audiências públicas para definição de instituições beneficentes ou órgãos públicos
que receberão verbas ou equipamentos provenientes de indenizações ou multas originadas
pelo descumprimento de termos de ajustamento de condutas ou de sentenças transitadas em
julgado em sede de ações civis públicas; escolha de municípios e regiões que irão abrigar
144
Procuradorias do Trabalho em Municípios; princípios e regras para definição da relevância
social ou interesse público nas matérias de atuação do parquet trabalhista, etc.
Assim, além das audiências públicas convocadas para melhor instruir
procedimentos investigatórios ou colher dados e opiniões dos
interessados, existem as audiências públicas vinculativas, em que o
Ministério Público fica vinculado ao decidido nestas audiências públicas.
Estas servem para estimular a participação da sociedade na tomada das
decisões do Ministério Público do Trabalho.
Debate e pesquisa de opinião pública
Sobre os institutos da coleta de opinião (pesquisa de opinião pública), debate
público e audiência pública, Diogo de Figueiredo Moreira Neto definiu cada um de forma
muito didática. Sobre coleta de opinião ou pesquisa de opinião pública, definiu como um
processo de participação aberto a grupos sociais determinados, identificados por certos
interesses coletivos ou difusos, pelo qual os participantes exercem o direito de manifestar
sua opção, orientadora ou vinculativa, com vistas à melhor decisão do Poder Público. Com
relação ao debate público, conceituou como um processo de participação aberto a
indivíduos e grupos sociais determinados, pelo qual o cidadão tem o direito de confrontar
suas opiniões, razões e opções com os outros participantes, inclusive membros integrantes
do Poder Público, com o objetivo de contribuir para a melhor decisão administrativa293.
Por sua vez, conceituou audiência pública como um instrumento administrativo de
participação aberto a indivíduos e a grupos sociais determinados, visando ao
aperfeiçoamento da legitimidade das decisões da Administração Pública, pela qual os
cidadãos exercem o direito de expor tendências, preferências e opções que possam
conduzir o Poder Público a decisões de maior aceitação consensual294.
E a pesquisa de opinião pública é uma realidade no MP, como demonstra a
pesquisa que a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP
encomendou ao IBOPE e que foi realizada em fevereiro de 2004, para avaliar a imagem do
MP junto à população e definir quais as prioridades de atuação. A pesquisa concluiu que o
Ministério Público é a quarta instituição com maior credibilidade (58%), superada apenas
293
294
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito administrativo, cit., p. 213.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito administrativo, cit., p. 204.
145
pela Igreja Católica (74%), Forças Armadas (73%) e Imprensa (72%), que ficaram
tecnicamente empatadas em primeiro lugar.
Entretanto, estas pesquisas de opinião pública tradicionais não permitem o
aprofundamento das ideias e a interação dos entrevistados, pois, em regra, o consultado
apenas deve responder a questões simplistas postas pelos formuladores dos questionários,
quando não, na maioria das vezes, a “sim”, “não” ou “nenhuma das alternativas
anteriores”.
Daí a importância de introduzir os debates nas pesquisas de opinião pública, de
forma que o entrevistado possa contribuir na elaboração, aperfeiçoamento e nas ideias
discutidas. Assim, através do debate popular e da pesquisa de opinião pública, o Ministério
Público do Trabalho pode conhecer melhor a sociedade, seus anseios e suas necessidades
para melhor desempenhar suas atribuições. E estes instrumentos fazem parte da
democracia, pois como enfatiza Regina Maria Macedo Nery Ferrari,
em uma Democracia é necessário que a opinião da maioria seja o
resultado de uma ampla discussão da qual a minoria também participe, na
medida em que nada mais é do que uma técnica para a tomada de
decisões, com vista ao interesse geral, e é por isto que a formação da
opinião pública deve ser garantida pelo respeito à liberdade295.
Conclui-se, assim, que o mais relevante não é quem tutela o interesse público
(Estado, Ministério Público, Organização Não Governamental, Sindicato, etc.), mas o
instrumento através do qual se chega à definição do interesse público, pois os agentes
sempre devem estar a serviço dos verdadeiros detentores do poder, os cidadãos.
Por sua vez, os instrumentos de participação política são importantes, mas não
basta existir a sua previsão, é fundamental a motivação para a efetiva participação, que
somente irá ocorrer com o amadurecimento da sociedade. A existência de grupos
influencia a participação, o indivíduo se sente fortalecido e um dá força ao outro. É o
elemento psicológico da existência em sociedade. Como ressalta Diogo de Figueiredo
Moreira Neto,
295
FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Participação democrática: audiências públicas, cit., p. 326.
146
se o homem não se interessa pela política (atitude apática), se não quer
dela participar (atitude abúlica) ou se não se sente com condições de
poder fazê-lo (atitude acrática), a democracia fica irremediavelmente
sacrificada. De nada valem estarem admitidos e abertos os canais
institucionais de participação, pois, nesses casos, como tão bem advertiu
HAROLD D. LASSWELL, ‘a falta de interesse no poder abandona a
296
sociedade aos exploradores egocêntricos da fragilidade humana’ .
Logo, imprescindível a real participação do cidadão na definição do interesse
público através de mecanismos idôneos, e o consequente acompanhamento na
implementação e fiscalização da sua aplicação.
COMUNICAÇÃO EM REDE: as novas tecnologias da informação e comunicação
Os debates públicos e as pesquisas de opinião pública encontraram um
importante aliado que surgiu com a revolução da tecnologia da informação e da “sociedade
em rede”297: a “comunicação em rede”.
Entendemos que a “comunicação em rede” é a forma mais democrática e
moderna de participação popular, pois privilegia os dois princípios fundamentais
democráticos (o da soberania popular e a participação do povo no poder) e os dois valores
da democracia (a liberdade e a igualdade)298. A comunicação em rede é uma arquitetura de
rede que não é controlada por ninguém e nem por qualquer entidade, onde não existe a
concentração do poder de informação; as pessoas opinam e votam livremente, segundo sua
livre consciência; a comunicação em rede, na nossa visão, é uma forma de organização e
intervenção descentralizada de pessoas integradas em rede pela internet. Como Manuel
Castells aponta, “as novas tecnologias da informação estão integrando o mundo em redes
globais de instrumentalidade”299, sendo que este tipo de comunicação pode ser composto
por milhares de pessoas autônomas e com inúmeras maneiras de conexão.
296
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito da participação política: legislativa, administrativa,
judicial: fundamentos e técnicas constitucionais da legitimidade, cit., p. 11.
297
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. A era da informação: economia, sociedade e cultura. 11. ed.
Tradução Roneide Venâncio Majer: São Paulo: Paz e Terra, 2008. v. 1.
298
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, cit., p. 133-136.
299
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. A era da informação: economia, sociedade e cultura, cit., p.
57.
147
Em outras palavras, é uma rede de comunicação horizontal e pode ser
operacionalizada através da internet, celular, postos eletrônicos ou TV digital, seja através
de mensagens eletrônicas (e-mail), votação eletrônica, blogs ou twitter. A comunicação em
rede é típica da “sociedade em rede” em que vivemos, entendida esta, como descreve
Manuel Castells, motivada pela revolução da tecnologia de informação, globalizada, e uma
“virtualidade real construída a partir de um sistema de mídia onipresente, interligado e
altamente diversificado”, “que penetra em todos os níveis da sociedade” e que “está sendo
difundida em todo o mundo, do mesmo modo que o capitalismo industrial e seu inimigo
univitelino, o estatismo industrial, foram disseminados no século XX”300. A comunicação
em rede viabiliza o acesso livre à informação plúrima, estimula o debate e facilita a
participação do cidadão.
Afinal de contas, cada vez mais temos a plena convicção de que mídia
eletrônica a serviço do povo é um dos mais importantes instrumentos de exercício do poder
soberano (artigo 1º, parágrafo único da CF), pois é possível através dela obter informações
das mais variadas fontes, formar sua própria convicção, definir políticas públicas e
fiscalizar os seus representantes. Segundo Manuel Castells, ao analisar os resultados de
pesquisas realizadas nos Estados Unidos da América, o controle popular é muito mais
eficiente com a mídia eletrônica: “e porque o governo depende de reeleições, ou eleições
para um posto mais elevado, o próprio governo fica também dependente da avaliação
diária do impacto potencial de suas decisões sobre a opinião pública, mensurado por meio
de pesquisas de opinião, grupos de teste e análises de imagem”301. E esse debate público,
associado à participação de inúmeros cidadãos que disponibilizam o seu conhecimento,
gera, o que Pierre Lévy denomina, a inteligência coletiva: “Ninguém sabe tudo, todos
sabem alguma coisa, todo o saber está na humanidade. Não existe nenhum reservatório de
conhecimento transcendente, e o saber não é nada além do que o que as pessoas sabem”302.
Isto é, cada participante colabora com seu conhecimento, por menor que seja, sobre
determinada matéria, possibilitando transmitir o conhecimento humano de uma forma
300
CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. 5. ed. Tradução Klauss Brandini Gerhardt. São Paulo: Paz e
Terra, 2006. v. 2, p. 17. (Série A era da informação: economia, sociedade e cultura).
301
CASTELLS, Manuel. O poder da identidade, cit., p. 370.
302
LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço, cit., p. 29.
148
extraordinariamente rápida e a ampliar suas potencialidades de maneira recíproca, como
ocorre hoje com a Wikipedia ou com o Meme303.
E esta comunicação em rede está em plena consonância com o artigo 220 da
Constituição Federal, que garante toda e qualquer manifestação do pensamento, da criação,
da expressão e informação, sob qualquer forma, processo ou veículo de comunicação,
desde que, lógico, respeitada a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, CF), a não
discriminação (artigo 3º, IV, CF) e os direitos e garantias fundamentais (artigo 5º). Da
mesma forma, o parágrafo 1º do artigo 220 proíbe qualquer restrição ao direito de informação,
e o seu parágrafo 2º veda qualquer tipo de censura ideológica, política e artística, elevando a
liberdade de opinião e manifestação como uma das garantias do Estado Democrático de
Direito. E para complementar e assegurar a liberdade de opinião e liberdade dos meios de
comunicação, a Constituição Federal proíbe que os meios de comunicação sejam, direta ou
indiretamente, objeto de monopólio ou oligopólio (artigo 220, § 5º).
A comunicação em rede, instrumento das novas mídias, possibilita o exercício
da democracia direta e permanente, além de permitir uma participação do cidadão na
definição e implementação do interesse público e na execução do poder político, como
bem defende Márcia Yukiko Matsuuchi Duarte:
O desenvolvimento cada vez mais célere dos meios de comunicação
(novas tecnologias e a revolução digital) influencia na remodelação da
esfera política, seja transformando os padrões do discurso político, as
relações entre representantes e representados, o acesso do cidadão aos
vários nichos de poder, a desmistificação dos líderes políticos, as
mudanças dos conceitos de tempo e espaço, de organização da vida social
e, principalmente, na percepção do mundo e de uma nova realidade
midiática.304
E adiante constata
É fato que a comunicação e as novas tecnologias da informação têm
influenciado decisivamente o processo de transformação da sociedade
brasileira, em especial o estabelecimento de uma nova cultura política,
303
Wikipedia é uma enciclopédia multilíngue digital escrita em colaboração pelos seus leitores, com mais de
325 milhões de visitantes por mês. Meme é uma ferramenta com mecanismos para troca simples e rápida de
fotos, vídeos, textos e áudio entre os usuários, além das pessoas poderem fazer comentários ou responder
àqueles que inserem o material.
304
DUARTE, Márcia Yukiko Matsuuchi. Comunicação e cidadania. In: DUARTE, Jorge (Org.).
Comunicação pública: Estado, mercado, sociedade e interesse público. São Paulo: Atlas, 2007. p. 96.
149
que propugne pela participação política baseada na conscientização e não
simplesmente no dever cívico do voto.305
Mas essa tecnologia tem que ser colocada a favor da ampla e livre participação
popular, pois, como sustenta Manuel Castells,
A habilidade ou inabilidade de as sociedades dominarem a tecnologia e,
em especial, aquelas tecnologias que são estrategicamente decisivas em
cada período histórico, traça seu destino a ponto de podermos dizer que,
embora não determine a evolução histórica e a transformação social, a
tecnologia (ou sua falta) incorpora a capacidade de transformação das
sociedades, bem como os usos que as sociedades, sempre em um
processo conflituoso, decidem dar ao seu potencial tecnológico306.
A comunicação em rede deve ser livre, sem qualquer ingerência para controlar a
informação; os poderes constituídos (Executivo, Legislativo, Judiciário e o MP) devem
tutelar a independência e possibilitar a comunicação livre da população. Por isso,
defendemos o exercício do direito de “antena”, em que a sociedade terá o acesso livre ao
rádio, televisão e internet, para introduzir dados, opiniões e informações sem qualquer
filtragem sobre eles; as organizações sociais devem poder utilizar-se de todos os meios de
comunicação para a defesa dos seus interesses e para poder educar a sociedade; as fontes
de informações não podem sofrer qualquer censura prévia; a sociedade não pode ter acesso
apenas às informações produzidas e previamente selecionadas por grupos de interesses
sociais e econômicos; e o acesso à eletricidade e à Internet banda larga tem que ser
universal, como inclusive defende o Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no
seu Plano Nacional de Banda Larga, que pretende levar, até 2014, acesso à internet para
todas as regiões brasileiras, com uma meta de 30 milhões de acessos à internet pela rede
fixa e 60 milhões por rede móvel307. Entretanto, em que pese o rápido crescimento da
banda larga no país, ela ainda é inacessível para a grande parte da população, seja pelo
preço ou pela cobertura da rede. Em pesquisa realizada pela consultoria IDC e publicada
pelo jornal O Estado de São Paulo308, houve 10,965 milhões de acessos de banda larga no
primeiro semestre de 2009, um crescimento de 25,6% em relação ao mesmo período de
305
DUARTE, Márcia Yukiko Matsuuchi. Comunicação e cidadania, cit., p. 102.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. A era da informação: economia, sociedade e cultura, cit.
307
Informações obtidas no endereço eletrônico do Ministério das Comunicações, acessado em 24 nov. 2009.
308
Caderno de Economia, 13/12/2009, p. B16.
306
150
2008. Assim, constata-se que, apesar da grande falta de acesso a banda larga, a população
brasileira está paulatinamente sendo incluída nos meios de comunicação digitais.
E o Ministério Público, como defensor do regime democrático e do princípio da
isonomia, deve buscar a efetiva democratização da mídia, de forma que as diversas fontes
de informação cheguem à sociedade; deve defender a aprovação de uma nova lei sobre
concessões, permissões e controle, a fim de que os canais de comunicação sejam realmente
públicos, “sem o qual jamais haverá Democracia e, em conseqüência, cidadania ativa”309.
O cidadão tem que ter voz ativa, a fim de projetar livremente suas opções e seu próprio
destino; ele deve definir e influenciar diretamente o interesse a ser tutelado pelo Estado,
Ministério Público e pelos seus representantes. Pois, afinal de contas, a democracia
proporciona a participação do povo na organização e exercício do poder político, mesmo
que não seja de forma unânime310. Existem diversos casos que confirmam que a moderna
tecnologia da internet assegura a liberdade de imprensa e de opinião, ajuda a aprofundar
investigações e defende a democracia311.
Como defende Manuel Castells, “embora a forma de organização social em redes
tenha existido em outros tempos e espaços, o novo paradigma da tecnologia da informação
fornece a base material para sua expansão penetrante em toda a estrutura social”. Contudo,
a comunicação em rede inaugura o que podemos chamar da terceira revolução da
comunicação: a primeira, com a invenção da tipografia (caracteres móveis), no século XV,
possibilitou a multiplicação do mesmo escrito, permitindo informar inúmeras pessoas, em
curto espaço de tempo e em diversos lugares simultaneamente, sobre os mesmos fatos,
possibilitando a edição de livros, jornais e periódicos; a segunda onda da revolução da
309
SARAIVA, Paulo Lopo. A comunicação social na Constituição Federal de 1988. In: GRAU, Eros Roberto;
GUERRA FILHO, Willis Santiago (Orgs.). Direito constitucional: estudos em homenagem a Paulo
Bonavides. São Paulo: Malheiros Ed., 2001. p. 415.
310
FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Participação democrática: audiências públicas, cit., p. 326.
311
O jornal O Estado de São Paulo publicou matéria relatando que a empresa petrolífera Trafigurar impediu
que o jornal The Guardian veiculasse notícias sobre a participação dela na contaminação de 30 mil
residentes e na morte de pelo menos 17 pessoas provocadas pelo despejo de 500 toneladas de lixo tóxico na
Costa do Marfim. Com a proibição da divulgação da catástrofe, o editor do jornal britânico encaminhou
mensagem ao twitter, que foi acessada por diversas pessoas, que ajudaram a aprofundar a investigação e a
reproduzir notícias sobre o acidente. Em poucos dias, em razão de a história ter sido difundida por outros
sites da mídia tradicional e do efeito negativo da empresa na opinião pública, a empresa voltou atrás na sua
posição e autorizou o jornal a divulgar os fatos (02/11/2009, p. L6). Outro caso já citado refere-se à criação
do blog pela Promotoria do Patrimônio Público e Social do Ministério Público de São Paulo, onde os
usuários do transporte público da cidade de São Paulo podem auxiliar na investigação sobre a qualidade do
transporte público. Existe também a “cidade digital” de Amsterdã, Holanda, onde governo e diversas
151
comunicação foi a invenção da técnica de emissão de ondas hertzianas, que possibilitou a
transmissão simultânea da voz, para alcançar milhões de pessoas, inclusive analfabetos e
deficientes visuais312. A terceira revolução de comunicação, e que possibilitou a
inauguração da era da comunicação global, foi a internet313. Como lembra Fábio Konder
Comparato314,
Em suma, as vias de comunicação evoluíram no sentido de uma
conjugação de veículos e técnicas, para criar uma rede complexa e global,
que conglomera empresas de produção da comunicação (imprensa, rádio,
televisão, cinema), empresas de distribuição dos produtos, a indústria da
informática ou computação eletrônica (compreendendo hardware e
software) e o vasto setor de telecomunicações, inclusive por via de
satélites espaciais.
E conclui:
A Internet, em particular, representou uma verdadeira revolução
comunicativa.
E esta terceira revolução da comunicação vem concomitantemente com a
quarta dimensão dos direitos fundamentais, que é, como vimos acima, o direito à
democracia, à informação e ao pluralismo. A nova sociedade está organizada em torno de
redes globais de comunicação, em que vários grupos de interesses participam, mas que
devem ter livre acesso a postarem informações, isto é, o poder de informação não pode
mais ficar restrito a grupos de interesses econômicos ou sociais. Mas o acesso livre não
significa apenas ter liberdade de postar informações ou ter acesso ao equipamento de
informática, pois em um país de extensão continental e diferenças sociais e econômicas tão
marcantes, isto seria letra morta. Da mesma forma, não basta a simples conexão técnica à
internet, ao equipamento de hardware ou ao produto de software (que por sinal estão cada
vez mais baratos e com a ajuda de financiamentos do Governo), nem mesmo apenas a um
associações de moradores podem difundir informações, organizar conferências, fóruns de discussão e
debates sobre os problemas locais.
312
Hoje é possível, através da utilização do chamado sintonizador de rádios online, ter acesso a mais de 11
mil rádios do mundo todo.
313
COMPARATO, Fábio Konder. A democratização dos meios de comunicação de massa. In: GRAU, Eros
Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago (Orgs.). Direito constitucional: estudos em homenagem a
Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros Ed., 2001. p. 154. ZUFFO, João Antônio. A sociedade e a
economia no novo milênio: os empregos e as empresas no turbulento alvorecer do século XXI, livro 1: a
tecnologia e a infossociedade. Barueri, SP: Manole, 2003. p. 2-4.
314
COMPARATO, Fábio Konder. A democratização dos meios de comunicação de massa, cit., p. 154.
152
“acesso ao conteúdo” (informações ou conhecimentos difundidos por especialistas). Mas a
uma conexão rápida315, amplamente difundida entre toda a sociedade (universalização de
equipamentos e infraestrutura) e a possibilidade de introduzirem notícias e informações no
sistema de comunicação, isto é, uma verdadeiramente liberdade de opinião e voz. Mas,
sem dúvida, a inclusão digital passa necessariamente pela inclusão social e econômica.
E esta inclusão digital, associada à inclusão social e econômica, será facilitada
com a fusão da internet com a TV digital interativa e os celulares, possibilitando uma
maior difusão em todo o território nacional, onde existem mais televisores e celulares do
que geladeiras e outros equipamentos de primeira necessidade. Em data não muito distante,
por volta de 1997, ter acesso a uma linha telefônica era privilégio só para as classes sociais
A e B, que inclusive possuíam como investimento e eram obrigadas a incluir na relação de
bens da Declaração de Imposto de Rendas de Pessoa Física. Uma linha telefônica, neste
período, atingia no câmbio paralelo, em São Paulo, o valor de US$ 10 mil, sendo que hoje
(2009) para se ter uma linha de telefone na mesma cidade paga-se apenas a tarifa de
habilitação no valor de R$ 112,44 e uma mensalidade no valor de R$ 40,35, sendo que a
instalação e o funcionamento da linha ocorre no prazo de até 10 dias. Em 1998, havia no
Brasil 24,5 milhões de acessos telefônicos (fixos e móveis) e 5,2 milhões de celulares em
serviço e 14 telefones para cada 100 habitantes. Em 2009, esses números saltaram
respectivamente para 207 milhões de acessos telefônicos, aproximadamente 170 milhões
de celulares e 107 telefones por 100 habitantes316.
Atualmente, como lembra Pierre Lévy, a televisão é o terminal de um
dispositivo de comunicação que funciona segundo o esquema de “um” para “todos”, ou
seja, a mensagem parte de um centro único para atingir inúmeros receptores separados
315
Edileuza Soares, do IDG Now!, anunciou, no dia 23 de novembro de 2009, aos seus seguidores do twitter,
que a empresa norte-americana Ruckus Wireless lançou uma nova tecnologia de acesso banda larga sem fio
à Internet, com valor reduzido para as conexões e para atender especialmente usuários que estão em áreas
carentes de infraestrutura. Trata-se do sistema Wireless Broadband Access (WBA), baseada em Wi-Fi, que
já está disponível aos provedores brasileiros e que poderão oferecer acesso rápido por cerca de R$ 30,00
por mês. A autora da notícia também informou que já existem estudos para oferecer o serviço de acesso à
Internet banda larga sem fio com o modelo pré-pago, modelo de negócio muito difundido com os celulares.
316
Afirmação do consultor Ethevaldo Siqueira publicada no jornal O Estado de São Paulo, 13/12/2009, p.
B16, e notícia publicada pelo mesmo jornal no dia 16/12/2009, p. B15. Por outro lado, pesquisa realizada
pelo IBGE, e divulgada no sítio IBGE.gov, revela que 86 milhões de pessoas tinham telefone celular em
2008, o que corresponde a 53,8% dos brasileiros. De qualquer forma, e independentemente da disparidade
entre os dados anunciados, é fácil hoje em dia constatar que quase todo mundo possui ao menos um celular
e que as pessoas mais humildes possuem os pré-pagos e às vezes até mais de um celular; que os mais
jovens não ligam mais para os números residenciais de seus amigos, mas diretamente para os celulares;
estima-se que 82% do mercado de telefonia móvel é formado por telefones celulares pré-pagos.
153
entre si. Já o telefone é o terminal de um dispositivo de comunicação estruturado pelo
esquema de rede “um” para “um” ou, em alguns aparelhos mais modernos, em sistema de
teleconferências limitadas (até quatro pessoas simultâneas). Mas não é difícil prever uma
revolução com a invenção da TV digital interativa, como projeta Pierre Lévy:
Não é absurdo conceber que, daqui a alguns anos, todos os lares possam
igualmente estar equipados de terminais (ou cibergates ou portas de redes
digitais de comunicação interativa) de um dispositivo de comunicação
segundo um esquema em espaço todos/todos. Os cidadãos poderiam
participar de uma administração sociotécnica de um novo tipo,
permitindo a grandes coletividades comunicar-se entre si em tempo real.
O ciberespaço cooperativo deve ser concebido como um verdadeiro
serviço público. Essa ágora virtual facilitaria a navegação e a orientação
no conhecimento, promoveria trocas de saberes, acolheria a construção
coletiva do sentido, proporcionaria visualização dinâmica das situações
coletivas, permitiria, enfim, a avaliação por múltiplos critérios, em tempo
real, de uma enorme quantidade de proposições, informações e processos
em andamento. O ciberespaço poderia tornar-se o lugar de uma nova
forma de democracia direta em grande escala317.
Logo, é facilmente previsível que os “ouvintes” das televisões poderão, após
ter acesso às informações, decidir sobre questões relevantes para o seu dia a dia, a par do
que hoje já ocorre ao decidir qual filme que deseja assistir, ao participar de pesquisa
telefônica disponibilizada pela maior emissora brasileira. O “ouvinte passivo” de hoje
poderá ser o telespectador ativo de amanhã, que terá a possibilidade de ser ouvido e de ter
suas vontades atendidas.
Aliás, em nossa opinião, o mais importante nos instrumentos de participação
popular, como audiência pública, eleição, pesquisa de opinião pública, comunicação em
rede, etc., é a liberdade de voz (ou palavra), pois como defende Gustavo Gindre Monteiro
Soares318, a comunicação é um direito humano inalienável e que privar o homem da sua
capacidade de se comunicar é privá-lo da sua própria humanidade e de sua evolução
história. Pois, afinal de contas, a voz é uma necessidade humana, que possibilitou o
desenvolvimento da nossa civilização. A comunicação por sons e depois a articulação por
palavras aumentaram a eficiência de transmissão da informação e de conhecimentos, que
317
LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço, cit., p. 63-64.
SOARES, Gustavo Gindre Monteiro. Por uma inclusão digital para além do mercado. In: PESQUISA
sobre o uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação no Brasil: TIC Domicílio e TIC Empresas
2006. São Paulo: Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2007. p. 39.
318
154
resultaram no desenvolvimento de uma cultura através da memória falada, ainda na préhistória319. Assim, privar o homem da palavra é violar um direito fundamental, mesmo com
todos os novos meios de comunicação do Século XXI. Portanto, nos regimes democráticos,
que tutelam os direitos fundamentais, o cidadão não apenas tem o direito, como deve
exprimir seu pensamento, tomar posição sobre os problemas da sociedade e formular
livremente os seus argumentos na defesa das suas posições políticas e sociais.
Para Fábio Konder Comparato, “a exploração dos mais importantes órgãos de
comunicação de massa é feita por grupos empresariais privados, estreitamente afinados
com os interesses de sua classe, que controlam o governo nacional e o Parlamento”320. Para
em seguida dizer que o debate público sobre as grandes questões da nação é
estruturalmente falseado e que para um debate autêntico é imprescindível a liberdade e a
capacidade de as questões serem discutidas, concluindo que o único meio de comunicação
de massa capaz de romper o domínio das informações pelo Estado ou por organizações
empresariais, que manipulam a opinião pública no mundo todo, é a internet livre, pois
possibilita a expressão da palavra sem qualquer censura321. E conclui:
Se na atual sociedade de massas, a verdadeira liberdade de expressão só
pode exercer-se através dos órgãos de comunicação social, é
incongruente que estes continuem a ser explorados como bens de
propriedade particular, em proveito exclusivo de seus donos. Os veículos
de expressão coletiva devem ser instrumentos de uso comum de todos.
Na verdade, aqui, como em todos os outros campos dos direitos humanos,
o avanço no sentido da humanização da vida social depende, hoje, muito
mais da criação de mecanismos de realização ou de garantia dos direitos
do que do enunciado de meras declarações.
(....)
Desse esquema avassaladoramente oligárquico só escapa a Internet, em
razão de sua estrutura atomística. Compreende-se, assim, por que essa via
democrática de comunicação tenha sido o veículo bem sucedido de
mobilização do povo, por intermédio das ONGs, em memoráveis
campanhas empreendidas contra políticas projetadas pela oligarquia
mundial322.
319
ZUFFO, João Antônio. A sociedade e a economia no novo milênio: os empregos e as empresas no
turbulento alvorecer do século XXI, livro 1: a tecnologia e a infossociedade, cit., p. 2-4.
320
COMPARATO, Fábio Konder. A democratização dos meios de comunicação de massa, cit., p. 156.
321
COMPARATO, Fábio Konder. A democratização dos meios de comunicação de massa, cit., p. 156-158.
322
COMPARATO, Fábio Konder. A democratização dos meios de comunicação de massa, cit., p. 158.
155
Vimos, assim, que com os novos instrumentos tecnológicos (e outros que irão
surgir nos próximos anos, como TV digital interativa) a democracia representativa dará
lugar à democracia direta ou participativa; ela será universal e todos dela participarão, sem
qualquer distinção de sexo, origem ou distinções econômicas ou sociais. Se hoje nos
socorremos da representação para exercer a soberania popular, com os novos instrumentos
de comunicação será possível implantar a inteligência coletiva ininterrupta323. Teremos a
democracia plena, ao contrário da Grécia Antiga em que apenas os proprietários de terras
podiam participar da Eclésia324, onde todos poderão participar ativa e diretamente da
definição do interesse público. A consulta imediata e constante da sociedade possibilitará a
dispensa da representação e da delegação; deixarão de existir os “intermediários” ou
“representantes do povo”; “impedirá a interveniência do poder econômico ou a
manipulação dos meios de comunicação de massa”325. Contudo, não queremos menosprezar a
democracia representativa que tem sua importância, principalmente com o surgimento do
Estado, o tamanho dos territórios nacionais e do crescimento da população, já que seria
impossível manter a democracia direta existente na época da Grécia Antiga. Mas, com os
novos instrumentos tecnológicos da comunicação, devemos repensar na ampliação da
democracia direta, principalmente diante do que já foi por diversas vezes abordado em relação
à fragmentação social e a impossibilidade de definir um único interesse público.
A comunicação em rede rompe com a estrutura da comunicação tradicional, em
que existe a concentração da propriedade dos veículos de comunicação nas mãos de
poucos grupos privados ou controlados pelos partidos políticos de plantão. Possibilita,
também, com a participação direta e livre de centenas de pessoas, a troca de informações
entre indivíduos bem distintos, com diferentes estruturas sociais, políticas, éticas e
econômicas, o que irá gerar um maior conhecimento sobre os assuntos discutidos e sem o
controle e a manipulação de grupos de interesses privados. O ciberespaço, agrupado com a
inteligência coletiva, possibilitará tornar os integrantes da sociedade mais conscientes
daquilo que fazem em conjunto e dará mecanismos práticos para se coordenarem e resolver
os seus problemas. A formação do interesse público será muito mais real, sem que um
grupo pequeno dos detentores do poder possa manipular a sociedade. Cria-se a
323
LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço, cit., p. 76.
Eclésia era a assembleia formada pelos cidadãos e que se reunia na praça pública Ágora (JAGUARIBE,
Hélio. Introdução, cit., p. 6).
325
AMARAL, Roberto. A democracia representativa está morta; Viva a democracia participativa!, cit., p. 49.
324
156
heterogeneidade de opiniões da sociedade em detrimento da homogeneização dos grupos
de interesses privados.
Entretanto, para que isto seja possível, adverte Manuel Castells326, é necessário
que o acesso seja universal, sem que parcela da sociedade seja excluída do mundo digital.
Caso contrário, ocorrerá como na “democracia ateniense”, em que uma elite pequena e de
bom nível educacional terá acesso a essa extraordinária ferramenta de informação e
participação política, capaz de implementar o exercício da cidadania participativa, em
detrimento da grande parcela de excluídos que ficarão à margem dessa nova ordem
democrática, como ocorriam com os escravos e bárbaros da Grécia Antiga.
E este acesso universal é possível, seja com implementação da rede nas
escolas, centros gratuitos de inclusão digital, TV digital interativa ou nos terminais
bancários, enfim, na criação de ciberespaços. Mas não basta a presença de equipamentos
materiais, mas principalmente na educação e na reforma da mentalidade do cidadão, na
conscientização sobre a importância de sua participação, como defendem Manuel
Castells327 e Pierre Lévy328, já que 45% da população brasileira utilizou pelo menos uma
vez um computador e apenas 33% já acessou a internet
329
. Por outro lado, a Pesquisa
realizada pelo Comitê Gestor de Internet no Brasil constatou o crescimento em 2006 do
acesso à internet nos centros públicos pagos, que passou de 17,5 6%, em 2005, para 30,1%,
o que demonstra a importância de se ampliar ainda mais o número de ciberespaços, como
lan houses330 e centros públicos de inclusão digital. E pesquisa mais recente, realizada pelo
IBGE331, mostra dados ainda mais animadores sobre a inclusão digital, principalmente
entre as pessoas mais pobres, menos escolarizadas e residentes das Regiões Norte e
Nordeste332. A pesquisa demonstra que a internet ainda é inacessível para 104,7 milhões de
brasileiros (ou 65,2% da população acima de 10 anos), mas que, entre 2005 e 2008, 24
326
CASTELLS, Manuel. O poder da identidade, cit., p. 410.
CASTELLS, Manuel. O poder da identidade, cit., p. 410.
328
LÉVY, Pierre. Cibercultura. Tradução de Carlos Irineu da Costa. 2. ed. 6. reimpr. São Paulo: Ed. 34, 2007. p. 186.
329
Pesquisa realizada entre os meses de julho e novembro de 2006, sob a coordenação do Comitê Gestor da
Internet no Brasil, sobre o Uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação no Brasil (CETIC.
Disponível me: <www.cetic.br>).
330
Existe atualmente cerca de 100 mil lan houses no Brasil (O Estado de S. Paulo, 12/12/2009, p. B10).
331
IBGE. Disponível em: <www.ibge.gov.br>.
332
Apenas para exemplificar, e comparando os anos de 2005 e 2008, no Acre, de 14,2 % para 29,4%;
Amazonas, de 10,9% para 30,2%; Ceará, de 12,9% para 25,8%; Maranhão, de 7,7 para 20,2%; Pará, de
10,7% para 23,9%; Roraima, de 13,6% para 35,3%; Sergipe, de 12,6% para 29,3% e Tocantins, de 14,3%
para 31,3%. IBGE. Disponível em: <www.ibge.gov.br>.
327
157
milhões de pessoas foram incluídas no acesso à web no Brasil, sendo que, desse total, 17
milhões tem renda mensal de até dois salários mínimos. Analisando os dados da pesquisa
do IBGE, constata-se que 56 milhões de brasileiros são usuários da internet (2008)333, o
que corresponde a um aumento de 75,3% ante 2005334, e que 35,7% “acessam” a rede de
centros públicos de acesso gratuito ou de estabelecimentos de ensino e que 57,1% do
domicilio em que moram. Por outro lado, esta pesquisa também demonstra que a inclusão
digital passa necessariamente no investimento em educação, já que do total de pessoas que
tiveram acesso à rede em 2008, 80,4% das pessoas com 15 anos ou mais de estudo
acessaram a internet nos últimos três meses, ante 7,2% do grupo sem instrução. Ou seja,
mesmo aquela parcela da população sem escolaridade que tem acesso à internet, acaba por
utilizá-la muito pouco e sem uma constância.
E sobre a relação do ciberespaço e a democracia eletrônica, Pierre Lévy
defende que
A verdadeira democracia eletrônica consiste em encorajar, tanto quanto
possível – graças às possibilidades de comunicação interativa e coletiva
oferecidas pelo ciberespaço –, a expressão e a elaboração dos problemas
da cidade pelos próprios cidadãos, a auto-organização das comunidades
locais, a participação nas deliberações por parte dos grupos diretamente
afetados pelas decisões, a transparência das políticas públicas e sua
avaliação pelos cidadãos335.
Mas, como ocorreu na época em que apenas os escolarizados podiam participar
da vida política, a inclusão digital e a participação completa da sociedade é questão de
pouco tempo, como, mais uma vez, observa Pierre Lévy: “a capacidade mínima para
navegar no ciberespaço se adquirirá provavelmente em tempo muito menor que o
necessário para aprender a ler e, como a alfabetização, será associada a muitos outros
benefícios sociais, econômicos e culturais além do acesso à cidadania”336. O número de
pessoas que têm acesso à internet e à televisão cresce assustadoramente e a facilidade de
aprendizagem das novas gerações é facilmente perceptível ao acompanharmos crianças que
possuem enorme familiaridade na utilização dos instrumentos digitais de comunicação.
333
Existe a estimativa de que, em 2010, 20 milhões de brasileiros terão acesso à internet pelo celular (O
Estado de S. Paulo, 12/12/2009, p. B10).
334
Em 2008, 34,8% da população com 10 anos ou mais de idade tem acesso à internet, ante 20,9% em 2005.
335
LÉVY, Pierre. Cibercultura, cit., p. 186.
336
LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço, cit., p. 63.
158
Da mesma forma, com a comunicação em rede e do acesso universal, o
interesse público a ser tutelado pelo Ministério Público será definido diretamente pela
parcela da sociedade interessada, e não por grupos de procuradores ou pelos sindicatos
“representativos” da categoria profissional. A população poderá ser consultada através de
blogs, podcasts, twitter ou outras redes sociais337 (Orkut, Facebook, Myspace, Digg, Xing,
Linkedin, etc.),
pesquisas disponibilizadas nas páginas da internet ou no programa
Trabalho Legal338, quando a TV digital interativa estiver à disposição. Assim, o Ministério
Público do Trabalho pode proceder da seguinte forma: a) alimenta estes instrumentos com
informações e dados; b) realiza coleta de opiniões e provas; c) incentiva o debate público
através da internet ou TV digital; d) eventualmente organiza audiência pública para
propiciar o debate e exposição de palestras, inclusive através de teleconferências; e) e, por
último, realiza votação ou pesquisa de opinião pública que possa orientar sua atuação no
caso concreto.
Mas para que exista a plena participação popular, sem interferência dos atuais
veículos de comunicação que são manipulados pela classe dominante, é imprescindível que
o Ministério Público tutele o direito fundamental à informação e liberdade de expressão, a
começar pelo direito de “antena”, onde a organização e exploração dos órgãos de
imprensa, rádio, televisão e internet seja realizado por associações sem fins lucrativos ou
por fundações, públicas ou privadas, e estas reguladas e fiscalizadas por um órgão
administrativo autônomo, composto por representantes da sociedade, Ministério Público,
Ordem dos Advogados do Brasil e de organizações não governamentais339.
Contudo, é bom ressaltar que, ao afirmar que “a democracia representativa dará
lugar à democracia direta ou participativa”, não queremos dizer que todas as formas de
representação serão abolidas, mesmo porque a função do Estado-Ministério Público é uma
forma de representação da sociedade, legitimada na defesa do interesse da coletividade.
Partilho do mesmo entendimento de Roberto Amaral340, quando defende que os institutos
da democracia representativa convivem harmonicamente com os mecanismos da
337
Atualmente, existe cerca de 150 redes sociais on-line (O Estado de São Paulo, 16/12/2009, p. B15).
Programa produzido pela Procuradoria Geral do Trabalho e Associação Nacional dos Procuradores do
Trabalho e veiculado no canal TV Justiça.
339
COMPARATO, Fábio Konder. A democratização dos meios de comunicação de massa, cit., p. 163-166.
340
AMARAL, Roberto. A democracia representativa está morta; Viva a democracia participativa!, cit., p. 51.
338
159
democracia direta, como o referendo e o plebiscito, a iniciativa popular de projeto de lei, o
direito de revogação e o veto341.
Mais uma vez, também, reafirmamos que, ao defender a participação popular
como forma de soberania, não queremos defender que se deva consultar a todo o momento
a coletividade sobre todos os temas, sem uma discussão prévia e com informações mínimas
disponibilizadas de forma igualitária, “mas sim de incitar a colaboração coletiva e contínua
dos problemas e sua solução cooperativa, concreta, o mais próximo possível dos grupos
envolvidos”342. A participação deve se dar após livre discussão e conferências eletrônicas
entre todos os interessados, de forma que a coletividade possa opinar e determinar linhas
de investigação, postulados e parâmetros de atuação em determinada matéria, seja na
atuação do Ministério Público, seja na forma de atuação da Administração Pública, até a
constituição da inteligência coletiva. A consulta popular se dará naqueles casos em que o
interesse público unitário não está definido na Constituição Federal ou na lei, mas quando
a lei o define de forma abstrata e geral, como tratado no Capítulo II.
Não concordamos também com aqueles que defendem a instalação de filtros,
uma censura ou controle prévio sobre as informações e dados veiculados na internet, para
que não restrinja o acesso ou a participação dos cidadãos. A participação na rede de
comunicação tem que ser livre, permitir que todos tenham acesso às informações, possam
participar das discussões em blogs e ter sua própria página. Demi Getschko enfatiza que
criar mecanismos que, de alguma forma, dificultem a entrada aos que buscam a rede como
fonte de informação e de educação, “seria caminhar na contramão do que se procura conseguir,
desmerecer o valor de se conectar ao mundo e ignorar toda a riqueza que a rede pode trazer aos
que hoje estão ao largo dela”343. Defendemos tão somente recursos que possibilitem identificar
agentes causadores de delitos, como os nomes domínios e números IP, pois cada um deve ser
responsabilizado por seus atos e assegurar indenizações às vítimas.
341
Direito de revogação, não previsto no ordenamento jurídico brasileiro, é o direito do eleitorado em
“cassar”, antes do prazo legal, o mandato de autoridades, servidores públicos ou parlamentares. Veto é a
faculdade de que é titular o eleitorado de se manifestar coletivamente contrário a determinada lei
(AMARAL, Roberto. A democracia representativa está morta; Viva a democracia participativa!, cit., p. 51).
342
LÉVY, Pierre. Cibercultura, cit., p. 195.
343
GETSCHKO, Demi. Participação e presença na rede. Pesquisa sobre o uso das Tecnologias da
Informação e da Comunicação no Brasil: TIC Domicílio e TIC Empresas 2006. São Paulo: Comitê Gestor
da Internet no Brasil, 2007. p. 37.
160
CAPÍTULO V. A EFETIVAÇÃO DO INTERESSE PÚBLICO PELO
MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO
1. O momento de transformação do Ministério Público do Trabalho
Quando da elaboração do sumário preliminar desta tese, intitulamos o presente
tópico como “a crise do MPT”. Contudo, resolvemos alterar e tratar sobre a
“transformação do MPT”, em razão da advertência de Norberto Bobbio344 ao termo
“crise”, que a seu ver entende que “crise” nos faz pensar em um “colapso iminente”, “à
beira do túmulo”. E este não é o propósito do presente trabalho, muito pelo contrário, visa
buscar alternativas para o fortalecimento da instituição essencial às atividades
jurisdicionais e que está ainda bem distante de eventual extinção. O que se busca neste
trabalho é propor um redirecionamento de rumo, a fim de melhor atender aos anseios da
sociedade na defesa dos interesses públicos mais relevantes, respeitando-se os limites
legais e as transformações pelas quais a sociedade brasileira e o parquet laboral
atravessam.
O Ministério Público brasileiro, como por diversas vezes já tratado acima,
passou da defesa do interesse público secundário para o interesse público primário; de uma
atuação clássica na defesa dos direitos de natureza individual (direitos civis e políticos)
para uma atuação na tutela dos direitos supraindividuais ou sociais, inclusive o regime
democrático; de repressor da liberdade sindical por interesse do poder executivo (interesse
público secundário) para defensor dos interesses metaindividuais e dos direitos
fundamentais decorrentes das relações de trabalho; de órgão inerte na atribuição de exarar
pareceres nos processos em que figuram entes da administração pública para órgão agente
implementador de políticas públicas.
Assim, nesta transformação do Ministério Público do Trabalho de mero agente
do Poder Executivo para uma Instituição independente e fundamental para o sistema de
justiça, corresponsável pelas políticas públicas “lato sensu” e agente de inclusão social e
344
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. 7. ed. rev. e ampl. Tradução de Marco Aurélio Nogueira.
São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 19.
161
transformador da sociedade, o parquet laboral deve respeitar a vontade popular definida
através, principalmente, dos novos instrumentos tecnológicos de comunicação.
O MPT deve agir e exigir, judicialmente e extrajudicialmente, a defesa da
democracia plena nas diversas instâncias, na esfera política ou social, seja nas empresas,
nos sindicatos ou na própria Instituição; deve buscar a implementação de políticas públicas
na área trabalhista, como inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho, na
geração de empregos e cumprimento das leis trabalhistas, na proteção da trabalhadora
gestante ou na profissionalização do adolescente; e assegurar eleições livres na escolha do
representante dos empregados nas empresas com mais de duzentos empregados.
Como já defendido anteriormente em outro trabalho de nossa autoria345, as
inovações legislativas ocorridas a partir de 1985, com a aprovação da Lei de Ação Civil
Pública, Estatuto da Criança e Adolescente, Código de Defesa do Consumidor e
promulgação da Constituição Federal de 1988, trouxeram instrumentos importantes de
atuação ao Ministério Público do Trabalho que possibilitaram a efetiva tutela deste novo
papel. Contudo, verifica-se que a sua estrutura administrativa e de organização das
procuradorias não acompanha a mudança legislativa no mesmo ritmo; sua estrutura ainda
está muito vinculada ao perfil institucional tradicional de órgão custos legis na emissão de
pareceres. Igualmente, não existe mais espaço para aquele Ministério Público inerte, que
aguarda apenas a provocação do Judiciário na remessa dos processos para exarar parecer
ou na representação apresentada pelo trabalhador ou sindicato. Esta visão de “parecerista”
mantém o MPT com uma estrutura funcional fragmentada, individualizada, de cada
membro, e supervaloriza o princípio da independência funcional, em que cada procurador
pode ter uma posição isolada dos demais integrantes da Instituição, desde que,
logicamente, respeitada a legislação aplicável e sua própria consciência. Aquela velha
lógica de que “cada caso é um caso” e que sua opinião está atrelada às provas produzidas
naquele processo, o procurador deixa de “enxergar” além do processo, pouco importando a
opinião pública e a unidade institucional. E esta divisão fragmentária não atende aos
interesses da sociedade, pois, como já defendido por Luis Roberto Proença, esta forma de
organização não privilegia uma política institucional global, unitária e abrangente, mas a
345
MARCONDES, Roberto Rangel. A coisa julgada na ação civil pública trabalhista, cit.
162
somatória de atuações individuais346, fazendo com que muitos de seus membros não se
engajem na implementação do Planejamento Estratégico.
Com os novos instrumentos de atuação e diante deste novo papel de defensor
dos interesses metaindividuais e dos direitos fundamentais decorrentes das relações de
trabalho, o Ministério Público do Trabalho está obrigado a reestruturar-se para não só
exarar pareceres sobre questões submetidas ao Judiciário por terceiros, mas principalmente
para agir como órgão agente na busca de provas para possibilitar a celebração de termos de
compromisso de ajustamento de conduta ou no ajuizamento de ações civis públicas.
Paulatinamente, temos visto mudanças na organização administrativa, através da
construção de novas instalações que permitam o maior acesso da população (salas de
audiências, espaços para consultas aos autos, implementação de instrumentos de
informática que possibilitem a digitalização de todos os procedimentos investigatórios,
etc.) e crescimento da procuradoria nos municípios que não são sedes dos tribunais
trabalhistas.
O Ministério Público do Trabalho deve, também, como corresponsável pelas
políticas públicas “lato sensu” e agente de inclusão social, ter uma posição muito mais
proativa para ir aonde o povo está, criar canais de comunicação para que a sociedade
realmente participe das decisões e fiscalize o MPT e defina o interesse público a ser
tutelado. E esta transformação e mudança na forma de agir temos visto recentemente no
Ministério Público do Trabalho: realização de audiências públicas, elaboração do
planejamento estratégico, reformulação das páginas da Internet para viabilizar
representações dos cidadãos e definição direta das metas prioritárias de atuação pelos seus
membros.
Mas, ainda faltam outras mudanças na estrutura funcional das procuradorias
regionais, voltadas, muitas vezes, para a emissão de pareceres. Falta pessoal especializado
nas novas áreas de atuação do MPT, tais como engenheiros do trabalho, médicos do trabalho,
psicólogos especializados na solução de conflitos humanos, entre outros. Necessário também
repensar o princípio da independência funcional sustentada na fragmentação do órgão, e
privilegiar a unidade e eficiência do Ministério Público do Trabalho.
346
PROENÇA, Luis Roberto. Inquérito civil: atuação investigativa do Ministério Público a serviço da
ampliação do acesso à justiça, cit., p. 185.
163
Temos notado, também, como visto acima, que, com a crescente expansão para
o interior dos Estados através das instalações das procuradorias nos municípios, ampliação da
competência da Justiça do Trabalho, evolução dos instrumentos de comunicação e o
crescimento dos litígios trabalhistas, a procura pelo Ministério Público do Trabalho tem
crescido assustadoramente, porém, sem o seu correspondente crescimento material e pessoal.
Mas ao mesmo tempo em que o Ministério Público do Trabalho tem o seu
trabalho aumentado constantemente, temos visto na prática que, realmente, ainda atua
pouco nas questões de real relevância social. Ele é provocado cada vez mais, mas apenas
pela parcela da sociedade mais organizada e pelos agentes públicos (AFT, juízes, etc.). Em
outras palavras, cria-se um contra senso, pois atua muito, mas, ao mesmo tempo, muito
pouco nas questões de relevância social, deixando de atender os hipossuficientes em
matéria de poder econômico, político e social.
É notório que a Instituição não consegue mais atender à demanda de forma
satisfatória, o que gera uma crise interna e uma decepção àqueles que lhe procuram ou que
realmente precisam de sua atuação. Da mesma forma, não podemos negar que os seus
membros passam por um conflito existencial na medida em que se sentem incapazes de
cumprir com todas as suas funções, seja porque não existe identidade entre suas metas
institucionais com os anseios da sociedade, seja porque não dispõe de todos os recursos
(materiais e humanos) para atendê-las. Temos que ter a plena consciência de que a atuação
do MPT não é ilimitada: existem obstáculos legais, orçamentários e de pessoal para uma
atuação irrestrita. Por outro lado, não é papel do MPT atuar em todos os casos, mesmo
quando existe interesse público, pois ele tem o dever constitucional de proteger os direitos
fundamentais dos trabalhadores.
Como defensor e representante da soberania popular347 (pois defensor do
regime democrático – artigo 127 da Constituição Federal), a Instituição deve estimular a
participação da sociedade em todos os níveis, não só na participação decisória e
fiscalizatória dos órgãos públicos, mas principalmente na participação direta através da
provocação dos agentes e ajuizamento de ações civis públicas por intermédio das
associações e sindicatos representativos. O MPT não pode ter uma posição paternalista de
347
SALLES, Carlos Aberto de. A legitimação do Ministério Público para defesa de direitos e garantias
constitucionais, cit., p. 37.
164
querer atuar e resolver todos os problemas da sociedade, mas incentivar a participação
popular, seja através da definição do interesse público a ser tutelado pelo Ministério
Público, seja através de uma mobilização social, pois afinal de contas o poder emana do
povo (artigo 1º, parágrafo único da CF).
Temos visto que o Ministério Público age de ofício muito pouco e se
transformou em uma Instituição que praticamente atua quando provocado, seja através da
remessa de processos pelo Judiciário, ou através de representações encaminhadas pela
parcela organizada da sociedade. Ao ampliar em demasia a atuação do MP e sustentar que
vigora o princípio da obrigatoriedade, notamos que ele não cumpre com efetividade o seu
papel, traduzido na velha máxima de que aquele que pode tudo e quer tudo, nada faz bem
feito. O MPT deve buscar a efetividade da norma jurídica na busca da proteção do
interesse público definido pela sociedade, pois, como definem Luis Roberto Barroso e Ana
Paula de Barcellos, o princípio da efetividade é a aproximação tão íntima quanto possível
entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social348.
Entendemos que a atuação mais efetiva do Ministério Público do Trabalho não
encontra obstáculo nos instrumentos processuais e extraprocessuais já existentes, mas na
definição e forma de sua atuação prática. O MPT deve passar por uma mudança estratégica
para se preparar para o futuro. Apesar da maior visibilidade do Ministério Público, ele
ainda não possui mecanismos de participação popular eficientes para definir os interesses
públicos, suas metas prioritárias e do planejamento estratégico, a fim de estipular quais
conflitos são mais relevantes e urgentes, dentre os que ensejam sua atuação, que merecem
ser atendidos e possibilitem concentração de recursos materiais e humanos para o seu
enfrentamento349. Conclui-se, portanto, que a atuação mais eficaz do Ministério Público do
Trabalho não está atrelada à inovação dos instrumentos processuais já existentes, mas a
questões institucionais de organização, estrutura e consulta popular para definição das
matérias de atuação, já que, em última análise, a Instituição deve tutelar o interesse público
primário.
348
BARCELLOS, Ana Paula de; BARROSO, Luís Roberto. O começo da história: a nova interpretação
constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. In: SILVA, Virgílio Afonso da (Org.).
Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros Ed., 2005. p. 271-316.
349
No mesmo sentido, Luis Roberto Proença, Inquérito civil: atuação investigativa do Ministério Público a
serviço da ampliação do acesso à justiça, cit., p. 150.
165
2. Quem define o objeto de atuação do Ministério Público do Trabalho?
A resposta a ser dada à pergunta formulada neste título é simples e direta:
atualmente quem define o interesse público a ser tutelado pelo MPT é o procurador do
trabalho, segundo interpretação dada à lei e sua visão particular. Mas não deveria ser. E
mesmo a lei, como já visto, dispõe cada vez mais o interesse público de forma genérica e o
sistema legislativo tem suas distorções e crise de representatividade (influência econômica
e partidária, distorção de representatividade proporcional350, dentre outras). Os membros
do Ministério Público possuem a representatividade legal da sociedade, mas não a
legitimidade para definir o objeto de atuação que a sociedade quer. Os seus membros não
representam todas as parcelas da sociedade. E ao definir o interesse público, como já
defendemos acima, eles são influenciados por sua experiência e visão de mundo.
No diagnóstico realizado sobre a estrutura e opinião dos membros do Ministério
Público do Trabalho, realizado pela Secretaria de Reforma do Judiciário, o Ministério
Público do Trabalho e a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, constatou-se
que as características majoritárias encontradas entre os seus integrantes são predominância
do gênero feminino (54,4%), mulheres predominantemente em cargos mais elevados da
carreira (Procuradores do Trabalho: 50,4% de homens e 49,6% de mulheres; Procuradores
Regionais do Trabalho: 77,4% de mulheres e 22,6% de homens), de brancos (83,6%), meia
idade (40,6 anos), filhos de pai com escolaridade de nível superior, provenientes de
famílias com 4 filhos, casados ou com união estável (70,9%), com 1,4 filhos, católicos
(62,2%), não participantes de ONGs (8,2%), com experiência profissional antes de
ingressar no MPT, não possuem parentes nas diversas carreiras jurídicas, portam título de
especialização (59,3%) e não exercem o magistério (88,4%). Ou seja, não possuem as
mesmas características da maioria da sociedade brasileira, que é formada por 54% de
brancos, 50,78% do sexo feminino e de 73,8% que se declararam católicos no último
CENSO 2000351.
Assim, toda atuação do membro do Ministério Público, bem como de qualquer
administrador público, deve ser dirigida para atender ao interesse público definido pela
sociedade e não por um grupo. O norte de atuação do agente público é o interesse público,
350
351
Proporcionalmente, o voto do eleitor do Acre é muito maior do que do paulista.
Pesquisa IBGE. Disponível em: <www.ibge.gov.br>.
166
por isso, o procurador que defende a independência funcional para atuar ou não em
determinada matéria estará violando seu dever funcional se aquela sua atitude não atender
ao interesse público. Em outras palavras, como defende Floriano Peixoto de Azevedo
Marques Neto, o conteúdo e os limites do exercício da autoridade estão definidos na lei, e
ele somente pode exercer seu poder político se exercitado nos limites e para atingir as
finalidades de interesse público prescritas na lei, porém, ressalva que “expressar e
explicitar o que seja o interesse público na lei mostra-se mais complexo, pois este interesse
se aproxima e se envolve com os interesses (ou necessidades) concretos, materiais, de
parcelas do todo social”352.
Se antigamente o conceito de interesse público era “negativo”, isto é, apenas
em contraposição dos interesses privados (a velha máxima “o que não é privado, é
público”), hoje isto não é verdade: interesse público é aquilo que a sociedade almeja ou,
como define Celso Antônio Bandeira de Mello353, é a dimensão pública dos interesses
individuais enquanto partícipes da sociedade. Se antes estávamos diante do processo de
positivação do interesse público, segundo o qual tal interesse seria exata e unicamente
aquele que a lei assim o definisse, hoje a burocracia do Estado, através dos seus agentes,
pretende se arvorar como intérprete do interesse público. Com a indefinição ou abertura
conceitual da lei sobre o que é interesse público, o administrador (inclusive o membro do
Ministério Público) passa a ter o poder de definir, no caso concreto e unilateralmente, onde
reside o interesse público a legitimar sua atuação354. Mas esse poder unilateral e subjetivo
de conceituar o interesse público está errado; ele deve ser definido, pelo menos em
parâmetros, pela sociedade, detentora do poder de definir este interesse.
Como ressalta mais uma vez Floriano Peixoto Marques de Azevedo Neto, o
legislador utiliza-se, na elaboração e aprovação de leis, de conceitos jurídicos
indeterminados, com grande imprecisão, vagueza, cláusulas gerais ou competências
abertas, justificadas para superar impasses surgidos no processo de normatização em
virtude da mutabilidade, incerteza ou elevada conflituosidade da realidade fática
normatizada. Contudo, em razão desta cláusula aberta que cada vez mais se encontra nas
leis, os agentes burocráticos (inclusive MP) “adquirem margem de discricionariedade para,
352
MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Regulação estatal e interesses públicos, cit., p. 89 e 91.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Grandes temas de direito administrativo, cit., p. 181-187.
354
MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Regulação estatal e interesses públicos, cit., p. 88-99.
353
167
substituindo o primado da política, definir os conteúdos do interesse público, das
finalidades coletivas ou do bem comum em nome dos quais exercitam o poder político”355.
Ao membro do MPT cabe avaliar de qual forma irá atuar no caso concreto e
segundo o interesse público, as diretrizes e as metas institucionais traçadas pela sociedade
e pela própria Instituição, mas levando-se em conta também as novas tendências
institucionais apontadas por Diogo de Figueiredo Moreira Neto: a despolitização, a
pluralização dos interesses, a subsidiariedade e a delegação social356.
A despolitização é a eliminação do conteúdo político desnecessário nas
decisões relativas a interesses públicos e que podem ser tomadas por entes técnicos ou
comunitários. A participação dos entes técnicos na definição e execução dos interesses
públicos é importante porque afasta “a interferência inútil da política partidária e da
burocracia”357; e, no caso dos entes comunitários, além da ausência de interferência da
burocracia, soma-se a legitimidade das decisões. Esta despolitização é necessária apenas
para evitar a politização na tomada de todas as decisões. Já no caso da pluralização dos
interesses, como tratado no capítulo II, a fragmentação social e a separação crescente entre
o Estado e a sociedade legitimaram a existência dos interesses metaindividuais.
Em relação à subsidiariedade, Diogo de Figueiredo Moreira Neto entende que
existe prioridade de atuação dos corpos sociais sobre os corpos políticos no atendimento
dos interesses coletivos, “só passando cometimentos a estes depois que a sociedade, em
seus diversos níveis de organização, demandar sua atuação subsidiária”358. Para em
seguida sustentar que a subsidiariedade de atuação infla a delegação social “como forma de
devolver à sociedade organizada todas as atividades que, não obstante serem de definido
interesse público, não necessitem de tratamento político-burocrático nem exijam
ordinariamente o emprego do aparelho coercitivo estatal”359.
Como será tratado a seguir, a defesa dos interesses individuais homogêneos e
dos interesses coletivos stricto sensu devem ser prioritariamente tutelados através da
delegação social e subsidiariamente pelo Ministério Público do Trabalho, exceto na defesa
355
MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Regulação estatal e interesses públicos, cit., p. 96.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito administrativo, cit., p. 152-154.
357
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito administrativo, cit., p. 152.
358
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito administrativo, cit., p. 153.
359
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito administrativo, cit., p. 153.
356
168
dos interesses de indivíduos excluídos de grupos ou classes ou que pertençam a grupos não
organizados, ou, ainda, com relação àqueles grupos sociais despidos de poder econômico,
social, político ou que seus interesses colidam com os interesses do grupo dirigente do seu
corpo representativo. Com relação aos interesses difusos que envolvam interesses sociais
dos trabalhadores, a atuação é prioritária.
3. Defesa das categorias de trabalhadores: Sindicato ou Ministério Público do
Trabalho?
A fragmentação social, ao mesmo tempo em que ocasiona a multiplicação do
interesse público, possibilita a criação de diversos corpos intermediários, capazes de
repartir entre si o dever de cumprir os interesses públicos.
Com a crescente participação popular e fortalecimento de grupos
representativos da sociedade, a “reserva” dos interesses tutelados pelo MPT tende a
diminuir, pois esses grupos são naturalmente mais representativos na defesa dos interesses
de seus representados. Lembre-se que a lei ordinária amplia a legitimidade para a tutela
dos interesses coletivos, não cabendo apenas ao Ministério Público (artigo 129 CF) a
legitimidade para a defesa dos interesses sociais.
Como visto nos capítulos anteriores, o Estado e o MPT não conseguem mais
tutelar todos os interesses públicos, seja por limitação orçamentária, como por falta de
pessoal especializado. Em nosso entender, a lei tende a diminuir a necessidade de uma
intervenção clássica do Ministério Público do Trabalho, em clara posição favorável aos
corpos intermediários e atuação direta do cidadão em prol da coletividade, deixando à
Instituição a tutela de forma subsidiária a outros entes legitimados que representam as
categorias.
O Ministério Público do Trabalho não tem condições de atuar em todos os
casos que demandam sua defesa, por isso, no nosso entendimento, tem que priorizar a
atuação na defesa dos interesses coletivos dotados de hipossuficiência. Em outras palavras,
o MPT deve atuar de forma a não permitir o aniquilamento dos interesses de indivíduos
excluídos de grupos ou classes ou que pertençam a grupos não organizados. O parquet
169
deve tutelar, prioritariamente, aqueles grupos sociais despidos de poder econômico, social
ou político. Apenas desta forma ele poderá realizar o equilíbrio próprio daquela justiça
proporcional defendida por Aristóteles: “o justo nesta acepção é, portanto, o proporcional,
e o injusto é o que viola a proporcionalidade”360 (1131b), ou, em outras palavras, dar mais
aos que têm menos, e menos para aqueles que têm mais; tratar os iguais com igualdade e os
desiguais na respectiva desigualdade.
Analisamos também que o crescimento de atuação do MPT tem importantes
limitações no custeio das suas operações (licitação, criação de cargos mediante aprovação
de lei, percentual máximo para pagamento da folha dos servidores, verbas de custeio para
equipamentos e materiais de consumo, etc.) e uma crescente expansão da burocracia,
enquanto a atividade dos entes não estatais se beneficia de “menores custos e da
desnecessidade de uma gestão burocrática”361. Como a tutela dos interesses públicos e
coletivos não é privativa do MPT, cabe também aos outros entes legitimados a sua defesa.
Por isso deve haver um redirecionamento de sua atuação com vista a tutelar os interesses
mais relevantes e escolhidos pela sociedade que representa. Cabe compartilhar esta atuação
da melhor forma possível para atuar com eficácia.
Por outro lado, enquanto o MPT tem sua atuação eminentemente na defesa do
interesse público e da legislação que protege os direitos sociais constitucionalmente
assegurados, os sindicatos e as associações tutelam os interesses coletivos de cunho
patrimoniais e privatísticos. E esta afirmação de certa forma é compartilhada por Diogo de
Figueiredo Moreira Neto, para quem
Se, por um lado, o interesse coletivo pode ser facilmente visualizado
como um interesse privado, por outro, pode aparecer submetido a um
tratamento público, como ocorre nos dissídios coletivos trabalhistas. Do
mesmo modo, quanto ao interesse difuso, embora possa ser ele objeto de
tutela e de representação privadas, dada a sua incindibilidade conceptual,
nada obsta que venha a receber tutela e representação públicas,
confundindo-se com o interesse público. Observa-se que, embora todos
os interesses e direitos difusos possam ser públicos, a recíproca não é
verdadeira362.
360
ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. Tradução de Mário da Gama Kury. 4. ed. Brasília: Ed. da
Universidade de Brasília, 2001. p. 97.
361
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito administrativo, cit., p. 154.
362
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito administrativo, cit., p. 155-156.
170
Contudo, isto não impede que eventualmente essas entidades de caráter privado
não possam tutelar os interesses públicos quando estes coincidam com os interesses
privados daquelas.
Por sua vez, devem-se criar mecanismos de incentivo para a tutela coletiva
pelas associações e sindicatos, pois tenho notado, por experiência adquirida como membro
do MPT, que esses entes representativos provocam a atuação do MPT e deixam de atuar,
em uma clara referência ao que Carlos Alberto de Salles, citando Komesar, Rawls e
Chayes, denomina de “caronas”363. Além dos benefícios e poderes já existentes, como
isenção de custas às associações e sindicatos nas ações coletivas, legitimidade para
propositura de ação civil pública e não adiantamento dos honorários periciais, entendemos
que os sindicatos e as associações também têm o direito de acesso aos documentos
trabalhistas obrigatórios, tais como livro de registro de empregados, cartões de ponto,
comprovante de regularidade dos depósitos fundiários e contribuições previdenciárias,
desde que respeitadas a privacidade dos empregados (exemplo: valor dos salários,
portabilidade de alguma doença, etc.). Outro poder que deveria ser estendido às
associações e sindicatos é a possibilidade de firmar termo de ajustamento de conduta,
desde que com a interveniência e concordância expressa do MPT, tal como ocorre no caso
previsto no artigo 5º, § 1ª da Lei nº 7.347/1985, em que o parquet oficia como fiscal da lei.
Em nossa opinião, a defesa do interesse coletivo deve ser tutelada,
prioritariamente, pelos corpos intermediários que representam o grupo ou categoria, e os
difusos pelo MPT, pois como observa Carlos Alberto de Salles,
Quanto mais concentrado (o interesse, conforme o número de pessoas
envolvidas), maior a parcela de benefício cabente a cada indivíduo
pessoalmente, tornando mais provável que estes indivíduos, motivados
por sua parcela pessoal de interesse, assumam a iniciativa em sua
proteção. Nessa perspectiva, os interesses mais concentrados tendem a ser
super-representados, inversamente aos mais difusos, que tendem a ser
sub-representados364.
363
SALLES, Carlos Aberto de. Políticas públicas e a legitimidade para defesa de interesses difusos e
coletivos, cit., p. 43.
364
SALLES, Carlos Aberto de. Políticas públicas e a legitimidade para defesa de interesses difusos e
coletivos, cit., p. 43.
171
Por sua vez, como sustenta Carlos Henrique Bezerra Leite, a legitimidade para
atuação do Ministério Público do Trabalho, na defesa dos interesses coletivos ou
individuais homogêneos, deve ser verificada diante de cada caso concreto, a fim de apurar
se os mesmos trazem ou podem trazer reflexos negativos para a coletividade365. Assim, a
simples definição de que um interesse é coletivo ou individual homogêneo não justifica a
atuação do MPT, como, por exemplo, se um empregador suprimir o pagamento de uma
gratificação semestral, este fato, por si só, não legitima a investigação por parte do parquet
trabalhista. Da mesma forma, não cabe ao MPT investigar se determinados gerentes
bancários são realmente excluídos do controle de jornada, pois, além de a análise ser
individualizada a cada caso concreto, o que contraria a finalidade das ações coletivas, é
inviável que seja dada uma sentença genérica que unifique todos os casos dos ditos
gerentes; a conduta do banco não traz reflexos negativos diretos para a coletividade, mas
para os casos individuais e disponíveis de cada empregado. No mesmo sentido, defende
Amauri Mascaro Nascimento:
A ação coletiva pressupõe sempre uma sentença genérica que, como tal,
deve servir para todos os casos nela unificados. Logo, diferentes
situações entre empregados da mesma empresa ou de mais de uma
empresa são obstáculos para que a sentença possa ser genérica. Falta, no
caso, o fio condutor comum entre essas situações em detrimento da
homogeneidade, pressuposto que possibilita uma sentença genérica.
Se o Juiz tiver que apreciar situações individuais específicas, a sentença
não será genérica. Sentença genérica exige execução genérica, a menos
que cada favorecido resolva ingressar com execução singular.366
Entretanto, se o empregador não cumpre com os limites legais da jornada de
trabalho dos seus empregados, o MPT deve investigar a conduta por ofensa à saúde dos
trabalhadores que reflete negativamente para a coletividade, independentemente do
pagamento das horas correspondentes.
Por fim, e paralelamente a esta atuação subsidiária do Ministério Público do
Trabalho, que deve priorizar e incentivar a atuação dos corpos intermediários
representativos das categorias na defesa dos interesses individuais homogêneos e coletivos
365
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ministério Público do Trabalho: doutrina, jurisprudência e prática, cit.,
p. 36.
366
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. A defesa do direito coletivo em ação civil pública. Revista do
Advogado, São Paulo, ano 28, n. 97, p. 8, maio 2008.
172
stricto sensu, a Instituição deve atuar com maior rigor quando existe conflito de interesses
entre a categoria dos trabalhadores e o respectivo sindicato, e na defesa daqueles
trabalhadores não organizados ou dispersos, como crianças, adolescentes, pessoas em
situação análoga à escravidão ou domésticas, além da defesa dos interesses difusos.
4. O Ministério Público do Trabalho e a execução de políticas sociais
Hoje em dia, a forma mais usual de implementação de políticas sociais pelo
Ministério Público do Trabalho é através da conversão das indenizações impostas nos
termos de ajustamento de conduta ou nas ações civis públicas em bens materiais ou
dinheiro para instituições de atendimento à população lesada, como ocorre na compra de
equipamentos doados aos hospitais públicos que socorrem acidentados do trabalho. Esta
forma é a mais direta para atender a população lesada, pois a empresa que possui meio
ambiente de trabalho inapropriado e que gera, consequentemente, maiores acidentados do
trabalho, sobrecarrega o sistema de saúde pública e tem responsabilidade em “ressarcir” ou
reconstituir o prejuízo público originado por sua conduta.
Esta conduta de conversão da indenização está prevista no artigo 13 da Lei da
Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985), que dispõe sobre a possibilidade de ser cobrada
indenização pelo dano causado, reversível a um fundo criado com a finalidade de proteção
e reconstituição dos bens lesados. Ora, como visto, se uma das finalidades da ação civil
pública é a efetividade da tutela coletiva e de que para a defesa dos direitos e interesses
coletivos lato sensu são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua
adequada e efetiva tutela (artigo 83 da Lei n. 8.078/1990), não vejo motivos de se restringir
destinações alternativas à “reconstituição dos bens lesados”, como entrega de
equipamentos hospitalares, computadores para a formação profissionalizante de pessoas
com deficiência, etc.
Em sentido semelhante, Hugo Nigro Mazzilli já se manifestou:
O objetivo inicial do fundo era gerir recursos para reconstituição dos bens
lesados. Gradativamente, sua destinação veio sendo ampliada: pode hoje
ser usado para recuperação de bens, promoção de eventos educativos e
científicos, edição de material informativo relacionado com a lesão, bem
como modernização administrativa dos órgãos públicos responsáveis pela
execução da política relacionada com a defesa do interesse desenvolvido.
173
(...)
A doutrina refere-se ao fundo de reparação de interesses difusos como
fluid recovery, ou seja, alude ao fato de que deve ser usado com certa
flexibilidade, para uma reconstituição que não precisa e às vezes nem
mesmo pode ser exatamente a reparação do mesmo bem lesado. O que
não se pode é usar o produto do fundo em contrariedade com sua
destinação legal, como para custear perícias 367.
Entretanto, esta destinação de recursos indenizatórios previstos em termos de
ajustamento de conduta ou acordos judiciais firmados no âmbito das ações civis públicas a
instituições em geral, como hospitais, associações e escolas, tem sido alvo de
questionamentos por parte do Tribunal de Contas da União (TCU). Segundo entendimento
do TCU, tais recursos devem ser destinados ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT)
ou outro fundo específico (FDD, por exemplo) ou à Superintendência Regional do
Trabalho, órgão que possui certa vinculação com a função368 do Ministério Público do
Trabalho. Alega-se que somente o Executivo é que deve definir políticas públicas lato
sensu e destinar recursos conforme as prioridades da Administração. Posição equivocada,
no meu entender, conforme já exposto no capítulo II.
Por outro lado, como já sustentado anteriormente, entendemos equivocada a
destinação de recursos, objetos materiais, instrumentos e doações obtidos em virtude da
proposta de transação em termo de ajustamento de conduta ou acordo judicial ofertados
pelo Ministério Público, ao próprio órgão Institucional, à Superintendência Regional do
Trabalho e Emprego ou a qualquer outro órgão de fiscalização. Isto porque a fiscalização
do trabalho poderá ser taxada de parcialidade, com vista a obter bens revertidos das
indenizações provenientes de investigações que iniciaram com a lavratura do auto de
infração. O Auditor Fiscal do Trabalho, com abuso de autoridade e/ou desvio de finalidade,
autua a empresa e remete o Auto de Infração ao Ministério Público do Trabalho, que, por
sua vez, instaura inquérito civil e propõe a celebração de termo de ajustamento de conduta
com previsão de bens móveis destinados à Superintendência Regional do Trabalho e
Emprego, como, por exemplo, veículos automotores ou microcomputadores.
367
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor e outros
interesses difusos e coletivos, cit., p. 331-333.
368
Celso Antônio Bandeira de Mello define “função” como o exercício no interesse alheio de um poder
exercido em conta de dever legal (Grandes temas de direito administrativo, cit., p. 117).
174
Por isso, já defendemos anteriormente que eventual destinação de equipamentos
ou valores decorrentes de indenizações previstas nos termos de ajustamento de conduta ou
nos acordos judiciais sejam revertidos exclusivamente às entidades sociais e assistenciais,
públicas ou privadas, seguindo-se os critérios de alternância e da prioridade da entidade
beneficiada,
escolhidas
mediante
realização
de
audiência
pública
convocada
especificamente com a finalidade de se formar cadastro único de possíveis beneficiários,
conforme sugerido pela Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público do
Trabalho, no procedimento PGT/CCR/Nº 8002/2008. Esta possibilidade de se destinar
recursos e equipamentos provenientes de multas e indenizações em favor de entidades
públicas locais permite a restituição à sociedade vitimada de benefícios diretos,
restaurando interesses difusos que foram atingidos pelo ato lesivo, lembrando-se que não
existe nenhum fundo específico de reparação dos danos trabalhistas. Daí nosso
entendimento que esta opção não viola o disposto no artigo 13 da Lei da Ação Civil
Pública.
Na verdade, a eleição periódica destas entidades públicas, sociais e
assistenciais pela sociedade nas audiências públicas convocadas especificamente para esta
finalidade atende aos princípios da transparência, impessoalidade e igualdade entre todos
(pessoas físicas ou jurídicas) – que, em suma, são corolários da democracia, e recompõe os
interesses que foram atingidos pelo ato lesivo discutido no inquérito civil ou na ação civil
pública. Da mesma forma, estes recursos podem ser empregados em campanhas
publicitárias, cursos, seminários ou cartilhas informativas, pois visam a recomposição do
bem lesado e a impedir que aconteça novamente o dano.
5. A necessária reformulação do Ministério Público do Trabalho para a efetivação do
interesse público
O Ministério Público do Trabalho necessita de uma reformulação que invista
na ampliação de canais de comunicação com a sociedade para melhor atender aos seus
anseios e se aproximar dela, já que, em última análise, os fundamentos de existência da
Instituição são a proteção do interesse público e dos direitos fundamentais. Assim, se o
Ministério Público deve defender o interesse público e a ordem jurídica justa, que eles
sejam coincidentes com a expressão da vontade popular para que depois esta sociedade não
175
acabe por considerar o parquet substituível. O Ministério Público, como defende Fábio
Konder Comparato369, deve ser o ministério do povo, tendo-o como aliado principal. Não
adianta a Instituição exigir que a sociedade defenda a independência e a autonomia do
parquet e seja contrária ao projeto legislativo conhecido como “lei da mordaça”, se os
próprios membros não defendem o real interesse público desta coletividade. Em outras
palavras, o Ministério do Povo deve defender os interesses do povo, pois como bem
lembrado por Diogo de Figueiredo Moreira Neto, “as instituições nascem, desenvolvem-se
e, quando não mais são úteis, desaparecem”370, e depois conclui: “já consideramos normal
que os povos vivam sob o império da vontade da lei, resta-nos trabalhar para que a lei seja
expressão de suas vontades”371.
E nunca é demais ressaltar que o membro do Ministério Público do Trabalho,
em todos os seus atos, administrativos ou institucionais, deverá sempre ter a preocupação
com o interesse público, não importando a forma ou o instrumento adotado para consultar
os atores sociais. O membro deve ter a plena consciência de que é em função do interesse
público que o Ministério Público existe e por isso deve sempre buscar incessantemente o
interesse público. Como mencionado por Dalmo Abreu Dallari, “não se tem aquele ponto
de partida prévio, aquela escala de valores previamente estabelecida, a partir da qual se
tiram conclusões para a consideração do interesse público. Há, então, a necessidade de
coleta constante de valores, de comportamento e de outros dados e de sistematizações
constantes, para que permanentemente se reveja a conceituação de interesse público”372.
O Ministério Público deve incentivar mecanismos de participação popular, isto
é, potencializar as possibilidades de contribuição da sociedade civil através dos inúmeros
instrumentos a sua disposição para consulta popular, tais como audiência pública, páginas
na internet, pesquisa de opinião pública, blog e outras novas tecnologias da informação
colocadas à disposição da população. Mas para isto também, convém que sejam
implementados melhores canais de comunicação com a sociedade, seja através de centros
369
COMPARATO, Fábio Konder. O Ministério Público na defesa dos direitos econômicos, sociais e
culturais, cit., p. 254-255.
370
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito da participação política: legislativa, administrativa,
judicial: fundamentos e técnicas constitucionais da legitimidade, cit., p. XVII.
371
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito da participação política: legislativa, administrativa,
judicial: fundamentos e técnicas constitucionais da legitimidade, cit., p. XVIII.
372
DALLARI, Dalmo de Abreu. Interesse público na contratação das entidades da administração
descentralizada, cit., p. 14.
176
de atendimento à população, seja através da realização de audiências públicas periódicas,
como também à pluralidade de fontes independentes de informação. E no intuito de
resguardar a liberdade de informação, o parquet deve garantir o exercício do direito de
antena, de forma que a sociedade tenha livre acesso às mais diversas fontes de informação
e possa também contribuir na sua difusão. Em outras palavras, o MP deve participar
ativamente para a libertação da mídia, de forma que o poder da informação não fique
restrito a grupos particulares de interesses sociais e econômicos. Pois como afirma Jürgen
Habermas, após citar pensamento de M. Foucault, “formação de saber e formação de poder
constituem uma unidade indissolúvel”373, ou seja, se realmente defendemos (e
pretendemos) que a soberania é do povo, este deve ter acesso livre e amplo à informação
para que possa ser o verdadeiro detentor do poder.
É fundamental este inter-relacionamento com a sociedade, até mesmo através
da pressão social para que o MPT e outras instituições públicas busquem atender às suas
necessidades, pois, como já analisado anteriormente, a fragmentação social e a
heterogeneidade dos interesses públicos provoca uma pressão popular sobre o Estado e o
Ministério Público, em razão da impossibilidade de atender à demanda cada vez maior e mais
complexa. No mesmo sentido, Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto entende que
a multiplicação de demandas sociais desatendidas leva aqueles
indivíduos, inicialmente organizados socialmente para reivindicar seus
interesses, a fortalecer e ampliar seus mecanismos de organização de
modo a pressionar o Estado para, num contexto de escassez de recursos,
terem suas expectativas seletivamente atendidas374.
Esta pressão torna-se cada vez maior para o Estado e Ministério Público, por
três fatores: aumento das expectativas sociais, demandas mais complexas, e impotência do
Estado para responder às demandas, seja pelos parcos recursos, quer pela ausência de
instrumentos eficientes diante da sua crescente complexidade. A pressão popular e a
fiscalização são imprescindíveis para uma melhor atuação dos Poderes e do Ministério
Público formado por seres humanos que muitas vezes podem vir a se acomodar ou a deixar
de prestar “contas” aos cidadãos contribuintes. E esta pressão pode ser viabilizada através
373
HABERMAS, Jürgen. O discurso filosófico da modernidade: doze lições. Tradução Luiz Sérgio Repa,
Rodinei Nascimento. 2. tir. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
374
MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Regulação estatal e interesses públicos, cit., p. 116117.
177
dos instrumentos de participação popular e na definição do interesse público, como
também na obrigatoriedade de divulgar seus atos e contas. A própria divulgação de dados
dos Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público possibilitaram um
maior controle popular e uma maior pressão por uma atuação mais eficiente e transparente.
As contas do Governo estão disponibilizadas de uma forma mais clara, fácil e transparente,
o que possibilita o cidadão controlar os gastos dos Poderes e do Ministério Público. O
Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público cobram uma
maior eficiência e agilidade nos órgãos do Poder Judiciário e nos ramos do Ministério
Público, pois o cidadão passou a ter acesso às estatísticas e contas destes órgãos.
A fiscalização social e a participação na definição do interesse público pela
sociedade são viáveis, principalmente com os novos instrumentos tecnológicos de
comunicação, porém, é necessário vontade política. Cabe à Instituição, que tem atribuição
para defender os interesses sociais, a democracia e a soberania popular, tomar a iniciativa
na implementação de melhores canais de comunicação com a sociedade e tutelar a
liberdade de comunicação e informação, sem qualquer ingerência dos Poderes Executivo e
Legislativo e dos poderes econômicos.
178
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188
ANEXO
EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA DO MPT
EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA DO MPT
GRUPO DA DESPESAi
2004 a 2008
ORÇAMENTO
Proporção em %
EXERCICIO
406.091.647
100,00
2004
PESSOAL E ENCARGOS SOCIAIS
352.940.996
86,91
OUTRAS DESPESAS CORRENTES
39.929.393
9,83
INVESTIMENTOS
4.721.258
1,16
INVERSÕES FINANCEIRAS
8.500.000
2,09
452.240.256
100,00
PESSOAL E ENCARGOS SOCIAIS
375.627.240
83,06
OUTRAS DESPESAS CORRENTES
54.736.134
12,10
INVESTIMENTOS
18.875.881
4,17
INVERSÕES FINANCEIRAS
3.001.000
0,66
586.266.450
100,00
PESSOAL E ENCARGOS SOCIAIS
462.680.246
78,92
OUTRAS DESPESAS CORRENTES
70.498.700
12,03
INVESTIMENTOS
43.532.504
7,43
INVERSÕES FINANCEIRAS
9.555.000
1,63
689.822.662
100,00
PESSOAL E ENCARGOS SOCIAIS
493.271.268
71,51
OUTRAS DESPESAS CORRENTES
90.215.122
13,08
INVESTIMENTOS
50.804.272
7,36
EXECUTADO
2005
2006
2007
189
55.532.000
8,05
798.335.371
100,00
PESSOAL E ENCARGOS SOCIAIS
645.483.886
80,85
OUTRAS DESPESAS CORRENTES
105.851.691
13,26
INVESTIMENTOS
43.132.794
5,40
INVERSÕES FINANCEIRAS
3.867.000
0,48
INVERSÕES FINANCEIRAS
2008
FONTE: SIAFI e Departamento de Orçamento e Finanças da Procuradoria Geral do Trabalho – Ministério
Público do Trabalho.
i
Despesas com Pessoal e Encargos Sociais – grupo de natureza da despesa que abrange todas as despesas de
natureza salarial decorrentes do efetivo exercício de cargo, emprego ou função de confiança, como
aposentadorias, reformas e pensões, as obrigações trabalhistas de responsabilidade do empregador, como o
salário, as gratificações e indenizações.
Outras Despesas Correntes – grupo de natureza da despesa que representa os encargos que não implicam
em acréscimo patrimonial, como os gastos com a aquisição de material de consumo, o pagamento de
serviços prestados por pessoa física ou pessoa jurídica, destinados à manutenção do órgão e não abrangidos
pelo grupo representado pelas despesas com pessoal e encargos sociais.
Investimentos – grupo de natureza da despesa que agrupa toda e qualquer despesa relacionada com:
planejamento e execução de obras, aquisição de imóveis e instalações, equipamentos e material
permanente, constituição ou aumento de capital de empresas que não sejam de caráter comercial ou
financeiro.
Inversões financeiras - grupo de natureza da despesa que abrange os gastos com: aquisição de imóveis em
utilização, aquisição de bens para revenda, aquisição de títulos de crédito e de títulos representativos de
capital já integralizado, constituição ou aumento de capital de empresas e concessão de empréstimos.
Fonte: Departamento de Orçamento e Finanças da Procuradoria Geral do Trabalho - Ministério Público do
Trabalho.
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a importância da participação popular na definição do interesse