O
“TRABALHO
ESCRAVO”
DE
IMIGRANTES
AMERICANOS NO BRASIL CONTEMPORÂNEO1
Lucas Andrade de Morais
Clebianne Vieira Araújo
Emanuela Cardoso Rocha
LATINO-
O “TRABALHO ESCRAVO” DE IMIGRANTES
AMERICANOS NO BRASIL CONTEMPORÂNEO1
LATINO-
Lucas Andrade de Morais
Graduando em Direito, pelo Centro de Ciências Jurídicas e Sociais – CCJS
da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e graduando em
Administração Pública pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN). http://lattes.cnpq.br/4304836710800316
Clebianne Vieira Araújo
Graduanda em Direito, pelo Centro de Ciências Jurídicas e Sociais – CCJS
da
Universidade
Federal
de
Campina
Grande
(UFCG).
http://lattes.cnpq.br/1180950885750298
Emanuela Cardoso Rocha
Graduanda em Direito, pelo Centro de Ciências Jurídicas e Sociais – CCJS
da
Universidade
Federal
de
Campina
Grande
(UFCG).
http://lattes.cnpq.br/1105903544860752
RESUMO
Apesar de existirem diversas leis que proíbam o trabalho escravo no
Brasil e no mundo, ainda existem muitos imigrantes que trabalham em
condições
análogas
a
escravidão.
No
Brasil
os
imigrantes
ilegais
provenientes da América Latina, como os bolivianos, paraguaios, peruanos
e chilenos, vem para o Brasil com o intuito de mudar a situação de vida,
quando chegam se deparam com uma realidade totalmente diferente.
Sendo explorados constantemente a condições desumanas. O tráfico de
migrantes latino-americanos para o Brasil tem crescido isto porque este
país faz fronteira com os países de emigração. A pesquisa em questão tem
1
Trabalho apresentado no “VI Seminário Internacional de Direitos Humanos” (2010), com o tema “Direitos
Humanos e Integração Latino-Americana” no Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba
(UFPB-CCJ) – Campus I, João Pessoa-PB.
por objetivo analisar as condições de trabalhos de imigrantes latinoamericanos em condições análogas à escravidão e aos trabalhos forçados,
e avaliar as legislações constitucionais e infraconstitucionais pátrias,
latino-americana e internacional que ampare esses imigrantes. Para o
método de pesquisa foram utilizados o estudo comparado e a pesquisa
exploratória com base em notícias, documentos atinentes ao tema.
Procurando estabelecer as situações dos imigrantes e sua importância no
processo de integração econômica, social e cultural na América Latina.
PALAVRAS-CHAVES: Trabalho Escravo. Imigração. América Latina.
Brasil.
ABSTRACT
Although there are several laws that prohibit slavery work in Brazil and in
the world, there are many immigrants working in conditions similar to
slavery. In Brazil, the illegal immigrants from Latin America, like the
Bolivians, Paraguayans, Peruvians and Chileans that came to Brazil to
change their situation of life, when they arrive they are faced with a
totally
different
reality,
constantly
being
explored
into
inhumane
conditions. The trafficking of Latin American migrants to Brazil has grown
because this country is bordered by the countries of emigration. The
research project aims to examine the working conditions of Latin American
immigrants in conditions similar to slavery and forced labor, and evaluate
the constitutional laws, Latin American and international that care these
immigrants. For the research method were used the exploratory research
and comparative study based on news, documents pertaining to the
subject. Trying to establish the situations of immigrants and their
importance in the process of economic, social and cultural integration in
Latin America.
KEYWORDS: Slavery Work. Immigration. Latin America. Brazil.
1 Introdução
Ao mencionar trabalho escravo no Brasil, logo nos remete a
memória os negros, as senzalas, e os navios negreiros vindo da África,
entretanto, essa idéia de escravidão é a existente no período colonial do
Brasil, em que os escravos eram presos às terras dos senhores coloniais,
e não tinham direitos, além de viverem em péssimas condições, e era
parte integrante da propriedade do senhor colonial.
Quando
destacados
se
nos
falar
em
meios
de
trabalho
escravo
comunicações
contemporâneo,
trabalhadores
que
são
são
aprisionados em grandes fazendas, e vivem em condições desumanas,
sem terem a possibilidade de saírem do local por diversos fatores, apesar
do período de escravidão ter “acabado” no Brasil, e juridicamente ela não
é permitida a escravidão, em muitos locais do país pessoas vive em
situações análogas a escravidão.
Não só brasileiros são vítimas dessa “nova escravidão”, mas
também
os
imigrantes
latino-americanos,
em
sua
grande
maioria
peruanos, bolivianos e paraguaios, que vivem no Brasil ilegalmente,
muitos trabalham em fabricas no sul do país, configurando o chama
trabalho escravo urbano.
Assim, o artigo pretende analisar os trabalhos de imigrantes latinoamericanos em condições análogas à escravidão e/ou trabalhos forçados,
e avaliar as legislações constitucionais e infraconstitucionais pátrias e
internacional que ampare esses imigrantes.
O trabalho foi dividido em quatro momentos, inicialmente, buscouse uma abordagem conceitual do “Trabalho escravos” em suas dimensões.
Num segundo momento, levantou-se a legislação do que versam sobre
trabalho escravo, tanto no âmbito nacional, quanto no internacional. No
terceiro momento, tenta-se descreve de forma detalhada o trabalho
escravo de imigrantes latinos no Brasil contemporâneo. E por fim,
demonstram-se as ações e legislações que visam à proteção ao imigrante
no Brasil. Para tanto, utilizou-se métodos de pesquisas como estudo
comparado, visando uma relação entre as legislações nacionais e
internacionais, o exegético-jurídico, e a pesquisa exploratória com base
em notícias, documentos atinentes ao tema.
2 O Trabalho Escravo: noções gerais
A escravidão foi “abolida” em maio 1888, pela Lei Áurea2, assim as
práticas desse sistema também foram proibidas, a principal delas era
trabalho escravo, forma de trabalho degradante, aliado ao cerceamento
da liberdade dos trabalhadores. No contexto contemporâneo do “trabalho
escravo”, essa falta de liberdade se dar por meios de fatores como a
apreensão de documentos, a presença de guardas armados e “gatos” com
comportamentos
ameaçadores;
por
dívidas
contraídas
ilegalmente
impostas aos trabalhadores, ou então pela localização geográfica que
geralmente impede a fuga.
Esse tipo de “trabalho” foi utilizado no período colonial brasileiro. Os
colonizadores portugueses necessitavam de mão-de-obra, o emprego da
mesma, se dava por meio do trabalho compulsório, realizado de diversas
maneiras, a principal dela era o escravismo africano, em que o individuo
era propriedade do senhor colonial e não possuíam direitos, e só
adquiriram direitos a partir da promulgação da Lei Áurea.
2
Lei. nº 3.353 (Lei Áurea) – declarou extinta a escravidão no Brasil.
Passadas décadas da Lei Áurea, e com a modernização das
sociedades e do sistema jurídico, ainda existem hoje no Brasil o trabalho
escravo, deixando claro que tal mazela não foi erradicada. As diferenças
entre o trabalho escravo atual, para o trabalho escravo colonial são
poucas, tendo em vista que as duas possuem as mesmas violações aos
direitos humanos; o escravo atual não tem um padrão étnico, como
também o escravo atual não integra mais o patrimônio do senhor. Todavia
possuem os mesmos intuitos: angariar vantagens econômicas.
Muitos foram os conceitos adotados para descrever o atual “trabalho
escravo”, como trabalho forçado, compulsório, exploração de trabalhador,
escravidão branca, trabalho análogo à escravidão, servidão.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT), em seus publicados
vêm utilizando a expressão trabalho forçado para classificar o ato no qual
alguém desrespeita os direitos do trabalhador, atingindo sua integridade
física e moral, sua dignidade e o seu direito à liberdade e auto-gestão,
onde a “expressão trabalho forçado ou compulsório significará todo
trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob a ameaça de alguma
punição
e
para
o
qual
o
dito
indivíduo
não
se
apresentou
voluntariamente.” (OIT, 2003, p. 27,28).
A expressão trabalho forçado ou compulsório foi utilizada pela
primeira vez na Convenção n. 293 da OIT. A mesma instituição reconhece
ser a expressão trabalho forçado e compulsório um gênero que possui
várias espécies, como se observa neste fragmento de um relatório:
embora condenado em todo o mundo, o trabalho forçado
vem revelando novas e inquietantes facetas ao longo dos
tempos. Formas tradicionais de trabalho forçado, como a
escravidão e a servidão por dívida, ainda perduram em
algumas regiões, e práticas antigas desse tipo continuam
nos perseguindo até hoje. Nas [sic] novas e atuais
circunstâncias econômicas estão surgindo, por toda parte,
formas preocupantes como a do trabalho forçado em
3
Dispõe sobre a eliminação do trabalho forçado ou obrigatório em todas as suas formas. Admitem-se algumas
exceções, tais como o serviço militar, o trabalho penitenciário adequadamente supervisionado e o trabalho
obrigatório em situações de emergência, como guerras, incêndios, terremotos, etc.
conexão com o tráfico de seres humanos. (OIT, 2002, p.
1)
Por sua vez o trabalho escravo contemporâneo é:
Aquele em que o empregador sujeita o empregado a
condições de trabalho degradantes, inclusive quanto ao meio
ambiente em que irá realizar a sua atividade laboral,
submetendo-o, em geral, a constrangimento físico e moral,
que vai desde a deformação do seu consentimento ao
celebrar o vínculo empregatício, passando pela proibição
imposta ao obreiro de resilir o vínculo quando bem entender,
tudo motivado pelo interesse mesquinho de ampliar os
lucros à custa da exploração do trabalhador. (SENTO-SÉ,
2001, p. 27)
No atual trabalho escravo contemporâneo no Brasil, pode-se
destacar que nessa nova escravidão relacionada com a escravidão antiga
no que se refereà propriedade legal, é proibido, uma pessoa ser
proprietária de outra, ou seja, na atual escravidão o patrão não é mais
dono do escravo, mais o mantém sobre seu domínio por meios ilegais. Já
o custo de compra do “novo escravo” é baixo, pois esses escravos não são
comprados, mas aliciados e, muitas das vezes o patrão gasta apenas com
o transporte do trabalhador até a propriedade. Os lucros são altos, visto
que o patrão não tem gastos com o trabalhador, ou seja, se algo
acontecer, o trabalhador é simplesmente mandado embora, sem nenhum
direito, o que configura uma mão-de-obra descartável, pois, existem
muitas pessoas que estão desempregadas e são os principais alvos dos
aliciadores (“gato”).
Ainda tratando das diferenças entre a antiga e atual escravidão no
Brasil, na antiga escravidão, o relacionamento entre o escravo e o senhor
colônia
podia
perdurar
a
vida
toda,
enquanto
na
atual
qualquer
divergência com o patrão o escravo é mandado embora sem nenhum
auxílio.
Outra
característica
importante
neste
contexto
é
que
diferentemente da escravidão colonial o “novo escravo” não tem uma
estereotipo étnico padrão, ou seja, brancos também podem ser escravos,
diferentemente do antigo sistema escravocrata brasileiro.
3 Legislações e o “Trabalho Escravo”
Ao tratar do aparato legal que condena e proíbe o trabalho escravos
ou degradantes, em todas as suas formas e em qualquer situação,
devemos mencionar a conquista de direitos de todas as pessoas, com a
promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, esta
carta tornou-se um instrumento bastante utilizado na defesa dos direitos,
que foram violados em diferentes momentos da história da humanidade,
entre eles o trabalho escravo.
Nesse sentido, a Declaração de 1948, prezando pelo principio da
igualdade entre as pessoas e o banimento da escravidão em todos os
países, preceitua em seus artigos 1º e 4º, da DUDH (1948):
Art. 1º Todas as pessoas nascem livres e iguais em
dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e
devem agir em relação umas às outras com espírito de
fraternidade.
Art. 4º. Ninguém será mantido em escravidão ou
servidão, a escravidão e o tráfico de escravos serão
proibidos em todas as suas formas. [Grifo nosso] (BRASIL,
2007, p. 14)
No Art. 1º, é ressalvado o principio da igualdade entre os
homens, nesse contexto não existe ninguém com mais ou menos direitos
do que outros, que ninguém pode ter seus direitos sobrepostos sobre o de
outrem, tendo em vista que aqueles direitos são superiores. Tal
argumento não existe mais. Por esse motivo, visando às violações sofridas
pelos escravos no
período colonial, e
as situações desumanas e
degradantes sofridas por esses seres humanos, foi preceituado no Art. 4º,
que ninguém será mantido em escravidão, ficando proibido o tráfico de
escravos, em todas as suas formas.
Outro instrumento jurídico importante no combate ao trabalho
escravo e suas formas, são as convenções internacionais da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), onde em 1930, a OIT apresentou a
convenção de nº 29 sobre o trabalho forçado, onde esta trata da
eliminação dos trabalhos forçados ou obrigatórios. Outra convenção
importante foi a nº 1054, publicada em 1957, onde ficou decidida a
abolição do trabalho forçado, além de proibir o uso de todas as suas
formas. Além de outros documentos sobre os princípios e direitos
fundamentais no trabalho da OIT (1998)5, nessa declaração é promovido
e aplicado os princípios como a liberdade de associação, eliminação de
todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório, abolição do trabalho
infantil, dentre outros.
A Constituição do Brasil de 1988 traz em seu capítulo primeiro,
a garantia da dignidade da pessoa humana e os valores sociais do
trabalho humano, preceituando que “todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros, residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade (...)” (Art. 5º, caput, da CF/88). Portanto,
estrangeiros e brasileiros são iguais perante a lei, sendo seus direitos
invioláveis, como o direito a liberdade, justamente este direito que é
desrespeitado no sistema escravista.
4
Convenção 105 - Abolição do trabalho forçado (1957): proíbe o uso de toda forma de trabalho forçado ou
obrigatório como meio de coerção ou de educação política; como castigo por expressão de opiniões políticas ou
ideológicas; a mobilização de mão-de-obra; como medida disciplinar no trabalho, punição por participação em
greves, ou como medida de discriminação.
5
Declaração sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, em que os países-membros da OIT
firmaram um compromisso de respeitar, promover e aplicar os princípios fundamentais e direitos no trabalho,
como a liberdade de associação e organização sindical; o reconhecimento efetivo do direito de negociação
coletiva; a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório; e a abolição do trabalho infantil.
Outra norma jurídica brasileira que trata do trabalho escravo é o
Código Penal Brasileiro6, com o intuito de punição a quem pratica a
escravidão, dispõe:
Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de
escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a
jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições
degradantes de trabalho, quer restringindo, por
qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida
contraída com o empregador ou preposto:
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da
pena correspondente à violência.
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:
I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por
parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de
trabalho;
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou
se apodera de documentos ou objetos pessoais do
trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
I – contra criança ou adolescente;
II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
origem. (Grifo Nosso)
O dispositivo do Código Penal, em que trata da submissão de
alguém a condições análogas a escravidão, propõe-se a tutelar o bem
jurídico da liberdade individual, um direito fundamental presente na
Constituição Federal de 1988, assim como preza por manter a integridade
física e moral, garantindo a dignidade do indivíduo. Quando o dispositivo
legal profere o termo “reduzir alguém a condições análogas à de escravo”,
remete-se a perca total do bem jurídico da liberdade e da dignidade
humana, visto que coloca uma pessoa sob o poder de outra, retirando sua
capacidade e personalidade, o remetendo a condição de coisa, em que há
a submissão da vitima à posse e dominação de outrem.
6
Decreto-Lei nº. 2.848, de 7 de Dezembro de 1940.
Geralmente
essas
coações
ocorrem
por
parte
do
patrão
(dominador), podem ser empregadas diversas formas de coação para
manter outro sobre seu poder, assim, o trabalhador cria um vinculo de
dependência assumindo dívida com este patrão, ficando impedido de
deixar o local, e assim, é privando o seu direito de liberdade, o que
caracteriza como crime segundo do Código Penal Brasileiro:
Art. 203 - Frustrar, mediante fraude ou violência, direito
assegurado pela legislação do trabalho:
Pena - detenção de um ano a dois anos, e multa, além
da pena correspondente à violência.
§ 1º Na mesma pena incorre quem:
I - obriga ou coage alguém a usar mercadorias de
determinado estabelecimento, para impossibilitar o
desligamento do serviço em virtude de dívida;
II - impede alguém de se desligar de serviços de
qualquer natureza, mediante coação ou por meio da
retenção de seus documentos pessoais ou contratuais.
§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a
vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou
portadora de deficiência física ou mental.
No atual sistema escravista, existe a figura dos aliciadores, que
também são conhecidos em algumas regiões como “gatos”, a eles cabem
o trabalho de recrutar pessoas para trabalharem. O código penal prevê
essa pratica como crime, segundo o art. 207:
Art. 207 - Aliciar trabalhadores, com o fim de levá-los de
uma para outra localidade do território nacional:
Pena - detenção de um a três anos, e multa.
§ 1º Incorre na mesma pena quem recrutar
trabalhadores fora da localidade de execução do trabalho,
dentro do território nacional, mediante fraude ou cobrança
de qualquer quantia do trabalhador, ou, ainda, não
assegurar condições do seu retorno ao local de origem.
§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a
vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou
portadora de deficiência física ou mental.
Portanto, fica evidente que no Brasil, existe um sistema de leis que
criminalizam as pratica da escravidão, como também todas as formas que
auxiliam para a ocorrência dessa violência.
4 O “Trabalho Escravo” de Imigrantes latinos no Brasil
contemporâneo
A exploração de imigrantes no Brasil pode ser retratada em diversos
períodos, ao se tratar dos imigrantes latino-americanos são as mais
evidentes no trabalho escravo urbano no Brasil, as vitimas dessa
escravidão são imigrantes em situação ilegal, são bolivianos, paraguaios,
peruanos e chilenos vivendo em situação lastimável em algumas cidades
brasileiras.
Estes imigrantes latino-americanos chegam ao Brasil através da
rede de tráfico, esse tráfico pode ser de duas formas, a primeira seria o
trafico de migrante, e a segunda seria o tráfico de pessoas. A
diferenciação dessas duas formas de tráficos tem o consentimento do
individuo como um ponto importante.
No tráfico de migrantes, a pessoa consente em ser traficada com o
objetivo de cruzar uma fronteira ilegalmente, está por sua vez é sempre
transnacional, e assim o delito cometido é cometido contra as leis de um
Estado receptor, e o migrante internacional é considerado infrator de leis
de imigração do país em que se encontra. Quanto à relação que existe
entre o traficante e o migrante, ela termina após a realização da
transposição do mesmo a fronteira.
Já o tráfico de pessoas, quanto ao consentimento da vítima, se a
mesma consentir, será por meio de coação do aliciador ou por esta iludida
com as promessas que não se concretizará ao chegar ao destino desejado.
Esse tráfico pode ocorrer dentro de um mesmo território, e assim o delito
cometido é contra a pessoa, que é considerada vítima. Já a relação entre
a vítima e o traficante é continuada após a vítima atingir seu destino.
No caso dos imigrantes latino-americanos no Brasil, existem
situações em que os mesmos buscam alguém para facilitar sua travessia
ao Brasil, o que se configura como tráfico de migrantes. E outras vezes
são persuadidos a migrar com base em falsas propostas feitas por
aliciadores, configurando assim, o trafico de pessoas. Assim, o trafico de
migrantes e os de pessoas muitas vezes entrelaçam-se, em um só caso.
No Brasil, mas especificamente em São Paulo, estima-se que
existam mais de 600 mil7 imigrantes latino-americanos que vivem em
situação de “trabalho escravo”, em sua maioria são atraídos por
empresários para trabalharem em suas fábricas, recebendo salários
miseráveis, alimentações péssimas, jornadas de trabalho acima do
permitido, e os locais de trabalho insalubres e em péssimas condições,
sem nenhum tipo de segurança e fiscalização.
Os trabalhos dos imigrantes latinos acontecem geralmente de forma
degradantes aliado ao cerceamento da liberdade, esse segundo fator nem
sempre é visível, uma vez que não mais se utiliza correntes para prender
o homem a terra, mas sim ameaças físicas, terror psicológico, dívidas
contraídas sem justificativas, prisão de documentos. E são esses fatores
que configura o “Trabalho escravo” contemporâneo, e uma das grandes
vulnerabilidades dos imigrantes no Brasil, é a sua situação irregular, pois
os mesmo acabam virando alvos fáceis de coações e chantagens, isso é
explicado por que:
O status imigratório irregular desses indivíduos é um fator
de vulnerabilidade que facilita situações de superexploração
laboral, já que, por medo da deportação, eles tendem a não
procurar autoridades públicas e a não realizar denúncias.
(Timóteo, 2010, p. 32)
7
Segundo estimativas do Serviço Pastoral dos Migrantes, entidade ligada à Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB) - Disponível em:
<http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2008/03/080320_imigracaobrasililegais.shtml>. Acesso
em: 15 de fev. de 2011.
Muitas empresas atraem esses imigrantes pela sua condição de
mão-de-obra
barata
e
sua
situação
ilegal e
sem documentações,
forçando-os a trabalharem sob condições desumanas, no caso dos
bolivianos que trabalham em fabricas de roupas, os empresários utilizam
a mão-de-obra barata desse imigrante para entrar no mercado com
produtos de baixos custos e produzir produtos a ponto de competir no
mercado de forma desigual, em busca da obtenção de lucro. Tímoteo
(2010, p. 32), explica que:
Nas oficinas que empregam imigrantes, jornadas exaustivas
são comuns. Geralmente a remuneração é calculada com
base na produtividade e o trabalhador, por receber apenas
alguns centavos por cada peça costurada, busca laborar até
o seu limite. Isto contribui para que os trabalhadores
explorados muitos vezes não acreditem vivenciar uma
situação de trabalho análogo à escravidão. O indivíduo
justifica sua jornada exaustiva dizendo que encara a
situação como transitória, pois tem como objetivo
economizar, pagar as dívidas com o empregador e
posteriormente abrir uma oficina de costura própria.
As oficinas funcionam em porões ou locais escondidos, pois a
maior parte delas é ilegal, sem permissão para funcionar. E
para que suspeitas não sejam levantadas pelos vizinhos, que
acabariam alertando a polícia, as máquinas funcionam em
lugares fechados, onde o ar não circula e a luz do dia não
entra. Para camuflar o barulho das máquinas, música
boliviana toca o tempo todo. (SAKAMOTO, 2006)
Os cômodos são divididos por paredes de compensado. Essa
é uma estratégia para que os trabalhadores fiquem virados
para a parede, sem condições de ver e relacionar-se com o
companheiro que trabalha ao lado – o que poderia resultar
em mobilização e reivindicação por melhores condições.
(SAKAMOTO, 2006)
Outro ponto que alimenta a manutenção do sistema é a coerção
psicológica a que são submetidos os bolivianos. Por estar, a grande
maioria, em situação ilegal no país, sofrem ameaças por parte dos patrões
de que, se tentarem fugir ou reclamarem daquela situação degradante,
será denunciado às autoridades.
Esses
milhares
de
imigrantes
vêm
ao
Brasil
em
busca
de
oportunidades melhores de vida e a chance de enviar recursos para seus
familiares, em seus países de origem, aqui no Brasil esse imigrantes
enfrentas os mesmos casos e problemas que os brasileiros no exterior
sofrem com preconceitos, horas excessivas de trabalho, dificuldades para
legalização e baixos salários, ao chegar ao Brasil se deparam com uma
realidade totalmente diferente da imaginada.
Portanto,
nesse
novo
sistema
de
escravidão
são
freqüentes
descontos relativos às despesas com alimentação e moradia, e em certos
casos os trabalhadores têm seus documentos retidos, o que cada vez mais
aumenta a dependência entre o patrão e o trabalhado, essa dependência
chegando ao ponto de acorrentá-lo psicologicamente ao trabalho para
solver uma divida que não acaba, e cada vez mais o torna escravo.
5 Proteção aos Imigrantes no Brasil?
No que diz respeito ao sistema de proteção aos imigrantes no Brasil,
o país possui o Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/80), que decide a
situação jurídica dos estrangeiros no Brasil, garantindo a todos os direitos
reconhecidos aos brasileiros, nos termos das constituições e das leis
vigentes no país. Cabendo lembrar que o Estatuto não regula as situações
jurídicas dos imigrantes em situação irregular.
Outro importante instrumento de combate ao quadro de exploração
laboral de imigrantes, porque busca eliminar um fator de vulnerabilidade
desta população: a irregularidade imigratória foi:
Lei nº. 11.961/09 e a prorrogação do Registro Nacional de
Estrangeiros (RNE):
Art.1º Poderá requerer residência provisória o estrangeiro
que, tendo ingressado no território nacional até 1o de
fevereiro de 2009, nele permaneça em situação migratória
irregular.
Em 2005 o governo brasileiro fechou um acordo bilateral com o
governo boliviano, permitindo a imigrantes que chegaram até 15 de
agosto de 2005obter o Registro Nacional de Estrangeiro (RNE) provisório.
O RNE é um documento de identidades para estrangeiros residentes no
país. No ano de 2009, o governo estendeu o acordo, em parte, permitindo
a prorrogação de RNE provisório até 2009. Porém exigiu mais documentos
e dos imigrantes.
Outra ação no Brasil que visa à proteção do imigrante é a Pastoral
do Migrante8, que se trata de um serviço eclesial voltado para a acolhida,
orientação e inserção socio-religiosa dos migrantes sob a animação das
Congregações dos Missionários e Missionárias Escalabrinianos, que atuam
no Brasil em estreito vínculo com o Setor de Mobilidade Humana da
Comissão Episcopal para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz, da
CNBB e com o Serviço Pastoral dos Migrantes.
A Pastoral do Migrante tem lutado junto ao governo para aprovação
de três medidas, uma delas é a promulgação de uma nova lei de
migração. E as outras é a aprovação da Resolução 45/158 da ONU –
Direitos dos Trabalhadores Migrantes e de seus Familiares, que o Brasil
ainda não ratificou. Diferentemente de outros países da America Latina
como a Argentina que ratificou e reformou nova lei da imigração (Lei. nº
25.871/04) e o Uruguai que também ratificou e reformou nova lei da
imigração (Lei. nº 18.250/08).
Importante mencionar que na Argentina e no Uruguai a qualidade de
imigrante seja em qualquer situação, não o impedirá de utilizar serviços
8
Tem por objetivo promover a dignidade da pessoa do migrante, renovando a comunidade para construir uma
sociedade justa, fraterna e solidária. http://www.pastoraldomigrante.org.br/
essenciais para a dignidade da pessoa humana, como saúde, educação,
assistência social, atenção sanitária e a justiça.
Outro sistema de proteção, que poderá diminuir a exploração dos
latinos é a aprovação da Lei de Residência do MERCOSUL9 (Decretos n.º
6.964/09 e 6.975/09), que permitiria aos imigrantes nascidos em países
membros e associados viver em qualquer nação do bloco econômico.
6 Considerações Finais
Diante de todo o exposto, fica claro que no Brasil tem um sistema
de lei que supre em parte as necessidades dos imigrantes em situações de
escravidão, assim como a própria escravidão em todas as suas formas,
porém o que falta é a luta pela promoção de políticas públicas voltadas a
esse segmento populacional, o imigrante.
Apesar dos avanços, o Brasil ainda não ratificou a Convenção da
ONU sobre os Direitos dos Trabalhadores Migrantes e de seus Familiares.
Esse instrumento é de suma importância, pois diz respeito aos direitos e
proteções dos trabalhadores imigrantes, inclusive os ilegais.
É visto que a escravidão contemporânea não está ligada a cor, raça
ou etnia do indivíduo, mas a uma série de fatores sociais como a ausência
de condições de subsistência do trabalhador e de sua família em sua
região de origem. A falta de informações sobre seus direitos também
contribui para que ocorra a exploração.
Assim, o Brasil deve procura estabelecer as situações dos imigrantes
e sua importância no processo de integração econômica, social e cultural
na América Latina, havendo uma integração dos imigrantes no conceito
contemporâneo de cidadania, tendo por base o respeito mútuo, aos
9
Dispõe sobre a implementação do Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados Partes do Mercado
Comum do Sul – MERCOSUL, bem como sobre as regras comuns para a autorização de residência aos
cidadãos dos países do Mercosul, Bolívia e Chile destinadas a avançar no processo de integração regional.
direitos humanos desses, e o reconhecimento da
riqueza cultural
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O trabalho escravo de imigrantes