É TICA
Recolocação em xeque
Executivos que passaram por empresas envolvidas em escândalos
de corrupção estão com os currículos manchados?
Camargo Corrêa, Odebrecht, Petrobras, OAS, UTC, Engevix,
Mendes Junior, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão. Esses são
alguns nomes que nós brasileiros nos acostumamos a ouvir nos noticiários, mas que, infelizmente, têm sido relacionados a questões negativas como corrupção e propina.
Rapidamente a marca e o nome dessas grandes empresas ficaram
manchados, principalmente do ponto de vista da ética e de compliance. Os crimes ainda estão sendo investigados, e as empresas, assim
como seus empresários e executivos, têm se defendido, mas pairam
no mercado julgamentos e opiniões.
Muitas pessoas não acreditam que colaboradores, principalmente em cargos estratégicos e de liderança, não sabiam dos esquemas. E exprimem suas opiniões sobre suas condutas e ética. Sabendo
disso, todo esse cenário teria impacto e influência no currículo de um
profissional, mais especificamente um executivo, que tenha em seu
documento alguns desses nomes?
Para Francisco Santos, filosofo-eticista e consultor da Aprendo a
Pensar, é preciso levar em consideração dois perfis de executivo, os
estratégicos e os operacionais. Os primeiros, segundo ele, terão seus
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currículos manchados por terem trabalhado nas empresas envolvidas
com corrupção: “Não tem como ser um executivo estratégico e alegar
não saber dos esquemas de corrupção”. Já os executivos táticos e
operacionais, ele afirma que é preciso investigar mais sobre suas participações ou não nos esquemas de corrupção, para depois verificar
se suas trajetórias profissionais foram prejudicadas.
Questionado se em algum momento esses executivos podem
sofrer preconceito no mercado, Santos é enfático em dizer que sempre haverá dúvidas sobre suas idoneidades. “Não se trata de preconceito, e sim, de fatos”, diz.
Santos cita a posição do RH diante desse cenário: “Imagine que
você é responsável pela entrevista do candidato ao cargo de diretor e
recebeu alguns currículos com o perfil desejado. Você percebeu uma
semelhança neles: todos os candidatos trabalharam nas construtoras
acusadas na Operação Lava Jato. O que fazer?”. Ele então dá algumas hipóteses:
1. A pessoa não sabia de nada: se ela alegar isso, já não serve
para trabalhar. Se você deseja alguém curioso, atento, etc., você não
vai contratar uma pessoa que estava na alta gerência e não sabia o que
estava ocorrendo na empresa. É muita alienação e falta compromisso
com os resultados.
2. A pessoa sabia, mas não participou: como pode ter senso de
justiça e ética e permanecer na empresa que estava fraudando os
cofres públicos por tanto tempo? Não faz sentido se aproximar de
gente assim. Essas pessoas sempre acharão uma justificativa e desculpa para tudo.
3. A pessoa sabia, participou e se arrependeu: nesse caso o
atalho vai custar caro. A pessoa não deveria ter escolhido ir por esse
caminho; mesmo que tenha sido ameaçada, sempre há outras alternativas. O arrependimento agora não representa nada se a pessoa não
reconstruir sua percepção de vida e futuro de forma genuína, evolutiva e ética.
Para Santos, atalhos existem para pôr à prova a nossa fibra. Eles
se apresentam na a todo momento, exigindo uma escolha diante do
trajeto anterior trilhado por cada um. Segundo ele, por mais humilde
que seja o colaborador, se quiser, consegue saber se a empresa está
seguindo atalhos ou trajetos planejados. “Se é uma pessoa que trabalha pela causa, não tem como ficar incauto nessas horas. Se trabalha
apenas pelo dinheiro (o que não deixa de ser um atalho), pode ‘não
querer saber’, pois é na zona de conforto das pessoas que o atalho
mais se desenvolve. Todos merecem uma segunda chance? Em termos! Penso que, se a pessoa sabia dos ‘esquemas’ mas preferiu se
‘fingir de morta’, a segunda chance dela é abrir o seu negócio e seguir
em frente. Eu não a contrataria. Afinal, se fizesse isso, estaria optando
também por um atalho”, diz.
Elza Veloso, professora do PROGEP (Programa de Estudos em
Gestão de Pessoas) da FIA (Fundação Instituto de Administração),
diz que os executivos dessas empresas podem, sim, sofrer preconceitos e devem se preparar para responder a possíveis contestações.
Mas ela aconselha: “Explicar a própria atuação e a distância entre
suas funções e os problemas que envolveram a empresa é uma saída.
Explicar a distância entre as denúncias e a culpa real da empresa também pode ajudar. Muitas vezes, a autoimagem do profissional fica
prejudicada em situações como essa. Então, é preciso separar a
própria carreira da empresa e valorizar a própria trajetória profissional, independentemente da organização”.
Para Elza, há uma distância entre o que é divulgado na imprensa
e a realidade do ambiente organizacional. A complexidade das organizações investigadas, muitas vezes, distancia os executivos que
atuam no dia a dia da companhia das decisões que favoreceram a corrupção noticiada.
Francisco Santos, filosofo-eticista e consultor
da Aprendo a Pensar: "Não tem como ser um
executivo estratégico e alegar não saber dos
esquemas de corrupção".
Como filtro ao RH que avaliará esse profissional, Elza comenta
que a tendência dos processos seletivos mais avançados é avaliar
competências e potencial. Nesse sentido, ela diz que, para trabalhar
com essas questões em uma contratação, a experiência profissional
deve ser apenas uma das informações a serem consideradas. O aspecto mais importante deve ser a maneira como a pessoa se desenvolveu
em seus empregos anteriores e em outras experiências pessoais e
profissionais. De forma geral, é preciso focar mais na reputação do
profissional do que na reputação do empregador anterior.
Olhar de headhunter
Marcos Minoru, consultor de carreira na Produtive Carreira e
Conexões com o Mercado e ex-diretor de RH da Toyota, diz não ter
visto preconceito do mercado por executivos que trabalham em
empresas que estejam com seu nome diretamente envolvido nos
escândalos. Pelo contrário, ele comenta que, se o profissional está
numa empresa hoje envolvida com corrupção e o procura para discutir sua carreira, exatamente porque teme que isso vá prejudicar seu
currículo, o efeito é diametralmente oposto: o recrutador/selecionador deveria depositar mais confiança nesse profissional que, em
tese, não concorda com as ações que alguns (e não todos) praticaram
e que estão a denegrir a imagem da instituição.
Ele mesmo comenta ter passado por essa experiência, em 2002,
quando a Arthur Andersen foi acusada de acobertar as fraudes contábeis de clientes como Enron e WorldCom. Como Recursos
Humanos da empresa, percebeu, no Brasil, que os fatos ocorridos nos
EUA não afetaram a imagem de credibilidade que os profissionais
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Marcos Minoru, consultor de carreira na Produtive
Carreira e Conexões com o Mercado: "É realmente
preconceituoso assumir que alguém que trabalha numa
empresa acusada de corrupção é igualmente corrupto".
tinham com clientes e parceiros de negócios – incluindo headhunters.
“Anos depois, em decisão inédita da Suprema Corte dos EUA, ela
admitiu seu erro de julgamento, e a Arthur Andersen foi absolvida
das acusações, o que comprova o fato de que é realmente preconceituoso assumir que alguém que trabalha numa empresa acusada de
corrupção é igualmente corrupto.”
Questionado se quando trabalhava como RH essa era uma preocupação, ele diz “jamais”, e explica: “Ter a preocupação de contratar
alguém que não seja leniente com a corrupção é algo que independe
da origem do profissional – até mesmo porque a maioria das empresas está sujeita a isso”.
Para o RH filtrar todas essas informações, ele explica que existem ferramentas elaboradas de investigação comportamental que
mapeiam o "potencial de desvio de conduta" das pessoas e que
servem de parâmetro para uma avaliação mais aprofundada em
entrevistas.
Mas, particularmente no caso brasileiro, ressalta ser emblemático discutir isso. “Não que a corrupção não exista em outros países.
No Japão, por exemplo, há corrupção. Mas a visão do povo japonês
– de que se trata de um desvio sério para o qual a punição é o suicídio
[manter a honra da família por seppuku] – é quase diametralmente
oposta à que o brasileiro tem do fato. Muito embora, em função da
quantidade recente de ocorrências, o brasileiro esteja despertando
para essa autorreflexão, é prática comum o corrupto ou corruptor ser
pego, contratar um bom advogado, manter sua vida como se nada
estivesse a ocorrer e ele ainda se sentir desonrado pela acusação,
colocando-se como vítima. Por isso, fica ainda mais estranho falar
em preconceito contra pessoas que trabalham ou trabalharam em
empresas acusadas de corrupção. Muitas vezes, o preconceituoso é
aquele que, em seu dia a dia pessoal, comete pequenos delitos, de
caráter igualmente corruptivo, como adquirir produtos pirateados,
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solicitar desconto em consultas médicas sem a emissão de recibos,
pagar um ‘cafezinho’ para um policial liberar seu veículo pego com
alguma irregularidade, e por aí vai. Quem é ele, então, para julgar o
candidato ou entrevistado?”
O diretor da Brasil Vagas Executivas, Uilson Fernandes, tem a
mesma percepção de Minoru. Para ele, o mercado é muito grande, e
o fato de ter trabalhado em uma empresa que esteja envolvida com
corrupção não significa que aquele executivo tenha participado ativamente da corrupção. Em sua visão, a decisão de corromper ou ser
corrompido envolve pouquíssimas pessoas, principalmente altos
executivos ligados à presidência. “Toda uma estrutura organizacional segue ordens e executa um plano estratégico conforme estipulado pela alta direção”, diz.
Ele ressalta que não se pode generalizar e "julgar" uma legião de
executivos e profissionais por algo que alguém ou um pequeno
grupo de pessoas decide. Segundo Fernandes, um processo de recrutamento e seleção busca descobrir se o profissional tem ética e honestidade em todas as empresas e áreas de atuação, desde um vendedor, comprador, analista de folha de pagamento, até o controller, gerente comercial, diretor de marketing ou mesmo o CEO.
O especialista comenta ainda que são várias as formas de um
recrutador filtrar as informações dos candidatos, com o considerar o
tempo de permanência em cada empresa – pois a estabilidade pressupõe responsabilidade e compromisso –, buscar alguém que tenha
trabalhado com o profissional nas últimas empresas para tirar referências ou fazer perguntas sobre situações cotidianas que envolvem ética.
Questionado se a ética é realmente uma preocupação durante
um processo seletivo, Fernandes responde que sim, está sempre presente. E em seu processo, busca avaliar o profissional desde o momento em que ele atende ao telefone em um primeiro contato, assim
como sua educação, suas respostas às perguntas, a forma como
negocia, seus últimos empregos, seu LinkedIn e tudo o que puder ser
analisado. “Somente após termos clareza do passado do executivo e
avaliar qualquer indício de falta de ética é que apresentamos ao
cliente para avaliação final.”
Os dilemas profissionais
Luciano Roberto Oliveira era coordenador e engenheiro da
Odebrecht. Assim como muitos empregados, foi demitido neste ano,
devido à falta de trabalho. Seu cargo não era de executivo estratégico, porém, diz que nunca ficou tanto tempo desempregado (dois
meses).
Ele conta que, há dois anos, o currículo de profissionais que trabalhavam no ramo da construção era valorizado, principalmente se
tivessem trabalhado em empresas com o porte da Odebrecht. Atualmente, porém, diz sentir certo preconceito das empresas quando
olham seu currículo, já que, além de ter o nome Odebrecht, também
tem o Camargo Correa.
Ele conta que nas entrevistas o tempo todo é questionado se
percebia algo errado acontecendo nas empresas. Luciano lembra
que recentemente passou por um processo seletivo em uma multinacional japonesa em que deram certeza para ele sobre a conquista da
vaga. Faltava apenas uma última conversa com o diretor da fábrica,
e nessa entrevista ele foi bombardeado com questionamentos sobre
se sabia ou não o que estava ocorrendo na Odebrecht. “Eu respondo
que não sabia o que estava acontecendo, não tinha como saber, mas
eles continuam me questionando: ‘Você diz que não sabia, mas se
soubesse, o que faria?’. Eu não sei o que esperam que eu responda,”
Oliveira comenta que, em 21 anos de profissão, este é o momento em que mais ficou parado. Antigamente, de dez processos seletivos, oito empresas o chamavam para trabalhar. Hoje, depois de
dois meses parado, foram apenas quatro processos seletivos dos
quais conseguiu participar.
Questões éticas
Contratar um executivo que tenha trabalhado em empresas
envolvidas em corrupção é ir contra código de conduta ou não pensar na ética dentro da empresa? Para Santos, cada caso deve ser analisado em particular. Cada empresa tem seu código de conduta, com
parâmetros específicos que devem ser levados em conta na hora de
uma contratação. Se a empresa, por interesses outros, for contra o
seu próprio código de conduta, essa ferramenta passa a não valer
mais nada para os demais colaboradores. Nesse sentido, o código de
conduta tem um papel fundamental nas contratações. Por exemplo:
se no código de conduta está escrito que a empresa só deve contratar
pessoas com imagem e reputação ilibadas, no caso de um candidato
que tenha trabalhado na área estratégica de uma empresa envolvida,
fica difícil justificar sua contratação para os demais colaboradores.
Elza explica que, em qualquer processo seletivo de executivos,
questões éticas devem ser levantadas. Mas a ética do profissional
não é exatamente dependente da atuação da empresa anterior em seu
mercado, a não ser que esse executivo esteja pessoalmente envolvido em episódios de corrupção. “Portanto, contratá-lo não significa
não pensar em ética.”
Durante os processos seletivos, ela diz que o melhor é propor
discussões sobre situações práticas e polêmicas e avaliar a maneira
como os profissionais reagem a elas. Questões situacionais em
entrevistas e em dinâmicas de grupo são uma boa maneira de verificar as reações. “Nesse caso, é importante estabelecer previamente
os parâmetros do que é esperado de tais reações.”
Na visão de Santos, a empresa não pode apenas tratar a ética em
momentos específicos. “Uma companhia que deseja que seus colaboradores tenham uma postura ética tanto dentro como fora da organização deve ter uma agenda ética e tratar do assunto com mais frequência e estruturação. Minha experiência com o assunto tem
mostrado que, quando a empresa adota uma postura ética em suas
Uilson Fernandes, diretor do Brasil
Vagas Executivas: "Somente após termos
clareza do passado do executivo e
avaliar qualquer indício de falta de ética
é que apresentamos ao cliente
para avaliação final".
ações, todo o entorno melhora. Melhoram as relações entre os colaboradores, clientes, fornecedores, acionistas, comunidade, imprensa, governo etc. Essa experiência mostra também que não é fácil
implementar essa postura ética. Não basta distribuir o código de
conduta para todos. É necessário vivenciar, discutir, refletir sobre os
conceitos éticos como um todo. Ser ético não é apenas não fazer mal
para alguém. A ética é como o horizonte. Quando você se aproxima
dos seus conceitos, ela se afasta. Apenas podemos caminhar em
direção à ética”, diz.
O filósofo afirma que o referencial ético se aprimora cada vez que
discutimos, refletimos e agimos pensando na ética como fio condutor
de nossas vidas. As organizações têm de ter espaço para essa discussão. Pelo menos uma vez por mês, deve-se parar com a operação
da empresa e criar discussões éticas sobre as ações do dia a dia.
Devem-se programar também workshops, palestras, fóruns e assim
por diante, abordando o tema e conceitos éticos. Quanto mais compreendemos tais conceitos, mais percebemos o quanto nos falta
evoluir como seres humanos. Quando a empresa cria essa agenda
ética, os resultados são melhores e mais perenes. A companhia
começa a pensar no legado que vai deixar, e isso muda o paradigma
predador. Essa nova postura cria significado, e os colaboradores se
engajam de forma mais colaborativa. Se tudo isso for genuíno, a mágica acontece, tornando a empresa mais rica, ética e inspiradora.
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