PROJETO LEITURA E DIDATIZAÇÃO
INOCÊNCIA
VISCONDE DE TAUNAY
Possíveis dialogismos trabalhados neste Projeto
1. Histórias de amor e morte: desfechos trágicos (Leitura 1)
I. Cirino e Inocência: amor e tragédia
II. Tristão e Isolda: um antecedente lendário
III. A morte de Teresa e o sofrimento de Simão Botelho
IV. A morte por amor na poesia romântica brasileira
2. A paisagem sertaneja e o regionalismo romântico brasileiro
(Leitura 2)
I. A descrição do espaço e do homem sertanejos em Inocência
II. O sertão e o sertanejo em José de Alencar
III. Os costumes sertanejos em Bernardo Guimarães
3. Casamentos arranjados e pais sonhadores (Leitura 3)
I. Pereira e a sonhada união de Inocência e Manecão Doca
II. A família Esquina e os planos para Francisca e Daniel
LEITURA 1
HISTÓRIAS DE AMOR E MORTE: DESFECHOS TRÁGICOS
A primeira proposta de trabalho com o romance Inocência, de
uma perspectiva dialógica, toma por base o trabalho com textos que
unem as temáticas do amor e da morte. O ponto de partida é o desenlace da história romântica de Cirino e Inocência, protagonistas do
romance escrito por Visconde de Taunay. Em seguida, propõe-se uma
reflexão em torno do desfecho da célebre narrativa medieval Tristão e
Isolda, procurando identificar os antecedentes literários da temática
romântica dos amantes separados pela morte. A penúltima atividade
trata do final do romance português Amor de perdição, de Camilo
Castelo Branco. Por fim, a primeira unidade se encerra com um
estudo do poema “Se se morre de amor”, de Gonçalves Dias, visando
a enfatizar a recorrência do tema da morte por amor (ou do amor que
conduz tragicamente à morte) no período romântico. Leia os trechos
1
com atenção, procurando identificar as relações estabelecidas entre
eles, e reflita sobre as questões propostas.
E com os braços erguidos acenava para Manecão.
[...]
Inocência, coitadinha...
Exatamente nesse dia fazia dois anos que o seu gentil corpo
fora entregue à terra, no imenso sertão de Sant’Ana do Paranaíba,
para aí dormir o sono da eternidade.
TAUNAY, Visconde de. Inocência. São Paulo: Saraiva, 2009 (Clássicos Saraiva).
I. CIRINO E INOCÊNCIA: AMOR E TRAGÉDIA
1. O fragmento acima foi extraído das páginas finais do romance
Inocência, de Visconde de Taunay. Com base na leitura, responda
às seguintes questões:
a) De que forma ocorre a morte do protagonista Cirino?
TEXTO 1
2
Ficara Cirino estendido de bruços. Reunindo as forças, que se
lhe escapavam com o sangue, voltou-se de costas e prorrompeu em
vociferações contra o inimigo, que o contemplava sardônico.
– Matador!... vil!... sim... conheço Inocência... Ela é minha...
Infame!... Mataste-me... mas mataste também a ela!... Que te fiz eu?...
Deus te há de amaldiçoar... sim, meu Deus, meus santos... maldição
sobre este assassino... Foge, foge... minha sombra há de seguir-te
sempre...
– Melhor, interrompeu Manecão do alto do cavalo, isso mesmo
é o que eu quero.
– Ah! queres? continuou Cirino com voz rouquejante, não é?...
Pois bem!... De noite e de dia... minha alma há de estar contigo... sempre, sempre!...
Calou-se por um pouco e, revolvendo-se no chão, passou a mão
pela testa. Lentejava-lhe dos poros o suor frio e visguento da morte.
Foi seu rosto abandonando a expressão de rancor; a respiração
tornou-se-lhe mais difícil.
[...]
Quero, quero morrer como cristão... Que me importa agora o
mundo, a vingança... tudo?... só Inocência!... Coitada de Inocência...
Quem sabe... se... ela... não morrerá? Manecão, dá-me água. Água
pelo amor de Deus!... Desce do cavalo, homem... É um defunto que
te pede... Desce!...
b) Cirino afirma que, possivelmente, após a sua morte, Inocência
também morrerá. Retire do texto dois trechos correspondentes a
essa afirmação.
c) Tomando por base as características gerais do movimento
romântico, como pode ser caracterizado o amor de Cirino e
Inocência?
d) Que atitude tomada por Cirino, na hora da morte, revela seu
caráter de herói romântico idealizado?
3
TEXTO 2
4
Quando Isolda reconheceu o anel de jaspe verde, seu coração
fremiu e sua cor mudou, e, temendo o que ia ouvir, atraiu Kaherdin a
um canto perto de uma janela [...]. Kaherdin disse-lhe simplesmente:
– Senhora, Tristão está ferido por uma espada envenenada e
vai morrer. Manda dizer-vos que só vós podeis lhe dar socorro na sua
aflição. Lembra-vos os grandes sofrimentos e as dores que suportastes
juntos. Guardai este anel, ele vo-lo dá.
[...]
Em Carhaix, Tristão definhava. Desejava a vinda de Isolda. Nada
mais o consolava e, se ainda vivia, era porque esperava.
[...]
Isolda exclamou:
– Ai de mim, desgraçada! Deus não quer que eu viva o bastante
para ver Tristão, meu amigo, uma vez mais, somente uma vez. [...]
Tristão, se eu vos tivesse falado mais uma vez, pouco me importaria
morrer depois. Amigo, se eu não chegar até vós, é porque Deus não o
quer, e é a minha pior dor. Minha morte nada é para mim: já que Deus
a quer, aceito-a; mas, amigo, quando o souberdes, morrereis, bem o
sei. Nosso amor é de tal estofo, que não podeis morrer sem mim, nem
eu sem vós. Vejo nossa morte diante de mim ao mesmo tempo que
a minha. [...] Que Deus nos conceda, amigo, que eu vos cure, ou que
morramos ambos de uma só angústia!
[...]
Tristão virou-se para a parede e disse:
– Não posso reter minha vida por mais tempo.
Disse três vezes: “Isolda, amiga!” Na quarta vez, entregou sua
alma a Deus.
[...]
Isolda, a Loura, desembarcou.
[...]
Em seguida, descobriu um pouco o corpo, estendeu-se junto dele,
em todo o comprimento do seu amigo, beijou-o na boca e no rosto e o
abraçou bem apertado: corpo contra corpo, boca contra boca, assim ela
entregou sua alma. Morreu junto dele, de dor por seu amigo.
BÉDIER, Joseph. O romance de Tristão e Isolda. Trad. Luis Claudio de Castro e
Costa. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
II. TRISTÃO E ISOLDA: UM ANTECEDENTE LENDÁRIO
2. O fragmento acima foi extraído do capítulo final da história trágica
de Tristão e Isolda. Com base na leitura, responda às questões abaixo:
a) Tristão está ferido e à beira da morte. Mesmo fraco, que sentimento ainda o prende à vida?
b) Qual é o principal desejo de Isolda ao saber que seu amado está
morrendo?
c) Que concepção de amor está presente no relato dos momentos
finais de Tristão e Isolda?
d) De que modo o desfecho da história de Tristão e Isolda se aproxima do desenlace do romance Inocência?
TEXTO 3
À meia-noite, estendeu Simão o braço trêmulo ao maço das
cartas que Teresa lhe enviara, e contemplou um pouco a que estava
ao de cima, que era dela. Rompeu a obreia, e dispôs-se no camarote
para alcançar o baço clarão da lâmpada.
Dizia assim a carta:
“É já o meu espírito que te fala, Simão. A tua amiga morreu.
5
6
A tua pobre Teresa, à hora em que leres esta carta, se me Deus não
engana, está em descanso.
Eu devia poupar-te a esta última tortura; não devia escrever-te;
mas perdoa à tua esposa do céu a culpa, pela consolação que sinto em
conversar contigo a esta hora, hora final da noite da minha vida.
Quem te diria que eu morri, se não fosse eu mesma, Simão?
Daqui a pouco, perderás da vista este mosteiro; correrás milhares de
léguas, e não acharás, em parte alguma do mundo, voz humana que
te diga: – A infeliz espera-te noutro mundo, e pede ao Senhor que
te resgate.
[...]
Não vão estas palavras acrescentar a tua pena. Deus me livre de
ajuntar um remorso injusto à tua saudade.
Se eu pudesse ainda ver-te feliz neste mundo; se Deus permitisse à minha alma esta visão!... Feliz, tu, meu pobre condenado!...
Sem o querer, o meu amor agora te fazia injúria, julgando-te capaz
de felicidade! Tu morrerás de saudade, se o clima do desterro te não
matar ainda antes de sucumbires à dor do espírito.
[...]
Oh! Simão, de que céu tão lindo caímos! À hora que te escrevo,
estás tu para entrar na nau dos degredados, e eu na sepultura.
[...]
Abençoado sejas, Simão! Deus te proteja, e te livre de uma agonia longa. Todas as minhas angústias lhe ofereço em desconto das
tuas culpas. Se algumas impaciências a justiça divina me condena,
oferece tu a Deus, meu amigo, os teus padecimentos, para que eu
seja perdoada.
Adeus! À luz da eternidade parece-me que já te vejo, Simão!”
BRANCO, Camilo Castelo. Amor de perdição. São Paulo:
Saraiva, 2009. (Clássicos Saraiva).
III. A MORTE DE TERESA E O SOFRIMENTO DE SIMÃO BOTELHO
3. O trecho acima foi retirado do final do romance Amor de perdição,
de Camilo Castelo Branco, e apresenta a última carta enviada pela personagem Teresa a seu amado Simão. Com base na leitura, responda
às questões:
a) Qual a intenção de Teresa ao enviar a carta para Simão?
b) A separação do casal será definitiva? Justifique sua resposta levando em consideração a concepção romântica de amor.
c) Em que medida o desfecho de Amor de perdição se aproxima do
final do romance Inocência?
TEXTO 4
SE SE MORRE DE AMOR
Se se morre de amor! — Não, não se morre,
Quando é fascinação que nos surpreende
De ruidoso sarau entre os festejos;
Quando luzes, calor, orquestra e flores
Assomos de prazer nos raiam n’alma,
Que embelezada e solta em tal ambiente
No que ouve, e no que vê prazer alcança!
[...]
Amor é vida; é ter constantemente
Alma, sentidos, coração — abertos
Ao grande, ao belo; é ser capaz d’extremos,
D’altas virtudes, até capaz de crimes!
Compr’ender o infinito, a imensidade,
E a natureza e Deus; gostar dos campos,
D’aves, flores, murmúrios solitários;
Buscar tristeza, a soledade, o ermo,
E ter o coração em riso e festa;
E à branda festa, ao riso da nossa alma
Fontes de pranto intercalar sem custo;
Conhecer o prazer e a desventura
No mesmo tempo, e ser no mesmo ponto
O ditoso, o misérrimo dos entes;
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Isso é amor, e desse amor se morre!
DIAS, Gonçalves. Poesia lírica e indianista. São Paulo: Ática, 2003.
IV. A MORTE POR AMOR NA POESIA ROMÂNTICA BRASILEIRA
4. O texto transcrito consiste em um fragmento do poema “Se se
morre de amor”, de Gonçalves Dias. Com base na leitura, responda às questões propostas:
a) O eu-lírico afirma que existem dois tipos possíveis de amor.
Identifique-os e caracterize-os.
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b) Segundo o eu-lírico, qual dos dois tipos de amor é verdadeiro?
Justifique sua resposta e transcreva um verso do poema que a
comprove.
c) De acordo com o poema, é possível morrer de amor? Justifique
sua resposta.
d) Com base nas reflexões sobre o poema, qual dos dois tipos de
amor apresentados pelo eu-lírico está presente nos textos anteriormente analisados? Explique.
LEITURA 2
A PAISAGEM SERTANEJA E O REGIONALISMO
ROMÂNTICO BRASILEIRO
A segunda proposta de leitura do romance Inocência, de uma
perspectiva dialógica, destaca a caracterização do espaço sertanejo
na obra de Taunay e procura estabelecer relações com dois outros
textos pertencentes à vertente regionalista do Romantismo brasileiro. O primeiro fragmento foi extraído do capítulo de abertura de
Inocência e apresenta trechos que descrevem a paisagem do interior
do Mato Grosso no século XIX. Em seguida, propõe-se um trabalho
de comparação com passagens selecionadas do primeiro capítulo
do romance O sertanejo, de José de Alencar, no qual são apresentados elementos característicos do sertão cearense. O tratamento
conferido, pelos escritores românticos, ao espaço e aos costumes
sertanejos poderá ser verificado igualmente na descrição feita por
Bernardo Guimarães, no início do romance O ermitão de Muquém,
das práticas dos romeiros que peregrinavam, pelo interior do Brasil,
em direção a ermidas e locais sagrados. Leia os textos com atenção e
responda às questões propostas no decorrer desta unidade.
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TEXTO 5
10
Ali começa o sertão chamado bruto.
Pousos sucedem a pousos, e nenhum teto habitado ou em ruínas, nenhuma palhoça ou tapera dá abrigo ao caminhante contra a
frialdade das noites, contra o temporal que ameaça, ou a chuva que
está caindo. Por toda a parte, a calma da campina não arroteada;
por toda a parte, a vegetação virgem, como quando aí surgiu pela
vez primeira.
[...]
Nesses campos, tão diversos pelo matiz das cores, o capim
crescido e ressecado pelo ardor do sol transforma-se em vicejante
tapete de relva, quando lavra o incêndio que algum tropeiro, por
acaso ou mero desenfado, ateia com uma faúlha do seu isqueiro.
Minando à surda na touceira, queda a vívida centelha. Corra
daí a instantes qualquer aragem, por débil que seja, e levanta-se a
língua de fogo esguia e trêmula, como que a contemplar medrosa e
vacilante os espaços imensos que se alongam diante dela. Soprem
então as auras com mais força, e de mil pontos, a um tempo, rebentam sôfregas labaredas que se enroscam umas nas outras, de
súbito se dividem, deslizam, lambem vastas superfícies, despedem
ao céu rolos de negrejante fumo e voam, roncando pelos matagais
de tabocas e taquaras, até esbarrarem de encontro a alguma margem de rio que não possam transpor, caso não as tanja para além o
vento, ajudando com valente fôlego a larga obra de destruição.
Acalmado aquele ímpeto por falta de alimento, fica tudo debaixo de espessa camada de cinzas. O fogo, detido em pontos, aqui,
ali, a consumir com mais lentidão algum estorvo, vai aos poucos
morrendo até se extinguir de todo, deixando como sinal da avassaladora passagem o alvacento lençol, que lhe foi seguindo os velozes
passos
Através da atmosfera enublada mal pode então coar a luz do
sol. A incineração é completa, o calor intenso, e nos ares revoltos
volitam palhinhas carboretadas, detritos, argueiros e grânulos de
carvão que redemoinham, sobem, descem e se emaranham nos
sorvedouros e adelgaçadas trombas, caprichosamente formadas
pelas aragens, ao embaterem umas de encontro às outras.
Por toda a parte melancolia; de todos os lados tétricas perspectivas.
[...]
Nessas aflitas paragens, não mais se ouve o piar da esquiva perdiz, tão frequente antes do incêndio. Só de vez em quando
ecoa o arrastado guincho de algum gavião, que paira lá em cima
ou bordeja ao chegar-se à terra, a fim de agarrar um ou outro réptil
chamuscado do fogo que lavrou.
Rompe também o silêncio o grasnido do caracará, que aos
pulos procura insetos e cobrinhas ou, junto ao solo, segue o voo
dos urubus, cujos negrejantes bandos, guiados pelo fino olfato,
buscam a carniça putrefata.
[...]
O legítimo sertanejo, explorador dos desertos, não tem, em
geral, família. Enquanto moço, seu fim único é devassar terras, pisar campos onde ninguém antes pusera pé, vadear rios desconhecidos, despontar cabeceiras e furar matas, que descobridor algum até
então haja varado.
Cresce-lhe o orgulho na razão da extensão e importância das viagens empreendidas; e seu maior gosto cifra-se em enumerar as correntes caudais que transpôs, os ribeirões que batizou, as serras que
transmontou e os pantanais que afoitamente cortou, quando não levou
dias e dias a rodeá-los com rara paciência.
TAUNAY, Visconde de. Inocência. São Paulo: Saraiva, 2009 (Clássicos Saraiva).
I. A DESCRIÇÃO DO ESPAÇO E DO HOMEM SERTANEJOS EM INOCÊNCIA
1. O texto transcrito foi extraído do capítulo de abertura do romance
Inocência. Com base no fragmento, responda às seguintes questões:
a) Quais são as características gerais do sertão descrito pelo narrador?
b) Que acontecimento torna a paisagem ainda mais desoladora?
11
c) Que elementos da fauna sertaneja estão presentes na descrição?
d) De que modo o sertanejo se relaciona com o espaço que o cerca?
TEXTO 6
12
Esta imensa campina, que se dilata por horizontes infindos, é
o sertão de minha terra natal.
Aí campeia o destemido vaqueiro cearense, que à unha de
cavalo acossa o touro indômito no cerrado mais espesso, e o
derriba pela cauda com admirável destreza.
[...]
A civilização que penetra pelo interior corta os campos de
estradas, e semeia pelo vastíssimo deserto as casa e mais tarde
as povoações.
Não era assim no fim do século passado, quando apenas
se encontravam de longe em longe extensas fazendas, as quais
ocupavam todo o espaço entre as raras freguesias espalhadas
pelo interior da província.
Então o viajante tinha de atravessar grandes distâncias
sem encontrar habitação, que lhe servisse de pousada [...]
A chapada, que os viajantes atravessavam neste momento, tinha o aspecto desolado e profundamente triste que tomam
aquelas regiões no tempo da seca.
Nessa época o sertão parece a terra combusta do profeta;
dir-se-ia que por aí passou o fogo e consumiu toda a verdura,
que é o sorriso dos campos e a gala das árvores, ou o seu manto,
como chamavam poeticamente os indígenas.
[...]
O capim, que outrora cobria a superfície da terra de verde
alcatifa, roído até a raiz pelo dente faminto do animal e triturado pela pata do gado, ficou reduzido a uma cinza espessa que o
menor bafejo do vento levanta em nuvens pardacentas.
O sol ardentíssimo coa através do mormaço da terra abrasada uns raios baços que vestem de mortalha lívida e poenta os
esqueletos das árvores, enfileirados uns após outros como uma
lúgubre procissão de mortos.
[...]
Estes ares, em outras épocas povoados de turbilhões de
pássaros loquazes, cuja brilhante plumagem rutilava aos raios
do sol, agora ermos e mudos como a terra, são apenas cortados
pelo voo pesado dos urubus que farejam a carniça.
[...]
Quem pela primeira vez percorre o sertão nessa quadra,
depois de longa seca, sente confranger-se-lhe a alma até os últimos refolhos em face dessa inanição da vida, desse imenso
holocausto da terra.
ALENCAR, José de. O sertanejo. 6. ed. São Paulo: Melhoramentos, [s.d.]
II. O SERTÃO E O SERTANEJO EM JOSÉ DE ALENCAR
2. O trecho transcrito apresenta o início do romance O sertanejo,
de José de Alencar. Com base no fragmento, responda às questões
abaixo:
a) Quais são as características gerais do sertão descrito pelo narrador?
b) Qual época do ano é mais retratada na descrição? O que ocorre
com a paisagem do sertão nessa época?
13
c) Que elementos da fauna sertaneja estão presentes na descrição?
d) Que semelhanças existem entre a descrição do sertão cearense,
feita por José de Alencar, e a descrição do sertão mato-grossense, feita
pelo Visconde de Taunay?
arranchar em um belo sítio nas campinas graciosamente acidentadas do município do Patrocínio, junto à margem de um ribeirão,
chamado Rio de S. João. A paisagem era enlevadora, o tempo magnífico.
O rio corre escoltado em uma e outra margem por uma orla
de árvores alterosas e da mais formosa ramagem; o rancho está situado em um delicioso vargedo cerca de duzentos passos de distância do leito do rio, cujo brando murmúrio... não se ouvia, pois corre manso e silencioso como a jiboia escorregando sutilmente pela
vereda úmida dos brejos. O tope escuro dos arvoredos destacava-se
vivamente no horizonte inflamado pelos clarões do sol poente.
Enquanto os camaradas tratavam de pensar os animais, e preparava-se a comida frugal e grosseira, mas suculenta, do viajante nessas
paragens, eu e meus companheiros pendurávamos dos esteios do rancho a nossa rede, essa companheira inseparável do viandante do sertão,
em cujo seio tanto lhe apraz embalar-se descansando das fadigas da
jornada, e cismando saudades do seu país.
GUIMARÃES, Bernardo. O ermitão de Muquém. São Paulo: Saraiva, 1967.
III. OS COSTUMES SERTANEJOS EM BERNARDO GUIMARÃES
14
TEXTO 7
As peregrinações devotas ou romarias são de uso imemorial
em todos os países católicos.
[...]
Lá bem longe, no coração dos desertos, em uma das mais
remotas e despovoadas províncias do Império, existe uma das mais
notáveis e concorridas dessas romarias, notável, sobretudo, se atendermos ao sítio longínquo e às enormes distâncias que os romeiros
têm de percorrer para chegarem ao solitário e triste vale em que se
acha erigida a capelinha de Nossa Senhora da Abadia do Muquém
na província de Goiás, cerca de oitenta léguas ao norte da capital
e a sete léguas da povoação de S. José de Tocantins, à margem de
um pequeno córrego que tem o significativo nome de Córrego das
Lágrimas. Das mais remotas paragens acodem romeiros a essa isolada capelinha para implorar à santa o alívio de seus padecimentos
e trazer-lhe preciosas oferendas. Durante alguns dias do ano aquele
lôbrego e escuro sítio transforma-se em uma ruidosa e festiva povoação; o Muquém é sem contestação a romaria mais concorrida e
a mais em voga do interior.
[...]
Viajávamos eu e mais dois companheiros vindos de Goiás, e atravessávamos a província de Minas com direção à corte; acabávamos de
3. O trecho acima pertence ao início do romance O ermitão de
Muquém, de Bernardo Guimarães. Responda às questões abaixo,
tomando por base a leitura do fragmento:
a) Que aspecto da religiosidade popular é apresentado pelo narrador?
b) Retire do texto expressões que demonstrem que a capela de
Nossa Senhora da Abadia do Muquém ficava em um lugar distante
e de difícil acesso.
c) De acordo com o narrador, quais são as características gerais
do sertão percorrido pelos viajantes? De que modo esses traços se
aproximam das descrições presentes nos fragmentos anteriores?
15
TEXTO 7
d) Que costumes dos viajantes sertanejos estão presentes na narrativa?
LEITURA 3
CASAMENTOS ARRANJADOS E PAIS SONHADORES
16
Esta última unidade coloca em diálogo fragmentos de romances
que ilustram as antigas práticas dos casamentos por arranjo. Em Inocência, o zeloso pai da jovem protagonista mostra-se preocupado em
relação ao futuro da filha e a promete em casamento para um homem rude e grosseiro. O trecho selecionado para comparação foi
extraído do romance As pupilas do senhor reitor, do português Júlio
Dinis; na passagem escolhida, um casal de comerciantes discute
sobre a possibilidade de casar a filha com um jovem médico recémformado. Leia com atenção os textos e procure traçar um paralelo
entre as situações por eles apresentadas, respondendo às questões
propostas.
Antes de sair da sala, deteve Pereira o hóspede com ar de
quem precisava tocar em assunto de gravidade e ao mesmo tempo
de difícil explicação.
[...]
– Vejo, disse ele com algum acanhamento, que o doutor não
é nenhum pé-rapado, mas nunca é bom facilitar... E já que não há
outro remédio, vou dizer-lhe todos os meus segredos... Não metem
vergonha a ninguém, com o favor de Deus; mas em negócios da
minha casa não gosto de bater língua... Minha filha Nocência fez 18
anos pelo Natal, e é rapariga que pela feição parece moça de cidade,
muito ariscazinha de modos, mas bonita e boa deveras... Coitada,
foi criada sem mãe, e aqui nestes fundões. Tenho outro filho, este
um latagão, barbudo e grosso que está trabalhando agora em porcadas para as bandas do Rio.
– Ora muito que bem, continuou Pereira caindo aos poucos
na habitual garrulice, quando vi a menina tomar corpo, tratei logo
de casá-la.
– Ah! é casada? perguntou Cirino.
– Isto é, é e não é. A coisa está apalavrada. Por aqui costuma labutar no costeio do gado para São Paulo um homem de mão-cheia, que
talvez o Sr. conheça... o Manecão Doca...
– Não, respondeu Cirino abanando a cabeça.
– Pois isso é um homem às direitas, desempenado e trabucador
como ele só... fura estes sertões todos e vem tangendo pontes de gado
que metem pasmo. Também dizem que tem bichado muito e ajuntado cobre grosso, o que é possível, porque não é gastador nem dado a
mulheres. Uma feita que estava aqui de pousada... olhe, mesmo neste
lugar onde estava mecê inda agorinha, falei-lhe em casamento... isto é,
dei-lhe uns toques... porque os pais devem tomar isso a si para bem de
suas famílias; não acha?
– Boa dúvida, aprovou Cirino, dou-lhe toda a razão; era do
seu dever.
– Pois bem, o Manecão ficou ansim meio em dúvida; mas
quando lhe mostrei a pequena, foi outra cantiga... Ah! também é
uma menina!...
[...]
– Esta obrigação de casar as mulheres é o diabo!... Se não
tomam estado, ficam jururus e fanadinhas...; se casam podem cair
nas mãos de algum marido malvado... E depois, as histórias!... Ih,
meu Deus, mulheres numa casa, é coisa de meter medo... São redomas de vidro que tudo pode quebrar... Enfim, minha filha, enquanto solteira, honrou o nome de meus pais... O Manecão que se
aguente, quando a tiver por sua...
17
[...]
Esta opinião injuriosa sobre as mulheres é em geral corrente
nos nossos sertões e traz como consequência imediata e prática,
além da rigorosa clausura em que são mantidas, não só o casamento convencionado entre parentes muito chegados para filhos
de menor idade, mas sobretudo os numerosos crimes cometidos,
mal se suspeita possibilidade de qualquer intriga amorosa entre
pessoa da família e algum estranho.
TAUNAY, Visconde de. Inocência. São Paulo: Saraiva, 2009 (Clássicos Saraiva).
I. PEREIRA E A SONHADA UNIÃO DE INOCÊNCIA E MANECÃO DOCA
1. O trecho acima foi extraído do capítulo V do romance Inocência.
Com base na leitura, responda às questões a seguir:
a) Qual era a principal preocupação de Pereira em relação à filha?
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b) Que critérios levaram Pereira a eleger Manecão Doca como o
futuro marido de Inocência?
c) Por que Pereira considerava tão importante pensar no casamento da filha?
d) Que visão a respeito das mulheres está presente na opinião de
Pereira sobre o casamento de Inocência?
TEXTO 8
No dia seguinte, Daniel voltou. A família Esquina, até sem exceção do elemento masculino, sorriu-lhe cordialmente.
O que fizera esquecer assim ao tendeiro as suas negras apreensões, e abrira em sorrisos aqueles sobrecenhos da véspera?
[...]
Foi o caso que, na véspera, depois que Daniel se retirou, a menina
Francisca, ainda pensativa e enleada, veio à janela para o ver passar, e ao
perdê-lo de vista, retirou-se suspirando.
Este suspiro entrou pelos ouvidos da mãe, a qual chegava à sala
naquela ocasião.
A Sr.ª Teresa teve uma ideia.
[...]
– Tem umas maneiras muito bonitas este rapaz — disse ela, fixando na filha o olhar mais investigador que tinha à sua disposição.
[...]
– E não lhe hão de faltar bons casamentos, a esse rapaz.
– Não – dizia a filha.
[...]
– E por que não o hás de tu ter, menina? – acrescentou ela, em
tom mais baixo e insinuante.
– Eu?
– Tu, sim, por que não? Para que gastou teu pai contigo, a mandar-te aprender os verbos, senão para poderes agora mostrar o que és,
e diferençar-te das outras?
[...] Por isso, menina, não deixes perder a ocasião. Acredita que
darás muito gosto a teus pais, se...
[...]
– Se?... perguntou a filha, e foi este de todos os monossílabos, que
até ali tinha soltado, o mais embaraçoso para a mãe.
– Se... sim... quero eu dizer, que eu e o teu pais não levaríamos
mal se... um dia o Sr. Daniel nos viesse pedir a tua mão.
[...]
A Sr.ª Teresa passou à loja, onde estava o marido.
– Ó João, olha que nós temos de conversar – disse-lhe ela, sentando-se ao pé do mostrador.
[...]
– Mas ouve. Essa visita de Daniel do Dornas não te deu o que
pensar?
[...]
– Que idade tem o Daniel?
– Eu sei lá?
– Vinte e tantos anos, vá. E que idade tem a Chica?
– Ela nasceu logo depois do cerco...
19
– Faz vinte anos para setembro.
– E daí?
– E daí? E quanto virá herdar o Daniel por morte do pais?
– Eu te digo... para cima de trinta mil cruzados, não
falando em...
– E ainda perguntas: “E daí?”.
João da Esquina olhou para a mulher significativamente, e não
deu palavra. Tinham-se compreendido os dois.
Passados momentos, murmurou o homem:
– Olha que não era mau, se...
[...]
É certo que eles se compreenderam assim, e largas horas ficaram
discutindo os teres e haveres de Daniel, e as probabilidades e vantagens
de uma união entre a casa dos Esquina e a dos Dornas, as quais, com
os anos, podiam fornecer sofríveis elementos para a confecção de um
brasão heráldico.
[...]
Conspirados assim os dois, sentiam-se radiosos de esperanças no
futuro.
DINIS, Júlio. As pupilas do senhor reitor. São Paulo: Ática, 1998.
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II. A família Esquina e os planos para Francisca e Daniel
2. O trecho acima foi extraído do romance As pupilas do senhor reitor,
escrito pelo português Júlio Dinis. Após a leitura, responda às questões
propostas:
a) Que qualidades do jovem Daniel são levadas em conta pela família
Esquina ao planejar o casamento de Francisca?
b) Que argumentos Teresa apresenta para a filha, em defesa da possibilidade de casamento com o médico?
c) Do ponto de vista dos pais de Francisca, que vantagens haveria no
casamento da filha com Daniel?
d) Que semelhanças e diferenças podem ser identificadas entre os
fragmentos dos romances de Júlio Dinis e Visconde de Taunay?
PESQUISE E POSICIONE-SE
O romance Inocência, obra regionalista escrita pelo Visconde
de Taunay, retrata a vida e os costumes no interior do Mato Grosso,
no século XIX. Com base no estudo realizado a respeito da obra,
reflita sobre as questões propostas a seguir.
• Ao retratar a vida em uma região afastada dos grandes centros urbanos, o romance mostra a vulnerabilidade dos
moradores a doenças graves, como a malária e a lepra. Pesquise em que medida, ainda hoje, os habitantes de regiões
distantes das grandes metrópoles ainda sofrem com a falta de
tratamento médico adequado.
• O protagonista Cirino percorria o sertão e curava os
doentes de suas enfermidades, mas não era formado em medicina. A formação precária de profissionais pode colocar a
vida dos pacientes em risco? Pesquise e relate casos atuais em
que amadores exerciam a medicina sem a devida formação.
Que riscos e consequências estão envolvidos nessa prática?
• O amor entre Inocência e Cirino era forte a ponto de
desafiar a morte. Você acredita na existência do chamado
“amor verdadeiro”, eterno e capaz de vencer todos os obstáculos? Em que medida essa concepção amorosa é uma idealização romântica?
• Inocência fora prometida pelo pai em casamento. A
moça deveria, ainda que contra a própria vontade, unir-se ao
rude Manecão Doca. Os pais ainda hoje exercem influência sobre a vida amorosa ou sobre o futuro profissional dos filhos?
Justifique sua resposta.
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PROJETO LEITURA E DIDATIZAÇÃO INOCÊNCIA VISCONDE DE